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A visualização de dados no sistema narrativo digital jornalístico1 Mayanna Estevanim2
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Resumo A visualização de dados está cada vez mais presente nos meios de comunicação e iniciativas jornalísticas que buscam conteúdos aprofundados e inovadores na apresentação da informação. As imagens estão relacionadas a um grande volume de dados que são resultados de análises e interpretações que transformaram dados (nas suas mais diferentes extensões) em informação estruturada gerando conhecimento. Neste sistema narrativo, que faz parte do jornalismo de dados, a visualização é um formato que agencia as camadas de dados e metadados, com inúmeras possibilidades de elementos combinatórios podendo ser gráficos, estatísticas, ferramentas interativas em narrativas muitas vezes não-lineares. Este artigo faz parte dos estudos teóricos desenvolvidos no mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Palavras-chave Visualização de dados; formato; sistema narrativo; jornalismo de dados; design Introdução
No dia 8 de março de 2016, o jornal O Estado de S. Paulo esteve em 4o lugar no
Trending Topics do Twitter Brasil. Como parte de uma campanha pelo Dia Internacional da
Mulher, o jornal abriu seu perfil e divulgou relatos de violência exatamente como eles são
registrados no país, a cada 7 minutos3. O Estadão registrou 11,6 milhões de visualizações
em seu perfil. Um aumento de mais de 152% em sua média diária. Segundo dados do
Twitter, em 24 horas a hastag # 7minutos1Denuncia teve 28,2 mil menções. As 205
denúncias foram retuitadas mais de 23 mil vezes. De acordo com o professor e pesquisador
Fábio Malini, do Labic/UFES, foi um exemplo de jornalismo e transmidialidade. “Só isso
evidencia que o "espalhar em massa", ação de sujeitos diferentes (incluindo aí grupos
feministas), alcançou o objetivo do Estadão em propagar a indignação contra a alta
1 Trabalho apresentado no GP Ciberculturas, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Jornalista, mestranda e pesquisadora do Grupo Com + orientanda da Profa. Dra. Elizabeth Saad, bolsista CNPQ. E-mail: [email protected]. 3 Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-do-estado-no-dia-da-mulher-repercute-no-twitter,10000020436. Acesso em 10 de marco de 2016.
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estatística de violência contra a mulher”. A tradução do comportamento da rede em
imagem, feita pelo Gephi, ficou desta forma:
Figura 1 – Hashtag # 7minutos1Denuncia; Twitter do dia 8 de março de 2016.
Fonte: Perfil Fábio Malini, Facebook, 2016
Este exemplo envolveu um método de análise de redes que busca identificar,
processar e interpretar os pontos de vistas que são expressos no espaço e tempo das
interações em redes sociais. Pontos de vista que muitas vezes partem de reflexões
complexas que envolvem teorias antropológicas (como as formuladas por Eduardo Viveiros
de Castro de onde são retirados os conceitos de perspectiva e relação); os estudos sobre
cartografia, grupos, mediadores, intermediários (que advém muitas vezes de Bruno Latour
sobre a teoria ator-rede); envolvem conceitos de clusterização, modularidade, centralidade,
densidade (oriundos da teoria dos grafos). A análise dos dados e geração da imagem gerada
pela hastag # 7minutos1Denuncia foi divulgada no dia 9 de março. Um dia depois do
fenômeno. Informações que dizem respeito sobre comportamento coletivo, engajamento do
público e retorno imediato para o próprio veículo de comunicação sobre a sua iniciativa. É
um exemplo que está inserido no universo que objetivamos apresentar ao longo da pesquisa
de mestrado desenvolvida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (2016), uma contextualização do jornalismo contemporâneo, onde ele se encontra,
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assim como onde estão os estudos do jornalismo no que diz respeito ao grande volume de
dados.
Neste artigo temos como proposta discutir a visualização de dados no jornalismo,
um formato que faz parte do sistema narrativo digital. Pela relação entre os estudos da
comunicação com a tecnologia, dos formatos, da comunicação mediada por computador e
dos processos de digitalização envolvidos, optamos pela inserção no Grupo de Pesquisa
Ciberculturas. Abordaremos a hipermidialidade, o formato e o design como elementos
estruturantes das produções.
Recorremos inicialmente aos estudos sobre jornalismo de dados e sistema narrativo.
Uma vez que concordamos com a visão de que o jornalismo de dados ou data-driven
jornalism é uma consequência do desenvolvimento alcançado pelo jornalismo digital, pela
tecnologia de bases de dados, pela expansão da Internet e de iniciativas de informações
livres ("open data"), assim como pelo barateamento dos processos produtivos online
(BARBOSA, 2007). Também corroboramos que narrativa como sistema é a visão de um
conjunto complexo, artificial, no qual atuam distintos atores humanos e não-humanos,
sendo necessária a compreensão das camadas e dos elementos contidos no processo de
contar as histórias, de trabalhar o elo entre o conteúdo, os usuários e a cognição
(BERTOCCHI, 2013).
O jornalismo de dados e ambientes hipermídia
No jornalismo, as inúmeras possibilidades de elementos combinatórios, gráficos
estatísticos, interativos, aliados ou não a uma narrativa fazem parte do jornalismo de dados,
que representa uma forma diferenciada de jornalismo, onde o seu objetivo é encontrar as
pérolas da notícia (CRUCIANELLI, 2014), contando para isso com ferramentas digitais
para manusear os dados. Reúne as técnicas do jornalismo investigativo, de profundidade, de
precisão, analítico e da reportagem assistida por computador4. Para a pesquisadora Suzana
Barbosa (2007), o jornalismo de dados traz as características da quarta fase do jornalismo
digital5, uma transcodificação do jornalismo em um novo formato, o das bases de dados,
4 Em síntese feita por Crucianelli (2014), temos o jornalismo investigativo como uma abordagem que se trata de um tema de relevância social que alguém quer manter em segredo. O jornalismo de profundidade é semelhante ao jornalismo investigativo, com a diferença que ele não é mantido em segredo. O jornalismo de precisão envolve o uso de métodos da investigação social aplicados ao jornalismo em investigações qualitativas e quantitativas. Como o próprio nome diz, o jornalismo analítico faz análises com o intuito de oferecer provas baseadas em interpretações de dados. Já o jornalismo assistido por computador é o processo que utiliza a assistência de computadores durante a relação e processamento de dados. 5 A quinta fase tem as mídias móveis como agentes de um novo ciclo de inovação, a existência de um nível expressivo de replicação de conteúdos na distribuição multiplataforma/cross-media (BARBOSA, 2013).
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com funções de indexar objetos multimídia (sons, imagens, gráficos), armazenar material
produzido e de arquivo (memória), agilizar produções, compor conteúdos para a web,
recuperar, informações e, principalmente, cruzar dados que gerem uma nova informação
visual e dinâmica.
Os desafios do jornalismo na contemporaneidade, portanto, envolvem o grande
volume de dados, como armazená-los, como acessá-los, quais conteúdos são relevantes e
como usá-los. Envolve também as questões de público e privado, em um cenário em
constante mudanças, aprendizado e aperfeiçoamento. Os trabalhos são cada vez mais
criativos, complexos e unem recursos como áudio, vídeo e texto em narrativas originais e
não-lineares. A comunicação em rede acelerou todo o processo de transmissão de
informação, onde a imersão é uma condição de habitação, revelada pela experiência da
construção da relação de sentido entre ambientes e usuários, onde o mais importante na
forma de observar o cotidiano não é a descrição dos produtos culturais, mas sim as diversas
maneiras que tem os usuários de utilização desses produtos” (BAIRON, 2011, p. 87).
Falamos de ambientes hipermídia, que na visão do professor Sérgio Bairon, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, são “a expressão não-linear da
linguagem, que atua de forma multimidiática e tem sua origem conceitual no jogo”
(BAIRON, 2011, p 7).
De acordo com o estudo desenvolvido pelos pesquisadores Chris Anderson, Emily
Bell e Clay Shirky no relatório Jornalismo Pós-Industrial - adaptação aos novos tempos
(2012), pelo Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism Schoolintitulado6,
as condições técnicas, materiais e os métodos empregados na apuração e divulgação das
notícias até o fim do século XX não se aplicam mais. “Estamos em meio a uma revolução, e
a adaptação às novas fronteiras da profissão é a condição de sobrevivência nesse cenário,
que prevê o uso intensivo de base de dados, além da interação com múltiplas fontes e com o
público” (ANDERSON et al., 2012, p. 30). O relatório partiu de cinco grandes convicções:
a) o jornalismo é essencial; b) o bom jornalismo sempre foi subsidiado; c) a Internet acaba
com o subsídio da publicidade; d) a reestruturação se faz, portanto, obrigatória; e) há muitas
oportunidades de fazer um bom trabalho de novas maneiras. Neste universo focamos na
visão de que o jornalista não é somente um narrador de fatos. Hoje ele também pode ser o
6 A revista ESPM publicou o artigo Jornalismo pós-índustrial – adaptação aos novos tempos. São 60 páginas (sem gravuras) divididas em três partes com o estudo preparado pela Columbia University sobre como a imprensa pode prosperar para além do mercado em crise. Disponível em: http://www.espm.br/download/2012_revista_jornalismo/Revista_de_Jornalismo_ESPM_5/files/assets/common/downloads/REVISTA_5.pdf.
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responsável por coletar, apurar, interpretar e contextualizar fatos. Diante do cenário
tecnológico pode recorrer a gráficos interativos, solicitar imagens e informação ao
público/leitor, disponibilizar acesso direto a bancos de dados e distribuir matéria por redes
sociais.
Acreditamos que a prática do jornalismo digital se dá a partir do agenciamento
coletivo de diferentes atores como jornalistas, designers, engenheiros, programadores,
arquitetos de informação, especialistas em negócios, usuários, algoritmos, robôs, softwares,
entre outros. E que neste ecossistema comunicacional, o jornalista assume o processo de
humanização dos dados servindo como um investigador, alguém que traduz e conta fatos. O
jornalista pode participar tanto como produtor do conteúdo, como do desenvolvimento de
softwares, por exemplo. E como aponta a pesquisadora Daniela Bertocchi (2013), é
exatamente no backend jornalístico que ocorrem as mudanças mais significativas do
sistema narrativo.
Visualização de dados e sistema narrativo no jornalismo digital
A visualização de dados diz respeito aos modos diferenciados de se representar
informações jornalísticas a partir da sua estruturação em base de dados. É um meio para
jornalistas, designers, programadores e demais profissionais envolvidos analisarem e
investigarem relações entre dados, como também transformar em informação visualmente
estruturada os dados. Como produto final midiático objetiva facilitar a compreensão de
conteúdos complexos. É um processo não-linear, trabalhado no jornalismo de dados que se
encontra em área fronteiriça de estudo porque envolve diferentes caminhos teóricos e
práticos, inclusive os já amplamente trabalhados na área da Comunicação, como o
jornalismo visual. No entanto, não se restringe somente a ele, uma vez que envolve outros
elementos. O que o diferencia de outras práticas é, principalmente, a sua origem e apuração
que requer diferentes expertises no fazer jornalístico que emergem a partir de congruências
e manuseio de grande volume de dados.
Corroborando com o Manual de Jornalismo de Dados7 (GREY et al. 2012), ao
contrário de outros recursos visuais, como a fotografia e o vídeo, a visualização de dados
está enraizada em fatos mensuráveis. Pode ser eficaz tanto para apresentar notícias,
transmitindo rapidamente informações pontuais como a localização de um acidente e o
7 Disponível em: http://datajournalismhandbook.org/pt/index.html. Acesso em 30 de janeiro de 2015.
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número de vítimas, como para reportagens, nas quais pode aprofundar um tema e oferecer
uma nova perspectiva sobre algo familiar. Os processos de refinamento dos dados
representam a convergência de diversos campos significativos em um processo produtivo
cada vez mais importante para as práticas jornalísticas, uma aproximação às ciências
através do uso de tecnologias e métodos de análise. Para nós a visualização é um meio de
transformar dados em informação semântica, criando ou não ferramentas para que qualquer
pessoa faça a leitura e interpretação de um processo informativo. As bases de dados não
necessariamente aparecerão ao usuário/leitor, uma vez que podem servir apenas como fonte
para a produção de conteúdos jornalísticos, além de apresentações infográficas, mapas,
entre outros recursos visuais. Na reportagem Compare o desempenho das seleções da Copa
em 10 indicadores8, desenvolvida pela equipe do blog Estadão Dados9, do jornal O Estado
de S. Paulo, por exemplo, foi feito um acompanhamento histórico da Copa do Mundo
inspirado num gráfico que foi publicado nos EUA, pelo estatístico Nate Silver, autor do
blog FiveThirtyEight10 e que trabalha na ESPN. Figura 2 – Infográfico interativo permite comparar o desempenho das seleções da Copa
Fonte: blog.estadaodados.com, junho de 2016
8 http://blog.estadaodados.com/compare-o-desempenho-das-selecoes-da-copa-em-10-indicadores/ 9 http://blog.estadaodados.com/ 10 http://fivethirtyeight.com/
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O gráfico feito no Infogr.am11 é interativo e permite que o usuário observe o número
de gols, passes, a porcentagem de passes certos, a porcentagem de bolas, cruzamentos,
chutes, bolas recuperadas, faltas cometidas, quilômetros percorridos com e atrás da bola
entre mais de 20 países. Já a ferramenta Vai Passar12, desenvolvida pela mesma equipe,
permitiu, a partir da escolha de um líder partidário, saber qual a chance de um projeto
passar na Câmara. A pesquisa é feita pelo leitor com base na votação tendo as opções de
maioria simples, maioria absoluta ou emenda à Constituição. De acordo com o
coordenador do Blog Estadão Dados, jornalista José Roberto de Toledo, nem tudo rende
uma ferramenta em visualização. Em alguns casos, faz sentido você ter uma ferramenta de
acompanhamento permanente pois “é um filme de algo que continua acontecendo, tem um
passado, um presente, um futuro. É uma situação mutante, ao longo do tempo, muda de um
dia para o outro” (TOLEDO, 2016). Em outros casos, o propósito pode ser outro, o de
narrar uma história, uma história baseada em dados, por exemplo.
Figura 3 – Ferramenta interativa aponta qual a chance de um projeto passar na Câmara
Fonte: blog.estadaodados.com, 2016
11 O Infogr.am é como se fosse um Adobe Illustrator para a produção rápida e fácil de infográficos. Ele permite que qualquer pessoa (dedicada) e com um mínimo de experiência (ou curiosidade para aprender), consiga criar infografias em torno de três passos: selecionando um design, adicionando os dados e compartilhando ou incorporando a infografia. Outras informações em: https://infogr.am/pt-br 12 Disponível em: http://estadaodados.com/vai-passar/
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Concordando com as pesquisadoras da Universidade de São Paulo, Daniela
Bertocchi, Stefanie Silveira e Isadora Camargo (BERTOCHI et. al 2015), no jornalismo, a
experiência narrativa começa a ser discutida quando são definidas estratégias de produção
de formatos para múltiplos dispositivos. São necessárias soluções de usabilidade e design
para os produtos levando em consideração não somente os elementos textuais presentes nas
interfaces gráficas, mas também a arquitetura de informação que será decisiva na
experiência do usuário final. A narrativa passa a ser vista também como uma articulação de
dados e metadados em formatos com um propósito determinado. Não é uma junção de
camadas computacionais soltas, pelo contrário, possui camadas que são interligadas. A
camada dos dados, da database, é uma camada estrutural, mas não é a única a definir as
regras do sistema.
Para o teórico russo Lev Manovich (2002), o caminho de estrutura de uma narrativa
imbrica a experiência do homem com as tecnologias disponíveis. No entanto, ele defende
que aliado aos dados computadorizados, a síntese numérica em que as imagens são
transformadas devem ser desenvolvidas com estética e elementos poéticos no banco de
dados. Daniela Bertocchi propôs em sua tese doutoral um modelo de sistema narrativo,
explicando em atos o que cada fase representa (BERTOCCHI, 2013, p.70):
• Ato I – Antenarração dos dados – o levantamento e a seleção das informações de
interesse público guardadas nas bases de dados;
• Ato II – Antenarração dos metadados – a semantificação destes dados para
compreensão de softwares e algoritmos, para a apresentação de narrativas nas
interfaces digitais e também para a organização interna de dados em sistemas
publicadores;
• Ato III – Narração ou formatação narrativa – a organização corporificada da
narrativa na interface digital para acesso dos usuários finais.
Fazer com que dados de fontes distintas e diferentes extensões dialoguem é um
desafio, onde a aproximação da programação com os jornalistas, principalmente na fase de
antenarração dos dados é determinante para o desenvolvimento de todo o sistema narrativo.
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Figura 4 – O Sistema Narrativo no Jornalismo Digital (BERTOCCHI, 2013)
Fonte: BERTOCCHI, 2013, p. 70.
Na produção jornalística no ambiente online os profissionais podem escolher toda a
estrutura da formatação narrativa (BERTOCCHI, 2013), o template, o design de
informação, os fluxos de navegação, os metadados. Por isso a importância do formato e do
design no sistema narrativo para levar o conteúdo de forma estratégica para se alcançar os
objetivos, pensando teoria e experiência.
Formato e design no sistema narrativo
De acordo com Daniela Bertocchi “a narrativa como sistema começa a ser
construída em cima da codificação maquínica e, conforme as camadas de bases de dados
vão dialogando com outras camadas, forma-se um tecido narrativo. Quando a narrativa
chega a uma interface para o usuário, ela já foi formatada, renderizada e o seu fluxo
continua, uma vez que os usuários acrescentam comentários, compartilham o texto, links.
“A narrativa assim manifesta-se a partir da interação entre camadas computacionais, – a
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strata – e revela- se portanto um processo artificial de design informático” (BERTOCCHI,
2013, p. 55) . A camada mais próxima da superfície é o formato. “Os formatos modelizam
as linguagens digitais. Formatos são interfaces para as bases de dados disponíveis no
ciberespaço” (RAMOS, 2011, p. 55).
De acordo com a professora do Programa de Pós-graduação em Meios e Processos
Audiovisuais da Universidade de São Paulo Irene Machado (2007), o formato é o “design
de gênero”, onde o formato não configura um gênero, mas o design de gêneros. Enquanto o
gênero discursivo é da ordem da língua, o formato é da ordem das linguagens modelizadas
pelos códigos culturais tecnológicos. Para a pesquisadora, não estando no ambiente
semiótico da codificação tecnológica, o formato não pode ser concebido. Por sua vez, o
design funciona como um desenho, uma construção da escrita digital. A noção de design é
fundamental para o sistema narrativo, uma vez que o design é que torna a operação da
escrita digital possível. Em concordância com Daniela Ramos (2011), criar um design
significa planejar, desenvolver uma série de critérios e delinear um roteiro, de forma
intencional, para chegar a algum ponto, há alguma coisa.
Concordando com a pesquisadora Daniela Ramos (2011), acreditamos que os
aspectos do formato do design digital não se restringem à área de navegação na tela, à
própria navegação ou a rolagem. “O formato é resultado do desenho informático, o que
pode conter muitas variáveis, pois a execução do design não é física e palpável, mas um
processamento de códigos e linguagens na tela digital, uma síntese do design
informático”(RAMOS, 2011, p. 45). Os formatos estão armazenados em bancos de dados
de empresas jornalísticas e acessados pelos usuários que solicitam o formato por meio de
um clique de mouse em interfaces variáveis. Ao combinar imagem, som e escrita com a
relação de sentidos é preciso se envolver com as epistemologias, de como essa experiência
é construída; saber a melhor forma de explorar e de analisar os diferentes aspectos da
experiência humana através de diferentes meios de comunicação. É preciso repensar o
visual em múltiplos níveis de engajamento e diversos públicos, atentando para os desafios
que surgem a partir da experiência e da representação.
No curso sobre Visualização de Dados e Infografia, ministrado pelo jornalista e
infografista Alberto Cairo (2014), após a apuração dos dados, é preciso fazer o esquema,
como apresentar os dados. Este esboço, geralmente, é feito à mão. O que precisamos
entender, são os processos. Não são só produtos, são fluxos, onde o jornalismo deve ser o
centro da execução. Não é só a visualização, é o conceito envolvido que nos leva a entender
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o papel do design no ciberespaço. Há caminhos técnicos já traçados que auxiliam a entender
melhor este universo; há técnicas sim, mas é preciso muito mais, é preciso também trazer
humanidade aos dados. De acordo com Cairo (2014), fazer as perguntas certas e apresentá-
las da melhor forma possível.
É possível decidir objetivamente sobre quais formas e gráficos são mais adequados? 1. Pense sobre a audiência e sobre a publicação; 2. Pense nas perguntas que seu gráfico deve ajudar os leitores a responder; 3. Você pode entendê-lo sem ter que ler cada figura? (CAIRO, 2014, tradução nossa)13
Para os pesquisadores Edward Tufte (1990) e Alberto Cairo (2014), os infográficos, por
exemplo, devem priorizar elementos visuais que sejam de fato funcionais e que contribuam
para a eficácia do entendimento do assunto abordado, não sendo apenas ornamentais. Ao
abordar o pensamento visual, o autor Dan Roam (2008) discute pilares que são os principais
elementos presentes no processo de desenvolvimento de infográficos: 1ª etapa: olhar ou
coletar dados; 2ª etapa: ver ou selecionar e criar padrões com dados; 3a etapa: imaginar ou
estabelecer conexões não aparentes; 4ª etapa: mostrar ou traduzir visualmente as etapas
anteriores com a escolha de recursos gráficos. A pesquisadora Carla Cristina da Costa
Teixeira (2014), em sua tese doutoral no Departamento de Artes & Design, na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro aplicou com sucesso os conceitos de Dan Roam na
construção de infográficos. Para ela, responder as perguntas propostas por Roan ajudam a
colocar o profissional do design no lugar do receptor:
(...) as perguntas também representam um exercício para tentar captar que perguntas o leitor gostaria que fossem respondidas pelo infográfico, ajudando o designer a se colocar na posição do receptor da mensagem visual, e não apenas como mero emissor sem levar em consideração as necessidades e peculiaridades dos indivíduos para quem está se comunicando, como faz um verdadeiro design thinker. (TEIXEIRA, 2014, p. 162).
Em meio as mudanças e as adaptações de novas formas de contar histórias baseadas
em dados aparecem novas possibilidades para o jornalismo. No entanto, elas exigem
diferentes formas de organização e, como já mencionado, somente incorporar técnicas não
serão suficientes para a adaptação a este ecossistema. Torna-se importante refletir sobre a
13 “Is it possible to objectively decide which graphic forms are more appropriate? 1. Think about the audience and the publication; 2. Think of the questions your graphic should help readers answer; 3. Can you understand it without reading every single figure?” (CAIRO, 2014). Slide referente a segunda semana de aula do curso de Visualização de Dados e Infografia, ministrado pelo prof. Alberto Cairo em abril de 2014.
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formação dos jornalistas sob a perspectiva das habilidades e competências necessárias para
o fomento do pensamento computacional no jornalismo.
Considerações
Neste artigo falamos de um jornalismo de dados que visa o entendimento de temas
complexos de relevância social e que sintoniza o jornalismo com as novas necessidades de
compreensão informativa contemporânea. Problematizamos a visualização de dados dentro
do sistema narrativo no jornalismo digital. Por relevantes entendemos pautas de interesse
público, que envolvem maior criticidade, maior aprofundamento e contextualização dos
conteúdos num cenário de grande volume, velocidade, armazenamento e variedade de
dados. Ao tratar da visualização de dados neste artigo podemos dizer que é um determinado
tipo de visualização em um determinado modo de fazer jornalismo, num determinado
cenário proporcionado pelo desenvolvimento tecnológico que possibilita o rastreamento e
correlação de informações. Para nós, a visualização é um processo não-linear, trabalhado no
jornalismo de dados que se encontra em área fronteiriça de estudo, possuindo características
próprias que o distingue de outras práticas. Consideramos a visualização de dados como um
formato que recorre à utilização de softwares de processamento de dados que estão
envolvidos nas camadas de dados e metadados do sistema narrativo, traduzindo a
complexidade dos dados e suas correlações através de modelos visuais.
Acreditamos que narrativa digital jornalística é sistema, processo, fluxo. Por essa
visão transitamos pela camada subterrânea e pela superfície narrativa. Passamos pela
antenarrativa, que é uma narrativa em potencial e seguimos para observar, na superfície,
como ela se manifesta (cores, design, formas). Tendo um olhar que se expande até a
camada do usuário. Para nós, o jornalismo de dados e a visualização de dados, preenchem
lacunas de conteúdos densos, mas que se apresentam de forma contextualizada aos anseios
de uma sociedade interconectada, que cada vez mais se representa a partir de imagens e
números.
Neste sistema narrativo atuam diferentes atores humanos e não-humanos, em
construções iniciadas em codificações maquínicas, com bases de dados que dialogam com
outras camadas até chegar a uma interface com o usuário. O usuário, por sua vez, dá
continuidade ao fluxo informativo comentando, compartilhando, se apropriando e
resignificando o conteúdo a que teve acesso. A produção jornalística no ambiente online é
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complexa, com inúmeras possibilidades e camadas de formatação narrativa. O design passa
a ser um elemento estrutural no jornalismo de dados, uma vez que é o responsável pelo
desenho, pela a organização dos dados em formatos, sendo, portanto, estratégico.
Defendemos que o jornalista não foi substituído e muito menos extinto, mas sim,
neste cenário, exerce funções de verificar, interpretar e dar sentido à enxurrada de textos,
áudios, fotos, vídeos em narrativas originais e criativas. O jornalista pode participar tanto
como produtor do conteúdo como do desenvolvimento de softwares. A criação de
programas e algoritmos que substituem parte do trabalho humano de reportagem envolve
uma série de decisões que devem ser passíveis de explicação e responsabilização para os
envolvidos. Aplicativos de softwares baseados na web precisam da mediação humana,
profissional, para emergir e interpretar as informações. Não basta torná-las acessíveis ou
legíveis; é preciso torná-las compreensíveis e relevantes, ter valor jornalístico.
O jornalismo é uma ferramenta, mas não somente técnica. As questões envolvem
contextualizações e a prática profissional deve estar associada ao contexto social e cultural.
Jornalismo não é informação primária e neste sentido a apuração é a ferramenta
fundamental que justifica a presença da profissão, que só terá o desenvolvimento da
utilidade do conteúdo com a compreensão das relações de poder, as traduções e
desvendamentos destas relações no âmbito social. Nesse novo ecossistema torna-se
relevante entender o que novos atores podem fazer hoje melhor que o jornalismo de
modelos anteriores? Que papel o jornalista pode desempenhar melhor do que ninguém? O
que os novos atores, softwares fazem melhor que os jornalistas? Para a pesquisadora
Daniela Osvald Ramos (2015, anotações)14 é preciso pensar o jornalismo fora do
jornalismo. Quanto mais esse processo acontecer, mais divertido, mais produtivo, mais
criativo o jornalismo será. “Devemos encarar a experimentação voltada à inovação como
algo a praticar e não simplesmente tolerar”, disse. “Precisamos também bancar a
humanidade, trazer as pessoas para os dados, complementou Ramos.
Referências bibliográficas
ANDERSON, Chris. BELL, Emily. SHIRKY, Clay. Jornalismo pós-índustrial – adaptação aos novos tempos, 2012.
14 Em aula realizada na Universidade de São Paulo no dia 27 de abril de 2015, disciplina Jornalismo Online.
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