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HABITAREPrograma de Tecnologia de Habitao
COLEO HABITARE
FAVELA E MERCADO INFORMAL:A nova porta de entrada dos pobres
nas cidades brasileiras
Coordenador
Pedro Abramo
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Coordenador
Pedro Abramo economista pela Universidade
Federal Fluminense (1982), com mestrado em
Planejamento Urbano e Regional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988) e
doutorado em Economia cole des Haustes
tudes en Sciences Sociales (1994). Atualmente
professor no curso de ps-graduao daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, professor
visitante da Universidade de Newcastle e professor
adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Tem experincia na rea de Planejamento Urbano
e Regional, com nfase em Fundamentos do
Planejamento Urbano e Regional, atuando
principalmente nos seguintes temas: planejamento
urbano, estruturao intraurbana, mercado
imobilirio, dinmica imobiliria e favelas.
Atualmente coordena o Observatrio Imobilirio e
de Polticas do Solo e coordenador geral das
redes de pesquisa INFO-Rio, Infosolo e
Infomercados.
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Coleo HABITARE / FINEP
FAVELA E MERCADO INFORMAL:a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
CoordenadorPedro Abramo
Porto Alegre2009
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Coordenador da ColeoPedro Abramo
Autores da Coleo (em ordem alfabtica)
Adriana Parias Durn, Ana Claudia Duarte Cardoso, Andrea Pulici, AngelaGordilho Souza, ngela Luppi Barbon, Anna Carolina Gomes Holanda,Daniela Andrade Monteiro, Emlio Haddad, Jos Jlio Ferreira Lima, JuliaMorim Melo, Mara Cristina Cravino, Maria Ins Sugai, Neio Campos,Norma Lacerda, Pedro Abramo e Ricardo Farret.
Texto da capaArley Reis
RevisoGiovanni SeccoIsabel Maria Barreiros Luclktenberg
Projeto grficoRegina lvares
Editorao eletrnicaAmanda Vivan
Imagem da capaReproduo da obra de Candido Portinari Favela, de 1958, pintura aleo sobre madeira, 66 x 100 cm.
Fotolitos, impresso e distribuioCOAN Indstria Grficawww.coan.com.br
Catalogao na Publicao (CIP).
Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo (ANTAC).
Abramo, Pedro
A161f Favela e mercado informal: a nova porta de entradados pobres nas cidades brasileiras/Org. Pedro Abramo
Porto Alegre : ANTAC, 2009. (Coleo Habitare, v. 10)
336 p. ISBN 978-85-89478-35-9
1.Habitao de Interesse Social. 2. Favela I. Abramo, Pedro.II. Srie
CDU: 728.222
2009 Coleo HABITAREAssociao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTACAv. Osvaldo Aranha, 99 3 andar CentroCEP 90035-190 Porto Alegre RSTelefone (51) 3308-4084 Fax (51) 3308-4054
Financiadora de Estudos e Projetos FINEP
PresidenteLuis Manuel Rebelo Fernandes
Diretoria de InovaoEduardo Moreira da Costa
Diretoria de Administrao e FinanasFernando de Nielander Ribeiro
Diretoria de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoEugenius Kaszkurewicz
rea de Tecnologias para o Desenvolvimento Social ATDS
Marco Augusto Salles TelesGrupo Coordenador Programa HABITARE
Financiadora de Estudos e Projetos FINEPCaixa Econmica Federal CAIXAConselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPqMinistrio da Cincia e Tecnologia MCTMinistrio das CidadesAssociao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTACServio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SEBRAEComit Brasileiro da Construo Civil da Associao Brasileira de Normas
Tcnicas COBRACON/ABNTCmara Brasileira da Indstria da Construo CBICAssociao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbanoe Regional ANPUR
Apoio Financeiro
Financiadora de Estudos e Projetos FINEPCaixa Econmica Federal CAIXA
Apoio institucional Rede Infosolo
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
Universidade de Braslia UnB
Universidade de So Paulo USP
Universidade Federal da Bahia UFBA
Universidade Federal de Pernambuco UFPE
Universidade Federal de Santa Catarina UFSC
Universidade Federal do Par UFPA
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS
Editores da Coleo HABITARE
Roberto Lamberts - UFSCCarlos Sartor FINEP
Equipe Programa HABITARE
Ana Maria de SouzaAngela Mazzini Silva ESTE LIVRO DE DISTRIBUIO GRATUITA.
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Sumrio
Introduo
Mercado imobilirio informal: a porta de entrada nas favelas brasileiras _________________________________________4Pedro Abramo
1 O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobresnas grandes cidades: um marco metodolgico _______________________________________________________________14Pedro Abramo
2 A cidade informal COM-FUSA: mercado informal em favelas e a produoda estrutura urbana nas grandes metrpoles latino-americanas _______________________________________________48
Pedro Abramo3 Ocupao urbana e mercado informal de solo em Salvador _________________________________________________80
Angela Gordilho Souza e Daniela Andrade Monteiro
4 Mercado imobilirio informal de habitao na Regio Metropolitana do Recife _______________________________112Norma Lacerda e Julia Morim Melo
5 Consideraes sobre o mercado imobilirio informal na Regio Metropolitana de Belm ______________________140Ana Claudia Duarte Cardoso, Anna Carolina Gomes Holanda e Jos Jlio Ferreira Lima
6 H favelas e pobreza na Ilha da Magia? ________________________________________________________________162Maria Ins Sugai
7 Vende-se uma casa: o mercado imobilirio informal nas favelas do Rio de Janeiro ___________________________ 200Pedro Abramo e Andrea Pulici
8 Mercado Informal de imveis em So Paulo: estudo emprico da compra,
venda e aluguel de imveis em quatro favelas ______________________________________________________________226Emlio Haddad e ngela Luppi Barbon
9 Mercado imobilirio em assentamentos informais no Distrito Federal_______________________________________ 242
Neio Campos e Ricardo Farret
10 El nuevo horizonte de la informalidad en el rea Metropolitana de Buenos Aires ____________________________272Mara Cristina Cravino
11 Mercado informal de suelo en los barrios populares de Bogot:claves para entender el crecimiento de la metrpolis _______________________________________________________ 304Adriana Parias Durn e Pedro Abramo
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
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Introduo
Pedro Abramo (coordenador)
Introduo
Mercado imobilirio informal: a porta deentrada nas favelas brasileiras
D
e forma sucinta, podemos identicar duas grandes lgicas do mundo moderno de coordenao social das
aes individuais e coletivas, que se consolidaram como dominantes a partir da construo dos Estados
nacionais e da generalizao da lgica mercantil como forma de acesso aos bens materiais e imateriais
produzidos. A primeira lgica atribui ao Estado o papel de coordenador social das relaes entre os indivduos e os gru-
pos sociais, e sua funo de mediador social dene a forma e a magnitude do acesso riqueza da sociedade. A literatura
se refere a essa perspectiva como a tradio contratualista.
Uma segunda lgica de coordenao social da sociedade moderna denida pelo mercado onde o acesso a ri -
queza social mediado predominantemente por relaes de troca contabilizadas por grandezas monetrias. O acesso
ao solo urbano a partir da lgica do Estado exige dos indivduos ou grupos sociais algum acmulo de capital, que pode
ser poltico, institucional, simblico ou de outra natureza, de tal forma que permita o seu reconhecimento como parte
integrante da sociedade e do seu jogo de distribuio das riquezas sociais. A lgica de mercado unidimensional em
relao ao requisito para ter acesso terra urbana: a possibilidade e magnitude de acesso terra est diretamente relacio-
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
nada grandeza do capital monetrio acumulado pelos
indivduos ou grupos sociais. Porm, a lgica de mercado
de acesso terra urbana pode adquirir duas formas insti-
tucionais diferentes. A primeira delas est condicionadapor um marco normativo e jurdico regulado pelo Esta-
do, na forma de um conjunto de direitos que estabelecem
o marco das relaes econmicas legais.
As prticas econmicas que se estabelecem fora da
forma de regulao institucional do Estado de Direito e
dos seus sistemas de controle, recursos e punio podem
ser denidas, em uma primeira aproximao, como prti-
cas econmicas informais. Essas relaes, quando recor-
rentes e asseguradas por alguma forma de regulao ins-
titucional paralela aos direitos, podem dar surgimento a
um mercado, isto , um encontro regular de compradores,vendedores de bens e servios, cujas transaes mercantis
se reproduzem a partir de certa liberdade de ao e deciso
dos seus participantes. Nesse caso, teramos um mercado
ou economia informal, um mercado que no estaria regu-
lado pelo sistema de direitos do Estado de Direito, mas que
garantiria o acesso a bens e servios pela via de uma tran-
sao monetria e/ou mercantil. No caso do acesso ao solo
urbano, encontramos nas grandes cidades brasileiras e la-
tino-americanas um mercado de terra urbana que no est
sujeito e regulado pelos direitos urbansticos, de proprieda-
de, tributrio e comercial, nas suas prticas de comerciali-
zao e de locao de bens e servios habitacionais.
Neste livro vamos denominar essas prticas mercan-
tis de mercado informal de solo. Apesar de o mercado in-
formal de solo transacionar bens fundirios (solo urbano ou
periurbano) e imobilirios (solo com benfeitorias), a sua baseterritorial, por denio, uma propriedade que no respeita
os preceitos do direito de propriedade e/ou urbanstico, e
assim assume uma dimenso de informalidade urbana.
Nos pases latino-americanos, bem como em parte
signicativa da frica e da sia, a urbanizao aceleradado ps-guerra, as disparidades sociais e as enormes di-
culdades nanceiras dos Estados nacionais desses pases
deram surgimento a uma terceira lgica social de acesso
terra urbana, a qual vamos nominar de lgica da ne -
cessidade (ABRAMO, 2009). A lgica da necessidade
simultaneamente a motivao e a instrumentalizao so-
cial que permite a coordenao das aes individuais e/
ou coletivas dos processos de ocupao do solo urbano.
Diferentemente das outras duas lgicas, o acesso ao solo
urbano a partir da lgica da necessidade no exige um ca-
pital poltico, institucional ou pecunirio acumulado; emprincpio, a necessidade absoluta de dispor de um lugar
para instalar-se na cidade seria elemento suciente para
acionar essa lgica de acesso terra urbana.
Ao longo do processo de urbanizao acelerada
dos anos 50 a 80, a Amrica Latina viu a lgica da ne-
cessidade promover um grande ciclo de acesso ao solo
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Introduo
urbano pela via das ocupaes populares. Essas ocupa-
es produziram os assentamentos populares informais,
que podem se chamar favelas no Brasil, villasmisriana
Argentina,barrios
na Colmbia e no Mxico, ranchosna Venezuela, barriadasno Peru ou uma constelao de
outras metforas, adjetivaes ou o que seja, mas todas
apresentam o mesmo marco de fundao, a part ir de uma
ocupao popular que se consolida mediante processos
de autoconstruo e de autourbanizao. A trajetria
desses assentamentos o resultado individual, familiare coletivo da lgica da necessidade no acesso ao solo e a
outros servios e equipamentos urbanos.
As cidades latino-americanas revelam em sua estru-
tura intraurbana e cartograa socioespacial o funcionamen-
to das trs lgicas de coordenao social que identicamosacima. Um olhar ou um passeio nas ruas, bairros, centros
e periferias das grandes metrpoles latino-americanas per-
mitem uma primeira impresso: semelhanas... No temos
dvida das marcas histricas e dos processos sociais dife-
renciados em cada uma dessas metrpoles, mas a marca
(fsica, social, poltica, cultural e, em muitos casos, tnica)
do funcionamento simultneo das trs lgicas de acesso ao
solo urbano permite uma primeira aproximao pela mo
da identidade das suas estruturas de usos do solo e do pa -
dro de segregao socioespacial em relao a equipamen-
tos e aos servios coletivos urbanos. Essa a identidade
da desigualdade urbana nas metrpoles latino-americanas,
uma desigualdade socioespacial que se soma desigualdade
social em termos de acesso riqueza produzida, cultura,
educao e a outros bens determinantes para a igualdade
republicana, que constitui uma sociedade de cidadania ple-na a todos os seus membros. Em uma palavra, as cidades do
continente so verdadeiros territrios da desigualdade.
Em relao a essa desigualdade estrutural latino-
americana, estamos seguros de que a sua superao passa
por identicar e caracterizar de forma ampla a demanda
popular de solo urbano e por qualicar as formas insti-
tucionais de regulao da reproduo socioespacial dos
territrios (assentamentos) da desigualdade urbana. Ape-
sar da importncia real e simblica dos territrios da de-
sigualdade, os estudos sistemticos e abrangentes sobre
a produo e a regulao territorial da cidade da infor-malidade (assentamentos populares informais) se restrin-
gem a estudos monogrcos e qualitativos. A necessidade
de estudos que contribuam para denir uma taxonomia
dos vrios processos de produo dos assentamentos po-
pulares (ocupao, mercados informais de loteamentos,
mercados informais de solo em reas consolidadas, etc.) e
uma tipologia dos agentes, estratgias, racionalidades que
intervm nesses processos fundamental para entender-
mos a sua lgica de produo e para dar elementos para
a formulao de polticas pblicas de enfrentamento da
necessidade de oferta de solo urbano qualicado para os
setores populares.
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
Os processos de ocupao popular que deram
origem aos assentamentos informais atuais tendem a
diminuir de intensidade. As razes so mltiplas para a
diminuio dos processos de ocupao popular do solourbano nas grandes metrpoles latino-americanas, mas
Davies (2008, p. 22) sistematiza de forma bastante sint-
tica essas razes:
A fronteira da terra livre deixou de existir h
muito tempo na maioria das cidades em desen-
volvimento. Certamente, ocupaes clssicas
ainda existem, mas a maioria est na margem:
em terras txicas, encostas ngremes e nas mar-
gens em eroso de crregos poludos onde
mais difcil transformar a terra em mercado-
ria. Nos anos 60 e 70, recm-chegados cidade
(Instambul, Deli , Cidade do Mxico, Lima, etc.)
tiveram oportunidades para cair de paraque-
das (como eles dizem no Mxico) em bairros
ou criar assentamentos porque:
1. terras perifricas extensivas ainda eram bara-
tas e frequentemente de titularidade pblica
ou duvidosa;
2. em alguns casos a ocupao era encorajada
para prover mo de obra barata;
3. elites e partidos estavam vidos por votos
e apoiadores.
Ainda segundo o diagnstico de Davies (2008, p.
22), essas condies no existem mais, e agora, recm-
chegados e jovens famlias tm que negociar em um mer-
cado de terras descomunal com poucas esperanas quegovernos permitiro ocupaes ilegais.
Nesse sentido, identicamos duas grandes la-
cunas nos estudos sobre a informalidade urbana: o
mercado informal de solo e as suas formas de funcio -
namento; e a mobilidade residencial dos pobres nos
assentamentos informais. Esse o objetivo da consti-
tuio e consolidao da Rede Infosolo Brasil, que re-
ne professores e prossionais de vrias universidades
brasileiras que trabalham o tema da informalidade ur-
bana nas principais metrpoles brasileiras. O primeiro
esforo da Rede foi a constituio de banco de dados
sobre o mercado informal de solo e a mobilidade resi-
dencial nas favelas.
A real izao de um projeto de monitoramento do
mercado imobilirio informal no incio dos anos 90 no
Rio de Janeiro e o seu desdobramento em dois outrosestudos sobre as favelas na cidade (Avaliao de 10 anos
de Poltica Pblicas nas favelas cariocas e A dinmica
econmica da favela: autarquia ou extroverso?) conso-
lidaram uma nova linha de pesquisa que alguns (SILVA,
2005; VALLADARES, 2003, 2005) classicam como
uma abertura inovadora e promissora nos estudos sobre
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Introduo
a favela no Brasil. Em 2004, o Programa Habitare permi-
tiu a constituio de uma rede de pesquisadores nacional
(Rede Infosolo - BR), que desenvolveu um projeto de le-
vantar, sistematizar e anal isar os mercados de solo infor-mais nas principais metrpoles do Brasil.
A partir da metodologia desenvolvida no Rio de
Janeiro e do apoio do Programa Habitare, a Rede Info-
solo decidiu aplicar os mesmos critrios metodolgicos
desenvolvidos nos estudos sobre as favelas cariocas emoutras cidades brasileiras. A denio das cidades que
seriam estudadas obedeceu ao critrio a seguir apresen-
tado. Em primeiro lugar, deveramos ter no estudo as
duas maiores metrpoles brasileiras (Rio de Janeiro e So
Paulo). Em seguida, optamos por escolher as principais
metrpoles regionais seguindo o critrio das macrorre-
gies brasileiras. Nesse sentido, denimos Porto Alegre,
Salvador, Recife, Belm e Braslia como as metrpoles
regionais do estudo e escolhemos uma rea metropolita-
na intermediria e relativamente recente para termos uma
noo sobre as eventuais diferenas entres as escalas eas temporalidades do problema da informalidade urba-
na. No nosso caso, escolhemos a cidade de Florianpolis
como metrpole intermediria e emergente. O projeto
envolveu universidades federais de oito cidades brasilei-
ras, administraes locais (Prefeitura) e regionais (Gover-
no Estadual) e ONGs.
O trabalho de levantamento de dados nas in-
meras favelas pesquisadas permitiu a consolidao do
primeiro Banco de Dados sobre o Mercado Informal de
Solo (MIS) Urbano e mobilidade residencial em assenta-mentos populares informais (API) com dimenso nacio-
nal. O Banco Infosolo - BR um resultado relevante para
o conhecimento da realidade dos API e permite algumas
estilizaes do comportamento do mercado para avaliar
eventuais polt icas urbanas. O grande esforo empreendi-
do para a consolidao desse banco de dados e do capital
acadmico e metodolgico acumulado na forma de rede
de pesquisa no deve ser perdido. Nesse sentido, apre-
sentamos os primeiros resultados da Rede Infosolo neste
livro. Como veremos ao longo dos inmeros captulos, as
formas de apresentar o problema da informalidade urba-
na e em particular do mercado informal de solo revelam
uma dupla dimenso de similitudes e diferenas, e ser
essa dupla caracterstica que esperamos desenvolver nos
prximos trabalhos da Rede Infosolo. A ampliao do
escopo da pesquisa para outras cidades latino-americanas
possibilitou o primeiro banco de dados latino-americanosobre o MIS (INFOMERCADO_AL). Introduzimos no
livro dois captulos que nos trazem a experincia de outras
metrpoles do continente. Os captulos sobre Buenos Ai-
res, de Maria Cristina Cravino, e Bogot, de Adriana Pa-
rias Durn, trazem as caractersticas dos mercados infor-
mais nessas duas grandes metrpoles latino-americanas e
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
utilizam os mesmos critrios metodolgicos que a Rede
Infosolo utilizou no seu estudo sobre o Brasil.
A equipe que se rene neste livro est convenci-
da da gravidade do problema da informalidade urbana e
da necessidade de promover de forma ampla polticas de
democratizao do acesso dos pobres terra urbana. Para
tal, esse grupo de acadmicos latino-americanos desen-
volveu os textos aqui apresentados, com o intuito de abrir
uma reexo sobre as novas formas de reproduo da in-
formalidade urbana e de oferecer um diagnstico e, so-
bretudo, instrumentos efetivos para concretizar polticas
redistributivas da terra em nvel urbano que permitam re-
duzir as fortes desigualdades nas grandes cidades. A pro-
posta deste livro uma continuidade de uma trajetria
de pesquisas e de intercmbio acadmico e intelectual na
escala nacional e latino-americana, e serve para dar um
salto de qualidade nos projetos que temos desenvolvido
ao longo dos ltimos dez anos.
Estamos seguros que a publicao deste livro abre
novos horizontes para o entendimento das estratgias po-pulares de construo e reproduo das cidades populares
nas metrpoles brasileiras. Esperamos que esses resulta-
dos sirvam para os mltiplos atores que atuam na supera-
o dos territrios das desigualdades das nossas cidades e
instrumentalizem o poder pblico e a sociedade civil na
construo de cidades mais igualitrias e democrticas.
Agradecimentos
Antes de darmos incio ao nosso percurso nas
ruas, vielas, becos, lajes, praas, bares e outros recantos
do universo das favelas brasileiras, que os captulos que
se seguem nos proporcionam, gostaria de fazer justia
a algumas pessoas e instituies que conaram nessa
aventura acadmica de percorrer muitas favelas brasilei-
ras para coletar informaes sobre o mercado informal
e a mobilidade residencial nos assentamentos populares
informais. Este livro e os trabalhos que deram origem
a ele so o primeiro resultado da Rede Infosolo Bra-
sil, que foi nanciada pelo Programa HABITARE, da
FINEP e Caixa Econmica Federal. Encontramos na
FINEP o apoio constante de Carlos Sartor e de Ana
Maria de Souza, que dividiram durante dois anos cadapasso do nosso trabalho de campo e permitiram uma
ampla l iberdade no desenvolvimento do projeto que deu
origem a este livro.
Este livro no teria vindo ao mundo sem o entu-
siasmo e a conana de Roberto Lamberts e da Antac.
Desde o primeiro momento, Lamberts foi incisivo e deci-
sivo: Temos que publicar os resultados do trabalho para
que a sociedade faa uso dessas informaes. A tarefa de
difuso e do amplo acesso informao como uma prti-
ca da democracia um compromisso do amigo Lamberts
que nos emociona e que nos contagia. Um agradecimento
especial a Regina lvares, que com muita pacincia e de -
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Introduo
dicao preparou a edio deste livro, e a Arley Reis, que
sempre foi uma entusiasta do projeto.
Gostaria de agradecer a FAPERJ pela conana e
apoio aos nossos trabalhos, bem como ao CNPq. Tam-
bm agradeo ao IPPUR-UFRJ pelo apoio e ambiente
acadmico estimulante. Sem o apoio dessas instituies
nosso projeto estaria apenas no desejo de uma dezena
de acadmicos.
Ao m do livro agradecemos s inmeras pes-soas que trabalharam no projeto original coletando os
dados de campo em mais de uma centena de favelas
pesquisadas. Foi a dedicao e a coragem dessa rapazia-
da que permitiu a realizao deste livro e das eventuais
publicaes que o seguiro. Essa rapaziada de campo
enfrentou sol, chuva, lama, igaraps, barranco, polcia
e bandido. Essa rapaziada, que subiu e desceu inmeras
vezes as favelas desse Brasi l armada com as suas pastas
abarrotadas de questionrios e com o uniforme que os
identicava como pesquisadores, na favela aprendeu
com a sabedoria popular e desfrutou da sua generosida-de e pacincia.
O uniforme que dava a luz verde aos nossos sol-
dados da pesquisa cou guardado no armrio da mem-
ria de cada um deles, bem como as inmeras histrias de
vida que escutaram nos lares das favelas brasileiras. Os
cafs e bolos de milho que a gentileza da populao das
favelas oferecia aos nossos soldados espero que se trans-
formem em histrias para contar aos seus netos. Enm,
boas lembranas, como tambm as correrias quando a
barra pesava e, entre tiros, nossos soldados partiam emretirada forada. A essa moada brasileira, a esses jovens
universitrios e aos jovens da favela que participaram da
pesquisa, a esses jovens que caminharam juntos de porta
em porta aplicando questionrios, conversando sobre as
suas diferenas e as suas semelhanas, o nosso obrigado
e, sobretudo, a nossa esperana que esse encontro de jo-
vens de universos sociais diferentes seja o caminho do
futuro brasileiro. Tambm agradecemos aos coordenado-
res de campo e aos nossos guias nas favelas, gente que a
cada dia preparava o campo para a moada subir e descer
os recantos da favela.
Mas no h soldados sem generais e aqui eu quero
reconhecer a dedicao e o esforo de cada um dos coorde-
nadores acadmicos da Rede Infosolo. Obrigado s nossas
mulheres generais: Ana Claudia Duarte Cardoso, Angela
Gordilho, Maria Ins Sugai, Norma Lacerda. Obrigado
aos generais masculinos: Jos Julio Ferreira Lima, Joo
Rovatti, Lino Peres, Emlo Haddad, Neio Campos e Ri-
cardo Farret. Todos foram a nossa inteligncia estratgica
no trabalho de campo, tabulao e anlise.
Como todos sabem, no h inteligncia estratgi-
ca sem o esforo dirio, a luta contnua e continuada de
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
aguentar e continuar; aguentar e continuar e continuar,
mesmo quando o desnimo e o cansao esto prestes a
impor a sua inexorvel paralisia. Aqui se impe a nossa
dama de ferro da Rede Infosolo. Por sua dedicao epersistncia, tenho o dever de agradecer companheira
de trabalho e amiga de sempre Andrea Pulici. Ela a
responsvel pela existncia deste livro. Andrea, grvida
de Lucas, percorrendo cidades do Norte ao Sul do Brasil
para treinar pesquisadores e unicar os critrios metodo -
lgicos da coleta de dados, entrando e saindo de favelas
com a sua enorme barriga de mulher grvida. Nossa mu-
lher coragem nos ensinou a importncia da persistncia
e da coragem. Andrea, mulher brasileira, obrigado! No
tenho dvida de que o meu obrigado a Andrea tem um
enorme coro de vozes de Porto Alegre a Belm do Par,mas eu, que passei por duas cirurgias cardacas ao longo
deste projeto, me permito dar um obrigado particular ao
apoio e dedicao amiga de Andrea Pulici.
Enm gostaria de agradecer a Arantxa Rodriguez,
que esteve ao meu lado como companheira e que me per-
mitiu atravessar desertos e oceanos para chegar ao m
deste projeto. Arantxi, gracias por todo.
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Introduo
Referncias bibliogrficas
ABRAMO, P. Favela e o capital misterioso: por uma teoria econmica da favela (no prelo).
DAVIS, M. Entrevista por Otlia Fiori Arantes, Ermnia Maricato, Mariana Fix e Michael Lwy. Revista Margem
Esquerda, Boitempo, n. 12, 2008.
SILVA, M. L. P. Favelas cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. v. 1. 239 p.
VALLADARES, Licia do Prado; MEDEIROS, L. . Pensando as favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume
Dumar, 2003. 479 p.
VALLADARES, Licia do Prado.A inveno da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. v. 1. 204 p.
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
141.Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
Pedro Abramo
1.O mercado informal de solo em favelas
e a mobilidade residencial dos pobresnas grandes cidades: um marco metodolgico
Introduo1
Como enfatizamos na apresentao deste livro, este trabalho e os que se seguem apresentam os primeiros
resultados de um estudo emprico realizado sobre os mercados informais de solo (MIS) nos assentamentos
populares informais (APIs) consolidados escolhidos em oito cidades brasileiras: Rio de Janeiro, So Paulo,
Porto Alegre, Florianpolis, Salvador, Recife, Braslia e Belm (ABRAMO/REDE INFOSOLO, 2006).2
Este texto est dividido em quatro partes. Na primeira parte apresentamos uma breve resenha sobre o vazio tem-
tico na literatura dos estudos urbanos sobre o mercado informal de solo e avanamos alguns elementos metodolgicos
e conceituais para a identicao da segmentao e formas de funcionamento do mercado informal de solo nos assen -
1
Alguns pargrafos deste texto so reprodues de partes do livro O capital misterioso: a teoria econmica da favela (ABRAMO, 2009).2 O estudo permitiu a constituio da Rede Infosolo-BR e teve o apoio incondicional do Programa HABITARE da Finep/Caixa Econmica Federal.
O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
tamentos populares consolidados. Nessa parte no temos
a preocupao de formular grandes discusses conceitu-
ais e nos restringimos a sublinhar certos elementos que
consideramos relevantes para a descrio dos resultados
empricos que vamos apresentar em seguida.
A segunda parte se dedica a caracterizar o merca-
do residencial informal em assentamentos consolidados
segundo os dois submercados residenciais: o mercado de
comercializao (compra e venda de imveis informais) e o
mercado de locao informal. Procuramos estabelecer uma
abordagem comparativa para identicar os pesos relativos
de cada um desses submercados em cada uma das cidades
brasileiras pesquisadas.
Na terceira parte, faz-se uma anlise dos tipos de
produtos transacionados em cada um dos submercados doMIS e o seu produto dominante nas cidades pesquisadas.
Todas as vezes que apresentamos resultados da pesquisa
de campo, procuramos estabelecer uma anlise transversal
que identique as semelhanas e as diferenas nas caracte-
rsticas e formas do mercado informal de solo nos assenta-
mentos populares consolidados. Estamos convencidos de
que esse estudo pioneiro sobre os mercados informais de
solo nas cidades brasileiras pode permitir certa inteligibili-
dade dos processos de produo e de reproduo dos terri-
trios informais urbanos e abre um debate sobre os instru-
mentos de poltica urbana necessrios para disciplinar e/ou
regular esse mercado nas grandes metrpoles brasileiras.
I.1 O relativo silncio sobre o mercadoinformal de terras: uma reviso sumriada literatura
Acreditamos que o problema da inteligibil idade da
congurao intraurbana das grandes cidades brasileiras
passa por uma problematizao conceitual e vericao
emprica das formas de funcionamento das trs lgicas de
coordenao do acesso terra urbana. Assim, propomos
um breve inventrio das tendncias da literatura sobre o
uso do solo urbano para chegarmos ao verdadeiro siln-
cio sobre o objeto de nosso estudo. Nos ltimos 30 anos,
uma parte importante dos estudos urbanos elegeu a lgica
do Estado como seu principal objeto de ateno e desde
os anos 1980 pesquisadores brasileiros tm produzido um
conjunto signicativo de trabalhos (histricos e conceitu-
ais) sobre a relao entre o que se convencionou chamar
na poca a questo do Estado e o urbano. Dos estudos
inuenciados pelo estruturalismo francs, caracterstico
dos anos 80, aos estudos da nova historiograa marxista
de expresso inglesa dos anos 90 temos um enorme painel
das intervenes do Estado nacional nas cidades onde fo-
ram identicadas as principais polticas urbanas (habita-
o, saneamento, transporte, etc.), seus atores e conitos
e suas consequncias macrossociais. Na leitura da poca,
a sociedade capitalista, e sua expresso urbana, poderia
ser lida a partir das relaes entre o capital, o trabalho e
a forma de manifestao dos conitos e dominao entre
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
eles na estrutura jurdico-poltica nos nveis urbano, me-
tropolitano, regional e nacional.
A partir da segunda metade dos anos 90, uma par-
cela signicativa da literatura dos estudos urbanos, sobre-tudo nos pases centrais, que tm na lgica do Estado seu
objeto de ateno, novamente muda de direo ao incor-
porar a crise dos Estados nacionais e a recongurao das
relaes da poltica urbana na escala do global e do local.
Os estudos seguiram o caminho de retorno a uma leitura
dos macroprocessos da globalizao e da mundializao
e suas consequncias urbanas, ou optaram por leituras do
local incorporando perspectivas neo-hobsianas, comu-
nitaristas e institucionalistas, para revelar as dimenses
particulares dos atores, prticas, conitos e perspectivas
do desenvolvimento em nvel local. Nesse ltimo caso,
a lgica de Estado na coordenao dos atores para que
tenham acesso ao solo urbano lida a partir dos concei-
tos de governana local e urbana e as novas formas de
cooperao entre o pblico-privado, o pblico-pblico e
o privado-privado. Os estudos sobre as polticas pblicas
urbanas tambm procuram incorporar elementos das es-tratgias e racionalidades dos atores e passam a utilizar
conceitos tais como redes sociais, jogos de poder institu-
cional e intrainstitucional, para explicar decises de in-
vestimento e redenio de usos do solo urbano.
A literatura sobre a lgica da necessidade e do
acesso ao solo marcadamente latino-americana e toma
os processos de ocupao como seu principal objeto de
estudo. Do ponto de vista disciplinar, temos uma bipola-
ridade ambgua e pendular. Esses estudos podem ser ma-
joritariamente classicados como estudos da sociologia
urbana que incorporam alguns elementos do urbanismo
ou trabalhos urbansticos sobre a extenso da malha ur-
bana com ambies sociolgicas. Ha um grande nme-
ro de excees, mas em sua grande maioria so estudos
monogrcos e, portanto, de casos, que incorporam di-
menses antropolgicas ou propem articulaes inter-
disciplinares, mas cuja caracterstica monogrca limita
consideravelmente uma perspectiva universalista de leitu-
ra da manifestao urbana da lgica da necessidade. Esses
estudos nasceram fortemente marcados pelos estudos dos
movimentos sociais urbanos e paulatinamente foram ga-
nhando coloraes mais urbansticas. Essa tendncia deusurgimento a uma interessante literatura do direito urba-
no que procura incorporar elementos interdisciplinares
em sua forma de tratamento dos problemas sociais, mas
que se mantm com um forte carter normativo, caracte-
rstico da tradio do Direito e dos estudos da jurispru-
dncia. As tentativas de romper com esse constrangimen-to normativo so interessantes e abrem novos horizontes
de leitura dos processos de estruturao intraurbana
(AZUELA, 2001; FERNANDES, 2001; e sobretudo os
trabalhos dos autores vinculados ao IGLUS).
Os estudos sobre a lgica de mercado e o acesso
ao solo urbano podem ser classicados em duas grandes
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
tradies da economia urbana (ABRAMO, 2001; FAR-
RET, 1995). A tradio ortodoxa apresenta uma enorme
e inuente produo sobre os processos de uso do solo,
formao de preos e preferncias locacionais familiares.
Esses estudos se apresentam no debate conceitual a partir
de modelos de equilbrio espacial de tradio neoclssica
(ABRAMO, 2001) e mais recentemente incorporam din-
micas espaciais aglomerativas na modelagem proposta pela
economia geogrca (ABRAMO, 2002a; KRUGMAN;
FUJITA; VENABLES, 2000; FUJITA; THISSE, 2002).
Outra tendncia dos estudos sobre a lgica do mercado e
o uso do solo procura instrumentalizar do ponto de vista
analtico os estudos urbanos ao propor um tratamento eco-
nomtrico da formao dos preos fundirios e imobili-
rios. Os estudos a partir das funes hednicas de preos
ocupam uma parte muito importante nas publicaes in-ternacionais de economia urbana e recentemente passaram
a servir de base para muitas polticas urbanas locais (scais,
pedgios urbanos, melhoramento de infraestrutura, etc.).
A sosticao do tratamento estatstico e analtico permi-
te atualmente superar restries na avaliao dos atribu-
tos urbanos (sobretudo em relao ao nmero de variveisdummy e ao tratamento espacial das externalidades), mas
os problemas de autocorrelao espacial das variveis se-
gue sendo uma barreira instransponvel para essa tradio
de trabalhos (ABRAMO, 2002b).
Uma segunda tradio de estudos est identica-
da com os princpios conceituais da economia poltica
urbana e procura identicar os processos de gerao da
riqueza e da acumulao do excedente urbano a partir
da denio dos usos e da apropriao do solo urbano.
Essa perspectiva conceitual tem na teoria da renda fun-
diria seu principal aparelho conceitual para identicar
a lgica de apropriao do excedente urbano e explicar
a estrutura intraurbana como sua resultante. Depois de
muitos anos de estudos monogrcos sobre a taxonomia
de agentes e procedimentos institucionais no jogo de
atribuies de ganhos e perdas fundirias e imobilirias
(ver os trabalhos clssicos de Topalov, Ball, Harloe, etc.),
recentemente essa perspectiva procura se renovar ao ar-
ticular os estudos fundirios com os impactos espaciais
da reestruturao produtiva e os projetos de renovao
urbana (ABRAMO, 2003).
Ainda que os trabalhos sobre a lgica de mercado e
o uso do solo e sua relao com a acumulao capitalista
urbana tenham uma grande tradio na sociologia crt ica
a partir dos anos 1970, enorme nmero de instituies
(revistas, centros de ps-graduao, institutos de pesquisa
e governamentais, etc.) se dedica ao tema. Podemos dizer
que praticamente a totalidade desses estudos tem como
objeto o mercado fundirio e imobilirio formal ou legal.
Apesar de o mercado informal de terras existir na maior
parte das cidades latino-americanas e ser um dos princi-
pais mecanismos sociais de acesso terra urbana de uma
parte considervel da populao pobre dessas cidades,
praticamente no h estudos sistemticos e abrangentes
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
sobre o tema. Com exceo de alguns trabalhos de na-
tureza jornalstica e de estudos monogrcos de mbito
bastante restrito, constata-se um grande vazio nos estudos
urbanos, em particular nos estudos de economia urbana,
sobre o mercado informal de terras urbanas. A impor-
tncia atual desse mercado e a perspectiva de seu cresci-
mento em funo da reduo expressiva dos processos de
ocupao de terras urbanas impem a urgncia de traz-
lo como uma das prioridades de objeto de estudo.
Acreditamos que a denio do mercado informal
de terras e da mobilidade residencial dos pobres como
um objeto de estudo exige um duplo esforo acadmico
e institucional. De fato, h um enorme desconhecimento
emprico desse mercado. As poucas informaes dispo-
nveis so resultado de pequenas monograas e/ou tra-
balhos jornalsticos, e sua veiculao a um pblico mais
amplo, dada a carncia de informaes disponveis, ter-
mina adquirindo um valor heurstico e de referncia para
muitas anlises e polticas sobre a informalidade urbana.
Assim, a carncia de informaes produz algo como um
senso comum sobre o mercado informal que em muitas
situaes no corresponde aos fatos reais.
Esse senso comum sobre a informalidade urbana
alimenta reexes, polticas urbanas e representaes
sobre o universo dos pobres que em muitos casos so
verdadeiras iluses urbanas.3 Nesse sentido, um es-
foro de avanar no desvelamento do imaginrio e das
representaes do mercado imobilirio em favelas exige
que ele deve ser confrontado com resultados empricos
de pesquisa que permitam uma viso abrangente e mais
rigorosa sobre sua realidade factual. Em outro trabalho
(ABRAMO, 2009) utilizamos o termo capital misterio-so para identicar esses mitos e falsas representaes do
mercado informal em favelas, e talvez o maior dano te-
nha sido produzido pelo conhecido trabalho O mistrio
do capital, do peruano Hernando De Sotto, que identi-
ca a propriedade informal como um dos eventuais pilares
do crescimento econmico. Assim, o primeiro esforo depesquisa deve ter como preocupao um estudo empri-
co que permita a identicao das reais caractersticas do
mercado informal imobilirio nas favelas.
Um segundo esforo para desenvolver o mercado
informal como objeto de estudo de natureza conceitual.
A pergunta que devemos formular sobre esse mercado
3Um bom exemplo sobre esse procedimento pode ser dado a partir de uma reportagem do jornal O Globo sobre a favela da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro,cuja matria jornalstica identificava uma casa com piscina de uma suposta burguesia da favela, que supostamente teria na atividade imobiliria informal suaprincipal fonte de recursos. Como vamos mostrar nos trabalhos deste livro, o mercado imobilirio em favelas se carateriza por uma grande pulverizao da oferta.Essa constatao emprica dos levantamentos que realizamos relativiza e requalifica de forma substancial o que Davies (2007), em seu Planeta Favelas, chama
e denuncia de especulao dos pobres pelos pobres. Em termos conceituais, uma oferta pulverizada promove uma barreira de mercado prtica recorrenteda especulao imobiliria (ABRAMO, 2009).
O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
diz respeito a suas similitudes e diferenas em relao ao
mercado formal. Responder a essa questo, ou dar ele-
mentos para sua resposta, signica necessariamente uma
articulao entre a problematizao conceitual e a veri-
cao de elementos empricos que permitam fugir das
representaes e respostas a partir do senso comum da
informalidade urbana.
A nossa resposta a esse desao se deu em dois pla-
nos; o primeiro a partir de um levantamento emprico so-
bre o mercado informal de terras e imveis nas favelas dacidade do Rio de Janeiro (ABRAMO, 2003). A realizao
dessa pesquisa em reas de favelas exigiu uma preconceitu-
alizao de alguns elementos do mercado informal, e seus
primeiros resultados permitem avanar em direo a uma
reproblematizao desses conceitos preliminares no senti-
do de denir um projeto de pesquisa que amplie a escaladas cidades pesquisadas e, sobretudo, enfrente o segundo
desao a que nos referamos acima, isto , tomar o merca-
do informal de terras e a mobilidade residencial dos pobres
urbanos como um objeto conceitual que permita reproble-
matizar temas tradicionais da economia urbana ortodoxa
(neoclssica) do uso do solo e imobiliria, tais como:
a) o princpio da racionalidade paramtrica ou
estratgica das decises locacionais dos indivi-
duos e famlias;
b) o trade-off entre acessibilidade e consumo de
espao como critrio de deciso residencial nos
mapas de preferncias residenciais familiares;
c) o princpio maximizador das decises familiares
da funo beckeriana, cujo critrio nal sempre
a maximizao do que Becker (1967) chama
de lucro familiar;
d) a relao entre a economia e o direito na produo
de normas, e instituies sociais tendo como
princpio o conceito de custos de transao;
e) o papel do capital social na formao das gran-
dezas econmicas (preos e desenvolvimento); e
f ) o papel determinante das normas implcitas na
forma de funcionamento do mercado informal.
Acreditamos que neste momento a pergunta sobre
o carter universal e/ou particu lar do funcionamento dos
mercados informais de solo nas favelas importante, pois
ela permite distinguir as recorrncias e similaridades nadinmica de funcionamento do mercado ou de aleatorie-
dades e diferenas que no seriam sucientes para denir
uma forma de funcionamento de um mercado. A respos-
ta a essa questo impe leituras e mtodos de pesquisa
alternativos, mas tambm, e sobretudo, formas de inter-
veno do poder pblico muito distintas.
Nossa perspectiva nesse projeto de natureza emi-
nentemente acadmica e, portanto, no campo da anlise
positiva dos fenmenos sociais, mas estamos convenci-
dos do potencial normativo de alguns de seus resultados,
podendo ser de algum valor na elaborao de polticas
pblicas urbanas.
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
I.2 Em direo ao enquadramento do objeto:o mercado informal de solo nas favelas e amobilidade residencial dos pobres
O mercado de terras informal pode ser classica-do em dois grandes submercados fundirios. Tradicional-
mente, a literatura de economia do uso do solo utiliza o
critrio de substitutibilidade dos bens fundirios e/ou
imobilirios para denir os submercados de solo urba-
nos. No nosso caso incorporamos essa denio como
uma das variveis no marco conceitual dos estudos sobrea estrutura do mercado e analisamos outros elementos
que consideramos importantes para denir uma primeira
clivagem do mercado informal. Assim, denimos como
elementos determinantes da estrutura do mercado os se-
guintes elementos: caractersticas da oferta e da demanda
de solo, poder de mercado dos agentes econmicos (ofer-
ta e demanda), caractersticas informacionais do merca-
do (assimetrias e transparncias de informao), carac-
tersticas dos produtos (homogneos ou heterogneos),
externalidades (exgenas e endgenas), racionalidades
dos agentes (paramtrica, estratgica, etc.) e ambiente da
tomada de deciso (risco probabilstico ou incerteza). A
identicao dessas variveis aproxima conceitualmente
a nossa abordagem do mercado imobilirio informal do
tratamento moderno da teoria econmica de mercado,
o que permite, portanto, identicar conceitualmente as
particularidades e as semelhanas do mercado informal
de solo com os outros mercados formais da economia.
A partir dessas variveis procuramos identicar diferen-
as substantivas nos mercados de terra informal, a m
de estabelecer uma primeira aproximao da denio
de submercados informais. O resultado desse exerccio
pode ser visto no quadro abaixo e permite denir dois
grandes submercados de solo informal que denominamos
a) submercado de loteamentos e b) submercado de reas
consolidadas (ABRAMO, 2003).
O Quadro 1 mostra a marco comparativo das carac-
tersticas do mercado informal de loteamentos e do merca-do informal em assentamentos populares consolidados.
O primeiro desses submercados (loteamentos) ,
em grande medida, denido por uma estrutura oligop-
lica de mercado, enquanto o segundo submercado (reas
consolidadas) apresenta uma estrutura concorrencial ra-
cionada. Os dois submercados de solo informal podem
ser identicados na estrutura urbana da cidade em reas
bem precisas e com distintas funcionalidades de verte-
brao urbana. O primeiro submercado opera o fraciona-
mento de glebas na periferia das cidades constituindo-se
no principal vetor de expanso da malha urbana. A sua
lgica de funcionamento oligoplica na formao dos
seus preos, mas as prticas de denio dos produtos e
do seu nanciamento nos remetem a tradies mercantis
pr-modernas. Os produtos desse submercado so relati-
vamente homogneos e os seus principais fatores de dife-
renciao nos remetem a dimenses fsicas, topogrcas,
e s externalidades exgenas de urbanizao.
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
Quadro 1 Caractersticas do mercado informal de loteamentos e de assentamentos consolidados
Loteamentos Assentamentos consolidados
Estrutura de mercado Oligoplica Concorrncia com mercado racionado
Agente dominante e determinao de preosFracionador com capacidade de realizarmark upurbano
Comprador (entrante) e vendedor (sainte)Tenso entre oferta e demanda
Assimetria do poder de mercado Forte Varivel
Caracterstica do produtoHomogeneidade relativa (lote) com variaesda localizao e metragem
Heterogeneidade
ExternalidadesExgenas (hierarquia de acessibilidade +caractersticas fisicas e topogrficas
Endgenas+exgenas
Racionalidade e anticipaoEstratgicaCom informao incompleta (jogo da anticipa-o de infraestrutura)
Pluralidade de racionalidades e objetivos deanticipao
Informao Incompleta e imperfeita (risco) Assimetria informacional e imprevisibilidade(incerteza radical)
A primeira questo colocada em relao ao sub-
mercado de solo em reas consolidadas foi em relaoa sua amplitude, pois uma das principais caractersticas
dos assentamentos consolidados urbanos sua grande
pulverizao territorial. Assim, a primeira pergunta que
deveramos formular a de saber se esse submercado em
reas consolidadas uma constelao de submercados ou
um submercado unicado.
A resposta a essa pergunta importante, pois sua
caracterizao dene tambm os uxos (origem e destino)
da mobilidade residencial dos pobres urbanos. Trabalhamos
com cinco hipteses de submercados e de seus respectivos
uxos de mobilidade residencial. No Quadro 2, reproduzi-
mos nossas hipteses (ABRAMO, 2003), que devem ser ob-
jeto de testes a partir dos resultados empricos da pesquisa.
A identicao dos submercados com a deni-
o de uma possvel taxonomia desses submercados
um elemento conceitual importante para a identicao
do processo de formao dos preos no mercado imo-
bilirio informal. Em trabalhos anteriores (ABRAMO,
1999a, 1999b), sugerimos que no mercado informal in-
tervm um conjunto de externalidades comunitrias
e externalidades de l iberdades urbansticas e construti-
vas que modelam o gradiente de preos desse mercado.
Essas duas externalidades so caractersticas do mercado
informal e podem ser classicadas como externalidades
positivas que valoram os preos do solo e imobilirio nos
assentamentos populares informais.
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
Quadro 2 As cinco hipteses de submercados consideradas.
Na denio dos coecientes desses atributos
(preos sombra da funo hednica de preos imobi-
lirios) pesam fatores de desconto associados ao que cha-
mamos de fatores de incerteza local e aos processos de
aprendizagem social, cuja caracterstica nos remete ta-
xonomia dos submercados e dinmica de formao dos
preos no mercado informal de solo (ABRAMO, 2009).
Assim, as hipteses sobre a taxonomia dos submercados
tambm so importantes para a identicao dos determi-
nantes da formao dos preos do mercado informal.4
Em trabalho anterior (ABRAMO, 2006) sobre o
mercado informal nas favelas do Rio de Janeiro compa-
ramos o volume das transaes de compra e venda de
imveis em favelas vis--vis os estoques imobilirios dos
bairros formais prximos a essas favelas. Quando vemos
o percentual de rotao do estoque imobilirio do mer-
cado informal nas favelas, vericamos que ele apresenta,
em muitos casos, um patamar ligeiramente superior ao de
bairros do mercado formal (Tabela 1 na p. 28), revelando
que seu funcionamento no aleatrio, mas regular como
Hiptese 1 Submercado informal unificadoTodos os assentamentos popularesconstituem um nico submercado
Amplia a mobilidade residencial dospobres intra e interassentamentosconsolidados
Hiptese 2 Submercados por assentamentosCada assentamento um submercado semsegmentao interna
Mobilidade residencial intra-assentamento
Hiptese 3Submercados por grupo deassentamentos homogneos
Um grupo de assentamentos semsegmentao interna constitui umsubmercado
Mobilidade interassentamento restringida
Hiptese 4 Submercados em cada assentamentoCada assentamento tem uma divisointerna em submercados
Mobilidade residencial intra einterassentamento
Hiptese 5Submercados por grupo deassentamentos segmentados
Um grupo de segmentos de reas deassentamentos constitui um submercado
Mobilidade residencial intra einterassentamento por grupos
4 Realizamos testes economtricos para avaliar os componentes (atributos similares) desses submercados, mas os resultados revelaram fortes problemas deautocorrelao espacial das variveis. Os testes de kricagem aplicados aos erros no foram suficientes para dar resultados mais expressivos do ponto de vistaeconomtrico. Assim, decidimos adotar uma linha de tratamento analtico diferente e priorizar a anlise espacial (clusters, etc.) e os procedimentos de anlisecomparativa e evolucionria, alm de usar, apenas como tratamento complementar e indicativo, o procedimento economtrico. Do ponto de vista conceitual,essa opo representa uma inovao na forma de tratar o mercado fundirio-imobilirio e nos aproxima de uma abordagem crtica da formao dos preos do
solo. Como veremos adiante, propomos uma perspectiva conceitual que se aproxima do debate da socioeconomia, mas no abandona completamente o debateda economia urbana e o dilogo crtico com o pensamento neoclssico conservador.
O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
o mercado formal de solo. Da mesma maneira, quando ta-
bulamos os preos praticados no submercado informal nos
assentamentos consolidados, conrmamos a hiptese de
um mercado onde os preos no apresentam um compor-
tamento errtico; eles obedecem a certa lgica e regulari-
dade, indicando que h efetivamente um funcionamento
que no errtico. Em outras palavras, o volume e o pata-
mar de preos das transaes imobilirias conrmam sua
existncia como um mercado regular, que regula o acesso
mercantil terra urbana nas favelas consolidadas.
O levantamento que realizamos nas favelas do Rio
de Janeiro (ABRAMO, 2006) resultou em achados inte-
ressantes a respeito do gradiente de preos do mercado
fundirio e imobilirio informal nas favelas. Ao compa-
rarmos os preos de favelas com os preos do mercado
formal dos bairros contguos a essas favelas, vericamos
que o gradiente (curva) de preos das favelas e o dos
bairros legalizados contguos a essas mesmas favelas tm
pers diferentes. Esse resultado emprico de grande im-
portncia, pois tanto o senso comum como os modelos
da economia urbana tradicional atribuem formao de
preos nas reas de favela um carter reexo ao do mer -
cado formal, isto , os preos relativos do solo nas favelas
seriam determinados pelos preos relativos dos bairros
onde elas se localizam com uma taxa de desconto em
funo de algumas caractersticas prprias do mercado
informal em favelas, tais como grau de violncia e estgio
e qualidade da urbanizao. O resultado que encontra-
mos de pers diferentes nos gradientes de preos permite
concluir que h uma lgica particular no funcionamento
dos mercados informais que determina seus preos. O
descolamento da formao dos preos do solo informal
do mercado formal de solo nos leva a levantar a hiptese
da existncia de uma lgica endgena na formao dos
preos informais e que essa lgica nos remete a variveis e
a caractersticas particulares do territrio da(s) favela(s).
Procuramos avanar na problematizao dessas
variveis incorporando uma parte do debate da socioeco-nomia, da economia de redes e, sobretudo, da economia
da proximidade e reciprocidade. Identicamos externa-
lidades que valoram o solo urbano e nos remetem s di-
nmicas sociolgicas e antropolgicas das comunidades
faveladas que procuramos formalizar a partir de uma teo-
ria da formao dos preos informais (ABRAMO, 2009)que articula a dimenso das singularidades aos princpios
homogeneizadores das prticas mercantis.
Outro resultado interessante do estudo pioneiro
que realizamos sobre o Rio de Janeiro a relao entre o
mercado de terras (acesso a uma localizao residencial)
e o mercado de trabalho. Nos mapas de localizao do
local de trabalho que geramos (ABRAMO, 2002), encon-
tramos quatro padres para o tradicional e importante
movimento pendular casa/trabalho dos participantes
do mercado informal de solo em favelas. Ao contrrio
do senso comum sobre a proximidade da localizao do
emprego (ou fonte de rendimento) do chefe de famlia
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
das moradias em favelas, no encontramos um padro
de proximidade que seja nico. H outros padres de lo-
calizao da fonte de rendimento dos chefes de famlia
residentes em favelas que do origem a movimentos pen-
dulares longos, isto , envolvendo distncias a percorrer
entre a casa na favela e o lugar do rendimento.
Em uma primeira classicao dos movimentos
pendulares para a cidade do Rio de Janeiro teramos qua-
tro padres:
a) proximidade geogrca (endgena quando na
prpria favela e contgua quando em bairros do
seu entorno);
b) concentrao polar (centro em uma cidade
mononuclear);
c) concentrao multipolar (vrios centros de
concentrao de atividades); e
d) disperso.
Essa classicao conrmada a partir das ta-
bulaes sobre as preferncias locacionais e a mobilidade
residencial (ABRAMO, 2009).
Do ponto de vista metodolgico, as informaes
coletadas no estudo Infosolo nos permitem construir um
conjunto de indicadores sobre as trajetrias residenciais
dos moradores de favelas, uma cartograa das prefe-
rncias locacionais das famlias pobres e uma matriz de
origem/destino de seus deslocamentos residenciais. Po-
demos identicar os percursos domiciliares interfavelas,
intrafavelas e os movimentos formal/informal para cada
uma das favelas e, a partir de suas regularidades, estabe-
lecer uma tipologia das mudanas de formas de acesso
ao solo urbano. Da mesma maneira, utilizando os dados
sociodemogrcos, poderemos identicar similitudes de
comportamento de mobilidade residencial entre as fam-
lias mais pobres e as mais abastadas residentes em favelas
(corte socioeconmico), entre geraes (corte demogr-
co intergeneracional), chefes de famlia mulheres e ho-
mens (corte de gnero), tempo de escolaridade, etc.
Um procedimento interessante de anl ise do merca-
do informal o de comparar as caractesticas socioecon-
micas, demogrcas, de gnero, etc., entre os comprado-
res, ou seja, aqueles que efetivamente entraram na favela
via mercado informal, e os vendedores, fam lias querevelam a inteno de deixarem sua moradia. Comparan-
do os dados de compradores e de vendedores, possvel
construir uma tabela de mobilidade sociorresidencial de
cada favela. Essa tabela permite classicar as tendncias
de elitizao (faixa de renda dos compradores superior
dos vendedores), empobrecimento ou estabilizao social
da composio socioeconmico-demogrca interfavelas
e intercidades. Essas tabulaes articulam os resultados
do funcionamento do mercado informal de terras com
a dinmica de recongurao socioespacial das favelas e
consolidam uma linha de pesquisa comparativa cujo ob-
jeto o mercado informal de solo (ABRAMO, 2009).
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
No procedimento de coleta de informaes sobre
o mercado informal recolhemos um nmero signicati-
vo de informaes sobre a vida associativa e comunitria
dos entrevistados. A partir dessas perguntas pretendemos
estimar o peso da participao comunitria e associativa
nas decises de localizao inter e intrafavelas, bem como
na formao dos preos imobilirios. Os procedimentos
metodolgicos que estamos adotando tambm podem ser
portadores de uma inovao na forma de tratar o objeto
das favelas e na forma tradicional de relao das variveis
econmicas com as decises de localizao residencial
dos pobres nas grandes cidades brasileiras. As informa-
es sobre a vida associativa permitem discutir em ter-
mos empricos as teses correntes sobre a importncia do
capital social na formao das grandezas econmicas.
Assim, pretendemos em trabalhos futuros articu lar o ob-jeto do mercado informal de solo ao tema emergente do
desenvolvimento e da governana local para sublinhar a
importncia dos sistemas de normas implcitas de convi-
vncia e reproduo da vida popular urbana que intervm
no funcionamento do mercado de solo.
II. Uma primeira aproximao dossubmercados nos assentamentos popularesinformais (APIs)
Como dissemos antes, a denio dos submerca-
dos um passo importante para caracterizar a forma de
funcionamento do MIS. A sua denio envolve a identi-
cao dos agentes, produtos e demais caractersticas do
mercado.5Uma forma de se iniciar essa denio partir
do mercado formal e, por analogia, estabelecer uma pri-
meira subdiviso do mercado informal de solo. No mer-
cado formal, podemos identicar um mercado de imveis
novos (recm-produzidos ou na planta) e um mercado de
imveis do estoque existente (usados). A literatura so-
bre economia imobiliria arma que o nvel de atividade
do mercado de imveis novos determina o crescimento
do parque imobilirio e os novos vetores de estruturaosocioespacial da estrutura intraurbana. Como em outros
mercados de produtos de longa vida til, os produtos no-
vos denem o mercado primrio, e os produtos do esto-
que (imveis antigos) conguram o mercado secund-
rio. Nesse sentido, podemos indagar sobre a existncia de
5Ver Abramo (2005) e a introduo deste trabalho.
Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
um mercado informal primrio e de um mercado informal
secundrio e as suas eventuais articulaes funcionais na
denio do mercado de solo urbano.
No caso brasileiro, os mercados imobilirio-fun-
dirios informais primrio e secundrio apresentam uma
diferena decisiva, em particular em relao ao seu pro-
duto nal, isto , o seu carter de objeto de uso. Essa di -
ferena no pode ser redutvel tipologia usual da funo
de utilidade de Lancaster, que diferencia os bens a partir
das suas caractersticas (ABRAMO, 2001). Nos APIs, aproduo da moradia o resultado do esforo familiar
aps a aquisio de um lote, uma laje ou um lote com al-
guma benfeitoria edicada. Esse esforo pode se realizar
por um trabalho de autoconstruo, por uma poupana
familiar que permite a contratao de mo-de-obra que
edica a moradia (produo por encomenda) ou por umacombinao dos dois procedimentos anteriores. Nesse
caso, a oferta de moradias novas informais por um agen-
te especializado na sua produo e comercializao e que
atue de forma regular nesse mercado no a forma mais
corrente, e a sua manifestao uma exceo na maior
parte dos MIS das grandes cidades latino-americanas.Assim, a oferta do bem habitacional no mercado infor-
mal uma edicao que foi construda por um proces-
so individualizado e sob o comando de uma famlia que
normalmente habita ou habitou essa edicao.
Em termos econmicos, o bem morada ofertado
no mercado informal quase sempre um bem do estoque
imobilirio informal construdo por seus residentes para
uso familiar. Uti lizando a terminologia usual da literatu-
ra, podemos dizer que a oferta imobiliria habitacional,
isto , o bem que gera servios de habitao no mercado
informal no Brasil um mercado secundrio. Em outras
palavras, a oferta de imveis informais nos APIs cons-
tituida em sua grande maioria de imveis usados ou de
fracionamentos desse imvel original.
A pergunta a que temos de responder diz respeito
identicao do mercado primrio informal, pois to-das as estatsticas sobre a informalidade urbana no Brasil
revelam um enorme crescimento do estoque da informa-
lidade edicada nos ltimos 20 anos. Propomos como
uma hiptese de trabalho que o mercado primrio do
MIS constitudo exclusivamente pelo mercado fundi-
rio. Em outras palavras, o mercado primrio do MIS composto de um mercado que oferece lotes informais
(irregulares e/ou clandestinos) a partir do fracionamento
e/ou da ocupao de glebas urbanas ou periurbanas.
Assim, o crescimento da rea de uso residencial ou
comercial informal ao longo do tempo o resultado de
uma dinmica de fracionamento do solo que o transfor-
ma em rea urbana de fato pelo processo de comerciali-
zao ou ocupao por ao coletiva (invaso). Quando
o acesso ao lote se realiza por comercializao (transao
de compra e venda), podemos identicar um mercado
primrio do MIS. A atividade desse mercado primrio
no modica o estoque edicado informal, porm cria as
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
condies necessrias para o seu crescimento, pois per-
mite o acesso das famlias pobres a um solo urbano.
Essas famlias sero os agentes efetivos do cresci-
mento do estoque edicado informal, e esse crescimento,normalmente, no motivado por uma comercializao
imediata e recorrente que caracterize essas famlias como
produtores de bens habitacionais para o mercado. O
crescimento do estoque edicado informal o resultado
de uma innidade de processos individualizados, descen-
tralizados e autnomos de produo de habitaes ob-jetivando o uso privado e familiar por aqueles que co-
mandam a sua edicao. Essas famlias que alimentam
o crescimento da edicabilidade informal urbana , na
sua grande maioria, constituda por setores populares de
baixos ingressos.6Assim, a comercializao de habitaes
informais, na sua grande maioria, se d a partir de im-
veis do estoque imobilirio informal. Os imveis novos
informais produzidos para serem comercializados, geral-
mente, representam um fracionamento do lote original
familiar, seja verticalizando, seja ocupando parte do lote
e/ou casa (produo de quartos), mas com a manuteno
da residncia (ou parte) da unidade famil iar original.
Em relao s caractersticas de funcionamento do
mercado, o MIS apresenta duas primeiras grandes dife-
renas em relao ao mercado formal: a inexistncia de
promotores imobilirios que atuem de forma regular na
produo de imveis novos informais para a comercia-
lizao em mercado; e a pequena magnitude de imveis
novos informais produzidos por unidades familiares para
comercializao.7 Essas caractersticas transformam as
transaes do estoque imobilirio informal (imveis exis-
tentes) na verdadeira oferta habitacional do MIS.8Assim,
o mercado secundrio do MIS apresenta uma grande di-
ferena em relao ao mercado formal, pois praticamente
a totalidade da oferta de residncias no mercado consti-
tuda pelas transaes com imveis do estoque habitacio-
nal informal e, eventualmente, por lotes vazios em reas
informais consolidadas ou em processo de consolidao.
Dessa forma, podemos estabelecer uma primeira
segmentao em submercados do MIS. O mercado prim-
rio constitudo pela oferta de lotes, e o seu agente princi-
pal o fracionador (loteador) informal, que opera a trans-
formao de glebas de terras em um novo produto: lotes
urbanos ou periurbanos. O mercado secundrio o outro
6Alguns estudos identificam a produo da informalidade em estratos mdios e superiores de renda, mas esses casos, ainda, podem ser definidos como umaexceo no marco da produo das cidades latino-americanas.7 A maior parte da produo habitacional informal destinada ao mercado familiar e constituda de quartos no prprio lote ou unidade residencial.8Oferta habitacional entendida como um bem que gera servios de habitao.
Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
d b d d i f l l d f d d i d did li id d d l l d
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
grande submercado do informal; ele , de fato, o verdadei-
ro vetor da oferta imobiliria habitacional do MIS. Em ou-
tras palavras, a primeira aproximao do MIS em termos
de tipologia dos submercados nos permite identicar dois
grandes submercados: o mercado fundirio, como o mer-
cado primrio do MIS; e o mercado imobilirio informal
nos APIs, como o seu mercado secundrio.
A denio desses dois grandes submercados infor-
mais o diferencia da forma de estruturao do mercado de
solo formal, pois nesse mercado temos e existncia de pro-dutores regulares (incorporadores) que atuam produzindo
novos imveis residenciais e caracterizando um verdadeiro
mercado primrio de bens habitacionais. O mercado fun-
dirio formal urbano um mercado em que a demanda
relativamente pequena (escassa) e se divide em dois gran-
des submercados. No primeiro submercado fundirio, osolo um insumo para a incorporao imobiliria promo-
ver a edicao de imveis para o mercado (GRANEL -
LE, 1999) e a sua demanda basicamente empresarial. No
segundo submercado, o solo um suporte para a produo
por encomenda de unidades familiares de estratos mdios
e altos da populao urbana (JARAMILLO, 1985). Aocontrrio do submercado de solo como bem intermedi-
rio, no caso da demanda familiar, o solo um produto em
si mesmo, e o seu uso no objetiva um retorno ao mercado
com outro tipo de uso e/ou funcionalidade.
No mercado formal h uma forte articulao fun-
cional entre os mercados primrio e secundrio. Em
grande medida, a liquidez e a demanda solvvel do mer-
cado primrio esto vinculadas liquidez do mercado
secundrio, pois grande parte das transaes realizadas
no mercado primrio troca de domic lio do estoque por
imveis novos. Assim, a entrada no mercado primrio da
maior parte dessas famlias depende da venda do antigo
imvel (estoque). A entrada de uma nova demanda que
independe da venda de um imvel anterior est basica-
mente condicionada pelo crdito imobilirio. Em estudos
anteriores vimos que os preos relativos do estoque ten-
dem a ajustar-se em funo das variaes dos preos do
mercado primrio, isto , os preos do estoque se ajustam
aos preos dos imveis novos (ABRAMO, 2006).
No caso do mercado informal, algumas evidncias
parecem indicar que as formas de articulao entre o que
denimos como mercado primrio e secundrio so distin-
tas. Por exemplo, nada indica que a liquidez do submerca-
do de loteamento dependente do submercado imobilirio
nos APIs. Para reiterar essa armao, podemos mobilizar
alguns resultados de pesquisas empricas sobre o mercado.
Os resultados da pesquisa Infosolo revelam de forma con-
tundente que a venda de imveis nos APIs no motiva-
da por um desejo de troca de um imvel em assentamento
consolidado por um lote informal na periferia. Da mesma
maneira, pesquisas realizadas em loteamentos informais
indicam que a compra dos lotes , na sua grande maioria,
nanciada pelo prprio loteador ou a partir de dvidas fa-
miliares, com amigos ou com o prprio loteador, e no en-
volve uma venda anterior de residncia em reas de favela.
Os r s lt d s d p sq is Inf s l s br m bilid III A i d d i f l
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
Os resultados da pesquisa Infosolo sobre mobilida-
de residencial revelam que as preferncias de localizao
residencial dos vendedores do MIS nos APIs no indi-
cam inteno de deslocamento domiciliar dessas famlias
para os loteamentos perifricos (ABRAMO/INFOSO-
LO, 2006). Todas essas evidncias permitem armar que
o mercado de loteamentos no depende da liquidez do
mercado secundrio, isto , do mercado imobilirio nos
assentamentos consolidados. Porm, em muitos casos te-
mos uma relao de eventual concorrncia entre os dois
submercados, e os seus preos relativos podem servir
como fator adicional de atrao da demanda popular.
Em outras palavras, os submercados informais de
loteamento e em reas consolidadas podem estabelecer
relaes de concorrncia, mas tambm relaes de com-
plementaridade e de efeitos de inuncia de borda que in-
terferem nas estratgias da demanda e da oferta popular, e,
portanto, na dinmica de funcionamento dos dois submer-
cados. Conclumos que as diferentes dimenses de intera-
o entre os dois mercados um elemento importante para
o entendimento da funcionalidade do mercado informal
de solo nas grandes cidades (ABRAMO, 2009).
III. A composio do mercado informalde solo nos assentamentos popularesconsolidados
A composio do submercado de solo nos assen-tamentos informais consolidados um indicador impor-
tante para caracterizar esse mercado. Podemos identicar
trs grandes submercados nos assentamentos consolida-
dos. O primeiro um mercado de compra e venda de
imveis residenciais e, em alguns casos, a comercializao
de terrenos. Esses terrenos comercializados no mercadoinformal podem ser lotes remanescentes do loteamento
ou ocupao originais que no foram edicados, mas
tambm oriundos de um fracionamento do lote familiar,
seja ele em termos horizontais (diviso da parcela) ou ver-
tical (comercializao de solo criado, isto , uma lage).
Assim, o primeiro submercado informal nos assentamen-
tos consolidados o mercado de comercializao imobi-
lirio e fundirio residencial. O segundo submercado o
mercado de locao residencial informal, onde as transa-
es se constituem em relaes contratuais informais de
aluguis.9O terceiro submercado nos assentamentos con-
solidados informais o mercado comercial. A existncia
9Em outro trabalho (ABRAMO, 2007), realizamos um estudo sobre a evoluo do mercado de locao informal na cidade do Rio de Janeiro.
Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
de um submercado comercial depende em grande medida ram nos APIs a part ir de uma condio de locatrio ao
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
de um submercado comercial depende em grande medida
do grau de consolidao do assentamento e da sua mag-
nitude em termos populacionais (ABRAMO, 2003). O
submercado de solo informal com ns comerciais pode
ser subdividido em submercado de comercializao e em
submercado de locao (ABRAMO, 2005).
Para a pesquisa que realizamos nas oito cidades
brasileiras decidimos no pesquisar o submercado co-
mercial, pois nossa ateno est focada, sobretudo, nas
formas de acesso residencial ao solo urbano da popu-lao de baixa renda. Assim, analisamos a composio
do mercado residencial nos APIs em suas duas formas
de manifestao residencial, isto , o submercado de
comercializao (transaes de compra e venda) e o
submercado de locao (aluguis). Do ponto de vis-
ta metodolgico, denominamos aqui venda como a
oferta de imveis no submercado de comercializao,
e compra, as transaes efetivamente realizadas. No
caso dos aluguis informais, muito difcil a quanti-
cao da oferta.10Portanto, os dados sobre o mercado
de locao, no caso dessa pesquisa, se referem s infor-
maes sobre as famlias que efetivamente se instala-
ram nos APIs a part ir de uma condio de locatrio ao
longo do ltimo ano.11
O primeiro resultado importante da pesquisa a
constatao da existncia de um mercado informal de
solo nos APIs nas cidades objeto do estudo. Esse resul-
tado pode parecer redundante para os objetivos de um
trabalho que objetiva estudar o mercado informal, mas,
efetivamente, no o quando lidamos com a literatura e
o senso comum sobre os assentamentos populares infor-
mais. A voz corrente e uma parte da literatura sobre favelasarmam que a mobilidade residencial nesses assentamen-
tos muito pequena e est restrita ao momento imedia-
tamente posterior a uma interveno de um programa de
urbanizao (melhoramentos). O senso comum, acad-
micos e tcnicos que trabalham sobre os assentamentos
informais armam que a mobilidade residencial se ma-
nifesta sempre sobre a forma de uma expulso branca,
isto , a sada de um nmero signicativo de famlias do
assentamento e a sua substituio por famlias com nvel
superior de rendimento familiar, aps uma melhoria nas
condies de saneamento, urbansticas, etc., promovida
por um programa pblico.
10Mesmo para o mercado formal a quantificao da oferta no mercado de aluguis muito difcil e as estatsticas existentes (no Brasil) restringem-se a pesquisasem administradoras onde se pergunta se o nmero de contratos aumentou/diminuiu/ficou igual (SECOVI, 2004, 2005, 2006).11Nosso levantamento definiu o ano de 2005 como referncia para as famlias que instalaram no API. Assim, os questionrios foram aplicados a todas as famliasque se instalaram nos APIs ao longo do ano de 2005 a partir dos mercados de locao e comercializao.
O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
Em termos tcnicos poderamos traduzir essa idia
Tabela 1 Rotatividade do estoque em favelas da cidade do Rio de
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
Em termos tcnicos, poderamos traduzir essa idia
da seguinte maneira: os APIs apresentam uma rotatividade
domiciliar desprezvel e, quando ela se manifesta, a mobi-
lidade estaria necessariamente vinculada a alteraes nas
caractersticas das externalidades e benfeitorias pblicas
do assentamento. Nesse caso, a atividade de comercializa-
o de imveis estaria restrita a momentos pontuais e es-
peccos no tempo (atividades sazonais e/ou esporricas)
e no caracterizaria a existncia de um mercado de solo
regular. Os dados que recolhemos so denitivos em re-
lao constatao de uma atividade regular do mercado
informal de solo ao longo do tempo. Uma boa indicao
para essa concluso dada pela rotatividade desse estoque,
isto , a relao entre a atividade do mercado sobre o esto-
que predial e domiciliar local. Nas tabelas abaixo, apresen-
tamos a rotatividade domiciliar de alguns bairros formaisda cidade do Rio de Janeiro e a tabela de rotatividade das
favelas pesquisadas na mesma cidade.12
Fonte: Abramo/Infosolo
12
Exclumos do indicador de rotatividade domiciliar o mercado de locao. Nesse sentido poderamos dizer que o indicador seria de rotatividade imobiliria e deletemos um indicador do nvel de atividade do mercado de comercializao.
Comunidade/favela Rotatividade
1) Campinho 2,26
2) Acari 14,663) Vila Vintm 2,06
4) Groto 13,36
5) Tijuquinha 10,12
6) Pavo-Pavozinho 0,36
7) Jacar 0,40
8) Joaquim de Queirs 2,03
9) Vila Rica do Iraj 3,65
10) Cachoeira Grande 4,5
Tabela 1 Rotatividade do estoque em favelas da cidade do Rio deJaneiro 2005
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Tabela 2 Tabela de rotatividade do formal
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O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico
Relao transaes realizadas/estoque dos imveis residenciais
Centro Catete Botafogo Copacabana Ipanema Leblon Tijuca
1991 3,59 3,61 3,22 3,16 3,10 3,25 3,191992 4,45 3,75 3,44 3,23 3,21 3,79 3,51
1993 3,39 3,59 3,57 3,26 3,47 4,01 2,96
1994 3,73 4,07 3,84 4,18 4,24 7,77 3,88
1995 4,32 4,68 4,50 5,18 5,17 5,27 4,41
1996 5,38 5,02 5,05 5,60 5,79 10,61 4,71
1997 5,38 5,78 5,45 5,94 5,41 5,62 5,55
1998 4,19 5,45 4,85 4,96 4,78 5,68 4,93
Vila Isabel Bonsucesso Portuguesa Penha Meier Madureira Campo Grande
1991 3,72 2,51 5,46 5,99 3,45 1,82 1,91
1992 4,62 3,23 5,10 3,14 3,98 3,12 2,46
1993 3,38 3,1o 4,76 2,45 2,78 2,47 2,84
1994 3,39 2,54 5,40 2,07 3,09 1,84 2,80
1995 4,42 2,44 5,25 1,77 3,50 1,86 1,89
1996 4,42 2,88 5,99 1,85 3,79 2,29 1,45
1997 5,01 4,29 4,10 3,30 4,84 3,82 1,92
1998 4,18 3,36 3,84 2,75 4,34 2,58 2,24
Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; banco de dados de ITBI; organizado por Andrea Pulici, em 2006
Podemos ver que a rotatividade nos assentamen-
tos informais apresenta diferenas signicativas no seu
indicador em relao s favelas pesquisadas. Isso revela
que o nvel de atividade do mercado informal local no
uniforme para todas as favelas e varia em funo de
fatores endgenos a cada mercado local e de fatores ex-
genos ao assentamento. Na Tabela 2, verica-se que, com
exceo de duas favelas, o indicador de nvel de atividade
do mercado de comercializao informal prximo dos
bairros formais que foram objeto do Programa Municipal
de Melhoramento Rio-Cidade. Escolhemos esses bairros
formais para estabelecer um eventual paralelo com al-
guns programas de melhoramentos nos assentamentos
informais. Interessante notar que em trs assentamentos
informais (favelas), a rotatividade do estoque imobilirio
igual ou superior ao vericado no bairro do Leblon no
seu ano de maior rotatividade na dcada de 90.13A par- levantamentos censitrios de reas subnormais e avaliando,
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Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras
p
tir desses resultados, podemos concluir que os mercados
informais de comercializao apresentam indicadores si-
milares aos do mercado formal e conrmam nossa ar-
mao inicial sobre a existncia e a regularidade no fun-
cionamento dos mercados informais de solo.
Com a constatao da existncia de um mercado
de solo informal regular, podemos sugerir que esse mer-
cado uma das portas de entrada dos pobres na cidade, e
o seu funcionamento operacionaliza o acesso de famliasde baixa renda em reas consolidadas das grandes me-
trpoles latino-americanas. A primeira pergunta que po-
demos realizar, a partir da constatao da existncia dos
MIS, sobre a condio de acesso ao solo nas APIs, isto
, os pobres, quando se instalam como moradores nesses
assentamentos, o fazem na condio de locatrios (infor-mais) ou de compradores de um bem imobilirio infor-
mal (no legalizado). As consequncias sociais, prticas
e polticas da resposta a essa pergunta so fundamentais
para o desenho e denio de estratgias de po
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