CENTRO UNIVERSITÁRIO CESMAC
HUGO PAES BEZERRA RAFAELLA SURUAGY LIMA MARINHO
ALTERAÇÕES ANATÔMICAS PRIMÁRIAS DAS VIAS RESPIRATÓRIAS EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS: revisão
de literatura
MACEIÓ-ALAGOAS
2018/1
HUGO PAES BEZERRA RAFAELLA SURUAGY LIMA MARINHO
ALTERAÇÕES ANATÔMICAS PRIMÁRIAS DAS VIAS RESPIRATÓRIAS EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS: revisão
de literatura
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito final para conclusão do Curso de Medicina
Veterinária do Centro Universitário Cesmac, sob a
orientação do professora Dra. Maria Evódia de Sousa.
MACEIO-ALAGOAS
2018/1
HUGO PAES BEZERRA RAFAELLA SURUAGY LIMA MARINHO
ALTERAÇÕES ANATÔMICAS PRIMÁRIAS DAS VIAS RESPIRATÓRIAS EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS: revisão
de literatura
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito final para conclusão do curso de Medicina
Veterinária do Centro Universitário Cesmac, sob a
orientação do professora Dra. Maria Evódia de Sousa.
APROVADO EM: 30/05/18
Prof. Dra. Maria Evódia de Sousa
BANCA EXAMINADORA
Profa. Maria Luzenita Wagner Mallmann
Prof. Dr. Edson de Figueiredo Galdencio Barbosa
ALTERAÇÕES ANATÔMICAS PRIMÁRIAS DAS VIAS RESPIRATÓRIAS EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS: revisão de literatura
ANATOMICAL CHANGES IN THE RESPIRATORY TRACT IN BRACHYPHALIC DOGS: literature review
Hugo Paes Bezerra Graduando do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Cesmac
[email protected] Rafaella Suruagy Lima Marinho
Graduanda do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Cesmac [email protected]
Maria Evódia de Sousa Dra. em Ciência Veterinária e Profa. do curso de Medicina Veterinária
RESUMO A maioria dos cães braquicefálicos sofre com afecções respiratórias devido a sua conformação anatômica alterada, principalmente as modificações relacionadas ao crânio. Essas alterações obstruem as vias aéreas e causam a síndrome respiratória obstrutiva dos braquicéfalos. Tal síndrome se caracteriza por uma falta de ar crônica e subsequentes dificuldades no exercício, propensão para o sobreaquecimento, ruído respiratório aumentado e anormal, baixos níveis de oxigénio no sangue e, consequentemente, colapso. Essas afecções são desencadeadas principalmente pela exposição do animal a situação de estresse, calor excessivo e abundância de esforço físico. O diagnóstico fundamenta-se nos sinais clínicos, grupo racial, exame físico e radiográfico das vias aéreas. Objetivou-se com este trabalho fazer uma revisão atualizada sobre as alterações anatômicas primárias das vias aéreas em cães braquicefálicos. A metodologia baseou-se na obtenção de dados no acervo da biblioteca setorial do Centro Universitário Cesmac em Marechal Deodoro e na biblioteca da Universidade Federal, além de artigos, periódicos nacionais e dissertações via internet. Evidencia-se a relevância do saber anatômico e das anormalidades, para obter um aparato clínico e cirúrgico correto, diante da abundância e crescimento dessas patologias respiratórias em braquicefálicos tão presente no cotidiano de atendimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Braquicefálico. Anatomia. Síndrome. Respiratório. Cão.
ABSTRACT Most brachycephalic dogs suffer from respiratory affections due to their altered anatomical conformation, especially skull-related modifications. These changes obstruct the airways and cause the brachycephalic obstructive respiratory syndrome. Such a syndrome is characterized by a chronic lack of air and subsequent difficulties in the exercise, prone to the overheating, increased and abnormal breathing noise, low levels of oxygen in the blood and, consequently, collapse. These conditions are triggered mainly by the animal's exposure to stress, excessive heat and plenty of physical exertion. The diagnosis is based on clinical signs, racial group, physical and radiographic examination of the airways. The objective of this work was to make an updated review of the primary anatomical alterations of the airways in brachycephalic dogs. The methodology was based on the acquisition of data in the collection of the sectoral library of the Centro Universitário Cesmac in Marechal Deodoro and in the library of the Federal University, in addition to articles, national periodicals and dissertations via the internet. The relevance of anatomical knowledge and abnormalities is evidenced in order to obtain a correct clinical and surgical apparatus, in view of the abundance and growth of these respiratory pathologies in brachycephalic patients, so present in the daily care.
KEYWORDS: Brachiocephalic. Anatomy. Syndrome. Respiratory. Dog.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5 2 METODOLOGIA ...................................................................................................... 5 3 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 6 3.1 Sistema respiratório ............................................................................................ 6 3.2 Alterações anatômicas do sistema respiratório em cães braquicefálicos..... 7 3.2.1 Estenose de narinas ........................................................................................... 8 3.2.2 Palato mole prolongado...................................................................................... 9 3.2.3 Hipoplasia de traqueia ...................................................................................... 10 3.3 Síndrome respiratória braquiocefálica ............................................................ 11 3.4 Tratamento da síndrome respiratória braquicefálica ..................................... 11 3.4.1 Tratamento clínico ............................................................................................ 12 3.4.2 Tratamento cirúrgico......................................................................................... 12 3.4.2.1 Rinoplastia ..................................................................................................... 12 3.4.2.2 Estafilectomia ................................................................................................ 13 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 15 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 16
5
1 INTRODUÇÃO
O cão doméstico é considerado a espécie de maior variação morfológica entre os
mamíferos (FLYNN; GALIANO, 1982). Em relação ao crânio, o cão apresenta três
tipos de conformações: mesaticefálico, braquicefálico e dolicocefálico com diferenças
na forma, tamanho e estrutura, os quais possuem comprimento intermediário, curto e
longo, respectivamente (STOCKARD, 1941).
Os caninos de raças braquicefálicas, por sua vez, estão em ascensão no Brasil.
Raças como pug, buldogue francês e buldogue inglês tiveram um grande crescimento
no número de registros junto a Confederação Brasileira de Cinofilia-CBKC. Destaca-
se a raça Buldogue Francês que, em 2007, foram registrados 1559 exemplares,
ocupando a 13º posição das raças mais registradas no país (CBKC, 2007), e em 2016,
22524 exemplares, o que fez assumir a liderança do ranking de registros (CBKC,
2016).
Os cães pertencentes a essa classe são caracterizados por múltiplas
anormalidades anatômicas, destacando-se a forma craniana anormal, com
pronunciada desarmonia estrutural. Devido a essa desarmonia, ocorrem alterações
anatômicas e fisiológicas, como alterações oftálmicas, dermatológicas, vertebrais,
disfunções gastrointestinais, cardiovasculares e, principalmente, no aparelho
respiratório superior, resultando na diminuição do fluxo de ar inalado, caracterizando
a síndrome braquicefálica (NELSON; COUTO, 2001).
A observação do aumento da incidência dessas alterações anatômicas na rotina
clínica e cirúrgica, com o crescimento da criação de raças braquicefálicas, mostra a
importância do conhecimento dessa anormalidade para a correta intervenção clínica
e cirúrgica. Objetivou-se com este trabalho fazer uma revisão atualizada sobre as
alterações anatômicas primárias das vias respiratórias em cães braquicefálicos.
2 METODOLOGIA
O embasamento teórico para construção desta revisão literária foi obtido por meio
de pesquisas realizadas no acervo da biblioteca setorial do Centro Universitário
Cesmac, campus em Marechal Deodoro. Foram também incluídos artigos indexados
em periódicos nacionais e dissertação, obtidos por meio de pesquisa via internet, em
portais como Science direct, Google acadêmico e Scielo, sendo utilizados os
6
seguintes descritores: Cães, Braquicefálico e Anatomia, sem delimitação do tempo de
publicação.
3 REVISÃO DE LITERATURA
3.1 Sistema respiratório
O sistema respiratório tem como função realizar as trocas gasosas entre o
organismo dos animais e o meio ambiente, que irá liberar o dióxido de carbono e
manter o oxigênio essencial para o metabolismo celular (CUNNINGHAM; KLEIN,
2013). As vias aéreas são as responsáveis pela condução desse ar para as unidades
fisiológicas de trocas gasosas (REECE, 2006).
O aparelho respiratório compõe-se de uma parte condutora, que compreende
o nariz, a cavidade nasal, parte da faringe, a laringe, a traqueia, os pulmões, os
brônquios e os bronquíolos (KONIG, 2004).
A entrada do fluxo de ar se inicia pelo nariz, que está incorporado nos ossos da
face, fundindo-se com os contornos gerais do focinho. O ar entra no trato respiratório
através das narinas, que são duas aberturas no nariz. Logo após, o ar flui pelas
cavidades nasais, revestidas por mucosa e divididas pelo septo nasal, nas quais o ar
é aquecido, filtrado e umidificado (DYCE, 2010).
Em sequência o ar passa pela faringe, órgão que tem a dupla função de
encaminhar o alimento para o tubo digestório e o ar para o respiratório. Segue pela
laringe, órgão tubular que liga a parte caudal da faringe com a traqueia, direcionando
o ar para essa última (DYCE, 2010).
A traqueia, por sua vez, é um tubo flexível e cartilaginoso, que se estende da
laringe, através da cavidade mediastinal cranial até o mediastino médio, dividindo-a
em parte cervical e torácica. Ela faz a condução do ar entre a laringe e os bronquíolos
nos pulmões. Esse órgão termina por bifurcar-se em dois brônquios, sendo um direito
e um esquerdo, que penetram nos pulmões ramificando-se (GETTY, 1986).
Os pulmões são os órgãos responsáveis pela oxigenação do sangue, e dele
removidos os produtos gasosos do metabolismo tecidual, como o dióxido de carbono.
São órgãos elásticos, porém, contém quantidade considerável de ar. Eles se localizam
na cavidade torácica e estão invaginados em um saco pleural, livre para se
movimentar e inserido só pela sua raiz e ligamento pulmonar (GETTY, 1986). Nos
7
pulmões encontram-se os bronquíolos, ramificações dos brônquios, que adentram
nesse órgão (KONIG, 2004).
Ao chegar aos pulmões, tem-se outra parte do aparelho respiratório, que se
chama porção respiratória. Nela encontramos os bronquíolos respiratórios, os ductos
alveolares, os sacos alveolares e os alvéolos pulmonares, estruturas estas
responsáveis pelas trocas gasosas entre o ar e o sangue (KONIG, 2004).
Figura 1- Sistema respiratório de cão. 1-Coana, 2- Faringe, 3- Laringe, 4- Traqueia, 5-Pulmão, 6-Coração, 7-Diafragma, 8- Esófago, 9- Terminação da Traqueia (a). Fonte: Heritance.
3.2 Alterações anatômicas do sistema respiratório em cães braquicefálicos
Os cães de raça são selecionados para atingir características estéticas ditadas
por padrões raciais, porém, os distúrbios relacionados com a sua conformação são
diversificados (SUMMERS et al., 2010). Ressaltam-se as consequências genéticas de
consanguinidade e do apuramento da característica desejada, que afeta a saúde, o
temperamento, o bem-estar e a funcionalidade. Isso é resultado de características
anatômicas exageradas que causam prejuízo diretamente a redução da qualidade de
8
vida e o aumento da prevalência de determinadas doenças hereditárias (MCGREEVY,
1999).
A criação seletiva de cães de raça acarretou na ascensão dos braquicefálicos, o
que causou a redução da estrutura óssea de um órgão para menos de um terço do
seu tamanho normal, o que gera consequências importantes na fisiopatologia animal
(SUMMERS et al., 2010).
Nas raças braquicefálicas as alterações anatômicas estão presentes
principalmente, no crânio. Essas raças possuem um crânio curto, sendo maior na
largura quando comparado ao comprimento (HOFMANN-APOLLO, 2009). As
alterações do crânio não só diminuíram as dimensões das cavidades nasais, como
também provoca um decréscimo patológico da cavidade oral (HARVEY, 1982a).
As alterações anatômicas do crânio dos cães braquicefálicos se iniciam no
desenvolvimento pós-natal, quando ocorre a condrodisplasia do seu eixo longitudinal
(eixo occipito-frontal), sem alteração no desenvolvimento de tecidos moles. Segue-se,
então, o desenvolvimento de anormalidades primárias envolvendo o sistema
respiratório superior, unicamente ou combinadas, como a estenose de narinas, palato
mole alongado e hipoplasia traqueal (MEOLA, 2013).
3.2.1 Estenose de narinas
Nas narinas dos braquicéfalos, em sua maioria, as cartilagens nasais
dorsolaterais das asas laterais das narinas são muito proeminentes e encontram-se
adjacentes ao septo nasal. Por esse motivo, não existe uma abertura nasal ampla e
as suas dimensões parecem limitar a mobilidade, dificultando assim a sua abdução, o
que leva à obstrução tanto na entrada como na saída do ar. Já em cães saudáveis, a
asa nasal é bastante móvel e permite, durante a inspiração, que esta estrutura seja
retraída favorecendo o fluxo de ar pelo nariz (NICKEL et al., 1995).
A insuficiência respiratória causada pelas narinas estenóticas gera pressão
negativa pelo aumento da força na inspiração, contrário à resistência (KOCH et al.,
2003). Com essa pressão negativa os tecidos moles são evertidos para dentro do
lúmen e tornam-se hiperplásicos (KEATS, 2012a).
O diagnóstico dessa alteração anatômica pode ser feito de acordo com os
sinais clínicos do paciente, com base nas raças acometidas e principalmente na
observação da aparência das narinas externas por meio do exame físico (DAVIDSON
9
et al., 2004; FOSSUM; DUPREY, 2005). Uma particularidade típica e facilmente
observável das narinas estenóticas é o estreitamento do orifício nasal que fica
reduzido a uma pequena fenda, visível do exterior (OECHTERING, 2010).
Figura 1- Bulldogue francês com estenose nasal (a); Rottweiler com narinas normais (b). Fonte: Fitzpatrick Referrals e Wikipedia.
3.2.2 Palato mole prolongado
O palato mole é restrito por uma mucosa respiratória na superfície dorsal e na
superfície ventral por uma mucosa oral. A região ventral é feita de glândulas salivares,
aglomeradas. O músculo palatino está disposto no sentido longitudinal, que é
responsável pelo encurtamento do palato (DYCE et al., 2004).
A transição entre o palato duro e o palato mole localiza-se caudal ao último
molar em raças não braquicéfalas e é ainda mais caudal em braquicéfalos. A ponta
do palato mole estende-se até a ponta da epiglote, no entanto, em braquicéfalos o
palato mole pode estender-se para além deste ponto (KOCH et al., 2003).
Em cães braquicefálicos, o palato mole pode ser prolongado, o que faz com
que o tecido se estenda além da borda da epiglote e provoque a obstrução da rima
glótica, prejudicando a respiração e por conta da vibração do tecido pela passagem
do ar, geraria um edema na faringe (VADILLO, 2007).
Este prolongamento pode ser constatado em animais jovens, contudo, é
avaliado como um problema pouco diagnosticado na prática (HENDRICKS et al.,
1987). O prolongamento do palato mole é encontrado em 62% dos cães braquicéfalos
e, esta observação, contribui quer para o aumento da resistência à passagem do ar,
quer para o aumento do ruído inspiratório (FASANELLA et al., 2010).
a) b)
10
O diagnóstico da doença é baseado em sinais clínicos apresentados pelo
paciente, pela predisposição da raça e histórico clínico de obstrução das vias aéreas
(OROZCO; GÓMEZ, 2003). Os principais exames feitos para melhor diagnosticar,
como a endoscopia ou laringoscopia, mostrarão o prolongamento do palato mole,
eversão dos sáculos laríngeos, hipoplasia de traqueia, prolapso de laringe e traqueia
(OECHTERING, 2010).
Figura 2- Palato mole alongado em cão. Fonte: Fitzpatrick Referrals.
3.2.3 Hipoplasia de traqueia
A hipoplasia de traqueia é determinada por um intenso estreitamento do
diâmetro da traqueia, onde os anéis cartilagíneos são pequenos e rígidos. Com isso,
há um aumento do esforço respiratório, durante a passagem de ar na respiração
(COYNE; FINGLAND, 1992).
Essa afecção é de origem genética e normalmente é diagnosticada em animais
braquicefálicos jovens, a qual faz parte da Síndrome Respiratória do Braquicéfalico
(HARVEY; FINK, 1982). Os cães mais afetados são os das raças bulldog e boston
terrier e do sexo masculino (COYNE; FINGLAND, 1992).
11
O diagnóstico é realizado por meio de um raio-X latero-lateral, no tórax, a
distância entre a superfície ventral da primeira vertebra torácica (T1) e a superfície
dorsal do manúbrio no seu ponto mais estreito (KNELLER, 2002).
Não há tratamento cirúrgico para essa afecção. É importante que haja uma melhoria
nos sinais clínicos. Evitar excesso de peso, aumento de exercícios, manter o ambiente
fresco contribuem para abrandamento dos sinais clínicos (RIECKS et al., 2007).
3.3 Síndrome respiratória braquiocefálica
A síndrome respiratória braquicefálica é caracterizada por uma desordem
obstrutiva do trato respiratório superior que acomete animais de focinho curto (LIU et
al., 2015). As raças caninas consideradas braquicéfalas incluem-se o bulldog inglês,
bulldogue francês, o pug, o boston terrier, o pequinês, o shihtzu e o boxer (MEOLA,
2013). Os cães se tornaram braquiocefálicos em consequência da criação seletiva
intensiva. Com isso, o tamanho do focinho tem sido reduzido de tal forma que
prejudicou gravemente o seu funcionamento (OECHTERING, 2010).
Esses animais apresentam alterações anato-patológicas primárias, como a
estenose das narinas, o palato mole alongado e a hipoplasia traqueal, que durante a
inspiração obstruem o fluxo de ar e aumentam a resistência respiratória, podendo
levar a alterações secundárias, como inflamação local com edema, eversão dos
sáculos laríngeos e colapso de laringe e/ou de traqueia (WETZEL; MOSES, 2010).
Essas anormalidades exigem um esforço exagerado para inspirar, causando
uma sintomatologia característica como: respiração ruidosa, dispneia, intolerância ao
exercício, intolerância ao calor, ronco noturno, desmaios, tosse e sinais
gastrointestinais como vômitos, regurgitações e sialorréia (MEOLA, 2013). A síndrome
pode ser apresentada em diferentes graus de acometimento, com sinais clínicos que
variam de acordo com as alterações anatômicas presentes (DOCAL; CAMACHO,
2008).
3.4 Tratamento da síndrome respiratória braquicefálica
3.4.1 Tratamento clínico
12
O tratamento clínico da síndrome braquicefálica é considerado paliativo,
utilizado apenas para retirar o animal do quadro crítico de crise respiratória. O
tratamento clínico é realizado com o intuito de minimizar a agressão das vias aéreas
superiores e diminuir a inflamação e edema, causados pelo esforço respiratório. É
recomendado o uso de oxigenioterapia, ambiente fresco, uso de anti-inflamatórios,
controle de peso (SENN, 2011).
A terapia clínica a ser utilizada deve diminuir os fatores que alteram os
parâmetros fisiológicos como exercícios, excitação e superaquecimento, além de
aumentar a passagem de ar através das vias aéreas superiores. A terapia emergencial
pode ser necessária para aliviar a obstrução, mas isso não elimina o problema.
Portanto, a correção cirúrgica dos defeitos anatômicos é o tratamento de escolha
(FOSSUM; DUPREY, 2005; CAMACHO, 2006; DOCAL; CAMACHO, 2008).
3.4.2 Tratamento cirúrgico
Para pacientes com esta síndrome, o tratamento é feito cirurgicamente, tendo
como finalidade desobstruir as vias aéreas superiores, por meio da correção cirúrgica
das anormalidades anatômicas existentes (RIECKS et al., 2007). Animais jovens, com
menos de 2 anos, possuem a idade ideal para a realização da cirurgia pois, haverá
maior as chances de sucesso a serem alcançadas (OROZCO; GÓMEZ, 2003).
O tratamento cirúrgico de eleição deve ser iniciado cranialmente. Logo, a
estenose das narinas é o primeiro procedimento a ser realizado. A correção cirúrgica
dos sinais clínicos primários deverá prevenir mudanças secundárias, como protrusão
do tecido mole da nasofaringe ou colapso da laringe e traqueia (DANIEL et al., 2003).
3.4.2.1 Rinoplastia
Várias técnicas cirúrgicas estão descritas para a correção da estenose das
narinas. Todas pretendem aumentar o tamanho da narina, removendo uma cunha
vertical da asa da narina e da dobra alar (MONNET, 2003) ou uma cunha de tecido e
pele da porção caudolateral do nariz (ARON; CROWE, 1985).
A depender do grau das alterações, o tratamento cirúrgico será feito com o
alargamento das narinas externas por resecção, seja vertical, horizontal ou lateral
13
destas estruturas, tanto com bisturi ou laser (MONNET, 1993; FOSSUM; DUPREY,
2005). A região das narinas é bastante vascularizada, tornando a cirurgia cruenta
(MONNET, 1993; NELSON; COUTO, 2001). A correção das narinas estenosadas
pode evitar o surgimento de novas alterações respiratórias e promover um declívio da
sintomatologia clínica (NELSON; COUTO, 2001).
Figura 3- Estenose nasal (a), pós cirúrgico de rinoplastia em cão (b). Fonte: Fitzpatrick Referrals.
3.4.2.2 Estafilectomia
O objetivo da estafilectomia é encurtar o palato mole, geralmente ao nível do
bordo caudal da cripta tonsilar. Para esse efeito já foram descritas várias técnicas,
entre elas: a dissecção com o bisturi, com ou sem pinças hemostáticas (MONNET,
2003); a utilização do electrocautério (HARVEY, 1982b); e o uso do laser CO2
(CLARK; SINIBALDI, 1994).
Independentemente da técnica escolhida, é importante minimizar o trauma dos
tecidos, que pode resultar em hemorragia, tumefação da faringe e obstrução da
passagem do ar. A remoção de excesso de palato aumenta o risco de refluxo
nasofaríngeo de comida durante as refeições e a remoção de menos palato que o
aconselhado, pode ter um resultado pouco vantajoso (BRIGHT; WHEATON, 1983).
As complicações associadas à ressecção convencional do palato mole são
comuns e vão desde tosse e engasgos durante alguns dias após a cirurgia,
regurgitação de saliva ensanguentada, a edema tão grave que pode causar obstrução
das vias aéreas superiores, necessitando de traqueostomia emergencial. Por este
motivo, no período pré-operatório é comum a administração de corticosteroides
(HOLT, 1998).
a) b)
14
Figura 4- Palato mole prolongado em cão (a), pós cirúrgico de stafilectomia (b). Fonte: Fitzpatrick Referrals.
a) b)
15
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As raças braquicefálicas foram mal selecionadas para obter algumas
características estéticas especificas que causaram deformidades, prejudicando a
saúde e bem-estar do animal.
As alterações primárias da síndrome respiratória que acomete os cães
braquicefálicos exigem do médico veterinário prévio conhecimento a respeito de suas
etiologias, aspectos clínicos, métodos diagnósticos e principais protocolos de
atendimento a serem empregados.
Em geral, o prognóstico é favorável, desde que o diagnóstico seja estabelecido
precocemente e o tratamento cirúrgico seja instituído de forma adequada, evitando
assim possíveis complicações, as quais podem levar o paciente a morte.
Mostra-se a importância do conhecimento anatômico e dessas anormalidades
para uma intervenção precisa e que garanta um melhor prognóstico, tendo em vista
que essas alterações primárias ocorrem de forma recorrente e crescente na rotina
clínica.
16
REFERÊNCIAS
ARON, D. N.; CROWE, D. T. Upper airway obstruction: General principles and selected conditions in the dog and cat. Veterinary Clinics of North America Small Animal Practice, Washington, v. 15, n. 5, p. 891-917, 1985.
BRIGHT, R. M.; WHEATON, L. G. A modified surgical technique for elongated soft palate in dogs. Journal of the American Animal Hospital Associaton, Bucharest, v. 9, n. 1, p. 288-292, 1983.
CAMACHO, A. P. Síndrome das vias aéreas braquicefálicas. In: 6º CONGRESSO PAULISTA DE CLÍNICOS VETERINÁRIOS DE PEQUENOS ANIMAIS, 20 a 22 de setembro, 2006, São Paulo, SP, Anais... São Paulo, 2006.
CBKC (Confederação Brasileira de Cinofilia). Registro genealógicos por raça. Relatório anual e atividades cinófilas (report). Rio de Janeiro, p. 08-09, 2007.
CBKC (Confederação Brasileira de Cinofilia). Registro genealógicos por raça. Relatório anual e atividades cinófilas (report). Rio de Janeiro, p. 10-12, 2016.
CLARK, G. N.; SINIBALDI, K. R. Use of a carbon dioxide laser for treatment of elongated soft palate in dogs. Journal of the American Veterinary Medical Associaton, Bethesda, v. 204, n. 11, p. 1779-1781, 1994.
COYNE, B. E.; FINGLAND, R. B. Hypoplasia of the trachea in dogs: 103 cases. Journal of the American Veterinary Medical Associaton, Bethesda, v. 201, n. 5, p. 768-772, 1992.
CUNNINGHAM, J. G.; KLEIN, B. G.; Tratado de Fisiologia Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ, Editora: Elsevier, 2013.
DANIEL, A. K. et al. Brachycephalic Syndrome in Dogs. Compendium and Veterinary Technician, Schaumburg, v. 25, n 1, p.48-55, 2003.
DAVIDSON, A. D. et al. Doenças do nariz e dos seios nasais. In: ETTINGER, S. J.; FELDMAN, E. C. Tratado de Medicina Veterinária, 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 1059-1081.
DOCAL, C. M.; CAMACHO, A. A. Síndrome braquicefálica: aspectos clínicos e importância de exames eletrocardiográficos e radiográficos na avaliação de alterações cardíacas secundárias à síndrome. Waltham News, Waltham, v. 3, n. 4, p. 2-6, 2008.
17
DYCE, K. M. et al. Tratado de anatomia veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. DYCE, K. M. Tratado de anatomia veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
FASANELLA, F. J. et. al. Brachycephalic airway obstructive syndrome in dogs: 90 cases (1991-2008). Journal of the American Veterinary Medical Associaton, Bethesda, v. 237, n. 1, p. 1048-1051, 2010.
FITZPARICK, N. Brachycephalic Obstructive Airway Syndrome. Disponível em: <https://www.fitzpatrickreferrals.co.uk/soft-tissue-service/brachycephalic-syndrome/>. Acesso em: 25 fev. 2018.
FLYNN, J. M.; GALIANO, H. Filogenia de início Carnivora terciário, com uma descrição de uma nova espécie de Proticits a partir de meados do Eoceno do noroeste de Wyoming. American Museum Novitaes, v. 2, n. 2725, p. 1-64, 1982.
FOSSUM, T. W.; DUPREY, L. P. Cirurgias do Trato Respiratório Superior. In: Cirurgia de pequenos animais. São Paulo: Roca, 2005. p. 726-729.
FOSSUM, T. W. Cirurgia do sistema respiratório superior. In: FOSSUM, T. W. et al. Cirúrgia de pequenos animais. São Paulo: Elsevier, 2010. p. 817-838.
GETTY, R. et al. Anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 1986.
HARVEY, C. E.; FINK, E. Tracheal diameter: Analysis of radiographic measurements in brachycephalic and non brachycephalic dogs. Journal of the American Animal Hospital Associaton, v. 18, n. 3, p. 570-576, 1982.
HARVEY, C. E. Upper airway obstruction surgery 1: Stenotic nares surgery in brachycephalic dogs. Journal of the American Animal Hospital Associaton. v. 18, n. 2, p. 535-537, 1982a.
HARVEY, C. E. Upper airway obstruction surgery 2: Soft palate resection in brachycephalic dogs. Journal of the American Animal Hospital Associaton. v. 18, n. 3, p. 538-544, 1982b.
HENDRICKS, J. C. et al. The English bulldog: A natural model of sleep-disordered breathing. Journal of Applied Physiology. v. 63, n. 5, p. 1344-1350, 1987.
HERITANCE, M. Respiratory Anatomy of dog. Disponível em: <http://heritance.me/respiratory-anatomy-of-dog>. Acesso em: 25 de fev. 2018.
18
HOFMANN-APPOLLO, Fernanda. Estudo comparativo da forma do crânio de cães braquicefálicos e mesaticefálicos por meio de técnicas de morfometria geométrica em três dimensões. 2009. 101 f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Faculdade de medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP. 2009.
HOLT, D. E. Surgery of the upper airway in the brachycephalic dog. Proc ACVS Symposium, v. 1, n. 8, p. 25-31, 1998. KEATS, M. M. Brachycephalic airway syndrome, part 1: correcting stenotic nares. DVM new magazine, USA, v. 1, n. 5, p. 6-8. 2012a.
KEATS, M. M. Brachycephalic airway syndrome, part 2: surgery of the palate and larynx. DVM new magazine, USA, v. 1, n. 5, p. 8-9. 2012b.
KNELLER, S. K. The larynx, pharynx and trachea. In: THRALL, D.E, editor. Textbook of veterinary diagnostic radiology. 4. ed. Philadelphia: WB Saunders, 2002. p. 73-86.
KOCH, D. A. et al. Brachycephalic syndrome in dogs. Compedium Vetlearn, v. 25, n. 9, p. 48-55, 2003.
KONIG, H. E. Anatomia dos animais domésticos: texto e atlas colorido. Porto Alegre: Artmed, 2004.
LIU, N. C. et al. Characterisation of Brachycephalic Obstructive Airway Syndrome in French Bulldogs Using Whole-Body Barometric Plethysmography. Journey Plosone, Missouri, v. 10, n. 6, p. 63-74, 2015.
MCGREEVY, P. D. Breeding for quality of life. Animal Welfare, South Mimms, v. 16, n. 2, 125-128, 1999.
MEOLA, S. D. Brachycephalic Airway Syndrome. Topics Companion Animal Medicine, Wheat Ridge, v. 28, n. 6, p. 91-96, 2013.
MONNET, E. Brachycephalic Airway Syndrome. In: SLATTER, D. Textbook of Small Animal Surgery. 2. ed. Philadelphia: WB Sauders, 1993. p. 769-774.
MONNET, E. Brachycephalic Airway Syndrome. In: SLATTER, D. Textbook of Small Animal Surgery. 3. ed. Philadelphia: WB Sauders, 2003. p. 808-813.
NELSON, R. W.; COUTO, C. G. Distúrbios da Laringe. In:______. Medicina Interna de Pequenos Animais. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p.192-195.
19
NICKEL, R.; SCHUMMER, A.; WILLE, K. H. Lehrbuch der Anatomie der Haustiere. 5. ed. Hamburg: Paul Parey, 1984.
OECHTERING, G. U. Brachycephalic syndrome - New information on an old congenital disease. Veterinary Focus, Leipzig, v. 20, n. 2, p. 2-9, 2010.
OROZCO, S. C.; GÓMEZ, L. F. Manejo médico y quirúrgico del síndrome de lasvías aéreas superiores del braquicéfalo. Revista do Colégio de Ciencias Pecuarias, Colombia, v. 16, n. 7, p. 162-170, 2003. REECE, W. O. Respiração nos Mamíferos. In:______. Fisiologia dos animais domésticos. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2006. p. 145-58.
RIECKS, T. W.; BIRCHARD S. J.; STEPHENS, J. A. Surgical correction of brachycephalic syndrome in dogs: 62 cases (1991-2004). Journal of the American Animal Hospital Associaton, Colorado, v. 230, n. 12, p. 1324-1328, 2007.
SENN, D. et al. Retrospective evaluation of postoperative nasotracheal tubes for oxygen supplementation in dogs following surgery for brachycephalic syndrome: 36 cases (2003-2007). Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, London, v. 21, n.3, p. 261-7, 2011.
STOCKARD, C. R. The genetic and endocrinic basis for differences in form and behavior. 19. ed. Philadelphia: Wistar Institute of Anatomy and Biology, 1941.
SUMMERS, J. F. et al. Inherited defects in pedigree dogs. Part 2: Disorders that are not related to breed standards. The Veterinary Journal, London, v. 183, n. 5, p. 39-45, 2010.
VADILLO, A. C. Síndrome braquicefálica e paralisia laríngea em cães. In: ALONSO, J. A. M. Enfermidades respiratórias em pequenos animais. 1. ed. São Caetano do Sul: Interbook, 2007. p. 93-98.
WETZEL, J.; MOSES, P. Brachycephalic airway syndrome surgery: a retrospective analysis of breeds and complications in 155 dogs. College Science Week, Underwood, v. 12, n. 2, p. 56-71, 2010.
WIKIPEDIA. Rottweiler. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rottweiler>. Acesso em: 25 de fev. de 2018.
Top Related