ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE REÚSO DE ÁGUAS SERVIDAS: ESTUDO DE
CASO DO CAXIAS SHOPPING
Michel Balassiano
Projeto de Graduação apresentado ao
Curso de Engenharia Civil da Escola
Politécnica, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Engenheiro.
Orientadora: Monica Pertel
RIO DE JANEIRO
Janeiro de 2018
i
ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE REÚSO DE ÁGUAS SERVIDAS: ESTUDO DE
CASO DO CAXIAS SHOPPING
Michel Balassiano
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE
ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO CIVIL.
Examinada por:
______________________________________________
Profª. Monica Pertel, D.Sc.
______________________________________________
Profª. Heloisa Teixeira Firmo, D.Sc.
______________________________________________
Eng. Cristiano Rizzo Soares
RIO DE JANEIRO
Janeiro de 2018
ii
Balassiano, Michel.
Análise da Aplicação de Reúso de Águas Servidas: Estudo
De Caso Do Caxias Shopping/ Michel Balassiano. – Rio de
Janeiro: UFRJ / ESCOLA POLITÉCNICA, 2018.
XIII, 89p.: il.; 29,7 cm.
Orientadora: Monica Pertel.
Projeto de Graduação – UFRJ/POLI/Engenharia Civil,
2018.
Referências Bibliográficas: p. 74-82.
1. Conservação de Água 2. Reúso de Águas Servidas
3. Caxias Shopping.
I. Pertel, Monica II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, UFRJ, Escola Politécnica, Curso de Engenharia
Civil. III. Título.
iii
Promise yourself to be so strong that
nothing can disturb your peace of mind.
Look at the sunny side of everything and
make your optimism come true. Think only
of the best, work only for the best, and
expect only the best. Forget the mistakes of
the past and press on to the greater
achievements of the future. Give so much
time to the improvement of yourself that
you have no time to criticize others. Live in
the faith that the whole world is on your
side so long as you are true to the best that
is in you!
(Christian D. Larson)
iv
AGRADECIMENTOS
À toda minha família por estarem sempre presentes e dispostos a auxiliar de todas as
maneiras possíveis e imagináveis. Em especial aos meus pais, Rafael e Vivian, pelo amor
incondicional, apoio a todas as horas e incentivo rotineiro ao longo de toda a trajetória
acadêmica; e ao meu irmão, Daniel, pelo carinho e pelos ótimos momentos de
descontração.
À minha orientadora profª Monica Pertel, pelas imprescindíveis sugestões, discussões e
revisões.
À profª Heloisa Firmo, pelos anos de orientação e ensinamentos, e por ter aceito a
participação na banca examinadora.
Ao caro Luiz Terra, por gentilmente ter me recebido, me apresentado à realidade do
Caxias Shopping e fornecido informações sobre o shopping.
Ao Eng. Cristiano Rizzo, pelos ensinamentos e por ter aceito a participação na banca
examinadora.
À Paulinha, pelo sorriso, carinho e paz de espírito constantes.
Aos amigos Felipe Fischmann, Leonardo Adler, Moreno Barros e Tito Cals, pelas
discussões relevantes na temática e eventuais revisões.
Às professoras Elaine Vazquez e Michèle Pfeil pelas orientações e apoio acadêmico no
decorrer dos anos, e pelas revisões.
Ao Eng. Paulino Neto, pelo apoio técnico, e pelas conversas e reflexões do mundo real.
À cara Larissa Braga, pelo suporte e determinação no entendimento das oportunidades de
reúso de águas no Brasil.
Às parcerias 24/7 ao longo da jornada proporcionada (especialmente, mas não apenas)
por Amanda Azevedo, Ian Muniz, Jonas Mehl, Manuel Meyer e William Hester.
Ao amigo Rafael Stern por trazer sempre conhecimento e visão sensata.
Às contínuas mudanças e aos aprendizados consequentes que a vida nos traz.
v
Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Civil.
ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE REÚSO DE ÁGUAS SERVIDAS: ESTUDO DE
CASO DO CAXIAS SHOPPING
Michel Balassiano
Janeiro/2018
Orientadora: Monica Pertel
Curso: Engenharia Civil
Neste trabalho analisou-se a aplicação do reúso de águas servidas em shopping center,
por meio de estudo de caso prático realizado no Caxias Shopping, em Duque de
Caxias/RJ. Buscou-se entender os motivos que levaram o shopping a produzir água de
reúso para fins não potáveis, bem como analisar os problemas que levaram à interrupção
temporária desta produção. Complementarmente, foi feito um levantamento da realidade
atual do reúso de águas servidas no que tange à legislação e às políticas públicas no Brasil,
além de identificar os sistemas compactos mais difundidos no tratamento e reúso de águas
servidas. No Caxias Shopping, compararam-se os cenários de abastecimento de água do
shopping com a adoção de 30% e 60% de água de reúso com o cenário referência de
abastecimento total proveniente da concessionária demonstrando ganhos financeiros de,
respectivamente, 17,1% e 34,2% devido à realização de reúso. Por fim, foram elencadas
as variáveis mais influentes na implantação de reúso de águas servidas em edificações
que queiram ou necessitem realizar localmente o tratamento de seus esgotos.
Palavras-chave: Conservação de Água; Reúso de Águas Servidas; Caxias Shopping.
vi
Abstract of Monograph present to Poli/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements
for degree of Civil Engineer.
WASTEWATER REUSE APPLICATION ANALYSIS: CASE STUDY AT CAXIAS
SHOPPING CENTER
Michel Balassiano
January/2018
Advisor: Monica Pertel
Course: Civil Engineering
In this work it has been analyzed wastewater reuse application at a shopping center,
through practical case study at Caxias Shopping Center, located in Duque de Caxias/RJ.
It has been investigated both the reasons that led the shopping center to produce reused
water for non-potable uses and the problems that caused an interruption in reused water
production. In addition, it has been presented current wastewater reuse reality concerning
regulation and public policies in Brazil, and mostly widespread wastewater treatments
and reuse compact systems. At Caxias Shopping, two scenarios involving water supply
by 30% and 60% reused water were compared with baseline scenario of full supply by
the public water company resulting in financial gains of, respectively, 17,1% and 34,2%
due to reuse application. Finally, the most influential variables were pointed out in
wastewater reuse implementation at buildings that want or have to locally treat its own
sewage.
Keywords: Water Conservation; Wastewater Reuse; Caxias Shopping Center.
vii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Disponibilidade hídrica no Brasil ................................................................... 7
Tabela 2 – Diferenças das tecnologias de filtração por membranas............................... 34
Tabela 3 – Cenários considerados na análise de viabilidade financeira ......................... 38
Tabela 4 – Tarifação da CEDAE para área B e estabelecimento comercial .................. 42
Tabela 5 – Tratamentos aplicados no Caxias Shopping ................................................. 54
Tabela 6 – Resultado de análise de cenários 1, 2 e 3...................................................... 64
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Tipos de reúso de águas servidas ................................................................. 13
Quadro 2 – Classes de água de reúso e tratamentos necessários de acordo com NBR
13.969/1997 .................................................................................................................... 20
Quadro 3 – Parâmetros para água de reúso em Niterói .................................................. 22
Quadro 4 – Parâmetros para água de reúso em São Paulo ............................................. 23
Quadro 5 – Sistemas de Tratamento de águas servidas e aplicações de reúso ............... 32
Quadro 6 – Dimensionamento da estação de tratamento de esgotos (tratamentos
preliminar, primário e secundário) ................................................................................. 54
Quadro 7 – Dimensionamento de oxidação, desinfecção, filtros de areia e filtros de carvão
ativado ............................................................................................................................ 55
Quadro 8 – Limites de qualidade para água de reúso nas torres de refrigeração ........... 56
Quadro 9 – Limites de qualidade para água de reúso nos sanitários .............................. 56
Quadro 10 – Resumo dos volumes e coeficientes para os três cenários ........................ 61
Quadro 11 – Variáveis determinantes para projetos de reúso de águas servidas ........... 66
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Disponibilidade de recursos hídricos renováveis per capita .......................... 6
Figura 2 – Média histórica da precipitação mensal no Brasil .......................................... 8
Figura 3 – Sistema hidráulico da bacia do rio Paraíba do Sul ........................................ 10
Figura 4 – Reservatórios do sistema Cantareira e estruturas de ligação ........................ 10
Figura 5 – Distribuição da utilização de água de reúso no mundo de acordo com uso .. 14
Figura 6 – Divisão da distribuição do abastecimento de água em Windhoek, Namíbia 27
Figura 7 – Matriz de sistemas de tratamento de esgotos visando o reúso ...................... 33
Figura 8 – Setorização do consumo de água no Caxias Shopping ................................. 39
Figura 9 – Consumo de água no Caxias Shopping (jan/17 a dez/17) ............................. 40
Figura 10 – Geração de esgotos no Caxias Shopping (nov/12 a out/13) ........................ 41
Figura 11 – Fluxograma de volumes de entrada, retroalimentado e de saída ................ 44
Figura 12 – Localização do município de Duque de Caxias/RJ ..................................... 47
Figura 13 – Caxias Shopping ......................................................................................... 48
Figura 14 – Coletores de óleo, pilhas e baterias ............................................................. 50
Figura 15 – Placas no sanitário indicando (a) a utilização de equipamentos hidráulicos
ecoeficientes e (b) a realização de reúso de água no shopping ...................................... 51
Figura 16 – Estação de tratamento de esgotos e reúso de águas servidas do Caxias
Shopping, reservatório de água de reúso e conjunto de placas fotovoltaicas ................. 52
Figura 17 – Fluxograma de processos de tratamento de esgoto e reúso de águas servidas
no Caxias Shopping ........................................................................................................ 53
Figura 18 – Sistema de osmose reversa .......................................................................... 55
Figura 19 – Laboratório da estação ............................................................................... 57
Figura 20 – Compressores antigos do tanque de equalização ........................................ 60
x
Figura 21 – Cenário 1: Apenas tratamento de esgotos ................................................... 62
Figura 22 – Cenário 2: Tratamento de esgotos e 30% da demanda suprida por água de
reúso ............................................................................................................................... 62
Figura 23 – Cenário 3: Tratamento de esgotos e reúso maximizado.............................. 63
xi
LISTA DE ABREVIATURAS
ABAS – Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABRASCE – Associação Brasileira de Shopping Centers
ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro
ANA – Agência Nacional de Águas
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CEDAE – Companhia Estadual De Águas e Esgotos (RJ)
CEPT – Chemically Enhanced Primary Treatment
CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos
DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio
DQO – Demanda Química de Oxigênio
ETA – Estação de Tratamento de Água
ETE – Estação de Tratamento de Esgotos
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (RJ)
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FecomercioSP – Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São
Paulo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEA – Instituto Estadual do Ambiente (RJ)
IMS – Israel Meteorological Service
MS – Ministério da Saúde
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MI – Ministério da Integração Nacional
NBR – Norma Brasileira
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
SindusCon-SP – Sindicato da Indústria da Construção do Estado de São Paulo
SES – Secretaria de Estado da Saúde (SP)
SMA – Secretaria do Meio Ambiente (SP)
SMAC – Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Duque de Caxias/RJ)
SSRH – Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos (SP)
SST – Sólidos Suspensos Totais
xii
SUMÁRIO
1. Introdução .................................................................................................................... 1
1.1. Objetivos ................................................................................................................. 2
1.1.1. Geral ............................................................................................................... 2
1.1.2. Específicos ...................................................................................................... 2
1.2. Estrutura do Trabalho ............................................................................................. 3
2. Referencial Teórico...................................................................................................... 5
2.1. Disponibilidade Hídrica no Brasil .......................................................................... 5
2.1.1. Crise Hídrica de 2014 e 2015 ......................................................................... 9
2.2. Reúso de Águas Servidas e Tratamento de Esgotos ............................................. 11
2.2.1. Legislação brasileira acerca de reúso de águas servidas .............................. 19
2.2.2. Estado da arte sobre reúso de águas servidas ............................................... 25
2.3. Tecnologias adequadas ao Reúso de Águas Servidas .......................................... 30
2.4. Shopping Centers no Brasil .................................................................................. 34
3. Metodologia ................................................................................................................ 36
3.1. Pesquisas e Levantamento de Dados .................................................................... 36
3.1.1. Dados Hídricos – Panorama Brasileiro ........................................................ 36
3.1.2. Reúso e suas Tecnologias ............................................................................. 36
3.2. O caso Caxias Shopping ....................................................................................... 36
3.2.1. Viabilidade Econômico-Financeira .............................................................. 37
3.2.2. Estimativa de consumo típico esperado de água, consumo específico de água
e geração específica de esgotos .............................................................................. 45
4. Estudo de Caso – Caxias Shopping .......................................................................... 47
4.1. Caracterização ...................................................................................................... 47
4.2. Estação de Tratamento de Esgotos e Reúso (ETE/Reúso) ................................... 52
5. Resultados .................................................................................................................. 58
5.1. Tecnologias a serem adotadas e oportunidades para projetos de reúso de águas
servidas ........................................................................................................................ 58
5.2. Caxias Shopping ................................................................................................... 59
5.2.1. Aspectos Técnicos ........................................................................................ 59
xiii
5.2.2. Viabilidade Econômico-Financeira da ETE/Reúso ...................................... 61
5.2.3. Consumo típico esperado de água, consumo específico de água e geração
específica de esgotos .............................................................................................. 64
5.3. Variáveis de projeto mais influentes .................................................................... 65
6. Conclusões .................................................................................................................. 68
7. Recomendações .......................................................................................................... 73
Referências Bibliográficas ............................................................................................ 74
Apêndice ......................................................................................................................... 83
1. Introdução
O crescente interesse mundial pela otimização do consumo de recursos naturais é
notável, com tendência direcionada ao conceito de desenvolvimento sustentável – um
modelo de desenvolvimento que balanceie os aspectos ambientais, econômicos e sociais
(KATES et al., 2016); e como consequência, as questões ambientais surgem como fatores
influentes nas decisões do setor empresarial (FIRJAN, 2017) e dos demais setores da
sociedade. Em particular no que diz respeito ao consumo de recursos hídricos, há um
despertar acerca da importância em se praticar uma gestão inteligente e sustentável da
água – tanto nos grandes centros urbanos quanto no meio rural. A conservação de água a
partir do reúso de esgotos gerados se mostra como solução ainda incipiente no Brasil,
porém com significativo potencial de impacto positivo, dada a realidade atual de estresse
hídrico em grandes centros urbanos, como exemplo recente a crise hídrica nos anos de
2014 e 2015 nas maiores metrópoles brasileiras (São Paulo e Rio de Janeiro).
Este trabalho teve como ponto focal o fato de que certos estabelecimentos devem
tratar localmente seus efluentes, por exigência ambiental para sua instalação e operação,
como indústrias, shopping centers, edifícios corporativos, condomínios de edifícios
multifamiliares e outros similares de grande porte. Neste contexto, o reúso se mostra
como estratégia sustentável a longo prazo para garantir segurança e autonomia hídrica,
especialmente em regiões e situações de estresse hídrico ou escassez hídrica. Esta prática
incita uma mudança profunda no paradigma do tratamento de efluentes e esgotos, de
‘tratamento e disposição’ para ‘reúso e recuperação de recursos’ (WWAP, 2017).
O estudo refere-se ao reúso direto planejado para fins não potáveis (domésticos e
industriais) aplicado no Caxias Shopping, situado em localidade sem coleta e tratamento
de esgotos. Foram formuladas conclusões acerca da importância de sistemas compactos
de reúso de águas servidas como uma estratégia para busca de autonomia hídrica e alívio
2
de pressões sobre mananciais. Adicionalmente, foram apontados os principais problemas
identificados na aplicação desta prática no Caxias Shopping e medidas adotadas visando
à normalização da produção de água de reúso.
Por fim, foram elencadas as variáveis de projeto que demandam maior atenção, no
que diz respeito à aplicação do reúso de águas servidas em projetos de Engenharia Civil.
Buscou-se a verificação técnica de implementar um modelo de consumo de água
envolvendo o reúso dos efluentes gerados in loco, bem como auxiliar na ampliação do
restrito conteúdo disponível a respeito de sistemas de reúso de águas servidas em
shopping centers. Neste contexto, se fez relevante analisar os aspectos relacionados à
redução no consumo de recursos naturais (aspecto ambiental), à redução de gastos com
tarifa de água e esgoto (aspecto econômico), e à mudança de paradigma quanto à gestão
de recursos hídricos em edificações (aspecto social), por meio da implantação do reúso
de águas servidas.
1.1. Objetivos
1.1.1. Geral
Analisar a viabilidade técnico-financeira da implantação de sistemas de reúso de
águas servidas, tomando como estudo de caso prático o Caxias Shopping.
1.1.2. Específicos
Identificar tecnologias adequadas para o reúso de águas servidas por meio de sistemas
compactos1.
1 É relevante esclarecer que os sistemas de tratamento e reúso de águas servidas de maior interesse deste
trabalho são aqueles de pequena e média escala (sistemas compactos), adequados à realidade urbana de
baixa disponibilidade de área, devido à elevada densidade de ocupação do território. Não foram definidas
área ocupada ou vazão de projeto máxima para escalas pequena, média ou grande, de modo que fez parte
do estudo o entendimento de quais tecnologias melhor se adequam a cada contexto.
3
Avaliar criticamente o reúso de águas servidas no Caxias Shopping em Duque de
Caxias/RJ, considerando seus aspectos técnicos e sua viabilidade econômico-financeira.
Identificar as variáveis com maior influência na viabilidade de projetos de reúso de
águas servidas.
1.2. Estrutura do Trabalho
O presente trabalho está subdividido em sete capítulos contextualizando acerca das
questões hídricas direta e indiretamente relacionadas com o reúso de águas servidas, e
analisando a viabilidade técnico-financeira do reúso aplicado no Caxias Shopping.
No capítulo 1, é apresentado em linhas gerais o contexto que favorece o
desenvolvimento de estudo na temática de reúso de esgotos, os objetivos traçados e a
estrutura seguida no decorrer do trabalho.
No capítulo 2, descreve-se o cenário atual brasileiro no que diz respeito à
disponibilidade hídrica, às crises hídricas mais recentes e à legislação acerca do reúso de
águas servidas. São também apresentadas tecnologias adequadas e exemplos
internacionais relevantes na aplicação do reúso de água e esgoto.
A metodologia utilizada é detalhada no capítulo 3, tendo essencialmente envolvido o
levantamento de dados por meio de pesquisas e o estudo de aplicação prática do reúso de
águas servidas no Caxias Shopping.
O capítulo 4 trata de expor a realidade do Caxias Shopping, com enfoque nos motivos
que favoreceram a implantação de reúso de águas servidas. São também descritas as
diversas medidas adotadas em vistas à normalização da produção de água de reúso no
shopping.
O capítulo 5 explicita os resultados encontrados das análises técnica e financeira
realizadas. Indicam-se as tecnologias adotadas, oportunidades identificadas e obstáculos
4
na implantação de reúso de águas servidas em estabelecimentos similares a shopping
centers.
No capítulo 6 são elencadas as principais conclusões baseadas nos resultados obtidos,
além de observações acerca do cenário atual e perspectivas futuras na difusão de projetos
de reúso de águas servidas.
O capítulo 7 se destina ao registro de limitações encontradas ao longo do
desenvolvimento deste trabalho, e recomendações para trabalhos futuros na temática.
Por fim, são apresentadas as Referências Bibliográficas consultadas, o Apêndice com
dados detalhados a respeito do Caxias Shopping, incluindo o esquema de tratamento e
reúso de águas servidas e tabelas dos cálculos de viabilidade econômico-financeira
realizados. A planta baixa da estação de tratamento de esgotos do shopping encontra-se
no Anexo.
5
2. Referencial Teórico
Considerando os objetivos geral e específicos traçados, é apresentada uma série de
informações relevantes contextualizando o Brasil e seu panorama hídrico atual, além de
recorte específico de exemplos internacionais de referência e tecnologias mais indicadas
para o reúso de águas servidas.
2.1. Disponibilidade Hídrica no Brasil
A disponibilidade hídrica trata-se de uma estimativa da quantidade de água ofertável,
considerando-se determinado nível de garantia, e é caracterizada de diferentes maneiras
caso seja avaliada em trechos de rio, trechos sob influência de reservatórios ou no lago
de reservatórios.
O Brasil é classificado como país de abundância hídrica, de acordo com definição da
Food and Agriculture Organization (FAO) – Organização das Nações Unidas (ONU),
conforme exibida a distribuição mundial na disponibilidade de recursos hídricos
renováveis per capita na Figura 1. A classificação se dá nas seguintes faixas de
disponibilidade hídrica: inferior a 500 m³/ano/habitante – absoluta escassez hídrica; entre
500 e 1.000 m³/ano/habitante – crônica escassez hídrica; entre 1.000 e
1.700 m³/ano/habitante – estresse hídrico; entre 1.700 e 5.000 m³/ano/habitante – estresse
hídrico ocasional ou local; e superior a 5.000 m³/ano/habitante – abundância nacional de
recursos hídricos e possível estresse hídrico local. O Brasil se encontra nesta última faixa,
a mais confortável do ponto de vista hídrico.
6
A Tabela 1 apresenta dados de precipitação média, vazão média e disponibilidade
hídrica para as doze regiões hidrográficas brasileiras, evidenciando a discrepância em
ordens de grandeza entre a região Amazônica e as demais. Dada a disponibilidade hídrica
total brasileira de 78.602 m³/s (ANA, 2017), desconsiderando-se vazões afluentes de
outros países, e população atual estimada em 208.406.486 habitantes (IBGE, 2017a),
calcula-se que o país apresenta disponibilidade hídrica per capita de
11.731 m³/ano/habitante.
No entanto, a distribuição de água pelo extenso território brasileiro é desigual em suas
regiões e bacias hidrográficas. Cerca de 80% da água superficial do país se encontra na
região hidrográfica Amazônica, a qual possui o menor contingente populacional – pouco
mais de 5% da população brasileira – e a menor demanda. Por outro lado, nas regiões
hidrográficas banhadas pelo Oceano Atlântico, que concentram 45,5% da população do
país, estão disponíveis apenas 2,7% dos recursos hídricos superficiais (ANA, 2017).
Estima-se que a disponibilidade de água subterrânea no Brasil seja em torno de
14.650m³/s, com distribuição pelo território nacional também não uniforme, e com
Figura 1 – Disponibilidade de recursos hídricos renováveis per capita (m³/ano/habitante)
Fonte: Adaptado de FAO – Aquastat (2015)
7
produtividade dos aquíferos variável, ocorrendo regiões de escassez e outras com relativa
abundância (ANA, 2017).
Tabela 1 – Disponibilidade hídrica no Brasil
Região Hidrográfica Precipitação Média
(mm/ano) Vazão Média
(m3/s)
Disponibilidade Hídrica (m3/s)
Amazônica 2.253 208.457 65.617 Paraná 1.490 12.398 4.390
Tocantins-Araguaia 1.760 14.895 3.098 Atlântico Sudeste 1.400 4.843 1.325 Paraguai 1.342 2.836 1.023 São Francisco 938 2.914 875 Uruguai 1.689 4.906 550 Atlântico Sul 1.573 2.869 513
Atlântico Nordeste Ocidental 1.791 3.112 397 Parnaíba 1.040 774 325 Atlântico Leste 940 1.556 271 Atlântico Nordeste Oriental 841 791 218 Total - 260.351 78.602
Fonte: Modificado de ANA (2017)
A cobertura do serviço de abastecimento de água urbano no Brasil é de
aproximadamente 93,1% (BRASIL, 2015). Este elevado índice de cobertura indica tão
somente acesso à rede de um sistema de abastecimento de água, mas não necessariamente
significa garantia de oferta de água, ou seja, disponibilidade hídrica do manancial.
No Brasil, se percebe a sensível situação da região Nordeste, com a menor
disponibilidade hídrica superficial, ocasionando por necessidade uma alta densidade de
pontos de captação superficial. Também, a região Sudeste possui alta quantidade de
pontos de captação superficial, devido à elevada densidade populacional, apesar de
disponibilidade hídrica relativamente confortável (ANA, 2010). Estes representam dois
exemplos da existência de estresse hídrico local no país.
Em boa parte do país, as chuvas ocorrem com mais frequência e intensidade durante o
verão do hemisfério sul, enquanto no inverno elas costumam ser mais espaçadas e em
menor concentração. No Sul, por exemplo, as chuvas oscilam menos ao longo de todo o
ano, enquanto no Centro-Oeste e no Nordeste do país existe um período seco bem
8
definido. No norte do Nordeste, as chuvas são mais frequentes entre fevereiro e maio,
enquanto na parte leste dessa região os picos de chuva ocorrem entre maio e julho
(ANA, 2017), como pode ser bem observado na Figura 2.
No Nordeste brasileiro 14% das cidades necessita novos mananciais (ANA, 2010)
devido à sua característica de baixa disponibilidade hídrica, principalmente no semiárido,
região naturalmente de escassez. Já no Sudeste, são 5% necessita novos mananciais
(ANA, 2010), devido às elevadas densidades populacionais urbanas (ANA, 2017). Este
cenário retrata diferentes realidades no país, e reforça que uma correta gestão hídrica
envolve diretamente planejamento em escala de bacias hidrográficas do uso e ocupação
do solo, evitando situações de conflito hídrico, e o incentivo a práticas de consumo
consciente e conservação de água, como o reúso de águas servidas.
Considerando-se que segundo a Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei
nº 9.433/1997, em situações de escassez são considerados usos prioritários o consumo
humano e a dessedentação animal, como o recurso tem se tornando escasso, as tensões
entre as partes interessadas (usuários) tendem a se intensificar, reforçando o entendimento
Figura 2 – Média histórica da precipitação mensal no Brasil
Fonte: ANA (2017)
9
de que grandes consumidores de água devem possuir estratégias de adaptação a eventos
de escassez. O reúso de águas servidas se apresenta, então, como uma estratégia
extremamente interessante.
2.1.1. Crise Hídrica de 2014 e 2015
A grande dependência de poucos mananciais somada à alta concentração da demanda
hídrica nos grandes centros urbanos, posicionam como preocupante a segurança hídrica
nestas localidades, ocasionando sistemas com alta vulnerabilidade e baixa resiliência. O
ciclo urbano da água exige a implantação de complexa infraestrutura para abastecimento
de água e esgotamento sanitário, e com crescimento pouco ordenado. Resulta que regiões
com condições naturais favoráveis do ponto de vista de disponibilidade hídrica vem
recentemente encontrando graves crises hídricas.
A comprovação nítida mais recente desta realidade foi a crise hídrica nos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro entre os anos de 2014 e 2015. Em São Paulo, o sistema
Cantareira (Figura 3), foi fortemente prejudicado pela crise hídrica ocorrida, gerando uma
série de conflitos internos ao estado de São Paulo. O sistema Cantareira em condições
normais de operação abastece cerca de 9 milhões de pessoas equivalente à cerca de 50%
da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), incluindo a bacia do Alto Tietê, e a
Região Metropolitana de Campinas, na bacia Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) (ANA,
2017).
Na bacia do rio Paraíba do Sul (Figura 4) conflitos entre usuários de água se
intensificaram, estando localizada entre os maiores polos industriais e populacionais do
país. Através de um intrincado e complexo conjunto de estruturas hidráulicas, ocorre a
transferência de até 160 m³/s de água para a bacia do rio Guandu, incluindo uma vazão
média de 43 m³/s para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu. Os sistemas
Guandu/Lajes/Acari e Imunana/Laranja abastecem cerca de 9 milhões de habitantes,
10
equivalente à 85% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Ressalta-se a manifestação
no Plano Estadual de Recursos Hídricos de necessidade na ampliação em 18 m³/s deste
sistema (RIO DE JANEIRO, 2014), totalizando vazão média de 61 m³/s, e seguindo a
mesma lógica de retirada de vazões superiores e distantes para o abastecimento urbano
localizado.
De 2013 a 2015 as vazões médias mensais afluentes estiveram abaixo da média no
sistema Cantareira, atingindo em 2014 o menor valor desde 1930 (8,70 m³/s) e em 2015,
Figura 3 – Reservatórios do sistema Cantareira e estruturas de ligação
Fonte: ANA (2017)
Figura 4 – Sistema hidráulico da bacia do rio Paraíba do Sul
Fonte: ANA (2017)
11
o segundo menor valor já registrado (19,67 m³/s) (ANA, 2017). Como consequência desta
crise, em São Paulo o número de autorizações para a perfuração de poços cresceu 82%
nos dois primeiros meses de 2014, segundo dados da Associação Brasileira de Águas
Subterrâneas (ABAS). Os mananciais subterrâneos podem ser considerados reservas
estratégicas e representam alternativas importantes em situações críticas. Cabe ressaltar
que a ampla implementação de projetos de reúso de águas servidas alivia as pressões
sobre os aquíferos subterrâneos, reduzindo a quantidade de poços necessários.
No contexto de crises hídricas e dificuldade no acesso a fontes confiáveis de água,
diversas iniciativas foram fomentadas durante os anos de 2014 e 2015, em particular. Por
exemplo, no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram adotadas práticas de utilização de água
de reúso para limpeza urbana.
2.2. Reúso de Águas Servidas e Tratamento de Esgotos
Levando-se em conta a busca por alternativas na gestão hídrica, algumas
possibilidades podem ser adotadas, separada ou complementarmente: a adoção de
equipamentos hidráulicos mais eficientes, com difusores e redutores de pressão e/ou
vazão, ocasionando menor consumo hídrico por equipamento; a implantação de
hidrometração individualizada nas unidades consumidoras; a identificação e o reparo de
perdas por transmissão nas redes de abastecimento; o aproveitamento de águas pluviais;
a implantação de estrutura de gestão e governança das águas consistente, sistêmica e a
longo prazo; e o planejamento e a implantação de infraestrutura para o reúso de águas
servidas.
A capacidade de reúso instalada no Brasil foi estimada em 2017 como sendo de
aproximadamente 2 m³/s, sendo que apenas 1,6 m³/s seriam realmente reutilizados
(ANA, 2017). No que diz respeito à realidade urbana, ressalta-se que o reúso e a
conservação da água que abastece a cidade são soluções pouco adotadas, mas com
12
potencial de impacto positivo no ciclo urbano hidrológico. O ponto central de mudança
de paradigma é que a água é desperdiçada ao ser consumida e retornada ao ambiente na
forma de esgotos, em vez de localmente tratada e reutilizada.
O reaproveitamento pode se dar na irrigação, em usos potáveis (direto ou indireto) e
não potáveis, em usos industriais, na recarga de aquíferos ou em diversos outros fins. O
tipo de reúso praticado pode ser classificado de acordo com o processo de tratamento e
uso pretendido, conforme apresentado no Quadro 1, baseado nas proposições de
WESTERHOFF (1984) e MANCUSO et al., (2003). Pontua-se que há também outras
classificações e usos citados por diversos outros autores.
No Brasil, o reúso potável (seja direto ou indireto) ainda não é regulamentado, apesar
de o reúso potável indireto ser amplamente aplicado involuntariamente e de maneira não
planejada, devido à captação de água para abastecimento em corpos hídricos que
receberam o lançamento de efluentes sanitários (industriais ou domésticos) de cidades à
montante. Mais de 40 milhões de habitantes em 524 cidades demandam discussão
conjunta da solução de esgotamento sanitário, devido ao impacto do lançamento de
esgotos à montante (ANA, 2017).
13
A distribuição mundial de reúso de águas servidas de acordo com aplicação após
tratamento avançado (terciário) foi estimada pelo relatório Municipal water reuse markets
2010, elaborado pela empresa Global Water Intelligence (GWI), e apresentada na Figura
5. Aproximadamente 70% de toda a água consumida pela humanidade destina-se à
agricultura (WWAP, 2017), e a utilização de água de reúso para este fim se apresenta
com a maior quantidade de iniciativas no mundo (52%, incluindo-se irrigação
paisagística), seguida de utilização para fim industrial (19%), que correspondem às
atividades humanas mais hidrointensivas.
Descrição
direto
Esgoto é devidamente tratado e recuperado, sendo
diretamente reutilizado no abastecimento de água
potável. Não há lançamento no ambiente.
indireto
Esgoto é tratado, lançado no ambiente em corpos
d'água superficiais ou aquíferos subterrâneos, com
posterior captação e tratamento para abastecimento de
água potável. Pode ser intencional (planejado) ou não
intencional (não planejado).
para fins agrícolas
Esgoto pode ser tratado ou lançado in natura na
irrigação de árvores frutíferas, cereais em geral e
plantas não alimentícias.
para fins industriaisEsgoto sofre diversos processos de tratamento para
uso em refrigeração, caldeiras ou águas de processo.
para fins recreacionais
Aplicação do esgoto tratado em corpos d'água com
padrão recreacional e na irrigação de parques e jardins
públicos, campos de esportes, etc.
para fins domésticos
Utilização do esgoto tratado em descargas sanitárias,
lavagens de piso e automóveis e outros usos
domiciliares.
para fins de manutenção de
vazões
Lançamento de esgoto devidamente tratado em corpos
hídricos que se beneficiem do incremento de vazão
para diluição de cargas poluidoras.
para aquicultura
Esgoto pode ser tratado ou lançado in natura na
produção de peixes e plantas aquáticas que se
beneficiem dos nutrientes presentes no efluente.
para recarga de aquíferos
subterrâneos
Esgoto devidamente tratado e aplicado em aquíferos
subterrâneos, podendo ocorrer indiretamente
(irrigação) ou diretamente (por injeção sob pressão).
Reúso potável
Tipo de Reúso
Reúso não potável
Quadro 1 – Tipos de reúso de águas servidas
Fonte: Elaboração própria (2018) baseada em WESTERHOFF (1984) e
MANCUSO et al., (2003)
14
O reúso de águas servidas ao qual se refere este trabalho abrange a infraestrutura e os
processos de tratamento, transporte e reutilização de águas consumidas previamente,
nomeadamente esgotos, águas residuárias ou águas servidas. Entende-se por tratamento
de esgotos o conjunto de processos físicos, químicos e biológicos envolvidos na remoção
de carga poluidora de esgotos gerados em atividades humanas industriais, comerciais,
residenciais ou outras. Poluição, de acordo com o definido no artigo terceiro da Lei
nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, compreende as
atividades que direta ou indiretamente: 2
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos.
(BRASIL, 1981, art. 3º)
2 GWI (Global Water Intelligence). 2009. Municipal water reuse markets 2010. Oxford, UK: Media
Analytics Ltd.
Figura 5 – Distribuição da utilização de água de reúso no mundo de acordo com uso
Fonte: Modificado de LAUTZE (2014) apud GWI (2009)2
15
Do ponto de vista de composição, os esgotos domésticos são em grande maioria
(superior a 99,9%) compostos por água; e o restante pode abranger microrganismos,
sólidos orgânicos e inorgânicos, suspensos e dissolvidos (VON SPERLING, 2014),
caracterizando então a carga poluidora dos esgotos. Os padrões de lançamento de
efluentes são regidos pelas resoluções CONAMA nº 357/2005 e nº 430/2011, que
estabelecem, respectivamente, os padrões de qualidade para o enquadramento de corpos
d’água e valores máximos ou mínimos na concentração de poluentes, de acordo com a
classe do corpo hídrico receptor.
São adotados diversos indicadores de qualidade dos esgotos, de acordo com as
características neles encontradas. Conforme apresentado em VON SPERLING (2014)
apud ARCEIVALA (1981)3, METCALF & EDDY (1981)4 e QASIM (1985)5, os esgotos
possuem características físicas (temperatura, cor, odor e turbidez) e químicas (sólidos em
suspensão, sólidos dissolvidos, sólidos sedimentáveis, demanda bioquímica de oxigênio
(DBO), demanda química de oxigênio (DQO), nitrogênio, fósforo, óleos e graxas, pH,
alcalinidade e cloretos).
A DBO aqui mencionada é também convencionada DBO5,20 ou DBO5, sendo uma
medida da quantidade de oxigênio consumido por microrganismos durante a oxidação
bioquímica da matéria orgânica carbonácea, após 5 dias e à uma temperatura de 20ºC,
correspondendo à fração biodegradável dos esgotos. A DQO é uma medida da quantidade
de oxigênio requerida para estabilizar quimicamente a matéria orgânica carbonácea, pela
ação de agentes químicos oxidantes em condições ácidas (VON SPERLING, 2014). Os
3 ARCEIVALA, S.J. (1981). Wastewater treatment and disposal. Engineering and ecology in pollution
control. New York, Marcelo Dekker. 892p. 4 METCALF & EDDY (1981). Wastewater engineering: treatment, disposal, reuse. 2 ed. New Delhi, Tata
McGraw-Hill. 920 p. 5 QASIM (1985), S.R. Wastewater treatment plants: planning, design and operation. Holt, Rinehart and
Winston, New York.
16
parâmetros DBO e DQO são muito importantes na caracterização do grau de poluição de
um corpo d’água, por retratarem de forma indireta o teor de matéria orgânica nos esgotos
ou no corpo d’água. São, assim, indicadores do potencial do consumo do oxigênio
dissolvido, essencial para ciclos de vida de peixes e outros organismos aquáticos e para o
funcionamento adequado dos ecossistemas, envolvido na maioria dos processos químicos
e biológicos.
Os esgotos são diferenciados pela sua composição e predominância de características,
havendo no caso de esgotos domésticos a diferenciação entre águas escuras – ou negras –
e águas cinzas. As águas escuras são as provenientes de sanitários, com uma alta
concentração de matéria orgânica e sólidos totais. As águas cinzas são águas servidas que
não possuem contribuição do vaso sanitário. Trata-se da água residuária proveniente do
uso de lavatórios, chuveiros, tanques e máquinas de lavar louça e roupas. Em função da
presença de óleos e gorduras, alguns autores não consideram como água cinza o efluente
oriundo de pias de cozinha (NOLDE, 1999).
No que se refere ao reúso destas águas, conforme apresentado por US EPA (2012),
nem todos os constituintes possuem impactos negativos para todos os usos; nutrientes,
por exemplo, podem ser benéficos quando a água é reusada para irrigação, afastando a
necessidade de fertilizantes adicionais e nestes casos, a remoção de nutrientes no
tratamento pode não ser favorável. Por outro lado, quando a água é reusada para corpos
hídricos, a remoção de nutrientes pode ser crítica ao evitar a sobrecarga orgânica em
ecossistemas aquáticos. Do mesmo modo, a remoção de nutrientes pode ser pretendida
quando a água de reúso possa vir a impactar futuras fontes de água potável, como
aquíferos, uma vez que o excesso de nutrientes pode ser danoso à saúde humana.
Neste contexto, faz-se necessário esclarecer os níveis de tratamento de esgotos
praticados, etapa inerente ao processo de reúso de águas servidas. Os níveis de tratamento
17
de esgotos e respectivos mecanismos de remoção são descritos a seguir, conforme VON
SPERLING (2014).
O tratamento preliminar é responsável pela remoção de sólidos grosseiros em
suspensão e areia por meio de remoção física. Em geral, é compreendido por
gradeamento, caixa de areia (ou desarenador) e medidor de vazão (calha Parshall).
O tratamento primário é responsável pela remoção de sólidos sedimentáveis por efeito
de gravidade (decantação) e de sólidos flutuantes por remoção superficial, às vezes
associados ao tratamento químico, como o tratamento primário quimicamente assistido
(em inglês chemically enhanced primary treatment ou CEPT). O material sedimentado
no fundo (lodo primário bruto) é continuamente removido e tratado separadamente. As
unidades de tratamento podem ser tanques sépticos ou decantadores primários, assumindo
layout circular ou retangular.
O tratamento secundário é o responsável pela remoção de matéria orgânica dissolvida
e em suspensão por ação biológica de microrganismos, podendo ocorrer em meio aeróbio,
anaeróbio ou facultativo. São exemplos: sistemas de lodos ativados, wetlands construídas,
lagoas de estabilização, reatores de leito móvel (MBBR – moving bed biofilm reactor),
biorreator de membranas (MBR – membrane bioreactor), biodigestores, entre diversos
outros. Trata-se da etapa que exige bastante atenção, devido à sua elevada capacidade de
remoção de poluentes.
Por último, o tratamento terciário é aquele responsável pela remoção de nutrientes,
organismos patogênicos, compostos não biodegradáveis, metais pesados, sólidos
inorgânicos dissolvidos e sólidos em suspensão remanescentes. Abrange processos
avançados de nitrificação, desnitrificação, desfosfatação, desinfecção por produtos
químicos e/ou filtração a diferentes níveis como microfiltração, ultrafiltração,
nanofiltração e osmose reversa.
18
Algumas das tecnologias mais comuns adotadas para o reúso de águas servidas serão
descritas em mais detalhe no item 2.3. De um modo geral, a infraestrutura de tratamento
de esgotos implantada no Brasil contempla majoritariamente tratamento preliminar e
primário; e dentre as estações de tratamento de esgotos (ETEs) que tratam a nível
secundário, o processo de lodos ativados convencional é o mais comum. No país, é muito
reduzida a existência de tratamentos a nível terciário, uma exigência para o
reaproveitamento de efluentes.
É válido comentar que dentre as fontes alternativas de água, as águas cinzas
apresentam o maior potencial de exploração em edificações residenciais (unifamiliares
ou multifamiliares) e corporativas, de acordo com GONÇALVES (2006). Nas edificações
multifamiliares, independentemente do porte e da classe social, as águas cinzas são
produzidas de forma excedentária com relação à demanda não potável, permitindo o reúso
de maneira ininterrupta ao longo do ano (PERTEL, 2009 e AGOSTINI, 2009). Por isso,
nestes contextos o reúso de águas cinzas poderia ser planejado de forma a produzir água
não potável para a própria edificação geradora.
Assim, o reúso de águas cinzas cresceu significativamente em áreas urbanas e sua
aceitação foi potencializada pelos recentes desenvolvimentos tecnológicos na área da
construção civil sustentável, impulsionados por movimentos de sociedade no sentido da
conservação ambiental e de combate ao aquecimento global nas áreas urbanas do mundo.
Em concomitância, observou-se ampliação notável do parque de edificações certificadas
como edifícios verdes (green buildings), inclusive no Brasil
(UN ENVIRONMENT, 2017).
A reutilização de água de efluente diretamente para uso potável requer técnicas
avançadas de purificação já plenamente dominadas pela engenharia, porém ainda
encontra resistência na sociedade do ponto de vista psicológico e não é aplicada no Brasil.
19
Segundo MANCUSO et al., (2003) “a aceitação pública é o mais crucial dos elementos
na determinação do sucesso ou do insucesso de um programa de reúso, particularmente
no caso do reúso potável”, o que, do ponto de vista técnico, é um contrassenso.
No decorrer da elaboração deste trabalho, foram encontrados poucos estudos bem
documentados de reúso de águas servidas em shopping centers, em particular reúso de
esgotos. O aproveitamento pluvial e reúso de águas cinzas em shopping centers foi
detalhadamente estudado por NUNES (2006) e GOIS (2015), tendo sido pontuadas
relevantes conclusões, como que a instalação de sistemas de aproveitamento de águas
pluviais é uma opção viável para economizar água potável (considerando os benefícios
econômicos) em edifícios com grande área de cobertura, tais como shopping centers,
principalmente em regiões com alta pluviosidade (GOIS, 2015). Em estudo realizado por
NUNES (2006), o reúso de águas cinzas não se mostrou interessante, devido ao baixo volume
de geração de águas cinzas frente à alta demanda de 75% de água não potável no shopping
estudado. Esta alta relação se deu em virtude da ausência de chuveiros, banheiras e máquinas
de lavar roupa nestes estabelecimentos.
2.2.1. Legislação brasileira acerca de reúso de águas servidas
O Brasil possui arcabouço legal consolidado no que se refere à qualidade e à
classificação de água potável por meio da Portaria MS nº 2.914/2011 e ao lançamento de
efluentes em corpos hídricos (Resoluções CONAMA nº 357/2005 e nº 430/2011). Há
alguma movimentação legal no sentido de incentivar a adoção de práticas conscientes e
incentivo à conservação de água. A Lei nº 12.862/2013 complementa a Política Nacional
de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) visando “a adoção de medidas de fomento à
moderação do consumo de água, o estímulo ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de
equipamentos e métodos economizadores de água e educação ambiental voltada para
economia de água pelos usuários”. Adicionalmente, a Lei nº 13.312/2016 impõe que a
20
partir de 2021 novas edificações condominiais devem inserir medição individualizada,
além de outros procedimentos mantendo padrão de sustentabilidade ambiental.
No entanto, há uma grande falha em relação à legislação consistente para o reúso de
águas servidas – não há uma diretriz legal clara e difundida no país, tampouco há qualquer
regulamentação para o reúso potável direto ou indireto. Estando a par desta realidade,
alguns estados têm assumido o papel de implantar leis em suas respectivas jurisdições
que fomentem a implantação de reúso, como os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
No que tange ao tratamento de esgotos, a já consolidada NBR 13.969/97 trata sobre
dimensionamento, construção e operação de tanques sépticos. Especificamente no seu
item 5.6, descreve o reúso local (direto) para usos não potáveis e menciona que “o esgoto
tratado em condições de reúso pode ser exportado para além do limite do sistema local
para atender à demanda industrial ou outra demanda da área próxima” (NBR-13969,
1997). São estabelecidas quatro classes para a água de reúso, exibidas no Quadro 2.
Classe Descrição
Classe 1
Lavagem de carros e outros usos que requerem o contato direto do usuário com a água,
com possível aspiração de aerossóis pelo operador, incluindo chafarizes. Turbidez < 5
UT*, coliforme fecal inferior a 200 MP/100 mL; sólidos dissolvidos totais < 200 mg/L; pH
entre 6,0 e 8,0; cloro residual entre 0,5 mg/L e 1,5 mg/L. Nesse nível, serão geralmente
necessários tratamento aeróbio (filtro aeróbio submerso ou LAB**) seguido por filtração
convencional (areia e carvão ativado) e, finalmente, cloração. Pode-se substituir a filtração
convencional por membrana filtrante.
Classe 2
Lavagens de pisos, calçadas e irrigação dos jardins, manutenção dos lagos e canais para
fins paisagísticos, exceto chafarizes. Turbidez < 5UT, coliforme fecal inferior a 500
NMP/100 mL, cloro residual > 0,5 mg/L. Nesse nível é satisfatório um tratamento
biológico aeróbio (filtro aeróbio submerso ou LAB) seguido de filtração de areia e
desinfeção. Pode-se também substituir a filtração por membranas filtrantes.
Classe 3
Reúso nas descargas dos vasos sanitários. Turbidez <10UT, coliformes fecais inferiores a
500 NMP/100 mL. Normalmente, as águas de enxágue das máquinas de lavar roupas
satisfazem a este padrão, sendo necessário apenas uma cloração. Para casos gerais, um
tratamento aeróbio seguido de filtração e desinfeção satisfaz a este padrão.
Classe 4
Reúso nos pomares, cereais, forragens, pastagens para gados e outros cultivos através de
escoamento superficial ou por sistema de irrigação pontual. Coliforme fecal inferior a
5.000 NMP/100 mL e oxigênio dissolvido > 2,0 mg/L. As aplicações devem ser
interrompidas pelo menos 10 dias antes da colheita.
* UT = Unidades de Turbidez
**LAB = Lodo Ativado por Batelada
Quadro 2 – Classes de água de reúso e tratamentos necessários de acordo com NBR 13.969/1997
Fonte: Modificado de BRASIL (1997).
21
A Resolução CNRH nº 54/2005 tratou-se de marco legal relevante na área em âmbito
nacional, ao estabelecer modalidades, diretrizes e critérios gerais para a prática de reúso
direto não potável (BRASIL, 2005a), conforme explicitado em seu artigo terceiro:
O reúso direto não potável de água, para efeito desta Resolução, abrange as
seguintes modalidades:
I - reúso para fins urbanos: utilização de água de reúso para fins de irrigação
paisagística, lavagem de logradouros públicos e veículos, desobstrução de
tubulações, construção civil, edificações, combate a incêndio, dentro da área
urbana;
II - reúso para fins agrícolas e florestais: aplicação de água de reúso para
produção agrícola e cultivo de florestas plantadas;
III - reúso para fins ambientais: utilização de água de reúso para implantação
de projetos de recuperação do meio ambiente;
IV - reúso para fins industriais: utilização de água de reúso em processos,
atividades e operações industriais; e,
V - reúso na aquicultura: utilização de água de reúso para a criação de animais
ou cultivo de vegetais aquáticos.
(BRASIL, 2005a, art. 3º)
No entanto, diferentemente da NBR 13.969/1997, não são estabelecidos processos de
tratamento e exigências legais quanto aos parâmetros de qualidade da água de reúso,
ficando estes a cargo dos respectivos órgãos competentes.
O município de Niterói no estado do Rio de Janeiro possui duas leis especialmente
relevantes de fomento à adoção de práticas de uso racional de águas em edificações. A
Lei Municipal de Niterói nº 2.856/2011 obriga a realização do reúso de águas cinzas,
como prática que induz à conservação e ao uso racional de água, aplicável a edificações
com consumo igual ou superior a 20m³/dia (ou 600m³/mês). Os parâmetros de qualidade
exigidos por esta lei para a água de reúso são reproduzidos no Quadro 3. Por exigir a
ausência em 100mL de coliformes totais e termotolerantes (anteriormente denominados
fecais), verifica-se que estes parâmetros são mais exigentes do que a Classe 1 estabelecida
pela NBR 13.969/1997 (melhor qualidade).
22
Complementarmente, a Lei Municipal de Niterói nº 2.630/2009 exige a construção de
reservatório de acumulação de águas pluviais (aproveitamento para fins não potáveis),
associados a reservatório de retardo (alívio da rede de drenagem) nas novas edificações
construídas que possuam área de cobertura superior a 500m² ou que tenham mais de 50
unidades.
No estado de São Paulo, a Resolução Conjunta SES/SMA/SSRH nº 01/2017 deu um
passo além da legislação federal, disciplinando o reúso direto não potável proveniente de
estações de tratamento de esgoto. Esta resolução, em associação à NBR 13.969/1997 e à
publicação “Conservação e reúso da água em edificações”6, trazem contribuições valiosas
em termos de diretrizes técnicas de reúso de águas servidas. São impostas exigências de
valores permitidos para parâmetros de qualidade da água de reúso conforme Quadro 4,
além de frequência específica de monitoramento.
6 A publicação “Conservação e reúso da água em edificações” (ANA, 2005) apresenta diversas medidas a
serem tomadas visando a conservação de água em edificações, bem como sugere parâmetros de qualidade
para água de reúso, de acordo com as respectivas finalidades. São também mencionados diversos estudos
de caso de edificações que aplicaram um modelo de conservação e reúso de água.
Parâmetro Unidade Valor Permitido
Turbidez UT* < 5
pH - 6 a 9
Cor UH** < 15
Cloro Residual mg/L 0,50 a 2,00
Coliformes Totais em 100mL ausência
Coliformes
Termotolerantesem 100mL ausência
Sólidos
Dissolvidos Totaismg/L < 200
Oxigênio
Dissolvidomg/L > 2,0
* UT - Unidade de Turbidez
** UH - Unidade Hazen (mgPtCo/L)
Quadro 3 – Parâmetros para água de reúso em Niterói
Fonte: Niterói (2011)
23
A água de reúso é dividida em duas categorias, com nomenclaturas passíveis de
confusão, por diferenciar a qualidade das águas de reúso de acordo com o controle do
ambiente de aplicação da mesma (e não com a qualidade da água em si). O uso com
restrição moderada (do ambiente de aplicação), implica maior possibilidade de contato
humano, necessitando esta água de reúso ser de melhor qualidade. Já o uso com restrição
Quadro 4 – Parâmetros para água de reúso em São Paulo
Fonte: Modificado de SÃO PAULO (2005)
ParâmetroUnidade de
Medida
Uso com Restrição
Moderada
Uso com Restrição
Severa
pH - 6 a 9 6 a 9
DBO5,20 mg/L ≤ 10 ≤ 30
Turbidez UNT ≤ 2 -
Sólidos
Suspensos Totaismg/L < 30
Coliforme
TermotoleranteUFC*/100mL Não detectável < 200
Ovos helmintos ovo/L < 1,0 1,0
Cloro Residual
Total (CRT)mg/L < 1,0 1,0
Condutividade
elétrica (CE)dS/m < 0,7 < 3,0
RAS** - < 3,0 3 a 9
Sólidos
dissolvidos totaismg/L < 450 < 2.000
Cloreto mg/L < 106 < 350
Boro mg/L < 0,7 < 2,0
Distâncias de
precauçãom
Tratamento secundário,
desinfecção e filtração.
Este tratamento não
poderá ter níveis
mensuráveis de
patógenos
Tratamento
secundário,
desinfecção e filtração.
* UFC = Unidades Formadoras de Colônias
** RAS = Razão de Adsorção de Sódio
Padrões de Qualidade Categorias de Reúso
Tipo de tratamento
(para poços de captação de água potável)
Medição horária < 5UT. Em sistemas de membranas filtrantes: turbidez < 0,2UT;
SST<0,5mg/L
24
severa (do ambiente de aplicação), há menor possibilidade de contaminação humana,
aceitando água de reúso com pior qualidade. Segundo informado pela Divisão de
Qualidade das Águas e do Solo da CETESB, águas com restrição severa (pior qualidade)
não podem: ser utilizadas para lavagem interna de veículos; ser utilizadas na irrigação de
espécies tolerantes; e ter a circulação de pessoas em locais públicos imediatamente após
a aplicação dessas águas. As águas com restrição moderada (melhor qualidade) podem
ser utilizadas para irrigação paisagística, lavagem de logradouros, construção civil,
desobstrução de galerias, lavagem de veículos e combate a incêndios.
Mais recentemente, foi promulgada no estado do Rio de Janeiro a Lei Estadual
nº7.599/2017, obrigando a instalação de equipamentos de tratamento e reutilização de
água em indústrias do estado com mais de cem funcionários. Todavia, o setor industrial
não foi capaz de acompanhar os cento e oitenta dias exigidos pelo Poder Público para que
a diretriz fosse implementada (FIRJAN, 2017). Existe atualmente mobilização por parte
de pesquisadores diretamente relacionados ao tema (como INEA, FIRJAN e comitês de
bacia) no sentido de estabelecer uma legislação condizente com o cenário atual das
indústrias, e sua capacidade na transição no modelo de gestão de seus efluentes.
O Ministério das Cidades, em parceria com a ANA e colaboração do Ministério da
Integração Nacional (MI) e Ministério do Meio Ambiente (MMA), vem conduzindo
projeto específico para a instituição de uma Política de Reúso de Efluentes Sanitários
Tratados no Brasil. O projeto visa levantar dificuldades e potencialidades de
implementação, definir padrões de qualidade para reúso, avaliar tecnologias disponíveis,
debater aspectos institucionais, e propor modelos de financiamentos e/ou subsídios
tarifários (ANA, 2017).
25
2.2.2. Estado da arte sobre reúso de águas servidas
Mundo afora, diversos países já adotam programas e medidas de escala nacional em
reúso de águas servidas. De um modo geral, pode-se afirmar que os países com mais
iniciativas no tema são aqueles nos quais a situação hídrica é mais delicada – a
necessidade é o grande motivador.
Israel é o país com a maior porcentagem de reúso dos seus esgotos domésticos: 86%
de todo o esgoto doméstico são reutilizados para fins de irrigação, segundo a Israel Water
Authority (Autoridade de Água de Israel), em 2015. A tendência é esta porcentagem
crescer, uma vez que medidas continuam sendo adotadas para ampliar a capacidade de
reúso. O país localiza-se no Oriente Médio, com mais de dois terços de seu território em
região semiárida e com baixíssima pluviosidade média anual inferior a 100mm/ano,
especialmente na parte sul do país (GOLODETS, 2013). A demanda hídrica total é da
ordem de 2.000hm³/ano e a disponibilidade hídrica de fontes naturais (superficiais e
subterrâneas) é 1.020hm³/ano (REJWAN, 2011). Adicionalmente às limitações naturais,
há um contexto geopolítico sensível entre Israel e os países vizinhos. O tema da água está
inclusive presente em acordos de paz como Tratado de Paz (1994) e Acordos de Oslo
(1995) firmados no passado, determinando vazões específicas a serem destinados à
Jordânia e às comunidades palestinas na Cisjordânia e em Gaza (SHAMIR, 1998).
A vazão de água de reúso produzida em Israel é de aproximadamente 14,3m³/s, ou
450hm³/ano, correspondendo a 40% da demanda total de irrigação (OCDE, 2011). O
custo médio do reúso em Israel foi calculado em US$0,23/m³ (REJWAN, 2011). Ressalta-
se que além do reúso de efluentes sanitários, também segundo REJWAN (2011), as
seguintes soluções eficientes na gestão hídrica também têm sido implantadas em Israel
com resultados significativos: dessalinização de água do mar para fins potáveis e não
potáveis, correspondendo a 27% do abastecimento total do país, e em média 80% do
26
abastecimento doméstico; irrigação por gotejamento e automação, resultando na maior
relação produtividade agrícola por metro cúbico de água irrigada do mundo; controle de
perdas no sistema de abastecimento, inferiores a 10%; e captação de águas subterrâneas
profundas, atingindo profundidades e recalques da ordem de 1.500m e 500m,
respectivamente (ISRAEL WATER AUTHORITY, 2015).
O caso da Namíbia chama atenção no que diz respeito ao reúso direto para fins
potáveis. O país possui condição hídrica desprivilegiada: mais de 80% do território em
áreas desérticas ou semidesérticas, baixa pluviosidade em média de 250mm/ano; forte
incidência solar, ocasionando taxas evaporativas da ordem de 3.600mm/ano; e não possui
rios perenes dentro dos seus 825.000 km². A capital da Namíbia, Windhoek, foi
estabelecida sobre vasta disponibilidade de águas subterrâneas, estimada na ordem de
milhares de hectômetros cúbicos. No entanto, conforme estudado por VAN DER
MERWE (2000), estes aquíferos apresentam taxa de recarga natural de 1,73 hm³/ano,
bem inferior à demanda da cidade estimada em 21 hm³/ano.
Em Windhoek, foi observado forte crescimento populacional bem como redução de
pluviosidade, resultando em uma grave crise hídrica no ano de 1957. Como saída para a
situação crítica, adotou-se a pioneira prática de reúso potável direto, em operação desde
1968. No ano de 2002, uma nova planta foi implementada com significativos avanços
tecnológicos que continuam se aprimorando (D. PISANI, 2015). Conforme
esquematizado na Figura 6, o abastecimento da cidade é atualmente composto por uma
mistura7 entre a água de reúso produzida nas estações de reúso de águas servidas NGWRP
(New Goreangab Water Reclamation Plant) e OGWRP (Old Goreangab Water
7 O processo de mistura, em inglês conhecido como blending, consiste na homogeneização entre efluentes
com diferentes propriedades, em proporções previamente definidas. É frequentemente realizado em
diversas indústrias, em particular na indústria química.
27
Reclamation Plant), a água superficial armazenada nas represas de Von Bach,
Swakopoort e Omatako, e a água de cinquenta aquíferos subterrâneos.
Concomitantemente, é realizada a recarga artificial de aquíferos subterrâneos com
esgotos tratados, atingindo profundidades de até 340m, e posterior captação para
abastecimento humano (D. PISANI, 2015). 8
Em mais de quarenta anos de operação, não foram verificados problemas de saúde
relacionados com o reúso na cidade de Windhoek (WWAP, 2017). O sucesso continuado
da iniciativa é atribuído a diversos fatores, incluindo: a visão e dedicação dos pioneiros
no reúso de águas servidas, a excelente política de informação e campanhas educativas
8 VAN DER MERWE, B.F. (2000). Integrated water resource management in Windhoek, Namibia.
Water Supply, 18(1), 376 –380.
Recarga artificial de aquíferos
26% 66% 8%
aprox. 21hm³/ano
38%
45% 7%
6%
* New Goreangab Water Reclamation Plant - Nova Estação Goreangab de Reúso de Água
** Old Goreangab Water Reclamation Plant - Antiga Estação Goreangab de Reúso de Água
NGWRP* Água Represada Aquíferos
Efluente Doméstico
Tratamento de Esgoto
Consumidores
Efluente Industrial
Tratamento de Esgoto
10% Não considerado
Rio Irrigação (parques,
campos de golfe e
esportes, cemitérios)
OGWRP**
(aprox.1,3hm³/ano)
Uso Consuntivo
Irrigação de culturas
forrageiras
Figura 6 – Divisão da distribuição do abastecimento de água em Windhoek, Namíbia
Fonte: Modificado de LAHNSTEINER, J.; LEMPERT, G. (2007) apud VAN DER
MERWE (2000)8.
28
de apoio, a inexistência de problemas de saúde relacionados à água, uma abordagem
multibarreiras, uma operação confiável com processos online e controle de qualidade da
água, e a quase inexistência de alternativas praticáveis (LAHNSTEINER et al., 2013).
Colocando a crítica situação de Windhoek em perspectiva, em abril de 2013 foram
implementadas políticas severas de restrição no consumo hídrico a indústrias: foi proibida
a instalação de indústrias hidrointensivas, definidas com consumo superior a 100m³/dia,
e a irrigação foi limitada a 10m³/hectare/dia (D. PINSANI, 2015).
Os Estados Unidos da América (EUA) se destacam na aplicação de tecnologias
avançadas para reúso de águas servidas e recuperação energética e de nutrientes dos
esgotos. O órgão ambiental do país, a Environmental Protection Agency (EPA), é
responsável por apresentar as exigências legais de qualidade da água de reúso, tendo
compilado robusto material técnico reconhecido mundialmente como referência no tema
– a publicação 2012 Guidelines for Water Reuse. Neste país, independente da finalidade,
é exigido o mínimo de tratamento secundário para a água de reúso.
A cidade de San Diego, no estado da Califórnia, tem implementado reúso potável
indireto planejado e não planejado. 85% da água da cidade é proveniente do Norte da
Califórnia e do Rio Colorado, captada a jusante do lançamento de efluentes de cidades
como Las Vegas, caracterizando reúso indireto não planejado. Além disto, o esgoto
recebe tratamento avançado (microfiltração e osmose reversa) e é injetado nos aquíferos
para posteriormente captação e utilização potável, caracterizando reúso indireto potável
planejado.
A estação de reúso de águas servidas North City Water Reclamation Plant (NCWRP)
tem capacidade de produzir cerca de 40,8 hm³/ano, segundo o portal da cidade de San
Diego (SAN DIEGO, 2017). Metade da água de reúso produzida na NCWRP é
artificialmente injetada nos aquíferos, para contenção de intrusão salina; e a outra metade
29
é armazenada em lagoas de percolação, eventualmente atingindo os aquíferos
subterrâneos. A água é captada dos aquíferos e percorre o processo padrão de tratamento
de água. Estima-se que em seis meses a água infiltrada seja efetivamente consumida para
fins potáveis (CHO, 2011). Além da NCWRP, há também as estações de reúso de águas
servidas de Point Loma e South Bay. O Metro Biosolids Center possui infraestrutura para
digestão do lodo gerado na NCWR e desidratação dos biossólidos da NCWRP e Point
Loma, com cogeração de energia por meio do tratamento, aproveitando o gás metano e
vapor d’água gerados. Ao receber também metano do aterro sanitário Miramar, o centro
e a NCWRP são abastecidos energeticamente com reduzidos custos energéticos
operacionais (SAN DIEGO, 2017).
O Brasil possui algumas iniciativas de reúso de águas servidas, porém ainda não é uma
prática adotada em grande escala. As porcentagens de reúso em âmbito nacional ainda
são mínimas, conforme apresentado anteriormente, subentendendo-se que há ainda um
enorme potencial de otimização da gestão hídrica no país.
Destacam-se algumas ações a partir de 1992, com a Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental de São Paulo (ABES-SP), que apresenta relatório com
recomendações para estimular o reúso como uma alternativa ambiental. Congregou ações
específicas para a reciclagem da água em indústrias, tendo sido implementadas
parcialmente, e resultados expressivos foram conseguidos. Entretanto, pela complexidade
do tema, muitas incertezas ainda persistem e o desafio continua (ABIQUIM, 2016).
O Programa de Pesquisas em Saneamento Básico (PROSAB), financiado pela
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) “tem por objetivo apoiar o desenvolvimento
de pesquisas e o aperfeiçoamento de tecnologias nas áreas de águas de abastecimento,
águas residuárias e resíduos sólidos que sejam de fácil aplicabilidade, baixo custo de
implantação, operação e manutenção e que resultem na melhoria das condições de vida
30
da população brasileira, especialmente as menos favorecidas”. Em particular, em seus
temas 2 (Esgoto) e 5 (Uso Racional de Água e Energia), foi abordado extenso conteúdo
a respeito de reúso de águas servidas proveniente de esgotos sanitários tratados no Brasil,
desafios enfrentados, tecnologias mais adequadas, segmentado por finalidades do uso e
embasamento técnico-científico de parâmetros de qualidade de água de reúso.
Um exemplo de referência apresentado no Brasil trata-se da ETE Jesus Netto em São
Paulo fornecendo em torno de 20 L/s de água de reúso para empresa de indústria têxtil.
Tratou-se de primeiro projeto em maior escala, dentro do programa Água de Reúso da
SABESP (AISSE et al., 2006). Também, o empreendimento Aquapolo destaca-se no
reúso para fins industriais, com capacidade de produzir até 1.000 L/s, atualmente
produzindo 650 L/s de água de reúso, localizada junto à ETE do ABC, no estado de São
Paulo. Trata-se do maior empreendimento do gênero na América Latina.
2.3. Tecnologias adequadas ao Reúso de Águas Servidas
A amplitude de opções tecnológicas adotadas para o reúso de águas servidas é
diversificada, havendo sempre associação a um sistema prévio de tratamento de esgotos.
O reúso essencialmente consiste em adotar processos subsequentes com capacidade de
remoção de poluentes mais específicos e de menor tamanho, de acordo com a eficiência
exigida para a finalidade pretendida. Deste modo, o tipo de tecnologia adotada está
diretamente relacionado com (1) a entrada no sistema de reúso – determinada pela
eficiência de remoção de carga poluidora atingida no tratamento prévio –, e (2) a saída
do sistema de reúso – a finalidade pretendida para a água de reúso, além de outras
variáveis melhor exploradas no item 5.15.3. Os tratamentos de águas servidas podem
ocorrer por meio de mecanismos biológicos, físicos, químicos ou físico-químicos.
Os tratamentos por mecanismos biológicos correspondem àqueles nos quais a remoção
de poluentes se dá pela ação de microrganismos degradando a matéria orgânica, sendo
31
aplicados ao tratamento de esgotos em nível secundário. Os mecanismos físicos
correspondem àqueles nos quais a remoção de poluentes se dá por ação física, seja
gravitacional, por diferencial de pressão, por retenção de poluentes em poros ou outra
ação similar, sendo aplicados, em maior ou menor escala, para todos os níveis de
tratamento. Os tratamentos que se dão por mecanismos químicos ocorrem pela ação de
produtos químicos ou por outras ações que promovam a alteração na estrutura química
dos poluentes.
O tratamento físico-químico abrange a ocorrência de mecanismos físicos e químicos
simultaneamente, sendo aplicados a nível primário de tratamento. Em particular, o
tratamento primário quimicamente assistido (CEPT) demanda a utilização rotineira de
produtos químicos, pois se baseia na remoção de sólidos suspensos através de processos
físico-químicos de coagulação, floculação e sedimentação. O processo permite a obtenção
de elevadas eficiências de remoção de sólidos, matéria orgânica e fósforo, mesmo sob
altas taxas de aplicação superficial (TAS). Porém, a utilização do CEPT apresenta custo
operacional elevado em função da utilização de produtos químicos e a geração de
elevadas quantidades de lodo, segundo estudado por FIGUEIREDO et al., (2005).
O Quadro 5 apresenta sistemas de tratamento frequentemente observados para reúso
e respectivas aplicações da água de reúso. Segundo ASANO et al., (2007), em um número
crescente de ETEs têm se utilizado a nível secundário reatores aeróbios ou anaeróbios ou
zonas de tratamento, para auxiliar na remoção biológica de nitrogênio ou de fósforo
(sistemas de tratamento 1 a 4). Ademais, a filtração por membranas para remoção de
sólidos dissolvidos também tem sido amplamente praticada (sistema de tratamento 5).
Para estações de tratamento de pequena e média escala, a precipitação química é em geral
mais interessante frente aos processos biológicos para remoção de fósforo. A precipitação
32
química seguida de filtração também é aplicada quando concentrações extremamente
baixas de fósforo devem ser alcançadas (ASANO et al., 2007).
Visando responder ao primeiro objetivo específico deste trabalho, apresenta-se a
Figura 7, reunindo possíveis rotas completas de sistemas de tratamentos de esgotos para
aplicação de reúso. Em particular, o processo típico observado envolve tratamento
secundário por lodos ativados, filtração de profundidade (opcional) e desinfecção por
cloração. Pode-se considerar que estes são sistemas compactos, adaptáveis à realidade
urbana e passíveis de serem aplicados em projetos de shopping centers, por exemplo.
Quadro 5 – Sistemas de Tratamento de águas servidas e aplicações de reúso Fonte: Elaboração própria baseado em ASANO et al., (2007)
Aplicação da Água de Reúso
1Lodos Ativados + Nitrificação +
Remoção Química de FósforoIrrigação de campos de golfe
2
Lodos Ativados + Remoção de
Nitrogênio + Microfiltração +
Desinfecção UV
Irrigação paisagística e torres industriais de refrigeração
3
MBR + Remoção biológica de
nitrogênio e de fósforo + Desinfecção
UV
Fins ornamentais
4
Lodos Ativados + Microfiltração +
Eletrodiálise + Desinfecção por
Cloração
Irrigração paisagística
5
Lodos Ativados + Nitrificação +
Microfiltração + Osmose Reversa +
Oxidação Avançada com UV/H202
Reúso potável indireto por recarga de aquíferos ou
incremento de disponibilidade superficial
Sistema de Tratamento
33
Figura 7 – Matriz de sistemas de tratamento de esgotos visando o reúso Fonte: Modificado de ASANO et al., (2007)
34
Cabe ressaltar que os processos de filtração por membranas microfiltração (MF),
ultrafiltração (UF), nanofiltração (NF) e osmose reversa (OR) são tratamentos
amplamente utilizados para o reúso de águas servidas, e por vezes se complementam na
mesma cadeia de tratamento. A remoção por diferencial de pressão aplicado sobre
membranas semipermeáveis tem se mostrado a mais difundida, apesar de haver outras
como por temperatura, pressão parcial, concentração e potencial elétrico (MANCUSO et
al., 2003). Na Tabela 2 podem ser observadas as principais diferenças entre os processos
de filtração por membranas, no que diz respeito aos tamanhos dos poros e os tipos de
contaminantes removidos.
2.4. Shopping Centers no Brasil
A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) considera como shopping
center os empreendimentos com área bruta locável (ABL) igual ou superior a 5.000m²,
formados por unidades comerciais com administração única e centralizada, que pratica
Tabela 2 – Diferenças das tecnologias de filtração por membranas
Fonte: Modificado de US EPA (2012).
Tecnologia
Tamanho
Nominal de
Poros (nm)
Contaminantes removidos
Microfiltração (MF) 50,0SST*, turbidez, protozoários (em parte),
bactérias (em parte) e vírus (em parte)
Ultrafiltração (UF) 2,0 a 50,0Macromoléculas, colóides, bactérias (maioria),
vírus (em parte), proteínas
Nanofiltração (NF) < 2,0 Pequenas moléculas, dureza (em parte), vírus
Osmose Reversa (OR) < 2,0Moléculas muito pequenas, cor, dureza, sulfatos,
nitrato, sódio, outros íons
*SST - Sólidos Suspensos Totais
35
aluguel fixo e percentual, e dispõe de lojas locadas, lojas âncoras e vagas de
estacionamento. Segundo informado pela ABRASCE, o Brasil possui 568 shopping
centers, totalizando área construída de cerca de 32,02 milhões de m², 100.672 lojas,
1.023.359 empregos gerados e tráfego médio de 439 milhões de visitas/mês. Entre 2006
e 2016, observou-se um crescimento em mais que o dobro da ABL total, de 7,492 milhões
de m² para 15,237 milhões de m². 54% dos shopping centers estão na região Sudeste
(292), com São Paulo e Rio de Janeiro sendo as cidades com mais quantidade de shopping
centers, possuindo 54 e 39 estabelecimentos, respectivamente (ABRASCE, 2017).
Um ponto interessante destacado no Censo Brasileiro de Shopping Centers refere-se
aos formatos dos empreendimentos, apresentando tendência de transformar os centros
comerciais em núcleos de convivência. 34% dos shoppings fazem parte de um complexo
multiuso, incluindo condomínio empresarial (69%), hotel (38%), torre com centro médico
e/ou laboratórios (29%), condomínio residencial (23%), faculdades/universidades (18%),
entre outros. Cada vez mais comuns, os complexos multiuso otimizam a exploração dos
espaços e oferecem maior comodidade e conveniência aos frequentadores
(ABRASCE, 2016).
36
3. Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido por meio de diferentes abordagens, visando o
cumprimento dos objetivos inicialmente traçados. As ações realizadas para tal
envolveram pesquisas e levantamento de dados e o estudo de caso prático no Caxias
Shopping.
3.1. Pesquisas e Levantamento de Dados
3.1.1. Dados Hídricos – Panorama Brasileiro
Foi realizado levantamento de dados na temática hídrica e, em particular, reúso de
águas servidas por meio de análise de livros, relatórios técnicos, publicações, artigos
científicos, entrevistas registradas por vídeo, entre outras fontes. Ademais, foram
realizadas consultas em portais virtuais de organizações governamentais e privadas.
3.1.2. Reúso e suas Tecnologias
Foram identificadas as tecnologias mais praticadas, de acordo com os fins pretendidos
para a recuperação de água proveniente de esgotos gerados, através de busca aprofundada
em publicações de referência na área – especialmente, mas não restrito a – MANCUSO
et al., (2003), PROSAB (2006), ASANO et al., (2007), US EPA (2012), VON
SPERLING (2014), ABIQUIM (2016) e WWAP (2017).
Adicionalmente, foram realizadas conversas frequentes com engenheiras e
engenheiros atuantes no ramo para identificar os obstáculos mais significativos a serem
superados para a difusão do reúso de águas servidas no Brasil, bem como os focos de
desenvolvimento tecnológico mundo afora.
3.2. O caso Caxias Shopping
Realizou-se levantamento de dados disponíveis em ambiente virtual a respeito do
município de Duque de Caxias e seu cenário de infraestrutura em abastecimento de água
e esgotamento sanitário, além de conversas com engenheiros e técnicos diretamente
37
envolvidos na elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (PLAMSAB) de
Duque de Caxias.
Foram feitas visitas às instalações do Caxias Shopping, acompanhadas de
representante do shopping, incluindo a praça de alimentação, a estação de tratamento de
esgotos e reúso de águas servidas, os reservatórios de água (potável e de reúso), o
conjunto de placas fotovoltaicas, o centro de triagem de resíduos e a administração do
estabelecimento. Foram também realizadas consultas a funcionários do shopping
(engenheiros, técnicos, operadores, secretárias, entre outros). Houve acompanhamento da
operação e das medidas corretivas implantadas na ETE/Reúso do Caxias Shopping por
nova empresa responsável pela operação da estação. Também, analisaram-se documentos
técnicos específicos referentes ao dimensionamento e problemáticas encontradas na
ETE/Reúso do shopping.
3.2.1. Viabilidade Econômico-Financeira
Realizou-se uma análise comparativa entre os impactos financeiros de três cenários
operacionais distintos do tratamento e reúso de esgotos, com o objetivo de quantificar os
ganhos financeiros obtidos pela administração do shopping devido à realização de reúso.
A análise foi baseada em valores de contrato estabelecidos entre o shopping (cliente) e a
empresa ECOTEP (prestador de serviço) no mês de abril de 2008. Tal contrato foi firmado
sob o modelo de negócios BOT (build, operate, transfer), no qual o prestador do serviço
arca com todo o investimento – projeto, equipamentos, construção e operação da planta –
sendo remunerado mensalmente pelo cliente. De um modo geral, em ETEs dentro de
shopping centers os gastos de energia elétrica para a operação da ETE e de disposição
final do lodo (continuamente gerado) são de responsabilidade da administração do
shopping, como no caso do Caxias Shopping.
38
Cabe ressaltar que não foram realizados os cálculos típicos de análises de viabilidade
econômico-financeira como retorno sobre o investimento (ROI), tempo de payback, taxa
interna de retorno (TIR), valor presente líquido (VPL), entre outros, por se tratar de
análise a partir da perspectiva do shopping, que, por sua vez, não realizou qualquer
investimento. Ademais, por se tratar de análise puramente financeira, os cálculos foram
realizados em base anual, comparando-se os gastos anuais do shopping com serviços de
saneamento para cada um dos cenários. Foi desconsiderada a eventual necessidade de
reservatórios para absorver os excedentes na produção de água de reúso. Os cenários
considerados estão resumidamente apresentados na Tabela 3, tendo sido embasados em
premissas descritas na sequência.
O Cenário 1 levou em consideração apenas a realização de tratamento de esgotos,
cumprindo com a exigência ambiental imposta ao shopping, porém sem a realização do
reúso de águas servidas. O Cenário 2 considerou a situação da estação realizando o
tratamento de esgotos e suprindo metade da sua demanda por água não potável com água
de reúso, referente a aproximadamente 30% do consumo total de água do shopping. O
Cenário 3 se tratou de um exercício de otimização do consumo de água de reúso,
considerando a realização de tratamento de esgotos e o aproveitamento pleno de água de
reúso suprindo totalmente os consumos não potáveis do shopping, referente a
aproximadamente 60% do consumo total de água.
Tabela 3 – Cenários considerados na análise de viabilidade financeira
Fonte: Elaboração própria (2018)
Cenário Descrição
1 Realização do tratamento de esgotos, porém sem reúso de água
2 Realização do tratamento de esgotos, e considerando 30% de reúso
3 Realização do tratamento de esgotos, e considerando 60% de reúso
39
Premissa 1: Cerca de 60% do consumo de água do shopping destina-se a fins não
potáveis.
A distribuição da água no Caxias Shopping por ponto de consumo foi estimada
conforme apresentado na Figura 8, da qual conclui-se que 66% do consumo destina-se a
fins não potáveis – jardinagem, condicionador de ar e mictórios e sanitários –, podendo
esta água ser proveniente de reúso. No escopo deste estudo, considerou-se o máximo de
60%, ao invés de 66%, de consumo de água em qualidade não potável.
Premissa 2: O volume anual de água consumido pelo shopping é de 45.537 m³/ano.
Optou-se por basear os cálculos nos dados de consumo de água médio diário no
período de janeiro/17 a dezembro/17, conforme apresentado na Figura 9, segundo análise
de contas de água do estabelecimento. Para obtenção do consumo médio anual de água,
Figura 8 – Setorização do consumo de água no Caxias Shopping
Fonte: Elaboração própria, baseado em ECOTEP (2014)
40
multiplicou-se a média 124,8 m³/dia por 365 dias, obtendo-se o volume anual médio de
45.537 m³/ano. Este foi o consumo médio anual de água assumido para os três cenários,
incluindo-se água de qualidades potável e não potável (quando necessária).
Premissa 3: O volume de esgotos gerado proveniente do consumo de água potável
corresponde a 80% da água potável consumida
Os volumes médios de esgotos gerados foram medidos pela empresa ECOTEP entre
novembro/12 e outubro/13, e apresentados na Figura 10. No entanto, como se pode
verificar, estes valores são superiores ao consumo de água no período de janeiro/17 a
dezembro/17, o que é tecnicamente incoerente. Assumiu-se, então, que este fato se
explica por se tratarem de períodos distintos, tendo o shopping provavelmente recebido
maior quantidade de visitantes no período de novembro/12 a outubro/13.
Deste modo, para a determinação dos volumes de geração de esgotos proveniente de
água potável, adotou-se o fator tecnicamente definido como coeficiente de retorno (Cr)
90
100
110
120
130
140
150
160
170
180
jan/17 fev/17 mar/17 abr/17 mai/17 jun/17 jul/17 ago/17 set/17 out/17 nov/17 dez/17
Co
nsu
mo
de
águ
a (m
³/d
ia)
Consumo de Água (m³/dia) Média (124,8 m³/dia)
Figura 9 – Consumo de água no Caxias Shopping (jan/17 a dez/17)
Fonte: Elaboração própria (2018) baseado em contas de água
41
de 80% (NBR 9.649/86). Tal fator é aplicado, pois parte da água é consumida (retida),
não se tornando esgoto, devido a usos como ingestão humana, cocção, evaporação,
infiltração ou outros. Assumiu-se também que todo o esgoto bruto gerado foi tratado,
independente se lançado no ambiente ou aproveitado para reúso.
Premissa 4: Os cálculos das tarifas de água potável, tratamento de esgotos e reúso
foram realizados baseados em valores anuais
Visando quantificar as despesas anuais do shopping para cada um dos serviços
(abastecimento público de água potável, tratamento de esgotos e produção de água de
reúso), calcularam-se tarifas médias anuais, conforme descrito a seguir. Para a tarifa de
água potável, cobrada pela CEDAE, levou-se em conta que o shopping se encaixa na
categoria de estabelecimento comercial com 106 economias, e na área de abrangência
referente à tarifa B imposta pela concessionária do estado do Rio de Janeiro Companhia
230,0
260,0
290,0
320,0
350,0
380,0
410,0
440,0
Ger
ação
de
esgo
tos
(m³/
dia
)
Média Diária (m³/dia) Média (338,6 m³/dia)
Figura 10 – Geração de esgotos no Caxias Shopping (nov/12 a out/13)
Fonte: Elaboração própria (2018) baseado em ECOTEP (2014)
42
Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), conforme política de cobrança tarifária
diferenciada9, criada pelo Decreto Estadual nº23.676/1997 (RIO DE JANEIRO, 1997).
O cálculo se baseou nos consumos médios diários, como apresentados anteriormente,
tendo sido calculados consumos médios mensais. Levando-se em consideração as faixas
de consumo mensal por economia (R$/m³/mês/economia), estabelecidas conforme Tabela
4, calculou-se o gasto total para cada mês durante o ano de 2017. Dividindo-se o montante
anual de R$675.192,50 pela média anual 45.537 m³/ano e extrapolada para 12 meses,
pôde-se determinar a tarifa média anual de R$177,93/m³/ano. A tabela com os valores
detalhados encontra-se no Apêndice I. Não foram consideradas nos cálculos as taxas de
recursos hídricos e de regulação impostas pela CEDAE.
Para as tarifas de tratamento e reúso de esgoto, baseou-se no contrato firmado em
abril/08 entre o shopping e a empresa ECOTEP, no qual as tarifas estabelecidas foram de
R$3,99/m³ para o tratamento de esgotos e R$5,25/m³ para o reúso de águas servidas, a
serem corrigidas a partir das atualizações do índice IGP-M (Índice Geral de Preços do
Mercado) elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para fins de sustentabilidade
financeira do contrato, foram estabelecidos que caso a geração de esgoto e/ou consumo
de água de reúso não atingissem, respectivamente, os valores mensais de 4.285 m³/mês e
2.150 m³/mês, a empresa operante seria remunerada por tais volumes mínimos.
9 A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) estabelece tarifas diferenciadas baseada nos
seguintes parâmetros: localização (tarifa A ou B), tipo de economia (domiciliar, comercial, industrial ou
público), quantidade de economias, condição social (tarifa social) e volume faturado (por faixas de
consumo). Nos casos de ausência de hidrômetros, os volumes faturados são estimados, em vez de medidos.
Tabela 4 – Tarifação da CEDAE para área B e estabelecimento comercial
Fonte: Elaboração própria (2018) baseado em CEDAE (2017)
Faixa de Consumo
(m³/mês/economia)Tarifa (R$/m³)
0 - 20 10,95565
21 - 30 19,301278
> 30 20,6224
43
O cálculo da tarifa média anual de tratamento de esgotos foi determinado considerando
o volume mínimo mensal de 4.285 m³/mês. Com base na geração de esgotos medida
anteriormente apresentada referente ao período de novembro/12 a outubro/13, calculou-
se o gasto para cada mês e o gasto médio mensal com o tratamento de esgotos de
R$17.445,61/mês. Em seguida, dividiu-se este montante pela geração média mensal de
esgotos 3.928,1 m³/mês, obtendo-se a tarifa média de R$4,44/m³. Por fim, aplicou-se a
correção do índice IGP-M de 71,46% (de abril/08 para dezembro/17), determinado com
auxílio da ferramenta ‘Calculadora do Cidadão’ do Banco Central (ver Apêndice II), e
multiplicou-se por 12 meses. A tarifa média anual calculada foi de R$91,38/m³/ano. Os
valores detalhados podem ser vistos no Apêndice III.
Para a tarifa de reúso de águas servidas, por ausência de dados acerca da produção de
água de reúso, foi aplicada a correção IGP-M (de abril/08 para dezembro/17) sobre a
tarifa estabelecida em contrato de R$5,25/m³ e multiplicada para 12 meses. A tarifa média
anual calculada foi de R$108,02/m³/ano.
Equacionamento do Sistema – Cenários 2 e 3
Visando calcular os volumes de entrada, retroalimentados e de saída no sistema,
baseando-se nas premissas mencionadas previamente, foi possível estabelecer um
equacionamento do sistema, considerando o fluxograma de volumes conforme a Figura
11, desconsiderando perdas entre o esgoto bruto e tratado e entre o efluente terciário e
água de reúso produzida. Foram definidos os volumes de entrada de água potável (Ap); os
volumes de saída por consumos potáveis (Cp) e por esgoto lançado no ambiente (El); o
volume retroalimentado de água de reúso produzida (Ar); os volumes de esgoto bruto (Eb),
de esgoto tratado (Et) e de esgoto a receber o tratamento terciário (Eterc); o coeficiente de
retorno da parcela potável do esgoto bruto (Cr) e a relação entre o volume de água de
reúso produzida Ar e de esgoto bruto gerado Eb (R).
44
Deste modo, por análise do sistema em questão, e considerando as premissas descritas,
podem ser estabelecidas as seguintes equações:
(3)
(4)
(5)
(6)
(7)
(8)
Por meio de operações matemáticas com as equações (6) e (7), resulta-se na equação
(9):
(9)
Também, por operações com as equações (5) e (9), tem-se a equação (10), que pode
ser reescrita como (11):
𝐶𝑝 = ( − 𝐶𝑟)𝐴𝑝
𝐸𝑏 = 𝐴𝑟 + 𝐴𝑝[ − ( − 𝐶𝑟)]
𝐸𝑏 = 𝐸𝑡
𝐸𝑡𝑒𝑟𝑐 = 𝐴𝑟
𝐸𝑏 = 𝐸𝑙 + 𝐴𝑟
𝑅 =𝐴𝑟
𝐸𝑏
Figura 11 – Fluxograma de volumes de entrada, retroalimentado e de saída Fonte: Elaboração própria (2018).
𝐴𝑝 + 𝐴𝑟 = 𝐶𝑝 + 𝐸𝑏
45
(10)
(11)
Uma vez que os valores de Ar foram impostos para os Cenários 2 e 3, respectivamente
em 30% e 60% do volume anual de água consumido, pôde-se determinar Eb a partir da
equação (5), por substituição da razão R obtida em (11).
3.2.2. Estimativa de consumo típico esperado de água, consumo específico de
água e geração específica de esgotos
O consumo de água típico esperado em shopping centers varia de 4 a 10L/m²/dia,
segundo apresentado por VON SPERLING (2014) apud EPA (1977)10, HOSANG e
BISCHOF (1984)11, TCHOBANOGLOUS e SCHROEDER (1985)12, QASIM (1985)13,
METCALF & EDDY (1991)14, NBR-7229/9315.
Deste modo, pode-se realizar o cálculo de consumo do estabelecimento com base na
equação (12):
(12)
Na qual Cdiário representa o consumo de água diário do estabelecimento em m³/dia;
Aconstruída representa a área total construída do estabelecimento em m²; e Cmédio representa
o consumo médio em m³/m²/dia.
10 EPA, 1977, Wastewater treatment facilities for sewered small communities; 11 HOSANG & BISHOF, W., 1984, Abwassertechnik, B.G. Teubner Stuttgart. 448p. 12 TCHOBANOGLOUS, G., SCHROEDER, E.D., 1985, Water quality: characteristics, modeling,
modification. Addison-Wesley, Reading, MA. 13 QASIM, 1985, Wastewater treatment plants: planning, design and operation. 2.ed. CRC Press, Boca
Raton, FL. 1108p. 14 METCALF & EDDY, 1981, Wastewater engineering: treatment, disposal, reuse. 2.ed., New Delhi,
Tata McGraw-Hill. 920p. 15 NBR-7229/93, 1993, Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sépticos, ABNT.
𝐶𝑚é𝑑𝑖𝑜 = 𝐶 𝑑𝑖á𝑟𝑖𝑜
𝐴 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑟𝑢í𝑑𝑎
𝐴𝑟
𝑅= 𝐴𝑟 + 𝐴𝑝[ − ( − 𝐶𝑟)]
𝑅 =
+ 𝐴𝑝
𝐴𝑟[ − ( − 𝐶𝑟)]
46
Com base nos dados médios de visitantes por dia (Vmédio), de consumo de água (Cdiario)
e de geração de esgotos (Ediário), calcularam-se o consumo de água específico (Cesp) e a
geração específica de esgotos do Caxias Shopping (Eesp), respectivamente por meio das
equações (13) e (14):
(13)
(14)
𝐶𝑒𝑠𝑝 = 𝐶 𝑑𝑖á𝑟𝑖𝑜
𝑉𝑚é𝑑𝑖𝑜
𝐸𝑒𝑠𝑝 = 𝐸 𝑑𝑖á𝑟𝑖𝑜
𝑉𝑚é𝑑𝑖𝑜
47
4. Estudo de Caso – Caxias Shopping
Foi realizado estudo de caso real no Caxias Shopping, e as ações implementadas no
estabelecimento visando a conservação e uso racional de água, conforme descrito na
sequência. Identificaram-se as tecnologias adotadas para o reúso de águas servidas e os
principais motivos que levaram à interrupção temporária da produção de água de reúso.
4.1. Caracterização
O município de Duque de Caxias localiza-se na região metropolitana do estado do Rio
de Janeiro (RMRJ), conforme indicado pela Figura 12. Sua população estimada é de
890.997 habitantes (IBGE, 2017b), dos quais 20,9% encontram-se formalmente
ocupados, com média salarial em 2,9 salários mínimos – equivalente a R$2.717,30
(dezembro de 2017) e o PIB per capita do município é de R$39.779,40/habitante. A
situação de infraestrutura de saneamento no município, em particular de esgotamento
sanitário, é bastante deficiente: possui cobertura de 86,2% no abastecimento de água,
41,5% na coleta de esgoto, e apenas 17,1% no tratamento de esgoto segundo dados do
SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (BRASIL, 2015).
Figura 12 – Localização do município de Duque de Caxias/RJ Fonte: Modificado de DATAPEDIA (2017)
48
O Caxias Shopping (Figura 13) localiza-se na Rodovia Washington Luiz, 2895, no
1º Distrito – Duque de Caxias do município de Duque de Caxias, no bairro de Parque
Duque. Segundo o diagnóstico preliminar da elaboração do PLAMSAB de Duque de
Caxias (aprovado em dezembro/17), o bairro de Parque Duque possui 47.125 moradores
permanentes, com 66,8% do seu lixo coletado por serviço de limpeza, 61,8% do
abastecimento de água proveniente da rede pública e 66,6% dos banheiros despejando
esgotos na rede pública de drenagem urbana (DUQUE DE CAXIAS, 2017). Deste modo,
verifica-se não haver rede pública de coleta e tratamento de esgotos no bairro. Cabe
pontuar que há discrepância entre os dados fornecidos pelo SNIS, autoinformados pelas
prefeituras ou pelo prestador de serviço, e os dados reais verificados pelo diagnóstico do
PLAMSAB de Duque de Caxias. Ademais, o fato de o shopping possuir abastecimento
de água por si só se trata de privilégio, uma vez que a população no entorno não o possui.
O shopping é um empreendimento gerido pela holding Aliansce Shopping Centers,
segundo maior grupo atuante no mercado brasileiro, composto por 20 shopping centers
em operação, administrando 12 estabelecimentos de terceiros. No Caxias, são 86.000m²
de área total de terreno, das quais 44.026,22m² de área construída e 25.559 m² de área
bruta locável (ABL). A média de frequentadores é de aproximadamente 600 mil visitantes
por mês, ou seja, 20 mil visitantes por dia – atingindo 25 mil ou mais visitantes em dias
de pico e possui 1.300 vagas de estacionamento (ALIANSCE, 2016). O público alvo do
Figura 13 – Caxias Shopping Fonte: ALIANSCE (2017)
49
shopping são as classes C e D, principalmente pela localização e perfil socioeconômico
dos habitantes nas proximidades.
A operação foi iniciada em novembro de 2008 e atualmente conta com 25 lojas de
alimentação; 1 restaurante; 1 loja de entretenimento; 6 megalojas de linha fria; 4 âncoras;
1 cinema (com 6 salas); e 120 lojas satélites, correspondendo à taxa de ocupação de 96,4%
(ALIANSCE, 2016). Estas unidades computam 106 economias, segundo definido pela
CEDAE e regulamentado pelo artigo 96 do Decreto Estadual nº 553/1976, para a
cobrança pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário como:
I – cada casa com numeração própria;
II – cada grupo de duas casas ou fração de duas com instalação de água em
comum;
III – cada apartamento, com ocupação residencial ou comercial;
IV – cada loja ou sobreloja com numeração própria;
V – cada loja e residência com a mesma numeração e instalação de água em
comum;
VI – cada grupo de duas lojas ou sobrelojas, ou fração de duas, com instalação
de água em comum;
VII – cada grupo de quatro salas, ou fração de quatro, com instalação de água
em comum;
VIII – cada grupo de seis quartos, ou fração de seis, com instalação de água
em comum;
IX – cada grupo de três apartamentos de hotel ou casa de saúde, ou fração de
três, com
instalação própria de água;
X – cada grupo de dois vasos sanitários, ou fração de dois, instalados em
pavimentos livres, sem caracterização de salas.
(RIO DE JANEIRO, 1976)
Existe uma clara intenção da administração em se diferenciar frente às demais opções
na região, por meio da adoção de diversas medidas conscientes do ponto de vista
ambiental. Como reconhecimento das diversas iniciativas em prol da sustentabilidade, o
shopping já foi agraciado com diversos prêmios como o “Prêmio Latinoamericana
Verde – 500 melhores projetos socioambientais” pela Green Awards; o certificado Selo
Verde 2013 pelo Instituto Chico Mendes; o “Prêmio ACRJ de Sustentabilidade” pela
Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ); e o “Prêmio Fecomercio de
Sustentabilidade” pela FecomercioSP e Fundação Dom Cabral.
50
Como principais ações ambientais realizadas no Caxias Shopping por empresas
terceirizadas certificadas, podem ser elencadas: separação de resíduos orgânicos de
preparo dos alimentos na praça de alimentação e encaminhamento para pátio de
compostagem; separação de luminárias e encaminhamento para destinação final correta;
separação, compactação, enfardamento de embalagens de papelão in loco, em própria
central de triagem de resíduos do shopping e encaminhamento para reciclagem; separação
e encaminhamento para reciclagem de resíduos de isopor, garrafas PET, vidros e metais;
coleta de óleo de fritura e de pilhas e baterias (Figura 14) com encaminhamento para
reaproveitamento e destinação final correta, respectivamente; pequena central de geração
de energia fotovoltaica; e realização de reúso de águas servidas, proveniente do esgoto
tratado, para fins não potáveis como vasos sanitários e torre de refrigeração. Ademais, em
áreas comuns do shopping há placas indicativas das ações ambientais praticadas (Figura
15(a) e (b).
Figura 14 – Coletores de óleo, pilhas e baterias Fonte: Acervo do autor (2017)
51
Figura 15 – Placas no sanitário indicando (a) a utilização de equipamentos hidráulicos ecoeficientes e
(b) a realização de reúso de água no shopping
Fonte: Acervo do autor (2017)
52
4.2. Estação de Tratamento de Esgotos e Reúso (ETE/Reúso)
A Figura 16 mostra a estação de tratamento de esgotos e reúso de águas servidas
(ETE/Reúso) do Caxias Shopping16, com indicações das visitas à caixa de gordura, os
reservatórios de água (potável, de reúso e de combate a incêndio) e o conjunto de placas
fotovoltaicas17 existentes.
A exigência de uma estação de tratamento de esgotos foi imposta ao shopping pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC – Duque de Caxias) quando da
concessão de Licença Municipal de Operação (LMO) em novembro de 2008, em
atendimento à D.Z. 215–R4 da FEEMA (atual INEA) – “Diretriz de controle de carga
16 No Anexo I consta a planta baixa do projeto da estação. 17
Ressalta-se que foi manifestada pela administração do shopping a intenção de que as placas fotovoltaicas
venham a suprir a demanda energética operacional da estação, já tendo sido previamente estudada a
viabilidade técnica: a demanda da estação é de 9,4kVA (7,52kW) e a geração fotovoltaica é de 11 kVA
(8,8kW).
Figura 16 – Estação de tratamento de esgotos e reúso de águas servidas do Caxias
Shopping, reservatório de água de reúso e conjunto de placas fotovoltaicas
Fonte: Acervo do autor (2017)
53
orgânica biodegradável em efluentes líquidos de origem sanitária” – e à O.S.8147/04 da
CEDAE, impondo-se o lançamento do esgoto tratado com concentração máxima de
40mgDBO/L.
Visando atingir esta concentração e produzir água de reúso para aproveitamento nos
sanitários, mictórios, jardinagem e nas torres de refrigeração, a estação foi projetada a
nível preliminar com gradeamento e caixa de gordura; a nível primário com tratamento
primário quimicamente assistido (CEPT); e a nível secundário com decantador
secundário e sistema convencional de lodos ativados. Para o tratamento terciário (reúso),
foram projetadas as etapas de oxidação e desinfecção, filtração em areia, adsorção em
carvão ativado e osmose reversa.
Na Figura 17 são mostradas todas as etapas de tratamento de esgoto e reúso de águas
servidas projetadas no shopping desde o início de sua operação, podendo o esquema ser
visto em versão ampliada no Apêndice IV. O esgoto tratado a nível secundário não é
totalmente aproveitado para produção de água de reúso (tratamento terciário), sendo a
parcela não reaproveitada lançada no ambiente (Baía de Guanabara).
Figura 17 – Fluxograma de processos de tratamento de esgoto e reúso de águas servidas no
Caxias Shopping
Fonte: Elaboração própria (2018)
54
Os tratamentos aplicados para o reúso de águas servidas no Caxias Shopping são
apresentados na Tabela 5. A estação de tratamento de esgotos foi projetada considerando-
se DBO afluente de 500mg/L, e o dimensionamento das unidades de tratamento de
esgotos – tratamento preliminar, primário e secundário –, são apresentados no Quadro 6,
constando a vazão máxima horária de 15 m³/h, o tempo de detenção hidráulica (TDH) e
os volumes das unidades de tratamento. Pontua-se que a velocidade de decantação nos
estágios primário e secundário considerada foi de 0,00085m/s, e a vazão do lodo
secundário recirculado de 7,5m³/h.
Tratamento Nível
Tratamento Primário Quimicamente Assistido (CEPT) Primário
Lodos Ativados - Convencional Secundário
Desinfecção com Peróxido de Hidrogênio Terciário
Filtração em Areia Terciário
Filtração em Carvão Ativado (Granular) Terciário
Osmose Reversa Terciário
Nível de
Tratamento Etapa/Unidade
Vazão
(m³/h)
TDH
(h)
Volume
(m³)
Tratamento
Preliminar
Caixa de Gordura¹ 15 4,67 70,0
Gradeamento² 15 - -
Tratamento
Primário
Elevatória 15 0,33 5,0
Equalização 15 2,00 30,0
Coagulação & Floculação 15 0,13 2,0
Decantação Primária 15 1,67 25,0
Tratamento
Secundário
Reatores Aeróbios³ 15 4,00 60,0
Decantação Secundária 15 1,67 25,0
Adensador de Lodo 15 0,40 6,0 ¹ Inicialmente dimensionada a 12m³, e posteriormente ampliada. ² Cesto
fabricado em tela no fundo do tanque de recebimento de esgoto bruto; ³ 02
reatores aeróbios de 30m³ cada.
Tabela 5 – Tratamentos aplicados no Caxias Shopping
Fonte: Elaboração própria baseada em ECOTEP (2014)
Quadro 6 – Dimensionamento da estação de tratamento de esgotos (tratamentos preliminar,
primário e secundário)
Fonte: Elaboração própria baseado em ECOTEP (2014)
55
As unidades de produção de água de reúso dimensionadas – tratamento terciário –
consistem em: tanques de oxidação e desinfecção com peróxido de hidrogênio (H2O2),
filtros de areia em chapa soldada de aço carbono, filtros de carvão ativado, conforme
Quadro 7. Por final, há o sistema de osmose reversa (Figura 18) composto por: 02
sistemas filtro cartucho 20” x 4,5”; 15 membranas de diâmetro 8”x 40”; 3 vasos de
pressão 8” classe #300psi; bomba centrífuga 15cv e instrumentação para vazão, pressão
e condutividade.
Nível de
Tratamento Etapa/Unidade
Vazão
(m³/h)
TDH
(h)
Volume
(m³)
Tratamento
Terciário
Oxidação & Desinfecção 7,5 1,20 9,0
Filtros de Areia¹ 15 0,15 2,3
Filtros de Carvão Ativado² 15 0,09 2,3 ¹ 02 filtros de areia de 1,15m³ cada, com tempo de contato 5,02min; ² 02 filtros
de carvão ativado granular de 1,15m³ cada, com tempo de contato 5,6min
Figura 18 – Sistema de osmose reversa Fonte: Acervo do autor (2017)
Quadro 7 – Dimensionamento de oxidação, desinfecção, filtros de areia e
filtros de carvão ativado
Fonte: Elaboração própria baseada em ECOTEP (2014)
56
Cabe pontuar que o processo de osmose reversa é de fundamental importância para o
reúso nas torres de refrigeração, sendo a única etapa capaz de remoção plena de sais,
moléculas muito pequenas, íons, cor, e, em particular, nitrogênio amoniacal, composto
químico altamente danoso aos sistemas de refrigeração causando incrustações e corrosão
em tubulações de cobre e suas ligas. Esta é a última etapa de purificação do efluente com
qualidade suficiente para os usos não potáveis no estabelecimento. Acordou-se entre o
shopping e a empresa ECOTEP que haveria produção de água de reúso com duas classes
de qualidade, para reúso nas torres de refrigeração (Quadro 9) e nos sanitários (Quadro
8). Em particular, a qualidade exigida para a água do condicionador de ar (torres de
refrigeração) não é potável, porém possui elevadas restrições como ausência de nitrogênio
amoniacal e turbidez inferior a 2 UT. Não há exigências em relação a coliformes fecais
(termotolerantes), diferentemente da água para sanitários, que pode vir a ter algum tipo
de contato humano direto.
A prioridade no abastecimento de água de reúso imposta foi para os sanitários, e a
administração do shopping optou por não utilizar a água de reúso para limpeza de áreas
Quadro 9 – Limites de qualidade para água
de reúso nos sanitários
Fonte: Elaboração própria baseado em
ECOTEP (2014)
Parâmetros Unidade Limites
pH - 6,0 a 9,0
Dureza total mg/L < 500,0
Cloro Livre mg/L 0,5 a 2,0
Turbidez UT* < 25,0
Nitrogênio Amoniacal mg/L < 5,0
Sílica mg/L < 20,0
Cálcio mg/L < 150,0
Cloreto mg/L < 20,0
Ferro mg/L < 0,3
Coliformes Fecais - ausente
* UT - Unidades de Turbidez
Quadro 8 – Limites de qualidade para água
de reúso nas torres de refrigeração
Fonte: Elaboração própria baseado em
ECOTEP (2014)
Parâmetros Unidade Limites
pH - 6,0 a 7,0
Dureza total mg/L < 15,0
Cloro Livre mg/L 0,5 a 2,0
Turbidez UT* < 2,0
Nitrogênio Amoniacal mg/L ausente
Sílica mg/L < 10,0
Cálcio mg/L < 15,0
Cloreto mg/L < 20,0
Ferro mg/L < 0,3
* UT - Unidades de Turbidez
57
internas. Toda a água do shopping é armazenada em reservatórios de água potável e de
água de reúso sem conexão entre si, porém possuem interface com mesma parede, e com
tubulações identificadas de acordo com o tipo de água (água potável, água de reúso e
combate a incêndio). Todas as tubulações internas no shopping foram de projeto
separadas levando-se em consideração a realização do reúso de águas servidas. A estação
também conta com uma unidade laboratorial (Figura 19) para monitoramento de
parâmetros com leitura imediata como turbidez, condutividade, pH, dosagem ótima (jar
test), entre outros.
A produção de água de reúso foi interrompida em novembro de 2016, devido à
presença de mau odor e cor na água de reúso produzida. Foi contratada nova empresa
para operação da estação, tendo sido tomadas uma série de medidas objetivando a
regularização do funcionamento da ETE/Reúso, como: realização de análise completa do
esgoto bruto gerado para caracterização; verificação do dimensionamento da estação;
substituição de produtos químicos utilizados nas etapas de coagulação e floculação;
substituição de compressores por aeradores submersíveis no tanque de equalização; e
construção de passarela elevados de acesso aos tanques. A expectativa de normalização
da operação é para março de 2018.
Figura 19 – Laboratório da estação
Fonte: Acervo do autor (2017)
58
5. Resultados
Frente aos objetivos iniciais traçados neste trabalho, apresentam-se os principais
resultados obtidos, e consequentes discussões decorrentes de análises dos mesmos.
5.1. Tecnologias a serem adotadas e oportunidades para projetos de reúso de
águas servidas
Considerando as pesquisas realizadas acerca de tecnologias indicadas para o reúso de
águas servidas, conforme apresentadas no item 2.3, identificou-se não haver uma maneira
automática e imediata de se determinar a tecnologia ou conjunto de tecnologias ideal,
variando muito de acordo com as condições de contorno existentes. Infere-se,
especialmente considerando o esquema apresentado na Figura 7, que existem inúmeras
configurações possíveis para sistemas de tratamento de esgotos e reúso dos mesmos. Faz-
se relevante ratificar que o tratamento biológico (em nível secundário) é aquele que
demanda bastante atenção, sendo crucial em todo o processo, responsável pela maior
parcela de remoção de poluentes – redução de DBO e SST em 85% a 95% segundo VON
SPERLING (2014).
Pode-se dizer que sistemas de tratamento que envolvem a utilização de tanques de
decantação, reatores aeróbios ou anaeróbios associados a variantes de lodos ativados são
os mais recorrentes para sistemas compactos. As tecnologias adotadas para nível terciário
e/ou avançado variam muito de acordo com o uso pretendido, existindo ampla gama de
soluções disponíveis.
De acordo com a análise de sistemas compactos de tratamento e reúso de efluentes,
prédios corporativos, shopping centers, hospitais, indústrias, clubes, escolas e hotéis
surgem como principais contextos nos quais a viabilidade destes projetos se faz
interessante. Isto se deve pelo fato de se tratarem de personagens relativamente
vulneráveis no que diz respeito à autonomia hídrica, recebendo prioridade inferior no
59
abastecimento em períodos de escassez hídrica, conforme estabelecido na Política
Nacional de Recursos Hídricos – Lei nº 9.433/1997.
Ratifica-se que foram encontrados poucos trabalhos aplicados de reúso de águas
servidas em shopping center, tendo a maioria aplicado reúso de águas cinzas, e não do
esgoto em sua totalidade (incluindo-se águas negras).
5.2. Caxias Shopping
A proposta de implantação de reúso de águas servidas no Caxias Shopping foi
apresentada antes da construção do shopping pela empresa construtora, ocasionando
acréscimo de aproximadamente 30% no investimento total da ETE. Deste modo, levando-
se em conta a ausência de rede de coleta e tratamento de esgotos na região e o aumento
da conservação de água adquirida com a implantação do reúso, a administração do
shopping optou por implantar o reúso de efluentes dado seus benefícios econômico,
ambiental e social relevantes. No escopo deste trabalho foram analisados aspectos
técnicos, econômico-financeiros, de consumo de água e de geração de esgotos do
shopping.
5.2.1. Aspectos Técnicos
O dimensionamento realizado na ETE/Reúso do Caxias Shopping possuiu
notadamente equívocos técnicos, dado que, conforme relatado pela administração do
shopping, por vezes o esgoto tratado não atingiu os parâmetros exigidos com presença de
mau odor e cor. São a seguir brevemente mencionados equívocos identificados que
justificaram a interrupção temporária da produção de água de reúso, e medidas de
melhoria já implantadas e consideradas.
Para o projeto de reúso no Caxias Shopping, dimensionou-se a estação para uma DBO
afluente (efluente bruto) de 500mg/L, o que se mostrou por vezes inferior a valores
60
medidos por acompanhamento realizado pela administração da ETE desde o início da
operação do shopping. Conforme relatos de técnicos da estação, a DBO afluente foi
registrada com valores reduzidos como 150mg/L, e também atingindo valores elevados
da ordem de 2.000mg/L. Foi relatado também grande variabilidade na qualidade e
quantidade de esgoto gerado ao longo do dia (maior volume pela manhã e almoço), da
semana (maior volume aos finais de semana) e do ano (maior volume nos meses de férias
escolares, julho e dezembro/janeiro).
Para o tanque de equalização, foram adotados compressores conforme mostrados na
Figura 20. Estes equipamentos não se mostraram os mais indicados para a aeração do
esgoto, por não terem sido projetados para este fim, possuindo vazão de aeração inferior
a necessária e alto índice de falhas, sendo assim pouco confiáveis. Esta incapacidade
operacional implica em promover um ambiente anaeróbico no tanque de equalização,
degradando anaerobicamente a matéria orgânica e gerando maus odores. Este equívoco
impacta diretamente nas etapas subsequentes. Como medida reparadora, os compressores
foram substituídos por sopradores específicos para aeração de esgoto por difusores.
Figura 20 – Compressores antigos do tanque de equalização
Fonte: Acervo do autor (2017)
61
5.2.2. Viabilidade Econômico-Financeira da ETE/Reúso
Levando-se em conta todas as premissas e o equacionamento do sistema
detalhadamente descritos no item 3.2.1, apresentam-se aqui os resultados da análise
econômico-financeira. Os volumes para cada um dos cenários, bem como os coeficientes
são apresentados no Quadro 10.
Cenário 1: Tratamento de esgoto sem reúso
A situação deste cenário está ilustrada pela Figura 21, na qual são mostrados os
volumes e fluxos envolvidos. Uma implicação direta da Premissa 3 é que o volume de
esgoto bruto Eb gerado no Cenário 1 é correspondente a 80% de 45.537m³/ano, ou seja,
36.429m³/ano. Assumiu-se que todo o volume de esgoto bruto gerado foi tratado e em
seguida lançado. Deste modo, aplicando-se as tarifas médias anuais de água potável e de
tratamento de esgoto, soma-se uma despesa média anual de R$11.431.197,00 do Caxias
Shopping com serviços de saneamento.
A respeito do Cenário 1, pode-se dizer que este seria o cenário em geral considerado
em projetos de shopping centers, uma vez que a prática de reúso de águas servidas não é
amplamente difundida nestes estabelecimentos, apesar de recente aumento observado.
Quadro 10 – Resumo dos volumes e coeficientes para os três cenários Fonte: Elaboração própria (2018)
Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
Água Potável (CEDAE) Ap 45.537 31.876 18.215
Água de Reúso = Esgoto Terciário Ar = Eterc 0 13.661 27.322
Consumos Potáveis Cp 9.107 6.375 3.643
Esgoto Bruto Eb 36.429 39.162 41.894
Esgoto Lançado El 36.429 25.501 14.572
Esgoto Tratado ETE Et 36.429 39.162 41.894
Coeficiente de Retorno do Esgoto Bruto Cr 80% 80% 80%
Razão Ar/Eb R - 35% 65%
Coeficientes
Volumes Anuais (m³/ano)
62
Cenário 2: Tratamento de esgoto com reúso de 30% do consumo de água total.
A Figura 22 apresenta o fluxograma completo deste cenário, com os volumes
calculados de esgoto bruto, tratado e lançado, e de água de reúso produzida. Neste
cenário, foi imposta uma produção de água de reúso equivalente a 30% da demanda de
água total do shopping (45.537m³/ano), ou seja, de 13.661m³/ano. Este volume
corresponde à metade da demanda total por água não potável. A razão R, equivalente à
porcentagem do esgoto tratado de fato reusada, foi calculada em 35%.
Figura 21 – Cenário 1: Apenas tratamento de esgotos Fonte: Elaboração própria (2018)
Figura 22 – Cenário 2: Tratamento de esgotos e 30% da demanda suprida por água de reúso Fonte: Elaboração própria (2018)
63
Para o Cenário 2, a despesa anual do Caxias Shopping foi calculada em
R$9.477.506,00, o que corresponde em um ganho financeiro de 17,1% comparativamente
ao Cenário 1. Comprova-se que é financeiramente interessante a realização de reúso de
águas servidas no Caxias Shopping, estando diretamente atrelado às elevadas tarifas
impostas pela concessionária de água, em comparação às tarifas acordadas com a empresa
prestadora dos serviços de tratamento e reúso de esgotos.
Cenário 3: Tratamento de esgoto com reúso de 60% do consumo de água total.
Para o Cenário 3, apresenta-se o fluxograma na Figura 23. Este cenário se trata da
situação de máximo reúso possível (60% do consumo total, equivalente a 27.322 m³/mês),
visto que a limitação imposta é o consumo não potável. A razão R calculada foi de 65%.
Calculou-se uma despesa total anual de R$7.523.815,00, 34,2% inferior à despesa do
Cenário 1. Pontua-se que para este cenário, seria necessária uma produção média de água
de reúso em 2.277m³/mês.
Figura 23 – Cenário 3: Tratamento de esgotos e reúso maximizado Fonte: Elaboração própria (2018)
64
O resumo geral dos cenários é exibido na Tabela 6, da qual pode-se inferir que a
realização do reúso de águas servidas no Caxias Shopping provoca ganho de 17,1% no
Cenário 2 e de 34,2% no Cenário 3 em comparação com o Cenário 1 (sem reúso). Percebe-
se que o comportamento acompanhou linearmente o aumento da produção de água de
reúso. Este ganho é referente à redução de despesas anuais do shopping em consumo de
água potável, uma vez que a tarifa da CEDAE é superior à da água de reúso produzida; e
em geração de esgotos, pois a implantação do reúso impõe um reciclo de certa quantidade
de água não potável.
5.2.3. Consumo típico esperado de água, consumo específico de água e
geração específica de esgotos
Segundo metodologia descrita no item 3.2.2, calcula-se que, baseado na área
construída previamente mencionada de 44.026,22m², para o Caxias Shopping a faixa
típica esperada de consumo de água seria de 176,1m³/dia a 440,3m³/dia. O limite inferior
desta faixa está superior ao de fato consumido no Caxias Shopping, conforme
Tabela 6 – Resultado de análise de cenários 1, 2 e 3
Fonte: Elaboração própria (2018)
Volume Anual (m³/ano)
Água Potável 45.537 31.876 18.215
Água de Reúso 0 13.661 27.322
Esgoto Lançado 36.429 25.501 14.572
Tarifas (R$/m³/ano)
Água Potável 177,93 177,93 177,93
Água de Reúso - 108,02 108,02
Esgoto 91,38 91,38 91,38
Despesas - Caxias Shopping (R$/ano)
Água Potável 8.102.310 5.671.617 3.240.924
Água de Reúso 0 1.475.668 2.951.336
Esgoto 3.328.886 2.330.221 1.331.555
Total 11.431.197 9.477.506 7.523.815
Ganho % 17,1% 34,2%
Cenário 3
(60% Reúso)
Cenário 1
(Sem Reúso)
Cenário 2
(30% Reúso)
65
previamente apresentado, cujo pico de consumo de água foi 172,5m³/dia. Este resultado
se deve pelo fato de que o estabelecimento está aquém de seu potencial e abaixo do
volume de frequentadores esperado, segundo mencionado pela administração do
shopping e confirmado a partir deste cálculo de consumo de água. Ademais, ressalta-se
que o ano de 2017 foi atipicamente fraco para diversos estabelecimentos comerciais,
devido à retração econômica observada em todo o país e com destaque para o estado do
Rio de Janeiro.
Adicionalmente, assumindo média de 20.000 visitantes por dia, e baseado no consumo
médio diário de água 124,3 m³/dia e geração média de esgotos 338,6 m³/dia, obtiveram-
se o consumo específico de água de 6,24 L/visitante.dia e geração específica de esgotos
de 16,93 L/visitante.dia.
5.3. Variáveis de projeto mais influentes
Baseado no que se identificou em pesquisas realizadas, conversas com engenheiros
do ramo, e no estudo de caso do Caxias Shopping, elaborou-se o Quadro 11 reunindo as
principais variáveis influentes em projetos de reúso de águas servidas, sejam eles para
tratamento e reúso de águas negras ou cinza, para fins potáveis ou não potáveis.
A finalidade para a qual se pretende utilizar a água reusada é a variável mais
determinante do projeto, influindo diretamente na complexidade necessária de
tratamento. Tendo-se em mãos os parâmetros de qualidade buscados, é possível se iniciar
a seleção de tecnologias de tratamento condizentes.
Naturalmente, o conhecimento exato da qualidade do esgoto bruto gerado também é
crucial para o dimensionamento e escolha tecnológica. Mais ainda, pode eventualmente
inviabilizar um projeto caso a eficiência de remoção necessária seja tão alta que
inviabilize o investimento, ou por outro lado, apresentar grande viabilidade ao se
identificar que o tratamento exigido é relativamente simples.
66
A eficiência dos tratamentos antecedentes à etapa de produção de água de reúso influi
diretamente na qualidade final do efluente tratado. Um tratamento primário com baixa
eficiência de remoção irá sobrecarregar a etapa de tratamento terciário, dimensionada
para remover partículas mais finas e desinfecção da água. Um tratamento prévio
ineficiente é um dos problemas mais encontrados no Brasil, segundo relatos de diversos
engenheiros atuantes no ramo. Por via de regra, quanto mais eficientes as etapas de
tratamento preliminar, primário e secundário, menos complexa poderá ser a tecnologia
adotada de reúso para alcançar a exigência dos parâmetros de saída, acarretando
diretamente em menor investimento e custos de operação e manutenção.
A vazão de projeto é uma variável central que impacta diretamente no equilíbrio
financeiro, tendo sido identificada inviabilização nos casos em que a geração de esgoto
e/ou o consumo de água de reúso sejam muito pequenos, uma vez que os custos fixos
variam pouco para vazões pequenas. Para cada sistema de tratamento adotado, existe um
Quadro 11 – Variáveis determinantes para projetos de reúso de águas servidas
Fonte: Elaboração própria (2018)
Variável Comentários
Finalidade da água de reúso
De acordo com o uso pretendido, tratamentos
distintos podem ser adotados. Por exemplo, é
esperada a adoção de tecnologias com maior
capacidade de remoção de poluentes para
projetos de reúso potável direto do que indireto.
Característica do esgoto bruto
afluente
De um modo geral, efluentes menos poluídos
exigem tratamentos mais simplificados.
Eficiência nas etapas de tratamento
anteriores ao nível terciário
Tratamentos prévios com boas eficiências de
remoção exigem menos de etapas posteriores.
Vazão de projeto
Os projetos tendem a ser financeiramente mais
interessantes quando a vazão de reúso é mais
elevada, frente às economias causadas pelo custo
de captação ou abastecimento público.
Disponibilidade de Investimento
É crucial identificar a capacidade de investimento
por parte do empreendedor, investidor ou
responsável pela decisão na implantação de reúso,
tanto do ponto de vista de equipamentos e
infraestrutura para o startup da planta quanto de
custos de operação e manutenção.
67
ponto de inflexão, a partir de dada vazão observa-se ganho de escala com a implantação
do reúso. Em outras palavras, a partir de certa vazão, os custos por metro cúbico
produzido reduzem, até que se atinja o limite operacional deste sistema.
Por fim, porém não menos importante, a disponibilidade de investimento por parte dos
interessados em implantar o reúso de águas servidas irá determinar quais tipos de
tecnologias de tratamento podem ser adotadas. Conforme apresentado no caso do Caxias
Shopping, percebe-se neste mercado a prática do modelo de negócios BOT, transferindo
a responsabilidade do investimento para empresas de Engenharia, em vez de
administradores de prédios comerciais e shopping centers. É comum acordar-se a
possibilidade de transferência da infraestrutura ao cliente a qualquer momento, de acordo
com valores regressivos calculados em base na depreciação ao longo do período de
vigência do contrato, ou ao final do período por valor irrisório ou sem custo. Esta
infraestrutura trata-se de ativo relevante para o shopping, que por sua vez optará pela
renovação do contrato ou busca de nova empresa para operar. O benefício maior deste
modelo de negócios é não onerar o cliente com grandes investimentos, nem com a
responsabilidade pela operação da estação.
68
6. Conclusões
Para os tratamentos preliminar e primário, as tecnologias já estão consideravelmente
consolidadas, não variando muito de gradeamento, caixa de gordura, caixa de areia,
tanque de equalização e decantador primário. Para o tratamento secundário (biológico),
existem algumas variações encontradas, em particular o crescimento da tecnologia
MBBR, com alta eficiência de remoção em baixa área demandada, devido à alta superfície
de contato dos leitos móveis; e tendo versatilidade para ser inserida em reformas (retrofit)
de ETEs operando em sistemas de lodos ativados, por exemplo. No que diz respeito ao
tratamento terciário, observou-se que a tecnologia de osmose reversa, adotada no caso do
Caxias Shopping, pode se fazer necessária em contextos com altas exigências para a água
de reúso, como é o caso das torres de refrigeração.
Infere-se que apesar da existência de tecnologias consolidadas, há ainda espaço e
desenvolvimento tecnológico em andamento, visando ao aumento de eficiência dos
processos de tratamento envolvidos. Por meio da adoção de equipamentos adequados e
de uma operação garantindo a qualidade exigida da água de reúso produzida, o reúso de
águas servidas em estabelecimentos comerciais e indústrias pode ser financeiramente
interessante, uma vez que é adquirida relativa autonomia hídrica, diminuindo a
dependência de concessionárias de água e esgoto; devido a tarifas de água (não potável)
e esgoto inferiores às da concessionária, assim como no caso Caxias Shopping.
Ademais, como benefício ecológico, o reúso de águas servidas confere às edificações
a capacidade de aumentar o tempo que a água consumida se mantém na própria
edificação. Tal benefício alcançado é significativo tanto do ponto de vista local (o
estabelecimento em si) quanto global, uma vez que a adoção de práticas de conservação
dos recursos hídricos exerce menos pressão sobre os mananciais, aliviando conflitos
existentes ou iminentes, especialmente no contexto urbano. Se faz de grande importância
69
a adoção destas práticas visando a otimização do consumo hídrico no ambiente urbano
densamente ocupado, e com cara e complexa infraestrutura de saneamento.
Em relação ao Caxias Shopping em particular, é notável que o reúso foi adotado por
opção da administração do shopping, sem prévia exigência ambiental, em localidade que
não possui rede de coleta ou tratamento de esgotos. Identificou-se que a ETE/Reúso do
Caxias Shopping poderia ter sido melhor projetada, uma vez que o perfil do esgoto do
shopping demonstrou variações semanais e sazonais, segundo relatos do
acompanhamento operacional da estação. Também, do ponto de vista de projeto, as
tubulações de esgoto para águas negras e águas cinzas poderiam ter sido devidamente
separadas. Esta medida auxiliaria na operação da ETE, uma vez que se tratam de águas
residuárias com características bastante distintas.
Levando-se em consideração o cenário apresentado, conclui-se que a DBO de projeto
adotada foi subestimada, influenciando na qualidade do efluente sanitário tratado. A
proposta imediata de reparação seria redimensionamento de tempos de detenção
hidráulica e taxas de aplicação superficial (TAS) considerando-se DBO mais elevada, por
exemplo 1.000 mgDBO/L. Efetivamente, a medida foi tomada por consultoria externa
contratada. Ademais, outra possível medida seria o aumento do tanque de equalização,
reduzindo a concentração média de DBO ao longo do tempo. Entende-se que o custo
associado a esta medida seria superior a mudanças operacionais nas TAS, por exemplo.
Em relação aos sistemas de refrigeração, pontua-se que estes são responsáveis pela
maior parcela de consumo não potável no shopping (estimado em 45% no Caxias
Shopping), porém não sendo possível o reaproveitamento da maior parte desta água
consumida, uma vez que cerca de 95% da mesma é perdida por evaporação ao refrigerar
o ar. Também, verificou-se que em meses mais frios o shopping apresentou excesso da
água de reúso que se destina ao sistema de refrigeração. Nestes meses, o consumo de
70
refrigeração é reduzido, de modo que as torres de refrigeração são eventualmente
desativadas, não consumindo a água de reúso. Este gargalo não deveria ocorrer, com a
previsão de redução no consumo nestes meses durante o dimensionamento do sistema.
A respeito das diferenças observadas nas medições de consumo de água e geração de
esgotos, apesar de se tratarem de períodos distintos, a diferença verificada entre os dados
pode estar associada à conexão de águas pluviais à rede de efluentes sanitários. Esta
diferença, naturalmente, também se retratou nos resultados de consumo específico de
água (6,24 L/visitante.dia) e geração específica de esgotos (16,93 L/visitante.dia), sendo
este superior.
A viabilidade do reúso está diretamente relacionada com a garantia de volume
operacional para suprir a demanda de água de reúso, o que no caso do Caxias Shopping
ainda não se concretizou devido ao excepcional baixo movimento do estabelecimento
(ano de 2017 com retração econômica regional e nacional). De todo modo, neste estudo
de caso, o reúso de águas servidas se mostra como uma solução interessante não apenas
do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista financeiro dados os ganhos
calculados de 17,1% e 34,2% para os cenários com 30% e 60% de reúso, e comprovam a
viabilidade econômico-financeira deste projeto específico, observado o ganho financeiro
diretamente proporcional à utilização de água de reúso. Evidentemente, com a interrupção
da produção de água de reúso, deixa-se de obter os ganhos mencionados. A importância
de estudos como este realizado e de outros similares se dá devido à despesa com água ser
em geral a segunda mais elevada para a administração do shopping.
Devido ao orçamento reduzido disponibilizado pela administração do shopping para
solucionar os problemas da ETE/Reúso, espera-se que o retorno às condições
operacionais ideais se dê gradualmente. Acredita-se que a previsão de normalização para
março/18 é plenamente viável de se concretizar.
71
Ademais, a iniciativa de instalar placas fotovoltaicas e a intenção da administração do
shopping de suprir a demanda energética operacional da estação, mostram uma gerência
com visão dos desafios presentes e futuros. De um modo geral, a despesa com energia é
a mais elevada para a administração do shopping, apesar de ser diluída entre os
condôminos locatários. No que diz respeito ao tratamento e reúso de esgotos, a relação
entre a demanda energética por metro cúbico tratado ou produzido (kWh/m³) se mostra
como indicador relevante na tomada de decisão acerca do melhor sistema de tratamento.
O setor de shopping centers se mostrou como potencialmente explorável no que diz
respeito à aplicação de reúso de águas servidas em excelência, auxiliando na
sustentabilidade financeira e ambiental dos empreendimentos.
Não restam dúvidas que um sistema de reúso deve ser projetado de maneira sistêmica,
envolvendo em sua concepção tanto as instalações hidrossanitárias, quanto a sua relação
com o consumo energético e o impacto nas rotinas de manutenção e operação na
edificação. Como regra geral, a conservação de água deve implicar em benefícios líquidos
positivos, considerando-se neste balanço todos os ganhos da ação e todos os seus efeitos
adversos (custos e benefícios negativos). Sucede que o monitoramento do funcionamento
desse sistema é um fator decisivo na viabilidade econômica do empreendimento, pois
pode consideravelmente reduzir sua lucratividade e alongar seu tempo de retorno do
investimento.
Do ponto de vista cultural e social, verifica-se necessidade de fomentar consciência
dos usuários acerca dos diversos benefícios causados pelo reúso de águas servidas em
edificações, especialmente nos grandes centros urbanos, como possível redução em
despesas com água e esgoto, conservação da água no estabelecimento, alívio de pressões
sobre mananciais, e o aumento de resiliência alcançado devido à descentralização do
tratamento de esgotos. Se faz extremamente necessária a adoção de medidas que garantam
72
a correta identificação para ciência dos usuários quais aparelhos hidrossanitários recebem
água de reúso, para fins de informação e sanitárias, bem como medidas de restrição no
contato humano da água de reúso não potável.
A inserção da água de reúso como uma realidade cotidiana exige que haja plena
regulamentação no país e uma política estruturada de difusão destes projetos, envolvendo
grande mudança no paradigma de gestão hídrica, ao se estabelecer um modelo de
conservação e reciclagem da água. No Brasil, com menos de metade de sua população
com acesso rede de coleta de esgotos, o problema do saneamento básico ainda é de escalas
desafiadoras, e espera-se deixar com este trabalho contribuição para um desenvolvimento
social que vise o acesso universal ao saneamento básico.
73
7. Recomendações
Recomenda-se um levantamento comparativo mais aprofundado entre shopping
centers e prédios corporativos de mesmo porte na região Sudeste brasileira que apliquem
o reúso de águas servidas em sua totalidade (incluindo águas negras), identificando quais
os principais problemas enfrentados em uma abordagem multidisciplinar, dos pontos de
vista técnico-operacional, econômico-financeiro e de negócios, e aceitação social. Será
de suma importância a formação de banco de dados robusto da aplicação de reúso de
águas servidas em shoppings, fomentando a difusão destes projetos em mercado com
diversas oportunidades não aproveitadas.
Analisando o Caxias Shopping em particular, recomenda-se o acompanhamento da
implantação das medidas corretivas já realizadas e a serem realizadas, em vistas de validar
a viabilidade técnico-financeira dos cenários estudados neste trabalho de suprimento da
demanda a 30% e 60% de água de reúso. Recomenda-se também a realização de análise
mensal detalhada, levando em consideração o volume de armazenamento necessário para
cada um dos cenários. Em relação ao modelo de negócios BOT adotado, verificou-se a
dependência por parte da administração do shopping frente à qualidade do serviço
prestado por empresa contratada, sugerindo-se uma análise mais detalhada das
possibilidades de modelos de negócio, vantagens e desvantagens, eventualmente
concluindo-se o modelo mais interessante para todos os personagens.
74
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I. Detalhamento de Cálculos de Tarifa Média Anual de Água – Caxias Shopping
Consideração a respeito das faixas de consumo:
São 106 economias comerciais no shopping, de modo que as faixas consideradas pela CEDAE são de 0 a 20 m³/mês/economia (1ª faixa), de 21
a 30m³/mês/economia (2ª faixa) e acima de 30m³/mês/economia (3ª faixa). Assumiram-se os valores totais mensais por faixa considerando a
quantidade de economias correspondentes. A 2ª faixa, diferentemente da CEDAE, foi considerada de 20 (e não 21) a 30m³/mês.
Mês
Consumo
Médio de
Água (m³/dia)
Dias no
mês
Consumo
Mensal
(m³/mês)
1a faixa (0-
2120m³)
2a faixa (2120 -
3180m³)
3a faixa
(>3180m³)Gasto Mensal
jan/17 106,8 31 3.311 23.225,98R$ 20.459,35R$ 2.697,41R$ 46.382,74R$
fev/17 151,0 28 4.228 23.225,98R$ 20.459,35R$ 21.612,28R$ 65.297,61R$
mar/17 131,3 31 4.070 23.225,98R$ 20.459,35R$ 18.360,12R$ 62.045,46R$
abr/17 119,2 30 3.576 23.225,98R$ 20.459,35R$ 8.166,47R$ 51.851,80R$
mai/17 118,7 31 3.680 23.225,98R$ 20.459,35R$ 10.305,01R$ 53.990,35R$
jun/17 126,6 30 3.798 23.225,98R$ 20.459,35R$ 12.744,64R$ 56.429,98R$
jul/17 98,8 31 3.063 23.225,98R$ 18.197,24R$ -R$ 41.423,22R$
ago/17 109,7 31 3.401 23.225,98R$ 20.459,35R$ 4.551,36R$ 48.236,70R$
set/17 121,3 30 3.639 23.225,98R$ 20.459,35R$ 9.465,68R$ 53.151,01R$
out/17 124,3 31 3.853 23.225,98R$ 20.459,35R$ 13.885,06R$ 57.570,39R$
nov/17 116,9 30 3.507 23.225,98R$ 20.459,35R$ 6.743,52R$ 50.428,86R$
dez/17 172,5 31 5.348 23.225,98R$ 20.459,35R$ 44.699,05R$ 88.384,38R$
Média 124,8 Média 3.789 23.225,98R$ 20.270,85R$ 12.769,22R$ 56.266,04R$
Média Anual (m³/ano) 45.537 Total Anual (R$/ano) 675.192,50R$
Tarifa Média Anual (R$/m³/ano) 177,93R$
86
III. Detalhamento de Cálculos de Tarifa Média Anual de Tratamento de Esgotos – Caxias Shopping
MêsDias
Medidos
Volume
Mensal
(m³/mês)
Média
Diária
(m³/dia)
Média
Horária
(m³/h)
Gasto Mensal
nov/12 31 4.134,6 133,4 5,6 17.097,15R$
dez/12 30 4.564,4 152,1 6,3 18.211,96R$
jan/13 30 4.984,2 166,1 6,9 19.886,96R$
fev/13 31 4.354,4 140,5 5,9 17.374,06R$
mar/13 28 3.483,5 124,4 5,2 17.097,15R$
abr/13 31 4.026,8 129,9 5,4 17.097,15R$
mai/13 30 3.836,7 127,9 5,3 17.097,15R$
jun/13 30 3.516,9 117,2 4,9 17.097,15R$
jul/13 31 2.043,9 65,9 2,7 17.097,15R$
ago/13 31 3.891,9 125,5 5,2 17.097,15R$
set/13 31 4.278,2 138,0 5,8 17.097,15R$
out/13 30 4.022,0 134,1 5,6 17.097,15R$
Média - 3.928,1 129,6 5,4 17.445,61R$
Tarifa Média (R$/m³) 4,44R$
IGP-M (abr/08 - dez/17) 71,46065%
Tarifa Média Corrigida (R$/m³) 7,61R$
Tarifa Média Anual (R$/m³/ano) 91,38R$
87
IV. Fluxograma do processo de tratamento e reúso de esgoto – Caxias Shopping
Fonte: Elaboração própria (2018)
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