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Editor
Raphael Faé Baptista
Editoração:
Felipe Sellin
Colaboram nessa Edição:
Felipe Sellin
Franklin Félix
Raphael Faé Baptista
Suellen Cruz
Interaja conosco, sua opinião
é muito importante para nós:
Edição n° 42—Junho de 2018
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Editorial Envolvidos com a realização do I Fó-
rum Social Espírita, em Vitória/ES, no
dia 04 de agosto de 2018, com a temáti-
ca “Espiritismo e Transformações Soci-
ais”, lançamos a edição de Julho com
um pouco de atraso (programação abai-
xo).
Nem por isso deixamos de expor ao
público as reflexões mais avançadas
sobre espiritismo e sociedade, sempre
buscando respostas cada vez mais apro-
priadas para uma sociedade regenera-
da, justa e fraterna, e uma humanidade
mais íntegra e capaz de realizar os seus
poderes com plenitude.
Nas últimas edições, preferimos publi-
car um jornal mais enxuto, com uma
quantidade menor de textos, para que
as matérias pudessem ser melhor apre-
ciadas. E, no contrafluxo de nosso tem-
po em que só as novidades passageiras
interessam, também estamos republi-
cando textos, de nossos colaboradores
ou não, que são veiculados por outros
canais. Afinal, costumam ser reflexões
excelentes, que merecem visibilidade e
novas leituras e releituras.
Desse modo, reproduzimos o texto pri-
moroso de Franklin Félix, colaborador
da Carta Capital, sobre o tema “Fora da
justiça social não há salvação”. Ocupan-
do um espaço importante na mídia,
Franklin consegue levar ao grande pú-
blico importantes referências espíritas
sobre o mundo e a sociedade.
Em seguida, Suellen Cruz buscando
debater intolerância nos levou a refletir
sobre a necessidade da voz dos oprimi-
dos e da resistência.
Nosso Editor, Raphael Faé aborda so-
bre a relação entre espiritismo e socie-
dade, já vislumbrando a sua participa-
ção no I Fórum Social Espírita, que
ocorrerá em Vitória. E mais uma vez,
reflete sobre a violência na sociedade
brasileira com o assassinato de um in-
dígena que buscava prestar solidarieda-
de e uma pessoa vitima de homofobia.
Tenham uma excelente leitura!
Os editores
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SOCIEDADE
Envolvidos na organização do I Fórum
Social Espírita, em Vitória/ES, eu e Felipe
Sellin materializamos um desejo presente
desde que lançamos o Jornal Crítica Espí-
rita: abrir espaços para discutir espiritis-
mo e sociedade a partir de reflexões e
discussões dialéticas e críticas sobre os
caminhos, propostas e alternativas que o
espiritismo pode dar às complexas e mul-
tifacetadas sociedades do século XXI.
Ao abrir esses espaços, é necessário estar-
mos atentos aos perigos inerentes às leitu-
ras filosóficas do social. Se essa leitura –
qualquer que seja – não for capaz de per-
ceber e compreender as misérias e as ma-
zelas escondidas ou escancaradas nas
relações sociais, políticas e econômicas,
ou de perceber as incongruências que
compõem os nossos horizontes morais,
então essa leitura, muito provavelmente,
terá a tendência de se tornar em justifica-
tiva daquilo que há de pior e degradante.
Por isso, é tão comum que as análises
espíritas sobre os fatos sociais, quando
existem, sejam não somente superficiais,
mas avalizadoras do mal e da perversidão.
Achando que basta colocar as lentes do
espiritismo para compreender o mundo,
acabam não vendo as suas contradições,
ou não percebendo essas contradições
enquanto tais. Com isso, naturalizam os
processos de violência e as relações de
opressão e dominação como situações que
devemos “aprender a lidar”, em lugar de
aprender a superar.
Podemos citar, por exemplo, os casos de
desrespeito aos direitos da mulher. Inca-
pazes de perceber as desigualdades na
distribuição dos papéis sociais de homens
e mulheres, o problema deixa de ser essa
distribuição desigual para se focar na mu-
lher, a qual é duplamente punida: além de
suportar um peso social maior, ainda lhe
exigem devoção e perdão, humildade e
abnegação. Outro exemplo é a pobreza:
sem perceber a miséria moral que é a de-
sigualdade social por si só, encontram a
justificativa da pobreza nas vidas passa-
SOBRE ESPIRITISMO E SOCIEDADE
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das…
Com isso, precisamos compreender que,
ao lado das lentes do espiritismo, é neces-
sário também colocar as lentes da crítica,
que nos permite colocar em evidência as
misérias humanas e sociais que caracteri-
zam a nossa sociedade e o nosso tempo. E
quanto mais radical for essa crítica, ou
quanto mais arguto for o pensamento
crítico, a resposta da superação será cada
vez mas pertinente, necessária e verdadei-
ra.
Logo, toda leitura que queira dar respos-
tas avançadas e adequadas sobre a condi-
ção humana e social, deve, necessaria-
mente, proceder à crítica mais contunden-
te, profunda e grave dos modos de socia-
bilidade que o capitalismo impõe e dos
horizontes morais e ideológicos que os
integram.
Essas críticas nos levam vários caminhos
e possuem vários aspectos. Quero reter
dois deles: a) o moral, não só como obri-
gação, como “o que devo fazer”, mas tam-
bém sobre “o que devo amar”, dos mode-
los de elevação e plenitude e os modelos
de aviltamento que somos chamados a
aderir ou a evitar, e; b) o político, não
apenas no âmbito institucional e legal,
mas, mais amplamente, dos modos em
que nos organizamos e convivemos.
O espiritismo, em seu viés moral, ao recu-
perar a moral de Jesus, possui o problema
recorrente de fazer uma leitura muito
parcial e pequena. Esse Jesus, normal-
mente, é reapropriado só no domínio do
religioso e reconfigurado a partir do indi-
vidualismo liberal e da competição capita-
lista, e não como uma proposta revolucio-
nária de sociedade. E, no viés político, o
grande projeto do espiritismo é a regene-
ração, de contribuir na mudança da socie-
dade planetária de provas e expiações
para regeneração, e não na manutenção
das instituições que caracterizam um pla-
neta atrasado, também com base em Je-
sus, na implantação de uma nova ordem
política onde os fortes ajudam os fracos,
todos compartilham os bens da vida, nin-
guém se faz senhor de ninguém, o maior é
o que mais serve, etc.
Logo, ao nos colocarmos nessa aventura
de reler o espiritismo a partir do século
XXI, fica cada vez mais evidente que pre-
cisamos pensar e parir uma nova civiliza-
ção, que consiga reposicionar as bases nas
quais nos autocompreendemos num pata-
mar mais elevado, o que exige consciência
e postura crítica e criativa do que somos e
do que podemos ser.
Raphael Faé é editor do Jornal Crítica
Espírita.
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A proposta feita era que eu fizesse um
texto. Algo que pudesse ser publicado e
que, se possível, falasse sobre a intolerân-
cia, racismo e machismo. Sem saber como
iniciar, mergulho em textos e vídeos da-
quelas, que anterior a mim, travam a luta
por uma sociedade livre. Me deparo, desta
forma, com o último pronunciamento de
Marielle Franco na tribuna dos vereado-
res no Rj no dia 08 de março de 2018.
[...] Em tempos de justificativa
falsas sobre a crise e a precariza-
ção, a dificuldade da vida das mu-
lheres são apresentadas, e dificul-
dades reais.. Onde estão as vagas
das creches que foram prometidas
pelo prefeito Marcelo Crivela? Co-
mo ficam as crianças, nestes tem-
pos de intervenção?
... outro dia um vereador me ques-
tionava da onde eu tirava os dados
apresentados em relação a violên-
cia contra as mulheres. [...] As mu-
lheres quando saem as ruas na
manifestação, fazem porque entre
83 países, o Brasil é o sétimo mais
violento. Dados da OMS. Esse qua-
dro segue piorando, aumentando
6,5 no ultimo ano. Por dia, são 12
mulheres assassinadas no Brasil. O
ultimo dado que temos do Estado
do RJ, figuram 13 estupros por dia.
"VIVA ULSTRA!" (alguém grita da platéia
na tribuna)
Marielle silencia por alguns instantes,
encara firmemente a tribuna de onde saiu
o protesto e prossegue:
[...] Eu peço que a presidência da
casa, em caso de alguém vir atra-
palhar a minha fala, assim proceda
como a gente faz quando a tribuna
interrompe qualquer vereador.
Não serei interrompida. Não aturo
interrupções dos vereadores dessa
casa e não aturarei de um cidadão
que vem aqui e não sabe ouvir, a
posição de uma mulher eleita! [...]
O meu mandato é construído 80%
por mulheres. Por que a gente en-
tende que o lema: uma sobe e puxa
a outra, precisa ser efetivado. Uma
autora que eu gosto muito, Chima-
manda, diz que é imprescindível
que as mulheres que estão nos
espaços de poder tragam, deem o
pé, abracem, acolham e construam
com outras mulheres.
E depois de um discurso de mais de 10
minutos embasado em números e dados
que retratam a complexa situação da mu-
lher brasileira, Marielle finaliza seu dis-
curso citando Audre Lorde. “Eu não sou
livre, enquanto outra mulher for prisio-
neira.”
Eu não conhecia Marielle pessoalmente.
Conheci ela na mesma época em que fazí-
amos, aqui no estado do Espírito Santo, a
campanha pela eleição da Camila Vala-
dão. Foi nessa mesma época que eu tam-
bém conheci a Taliria, vereadora eleita em
Niterói; a Áurea, eleita em Belo Horizon-
te.
Todas negras. Potentes. Altamente quali-
ficadas.
Pessoalmente, eu não conhecia a Marielle.
Mas no dia 14 de março de 2018, eu não
consegui dormir. Muita gente não conse-
guiu.
Eu não sou livre, enquanto outra mulher for prisioneira.”
INTOLERÂNCIA
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A morte da Marielle foi muito representa-
tiva. A execução de Marielle foi muito
dolorida. Mesmo que muitos de nós não a
conhecêssemos, esse assassinato foi senti-
do como se uma irmã, uma prima ou uma
cunhada tivesse sido atingida por aqueles
tiros.
Jovem, negra, lésbica, socióloga, defenso-
ra dos direitos humanos, socialista, mãe e
uma das vereadoras mais votadas do RJ.
Que se levantou contra tanta coisa, contra
a intervenção, contra o genocídio. Que se
levantou lá. Onde poucas de nós conse-
guem chegar.
Atualmente, de cada 100 pessoas assassi-
nadas no Brasil, 71 são negras. 64% dos
presos são negros. A população negra
morre estatisticamente mais todos os
dias. Morre de bala, morre de fome, mor-
re na fila do SUS.
A morte de Marielle não é só de Mariele.
E ainda que tenhamos a consciência que
Marielle permanece viva na erraticidade,
agora, eu to falando de morte, de morte
do corpo físico.
De um pulmão perfurado por uma bala ou
de um crânio fraturado por um cacetete.
Eu to falando de 9 tiros no meio da noite
e quatro deles na cabeça. Eu to falando de
morte institucional. Eu to falando da ne-
gação do racismo dentro das universida-
des. Eu to falando pela opção de se colo-
car ao lado de gente que diz que não seria
atendido por um médico negro. De encar-
ceramento de quase 30 anos só por portar
pinho sol. Eu to falando de uma mulher
ser arrastada por cerca de 200 metros
com o seu corpo sendo segurado pela rou-
pa no porta malas de um camburão. Eu to
falando de adoecimento mental. Da into-
lerância dentro das salas de aula ou dos
grupos de pesquisa com as mulheres
mães, que na maioria das vezes são ne-
gras. Eu to falando de 5 jovens desarma-
dos, documentados, comemorando o pri-
meiro salário dentro de um carro parado
e levando mais de 100 tiros pela polícia.
Eu to falando da negação da importância
do corpo negro pra construção dessa soci-
edade. Eu to falando da invisibilidade dos
388 anos de escravidão nesse país. Eu to
falando de dezenas e dezenas que são
assassinados e não tem suas mortes divul-
gadas. Eu to falando de Damião e Ruan,
eu to falando de Amarildo. De Rafael Bra-
ga. Eu to falando daqueles que morrem
como se fossem bandidos, suspeitos de
portar uma arma quando na verdade car-
regavam o celular.
Eu digo que a gente precisa falar honesta-
mente sobre outra sociedade e para fazer-
mos um debate honesto sobre outra socie-
dade é olhar inclusive pros nossos privilé-
gios. É preciso pensar que somente nos-
sos anseios por “mais amor, por favor”
não tem bastado.
Porque o primeiro desafio pra quem é
preto, nessa sociedade, é sobreviver.
São mais de 4 meses sem saber quem
mandou matar Marielle. Mas a morte de
Marielle não é só de Marielle. E por não
ser só Marielle, é que vamos continuar
falando. Que vamos continuar lutando
por uma sociedade livre, onde verdadeira-
mente nos identifiquemos como irmãos.
Para finalizar, eu recito um trecho de uma
musica de Mc Carol:
"Nem sempre eu sou tão forte, mas vou tá
lá, gritando contra a morte. Gritando con-
tra o poder burguês machista branco.
Presente hoje e sempre, Marielle Franco."
Suellen Cruz é mestranda em políticas
sociais.
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Fora da justiça social não há salvação Allan Kardec, educador visionário e dono de uma visão progressista de justiça social, certamente atualizaria seu lema
Uma das principais características do
espiritismo, além da sua comunicabilida-
de com o mundo espiritual, da crença na
pluralidade das existências e da universa-
lidade dos ensinos dos espíritos, é o lema
“fora da caridade não há salvação”.
Este é o título do capítulo XV de
O Evangelho Segundo o Espiritismo. Por
ser uma doutrina cristã, com bases filosó-
ficas e científicas, vê no altruísmo e na
reforma íntima uma maneira de ascensão
espiritual.
A doutrina espírita, popularmente conhe-
cida por espiritismo, kardecismo ou espi-
ritismo kardecista, foi “codificada” – to-
mando corpo de doutrina – pelo pedago-
go francês Hippolyte Léon Denizard Riva-
il, sob o pseudônimo Allan Kardec.
Ela nasce na França do século XIX, genui-
namente ecumênica, visto que admitia
muçulmanos, judeus, católicos, protes-
tantes e ateus em seus cultos. Chegou ao
Brasil por volta de 1860, com os primei-
ros exemplares de “O Livro dos Espíritos”.
Teve, por meio da atuação de Bezerra de
Menezes e Chico Xavier, a oportunidade
de se popularizar pelo País.
Hoje o Brasil é quem mais reúne espíritas
em todo o mundo e, segundo o censo de
2010 do IBGE, são cerca de quatro mi-
lhões de adeptos. Ainda segundo o IBGE,
o espiritismo é uma das religiões que mais
cresce, sendo considerada uma doutrina
branca, escolarizada, cisgênera e heteros-
sexual.
Muito em virtude das características aci-
ma referidas, o movimento espírita brasi-
leiro tem protagonizado um dos maiores
retrocessos de sua história, aliando-se
com o que há de mais conservador, dog-
mático, retrógrado, intolerante e, infeliz-
mente, seguindo um caminho oposto
àquele de quando do seu desembarque.
Allan Kardec, discípulo de Pestalozzi e um
educador visionário, tinha um olhar pro-
gressista da justiça social. Defendia uma
educação gratuita de qualidade e a luta
pela emancipação das mulheres. Altruís-
ta, dotado de poderoso senso crítico e
espírito investigativo, estava sintonizado
com os debates filosóficos de seu tempo.
Poderíamos afirmar ousadamente que, se
Kardec vivesse nos dias de hoje, em vez de
“fora da caridade não há salvação”, teria
cunhado a expressão “fora da justiça soci-
al não há salvação”, muito mais ampla,
mais dialógica e mais próxima da noção
cristã de equidade.
Em tempos nebulosos como o atual, é
necessário defendermos o óbvio, dispu-
tando narrativas e retomando os passos
do mestre. Desta forma, nós, os espiritas
progressistas (há quem defenda que são
termos redundantes) temos a importante,
didática e amorosa tarefa de vencermos o
aspecto conservador que tem crescido no
Brasil e dentro das comunidades de fé –
ou puxado por elas.
O conservadorismo, ao ser guiado por
sensos de certo e errado tidos como abso-
lutos, é antagônico ao espiritismo. Nele,
não há espaço para o relativismo moral:
para o conservador, o fim jamais justifica
os meios.
Entre as principais características do pen-
samento conservador estão a atitude ne-
gativa em relação à mudança social, uma
visão desesperançada e pessimista da
natureza humana e a fé na correção moral
e política de atitudes e crenças.
Assim, é estranho constatar que boa parte
JUSTIÇA SOCIAL
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dos brasileiros defenda uma espiritualida-
de autêntica e, ao mesmo tempo, contente
-se em admirar ideologias que só servem
para atender a interesses materiais de
uma minoria, conservar a exclusão e con-
denar aqueles diferentes dos padrões ti-
dos como “corretos”.
Nossa luta por um movimento espírita
progressista afirma um profundo respeito
e um necessário compromisso em contri-
buir para se assegurar a dignidade de
todos, repudiando qualquer tipo de pre-
conceito e discriminação, dentro ou fora
das casas espíritas, que se utilizam de
argumentos pseudoespirituais (e pseudo-
científicos também) para oprimir, violen-
tar, excluir e estigmatizar.
O espiritismo pode ter um papel funda-
mental na superação das intolerâncias,
cumprindo sua missão de agente transfor-
mador, encampando discursos de acolhi-
mento e amor, respeitando a diversidade,
respeitando as orientações sexuais e iden-
tidade de gênero, combatendo o racismo,
o machismo e apoiando a luta de classes.
Agindo assim, estabeleceremos uma soci-
edade mais justa e mais diversa, uma casa
comum onde todos possam viver bem e
tenham acesso aos seus direitos, livres de
preconceitos e discriminações.
Kardec afirma na questão 803 do Livro do
Espíritos: “Todos os seres humanos são
iguais perante Deus? E a resposta é Sim,
todos tendem para o mesmo fim e Deus
fez as suas leis para todos/as. Dizeis fre-
quentemente: ‘O Sol brilha para todos/
as’, e com isso dizeis uma verdade maior e
mais geral do que pensais”.
Franklin Félix é um dos idealizadores
do Movimento de Espíritas pelos Direitos
Humanos. Escreve às segunda para a
Carta Capital. O texto foi originalmente
publicado em sua coluna e gentilmente
cedido pelo autor.
9
Na noite do dia 25.12.2016, o senhor Luiz
Carlos Ruas, 54, conhecido como “Índio”
e que trabalhava há 20 anos como vende-
dor na estação Pedro II, em São Paulo, foi
brutalmente assassinado nesse local por
dois homens que perseguiam um homos-
sexual e um travesti. Ao intervir na situa-
ção para protegê-los, Índio foi covarde-
mente espancado até à morte pela dupla.
Poderia ser só mais um homicídio a ser
contabilizado na Pátria da Violência. Mas
dessa vez não. Num país e num mundo
tão carentes de boas referências, Índio
nos deixou um exemplo de coragem em
tempos de covardia. Aliás, no vídeo que
registrou o seu espancamento, percebe-se
várias pessoas assistindo à cena e nenhu-
ma intervindo, ninguém ajudando. Ao
contrário, todas se afastam. 2000 anos
depois, a coragem de Jesus para intervir
em favor da mulher adúltera que seria
apedrejada continua significativa para
nós.
Segundo informações preliminares, um
dos autores do crime exibia, em seu perfil
nas redes sociais, uma foto com a camisa
de Jesus e outra foto com duas mãos uni-
das perfazendo a palavra Fé.
Isso era para ser uma estrondosa ironia.
Mas não é. Ao longo de milênios, Jesus
tem sido utilizado para justificar a violên-
cia e a morte, a opressão e a dominação, a
perseguição e o massacre. Isso continua a
todo o vapor, e os discursos e as práticas
de ódio e intolerância de setores políticos
e religiosos no Brasil têm feito o seu tra-
balho. Basta meia dúzia jogar as palavras-
chave para que uma multidão vá ao seu
encontro, mostrando que essa adesão
possui raízes profundas naquilo que efeti-
vamente somos.
E triste é ver que pessoas se usam do espi-
ritismo para fazer o mesmo: para separar
as pessoas, para diminuir a dignidade do
homossexual, para demonizar o travesti,
para culpar o pobre pela sua pobreza,
para espalhar o ódio e a cisão, a persegui-
ção e o açoite.
A questão é que Índio fez sua parte. Se-
gundo afirmam, era uma pessoa tranqui-
la, não se envolvia em confusão, trabalha-
va das 6 às 23 e vivia para o trabalho e a
família. Podia se achar quite para com
Deus, mas, mesmo assim, esteve do lado
de quem estava sendo pisoteado e humi-
lhado por uma sociedade estruturalmente
farisaica, violenta, desigual e injusta. Os
covardes também fizeram a sua parte, e
por isso o mataram ou foram cúmplices
de sua morte.
Mas quem encontrou um sentido para o
“Bem aventurados os que têm sede de
justiça” foi o Índio. Sua existência valeu à
pena num mundo onde ou se é quente ou
frio, nunca morno.
Parabéns, Índio. Certamente, você está
em paz e deve estar orgulhoso de si mes-
mo...
Para nós, para aqueles que querem o me-
lhor, você fica de exemplo e seu nome
será lembrado.
OBS: seria sensacional se os espíritas da
região descobrissem onde mora a família
do Índio e prestar auxílio moral, espiritu-
al, afetivo e financeiro. O que acham?
Raphael Faé é editor do Jornal Crítica
Espírita.
EMPATIA
Pátria da Violência
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