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Material: Ciências Sociais - 2011
1 – Introdução ao pensamento científico sobre o social
1.1 – O renascimento
Nesta unidade, vamos citar a contribuição de alguns filósofos para acompreensão das transformações sociais que culminaram o desenvolvimento do
capitalismo, que é o que pretendemos analisar no decorrer deste curso.
A partir do século XV significativas mudanças ocorrem na Europa, começa
uma nova era não só para a organização do trabalho, o conhecimento humano
também sofre modificações. O ser humano deixa de apenas explicar ou questionar
racionalmente a natureza, para se preocupar com a questão de como utilizá-la
melhor. Essa nova forma de conhecimento da natureza e da sociedade, na qual aexperimentação e a observação são fundamentais, aparece neste momento,
representada pelo pensamento de Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei (1564-
1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650).
O pensamento social do Renascimento se expressa na criação imaginária
de mundos ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo,
entretanto, que tal sociedade seria construída pelos homens com sua ação e não
pela crença ou pela fé.
Thomas Morus (1478-1535) em A Utopia defende a igualdade e a
concórdia. Concebe um modelo de sociedade no qual todos têm as mesmas
condições de vida e executam em rodízio os mesmos trabalhos.
Maquiavel em sua obra O Príncipe afirma que o destino da sociedade
depende da ação dos governantes. Analisa as condições de fazer conquistas,
reinar e manter o poder. A importância dessa obra reside no tratamento dado ao
poder, que passa a ser visto a partir da razão e da habilidade do governante para
se manter no poder, separando a análise do exercício do poder da ética.Segundo (COSTA: 2005,p.35) as idéias de Thomas Morus e Maquiavel
expressam os valores de uma sociedade em mudança, portadora de uma visão
laica* da sociedade e do poder.
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1.2. A ilustração e a sociedade contratual
Com a Ilustração*, as idéias de racionalidade e liberdade se convertem em
valores supremos. A racionalidade aqui é compreendida como a capacidade
humana de pensar e escolher. Liberdade significa que as relações entre os
homens deveriam ser pautadas na liberdade contratual, no plano político isto
significa a livre escolha dos governantes, colocando em xeque o poder dos
monarcas. Os filósofos iluministas concebiam a política como uma coletividade
organizada e contratual. O poder passa a ser visto como uma construção lógica e
jurídica.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em sua obra O contrato social, afirma
que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social, noconsentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades em favor de
toda a comunidade (COSTA: 2005, p. 48). Rousseau identificou na propriedade
privada a fonte das injustiças sociais e defendeu um modelo de sociedade
pautada em princípios de igualdade.
Diferentemente de Rousseau, John Locke (1632-1704) reconhecia entre os
direitos individuais e o respeito à propriedade. Defendia que os princípios deorganização social fossem codificados em torna de uma Constituição.
Concluímos que a sociologia pré-científica é caracterizada por estudos
sobre a vida social que não tinham como preocupação central conhecer a
realidade como ela era, e sim propor formas ideais de organização social. O
pensamento filosófico de então, já concebia diferenças entre indivíduo e
coletividade, e como afirma (COSTA:2005, p.49) “Mas, presos ainda ao princípio
da individualidade, esses filósofos entendiam a vida coletiva como a fusão de
sujeitos, possibilitada pela manifestação explícita das suas vontades”.
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1.3 – O pensamento científico sobre o Social;
A preocupação em conhecer e explicar os fenômenos sociais sempre foi
uma preocupação da humanidade. Porém a explicação com base científica,é fruto
da sociedade moderna, industrial e capitalista. A formação da Sociologia no século
XIX significou que o pensamento sobre o social se desvinculou das tradições
morais e religiosas. Como afirma (COSTA: 2005, p.18).
“Tornava-se necessário entender as bases da vida social humana e da
organização da sociedade, por meio de um pensamento que permitisse a
observação, o controle e a formulação de explicações plausíveis, que
tivessem credibilidade num mundo pautado pelo racionalismo”.
Augusto Comte (1798-1857) foi o autor que desenvolveu pelaprimeira vez, reflexões sobre o mundo social sob bases científicas. Em sua análise
sobre o mundo social, compreendia a sociedade como um grande organismo, no
qual cada parte possui uma função específica. O bom funcionamento do corpo
social depende da atuação de cada órgão.
Segundo Comte, ao longo da história a sociedade teria passado por
três fases: a teológica, a metafísica e a científica. Concebia a fase teológica como
aquela em que os homens recorriam à vontade de deus para explicar osfenômenos da natureza. A segunda fase, o homem já seria capaz de utilizar
conceitos abstratos, mas é somente na terceira base, que corresponde à
sociedade industrial, que o conhecimento passa a se pautar na descoberta de leis
objetivas que determinam os fenômenos.
Comte procurou estudar o que já havia sido acumulado em termos
de conhecimentos e métodos por outras ciências como a matemática, biologia,
física, para saber quais deles poderiam ser utilizados na sociologia.
O conhecimento sociológico permite ao homem transpor os limites de sua
condição particular para percebê-la como parte de uma totalidade mais ampla, que
é o todo social. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensável num mundo
que, à medida que cresce, mais diferencia e isola os homens e os grupos entre si.
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2 - Transformações sociais no século XVIII
O surgimento;Podemos entender a sociologia como uma das manifestações do
pensamento moderno. A evolução do pensamento científico, que vinha se
constituindo desde Copérnico, passa a cobrir, com a sociologia, uma nova área do
conhecimento ainda não incorporada ao saber científico, ou seja, o mundo social.
Surge posteriormente à constituição das ciências naturais e de diversas ciências
sociais.
A sua formação constitui um acontecimento complexo para o qual
concorrem uma constelação de circunstâncias, históricas e intelectuais, e
determinadas intenções práticas. O seu surgimento ocorre num contexto histórico
específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação dasociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista. A sua criação não é
obra de um único filósofo ou cientista, mas representa o resultado da elaboração
de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas
situações de existência que estavam em curso.
O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento
ocidental e para o surgimento da sociologia. As transformações econômicas,
políticas e culturais que se aceleram a partir dessa época colocarão problemas
inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no
ocidente europeu. A dupla revolução que este século testemunha - a industrial e a
francesa - constituía os dois lados de um mesmo processo, qual seja, a instalação
definitiva da sociedade capitalista. A palavra sociologia apareceria somente um
século depois, por volta de 1830, mas são os acontecimentos desencadeados
pela dupla revolução que a precipitam e a tornam possível.
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Não constitui objetivo desta parte do trabalho proceder a uma análise
destas duas revoluções, mas apenas estabelecer algumas relações que elas
possuem com a formação da sociologia. A revolução industrial significou algo mais
do que a introdução da máquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos
métodos produtivos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista, capitaneada
pelo empresário capitalista que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as
terras e as ferramentas sob o seu controle, convertendo grandes massas
humanas em simples trabalhadores despossuídos.
Cada avanço com relação à consolidação da sociedade capitalista
representava a desintegração, o solapamento de costumes e instituições até então
existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social. A utilização
da máquina na produção não apenas destruiu o artesão independente, quepossuía um pequeno pedaço de terra, cultivado nos seus momentos livres. Este
foi também submetido á uma severa disciplina, a novas formas de conduta e de
relações de trabalho, completamente diferentes das vividas anteriormente por ele.
Num período de oitenta anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia
mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com
uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se
concentravam suas nascentes indústrias, que espalharam produtos para o mundointeiro. Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para
os homens dessa época. A formação de uma sociedade que se industrializava e
urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da sociedade rural, a
destruição da servidão, o desmantelamento da família patricial etc. A
transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade
fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como
engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas,
sem férias e feriados, ganhando um salário de subsistência. Em alguns setores da
indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres
e crianças, que ganhavam salários inferiores dos homens.
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A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos
independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc, tiveram um
efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas
formas habituais de vida. Estas transformações, que possuíam um sabor de
cataclisma, faziam-se mais visíveis nas cidades industriais, local para onde
convergiam todas estas modificações e explodiam suas conseqüências. Estas
cidades passavam por um vertiginoso crescimento demográfico, sem possuir, no
entanto, uma estrutura de moradias, de serviços sanitários, de saúde, capaz de
acolher a população que se deslocava do campo. Manchester, que constitui um
ponto de referência indicativo desses tempos, por volta do início do século XIX era
habitada por setenta mil habitantes; cinqüenta anos depois, possuía trezentas mil
pessoas. As conseqüências da rápida industrialização e urbanização levadas acabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas: aumento
assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da
criminalidade, da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram
parte da população etc. É evidente que a situação de miséria também atingia o
campo, principalmente os trabalhadores assalariados, mas o seu epicentro ficava,
sem dúvida, nas cidades industriais.
Um dos fatos de maior importância relacionados com a revolução industrialé sem dúvida o aparecimento do proletariado e o papel histórico que ele
desempenharia na sociedade capitalista. Os efeitos catastróficos que esta
revolução acarretava para a classe trabalhadora levaram-na a negar suas
condições de vida. As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram
diversas fases, como a destruição das máquinas, atos de sabotagem e explosão
de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações
livres, formação de sindicatos etc. A conseqüência desta crescente organização
foi a de que os "pobres" deixaram de se confrontar com os "ricos"; mas uma
classe específica, a classe operária, com consciência de seus interesses,
começava a organizar-se para enfrentar os proprietários dos instrumentos de
trabalho. Nesta trajetória, iam produzindo seus jornais, sua própria literatura,
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procedendo a uma crítica da sociedade capitalista e inclinando-se para o
socialismo como alternativa de mudança.
Qual a importância desses acontecimentos para a sociologia? O que
merece ser salientado é que a profundidade das transformações em curso
colocava a sociedade num plano de análise, ou seja, esta passava a se constituir
em "problema", em "objeto" que deveria ser investigado. Os pensadores ingleses
que testemunhavam estas transformações e com elas se preocupam não eram, no
entanto, homens de ciência ou sociólogos que viviam desta profissão. Eram antes
de tudo homens voltados para a ação, que desejavam introduzir determinadas
modificações na sociedade. Participavam ativamente dos debates ideológicos em
que se envolviam as correntes liberais, conservadoras e socialistas. Eles não
desejavam produzir um mero conhecimento sobre as novas condições de vidageradas pela revolução industrial, mas procuravam extrair dele orientações para a
ação, tanto para manter, como para reformar ou modificar radicalmente a
sociedade de seu tempo. Tal fato significa que os precursores da sociologia foram
recrutados entre militantes políticos, entre indivíduos que participavam e se
envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades.
Pensadores como Owen (1771-1858), William Thompson (1775-1833),
Jeremy Bentham (1748-1832), só para citar alguns daquele momento histórico,podiam discordar entre si ao julgarem as novas condições de vida provocadas
peta revolução industrial e as modificações que deveriam ser realizadas na
nascente sociedade industrial, mas todos eles concordavam que ela produzira
fenômenos inteiramente novos que mereciam ser analisados. O que eles
refletiram e escreveram foi de fundamental importância para a formação e
constituição de um saber sobre a sociedade.
A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas
situações colocadas pela revolução industrial. Boa parte de seus temas de análise
e de reflexão foi retirada das novas situações, como, por exemplo, a situação da
classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações
tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica etc. É a formação de uma
estrutura social muito específica - a sociedade capitalista – que impulsiona uma
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reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus
antagonismos de classe. Não é por mero acaso que a sociologia, enquanto
instrumento de análise, inexistia nas relativamente estáveis sociedades pré-
capitalistas, uma vez que o ritmo e o nível das mudanças que aí se verificavam
não chegavam a colocar a sociedade como "um problema" a ser investigado.
O surgimento da sociologia, como se pode perceber, prende-se em parte
aos abalos provocados pela revolução industrial, pelas novas condições de
existência por ela criadas. Mas uma outra circunstância concorreria também para
a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de
pensamento. As transformações econômicas, que se achavam em curso no
ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar
modificações na forma de conhecera natureza e a cultura.A partir daquele momento, o pensamento paulatinamente vai renunciando a
uma visão sobrenatural para explicar os fatos e substituindo-a por uma indagação
racional. A aplicação da observação e da experimentação, ou seja, do método
científico para a explicação da natureza, conhecia uma fase de grandes
progressos. Num espaço de cento e cinqüenta anos, ou seja, de Copérnico a
Newton, a ciência passou por um notável progresso, mudando até mesmo a
localização do planeta Terra no cosmo.O emprego sistemático da observação e da experimentação como fonte
para a exploração dos fenômenos da natureza estava possibilitando uma grande
acumulação de fatos. O estabelecimento de relações entre estes fatos ia
possibilitando aos homens dessa época um conhecimento da natureza que lhes
abria possibilidade de a controlar e dominar.
O pensamento filosófico do século XVII contribuiu para popularizar os
avanços do pensamento científico. Para Francis Bacon (1561 - 1626), por
exemplo, a teologia deixaria de ser a forma norteadora do pensamento. A
autoridade, que exatamente constituía um dos alicerces da teologia, deveria, em
sua opinião, ceder lugar a uma dúvida metódica, a fim de possibilitar um
conhecimento objetivo da realidade. Para ele, o novo método de conhecimento,
baseado na observação e na experimentação, ampliaria infinitamente o poder do
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homem e deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade. Partindo
destas idéias, chegou a propor um programa para acumular os dados disponíveis
e com eles realizar experimentos a fim de descobrir e formular leis gerais sobre a
sociedade.
O emprego sistemático da razão, do livre exame da realidade - traço que
caracterizava os pensadores do século XVI I, os chamados racionalistas,
representou um grande avanço para libertar o conhecimento do controle teológico,
da tradição, da "revelação" e, conseqüentemente, para a formulação de uma nova
atitude intelectual diante dos fenômenos da natureza e da cultura.
Diga-se de passagem, que o progressivo abandono da autoridade, do
dogmatismo e de uma concepção providencial ista, enquanto atitudes intelectuais
para analisar a realidade, não constituía um acontecimento circunscrito apenas aocampo científico ou filosófico. A literatura do século XVII, por exemplo, constituía
uma outra área que ia se afastando do pensamento oficial, na medida em que se
rebelava contra a criação literária legitimada pelo poder. A obra de vários literatos
dessa época investia contra as instituições oficiais, procurando desmascarar os
fundamentos do poder político, contribuindo assim para a renovação dos
costumes e hábitos mentais dos homens da época.
Se no século XVIII os dados estatísticos voavam indicando umaprodutividade antes desconhecida, o pensamento social deste período também
realizava seus vôos rumo a novas descobertas. A pressuposição de que o
processo histórico possui uma lógica passível de ser apreendida constituiu um
aconteci mento que abria novas pistas para a investigação racional da sociedade.
Este enfoque, por exemplo estava na obra de Vico (1668 - 1744), para o qual é o
homem quem produz a história. Apoiando-se nesse ponto de vista, afirmava que a
sociedade podia ser compreendida porque, ao contrário da natureza, ela constitui
obra dos próprios indivíduos. Essa postura diante da sociedade, que encontra em
Vico um de seus expoentes, influenciou os historiadores escoceses da época,
como David Hume (1711-1776) e Adam Ferguson (1723-1816), e seria
posteriormente desenvolvida e amadurecida por Hegel e Marx.
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Data também dessa época a disposição de tratar a sociedade a partir do
estudo de seus grupos e não dos indivíduos isolados. Essa orientação estava, por
exemplo, nos trabalhos de Ferguson, que acrescentava que para o estudo da
sociedade era necessário evitar conjecturas e especulações. A obra deste
historiador escocês revela a influência de algumas idéias de Bacon, como a de
que ë a indução, e não a dedução, que nos revela a natureza do mundo, e a
importância da observação enquanto instrumento para a obtenção do
conhecimento.
No entanto, é entre os pensadores franceses do século XVIII que
encontramos um grupo de filósofos que procurava transformar não apenas as
velhas formas de conhecimento, baseadas na tradição e na autoridade, mas a
própria sociedade. Os iluministas, enquanto ideólogos da burguesia, que nestaépoca posicionava-se de forma revolucionária, atacaram com veemência os
fundamentos da sociedade feudal, os privilégios de sua classe dominante e as
restrições que esta impunha aos interesses econômicos e políticos da burguesia.
A intensidade do conflito entre as classes dominantes da sociedade feudal
e a burguesia revolucionária que leva os filósofos, seus representantes
intelectuais, a atacarem de forma impiedosa a sociedade feudal e a sua estrutura
de conhecimento, e a negarem abertamente a sociedade existente.Para proceder a uma indagação crítica da sociedade da época, os
iluministas partiram dos seus antecessores do século XVII, como Descartes,
Bacon, Hobbes e outros, reelaborando, porém, algumas de suas idéias e
procedimentos. Ao invés de utilizar a dedução, como a maioria dos pensadores do
século XVII, os iluministas insistiam numa explicação da realidade baseada no
modelo das ciências da natureza. Nesse sentido, eram influenciados mais por
Newton, com seu modelo de conhecimento baseado na observação, na
experimentação e na acumulação de dados, fio que por Descartes, com seu
método de investigação baseado na dedução.
Influenciado por esse estado de espírito, Condorcet (1742-1794), por
exemplo, desejava aplicar os métodos matemáticos ao estudo dos fenômenos
sociais, estabelecendo uma área própria de investigação a que denominava
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"matemática social". Admitia-o que, utilizando os mesmos procedimentos das
ciências naturais para o estudo da sociedade, este poderia atingir a mesma
precisão de vocabulário e exatidão de resultados obtidas por aqueles.
Combinando o uso da razão e da observação, os iluministas analisaram
quase todos os aspectos da sociedade. Os trabalhos de Montesquieu (1689-
1755), por exemplo, estabelecem uma série de observações sobre a população, o
comércio, a religião, a moral, a família etc. O objetivo dos iluministas, ao estudar
as instituições de sua época, era demonstrar que elas eram irracionais e injustas,
que atentavam contra a natureza dos indivíduos e, nesse sentido, impediam a
liberdade do homem. Concebiam o indivíduo como dotado de razão, possuindo
uma perfeição inata e destinado à liberdade e à igualdade social. Ora, se as
instituições existentes constituíam um obstáculo à liberdade do indivíduo e à suaplena realização, elas, segundo eles, deveriam ser eliminadas. Dessa forma
reivindicavam a liberação do indivíduo de todos os laços sociais tradicionais, tal
como as corporações, a autoridade feudal etc.
Procedendo desta forma, os iluministas conferiam uma clara dimensão
crítica e negadora ao conhecimento, pois este assumia a tarefa não só de
conhecer o mundo natural ou social tal como se apresentavam, mas também de
criticá-lo e rejeitá-lo. O conhecimento da realidade e a disposição de transformá-laeram, portanto, uma só coisa. A filosofia, de acordo com esta concepção, não
constituía um mero conjunto de noções abstratas distante e à margem da
realidade, mas, ao contrário, um valioso instrumento prático que criticava a
sociedade presente, vislumbrando outras possibilidades de existência social além
das existentes.
O visível progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de
produzir e viver, contribuía para afastar interpretações baseadas em superstições
e crenças infundadas, assim como abria um espaço para a constituição de um
saber sobre os fenômenos histórico-sociais. Esta crescente racionalização da vida
social, que gerava um clima propício à constituição de um estudo científico da
sociedade, não era, porém, um privilégio de filósofos e homens que se dedicavam
ao conhecimento. O "homem comum" dessa época também deixava, cada vez
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mais, de encarar as instituições sociais, as normas, como fenômenos sagrados e
imutáveis, submetidos a forças sobrenaturais, passando a percebê-las como
produtos da atividade humana, portanto passíveis de serem conhecidas e
transformadas.
A intensidade da crítica às instituições feudais levada a cabo pelos
iluministas constituía indisfarçável indício da virulência da luta que a burguesia
travava no plano político contra as classes que sustentavam a dominação feudal.
Na França, o conflito entre as novas forças sociais ascendentes chocava-se com
uma típica monarquia absolutista, que assegurava consideráveis privilégios a
aproximadamente quinhentas mil pessoas, isso num país que possuía ao final do
século XVIII uma população de vinte e três milhões de indivíduos. Esta camada
privilegiada não apenas gozava de isenção de impostos e possuía direitos parareceber tributos feudais, mas impedia ao mesmo tempo a constituição de livre-
empresa, a exploração eficiente da terra e demonstrava-se incapaz de criar uma
administração padronizada através de uma política tributária racional e imparcial.
A burguesia, ao tomar o poder em 1789, investiu decididamente contra os
fundamentos da sociedade feudal, procurando construir um Estado que
assegurasse sua autonomia em face da Igreja e que protegesse e incentivasse a
empresa capitalista. Para a destruição do "ancien régime", foram mobilizadas asmassas, especialmente os trabalhadores pobres das cidades. Alguns meses mais
tarde, elas foram "presenteadas", pela nova classe dominante, com a interdição
dos seus sindicatos.
A investida da burguesia rumo ao poder, sucedeu-se uma liquidação
sistemática do velho regime. A revolução ainda não completara um ano de
existência, mas fora suficientemente intempestiva para liquidar a velha estrutura
feudal e o Estado monárquico.
O objetivo da revolução de 1789 não era apenas mudar a estrutura do
Estado, mas abolir radicalmente a antiga forma de sociedade, com suas
instituições tradicionais, seus costumes e hábitos arraigados, e ao mesmo tempo
promover profundas inovações na economia, na política, na vida cultural etc. É
dentro desse contexto que se situam a abolição dos grêmios e das corporações e
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a promulgação de uma legislação que limitava os poderes patriarcais na família,
coibindo os abusos da autoridade do pai, forçando-o a uma divisão igualitária da
propriedade. A revolução desferiu também seus golpes contra a Igreja,
confiscando suas propriedades, suprimindo os votos monásticos e transferindo
para o Estado as funções da educação, tradicionalmente controladas pela Igreja.
Investiu contra e destruiu os antigos privilégios de classe, amparou e incentivou o
empresário.
O impacto da revolução foi tão profundo que, passados quase setenta anos
do seu triunfo, Alexis de Tocqueville, um importante pensador francês, referia-se a
ela da seguinte maneira:
"A Revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo a cabeça do
monstro, descobre-se que, após ter destruído as instituições políticas ela suprimeas instituições civis e muda, em seguida, as leis, os usos, os costumes e até a
língua; após ter arruinado a estrutura do governo, mexe nos fundamentos da
sociedade e parece querer agredir até Deus; quando esta mesma Revolução
expande-se rapidamente por toda a parte com procedimentos desconhecidos,
novas táticas, máximas mortíferas, poder espantoso que derruba as barreiras dos
impérios, quebra coroas, esmaga povos e - coisa estranha - chega ao mesmo
tempo a ganhá-los para a sua causa; à medida que todas estas coisas explodem,o ponto de vista muda. O que à primeira vista parecia aos príncipes da Europa e
aos estadistas um acidente comum na vida dos povos, tornou-se um fato novo, tão
contrário a tudo que aconteceu antes no mundo e no entanto tão geral, tão
monstruoso, tão incompreensível que, ao apercebê-lo, o espírito fica como que
perdido".
O espanto de Tocqueville diante da nova realidade inaugurada pela
revolução francesa seria compartilhado também por outros intelectuais do seu
tempo. Durkheim, por exemplo, um dos fundadores da sociologia, afirmou certa
vez que a partir do momento em que "a tempestade revolucionária passou,
constituiu-se como que por encanto a noção de ciência social". O fato é que
pensadores franceses da época, como Saint-Simon, Comte. Le Play e alguns
outros, concentrarão suas reflexões sobre a natureza e as conseqüências da
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revolução. Em seus trabalhos, utilizarão expressões como "anarquia",
"perturbação", "crise", "desordem", para julgar a nova realidade provocada pela
revolução. Nutriam em geral esses pensadores um certo rancor pela revolução,
principalmente por aquilo que eles designavam como "os seus falsos dogmas",
como o seu ideal de igualdade, de liberdade, e a importância conferida ao
indivíduo em face das instituições existentes.
A tarefa que esses pensadores se propõem é a de racionalizar a nova
ordem, encontrando soluções para o estado de "desorganização" então existente.
Mas para restabelecer a "ordem e a paz", pois é a esta missão que esses
pensadores se entregam, para encontrar um estado de equilíbrio na nova
sociedade, seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos
sociais, instituindo, portanto uma ciência da sociedade.A verdade é que a burguesia, uma vez instalada no poder, se assusta com
a própria revolução. Uma das facções revolucionárias, por exemplo, os jacobinos,
estava disposta a aprofundá-la, radicalizando-a e levando-a até o fim, situando-a
além do projeto e dos interesses da burguesia. Para contornar a propagação de
novos surtos revolucionários, enquanto estratégia para modificação das
sociedades, seria necessário, de acordo com os interesses da burguesia, controlar
e neutralizar novos levantes revolucionários. Nesse sentido, era de fundamentalimportância proceder a modificações substanciais em sua teoria da sociedade.
A interpretação crítica e negadora da realidade, que constituiu um dos
traços marcantes do pensamento iluminista e alimentou o projeto revolucionário da
burguesia, deveria de agora em diante ser "superada" por uma outra que
conduzisse não mais à revolução, mas à "organização", ao "aperfeiçoamento" da
sociedade. Saint-Simon, de uma maneira muito explícita, afirmaria a este respeito
que "a filosofia do último século foi revolucionária; a do século XX deve ser
reorganizadora". A tarefa que os fundadores da sociologia assumem é, portanto, a
de estabilização da nova ordem. Comte também é muito claro quanto a essa
questão. Para ele, a nova teoria da sociedade, que ele denominava de "positiva",
deveria ensinar os homens a aceitar a ordem existente, deixando de lado, a sua
negação.
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A França, no início do século XIX, ia se tornando visivelmente uma
sociedade industrial, com uma introdução progressiva da maquinaria,
principalmente no setor têxtil. Mas o desenvolvimento acarretado por essa
industrialização causava aos operários franceses miséria e desemprego. Essa
situação logo encontraria resposta por parte da classe trabalhadora. Em 1816-
1817 e em 1825-1827, os operários destroem as máquinas em manifestações de
revolta. Com a industrialização da sociedade francesa, conduzida pelo empresário
capitalista, repetem-se determinadas situações sociais vividas pela Inglaterra no
início de, sua revolução industrial. Eram visíveis, a essa época, a utilização
intensiva do trabalho barato de mulheres e crianças, uma desordenada migração
do campo para a cidade, gerando problemas de habitação, de higiene, aumento
do alcoolismo e da prostituição, alta taxa de mortalidade infantil etc.A partir da terceira década do século XIX, intensificam-se na sociedade
francesa as crises econômicas e as lutas de classes. A contestação da ordem
capitalista, levada a cabo pela classe trabalhadora, passa a ser reprimida com
violência, como em 1848, quando a burguesia utiliza os aparatos do Estado, por
ela dominado, para sufocar as pressões populares. Cada vez mais ficava claro
para a burguesia e seus representantes intelectuais que a filosofia iluminista, que
passava a ser designada por eles como "metafísica", "atividade críticainconseqüente", não seria capaz de interromper aquilo que denominavam estado
de "desorganização", de "anarquia política" e criar uma ordem social estável.
Determinados pensadores da época estavam imbuídos da crença de que
para introduzir uma "higiene" na sociedade, para "reorganizá-la", seria necessário
fundar uma nova ciência. Durkheim, ao discutir a formação da sociologia na
França do século XIX, refere-se a Saint-Simon da seguinte forma:
"O desmoronamento do antigo sistema social, ao instigar a reflexão à busca
de um remédio para os males de que a sociedade padecia, incitava-o por isso
mesmo a aplicar-se às coisas coletivas. Partindo da idéia de que a perturbação
que atingia as sociedades européias resultava do seu estado de desorganização
intelectual, ele entregou-se à tarefa de pôr termo a isto. Para refazer uma
consciência nas sociedades, são estas que importa, antes de tudo, conhecer. Ora,
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esta ciência das sociedades, a mais importante de todas, não existia; era
necessário, portanto, num interesse prático, fundá-la sem demora".
Como se percebe pela afirmação de Durkheim, esta ciência surge com
interesses práticos e não "como que por encanto", como certa vez afirmara.
Enquanto resposta intelectual à "crise social" de seu tempo, os primeiros
sociólogos irão revalorizar determinadas instituições que segundo eles
desempenham papéis fundamentais na integração e na coesão da vida social. A
jovem ciência assumia como tarefa intelectual repensar o problema da ordem
social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a família, a
hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da
sociedade. Assim, por exemplo, Le Play (1806-1882) afirmaria que é a família e
não o indivíduo isolado que possuía significação para uma compreensão dasociedade, pois era uma unidade fundamental para a experiência do indivíduo e
elemento importante para o conhecimento da sociedade. Ao realizar um vasto
estudo sobre as famílias de trabalhadores, insistia que estas, sob a
industrialização, haviam se tornado descontínuas, inseguras e instáveis. Diante de
tais fatos, propunha como solução para a restauração de seu papel de "unidade
social básica" a reafirmação da autoridade do "chefe de família", evitando a
igualdade jurídica de homens e mulheres, delimitando o papel da mulher àsfunções exclusivas de mãe, esposa e filha.
Procedendo dessa forma, ou seja, tentando instaurar um estado de
equilíbrio numa sociedade cindida pelos conflitos de classe, esta sociologia inicial
revestiu-se de um indisfarçável conteúdo estabilizador, ligando-se aos movimentos
de reforma conservadora da sociedade.
Na concepção de um de seus fundadores, Comte, a sociologia deveria
orientar-se no sentido de conhecer e estabelecer aquilo que ele denominava leis
imutáveis da vida social, abstendo-se de qualquer consideração crítica, eliminando
também qualquer discussão sobre a realidade existente, deixando de abordar, por
exemplo, a questão da igualdade, da justiça, da liberdade. Vejamos como ele a
define e quais objetivos deveria ela perseguir, na sua concepção:
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"Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos
fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que são considerados os
fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, submetidos aleis
invariáveis, cuja descoberta é o objetivo de suas pesquisas. Os resultados de suas
pesquisas tornam-se o ponto de partida positivo dos trabalhos do homem de
Estado, que só tem, por assim dizer, como objetivo real descobrir e instituir as
formas práticas correspondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar ou
pelo menos mitigar, quanto possível, as crises mais ou menos graves que um
movimento espontâneo determina, quando não foi previsto. Numa palavra, a
ciência conduz à previdência, e a previdência permite regular a ação".
Não deixa de ser sugestivo o termo "física social", utilizado por Comte para
referir-se à nova ciência, uma vez que ele expressa o desejo de construí-la a partirdos modelos das ciências físico-naturais. A oficialização da sociologia foi portanto
em larga medida uma criação do positivismo, e uma vez assim constituída
procurará realizar a legitimação intelectual do novo regime. Esta sociologia de
inspiração positivista procurará construir uma teoria social separada não apenas
da filosofia negativa, mas também da economia política como base para o
conhecimento da realidade social. Separando a filosofia e a economia política,
isolando-as do estudo da sociedade, esta sociologia procura criar um objetoautônomo, "o social", postulando uma independência dos fenômenos sociais em
face dos econômicos.
Não será esta sociologia, criada e moldada pelo espírito positivista, que
colocará em questão os fundamentos da sociedade capitalista, já então
plenamente configurada. Também não será nela que o proletariado encontrará a
sua expressão teórica e a orientação para suas lutas práticas. É no pensamento
socialista, em seus diferentes matizes, que o proletariado, esse rebento da
revolução industrial, buscará seu referencial teórico para levar adiante as suas
lutas na sociedade de classes. É neste contexto que a sociologia vincula-se ao
socialismo e a nova teoria crítica da sociedade passa a estar ao lado dos
interesses da classe trabalhadora.
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Envolvendo-se desde o seu início nos debates entre as classes sociais, nas
disputas e nos antagonismos que ocorriam no interior da sociedade, a sociologia
sempre foi algo mais do que mera tentativa de reflexão sobre a moderna
sociedade. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um desejo de
interferir no rumo desta civilização, tanto para manter como para alterar os
fundamentos da sociedade que a impulsionaram e a tornaram possível.
Revolução Francesa e Revolução Industrial
I) Revolução Francesa
• Revolução com mudanças nas idéias
• datação: 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799
• “A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-
democrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande
exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os
códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico
de medidas para a maioria dos paises” .
• Crise no velho regime de governo, que era estabelecido em monarquias e
privilégios de classes.• Ocorreu na França, que era o país mais populoso e poderoso da Europa
na época. Foi uma revolução social de massa com um caráter radical.
• Revolução Francesa tinha ideais que eram de âmbito global e não local,
como fora a Revolução americana.
• Conflito entre as estruturas das velhas e aristocráticas monarquias
absolutas e as novas forças sociais ascendentes (comerciantes e pequenos
industriais)
• França pré-revolucionária dividida em classes:
Nobreza: Primeiro estado (status). Gozavam de privilégios especiais, como
a isenção de impostos e direito a títulos feudais. Dentro dela havia a pequena
nobreza, mais recente e criada por meio de compra de títulos. Nobres não podiam
exercer um ofício ou profissão. Nobres começavam a se empobrecer na França,
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devido às inflações constantes, dificuldade de obter dinheiro com pensões,
presentes e casamentos, aumento com os gastos para manter seu status de
nobre. Nobres empobrecidos conseguiam dinheiro extorquindo o campesinato.
Clero: Segundo estado (status). Divido em alto clero e baixo clero.
Campesinato: Formava o Terceiro Estado cerca de 80% dos franceses.
Pagavam tributos medievais, dízimos e taxas. Não conseguiam extrair da terra
excedente para conseguir vender. Inflação diminuía o pouco lucro.
Classe média (comerciantes, capitalistas, advogados), povo (pequenos
lojistas, artesãos, trabalhadores pobres, famintos – conhecidos como os
sansculottes): também faziam parte do Terceiro Estado. Tudo o que não era
nobreza e clero, fazia parte do terceiro estado. O terceiro estado representava
95% da população francesa.• Monarquia. Grandes gastos com luxo, porém os gastos com o
financiamento da guerra americana e com a dívida advinda desta foram os fatores
que mais abalaram a economia francesa na época.
• Revolução não teve grandes líderes, partido ou movimento organizado.
Consenso de idéias gerais da Revolução Francesa dado pela burguesia, que
tinham idéias baseadas no liberalismo clássico (de filósofos e economistas).
Difusão das idéias pela maçonaria e associações informais• Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1789. Declaração que
expressa os interesses burgueses como: propriedade privada, igualdade dos
homens perante a lei. Busca de um constitucionalismo, com um “Estado secular
com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de
contribuintes e proprietários” . Fonte da soberania da nação não é o rei, mas sim o
povo. Segundo a Declaração o Direito passa a não ser mais o direito divino, mas
sim o direito constitucional e o soberano deve cumprir essas regras.
• Crise econômica na França pré-revolucionária. Sobe o custo de vida,
diminuição dos postos de trabalho. Convocação dos Estados Gerais para votação.
Terceiro Estado é o que tinha mais pessoas em número, porém não tinha a
mesma representação, pois os votos da nobreza e do clero, tinham mais peso por
um número menor de pessoas.
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• Queda da Bastilha, uma prisão estatal que simbolizava a autoridade real.
Queda de um símbolo. 14 julho de 1789
• Revoluções campesinas
• Elimina-se os impostos medievais. Terceiro Estado, na parte aristocrática,
assume os rumos da França. Problemas com a votação e a representatividade.
Monarquia derrubada, rei morto. França se torna uma república.
• A revolução Francesa teve diversas fases: Início, Fase da Gironda, Fase
do Terror
• Filmes indicados: Maria Antonieta, Danton: o processo da revolução, A
marselhesa: crônica da Revolução Francesa
II) Revolução Industrial
• Revolução com mudanças na economia
• Não se trata propriamente de uma revolução, mas de um processo de
industrialização.
• Nome foi cunhado com base na Revolução Francesa
• Datação aproximada: 1780-1840
• Inicio na Grã-Bretanha• Desenvolvimento tecnológico e científico não foi o que moveu
primeiramente a industrialização britânica
• Invenções modestas, com aprimoramentos simples nas máquinas já
existentes, melhoraram a produção. Aprimoramento feito muitas vezes por
artesões. Máquinas eram fáceis de instalar e relativamente baratas, especialmente
as ligadas à indústria têxtil.
• Artesãos independentes, antigos camponeses trabalhavam a matéria
prima nas próprias casas, que depois levavam isso as fábricas. Isso era chamado
de sistema doméstico de produção. Esse sistema começou a decair com a
expansão do método industrial. Pequenos artesões que utilizavam do sistema
antigo começaram perder espaço e a se revoltar quebrando máquinas.
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• Agricultura também estava preparada para suportar as exigências da
industrialização.
• Indústria têxtil conseguia matéria prima do exterior, em que o algodão era
explorado através da escravidão.
• Comércio na Revolução Industrial não buscava só um mer cado interno,
mas sim externo. Busca não só produzir para o local, mas sim exportar. Inglaterra
exportava para América Latina, Índia
• Acúmulo de investimentos pelos comerciantes
• Paises da Europa também possuíam indústrias e maquinaria
especializada, porém somente a Inglaterra realizou uma Revolução Industrial
• Inglaterra tinha economia forte e Estado
• Pequena burguesia e artesões começam a perder a condição de comprar máquinas e essas passam a ser propriedade de alguns ricos industriais
• Ciclo comercial de boom e depressão. Diminuição da taxa de lucro. Crises
que afetavam os empregos.
• Mecanização da indústria faz com que menos pessoas estejam
empregadas e com menos qualificação profissional, uma vez que a maquinaria
pode suprir a especialização (trabalho de mulheres e crianças). Os salários
também são ruins, o que possibilita mais lucros aos capitalistas• Quando a taxa de lucro diminuía, os capitalistas cortavam custos, em
especial os custos dos salários. Custos cortados pela diminuição dos
trabalhadores e também pela substituição dos trabalhadores mais caros e
qualificados.
• Indústria mais pesada, como as metalúrgicas, somente foram
desenvolvidas no curso da Revolução Industrial. Precisavam de pesados
investimentos à longo prazo.
• Mineração se desenvolveu largamente na Grã-Bretanha. Estimulou a
criação das ferrovias. Máquinas a vapor para transporte. Novo meio de transporte
para o escoamento de mercadorias para exportação. Diminuição do custo do
transporte terrestre.
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• Acumulação de capital das classes ricas permitiu um investimento nas
ferrovias, que eram uma construção cara.
• Enquanto crescia o acúmulo de capital de uma classe rica e média que
investia em indústrias, prédios, etc., crescia também a quantidade de famintos.
• Classe média vai colocar seus investimentos em investimentos
estrangeiros. Empréstimos aos sul-americanos e norte-americanos.
• A Revolução Industrial foi possível graças ao aumento da população em
geral, da migração da população do campo para a cidade e da possibilidade de
alimentar mais pessoas na cidade com menos pessoas trabalhando no campo
(possibilitado pela revolução agrícola)
• Novo ritmo de trabalho. Trabalhador passa a trabalhar muito para
conseguir dinheiro para sobreviver. Emprego de mulheres e crianças, por seremtrabalhadores mais dóceis e mais baratos. Utilização do subempregador.
Condições precárias de vida, higiene e saúde dos trabalhadores.
• Filmes indicados: Tempos Modernos, Germinal, Daens: um grito de justiça
Obs: os pontos destacados nesse roteiro têm como base o livro de
Hobsbawm, porém há uma enorme bibliografia sobre os dois temas, que podem
ser vistos de múltiplos ângulos e foram estudadas pelos melhores historiadores. O
objetivo do curso é apresentar para o aluno alguma noção da Revolução Francesae da Revolução Industrial, para poder entender as teorias sociológicas.
Bibliografia.
HOBSBAWM. A era das revoluções (1789-1849). 9 ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1996.
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3- As principais contribuições do pensamento sociológico clássico:
Saint-Simon: O precursor moderno da sociologia
Uma das ocupações originais da Sociologia foi relativa aos conflitos entre
as classes sociais. As freqüentes crises no âmbito das relações econômicas e asincompatibilidades decorrentes das transformações provocadas pela Revolução
Industrial engendraram preocupações nos estudiosos voltadas para o
entendimento do processo desses conflitos, compreensão que seria voltada para a
tentativa de soluções que não implicassem a transformação essencial do sistema
econômico e social recém-estabelecido na Europa. Essas circunstâncias vieram:
“possibilitar uma nova forma de pensar, que se caracterizou como
positivismo, cuja preocupação básica consistiu na tentativa de organização e
reestruturação da sociedade, buscando a preservação e manutenção da nova
ordem capitalista” (Bedone, 1989:29)
Está dada a conjuntura histórico-política que abriu espaço para a atuação
intelectual do pensador que foi o precursor moderno da Sociologia Claude-Henri
de Rouvroy, Conde de Sant-Simon (1760-1825), contava com 29 anos no
momento da eclosão da Revolução Francesa e viveu, em sua vida pessoal, a
transformação política que acontecia com o fim do Antigo Regime e a ascensão da
burguesia. Rompeu com sua condição nobilitaria aos 40 anos, pregando o fimabsoluto dos resquícios da sociedade feudal, no momento em que vivia intensa
inquietação intelectual motivada por seu encontro com a racionalidade cientifica.
Seu pensamento, que foi influenciado pelas idéias revolucionárias
burguesas e pelo aparato teórico desenvolvido pelos filósofos iluministas, pode ser
considerado como um ponto de partida de duas formas opostas de compreensão
da sociedade: a positivista e a socialista. Uma das temáticas centrais de sua obra
decorreu de sua crença de que, na nova sociedade que nascia, a racionalidade
econômica burguesa suplantaria a dominação política da nobreza, ensejando a
eliminação definitiva da antiga ordenação social oriunda do feudalismo. O motor
dessa racionalidade era, para ele, a industria, ou o que ele chamou de sistema
industrial, Sua profissão de fé criou doutrina e fez seguidores: ela, o industrialismo:
eles, os saint-simonistas.
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Os princípios industrialistas eram tecnocráticos e fundamentados no
esclarecimento motivado pela razão científica. Considerando a nação uma oficina
produtiva que anulava as antigas distinções originadas pela condição do
nascimento, ressaltava, em outra medida, as diferenças de capacidade entre os
integrantes dessa fábrica social. Para a indústria, não interessava a origem
familiar de sua mão-de-obra, mas interessava muito sua estratificação a partir de
diferentes capacitações e qualificações. Na compreensão de Sant-Simon, a
sociedade industrial conquistaria algo inédito para a humanidade: transformar a
natureza de forma ordeira e pacífica, de modo que os frutos do progresso obtido
pelo avanço da produção pudessem assegurar a todos os seus membros a cabal
satisfação de suas necessidades materiais e espirituais.
Esse sistema positivo deveria ser comandado por uma elite de substratointelectual e econômico, os cientistas e os industriais, a quem caberia a
responsabilidade de prover condições convenientes de vida á classe trabalhadora,
por meio da elaboração de normas justas de comportamento coletivo e pela
remuneração adequada, de maneira que os conflitos entre as classes pudessem
ser atenuados, propiciando, pela acomodação, a vivência plena da ordem, da paz
e do progresso. A não-concretização desses preceitos, por parte do processo real
de desenvolvimento que ocorria nessa fase do capitalismo, arrefeceu os ânimosindustrialistas de Saint-Simon no fim de sua vida. A continuidade da miséria, que
atingia de modo atroz a classe trabalhadora, aproximou-o da nascente visão
socialista, a ponto de alguns o considerarem um de seus primeiro formuladores.
A concepção de sociedade desse pensador determina o peso da influência
que ele exerceu sobre a primeira das sociologias clássicas, a positivista. Para
Saint-Simon (1966, t, 5:177-179);
“a sociedade não é uma simples aglomeração de seres vivos (...); pelo
contrária, é uma verdadeira máquina organizada, cujas partes, todas elas,
contribuem de uma maneira diferente para o avanço do conjunto. A reunião dos
homens constitui um verdadeira SER, cuja existência é mais ou menos vigorosa
ou claudicante, conforme seus órgãos desempenhem mais ou menos
regularmente as funções que lhes são confiadas”;
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AUGUSTE COMTE: O pensamento positivista e as relações sociais
O positivismo voltado para a análise social teve em Auguste Comte (1798-
1857) um dos principais formuladores. Ele foi assistente de Saint-Simon e
construiu sua obra a partir do embasamento teórico vindo das idéias simonianas,
conferindo-lhes um corpo sistematizado que o primeiro não logrou organizar.
Comte iniciou suas reflexões partindo da realidade histórica de seu tempo,
percebendo a emergência de uma crise, a seu ver, resultante do confronto
histórico entre a antiga ordem feudal e a nova ordem capitalista, fundada na
indústria e na ciência. Esse confronto estaria a provocar o que ele entendeu como
desagregação moral e intelectual da sociedade do século XIX, gerando um estadode caos, no qual ele acreditava encontrar-se a Europa após as revoluções
francesa e industrial.
Para ele, o sustentáculo fundamental da sociabilidade humana, ponto de
apoio para a unidade social, era constituído por um conjunto de princípios
admitidos em consenso pela coletividade, que configuravam os modos de pensar,
as representações de mundo e as crenças. Era esse conjunto consensual que se
desagregava diante do surgimento da nova ordem social burguesa. Essa crise sóseria superada por meio da construção de uma nova coesão de pensamento que
fosse capaz de reconstituir a ordem a partir da modernização industrial e cientifica.
O que Comte propôs não se limitava ao ato de compreender as relações sociais,
seu intuito era entender para interferir diretamente na ordem social, no sentido de
acelera e otimizar seu desenvolvimento.
Ele acreditava que o espírito conquistado recentemente pela sociedade
industrial levaria sua reorganização em novas bases consensuais. Por isso, ligou a
nova ciência como Sociologia, ao positivismo, denominando-a de Física-social.
Em sua concepção, essa disciplina deveria adotar os paradigmas do método
positivo das ciências naturais, uma vez que “há leis tão determinadas para o
desenvolvimento da espécie humana como há para a queda de uma pedra”.
Comte aceitava plenamente os pontos de vista mecanicistas e reducionistas da
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física newtoniana como modelos capazes de promover a descrição correta da
realidade social, por isso os adotou como fundamentos para suas teorias. Assim, o
surgimento da Física-social não significava apenas uma adoção do método
positivo a um novo ramo de conhecimento. Com ela, o espírito positivo deveria
alcançar a maturidade e oferecer os elementos fundadores da formação do
espírito da nova ordem burguesa.
Assim como Saint-Simon, Comte admitia que a sociedade industrial
necessitava passar por mudanças morais importantes para que seu curso fosse
reajustado na direção correta. Essas mudanças seriam comandadas também
pelos cientistas e industriais, para que o progresso pudesse ter livre fluxo, como
conseqüência da ordem instalada. A Sociologia, ao estudar, explicar e intervir nos
fatos da sociedade seria o elo cientifica que ligaria a ordem da sociedade aoprogresso em curso contínuo.
Comte estruturou seu pensamento a partir de uma Filosofia da História
peculiar. Em sua visão, os estudos sobre a fisiologia cerebral do homem
revelavam que este era dotado de uma natureza caracterizada por uma irresistível
tendência social. Devido a tal sociabilidade, sua historia constituiria no percurso do
desenvolvimento e do progresso da natureza humana. O homem seria, portanto,
um ser histórico porque na Historia, e apenas nela, é que ele relizaria sua naturezinvariável: ser social. Para que se desenvolvesse completamente, a sociedade
deveria passar por três estágios, ou estados, necessários para que o homem
aprendesse a utilizar sua inteligência (razão) como fonte inspiradora de suas
ações. Estava estabelecida a primeira lei natural da humanidade, definida pela
física-social: a chamada lei dos três estados.
Segundo essa lei, o primeiro estado da humanidade foi definido como
teológico. Nele seria o centro de todas as referências humanas, a medida de tudo
na sociedade. Nesse estágio, o homem viveria em um estado de aculturação
ainda incipiente, que justificaria sua íntima ligação com a divindade. Deus seria o
regente da vida social, e o homem a ele diretamente vinculado, fosse por meio da
relação direta ou pela mediação do Estão teocrático. Essa concepção teocêntrica
da vida social era fundada na impossibilidade humana de, nesse estado, abalizar
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suas explicações na razão, uma vez que o espírito teológico era alicerçado na fé
irracional. Esse espírito fornecia, outrossim, tanto ás inquirições humanas quanto
á organização social uma proto-idéia de ordem, de sistema, que explicaria e
justificava a ordenação do mundo social.
O estado seguinte foi denominado de metafísico. Ele seria o ele
intermediária entre os três, no qual a explicação da sociedade já não passaria
apenas pela fundamentação na iniciativa divina. Por ser uma negação da ordem
anterior, o espírito metafísico não conseguiria sistematizar seus princípios, servido
apenas de transição histórica para o estagio seguinte. Deus não seria mais o
regente absoluto da vida social, e sim uma essência onipresente a ela. Nesse
estado, os dogmas da fé anterior seriam questionados profundamente, pondo em
dúvida seus fundamentos e dissolvendo o caratê orgânico de seu saber. Se oestágio anterior definia-se por ordem, este, por ser de transição, revelava um
sentido de progresso no percurso da civilização humana.
O último dos estado seria o positivo, ponto de chegada histórico ao qual o
espírito humano havia, naturalmente, sempre aspirado. Esse estágio encontraria
sua expressão na sociedade capitalista moderna. O homem, partindo de uma
concepção antropocêntrica, se colocaria na condição de regente da vida sócia.
Esse estágio só se afirmaria em plenitude quando seu método, após edificada afísica social, passasse a coordenar todos os domínios da ciência, conferindo-lhe
uma unidade lógica voltada para a explicação racional dos fenômenos naturais,
resultando em um conjunto estável e coerente de leis invariáveis que, uma vez
reconhecidas universalmente, deveriam ser aceitas como dogmas. Dessa forma, o
espírito positivo forneceria os preceitos fundamentais para a concepção de uma
unidade consensual para a nova ordem, assentada definitivamente, daquela hora
em diante, na razão. Seu objetivo central seria conduzir o pensamento humano
para a coerência racional á qual ele estivera sempre destinado. Nesse sentido é
que o estado positivo do desenvolvimento humano só encontraria o ápice de sua
maturidade racional com a Sociologia.
Essa nova ciência foi subdividida em dois campos de estudo: a estática e
dinâmica.
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A estática definiu seu objeto de estudo na ordem social, elemento
responsável pela preservação de toda a estrutura social, das instituições que
mantinham a coesão e garantiam o funcionamento da sociedade: a família, a
religião, a propriedade, a linguagem, o direito etc. A idéia central que sustentaria
os estudos era a do consenso, que tornaria a pluralidade dos indivíduos e
instituições uma unidade social.
A dinâmica, por seu lado, deveria voltar seu interesse para o progresso
evolutivo da sociedade, objetivando determinar suas leis e seu percurso sucessivo
e inalterável. Voltado para a compreensão da passagem da sociedade para
formas mais complexas de convivência, como a urbano-industrial, esse campo de
estudo deveria complementar estrategicamente o primeiro, conferindo uma
abordagem completa á investigação social.Comte privilegiava o estático sobre o dinâmico, a conservação sobre a
mudança, sinalizando que o progresso destinava-se a aperfeiçoar os elementos
da ordem, e não destruí-los. Aqui, revela-se o conteúdo conservador, não
revolucionário.
O positivismo deveria, após afirmar-se em plenitude, tornar-se a expressão
do poder espiritual da sociedade moderna, com a função de governar e manter os
preceitos reguladores das relações sociais. Esse poder seria exercido pelosfilósofos e cientistas, que substituiriam, portadores da razão que eram, os antigos
sacerdotes do estágio teológico.
A sociologia de Durkheim
O que é fato social
Embora Comte seja considerado o pai da sociologia e tenha-lhe dado esse
nome, Durkheim é apontado como um de seus primeiros grandes teóricos. Ele e
seus colaboradores se esforçaram por emancipar a sociologia das demais teorias
sobre a sociedade e constituí-la como disciplina rigorosamente científica. Em livros
e cursos, sua preocupação foi definir com precisão o objeto, o método e as
aplicações dessa nova ciência.
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Imbuído dos princípios positivistas, Durkheim queria definir com rigor a
sociologia como ciência, estabelecendo seus princípios e limites e rompendo com
as idéias de senso comum – os “achismos” – que interpretavam a realidade social
de maneira vulgar e sem critérios.
Em uma de suas obras fundamentais, As regras do método sociológico,
publicada em 1895, Durkheim definiu com clareza o objeto da sociologia – os fatos
sociais.
De acordo com as idéias defendidas nesse trabalho, para o autor, o fato
social é experimentado pelo indivíduo como uma realidade independente e
preexistente. Assim, são três as características básicas que distinguem os fatos
sociais. A primeira delas é a “coerção social”, ou seja, a força que os fatos
exercem sobre os indivíduos, levando-os a conformarem-se ás regras dasociedade em que vivem, independentemente de sua vontade e escolha. Essa
força se manifesta quando o indivíduo desenvolve ou adquire um idioma, quando
é criado e se submete a um determinado tipo de formação família ou quando está
subordinado a certo código de leis ou regras morais. Nessas circunstâncias, o ser
humano experimenta a força da sociedade sobre si.
A força coercitiva dos fatos sociais se torna evidente pelas “sanções legais”
ou “espontâneas” a que o indivíduo está sujeito quando tenta rebelar -se contraela. “Legais” são as sanções prescritas pela sociedade, sob a forma de leis, nas
quais se define a infração e se estabelece a penalidade correspondente.
“Espontâneas” são as que afloram como resposta de uma conduta considerada
inadequada por um grupo ou por uma sociedade. Multas de trânsito, por exemplo,
fazem parte das coerções legais, pois estão previstas e regulamentadas pela
legislação que regula o tráfego de veículos e pessoas pelas vias públicas. Já os
olhares de reprovação de que somo alvo quando comparecemos a um local com a
roupa inadequada constituem sanções espontâneas. Embora não codificados em
lei, esses olhares têm o poder de conduzir o infrator para o comportamento
esperado. Durkheim dá o seguinte exemplo das sanções espontâneas: Se sou
industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos e técnicas do século
passado; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável.
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O comportamento desviante num grupo social pode não ser penalidade
prevista por lei, mas o grupo pode espontaneamente reagir castigando que se
comporta de forma discordante em relação a determinados valores e princípios. A
reação negativa da sociedade a certa atitude ou comportamento é, muitas vezes,
mais intimidadora do que a lei. Jogar lixo no chão ou fumar em certos lugares –
mesmo quando não proibidos por lei nem reprimidos por penalidade explícita –
são comportamentos inibidos pela reação espontânea dos grupos que a isso se
opõem. Podemos observar ação repressora até mesmo nos grupos que se
formam de maneira espontânea como as gangues e as “tribos”, que acabam de
impor a seus membros uma determinada linguagem, indumentária e formas de
comportamento. Apesar dessas regras serem informais, uma infração pode
resultar na expulsão do membro insubordinando.A “educação” – entendida de forma geral, ou seja, a educação formal e a
informal – desempenham, segundo Durkheim, uma importante tarefa nessa
conformação dos indivíduos á sociedade em que vivem, a ponto de, após algum
tempo, as regras estarem internalizadas nos membros do grupo e transformadas
em hábitos. O uso de uma determinada língua ou o gosto por determinada comida
são internalizados no indivíduo, que passa a considerar tais hábitos como
pessoais. A arte também representa um recurso capaz de difundir valores eadequar as pessoas a determinados hábitos. Quando, numa comédia, rimos do
comportamento de certos personagens colocados em situações críticas, estamos
aprendendo a não nos comportarmos como ele. Nosso próprio riso é uma forma
de sanção social, na encenação ou mesmo diante da realidade concreta.
A segunda característica dos fatos sociais é que eles existem e atuma
sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua adesão
consciente, sendo, assim, “exteriores aos indivíduos”. Ao nascermos já
encontramos regras sociais, costumes e leis que somos coagidos a aceitar por
meio de mecanismos de coerção social, como a educação. Não nos é dada a
possibilidade de opinar ou escolher, sendo assim independente de nós, de nossos
desejos e vontades. Por isso, os fatos sociais são ao mesmo tempo “coercitivos” e
dotados de existência exterior ás consciências individuais.
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A terceira característica dos fatos sociais apontada por Durkheim é a
“generalidade”. É social todo fato que é geral, que se repete em todos os
indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles; que ocorre em distintas sociedades,
em um determinado momento ou ao longo do tempo. Por essa generalidade, os
acontecimentos manifestam sua natureza coletiva, sejam eles os costumes, os
sentimentos comuns ao grupo, as crenças ou os valores. Formas de habitação,
sistemas de comunicação e a moral existente numa sociedade apresentam essa
generalidade.
A objetividade do fato social
Identificados e caracterizados os “fatos sociais”, Durkheim procurou definir o método de conhecimento da sociologia. Para ele, como para os positivistas de
maneira geral, a explicação científica exige que o pesquisador estabeleça e
mantenha certa distância e neutralidade em relação aos fatos, procurando
preservar a objetividade de sua análise.
Segundo Durkheim, para que o sociólogo consiga apreender a realidade
dos fatos, sem distorcê-los de acordo com seus desejos e interesses particulares,
deve deixar de lado suas prenoções, isto é, valores e sentimentos pessoais emrelação áquilo que seta sendo estudado. Para ele, tudo que nos mobiliza – nossas
simpatias, paixões e opiniões -, dificulta o conhecimento verdadeiro, fazendo-nos
confundir o que vemos com aquilo que queremos ver. Essa neutralidade em face
da realidade, tão valorizada pelos positivistas, pressupõe o não-envolvimento
afetivo, ou de qualquer outra espécie, entre o cientista e seu objeto.
Levando ás últimas conseqüências essa proposta de distanciamento
cognitivo entre o cientista e seu objeto de estudo, assumido pelas ciências
naturais, Durkheim aconselhava o sociólogo a encarar os fatos sociais como
“coisas”, isto é, objetos que lhe são exteriores. Diante deles, o cientista, isento de
paixão, desejo e preconceito, dispõem de métodos objetivos, como a observação,
a descrição, a comparação e o cálculo estatístico, para apreender suas
regularidades.Deve o sociólogo manter-se afastado também das opiniões dadas
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pelos envolvidos. Tais opiniões, juízos de valor individuais, podem servir de
indicadores dos fatos sociais, mas mascaram as leis de organização social, cuja
racionalidade só é acessível ao cientista. Para levar essa racionalidade ao
extremo, Durkheim propõe o exercício da duvida metódica, ou seja, a necessidade
do cientista inquirir sempre a veracidade e objetividade dos fatos estudados,
procurando anular, a influência de seus desejos, interesses e preconceitos.
Para identificar os fatos sociais entre os diversos acontecimentos da vida,
Durkheim orienta o sociólogo a ater-se aqueles acontecimentos gerias e
repetitivos e que apresentem características exteriores comuns. De acordo com
esses critérios, são fatos sociais, por exemplo, os crimes, pois existem em toda e
qualquer sociedade e têm como característica comum provocarem uma reação
negativa, concreta e observável da sociedade contra quem os pratica, a quepodemos chamar de “penalidade”. Agindo dessa forma objetiva e apreendendo a
realidade por suas características exteriores, o cientista pode analisar os crimes e
suas penalidades sem entrar nas discussões de caráter moral a respeito da
criminalidade, o que, apesar de útil, nada tem a ver com o trabalho cientifico do
sociólogo. Buscando o que caracteriza o crime por suas evidências, o sociólogo se
exime de opiniões, assim como prescinde da opinião – sempre contraditória e
subjetiva – a respeito dos fatos que estão sendo estudados.A generalidade é um aspecto importante para a identificação dos fatos
sociais que são sempre manifestações coletivas, distinguindo-se dos
acontecimentos individuais, ou acidentais. È ela que ajuda a distinguir o essencial
do fortuito e aponta para a natureza sociológica dos fenômenos.
Suicídio
Durkheim estudou profundamente o suicídio, utilizando nesse trabalho toda
a metodologia defendida e propagada por ele. Considerou-o fato social por sua
presença universal em toda e qualquer sociedade por suas características
exteriores e mensuráveis, completamente independentes das razões que levam
cada suicida a acabar com a própria vida. Assim, apesar de uma conduta marcada
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pela vontade individual, o suicídio interessa ao sociólogo por aquilo que tem de
comum e coletivo e que, certamente, escapa ás consciências individuais dos
envolvidos – do suicida e dos que o cercam. Para Durkheim, a prova de que o
suicídio depende de leis sociais e não da vontade dos sujeitos, estava na
regularidade com que variavam as taxas de suicídio de acordo com as
alternâncias das condições históricas. Ele verificou, por exemplo, que as taxas de
suicídio aumentavam nas sociedades em que havia a aceitação profunda de uma
fé religiosa que prometesse a felicidade após a morte. É sobre fatos assim
concretos e objetivos, gerais e coletivos, cuja natureza social se evidencia, que o
sociólogo deve se debruçar.
Sociedade: um organismo em adaptação
Para Durkheim, a sociologia tinha por finalidade não só explicar a
sociedade como também encontrar soluções para a vida social. A sociedade,
como todo organismo, apresenta estados que podem ser considerados estados
“normais” ou “patológicos”, isto saudáveis ou doentios.
Durkheim considera um fato social como “normal” quando se encontra
generalizado pelo sociedade ou quando desempenha alguma função importantepara sua adaptação ou sua evolução. Assim, por exemplo, afirma que o crime é
normal não apenas por ser encontrado em toda e qualquer sociedade e em todos
os tempos, mas também por representar um fato social que integra as pessoas em
torno de determinados valores. Punindo o criminoso, os membros de uma
coletividade reforçam seus princípios, renovando-os. O crime tem, portanto, uma
importante função social.
A “generalidade” de um fato social, isto é, sua unanimidade, é garantia de
normalidade na medida em que representa o consenso social, a vontade coletiva,
ou o acordo de um grupo a respeito de determinada questão. Diz Durkheim:
... para saber se o estado econômico atual dos povos europeus, com sua
característica ausência de organização, é normal ou não, procurar-se-á no
passado o que lhe deu origem. Se estas condições são ainda aquelas em que
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atualmente se encontra nossa sociedade, é porque a situação é normal, a
despeito dos protestos que desencadeia.
Partindo, pois, do principio de que o objetivo máximo da vida social é
promover a harmonia da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades,
e que essa harmonia é conseguida por meio do consenso social, a “saúde” do
organismo social se confundo com a generalidade dos acontecimentos. Quando
um fato põe em risco a harmonia, o acordo, o consenso e, portanto, a adaptação e
a evolução da sociedade, estamos diante de um acontecimento de caráter
mórbido e de uma sociedade doente.
Portanto, “normal” é aquele fato que não extrapola os limites dos
acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete os
valores e as condutas aceitas pela maior parte da população. “Patológico” éaquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral
vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados transitórios e
excepcionais.
O que surpreende ainda em sua trajetória intelectual não é só a
referida fecundidade, mas, sobretudo a relativa mocidade com que produziu a
maior parte de sua obra. Fora para Bordeaux aos 30 anos incompletos e, no
decorrer de uma década, já havia feito o suficiente para se tornar o mais notávelsociólogo francês.
A consciência coletiva
Toda teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos
sociais têm existência própria e independem daquilo que pensa e faz cada
indivíduo em particular. Embora todos possuam sua “consciência individual”, seu
modo próprio de se comportar e interpretar a vida podem-se notar, no interior de
qualquer grupo ou sociedade, formas padronizadas de conduta e pensamento.
Essa constatação está na base do eu Durkheim chamou de “consciência coletiva”.
A definição de consciência coletiva aparece pela primeira vez na sua obra
Da Divisão do trabalho social. Trata-se do “conjunto das crenças e dos
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sentimentos comuns á medida dos membros de uma mesma sociedade” que
“forma um sistema determinado com vida própria”.
A consciência coletiva não se baseia na consciência de indivíduos
singulares ou de grupos específicos, mas esta espalhada por toda sociedade. Ela
revelaria, segundo Durkheim, o “tipo psíquico da sociedade”, que não seria
apenas o produto das consciências individuais, mas algo diferente, que se imporia
aos indivíduos e perduraria através das gerações.
A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral vigente na
sociedade. Ela aparece como um conjunto de regras fortes e estabelecidas que
atribuem valor e delimitam os atos individuais. È a consciência coletiva que define
o que, numa sociedade, é considerado “imoral”, “reprovável” ou “criminoso”.
Morfologia social: as espécies sociais
Para Durkheim, a sociologia deveria ter ainda por objetivo comparar as
diversas sociedades. Constituiu assim o campo da morfologia social, ou seja, a
classificação das espécies sociais, numa nítida referência ás espécies estudadas
em biologia. Essa referência, utilizada também em outros estudos teóricos, tem
sido considerada errônea uma vez que todo comportamento humano, por maisdiferente que se apresente, resulta da expressão de características universais de
uma mesma espécie.
Durkheim considerava que todas as sociedades haviam evoluído a partir da
horda, a forma social mais simples, igualitária, reduzida a um único segmento em
que os indivíduos se assemelhavam aos átomos, isto é, se apresentavam
justapostos e iguais. Desse ponto de partida, foi possível uma série de
combinações das quais originaram-se outras espécies sociais identificáveis no
passado e no presente, tais como os clãs e as tribos.
Para Durkheim, o trabalho de classificação das sociedades – como todo o
mais, deveria ser efetuado com base em apurada observação experimental.
Guiado por esse procedimento, estabeleceu a passagem da solidariedade
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mecânica para a solidariedade orgânica como motor de transformação de toda e
qualquer sociedade.
Dado o fato de que as sociedades variam de estágio, apresentando formas
diferentes de organização social que tornam possível defini-las como “inferiores”
ou “superiores”, como o cientista classifica os fatos normais e os anormais em
cada sociedade? Para Durkheim a normalidade só pode ser entendida em função
do estágio social da sociedade em questão
....do ponto de vista puramente biológico, o que é normal para o selvagem
não é sempre para o civilizado e vice-versa.
E continua:
Um fato social não pode, pois, ser acoimado de normal para uma espécie
social determinada senão em relação com uma fase, igualmente determinada, deseu desenvolvimento.
Durkheim e a sociologia científica
Durkheim se distingue dos demais positivistas porque suas idéias
ultrapassaram a reflexão filosófica e chegaram a constituir um todo organizado e
sistemático de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade.O empirismo positivista, que pusera os filósofos diante de uma realidade
social a se especulada, transformou-se, em Durkheim, numa rigorosa postura
empírica centrada na verificação dos fatos que poderiam ser observados,
mensurados e relacionados por meio de dados coletados diretamente pelo
cientista. Encontramos em seus estudos um inovador e fecundo uso da
matemática e estatística e uma integrada utilização das análises qualitativa e
quantitativa. Observação, mensuração e interpretação eram aspectos
complementares do método durkheimiano.
Para a elaboração dessa postura, Durkheim procurou estabelecer os limites
e as diferenças entre a particularidade e a natureza dos acontecimentos
filosóficos, históricos, psicológicos e sociológicos. Elaborou um conjunto
coordenado de conceitos e de técnicas de pesquisa que, embora norteado por
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princípios das ciências naturais, guiava o cientista para o discernimento de um
objeto de estudo próprio e dos meios adequados para interpretá-lo.
Ainda que preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução
das sociedades humanas, Durkheim ateve-se também ás particularidades da
sociedade em que vivia, aos mecanismos de coesão dos pequenos grupos e á
formação de sentimentos comuns resultantes da convivência social. Distinguiu
diferentes instâncias da vida social e seu papel na organização social, como a
educação, a família e a religião.
Pode-se dizer que já delineava uma apreensão da sociologia que se
relacionavam harmonicamente o geral e o particular. Havia busca, ainda não
expressa, da noção de totalidade.
Sociologia alemã: a contribuição de Max Weber
França e Inglaterra desenvolveram o pensamento social sob a influência do
desenvolvimento industrial e urbano, que tornou esses países potências
emergentes nos séculos XVII e XVIII e sedes do pensamento burguês da Europa.
A indústria e a expansão marítima e comercial colocaram esses países em contato
com outras culturas e outras sociedades, obrigando seus pensadores a umesforço interpretativo da diversidade social. O sucesso alcançado pelas ciências
físicas e biológicas, impulsionadas pela indústria e pelo desenvolvimento
tecnológico, fizeram com que as primeiras escolas sociológicas fossem fortemente
influenciadas pela adaptação dos princípios e da metodologia dessas ciências á
realidade social.
Na Alemanha, entretanto, a realidade é distinta. O pensamento burguês se
organiza tardiamente e quando o faz, já no século XIX, é sob influência de outras
correntes filosóficas e da sistematização de outras ciências humana, como a
história e a antropologia.
A expansão econômica alemã se dá, por outro lado, numa época de
capitalismo concorrencial, no qual os países disputam com unhas e dentes os
mercados mundiais, submetendo a seu imperialismo as mais diferentes culturas, o
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que torna a especificidade das formações sociais uma evidência e um conceito da
maior importância.
A Alemanha se unifica e se organiza como Estado nacional mais
tardiamente que o conjunto das nações européias, o que atrasa seu ingresso na
corrida industrial e imperialista iniciada na segunda metade do século XIX. Esse
descompasso estimulou no país o interesse pela história como ciência da
integração, da memória e do nacionalismo. Por tudo isso, o pensamento alemão
se volta para a diversidade, enquanto o francês e o inglês, para a universalidade.
Weber não era apenas um homem de ciência. Desde cedo, ele pensava em
seguir uma carreira política. Seu interesse pela coisa pública o leva a refletir sobre
as relações entre as ações científicas e políticas. Nas conferências que dá em
1918, na Universidade de Munique, sobre a profissão e a vocação do homem deciências e do homem público (Geístige Arbeit aIs Benruf; 1919), ele se declara a
favor de uma clara cisão entre os dois tipos de atividade e procura, para tanto,
separar ciência de opinião.
Devemos distinguir no pensamento alemão, portanto, a preocupação com o
estudo da diferença, característica de sua formação política e de seu
desenvolvimento econômico. Adicione-se a isso a herança puritana com seu
apego à interpretação das escrituras e livros sagrados. Essa associação entrehistória, esforço interpretativo e facilidade em discernir diversidades caracterizou o
pensamento alemão e influenciou muitos cientistas, de Gabriel de Tarde a
Ferdinand Tõnnies.
Mas foi Max Weber o grande sistematizador da sociologia na Alemanha.
A sociedade sob uma perspectiva histórica
O contraste entre o positivismo e o idealismo se expressa, entre outros
elementos, nas maneiras diferentes como cada uma dessas correntes encara a
história.
Para o positivismo, a história é o processo universal de evolução da
humanidade, cujos estágios o cientista pode perceber pelo método comparativo,
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capaz de aproximar sociedades humanas de todos os tempos e lugares. A história
particular de cada sociedade desaparece, diluída nessa lei geral que os
pensadores positivistas tentaram reconstruir. Essa forma de pensar torna
insignificantes as particularidades históricas, e as individualidades são dissolvidas
em meio a forças sociais impositivas.
Ao definir o que é uma espécie social, Durkheim, em nota de pé de página
de seu livro As regras do método sociológico, alerta para que não se confunda
uma espécie social com as fases históricas pelas quais ela passa. Diz ele:
Desde suas origens, passou a França por formas de civilização muito
diferentes: começou por ser agrícola, passou em seguida pelo artesanato e pelo
pequeno comércio, depois pela manufatura e, finalmente, chegou à grande
indústria. Ora, é impossível admitir que uma mesma individualidade coletiva possamudar de espécie três ou quatro vezes. Uma espécie deve definir-se por
caracteres mais constantes. O estado econômico tecnológico etc. apresenta
fenômenos por demais instáveis e complexos para fornecer a base para uma
classificação.
Fica claro que essa posição anula a importância dos processos históricos
particulares, valorizando apenas a lei da evolução, a generalização e a
comparação entre formações sociais.Max Weber, figura dominante na sociologia alemã, com formação histórica
consistente; se oporá a essa concepção. Para ele, a pesquisa histórica é essencial
para a compreensão das sociedades. Essa pesquisa, baseada na coleta de
documentos e no esforço interpretativo das fontes, permite o entendimento das
diferenças sociais, que seriam, para Weber, de gênese e formação, e não de
estágios de evolução.
Portanto, segundo a perspectiva de Weber, o caráter particular e específico
de cada formação social e histórica deve ser respeitado. O conhecimento
histórico, entendido como a busca de evidências, torna-se um poderoso
instrumento para o cientista social.
Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as
particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos
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mais gerais de cada fase do processo histórico. Na obra As causas sociais do
declínio da cultura antiga, por exemplo, Weber analisou, com base em textos e
documentos, as transformações da sociedade romana em função da utilização da
mão-de-obra escrava e do servo de gleba, mostrando a passagem da Antigüidade
para a sociedade medieval.
Weber, entretanto, não achava que uma sucessão de fatos históricos
fizesse sentido por si mesma. Para ele, todo historiador trabalha com dados
esparsos e fragmentários. Por isso, propunha para suas análises o método
compreensivo, isto é, um esforço interpretativo do passado e de sua repercussão
nas características peculiares das sociedades contemporâneas. Essa atitude de
compreensão é que permite ao cientista atribuir aos fatos esparsos um sentido
social e histórico.
.A ação social: uma ação com sentido
Cada formação social adquiriu, para Weber, especificidade e importância
próprias. Mas o ponto de partida da sociologia de Weber não estava nas entidades
coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação é a ação social, a
conduta humana dotada de sentido, isto é, de uma justificativa subjetivamenteelaborada. Assim, o homem passou a ter, como indivíduo, na teoria weberiana,
significado e especificidade. É o agente social que dá sentido à sua ação:
estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus
efeitos.
Para a sociologia positivista, a ordem social submete os indivíduos como
força exterior a eles. Para Weber, ao contrário, não existe oposição entre indivíduo
e sociedade: as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em
cada indivíduo sob a forma de motivação. Cada sujeito age levado por um motivo
que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade. O motivo
que transparece na ação social permite desvendar o seu sentido, que é social na
medida em que cada indivíduo age levando em conta a resposta ou a reação de
outros indivíduos.
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Para Weber, a tarefa do cientista é descobrir os possíveis sentidos das
ações humanas presentes na realidade social que lhe interesse estudar. O
sentido, por um lado, é expressão da motivação individual, formulado
expressamente pelo agente ou implícito em' sua conduta. O caráter social da ação
individual decorre, segundo Weber, da interdependência dos indivíduos. Um ator
age sempre em função de sua motivação e da consciência de agir em relação a
outros atores. Por outro lado, a ação social gera efeitos sobre a realidade em que
ocorre. Tais efeitos escapam, muitas vezes, ao controle e à previsão do agente.
Ao cientista compete captar, pois_ o sentido produzido pelos diversos
agentes em todas as suas conseqüências. As conexões que se estabelecem entre
motivos e ações sociais revelam as diversas instâncias da ação social - políticas,
econômicas ou religiosas. O cientista pode, portanto, descobrir o nexo entre asvárias etapas em que se decompõe a ação social. Por exemplo, o simples ato de
enviar uma carta é composto de uma série de ações sociais com sentido -
escrever, selar, enviar e receber -, que terminam por realizar um objetivo. Por
outro lado, muitos agentes ou atores estão relacionados a essa ação social - o
atendente, o carteiro etc. Essa interdependência entre os sentidos das diversas
ações - mesmo que orientadas por motivos diversos - é que dá a esse conjunto de
ações seu caráter social.É o indivíduo que, por meio dos valores sociais e de sua motivação, produz
o sentido da ação social. Isso não significa que cada sujeito possa prever com
certeza todas as conseqüências de determinada ação. Como dissemos, cabe ao
cientista perceber isso. Não significa também que a análise sociológica se
confunda com a análise psicológica. Por mais individual que seja o sentido da
minha ação, o fato de agir levando em consideração o outro dá um caráter social a
toda ação humana. Assim, o social só se manifesta em indivíduos, expressando-
se sob forma de motivação interna e pessoal.
Por outro lado, Weber distingue a ação da relação social. Para que se
estabeleça uma relação social é preciso que o sentido seja compartilhado. Por
exemplo, um sujeito que pede uma informação a outro estabelece uma ação
social: ele tem um motivo e age em relação a outro indivíduo, mas tal motivo não é
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compartilhado. Numa sala de aula, em que o objetivo da ação dos vários sujeitos é
compartilhado, existe uma relação social.
Pela freqüência com que certas ações sociais se manifestam, o cientista
pode conceber as tendências gerais que levam os indivíduos, em dada sociedade,
a agir de determinado modo.
A tarefa do cientista
Weber rejeita a maioria das proposições positivistas: o evolucionismo, a
exterioridade do cientista social em relação ao objeto de estudo e a recusa em
aceitar a importância dos indivíduos e dos diferentes momentos históricos na
análise da sociedade. Para esse sociólogo, o cientista, como todo indivíduo emação, também age guiado por seus motivos, sua cultura e suas tradições, sendo
impossível descartar-se de suas prenoções como propunha Durkheim. Existe
sempre certa parcialidade na análise sociológica, intrínseca à pesquisa, como a
toda forma de conhecimento. As preocupações do cientista orientam a seleção e a
relação entre os elementos da realidade a ser analisada. Os fatos sociais não são
coisas, mas acontecimentos que o cientista percebe e cujas causas procura
desvendar. A neutralidade durkheimiana se torna impossível nessa visão.Entretanto, uma vez iniciado o estudo, este deve se conduzir pela busca da
maior objetividade na análise dos acontecimentos. A realização da tarefa científica
não deveria ser dificultada pela defesa das crenças e das idéias pessoais do
cientista.
Portanto, para a sociologia weberiana, os acontecimentos que integram o
social têm origem nos indivíduos. O cientista parte de uma preocupação com
significado subjetivo, tanto para ele como para os demais indivíduos que
compõem a sociedade. Sua meta é compreender, buscar os nexos causais que
dêem o sentido da ação social.
Explicar um fenômeno social supõe sempre que se dê conta das ações
individuais que o compõem. Mas que é "dar conta" de uma ação? Pode-se
continuar seguindo Weber nesse ponto. Dar conta de uma ação, diz ele, é
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"compreendê-la" (Verstehen). O que significa que o sociólogo deve poder ser
capaz de colocar-se no lugar dos agentes por quem ele se interessa.
Qualquer que seja a perspectiva adotada pelo cientista, ela sempre
resultará numa explicação parcial da realidade. Um mesmo acontecimento pode
ter causas econômicas, políticas e religiosas, sem que nenhuma dessas causas
seja superior à outra em significância. Todas elas compõem um conjunto de
aspectos da realidade que se manifesta, necessariamente, nos atos individuais. O
que garante a cientificidade de uma explicação é o método de reflexão, não a
objetividade pura dos fatos. Weber relembra que, embora os acontecimentos
sociais possam ser quantificáveis, a análise do social envolve sempre uma
questão de qualidade, interpretação, subjetividade e compreensão.
Assim, para entender como a ética protestante interferia nodesenvolvimento do capitalismo, Weber analisou os livros sagrados e interpretou
os dogmas de fé do protestantismo. A compreensão da relação entre valor e ação
permitiu-lhe entender a relação entre religião e economia.
O tipo ideal
Para atingir a explicação dos fatos sociais, Weber propôs um instrumentode análise que chamou de "tipo ideal". Assim, por exemplo, em As causas sociais
do declínio da cultura antiga, ele procura entender o que teria sido o patrício
romano no auge do império, o aristocrata dono de terras que constituía a elite
política e econômica de Roma:
O tipo do grande proprietário de terra romano não é o do agricultor que
dirige pessoalmente a empresa, mas é o homem que vive na cidade, pratica a
política e quer, antes de tudo, perceber rendas' em dinheiro. A gestão de suas
terras está nas mãos dos servos inspetores.
Trata-se de uma construção teórica abstrata a partir dos casos particulares
analisados. O cientista, pelo estudo sistemático das diversas manifestações
particulares, constrói um modelo acentuando aquilo que lhe pareça característico
ou fundante. Nenhum dos exemplos representará de forma perfeita e acabada o
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tipo ideal, mas manterá com ele uma grande semelhança e afinidade, permitindo
comparações e a percepção de semelhanças e diferenças. Constitui-se em um
trabalho teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é essencial na
diversidade das manifestações da vida social, permitindo a identificação de
exemplares em diferentes tempos e lugares.
O tipo ideal não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações
sociais históricas nem mesmo em qualquer realidade observável. É um
instrumento de análise científica, numa construção do pensamento que permite
conceituar fenômenos.e formações sociais e identificar na realidade observada
suas manifestações. Permite ainda comparar tais manifestações.
É preciso deixar claro que o tipo ideal nada tem a ver com as espécies
sociais de Durkheim, que pretendiam ser exemplos de sociedades observadas emdiferentes graus de complexidade num continuum evolutivo.
A ética protestante e o espírito do capitalismo
Um dos trabalhos mais conhecidos e importantes de Weber é A ética,
protestante e o espírito do capitalismo, no qual ele relaciona o papel do
protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidentalmoderno.
Weber parte de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de
adeptos da Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios,
empresários bem-sucedidos e mão-de-obra qualificada. A partir daí, procura
estabelecer conexões entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no
comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista.
Weber descobre que os valores do protestantismo - como a disciplina
ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao
trabalho - atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias
protestantes, os filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho
fabril, optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro,
preferindo o cálculo e os estudos técnicos ao estudo humanístico. Weber mostra a
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formação de uma nova mentalidade, um ethos - conjunto dos costumes e hábitos
fundamentais - propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao "alheamento" e à
atitude contemplativa do catolicismo, voltado para a oração, sacrifício e renúncia
da vida prática.
Um dos aspectos importantes desse trabalho, no seu sentido teórico, está
em expor as relações entre religião e sociedade e desvendar particularidades do
capitalismo. Além disso, nessa obra, podemos ver de que maneira Weber aplica
seus conceitos e posturas metodológicas.
Alguns dos principais aspectos da análise:
1. A relação entre a religião e a sociedade não se dá por meios
institucionais, mas por intermédio de valores introjetados nos indivíduos etransformados em motivos da ação social. A motivação do protestante, segundo
Weber, é o trabalho, enquanto dever e vocação, como um fim absoluto em si
mesmo, e não o ganho material obtido por meio dele.
2. O motivo que mobiliza internamente os indivíduos é consciente.
Entretanto, os atos individuais vão além das metas propostas e aceitas por eles.
Buscando sair-se bem na profissão, mostrando sua própria virtude e vocação e
renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se adapta facilmenteao mercado de trabalho, acumula capital e o reinveste produtivamente.
3. Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a
motivação dos indivíduos e os efeitos de sua ação no meio social. Procedendo
assim, Weber analisa os valores do catolicismo e do protestantismo, mostrando
que os últimos revelam a tendência ao racionalismo econômico, base da ação
capitalista.
4. Para constituir o tipo ideal de capitalismo ocidental moderno, Weber
estuda as diversas características das atividades econômicas em várias épocas e
lugares, antes e após o surgimento das atividades mercantis e da indústria. E,
conforme seus preceitos, constrói um tipo gradualmente estruturado a partir de
suas manifestações particulares tomadas à realidade histórica. Assim, diz ser o
capitalismo, na sua forma típica, uma organização econômica racional assentada
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no trabalho livre e orientada para um mercado real, não para a mera especulação
ou rapinagem. O capitalismo promove a separação entre empresa e residência, a
utilização técnica de conhecimentos científicos e o surgimento do direito e da
administração racionalizados.
Análise histórica e método compreensivo
Weber teve uma contribuição importantíssima para o desenvolvimento da
sociologia. Em meio a uma tradição filosófica peculiar, a alemã, e vivendo os
problemas de seu país, diversos dos da França e da Inglaterra na mesma época,
pôde trazer uma nova visão, não influenciada pelos ideais políticos nem pelo
racionalismo positivista de origem anglo-francesa.Sua contribuição para a sociologia tornou-o referência obrigatória. Mostrou,
em seus estudos, a fecundidade da análise histórica e da compreensão qualitativa
dos processos históricos e sociais.
Embora polêmicos, seus trabalhos abriram as portas para as
particularidades históricas das sociedades e para a descoberta do papel da
subjetividade na ação e na pesquisa social. Weber desenvolveu suas análises de
forma mais independente das ciências exatas e naturais. Foi capaz decompreender a especificidade das ciências humanas como aquelas que estudam
o homem como um ser diferente dos demais e, portanto, sujeito a leis de ação e
comportamento próprios.
Outra novidade do pensamento weberiano no desenvolvimento da
sociologia foi a idéia do indeterminismo histórico. Ao contrário de seus
predecessores, ele não admitia nenhuma lei preexistente que regulasse o
desenvolvimento da sociedade ou a sucessão de tipos de organização social. Isso
permitiu que ele se aprofundasse no estudo das particularidades, procurando
entender as formações sociais em suas singularidades, especialmente a jovem
nação alemã que ele via despontar como potência. Nesse sentido, contribuiu
também para a formação de um pensamento alemão, crítico, histórico e consoante
com sua época.
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Outros sociólogos alemães puseram em prática o método compreensivo de
Weber, como Sombart, igualmente um estudioso do capitalismo ocidental. Weber
desenvolveu também trabalhos na área de história econômica, buscando as leis
de desenvolvimento das sociedades. Estudou ainda, com base em fontes
históricas, as relações entre o meio urbano e o agrário e o acúmulo de capital
auferido pelas cidades por meio dessas relações.
Karl Marx e a história da exploração do homem
Quando um espaço contendo muitos objetos é iluminado por luzes de
diversas cores vindas de várias fontes, obtemos diferentes imagens, cada uma
colocando em destaque certos contornos e formas. De maneira análoga é issoque acontece com o campo científico: os pressupostos teóricos iluminam de forma
peculiar a realidade, resultando daí níveis diferentes de abordagem e modelos
teóricos particulares. Até este ponto do livro, procuramos reconstruir o percurso
que vai desde o surgimento do pensamento sociológico até a organização das
primeiras teorias sobre a sociedade, cada uma delas orientada por um conjunto de
pressupostos sobre a realidade e a vida social. Assim como as diversas imagens
que obtemos do espaço da experiência acima, os diferentes modelos teóricos,cada qual "pondo à luz" determinados aspectos da realidade social, oferecem
diferentes perspectivas que se complementam.
Abordamos o modelo positivista inicialmente elaborado por Comte, e,
depois, o proposto por Durkheim, segundo o qual a sociedade se apresenta como
sendo mais do que a soma de indivíduos, constituída por normas, instituições e
valores característicos do social. Passamos depois por Weber que, por sua vez,
numa perspectiva mais dinâmica e interpretativa, explicou os fatos sociais "à luz"
da história e da subjetividade do agente social.
Simultaneamente às elaborações dos fundadores da sociologia, porém
iluminando outras questões propostas pela realidade social, desenvolveu-se o
pensamento de Karl Marx, expresso pela teoria do materialismo histórico,
originando a corrente de pensamento mais revolucionária tanto do ponto de vista
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teórico como da prática social. É também um dos pensamentos mais difíceis de se
compreender, explicar ou sintetizar. Com o objetivo de entender o sistema
capitalista e modificá-lo, Marx escreveu sobre filosofia, economia e sociologia. Ele
produziu muito, suas idéias se desdobraram em várias vertentes e foram
incorporadas por diferentes estudiosos. Sua intenção, porém, não era apenas
contribuir para o desenvolvimento da ciência, mas propor uma ampla
transformação política, econômica e social. Marx não escreveu particularmente
para os acadêmicos e cientistas, mas para todos os homens que quisessem
assumir sua vocação revolucionária. Sua obra máxima, O capital, destinava-se a
todos os homens, não apenas aos estudiosos da economia, da política e da
sociedade. Este é um aspecto singular da teoria marxista. Há um alcance mais
amplo nas suas formulações, que adquiriram dimensões de ideal revolucionário eação política efetiva.
Marx, acima de tudo, definia-se como um militante da causa socialista, por
isso suas idéias não se limitaram ao campo teórico e científico, mas foram
defendidas com luta como princípios norteadores para o desenvolvimento de uma
nova sociedade em diferentes campos e batalhas, nos quais se confrontaram
diversos grupos sociais desde o século XIX, quando o marxismo se organiza como
corrente política.Marx foi especialmente sensível às dificuldades que a Europa enfrentava
numa época de pleno e contraditório desenvolvimento do capitalismo: ao mesmo
tempo em que crescia, tornava mais agudos seus conflitos e dissensões. As
contradições básicas da saciedade capitalista e as possibilidades de superação
apontadas pela sua abra não puderam, pois, permanecer ignoradas pela
sociologia, pelas cientistas saciais em geral nem pelo cidadão comum, submetido
à ordem social que ele procurou interpretar e criticar. Diferentes modelos de
administração pública, de organização partidária, de ação revolucionária e de
exercício da poder reconheceram em Karl Marx, nos últimos duzentos anos, sua
inspiração.
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As origens
O pensamento marxista foi sintetizador de diferentes preocupações
filosóficas, políticas e científicas de sua época, assim como herdeiro de
fundamentos formulados por outros pensadores. Em primeiro lugar, deve-se fazer
justiça à influência da filosofia hegeliana de quem Marx absorveu uma diferente
percepção da história - não um movimento linear ascendente como propunham as
evolucionistas, nem o resultado da ação voluntariosa e cons ciente dos heróis
envolvidos, como pensavam os historiadores românticos. Hegel entendia a história
como um processo coeso que envolvia diversas instâncias da sociedade - da
religião à economia - e cuja dinâmica se dava por oposições entre forças
antagônicas - tese e antítese. Desse embate emergia a síntese que fechava oprocesso "dialético" de conceber a história. Marx utilizou esse método de
explicação histórica para o qual os agentes sociais, apesar de conscientes, não
são os únicos responsáveis pela dinâmica dos acontecimentos - as forças em
oposição atuam sobre o devir.
.Nos primeiros meses de 1842. Karl Marx escreveu um artigo a respeito da
nova censura prussiana, no qual o vemos pela primeira vez exibir suas melhores
qualidades; nele a lógica implacável e a ironia esmagadora de Marx são dirigidasaos eternos inimigos do autor: aqueles que negam a seres humanos os direitos
humanos.
Também significativo foi o contato de Marx com o pensamento socialista
francês e inglês do século XIX, de Claude Henri de Rouvroy, ou conde de Saint-
Simon (1760-1825), François-Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-
1858). Marx admirava o pioneirismo desses críticos da sociedade burguesa e suas
propostas de transformação social, apesar de julgá-las "utópicas", ou seja,
idealistas e irreais. Esses autores, influenciados por Rousseau - que atribuíra a
origem das desigualdades sociais ao advento da propriedade privada -,
propunham transformar radicalmente a sociedade, implantando uma ordem social
justa e igualitária, da qual seriam eliminados o individualismo, a competição a
propriedade privada. Os métodos para isso variavam do uso massivo da
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propaganda até a realização de experiências-modelo, que deveriam servir de guia
para o restante da sociedade. Entretanto, nenhum deles havia considerado
seriamente a necessidade de luta política entre as classes sociais e o papel
revolucionário do proletariado na implantação de uma nova ordem social. Era por
esse aspecto que Marx os denominava de utópicos, em contrapartida o socialismo
defendido por ele era denominado de científico.
Há ainda na obra de Marx toda a leitura crítica do pensamento clássico dos
economistas ingleses, em particular Adam Smith e David Ricardo, trabalho que
tomou a atenção de Marx até o final da vida e resultou na maior parte de seu
esforço teórico. Essa trajetória é marcada pelo desenvolvimento de conceitos
importantes como alienação, classes sociais,valor, mercadoria, trabalho, mais-
valia, modo de produção.Finalmente, impossível não fazer referência ao seu grande interlocutor.
Friedrich Engels - economista político e revolucionário alemão que trabalhou com
Marx de 1844 até sua morte, sendo co-fundador do socialismo científico, também
conhecido por "comunismo", doutrina que demonstrava pela análise científica e
dialética da realidade social que as 'contradições históricas do capitalismo
levariam, necessariamente, à sua superação por um regime igualitário e
democrático que seria sua antítese.Vamos agora trabalhar com os principais conceitos do socialismo científico,
atualmente conhecido por marxismo, uma teoria social complexa que se destinava
a analisar o capitalismo e a entender as forças que o constituíam e aquelas que
levariam à sua superação.
.A idéia de alienação
A palavra "alienação" tem um conteúdo jurídico que designa a transferência
ou venda de um bem ou direito. Mas, desde a publicação da obra de Rousseau
(1712-1778), passa a predominar para o termo a idéia de privação, falta ou
exclusão. Filósofos alemães, como Hegel e Feuerbach, também fazem uso da
palavra, emprestando-lhe um sentido de desumanização e injustiça que será
absorvido por Marx. Este faz do conceito uma peça-chave de sua teoria para a
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compreensão da exploração econômica exercida sobre o trabalhador no
capitalismo. A indústria, a propriedade privada e o assalariamento alienavam ou
separavam o operário dos "meios de produção" -:- ferramentas, matéria-prima,
terra e máquina - e do fruto de seu trabalho, que se tornaram propriedade privada
do empresário capitalista.
Politicamente, também o homem se tornou alienado, pois o princípio da
representatividade, base do liberalismo, criou a idéia de Estado como um órgão
político imparcial, capaz de representar toda a sociedade e dirigi-Ia pelo poder
delegado pelos indivíduos. Marx mostrou, entretanto, que na sociedade de classes
esse Estado representa apenas a classe dominante e age conforme o interesse
desta. Segundo Marx, a "divisão social do trabalho" fez com que o pensamento
filosófico se tornasse atividade exclusiva de um determinado grupo. As diversasescolas filosóficas passaram a expressar a visão parcial que esse grupo tem da
vida, da sociedade e do Estado, refletindo, assim, seus interesses. Algumas, como
o liberalismo, transformaram-se em verdadeiras "filosofias do Estado", com o
intuito explícito de defendê-lo e justificá-lo. O mesmo aconteceu com o
pensamento científico que, pretendendo-se universal, passou a expressar a
parcialidade da classe social que ele representa. Esse comprometimento do
filósofo e do cientista em face do poder resultou também em nova forma dealienação para o homem.
Alienado, separado e mutilado, o homem só pode recuperar a integridade
de sua condição humana pela crítica radical ao sistema econômico, à política e à
filosofia que o excluíram da participação efetiva na vida social. Essa crítica radical,
que nasce do livre exercício da consciência, só se efetiva na práxis, que é a ação
política consciente e transformadora. A crítica está assim unida à práxis - novo
método de abordar e explicar a sociedade e também um projeto para a ação sobre
ela. Assim o marxismo se propunha como opção libertadora do homem.
Mais exatamente, a alienação é o efeito necessário de certas estruturas ou
formações sociais que, embora sendo produto da ação humana têm por efeito
tornar o homem estranho a si mesmo, e o resultado de suas ações, modificados e
eventualmente invertidos em relação a suas intenções, desejos ou necessidades.
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As classes sociais
Outro conceito basilar do marxismo é o de classes sociais, que Marx
desenvolve na busca por denunciar as desigualdades sociais contra a falsa idéia
de igualdade política e jurídica proclamada pelos liberais. Para ele, os inalienáveis
direitos de liberdade e justiça, considerados naturais pelo liberalismo, não resistem
às evidências das desigualdades sociais promovidas pelas "relações de
produção", que dividem os homens em proprietários e não-proprietários dos meios
de produção. Dessa divisão se originam as classes sociais: os "proletários" -
trabalhadores despossuídos dos "meios de produção", que vendem sua força de
trabalho em troca de salário - e os "capitalistas", que, possuindo meios deprodução sob a forma legal da propriedade privada, "apropriam-se" do produto do
trabalho de seus operários em troca do salário do qual eles dependem para
sobreviver.
As classes sociais formadas no capitalismo - burgueses e proletários -
estabelecem intransponíveis desigualdades entre os homens e relações que são,
antes de tudo, de antagonismo e exploração. A oposição e o antagonismo derivam
dos interesses inconciliáveis entre as classes – o capitalista desejando preservarseu direito à propriedade dos meios de produção e dos produtos e à máxima
exploração do trabalho do operário, pagando baixos salários ou ampliando a
jornada de trabalho. O trabalhador, por sua vez, luta contra a exploração,
reivindicando menor jornada de trabalho, melhores salários e participação nos
lucros que se acumulam com a venda daquilo que ele produziu.
Por outro lado, apesar das oposições, as classes sociais são também
complementares e interdependentes, pois uma só existe em função da outra. Só
existem proprietários porque há uma massa de despossuídos cuja única
propriedade é sua força de trabalho, dispostos a vendê-la para: assegurar sua
sobrevivência. De igual maneira, só existem proletários porque há alguém que
lucra com seu assalariamento.
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Para Marx, a história humana é a história da luta de classes, da disputa
constante por interesses que se opõem, embora essa oposição nem sempre se
manifeste socialmente sob a forma de conflito ou guerra declarada. As
divergências e antagonismos das classes estão subjacentes a toda relação social,
nos mais diversos níveis da sociedade, em todos os tempos, desde o surgimento
da sociedade.
A origem histórica do capitalismo
Para desenvolver sua teoria, Marx se vale de conceitos abrangentes, da
análise crítica do momento que vive e de uma sólida visão histórica com os quais
procura explicar a origem das classes sociais e do capitalismo. É assim que eleatribui a origem das desigualdades sociais a uma enorme quantidade de riquezas
que se concentra, na Europa, do século XIII até meados do século XVIII, nas
mãos de uns poucos indivíduos, que têm o objetivo e as possibilidades de
acumular bens e obter lucros cada vez maiores.
No início, essa acumulação de riquezas se fez por meio dá pirataria, do
roubo, dos monopólios e do controle de preços praticados pelos Estados
absolutistas. A comercialização, principalmente com as colônias, era a grandefonte de rendimentos para os Estados e a nascente burguesia. Mas, a partir do
século XVI, o artesão e as corporações de ofício foram paulatinamente
substituídas, respectivamente, pelo trabalhador "livre" assalariado - o operário - e
pela indústria.
Na produção artesanal européia da Idade Média e do Renascimento (Idade
Moderna), o trabalhador mantinha em sua casa os instrumentos de produção. Aos
poucos, porém, surgiram oficinas organizadas por comerciantes enriquecidos que
produziam mais e a baixo custo. A generalização desses galpões originou, em
meados do século XVIII, na Inglaterra, a Revolução Industrial. Esta possibilitou a
mecanização ampla e sistemática da produção de mercadorias, acelerando o
processo de separação entre o trabalhador e os instrumentos de produção e
levando à falência dos artesãos individuais. As máquinas e tudo o mais necessário
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ao processo produtivo - força motriz, instalações, matérias-primas - ficaram
acessíveis somente aos empresários capitalistas com os quais os artesãos,
isolados, não podiam competir. Assim, multiplicou-se o número de operários, isto
é, trabalhadores "livres" expropriados, artesãos que não conseguiam competir
com o sistema industrial e desistiam da produção individual, empregado-se nas
indústrias, constituindo uma nova classe social.
O salário
O operário é o indivíduo que, nada possuindo, é obrigado a sobreviver da
sua força de trabalho. No capitalismo, ele se torna uma mercadoria, algo útil, que
se pode comprar e vender. Por meio de um contrato estabelecido entre ele e ocapitalista, a quem é permitido ao comprar ou "alugar por um certo tempo" sua
força de trabalho em troca de uma quantia em dinheiro, o salário.
O salário é, assim, o valor da força de trabalho, considerada como
mercadoria. Como a força de trabalho não é uma "coisa", mas uma capacidade,
inseparável do corpo do operário, o salário deve corresponder à quantia que
permita ao operário alimentar-se, vestir-se, cuidar dos filhos, recuperar as
energias e, assim, estar de volta ao serviço no dia seguinte. Em outras palavras, osalário deve garantir as condições de subsistência do trabalhador e sua família.
O cálculo do salário depende do preço dos bens necessários à subsistência
do trabalhador. O tipo de bens necessários depende, por sua vez, dos hábitos e
dos costumes dos trabalhadores. Isso faz com que o salário varie de lugar para
lugar. Além disso, o salário depende ainda da natureza do trabalho e da destreza
e da habilidade do próprio traba lhador. No cálculo do salário de um operário
qualificado deve-se computar o tempo que ele gastou com educação e
treinamento para desenvolver suas capacidades.
Trabalho, valor e lucro:
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O capitalismo vê a força de trabalho como mercadoria, mas é claro
que não se trata de uma mercadoria qualquer. Ela é a única capaz de criar valor.
Os economistas clássicos ingleses, desde Adam Smith, já haviam percebido isso
ao reconhecerem o trabalho como a verdadeira fonte de riqueza das sociedades.
Marx foi além. Para ele, o trabalho, ao se exercer sobre
determinados objetos, provoca nestes uma espécie de "ressurreição". Tudo o que
é criado pelo homem, diz Marx, contém em si um trabalho passado, morto"; que só
pode ser reanimado por outro trabalho. Assim, por exemplo, um pedaço de couro
animal curtido, uma agulha de aço e fios de linha são, todos, produtos do trabalho
humano. Deixados em si mesmos, são coisas mortas; utilizados para produzir um
par de sapatos, renascem como meios de produção e se incorporam num novo
produto, uma nova mercadoria, um novo valor.Os economistas ingleses já haviam postulado que o valor das
mercadorias dependia do tempo de trabalho gasto na sua produção. Marx
acrescentou que esse tempo de trabalho se estabelecia em relação as habilidades
individuais médias e às condições técnicas vigentes na sociedade. Por isso, dizia
que no valor de uma mercadoria era incorporado o "tempo de trabalho socialmente
necessário" à sua produção.
De modo geral, as mercadorias resultam da colaboração de váriashabilidades profissionais distintas; por isso, seu valor incorpora todos os tempos
de trabalho específicos. Por exemplo, o valor de um par de sapatos inclui não só o
tempo gasto para confeccioná-lo, mas também o dos trabalhadores que curtiram o
couro, produziram fios de linha, a máquina de costura etc. O valor de todos esses
trabalhos está embutido no preço que o capitalista paga ao adquirir essas
matérias-primas e instrumentos, os quais, juntamente com a quantia paga a título
de salário, serão incorporados ao valor do produto.
Marx desmonta primeiro a armadilha da economia ”vulgar", aquela que
consiste em se ater apenas às aparências do jogo da oferta e da procura para
analisar os fenômenos de mercado.
Imaginemos um capitalista interessado em produzir sapatos, utilizando,
para calcular os custos de produção e o lucro, uma unidade de moeda qualquer.
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Pois bem, suponhamos que a produção de um par lhe custe 100 unidades de
moeda de matéria-prima, mais 20 com o desgaste dos instrumentos (ao término
da vida útil dos equipamentos/ o empresário terá de substituí-los por novos), mais
30 de salário diário pago a cada trabalhador. Essa soma - 150 unidades de moeda
- representa sua despesa com investimentos. O valor do par de sapatos produzido
nessas condições será a soma de todos os valores representados pelas diversas
mercadorias que entraram na produção (matéria-prima, instrumentos, força de
trabalho), o que totaliza também 150 unidades de moeda.
Sabemos que o capitalista produz para obter lucro, isto é, quer ganhar com
seus produtos mais do que investiu. No exemplo acima, vemos, porém, que o
valor de um produto corresponde exatamente ao que se investe para produzi-lo.
Como então se obtém o lucro?O capitalista poderia lucrar simplesmente aumentando o preço de venda do
produto - por exemplo, cobrando 200 unidades de moeda pelo par de sapatos.
Mas o simples aumento de preços é um recurso transitório e com o tempo traz
problemas. De um lado, uma mercadoria com preços elevados, ao sugerir
possibilidades de ganho imediato, atrai novos capitalistas interessados em
produzi-Ia. Com isso, porém, corre-se o risco de inundar o mercado com artigos
semelhantes, cujo preço fatalmente cairá. De outro lado, uma alta arbitrária nopreço de uma mercadoria qualquer tende a provocar elevação generalizada nos
demais preços, pois, nesse caso, todos os capitalistas desejarão ganhar mais com
seus produtos. Isso pode ocorrer durante algum tempo, mas, se a disputa se
prolongar poderá levar o sistema econômico à desorganização.
Na verdade, de acordo com a análise de Marx, não é no âmbito da compra
e da venda de mercadorias que se encontram bases estáveis para o lucro dos
capitalistas individuais nem para a manutenção do sistema capitalista. Ao
contrário, a valorização da mercadoria se dá no âmbito de sua produção.
A mais-valia
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Retomemos o nosso exemplo. Suponhamos que o operário tenha uma
jornada diária de nove horas e confeccione um par de sapatos a cada três horas.
Nessas três horas ele cria uma quantidade de valor correspondente ao seu
salário, que é suficiente para obter o necessário à sua subsistência. Como o
capitalista lhe paga o valor de um dia de força de trabalho, no restante do tempo,
seis horas, o operário produz mais mercadorias, que geram um valor maior do que
lhe foi pago na forma de salário. A duração da jornada de trabalho resulta,
portanto, de um cálculo que leva em consideração o quanto interessa ao
capitalista produzir para obter lucro sem desvalorizar seu produto.
Suponhamos uma jornada de nove horas, ao final da qual o sapateiro
produza três pares de sapatos. Cada par continua valendo 150 unidades moeda,
mas agora eles custam menos ao capitalista. É que, no cálculo do valor dos trêspares, a quantia investida em meios de produção também foi multiplicada por três,
mas a quantia relativa ao salário - correspondente a um dia de trabalho -
permaneceu constante. Desse modo, o custo de cada par de sapatos se reduziu a
130 unidades.
Assim, ao final da jornada de trabalho, o operário recebe 30 unidades de
moeda, ainda que seu trabalho tenha rendido o dobro ao capitalista: 20 unidades
de moeda, por par de sapatos produzido, totalizando 60 unidades de moeda. Essevalor a mais não retoma ao operário: incorpora-se ao produto e é apropriado pelo
capitalista.
Visualiza-se, portanto, que uma coisa é o valor da força de trabalho, isto é,
o salário e outra é o quanto esse trabalho rende ao capitalista. Esse valor
excedente produzido pelo operário é o que Marx chama de mais-valia.
O capitalista pode obter mais-valia procurando aumentar constantemente a
jornada de trabalho, tal como no nosso exemplo. Essa é, segundo Marx, a mais-
valia absoluta. É claro, porém, que a extensão indefinida da jornada esbarra nos
limites físicos do trabalhador e na necessidade de controlar a própria quantidade
de mercadorias que se produz.
Agora, pensemos numa indústria altamente mecanizada. A tecnologia
aplicada faz aumentar a produtividade, isto é, as mesmas nove horas de trabalho
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agora produzem um número maior de mercadorias, digamos, vinte pares de
sapatos. A mecanização também faz com que a qualidade dos produtos dependa
menos da habilidade e do conhecimento técnico do trabalhador individual. Numa
situação dessas, portanto, a força de trabalho vale cada vez menos e, ao mesmo
tempo, graças à maquinaria desenvolvida, produz cada vez mais. Esse é, em
síntese, o processo de obtenção daquilo que Marx denomina mais-valia relativa.
. O processo descrito esclarece a dependência do capitalismo em relação
ao desenvolvimento das tecnologias de produção. Mostra ainda como o trabalho,
sob o capital, perde todo o atrativo e faz do operário mero "apêndice da máquina".
As relações políticas
Após essa análise detalhada do modo de produção capitalista, Marx passa
ao estudo das formas políticas produzidas no seu interior. Ele constata que as
diferenças entre as classes sociais não se reduzem a diversas quantidades de
riquezas, mas expressam uma diferença de "existência material". Os indivíduos de
uma mesma classe social partilham uma situação de classe que Ihes é comum,
incluindo valores, comportamentos, regras de convivência e interesses.
A essas diferenças econômicas e sociais segue-se uma desigualdistribuição de poder. Diante da alienação do operariado, as classes
economicamente dominantes desenvolveram formas de dominação políticas que
Ihes permitem apropriar-se do aparato de poder do Estado e, com ele, legitimar
seus interesses sob a forma de leis e planos econômicos e políticos.
Cada forma assumida pelo Estado na sociedade burguesa seja sob o
regime liberal, monárquico, monárquico constitucional ou ditatorial, representa
diferentes maneiras pelas quais ele se transforma num "comitê para gerir os
negócios comuns de toda a burguesia" (K. Marx e F. Engels “Manifesto do Partido
Comunista", in Cartas filosóficas e outros escritos, p. 86), sob quaisquer dos
regimes já propostos, dos mais liberais aos mais ditatoriais.
Para Marx, as condições específicas de trabalho geradas pela
industrialização tendem a promover a consciência de que há interesses comuns
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para o conjunto da classe trabalhadora e, conseqüentemente, tendem a
impulsionar a sua organização política para a ação. A classe trabalhadora,
portanto, vivendo uma mesma situação de classe e sofrendo progressivo
empobrecimento em razão das formas cada vez mais eficientes de exploração do
trabalhador, acaba por se organizar politicamente. Essa organização é que
permite a tomada de consciência da classe operária e sua mobilização para a
ação política.
Materialismo histórico
Para entender o capitalismo e explicar a natureza da organização
econômica humana, Marx desenvolveu uma teoria abrangente e universal, queprocura dar conta de toda e qualquer forma produtiva criada pelo homem. Os
princípios básicos dessa teoria estão expressos em seu método de análise - o
materialismo histórico.
Marx parte do princípio de que a estrutura de uma sociedade qualquer
reflete a forma como os homens se organizam para a produção social de bens que
engloba dois fatores fundamentais: as forças produtivas e as relações de
produção.As forças produtivas constituem as condições materiais de toda a produção.
Qualquer processo de trabalho implica determinados objetos - matérias-primas
identificadas e extraídas da natureza -e determinados - instrumentos - conjunto de
forças naturais já transformadas e adaptadas pelo homem, como ferramentas ou
máquinas, utilizadas segundo uma orientação técnica específica. O homem,
principal elemento das forças produtivas, é o responsável por fazer a ligação entre
a natureza e a técnica e os instrumentos. O desenvolvimento da produção vai
determinar a combinação e o uso desses diversos elementos: recursos naturais,
mão-de-obra disponível, instrumentos e técnicas produtivas. Essas combinações
procuram atingir o máximo de produção em função do mercado existente. A cada
forma de organização das forças produtivas corresponde uma determinada forma
de relação de produção.
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As relações de produção são as formas pelas quais os homens se
organizam para executar a atividade produtiva. Elas se referem às diversas
maneiras pelas quais são apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no
processo de trabalho: as matérias-primas, os instrumentos e a técnica, os próprios
trabalhadores e o produto final. Assim, as relações de produção podem ser, num
determinado momento, cooperativistas (como num mutirão) escravistas (como na
Antigüidade), servis (como na Europa feudal), ou capitalistas (como na indústria
moderna).
Forças produtivas e relações de produção são condições naturais e
históricas de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela qual
ambas existem e são reproduzidas numa determinada sociedade constitui o que
Marx denominou "modo de produção".Para Marx, o estudo do modo de produção é fundamental para
compreender como se organiza e funciona uma sociedade. As rela ções de
produção, nesse sentido, são consideradas as mais importantes relações sociais.
Os modelos de família, as leis, a religião, as idéias políticas, os valores sociais são
aspectos cuja explicação depende, em princípio, do estudo do desenvolvimento e
do colapso de diferentes modos de produção. Analisando a história, Marx
identificou alguns modos de produção específicos: sistema comunal primitivo,modo de produção asiático, modo de produção antigo, modo de produção
germânico, modo de produção feudal e modo de produção capitalista. Cada qual
representa diferentes formas de organização da propriedade privada, comunitária
ou estatal e da exploração do homem pelo homem.
Em cada modo de produção, a desigualdade de propriedade, como
fundamento das relações de produção, cria contradições básicas com o
desenvolvimento das forças produtivas. Essas contradições se acirram até
provocar um processo revolucionário, com a derrocada do modo de produção
vigente e a ascensão de outro.
A historicidade e a totalidade
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A teoria marxista repercutiu de maneira decisiva não só na Europa - objeto
primeiro de seus estudos - como nas colônias européias e em movimentos de
independência. Incentivou os operários a organizarem partidos marxistas - e os
sindicatos revolucionários -, levou intelectuais à crítica da realidade e influenciou
as atividades científicas de modo geral e as ciências humanas em particular.
Além de elaborar uma teoria que condenava as bases sociais da espoliação
capitalista, conclamando os trabalhadores a construir, por meio de sua práxis
revolucionária, uma sociedade assentada na justiça social e igualdade real entre
os homens, Marx conseguiu, como nenhum outro, com sua obra, estabelecer
relações profundas entre a realidade, a filosofia e a ciência.
Por sua formação filosófica, Marx concebia a realidade social como uma
concretude histórica, isto é, como um conjunto de relações de produção quecaracteriza cada sociedade num tempo e espaço determinados. Na obra O 18
Brumário de Luís Bonaparte, Marx dá um exemplo do seu método ao analisar o
golpe de Estado ocorrido na França no século XIX, encabeçado pelo sobrinho de
Napoleão I, mostrando como este parodiou o feito do tio que, em 1799, substituiu
a República pela Ditadura. Marx vaticinou o fracasso da aventura do sobrinho,
porque este aplicou a mesma fórmula política do tio, porém, para uma conjuntura
totalmente diferente daquela enfrentada por Napoleão Bonaparte.Por outro lado, cada sociedade representava para Marx uma totalidade, isto
é, um conjunto único e integrado das diversas formas de organização humana nas
suas mais diversas instâncias - família, poder, religião. Entretanto, apesar de
considerar as sociedades da sua época e do passado como totalidades e como
situações históricas concretas, Marx conseguiu, pela profundidade de suas
análises, extrair conclusões de caráter geral e aplicáveis a formas sociais
diferentes. Assim, ao analisar o golpe de Luís Bonaparte, identifica na estrutura de
classes estabelecida na França aspectos universais da dinâmica da luta de
classes.
A amplitude da contribuição de Marx
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O sucesso e a penetração do materialismo histórico quer no campo da
ciência - ciência política, econômica e social -, quer no campo da organização
política, se deve ao universalismo de seus princípios e ao caráter totalizador que
Marx imprimiu às suas idéias. Deve-se também ao caráter militante das idéias
propostas, voltadas para a ação prática e para a práxis revolucionária.
Além desse universalismo da teoria marxista - mérito que a diferencia de
todas as teorias subseqüentes - outras questões adquiriram nova dimensão com
os princípios sustentados por Karl Marx. Um deles foi à objetividade científica, tão
perseguida pelas ciências humanas. Para Marx, a questão da objetividade só se
coloca como consciência crítica. A ciência, assim como a ação política, só pode
ser verdadeira e não-ideológica se refletir uma situação de classe e,
conseqüentemente, uma visão crítica da realidade. Assim, objetividade não é umaquestão de método, mas de como o pensamento científico se insere no contexto
das relações de produção e na história.
A idéia de uma sociedade "doente" ou "normal", preocupação dos cientistas
sociais positivistas, desaparece em Marx. Para ele, a sociedade é constituída de
relações de conflito e é de sua dinâmica que surge a mudança sócia. Fenômenos
como luta, contradição, revolução e exploração são constituintes dos diversos
momentos históricos e não disfunções sociais.A partir do conceito de movimento histórico proposto por Hegel, assim como
do historicismo existente em Weber, Marx redimensiona o estudo da sociedade
humana. Suas idéias marcaram de maneira definitiva o pensamento científico e a
ação política dessa época, assim como das posteriores, formando duas diferentes
maneiras de atuação sob a bandeira do marxismo. A primeira é abraçar o ideal
comunista, dê uma sociedade em que estão abolidas as classes sociais e a
propriedade privada dos meios de produção. Outra é exercer a crítica à realidade
social, procurando suas contradições, desvendando as relações de exploração e
expropriação do homem pelo homem, de modo a entender o papel dessas
relações no processo histórico.
Não é preciso afirmar a contribuição da teoria marxista para o
desenvolvimento das ciências sociais. A abordagem do conflito, da dinâmica
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histórica, da relação entre consciência e realidade e da correta inserção do
homem e de sua práxis no contexto social foram conquistas jamais
abandonadas pelos sociólogos. Isso sem contar a habilidade com que o método
marxista possibilita o constante deslocamento do geral para o particular, das leis
macrossociais para suas manifestações históricas, do movimento estrutural da
sociedade para a ação humana individual e coletiva.
A sociologia, o socialismo e o marxismo
A teoria marxista teve ampla aceitação teórica e metodológica, assim
como política e revolucionária. Já em 1864, em Londres, Karl Marx e Friedrich
Engels estruturaram a Primeira Associação Internacional de Ope rários, ouPrimeira Internacional, promovendo a organização e a defesa dos operários
em nível internacional. Extinta em 1873, a difusão das idéias das propostas
marxistas ficou por conta dos sindicatos existentes em diversos países e nos
partidos, especialmente os social-democratas.
A Segunda Internacional surgiu na época do centenário da Revolução
Francesa (1889), quando diversos congressos socialistas tiveram lugar nas
principais capitais européias, com várias tendências, nem sempre conciliáveis. APrimeira Guerra Mundial pôs fim à Segunda Internacional como uma organização
revolucionária da classe trabalhadora*, em 1914. Em 1917, uma revolução
inspirada nas idéias marxistas, a Revolução Bolchevique, na Rússia, criava no
mundo o primeiro Estado operá rio. Em 1919, inaugurava-se a Terceira
Internacional ou Comintern, que, como a primeira, procurava difundir os ideais
comunistas e organizar os partidos e a luta dos operários pela tomada do poder. O
Comintern foi dissolvido em 1943, como gesto de amizade do antigo bloco
soviético em relação aos aliados da Segunda Guerra Mundial.
A aceitação dos ideais marxistas não se restringia mais apenas à Europa.
Difundia-se pelos quatro continentes, à medida que se desenvolvia o capitalismo
internacional. À formação do operariado no restante do mundo seguia-se o
surgimento de sindicatos e partidos marxistas. Os ideais marxistas também se
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adequavam perfeitamente à luta por soberania e autonomia, existente nos países
latino-americanos no início do século XX, assim como à luta pela independência
que surgia nas colônias européias da África e da Ásia, após a Segunda Guerra
Mundial.
Em 1919, surgiram partidos comunistas na América do Norte, na China e no
México; em 1920, no Uruguai; em 1922, no Brasil e no Chile; e, em 1925, em
Cuba. O movimento revolucionário tornava-se mais forte à medida que os Estados
Unidos e a URSS emergiam como potências mundiais e passavam a disputar sua
influência no mundo. Várias revoluções, como a chinesa, a cubana, a vietnamita e
a coreana, instauraram governos revolucionários que, apesar das suas diferenças,
organizavam um sistema político com algumas características comuns - forte
centralização, economia altamente planejada, coletivização dos meios deprodução, fiscalismo e uso intenso de propaganda ideológica e do culto ao
dirigente.
Intensificava-se, nos anos 1950 e 1960, a oposição entre os dois blocos
mundiais - o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, liderado
pela URSS. A polarização política e ideológica é transferida para o conjunto do
método e da teoria marxista que passam a ser usados, sob o peso da direção do
stalinismo na URSS e dos partidos comunistas a ele filiados, como um corpodoutrinário fechado para legitimar a tese do "socialismo em um só país",
preconizada pela liderança soviética, e da gestão burocrática dos estados
socialistas. O marxismo deixou de ser um método de análise da realidade social
para transformar-se em ideologia, perdendo, assim, muito da sua capacidade de
elucidar os homens em relação ao seu momento histórico e mobilizá-los para uma
tomada consciente de posição.
Em razão dessa disseminação pelo mundo e de sua vulgarização, o
marxismo começou a ser identificado com todo movimento revolucionário que se
propunha combater as desigualdades sociais entre homens e mulheres, entre
diferentes grupos nacionais, étnicos e religiosos. Todos eles são considerados
movimentos de esquerda - uma referência aos jacobinos, partido que, à época da
Revolução Francesa, defendia ideais de igualdade e liberdade e sentava-se à
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esquerda na Assembléia. Todos se confundem com o marxismo, dificultando a
identidade e a especificidade das teorias de Marx.
Entre 1989 e 1991, desfazia-se o bloco soviético após uma crise interna e
externa bastante intensa - dificuldade em conciliar as diferenças regionais e
étnicas, falta de recursos para manter um estado de permanente beligerância,
atraso tecnológico, gestão burocrática da economia e do Estado, baixa
produtividade, escassez de produtos, inflação e corrupção, entre outros fatores. O
fim da União Soviética provocou um abalo nos partidos de esquerda do mundo
todo e o redimensionamento das forças internacionais.
Por outro lado, nas últimas décadas, em diferentes países, partidos
socialistas conseguiram eleger deputados e até presidentes sem que a forma de
poder ou a política econômica tenham se modificado significativamente. Assim, ocaráter revolucionário dos partidos de inspiração marxista passa a ser questionado
ao mesmo tempo que torna possível a convivência pacífica destes com o
capitalismo, pois o objetivo desses partidos não é mais o de romper com o
capitalismo, mas apenas o de reformá-lo. Rever as idéias de Karl Marx, entender
que, para ele, a teoria não pode se distinguir da práxis sob pena de se tornar
alienada e vazia, mas que a história não depende apenas da disposição humana,
torna-se fundamentai para a compreensão da sociedade contemporânea e dascrises que ora se apresentam. É importante também para rever conceitos que não
foram criados para a especulação científica, mas para a ação concreta sobre o
mundo.
Toda essa explicação a respeito do marxismo se faz necessária por
diversas razões.
Em primeiro lugar, porque a sociologia confundiu-se com socialismo em
muitos países, em especial nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento
- como são hoje chamados os países dependentes da América Latina e da Ásia,
surgidos das antigas colônias européias. Nesses países, intelectuais e líderes
políticos associaram de maneira categórica o desenvolvimento da sociologia ao
desenvolvimento da luta política e dos parti dos marxistas. Entre eles, a derrocada
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do império soviético foi sentida como uma condenação e quase como a
inviabilidade da própria ciência.
É preciso lembrar que as teorias marxistas transcendem o momento
histórico no qual são concebidas e têm uma validade que extrapola qualquer das
iniciativas concretas que buscam viabilizar a sociedade justa e igualitária proposta
por Marx. Nunca será bastante lembrar que a ausência da propriedade privada
dos meios de produção é condição necessária, mas não suficiente da sociedade
comunista teorizada por Marx. Assim, não se devem confundir tentativas de
realizações levadas a efeito por inspiração das teorias marxistas com as propostas
de Marx de superação das contradições capitalistas. Também é improcedente - e
de maneira ainda mais rigorosa - confundir a ciência com o ideário político de
qualquer partido. Pode haver integração entre um e outro, mas nunca identidade.Em segundo lugar, é preciso entender que a história não termina em
qualquer de suas manifestações particulares, quer na vitória comunista, quer na
capitalista. Como Marx mostrou, o próprio esforço por manter e reproduzir um
modo de produção acarreta modificações qualitativas nas forças em oposição.
Assim, em termos científicos e marxistas, é preciso voltar o olhar para a
compreensão da emergência de novas forças sociais e de novas contradições.
Enganam-se os teóricos de direita e de esquerda que vêem em dado momento arealização mítica de um modelo ideal de sociedade.
Em terceiro lugar, hoje se vive nas ciências, de maneira geral, um momento
de particular cautela, pois, após dois ou três séculos de crença absoluta na
capacidade redentora da ciência, em sua possibilidade de explicitar de maneira
inequívoca e permanente a realidade, já não se acredita na infalibilidade dos
modelos, e o trabalho permanente de discussão, revisão e complementação se
coloca como necessário. Não poderia ser diferente com as ciências sociais, que,
do contrário, adquiririam um estatuto de religião e fé, uma vez que se apoiariam
em verdades eternas e imutáveis.
Contrariamente às formulações que preconizam o fim das lutas sociais
entre as classes, é possível reconhecer, na sociedade contemporânea, a
persistência dos antagonismos entre o capital social total e a totalidade do
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trabalho, ainda que particularizados pelos inúmeros elementos que caracterizam a
região, país, economia, sociedade, sua inserção na estrutura produtiva global,
bem como pelos traços da cultura, gênero, etnia, etc.
Assim, o fim da União Soviética não significou o fim da história ou da
sociologia, nem o esgotamento do marxismo como postura teórica das mais
amplas e fecundas, com um poder de explicação não alcançado pelas análises
posteriores. Tampouco terminou com a derrubada do Muro de Berlim o ideal de
uma sociedade justa e igualitária. O que se torna necessário é rever essa
sociedade cujas relações de produção se organizam sob novos princípios -
enfraquecimento dos estados nacionais, mundialização do capitalismo, formação
de blocos supranacionais e organização política de minorias étnicas, religiosas e
até sexuais -, entendendo que as contradições não desapareceram mas seexpressam em novas instâncias.
Em seu livro De volta ao palácio do barba azul, George Steiner mostra
como a sociedade pós-clássica acabou por desmanchar os antagonismos mais
agudos que existiam na sociedade ocidental. Os grupos etários se aproximam, as
distinções comportamentais dos sexos desaparecem, o mundo rural e o urbano se
integram numa estrutura única industrial, e assim por diante. É nessa perspectiva
que ele propõe uma releitura da teoria marxista, tentando encontrar em diferentesconjunturas sociais formas de contradição e exploração como as que Marx
distinguiu na realidade francesa e na inglesa. Por mais que pretendesse entender
o desenvolvimento universal da sociedade humana, Marx jamais deixou de
respeitar cientificamente a especificidade e a historicidade de cada uma de
suas manifestações.
Bibliografia_Cristina Costa-Introdição a Sociologia