Processo n.º 41/2012 1
Processo n.º 41/2012. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança. Aplicação subsidiária do
Código de Processo Penal no procedimento disciplinar. Proibições de prova. Artigos
116.º, n.º 1 e 337.º, n.º 7, do Código de Processo Penal.
Data da Sessão: 31 de Julho de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – De acordo com o artigo 256.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, o processo disciplinar dos
membros das forças de segurança rege-se pelas normas constantes do mencionado Estatuto e,
na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os
trabalhadores da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal.
II – Ainda que não existisse norma citada na conclusão anterior, como o procedimento
disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza sancionatória, no processo
de integração de lacunas, esgotado o recurso à analogia dentro do próprio direito processual
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disciplinar, há que fazer apelo às normas e princípios do procedimento administrativo, só em
seguida se recorrendo às normas e princípios do processo penal, na medida em que não vá
contra a especificidade do procedimento disciplinar.
III – Na questão das proibições de prova previstas em processo penal, em que estão em
causa as garantias de defesa do arguido, terá sempre de equacionar-se a sua aplicação em
processo disciplinar.
IV – Os artigos 116.º, n.º 1 e 337.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, aplicam-se no
procedimento disciplinar.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO
ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a
Segurança, de 25 de Outubro de 2010, que o puniu disciplinarmente com a pena de demissão.
Por acórdão de 9 de Fevereiro de 2012, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou
provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância
(TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- Tal com indicado no acórdão recorrido, o acto administrativo que aplicou ao
recorrente a pena de demissão tem por base as provas seguintes: Análise à urina, Depoimentos
de outros polícias e Declarações do próprio arguido concatenadas com os demais elementos
probatórios.
- Quantos as últimas duas provas, ou seja as declarações prestadas pelos outros guardas
policiais e o depoimento do próprio arguido, o recorrente considera que os quais não dão para
provar directamente que ele chegou a consumir Ketamina. O facto imputado ao recorrente do
consumo de Ketamina foi simplesmente por causa do relatório da análise à urina feita pelo
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recorrente após ter sido conduzido ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário, pelo que, o
relatório é muito importante para o apuramento dos factos.
- Na audiência de julgamento realizada no Tribunal Judicial de Base, o patologista
clínico do Hospital Central Conde de S. Januário confirmou que, segundo o relatório da
análise de urine constante de fls. 7 do processo de averiguação/disciplinar, a urina do
recorrente só continha duas substâncias, designadamente: Tricyclic Antidepressantes e
Benzodiazepines, mas essas duas substâncias não são componentes do estupefaciente
Ketamina.
- Nos termos do art.º 149º, n.º1 do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do
art.º 292º, n.º4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo D.L
n.º87/98/M (daqui em diante, designado simples por “ETAPM”): “o juízo técnico, científico
ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.”
- O acórdão recorrido não proferiu uma decisão favorável ao recorrente conforme a
forte prova acima referida, ou seja, anular o acto administrativo recorrido, isto, sem dúvida,
violou o supracitado dispositivo, devendo ser revogado, e ao mesmo tempo também não
especificou os fundamentos de facto e de direito que justificassem a inadmissão da prova
acima referida, nos termos do art.º 571º, n.º1, al. b) do Código Civil, é nulo acórdão recorrido.
- No recurso contencioso, o recorrente alegou que são depoimentos indirectos todos
depoimentos feitos respectivamente pelos indivíduos tais como o guarda-ajudante
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n.XXXXXX B, o subchefe n.ºXXXXXX C e o comissário D que ouviram o recorrente em
declaração. Pelo que, o despacho que aplicou ao recorrente a pena de demissão com base nos
depoimentos indirectos, violou evidentemente o art.º 257º do Estatuto e os art.ºs 116º, n.º1,
337º, n.º7, 336º, n.º1, aplicáveis por remissão do art.º 292º, n.º4 do ETAPM, e nos termos do
art.º 122º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, é nula a sua consequência
jurídica.
- Na petição do recurso, o recorrente alegou que, de acordo com os art.ºs 4º, 5º e 7º da
acusação do processo de averiguação/disciplinar, na altura o recorrente encontrava-se numa
condição mental anormal, estava distraído e não podia exprimir de forma clara a sua vontade,
revelando-se que o recorrente encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua
declaração. Pelo que, ao abrigo do art.º 250º, n.º1 do Código Civil de Macau, é anulável a sua
declaração de concordar em receber análise de urina. Na defesa escrita, o recorrente já alegou
a anulação do seu consentimento de ser submetido à análise de urina, pelo que deve essa parte
de prova ser considerada nula, não podendo servir da prova contra o recorrente.
- No recurso contencioso, o recorrente também alegou que o acórdão padece do vício de
nulidade. Nos termos do art.º 275º, n.º4 do Estatuto: “A acusação deverá conter a indicação
discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias
de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que
integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às
penas aplicáveis.”
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- Na respectiva acusação do processo de averiguação/disciplinar não contém o
supracitado facto, o instrutor deduziu acusação contra o recorrente sem ter realizado a
diligência de investigação para apurar o facto do consumo de drogas por parte do recorrente,
violando manifestamente as disposições acima referidas, razão pela qual, a respectiva
consequência jurídica é nula e a nulidade é insuprível. (art.º 262º, n.º1 do Estatuto)
- De acordo com o art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, não está
preenchido o pressuposto da acusação feita pelo acto administrativo de punição do Secretário
para a Segurança de que o recorrente violou o art.º 12º, n.º2, als. f) e g) do Estatuto, e deve ser
anulado o acto. O acórdão recorrido não anulou o dito acto administrativo de acordo com a lei,
padecendo também do vício de anulabilidade, devendo ser revogado.
- Quanto à violação do dever de assiduidade previsto no art.º 13º, n.º2, al. b) do Estatuto,
o recorrente saiu do seu posto de serviço porque tinha de ir à casa de banho, não tinha a
vontade de abandonar o trabalho ou ausentar-se do mesmo nem o dolo subjectivo, e na melhor
das hipóteses, tinha a negligência, pelo que, não está preenchido o pressuposto da violação do
dever de assiduidade previsto no art.º 13º, n.º2, al. b) do Estatuto.
- De acordo com os dados constantes do processo de averiguação/disciplinar, foi
aplicada ao recorrente a pena de demissão prevista no art.º 240º do Estatuto, e isto violou
gravemente o princípio da proporcionalidade.
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- Quanto às circunstâncias agravantes, de acordo com o processo de
averiguação/disciplinar, foi indicada a verificação das agravantes do art.º 201º, n.º2, al. d) e f)
do Estatuto: “d) Ser a infracção comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou
da instituição; f) A produção efectiva de resultados prejudiciais aos serviço, à disciplina, ao
interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa
consequência com efeito necessário da sua conduta.”
- Atentas as circunstâncias atenuantes tais como o bom comportamento anterior, a falta
de intenção dolosa e o pouco tempo de serviço, a aplicação das penas de repreensão previstas
no art.º 234º do Estatuto pode realizar de forma suficientes as finalidades da pena, isto é, a
prevenção geral e especial. (art.º 277º do ETAPM e o Direito Penal, aplicáveis por remissão
do art.º 256º do Estatuto).
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia
pela improcedência do recurso.
II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
É do seguinte teor o despacho punitivo:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
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Gabinete do Secretário para a Segurança
Secretário para a Segurança
Despacho n.º XX/SS/2010
Assunto: processo disciplinar
Processo n.º XX/2010 (CPSP)
Suspeito: A, guarda policial n.º XXX XXX do CPSP
Atentas as informações constas deste processo disciplinar, verificam-se provas
suficientes de o suspeito A, guarda policial n.º XXX XXX do CPSP, abandonar a área
patrulhada durante o patrulhamento. Sendo convocado para voltar ao Comissariado, o
suspeito encontrou-se psiquicamente anormal, ao depois, com o seu consentimento, ele foi
submetido ao exame médico no Hospital Central de Conde S. Januário, exame esse
apresentou o resultado positivo em relação a quetamina.
Para o efeito do processo disciplinar, em 9 de Março de 2010, o suspeito foi notificado
para apresentar a defesa escrita no prazo de 10 dias desde a notificação da respectiva acusação.
O mesmo apresentou a defesa escrita no prazo fixado.
Apesar de o suspeito alegar na defesa escrita que os depoimentos dos dois superiores
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hierárquicos seus (o comandante e o segundo-comandante) foram nulos por ser indirectos,
estes dois realizaram propriamente inquirições do suspeito, e prestaram depoimentos sobre o
teor dos diálogos nas inquirições, pelo que, os depoimentos não são indirectos. Além disso, o
suspeito deslocou-se, de forma voluntária, acompanhado por dois agentes, para o Hospital
Central de Conde S. Januário para submeter-se ao teste de despistes de drogas. A manifestação
da sua vontade não produziu nenhuma relação jurídica entre ele e os seus colegas. Sendo o
relatório do teste de despiste de drogas uma prova efectiva e forte, não pode o suspeito decidir
a admissão ou não daquele dependendo da vontade sua.
É sem dúvida que das provas obtidas no decurso da investigação do processo disciplinar
resulta que existem provas suficientes para acusar o suspeito, pela prática de infracção
disciplinar que violou os deveres estabelecidos no art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) e art.º 13.º, n.º 2,
al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 66/94/M de 30 de Dezembro. Ao abrigo do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) do EMFSM,
é aplicável as penas que inviabilizem a subsistência da relação jurídico-funcional.
Atentas a acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes e agravantes, tem-se
certeza de que a infracção disciplinar praticada pelo suspeito é grave, pelo que ele deixa de ser
qualificado para o exercício de função.
Nesta conformidade, após ouvidos o Conselho Disciplinar e Instrução do CPSP e o
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Conselho de Justiça e Disciplina, e considerada a censurabilidade da infracção disciplinar e o
comportamento anterior do suspeito, puno, no uso das competências conferidas na Ordem
Executiva n.º 122/2009 e artigo 211.º do EMFSM, o suspeito, A, guarda n.º XXX XXX do
CPSP, com a pena de demissão, nos termos do artigo 240.º do EMFSM e de acordo com o
anexo referido no artigo 4.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
Notifique o suspeito que pode recorrer desta decisão para o TSI.
Aos 25 de Outubro de 2010”.
Tal despacho teve por base o seguinte relatório elaborado no âmbito do respectivo
procedimento disciplinar:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Processo de Averiguações/Processo Disciplinar n.º XXX/2010
- Relatório Final da Instrução -
(1)
- A instrução do presente processo contra A, Guarda Policial n.º XXXXXX pelos “actos
irregulares” origina-se do despacho proferido pelo Segundo-Comandante do CPSP na
Informação do “Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau” n.º
XX/2010/CTM e dos documentos daí anexos. (fls. 2 a 18 dos presentes autos)
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(2)
- Em 27 de Janeiro do corrente ano, foram juntados aos presentes autos a Notificação do
Departamento de Trânsito n.º XX/2010/CTM e o documento emitido pelo Ministério Público
(Termo de Entrega e de Verificação)(fls. 19 e 20 dos presentes autos)
- No mesmo dia, foi também juntada aos presentes autos a Proposta deste Gabinete n.º
XX/2010/GJD.—(fls. 21 e 22 dos presentes autos)
(3)
- Em 26 de Janeiro do corrente ano, foi juntada aos presentes autos “Processo
Disciplinar/Notificação” deste Gabinete (a qual foi assinada pelo arguido)--(fls. 24 dos
presentes autos)
- No mesmo dia, através dos Verbetes deste Gabinete n.ºs XXX/2010/GJD e
XXX/2010/GJD, foram respectivamente notificados o Departamento de Gestão de Recursos e
o Departamento de Trânsito.-------(fls. 25 e 26 dos presente autos)
(4)
- Em 3 de Fevereiro do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º
XXX/2010/GJD, foi citado B, Guarda Principal do Departamento de Trânsito/Comissariado
de Trânsito de Macau, n.º XXXXXX e foi ouvido o “auto de declaração” sobre o incidente
referido na aludida Informação. Conforme a descrição do Guarda Principal B: Em 20 de
Janeiro de 2010, quando os elementos do piquete estavam a fazer formatura no Comissariado
antes do desempenho das funções, ele não verificou que A, Guarda Policial, n.º XXXXXX,
apresentava qualquer anomalia no seu estado mental.---
- O Guarda Principal B declarou que naquele dia, quando ele desempenhava as funções
de Tango-XX e no decurso de procurar o Tango-XXX (Guarda Policial n.º XXXXXX), dado
que não conseguiu saber o paradeiro de Tango-XXX, ele perguntou imediatamente a
localização de Tango-XXX através de walkie talkie, porém, após várias chamadas, o
Tango-XXX (Guarda Policial n.º XXXXXX) ainda não lhe respondeu, e cerca de 1 minuto
depois, o Tango-XXX só lhe respondeu. Na altura, o Tango-XXX (Guarda Policial n.º
XXXXXX) respondeu “intermitentemente”, com pronúncia “não clara” que ele estava numa
casa de banho perto do Edifício Hoi Fu Fa Un. Dado que a localização que o Tango-XXX
(Guarda Policial n.º XXXXXX) informou não estava no seu âmbito de trajectória rodoviária e
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a conduta do referido guarda o fez sentir-se estranho, por isso, ele mandou imediatamente o
regresso do Tango-XXX ao Comissariado de Trânsito, no sentido de investigar o que
aconteceu.---
- O Guarda Policial B declarou que no Comissariado, ele viu que o Tango-XXX (Guarda
Policial n.º XXXXXX) pareceu “não ter acordado” ainda, por isso, ele perguntou-lhe (Guarda
Policial n.º XXXXXX) várias perguntas; e quando lhe perguntou “se havia consumido
substâncias psicotrópicas”, o referido Guarda A não negou a referida pergunta e só lhe disse
“desculpe, dê-me uma oportunidade”. Depois de concluído o interrogatório ao Guarda A, o
chefe do piquete (Tango-XX, Subchefe n.º XXXXXX) também regressou ao Comissariado,
pelo que, ele informou o referido chefe do piquete do que se passou para o mesmo continuar a
acompanhar o caso.-
- O Guarda Principal B declarou que na altura, ele estava ao lado do referido chefe do
piquete (Tango-XX), e quando o chefe do piquete perguntou “se você consumiu pó de K
(ketamina)?”, o Guarda Policial A confessou efectivamente que tinha consumido droga leve
num estabelecimento de diversões dias atrás.---(vide fls. 34 e 35 dos presentes autos).
- No mesmo dia, foi citado D, Comissário n.º XXXXXX, Chefe do Departamento de
Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de
declaração”sobre o incidente referido na aludida Informação.-
- O Comissário D declarou que depois de C, Subchefe n.º XXXXXX, levar o Guarda
Policial A ao seu gabinete para lhe informar que se suspeitava que o referido guarda policial
tinha consumido droga leve, ele procedeu imediatamente ao interrogatório ao Guarda Policial
A. Na altura, o Guarda Policial A confessou expressamente “ter consumido droga leve
(ketamina vulgarmente conhecida por pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.
Na altura, para além do Comissário D e do Guarda Policial A, o Subchefe C também esteve
presente no local e ouviu a confissão feita pelo Guarda Policial A.-(fls. 36 dos presentes
autos)
(5)
- Em 5 de Fevereiro do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º
XXX/2010/GJD, foi citado C, Subchefe n.º XXXXXX do Departamento de
Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de declaração”
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sobre o incidente referido na aludida Informação.
- O Subchefe C declarou que durante a sua patrulha perto da Avenida de Horta e Costa
naquele dia, ele ouviu o diálogo entre o Tango-XXX (Guarda Policial A, n.º XXXXXX) e o
subchefe do piquete (Tango-XX) através de walkie talkie, e conforme a ordem do referido
subchefe do piquete, o Tango-XXX teve de regressar imediatamente ao Comissariado de
Trânsito, por isso, ele também voltou para o Comissariado, no sentido de conhecer melhor o
incidente.-
- O Subchefe C declarou que logo depois de voltar para o Comissariado, o subchefe do
piquete (Tango-XX) informou-lhe resumidamente do referido incidente, em seguida, ele fez
várias perguntas ao referido Guarda A e quando lhe perguntou “se você consumiu K?”, o
Guarda Policial A, n.º XXXXXX) confessou efectivamente “ter consumido pó de K
(ketamina)!”, pelo que, ele levou o Guarda Policial A ao gabinete do Chefe do Comissariado
para informar superiormente o referido incidente.--(fls. 38 e 39 dos presentes autos)
(6)
- Em 8 de Fevereiro do corrente ano, foi citado em sucesso, através do telefone, o
arguido A (Guarda Policial n.º XXXXXX) do Departamento de Trânsito/Comissariado de
Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de declaração” sobre o incidente referido
na aludida Informação.--
- O arguido A declarou que durante o desempenho das funções (Tango-XXX) naquele dia,
ele não conseguiu ouvir as chamadas feitas pelo Tango-XX (subchefe do piquete) por estar a
conduzir o motociclo para uso de patrulha, e logo depois de ouvir a chamada, ele já a
respondeu imediatamente.---
- O arguido A declarou que na altura ele respondeu ao Tango-XX (subchefe do piquete)
através de walkie talkie que estava na Rotunda de São João Bosco, perto do Edifício Hoi Fu
Fa Un”, no caminho para ir à casa de banho (não indicou concretamente o local). Visto que na
altura ele já passou pela referida Rotunda, ele respondeu ao Tango-XX que estava na referida
Rotunda.---
O arguido A declarou que depois de o Tango-XX (Guarda Principal n.º XXXXXX)
regressar ao Departamento de Trânsito, este fez-lhe várias perguntas. Visto que na altura
estava mal disposto e com má audição, ele, de facto, já não se lembra todos os conteúdos das
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perguntas feitas pelo Tango-XX, e conforme a sua memória, ele só se lembra que o Tango-XX
lhe perguntou porquê é que não “respondeu às chamadas”, porquê estava mal disposto e se
tinha ido ao karaoke (estabelecimento de karaoke); Quanto às perguntas feitas pelo Tango-XX,
ele respondeu os seguintes: “não respondi às chamadas feitas através de walkie talkie porque
não as ouvi!”, “tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de ir ao serviço (desde 00h00 do dia
20), só voltei para casa para dormir às 06h00 da manhã e acordei ao meio dia daquele dia. Em
seguida, fui ao serviço depois de tomar os medicamentos com “substâncias anti-inflamatórias”
e “descongestionantes nasais”, por isso, estou mal disposto!”, “também tinha ido ao
karaoke!”.-----
- O arguido A declarou que quando o Tango-XX (subchefe do piquete) fez-lhe perguntas,
ele nunca lhe disse “desculpe, dê-me uma oportunidade!”; em seguida, quando o Tango-XX
(chefe do piquete, C, Subchefe n.º XXXXXX) lhe fez perguntas, ele disse efectivamente
“desculpe, dê-me uma oportunidade!”, conforme a sua explicação, ele disse aquilo ao
Tango-XX uma vez que o Tango-XX tinha feito várias chamadas através de walkie talkie, mas,
ele não as respondeu, por isso, ele tinha medo que o Tango-XX (chefe do piquete) considerou
que a sua conduta constituiria infracção disciplinar e informaria o caso ao superior através da
elaboração da informação.---
- O arguido A declarou que conforma a sua memória, no Comissariado de Trânsito,
depois de o Tango-XX (chefe do piquete, C, Subchefe n.º XXXXXX), tomar o conhecimento
do referido caso, ele fez-lhe várias perguntas, e conforme a sua memória, as suas perguntas
são mais ou menos iguais às perguntas feitas pelo Tango-XX, contudo, ambos os Tango-XX e
Tango-XX não lhe perguntaram “se você consumiu K (ketamina, também conhecida por
droga leve)”!----
- O arguido A declarou que durante o interrogatório realizado pelo Tango-XX (chefe do
piquete), ele nunca confessou perante o chefe do piquete que “tinha consumido droga leve (pó
de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.---
- O arguido A declarou que quando o Tango-XX (chefe do piquete) levou-o para
informar o caso ao superior (Comissário D), ele nunca confessou perante o Comissário D que
ele “tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.---
- O arguido A declarou firmemente que antes e durante o desempenho das funções, ele
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nunca consumiu droga leve vulgarmente conhecida por “pó de K (ketamina)”.----
- O arguido A declarou que quanto ao teste de urina para detecção de drogas feito no
Centro Hospitalar de Conde São Januário, ele não sabe as razões pelas quais o referido teste
mostrou um “resultado positivo”, presumindo que entre 00h00 e 06h00 do dia em que ocorreu
o caso, ele foi sozinho a um jardim perto da sua casa para beber cerveja, durante o qual, três
homens não conhecidos avançaram para meter conversa com ele, por isso, eles conversaram
no referido jardim e beberam cervejas em conjunto; provavelmente as cervejas oferecidas
pelos referidos homens foram misturadas com ketamina, vulgarmente conhecida por pó de K
ou outras droga leve, o que causou que o seu teste de urina mostrasse um “resultado
positivo”.----(fls. 44 e 45 dos presentes autos)
(7)
- Em 1 de Março do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete, n.º XXX/2010/GJD,
pediu ao Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito o fornecimento de
informações.------(fls. 47 dos presentes autos)
(8)
- Em 9 de Março do corrente ano, foi deduzida acusação contra o arguido A, Guarda
Policial n.º XXXXXX, e deu-lhe uma cópia da referida “acusação” e um “certidão de
acusação”, bem como deu-lhe um prazo de 10 dias para defesa.---(fls. 52 a 54 dos presentes
autos)
- No mesmo dia, foram juntados aos presentes autos o ficheiro n.º 3 e os documentos
anexos ao Verbete do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau n.º
XXX/CTM/DT.---(fls. 48 a 51 dos presentes autos)
(9)
- Em 10 de Março do corrente ano, foram juntados ao presente processo o ofício emitido
pelo Advogado E (pedido de consulta dos autos) e o original da “Procuração”.----(fls.55 e 56
dos presentes autos)
(10)
- Em 12 de Março do corrente ano, procedeu-se à notificação do Advogado E através do
telefone.------
(11)
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- Em 15 de Março do corrente ano, cerca das 15h00, o Advogado E dirigiu-se ao presente
Gabinete para consultar, perante mim, todos os conteúdos constantes dos autos e registar
simplesmente os “números de página”.------
(12)
- Em 16 de Março do corrente ano, foram juntados aos presentes autos o original do
pedido emitido pelo Advogado E e a cópia da “factura de receita” emitida pelo Departamento
de Contabilidade deste CPSP. --(fls. 60 e 61 dos presentes autos)
(13)
- Em 19 de Março do corrente ano, o arguido A, Guarda Policial n.º XXXXXX,
apresentou, através do “defensor/ Advogado E” a “defesa escrita” em chinês, na qual pediu a
realização de diligências instrutórias complementares.----(fls.62 a 92 dos presentes autos)
(14)
- Em 23 de Abril do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º XXX/2010/GJD,
foram respectivamente citados F, Subchefe n.º XXXXXX e G, Guarda n.º XXXXXX, ambos
subordinados ao Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foram
ouvidos os respectivos “autos de declaração” sobre o incidente referido na aludida
Informação.-----
- O Subchefe F declarou que conforme a sua memória, quando ele ouviu o depoimento
prestado pelo Subchefe C, este disse-lhe de forma expressa que “o Guarda Policial A
confessou perante ele que tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de
diversões dias atrás”, contudo, o Subchefe Im não lhe disse o “local concreto” onde o Guarda
Policial A consumiu drogas e o “tempo”.--------
- O Subchefe F declarou que quando ele ouviu o depoimento do Guarda Policial A, este
disse-lhe que quando desempenhava as funções à tarde daquele dia (20/10/2010), o Guarda
Policial A recebeu a ordem do Guarda Principal de apelido B, ordenando o seu regresso
imediato ao Comissariado de Trânsito, em seguida, no Comissariado de Trânsito, quando o
Subchefe C e o Guarda Principal de apelido B fizeram-lhe perguntas, as respostas dadas pelo
Guarda Policial A foram lentas, por isso, o Guarda Policial A suspeitou que isto era a sequela
provocada pelos medicamentos com substâncias “anti-inflamatórias” e “descongestionantes
nasais” que ele tomou antes de ir ao serviço, e ele (A) negou firmemente ter confessado
Processo n.º 41/2012 15
perante o Subchefe C e o Guarda Principal B que ele “tinha consumido droga leve (pó de K)
num estabelecimento de diversões dias atrás”.-----
- O Subchefe F declarou que o Guarda Policial A negou ter dito perante o Guarda
Principal de apelido B: “dê-me uma oportunidade, desculpe!”-------
- O Subchefe F declarou que o Guarda Policial A é um guarda policial recém formado
que foi destacado para o Departamento de Trânsito há pouco tempo, por isso, ele não o
conhece bem nem sabe nada se A é um guarda policial que trabalha com zelo, demonstra
excelência no seu trabalho e mostra elevado sentido de responsabilidade.----(fls. 96 e 97 dos
presentes autos)
- A descrição do incidente ocorrido naquele dia feita pelo Guarda Policial G é
basicamente igual ao descrito pelo Subchefe F.---(fls. 98 e 99 dos presentes autos)
(15)
- Em 28 de Abril do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete, n.º XXX/2010/GJD,
foi citada H, Guarda Policial n.º XXXXXX, subordinada ao Departamento Policial de
Macau/Comissariado Policial N.º 2, e foi ouvido o “auto de declaração” sobre o incidente
referido na aludida Informação.-----
- A Guarda Policial H declarou ser a irmã mais velha de A e mora com A e os pais no
[Endereço (1)]. Ela vive em harmonia com o seu irmão mais novo A e tem uma boa relação
com ele.-----------
- A Guarda Policial H declarou que conforme o seu conhecimento, a saúde do seu irmão
mais novo A não é muito boa. O seu irmão tem sido magro desde pequeno e devido à fraca
resistência à doença, ele tem doença sempre, e principalmente, ele tem de tomar
medicamentos para o estômago durante um longo período de tempo. Quando era pequeno, ele
sofria sempre ferimentos no nariz, por isso, para além de tomar medicamentos para o
estômago, ele ainda tem de tomar medicamentos descongestionantes nasais. Além disso, dado
que a saúde do seu irmão não é boa, ele também tem de tomar vários tipos de medicamentos
para tratamento médico ou aliviar as dores.-------------------
- Conforme o conhecimento do Guarda Policial H, o seu irmão não faz desporto sempre,
e no tempo livre, ele gosta de navegar no site (“navegar pela internet”) em casa e conversar
com amigos através da internet, ou às vezes, ele gosta de ter refeições e conversar com
Processo n.º 41/2012 16
familiares ou amigos. Conforme o seu conhecimento, o seu irmão mais novo A nunca fica
viciado em drogas leves.-----
- A Guarda Policial H declarou que sempre que ela e o seu irmão mais novo A têm tempo
livre em casa, o seu irmão abre-se com ela sobre as dificuldades enfrentadas ou experiências
desagradáveis no trabalho, ouvindo os pontos de vista dela.-----
- A Guarda Policial H mais declarou que conforme o seu conhecimento, a fracção
([Endereço (1)]) onde ela, o seu irmão mais novo A e os pais moram foi adquirida em 2008
através do crédito bancário, por isso, até agora, o referido crédito bancário ainda tem de ser
pago em prestações mensais, mas, ela não sabe muito bem o montante concreto da cada
prestação. Como os seus pais já deixam de trabalham, as despesas diárias da família e as
referidas prestações mensais ficam basicamente a cargo dela e do seu irmão mais novo
A.-----(fls. 106 e 107 dos presentes autos)
(16)
- Em 29 de Abril do corrente ano, foi juntado aos autos o original do ofício emitido pelo
Advogado E (pedido de consulta dos autos).----(fls. 108 dos presentes autos)
(17)
- Em 30 de Abril do corrente ano, foi juntada aos presentes autos “Processo
Disciplinar/Notificação” emitida por este Gabinete (a qual já foi assinada pelo arguido).---(fls.
109 dos presentes autos)
- Conclusão -
- Ouvido o arguido, venho chegar à seguinte conclusão:
1. Quanto às causas do referido incidente, o arguido A negou categoricamente ter
consumido droga de ketamina (vulgarmente conhecida por “pó de K”), contudo, de facto, o
seu esclarecimento é pouco convincente.----
Processo n.º 41/2012 17
2. Embora o arguido negasse ter a ver com o incidente, os depoimentos prestados
pelos seus superiores (do Comissariado de Trânsito) provam que o arguido confessou
pessoalmente perante os referidos superiores que tinha consumido drogas. Porém, se as
confissões feitas pelo arguido perante os referidos superiores correspondem às perguntas
feitas pelos referidos superiores ou têm outro sentido, e quando o arguido respondeu às
perguntas feitas pelos referidos superiores, se ele estava em estado mental “lúcido” ou ainda
estava “lento em reagir”, tudo isso é difícil determinar.---
3. O arguido apresentou, através do mandatário judicial, uma “defesa escrita”, na qual
pediu que o Instrutor efectuasse diligências instrutórias complementares (citação das 3
testemunhas). Entre as referidas três testemunhas, a primeira e a segunda testemunhas são
respectivamente o oficial do dia e o operador informático que desempenhavam funções na
Sala do Piquete do Comissariado de Trânsito naquele dia, responsabilizando-se pela
elaboração da Informação conforme o seu conhecimento e o que visto naquele dia, contudo,
na altura, estas duas testemunhas só tiveram o encontro com A no Comissariado de Trânsito
quando A concluiu o “teste de urina para detecção de drogas” no hospital e regressou ao
Comissariado, por isso, estas não souberam nada sobre os comportamentos demonstrados pelo
arguido perante os dois superiores imediatos do piquete. Assim sendo, os depoimentos destas
duas testemunhas não podem ajudar concretamente a descoberta da verdade dos factos; e a
terceira testemunha é a irmã mais velha do arguido, o seu depoimento só pode provar os
Processo n.º 41/2012 18
“gostos/ hábitos” do arguido na sua vida, deixa-nos saber que o arguido tem de suportar a
maior parte das despesas correntes da família.----
4. Quanto às condutas praticadas pelo arguido A (Guarda Policial n.º XXXXXX), visto
que ele (A) não conseguiu ter comportamentos íntegros e tem medo de assumir as
consequências trazidas pelo incidente, proponho ao Exmo. Senhor Comandante que lhe seja
aplicada a pena disciplinar de “demissão”. Contudo, o arguido é apenas um guarda policial
recém formado, e neste momento, ele ainda tem de suportar a maior parte das despesas
correntes da família, por isso, solicito que o Exmo. Senhor Comandante possa diminuir a pena
do arguido, no sentido de dar-lhe uma oportunidade de “reflexão” e “emendar-se para
começar uma nova vida”.-----
5. À consideração superior de V. Exa..
O Instrutor,”
III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se a lei processual penal se aplica subsidiariamente no procedimento
Processo n.º 41/2012 19
disciplinar, se o Acórdão recorrido violou os artigos 116.º, n.º 1 e 337.º do Código de Processo
Penal e o artigo 262.º do Estatuto dos Militarizados, se a ausência do posto de serviço foi
imputada ao arguido a título de dolo, se o acto punitivo não imputa consumo de drogas ao
recorrente durante o serviço e se foi violado o princípio da proporcionalidade.
2. Poder de cognição do Tribunal de Última Instância: matéria de facto e matéria
de direito.
Face ao disposto nos artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e
152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o TUI, em recurso jurisdicional de
decisões do TSI, apenas conhece de matéria de direito. Não tem poder de cognição da matéria
de facto. Não lhe cabe dizer o que está ou não provado. Essa é uma competência exclusiva do
TSI. Não obstante, cabe ao TUI apurar se o TSI violou normas processuais, designadamente,
no apuramento da matéria de facto.
O TSI concluiu que não se comprova que o recorrente, quando autorizou a realização de
exame, não tinha a sua vontade livre e consciente.
O TSI concluiu que o recorrente agiu com dolo.
O TSI concluiu que, analisando a globalidade das provas, não estão infirmadas as
Processo n.º 41/2012 20
conclusões do despacho punitivo em matéria de facto, no que toca ao consumo de Ketamina
por parte do recorrente nem às circunstâncias em que o recorrente se ausentou do seu posto de
serviço.
O TUI não sindica estas conclusões em matéria de facto.
Não obstante, apurar-se-á se foram violadas normas no que toca aos elementos de prova
utilizados e ao valor dos meios de prova.
3. Aplicação subsidiária do processo penal no procedimento disciplinar
O recorrente alegou que são depoimentos indirectos todos depoimentos feitos pelo
guarda-ajudante n.º XXXXXX B, o subchefe n.º XXXXXX C e o comissário D, que ouviram
o recorrente em declarações no processo disciplinar, pelo que teria sido violado o disposto nos
artigos 116.º, 337.º, n.º 7 e 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável
subsidiariamente.
O Acórdão recorrido, louvando-se na opinião de LEAL HENRIQUES1 de que a lei do
processo penal não é subsidiária do processo disciplinar, o que seria sufragado pela
jurisprudência de Macau (citando-se um Acórdão do TSI, de 22.02.2001), conclui no mesmo
1 LEAL HENRIQUES, Manual de Direito Disciplinar, Macau, Centro de Formação Jurídica e
Judiciária, , 2005, p. 42 a 44.
Processo n.º 41/2012 21
sentido, acrescentando que os princípios informadores do primeiro devem ser acolhidos neste
último.
Salvo o devido respeito, esta pronúncia deixa por resolver algumas questões. Assim,
ficamos sem saber muito bem:
- Quando se conclua haver lacuna no procedimento disciplinar, a que caso análogo deve
recorrer o intérprete, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil;
- Em que circunstâncias os princípios informadores do processo penal devem ser
acolhidos no procedimento disciplinar e em que circunstâncias é que não devem;
- E, na sequência da questão anterior, porque é que no caso dos autos, os artigos 116.º,
337.º, n.º 7 e 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não seriam aplicáveis
subsidiariamente no procedimento disciplinar.
Examinemos a questão.
Antes de mais, há que atender a uma norma do Estatuto dos Militarizados das Forças de
Segurança, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, que não parece ter
sido considerada no Acórdão recorrido, o artigo 256.º, onde se dispõe:
“Artigo 256.º
Processo n.º 41/2012 22
(Direito subsidiário)
O processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Estatuto e, na sua
falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os trabalhadores
da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal”.
Por conseguinte, existe norma expressa que estatui que, quando se conclua haver lacuna
nas normas previstas no Estatuto dos Militarizados, se recorre, em primeira linha ao regime
disciplinar vigente para os trabalhadores da Administração Pública, que é o Estatuto aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro e, em segunda linha, à legislação
processual penal, isto é, ao Código de Processo Penal.
Por outro lado, ainda que não existisse esta norma expressa e clara, dispõe o n.º 4 do
artigo 292.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, referindo-se às
disposições aplicáveis ao procedimento disciplinar, tanto no processo comum como nos
processos especiais que:
“Artigo 292.º
(Tipos de processo)
1. O processo disciplinar pode ser comum ou especial.
2. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei e o comum
a todos os casos a que não corresponda processo especial.
3. Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e, nas
partes nelas não previstas, pelas disposições respeitantes ao processo comum.
Processo n.º 41/2012 23
4. Nos casos omissos, pode o instrutor adoptar as providências que se afigurem
convenientes para a descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais do
direito processual penal”.
Se nos tivéssemos de cingir à letra da lei pareceria que a aplicação dos princípios do
processo penal só valeria para as diligências instrutórias de produção de prova, porque são
estas que estão em causa quando se trata de “providências que se afigurem convenientes para
a descoberta da verdade”.
Mas há que atentar que, embora o processo penal e o processo disciplinar visem
realidades diversas, certo é que pertencem ambos ao género direito processual sancionatório,
sendo que o Código de Processo Penal é muito mais pormenorizado que o procedimento
disciplinar. Ora, como nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, “Os casos que a lei não
preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”, é manifesto que as
situações com maior analogia com as regras do procedimento disciplinar são as do processo
penal, salvo quando haja outro processo sancionatório administrativo.
Por outro lado, o regime disciplinar substantivo e o Direito Penal são ambos espécies do
género direito sancionatório. Ora, quanto à aplicação da lei substantiva, o artigo 277.º do
Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, dispõe expressamente que “Aplicam-se
supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com
as devidas adaptações”.
Processo n.º 41/2012 24
Deste modo, se na aplicação da lei substantiva o Direito Penal é supletivo do regime
disciplinar, sempre haveria que explicar qual a razão por que o Direito Processual Penal não
seria supletivo do Direito Procedimental Disciplinar.
É certo que MARCELLO CAETANO2 entendia que nos casos omissos se deveria
evitar a tendência para recorrer ao processo criminal, havendo que procurar-se um padrão nos
outros processos administrativos, de preferência nos sancionadores. Mas não podemos
esquecer que estas palavras foram escritas nos anos 60 do século XX, tendo, posteriormente,
havido uma profunda evolução no sentido da maior protecção dos direitos dos funcionários
em matéria disciplinar, sobretudo em matéria de defesa. Acresce que a lei vigente ao tempo
(artigo 27.º, § 2.º, do Estatuto Disciplinar de 1943, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32659) não
determinava nunca a aplicação da lei processual penal, antes estatuindo que nos casos omissos
o instrutor procede pelo modo que se lhe afigurar mais conveniente para o apuramento da
verdade, o que não sucede no vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública
de Macau.
Posteriormente, LUÍS VASCONCELOS ABREU,3 em estudo especialmente dedicado
às relações entre o processo disciplinar e o processo penal, elaborado em 1993, concluiu que,
como o procedimento disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza
2 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 9.ª edição, II
volume, p. 834 e 835. 3 LUÍS VASCONCELOS ABREU, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito
Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Coimbra, 1993, p. 79 e segs.
Processo n.º 41/2012 25
sancionatória, no processo de integração de lacunas, esgotado o recurso à analogia dentro do
próprio direito processual disciplinar, há que fazer apelo às normas e princípios do
procedimento administrativo, só em seguida se recorrendo às normas e princípios do processo
penal, na medida em que não vá contra a especificidade do procedimento disciplinar. E deu
conta que era neste sentido a corrente largamente maioritária da jurisprudência administrativa.
Estas considerações são de acolher.
Este TUI já teve oportunidade de decidir que o processo penal é subsidiário do
procedimento disciplinar, naquilo que não colida com os princípios próprios deste último4, em
casos em que se estava perante verdadeiras lacunas do estatuto disciplinar, atinente à
proibição da prática de actos inúteis e relativa à questão de saber se é possível a alteração da
qualificação jurídica da acusação para a decisão.
Assim, sem prejuízo de a aplicação supletiva de um ramo de direito a outro se ter fazer
com as devidas adaptações impostas pelas especificidades próprias de cada um dos ramos do
direito, nada obsta a que se apliquem as normas análogas do processo penal no procedimento
disciplinar que não colidam com os princípios deste, quando exista lacuna carecida de
integração.
Mas convém ainda fazer uma precisão.
4 Acórdãos de 16 de Fevereiro de 2000 e de 23 de Abril de 2003, respectivamente, nos Processos n. os 5/2000 e 6/2003.
Processo n.º 41/2012 26
No caso dos autos, importa ainda saber se existe verdadeira lacuna em que existe uma
verdadeira falta de regulamentação, para a qual o intérprete tem de arranjar uma solução, ou
não.
Na questão das proibições de prova previstas em processo penal, em que estão em causa
as garantias de defesa do arguido, parece que terá sempre de equacionar-se a sua aplicação em
processo disciplinar. É o que defende PAULO VEIGA E MOURA 5 perante norma
semelhante à vigente em Macau: “A referência aos princípios gerais do processo penal não
tem outro significado que não seja reforçar as garantias de defesa do arguido, nomeadamente
impondo que as diligências que sejam ordenadas pelo instrutor possibilitem o exercício do
contraditório (o que só poderá ocorrer se arguido ou o seu defensor puderem assistir às
mesmas, como se viu na anotação ao artigo anterior) e nunca possam conduzir à obtenção de
provas resultantes de coacção, ofensa à integridade física ou moral do arguido ou violação do
domicílio, correspondência ou telecomunicações ”.
No caso dos autos, estando em causa procedimento disciplinar de militarizado do Corpo
de Policia de Segurança Pública sempre a disposição do artigo 256.º do Estatuto dos
Militarizados das Forças de Segurança, atrás citada, se imporia ao intérprete.
5 PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública
Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2011, p. 204.
Processo n.º 41/2012 27
4. Depoimento indirecto e declarações dos agentes que tiverem recebido
declarações do arguido
Dispõem os artigos 116.º, n.º 1 e 337.º do Código de Processo Penal:
“Artigo 116.º
(Depoimento indirecto)
1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode
chamar estas a depor; se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir
como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte,
anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da
leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar
ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou
conhecimento dos factos”.
“Artigo 337.º
(Leitura permitida de autos e declarações)
1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:
2. ....
3. ...
4. ...
5. …
6. …
7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for
permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua
recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8. ...”
Processo n.º 41/2012 28
Trata-se de saber, em primeiro lugar, se os artigos 116.º, n.º 1 e 337.º, n.º 7, do Código
de Processo Penal, se aplicam no procedimento disciplinar. E, em segundo lugar, sendo a
resposta à questão anterior afirmativa, se foram violadas tais normas no procedimento.
A resposta à primeira questão resolve-se no sentido afirmativo.
O que se pretende com a proibição do depoimento indirecto é que o tribunal não acolha
como meio de prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouvir a outra pessoa e
que é possível ouvir directamente6.
O depoimento de testemunhas que, como razão de ciência, se limitam a referir que
ouviram dizer não tem qualquer valor, pois a utilização e valoração de testemunhos de ouvir
dizer é incompatível com um processo de estrutura acusatória.7
Não se vislumbra que qualquer princípio do procedimento disciplinar se oponha à
aplicação desta proibição de prova.
No que respeita à proibição da inquirição em audiência de julgamento, como
testemunhas, dos órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não
for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua
6 VINÍCIO RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2.ª
edição, 2011, p. 322. 7 MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, Coimbra, Almedina,
15.ª edição, 2005, p. 322.
Processo n.º 41/2012 29
recolha, tem suscitado dúvidas a possibilidade de serem inquiridos os agentes policiais que
tiverem tido conversas informais com os arguidos sobre o conteúdo destas conversas.
É também seguro que nenhum princípio do procedimento disciplinar se opõe à
aplicação desta proibição de prova.
No caso dos autos não foram violados as mencionadas normas legais.
Quanto à primeira (artigo 116.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) só haveria violação
se, tendo sido ouvidas as testemunhas que ouviram dizer alguma coisa a pessoa determinada,
não for chamada esta a depor.
Esta pessoa é o ora recorrente, o arguido. Ora, este foi ouvido expressamente, tanto em
declarações, como teve oportunidade de apresentar defesa. Logo, não se verifica o
pressuposto previsto na norma, proibitivo do depoimento de ouvir dizer.
Quanto ao disposto no artigo 337.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, as testemunhas
chamadas a depor no procedimento disciplinar foram os colegas e superiores do arguido que
presenciaram, em parte, os factos que constituem infracção e que relataram as circunstâncias
em que tudo se passou. Embora sendo agentes policiais eles não eram os encarregados da
instrução de qualquer processo. Não receberam declarações do arguido. Não agiram enquanto
órgãos encarregados de instrução do procedimento, mas enquanto colegas e superiores do
Processo n.º 41/2012 30
funcionário.
Estamos, seguramente, fora da aplicação da mencionada norma.
Improcedem as questões suscitadas quanto à violação das mesmas normas.
5. Nulidades insupríveis
Não houve nenhuma violação do disposto no artigo 262.º do Estatuto dos Militarizados
das Forças de Segurança, visto que o recorrente não alega concretamente qualquer omissão de
diligência essencial para a descoberta da verdade, para além da relacionada com o consumo
de droga, que não foi omitida, como se dá conta atrás.
6. Ausência do posto de serviço
A ausência do posto de serviço não foi imputada ao arguido a título de dolo, sendo que
a infracção disciplinar pressupõe a culpa mas não o dolo (artigo 196.º, n.º 1, do Estatuto dos
Militarizados).
Processo n.º 41/2012 31
7. Excesso de pronúncia. Princípio da proporcionalidade
Tem o recorrente razão ao dizer que o acto punitivo não lhe imputa consumo de drogas
durante o serviço, ao contrário do Acórdão recorrido.
Há excesso de pronúncia no tocante a este facto, que, assim, se desconsidera, nos
termos dos artigos 651.º, n.º 1 e 571.º, n.º 1, alínea d), parte final do Código de Processo Civil,
aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo
Contencioso.
Imputa-se ao recorrente apenas o consumo de estupefaciente, que é causa de aplicação
da pena de demissão, nos termos dos artigos 240.º, alínea c) e 238.º, n.º 2, alínea l) do Estatuto
dos Militarizados.
Não cabe ao Tribunal sopesar as circunstâncias atenuantes e agravantes, para aplicar
pena ao arguido. Não se vislumbra violação do princípio da proporcionalidade, nem o
recorrente explica concretamente porque ocorre tal violação.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
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