A apropriação do espaço e as transformações impleme ntadas pela sociedade no
espaço rural brasileiro.
Emilson Batista da Silva Mestrando em Geografia pela Universidade Federal da Bahia - UFBA
e-mail: [email protected]
RESUMO
O Brasil é possuidor de um espaço rural de grandes proporções que tem sido considerado apenas pelo aspecto produtivo. Entretanto, as mudanças nas relações do rural com o urbano no Brasil têm demonstrado um espaço homogêneo em uma relação de complementariedade. Dessa forma, o presente trabalho, mediante um estudo bibliográfico, objetivou analisar a forma de apropriação do espaço pela sociedade e como essa apropriação gera transformações no espaço rural brasileiro. Observou-se que a estrutura social do campo sofreu mudanças profundas em decorrência da penetração do modo de produção capitalista. Esse processo teve como mola propulsora a implementação da industrialização do campo concretizada mediante a presença dos complexos agroindustriais, propiciou a ameaça ao campesinato, provocada pela inserção do camponês no mercado capitalista e da modernização do latifúndio, que deu origem ao camponês assalariado a serviço do capital. Percebeu-se também a significativa participação dos movimentos de luta pela terra no processo de dinamização das políticas concernentes ao processo de reforma agrária no país. Palavras – chave: Espaço Rural. Industrialização do Campo. Brasil.
1. INTRODUÇÃO
A relação do homem com a natureza é tão antiga que dificilmente
conseguiríamos delimitá-la temporalmente com fiel exatidão. O que se sabe é que no
início desse processo o homem tinha uma relação de dependência com a natureza.
Vivia em determinadas áreas, onde pescava, caçava e coletava frutos até a sua
escassez, quando procurava outros ambientes onde pudesse se estabelecer
novamente. Viviam em grupos nômades. Tudo isso permaneceu até a chamada
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Revolução Neolítica, momento em que o homem começa a trabalhar a terra,
sedentarizando-se e, a partir de então, inverter a lógica de outrora, isto é, o homem já
não era determinado pela natureza, mas começava a reunir instrumentos capazes de
propiciarem a interferência na natureza, adaptando-a a suas necessidades.
De acordo com Ribeiro (1968), o início da sujeição da terra pela sociedade marca
o princípio do primeiro processo civilizatório, desencadeado a 10 mil anos, a princípio
na Mesopotâmia e Egito. Esse processo se intensificou a medida que o trabalho
humano foi sendo subsidiado pela modernização da técnica, que potencializou a
capacidade da sociedade de produzir espaço. Ressalta-se que o espaço pode ser
compreendido de diversas formas, a depender do contexto no qual se insere o indivíduo
que empreende o esforço para conceituá-lo. Mas nele não se pode deixar de introduzir
a ação humana mediada pelo trabalho, quando o chamamos de espaço geográfico.
Dessa forma, é de grande relevância que a apropriação conceitual do espaço
considere a sua localização espaço-temporal, pois não podemos compreendê-lo
enquanto totalidade em movimento desconsiderando a dimensão espaço-tempo. Nesse
sentido, o espaço que aqui consideramos é o espaço geográfico, que na visão de Milton
Santos (2008), é um fator da evolução social, sendo, dessa forma, também o espaço
social, pois é produto da história humana.
Nesse entendimento, o espaço vincula-se à dinâmica social, englobando em seu
seio o espaço de todos os tempos, enquanto categoria permanente, e o espaço de
nossos tempos, enquanto categoria histórica. Assim, o espaço de todos os tempos é o
espaço total, e o espaço de nossos tempos é o agora, que está inserido no primeiro.
Enquanto produto, o espaço também é responsável pela sua própria produção
(SPOSITO, 2004). Se produz e reproduz-se no decorrer do processo histórico, se
constituindo em uma realidade objetiva. Nesse sentido, Santos (2008, p. 67) afirma:
Para expressá-lo [o espaço] em termos mais concretos, sempre que a sociedade (a totalidade social) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como os velhos) assumem novas funções; a totalidade da mutação cria uma nova organização espacial.
Essa reflexão nos permite observar que as abordagens que tomam como objeto
o campo, muitas vezes, negligenciam as interações sociais, o cotidiano, etc. em nome
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do aspecto produtivo. Essa questão aconteceu no passado com o fornecimento de
matéria prima para a consolidação da agroindústria e acontece hoje, haja vista que a
produção advinda do campo ainda é responsável pelos saldos positivos na balança
comercial do Brasil.
É nessa ótica que se percebe as transformações ocorridas no campo brasileiro,
onde as demandas sociais determinaram a construção e transformação do espaço rural
em urbano, isto é, a influência da cidade no campo, propiciada, sobretudo, pelo modo
de produção capitalista, se intensifica de forma progressiva. Esse processo justifica o
crescente interesse da geografia em produzir análises referentes à tendência da
assimilação do espaço rural pelo urbano no Brasil. Na verdade, as modificações
ocorridas nos países centrais são percebidas hoje no espaço rural brasileiro, que tem
sido estudado à luz dessas transformações.
Nessa perspectiva, esse trabalho pretendeu, através de um estudo de cunho
bibliográfico, explicitar de que objetivou analisar a apropriação do espaço pela
sociedade e como essa apropriação gera transformações no espaço rural brasileiro, já
que ela – a apropriação – se apresenta em uma perspectiva homogeneizadora e
imposta pela penetração do capitalismo no campo e sua crescente necessidade de
qualificação profissional, pois a introdução de novas tecnologias no ambiente rural
impõe uma especialização de mão de obra.
A relevância do trabalho está na emergencial necessidade de produções
reflexivas, versando sobre a atual caracterização do campo brasileiro, considerando as
interações sócioespaciais que se concretizam no bojo das especificidades das relações
de produção, que hora se apresentam nas imbricações entre o rural e o urbano no
Brasil. Essas reflexões potencializarão estudos mais abrangentes sobre as
repercussões de processos globais na conjuntura produtiva brasileira.
2. A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO
O espaço é construído a partir das demandas da sociedade no decorrer de sua
própria história, sendo, dessa forma, uma construção social (SANTOS, 2008). A forma
como cada sociedade se apropria do espaço é determinada pelo modo de produção
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que a caracteriza, sendo, assim, um produto histórico. Para Santos (2008), o espaço é
a natureza mais a sociedade, sendo que a natureza é composta pelas coisas, objetos
geográficos, naturais e artificiais.
Nessa ótica, as formas espaciais são caracterizadas como processos sociais e
estes se configuram no espaço. Assim, a produção e reprodução do espaço são
elementos indissociáveis, à medida que, mediante o trabalho, a sociedade produz e
reproduz o espaço. Por isso, ele é dinâmico, se consubstanciando na sobreposição dos
tempos e espaços históricos.
De acordo com Santos (1990, p. 162),
Nenhuma produção, por mais simples que seja, pode ser feita sem que se disponha de meios de trabalho. A partir dessa primeira organização social, o homem se ver obrigado para todo o sempre a prosseguir uma vida em comum, uma existência organizada e “planificada”.
A partir dessa ótica, a produção passa a delinear os ritmos e as formas das
atividades humanas. Essa produção foi potencializada pelo aprofundamento da técnica
e propiciou a aceleração da apropriação do meio natural, introduzindo neste a
mecanização. Entende-se que “ninguna sociedad agrícola es capaz de asegurar uma
total transformación del espacio em um espacio agrícola radicalmente distinto del
espacio natural” (GEORGE, 1964, p. 91). Essa transformação centrada no trabalho em
articulação com a técnica, partiu de tecnologias mais simples como o arado e a enxada
até as sofisticadas colheitadeiras existentes atualmente.
A partir do século XV, com o surgimento dos pilares fundamentais do capitalismo,
se define uma nova forma de apropriação do espaço pautada no aumento da
produtividade, no consumo e em uma nova forma de delineamento do trabalho, que
ficou denominada como divisão internacional do trabalho. A partir de então o homem,
cada vez mais monetarizado, se transformou em apenas instrumento enquanto mão de
obra para viabilizar uma apropriação espacial mais intensa. Assim, a relação sociedade
e natureza centrou-se numa visão mecanicista do mundo, conferindo à natureza o
status de fonte de recursos e meio de favorecimento do lucro.
Essa visão economicista se concretiza no modo de produção capitalista, que
capilariza todos os setores de produção, transformando-os em fornecedores de capitais
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para alimentar o sistema e produzir mais valia. Assim, o desenvolvimento das nações
pauta-se, nessa ótica, na construção de uma sociedade excludente e injusta, onde
impera a ideologia da liberdade e da igualdade.
3. AS MUDANÇAS NO CAMPO
Sabemos que a grande dimensão territorial do Brasil sempre fez da produção
agrária um potencial vetor para alavancar o seu desenvolvimento econômico no cenário
internacional. Inclusive outrora, a agricultura, foi responsável pelas formas de produzir e
organizar o território brasileiro (FERREIRA, 2003), pois foi através dos estudos
informais feitos por viajantes sobre a produção agrária que começou a sistematização
do território brasileiro. Assim, uma possível abordagem da formação econômica do
Brasil pode ser feita a partir dos ciclos econômicos, entendendo que estes não podem
ser compreendidos como recortes estáticos no tempo e no espaço. Ao contrário, os
ciclos econômicos se consubstanciam em processos contínuos característicos das
especificidades da conjuntura histórica.
Nesse sentido, no Brasil aconteceram três grandes ciclos principais: cana-de-
açúcar, mineração e café. Existiram outros ciclos como a borracha e a pecuária, mas
com importância menor. O primeiro grande ciclo – o da cana-de-açúcar – ocorreu na
faixa litorânea, favorecido pelo solo de massapé e o clima tropical, e foi do tipo
plantation, isto é, era cultivado um só produto em grandes propriedades destinado ao
mercado externo. Já a mineração, aconteceu na região de Minas Gerais, sendo
resultado das bandeiras que buscavam metais preciosos no interior do território
brasileiro.
O último grande ciclo foi o café. Este foi responsável pelo reajustamento da
economia do Brasil e pelo reforço da estrutura tradicional da economia brasileira,
centrada inteiramente na produção intensiva de uns poucos gêneros destinados à
exportação (PRADO JÚNIOR, 1994). O cultivo do café também contribuiu
determinantemente para o inicio do processo de industrialização no país, haja vista que
propiciou a construção de vias de transporte, o acúmulo de capital e mão-de-obra
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qualificada para o trabalho na indústria. O declínio desse ciclo propiciou maior
diversificação na base da economia e principalmente na produção agropecuária
(ELESBÃO, 2007). No entanto, o café continuou sendo o principal produto de
exportação brasileira, atraindo, dessa forma, maior atenção do governo em relação a
injeção de recursos. Fator esse potencializado devido ao poder de influência que as
elites cafeeiras detinham junto ao governo da época. Prova disso foi o estabelecimento
do Convênio de Taubaté em 1906. De acordo com Elesbão (2007, p. 50):
A crise mundial de 1929 encontrou a economia brasileira bastante fragilizada devido à grande dependência e vulnerabilidade externa. Com isso, ocorre o rompimento do modelo primário-exportador, que era a base da economia até então e que tinha a agropecuária como setor dinâmico.
Assim, as reduções nas exportações brasileiras, já que o café era o principal
produto e este entrou em crise, e as necessidades internas do país, favoreceram o
desenvolvimento da industrialização. O primeiro momento desse processo de
transformação em uma economia urbano-industrial foi denominado de substituição de
importações.
No contexto da “Revolução Verde”, se desenvolveu no Brasil a indústria
metalúrgica com vistas à produção de máquinas e equipamentos e a indústria química
para a produção de agrotóxicos (GERMANI e LAGE, 2004). Outro fator foi que, através
da implementação do crédito rural, foi estabelecida uma política com o objetivo de
modernizar o campo brasileiro. Dessa forma, segundo Oliveira (2011), foi a partir da
década de 70 do século XX que o campo brasileiro, efetivamente, passou por um
processo de modernização.
Assim, a inserção da tecnociência no campo serviu para ampliar a produção do
país e colocá-lo determinantemente no mercado agroexportador, tornando o campo
mais dinâmico e transformando suas relações de produção. Toda essa mudança de
cenário corroborou para a formação dos complexos agroindustriais (CAI) e do início da
luta pela terra no Brasil, quando surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). O CAI era um “conjunto dos processos tecno-econômicos sócio-políticos
que envolvem a produção agrícola, o beneficiamento e sua transformação, a produção
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de bens industriais para a agricultura e os serviços financeiros e comerciais
correspondentes” (MULLER, 1982, p. 48).
Percebe-se também que a relação campo cidade, no âmbito dessas questões,
sempre foi de complementaridade, haja vista que no caso da formação do modelo
agroexportador, era a cidade quem formava os técnicos para esse novo contexto e foi
na cidade que se deram as reivindicações populares do MST. É importante frisar que os
egressos do campo na década de 70 deram origem aos trabalhadores denominados de
bóias-frias.
Nessa ótica, o processo de urbanização ultrapassou a dimensão espacial das
cidades. Potencializada pela globalização, a urbanização penetrou no campo, mudando
o cotidiano e possibilitando uma vivência similar à da cidade em relação ao consumo
que se evidencia, tanto de forma simbólica, como também não-simbólica. Podemos,
pois, vislumbrar o rural como “um continnum do urbano do ponto de vista espacial”
(GRAZIANO DA SILVA, 1997, p. 01). Foi o urbano que transbordou e o rural que se
industrializou. O rural e o urbano podem ser vistos, dessa forma, como um espaço
homogêneo, sem distinção entre essas duas categorias, mas com modificações
advindas das necessidades de abastecimento de um mercado consumidor amplo e
exigente. Esse processo se intensificou derivando “da necessidade de expansão de
mercado e da qualificação exigida pelo mercado externo, o maior consumidor dos
produtos agrícolas brasileiros” (OLIVEIRA, 2011, p. 42).
Todas essas transformações ocorridas no campo não podem ser reduzidas
apenas aos aspectos técnicos e econômicos, pois abarcam também profundas
modificações na estrutura social do campo. Estas últimas podem ser justificadas pelo
que Harvey (2005) chama de renda monopolista, pois não é a terra que é
comercializada, mas a mercadoria ou serviço advindo de sua produção que ganha
fundamental importância, pois o processo de industrialização em sua acepção moderna
pressupõe, além da disseminação da técnica, também o aumento da produção e
concentração de capital. A terra-matéria perde lugar para a terra-capital, pois não basta
mais apenas a propriedade da terra, mas também torna-se necessário considerar um
montante de bens de capital.
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No bojo dessas transformações, o Estado assumiu um papel de agente que
possibilita a sustentação e a expansão da capitalização da agricultura que se
industrializa (MULLER, 1982).
Na capacidade de mudança de forma de capital total em capital em geral garantida pelo Estado e posta em prática pelas grandes organizações que operam na agricultura, e, nestas condições, na capacidade de acumulação de capitais e de riquezas patrimoniais na agricultura, penso que reside o mecanismo básico que permite compreender a atual forma da agricultura e sua estrutura de classes e frações sociais. Por conseguinte, a agricultura é entendida como um espaço da dinâmica do capital industrial e financeiro, visível no processo de industrialização do campo (MULLER, 1982, p. 55).
Observa-se, nesse sentido, que o modo de produção capitalista (MPC) tendencia
a atingir todos os setores da produção em seu processo de desenvolvimento, seja no
campo ou na cidade. No campo o capitalismo enfrenta o obstáculo da propriedade
fundiária como principal elemento que se coloca como limitador de sua propagação,
pois a terra, na ótica de Martins (1980) não é capital, haja vista que apenas o trabalho
produz capital. Assim, a terra constitui mais um instrumento para a produção do capital,
ao mesmo tempo em que presencia a formação de dois elementos antagônicos: o
capitalista e o proprietário de terra. Assim, a produção de capital sob o ponto de vista do
modo de produção capitalista se expressa através do aprofundamento do trabalho
assalariado e pelo processo de generalização progressiva por todos os ramos e setores
da produção (OLIVEIRA, 2007).
No processo de expansão do capitalismo, o trabalhador se torna um indivíduo
livre, inclusive de qualquer propriedade, a não ser a sua própria força de trabalho.
Então, a relação se dará entre dois indivíduos livres: o trabalhador e o capitalista que
lhe compra a força de trabalho e lhe paga um salário por isso. “É uma relação de
expropriação baseada numa ilusão – a ilusão de não há exploração alguma”
(MARTINS, 1980, p. 34).
Dentro do exposto, se percebe que o campo brasileiro apresenta uma das
maiores concentrações de terras do mundo (GERMANI e LAGE, 2004), ao mesmo
tempo em que, contraditoriamente, existe uma grande quantidade de terras devolutas
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que poderiam amenizar as tensões existentes no país no que tange á distribuição de
terras, se estas fossem incorporadas ao processo de reforma agrária.
Essa constatação também foi feita por Germani (2006), quando fez uma
retrospectiva histórica, onde relatou as condições históricas sociais responsáveis pela
ocupação e regulamentação do espaço agrário brasileiro, desde o “descobrimento” até
o período republicano. As terras, onde habitavam os índios eram destituídas de posse,
eram, assim, terras livres nas quais era respeitado o regime comunal de propriedade. A
ocupação efetiva ocorreu a partir de 1530, com o Regime das Sesmarias – semente do
direito agrário brasileiro – e a implementação das capitanias hereditárias. Aí já se
observou o caráter discriminatório para a doação de terras, haja vista que os menos
abastados não tinham direito às doações, estes deveriam ocupar terras livres ou se
dirigirem a outras frentes. Desde esse período, o latifúndio se apresentou como tônica
do campo no país. Germani (2006, p. 127) afirma que “o latifúndio no Brasil nasceu e se
desenvolveu ‘sob o signo da violência contra as populações nativas [...]”. A escravidão
do índio e depois, dos negros vindos da África, foram a base da estrutura de produção,
sendo que os africanos foram “a força de trabalho responsável pela implantação de
todo o sistema: primeiro os engenhos, depois nas minas de ouro e mais tarde nas
fazendas de algodão e café” (GERMANI, 2006, p. 128).
A partir de 1822 se disseminou no Brasil a ocupação das terras desocupadas,
que acabava se desdobrando na posse, respaldada, inclusive, pela constituição do
Império brasileiro. Essa situação se extinguiu com a Lei de Terras em 1850, que proibia
a aquisição de terras de outra forma que não fosse pela compra. A terra se transformou,
dessa forma, em uma mercadoria que não estava ao acesso de todos igualitariamente.
Na república, onde cada estado brasileiro ficou responsável de regularizar a posse de
suas terras, permaneceu o favorecimento dos mais abastados, aumentando a
concentração de terras e dando origem a uma gama de movimentos sociais de lutas
pela terra em todo o país. Como afirma Germani e Lage (2004), a colonização do Brasil
juntamente com os períodos do Império e da República foram consolidando a
organização da produção e da sociedade, ao mesmo tempo em que em que consolidou
a ocupação do território.
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O fato é que o campo brasileiro, no entendimento de Oliveira (2007), tem sofrido
profundamente uma generalização das relações de produção típicas do capitalismo,
mediante a diferenciação interna1 e pela modernização dos latifúndios, que, através da
implantação de novas tecnologias, tornam-se empresas rurais que absorvem os
camponeses pobres como trabalhadores assalariados a serviço do capital.
Outra questão é a inocuidade das políticas no que tange ao tratamento do
agricultor familiar, haja vista que o sistema agropecuário brasileiro é composto por
cerca de 85% de estabelecimento familiares (BRASIL, 2006), ou seja, as proposições
políticas nessa direção acabam favorecendo âmbitos mais complexos mediante a
propositura de chamadas de editais destoantes da realidade camponesa.
Diante dessa conjuntura, se observa que o campo evidencia o aprofundamento
da utilização da técnica maximizada pelo processo da globalização e a utilização de
indivíduos cada vez mais qualificados. Sabemos que a etapa final do processo
produtivo no campo (aquela que é responsável pelo emprego de maior contingente da
força de trabalho) permanece em domínios alheios ao agricultor. O processo produtivo
foi fracionado em função da necessidade tecnológica da indústria (OLIVEIRA, 2007).
Esse cenário contribui inegavelmente para o aumento da produção, mas, por outro lado,
intensifica a exploração da mão de obra, veta direitos e alimenta a emergência de
movimentos sociais de reivindicação pela posse da terra.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço pode ser percebido como o palco onde as manifestações históricas se
apresentam, sendo que esta historicidade possui especificidades a depender de que
forma os elementos simbólicos materiais e imateriais são considerados. O homem se
“libertou da natureza” e passou a adaptá-la às suas necessidades produtivas. Mediante
seu trabalho, o meio natural é modificado e assume outro significado perante a
sociedade: o de meio e não de fim, como outrora.
1 O camponês, ao produzir cada vez mais para o mercado, tornar-se-ia vítima ou fruto desse processo, pois ficaria sujeito às crises decorrentes das elevadas taxas de juros e aos baixos preços que os produtos agrícolas alcançam no momento das colheitas fartas (OLIVEIRA, 2007, p. 9).
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As transformações oriundas da globalização engendradas a partir da expansão
das fronteiras do comércio no início do século XVI, mas consolidadas com a revolução
técnico-científica, possibilita uma nova concepção de vida, onde a informação torna o
planeta uma “aldeia global”, onde a idéia de concepção do espaço-tempo assume
outros paradigmas. O espaço torna-se indispensável para o prosseguimento da história,
pois neste emerge os elementos produtivos e não produtivos necessários para explicar
e justificar a lógica de expansão do modo de produção capitalista.
Assim, a divisão internacional do trabalho determinou a divisão do mundo em
produtores de matéria prima e produtores de produtos industrializados, sob a lógica do
pacto colonial. É nessa conjuntura que se localiza o Brasil. Com grande extensão
territorial e um considerável teor de riquezas naturais, o país se insere no cenário
internacional como grande fornecedor de matéria prima e consumidor de produtos
industrializados. Até a década de 30, tudo de moderno existente no país tinha origem
nas importações.
Já no século XX, o Brasil se constituía em um país emergente com uma indústria
competitiva no contexto global. Claro que estas características também causaram
mudanças sociais, econômicas e políticas no campo brasileiro, evidenciando a forma
como o modo de produção capitalista (MPC) em sua fase monopolista, que apresenta
traços típicos como os grandes complexos industriais integrados à produção
agropecuária, penetra no campo e sujeita a renda da terra ao capital. É importante
perceber que no capitalismo brasileiro, o Estado se modificou conforme se modificaram
os interesses das classes dominantes, pois, independente do governo ou regime, no
MPC o Estado se adéqua à acumulação do capital.
As mudanças no campo, possibilitadas pela industrialização, que funcionou como
mola propulsora, abarcam também a estrutura social, com a diminuição de
trabalhadores autônomos e o aumento de assalariados. Este último, composto por
camponeses pobres que vendem seu trabalho nos complexos agroindustriais.
O que se percebe é que o espaço rural brasileiro vincula-se ás necessidades de
uma minoria de latifundiários, que detém a posse da terra e ditam as regras do jogo.
Quando se observa, por exemplo, a incorporação da região Centro-Oeste ao espaço
agrário brasileiro se vê que, na verdade, o Brasil precisava produzir capitais para
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equilibrar as contas do governo através das exportações, e não pela necessidade de
implementação de alguma política de desenvolvimento. Outra questão interessante é
como setores mais tradicionais como a mecânica, a química e rações, por dependerem
diretamente de políticas creditícias, operam como grupos de pressão favoráveis à
modernização do campo brasileiro. Enquanto isso, os agricultores familiares carecem
de atenção política para atender às suas reais necessidades, relegando-os apenas a
uma produção de subsistência ou, no máximo, a uma produção marginal no cenário
nacional.
Em meio a tudo isso, os movimentos de luta pela terra avançam sua atuação, no
sentido de pressionar o Estado e tem conseguido dinamizar as políticas concernentes
ao tema, bem como ampliar as discussões sobre a reforma agrária no país. Resolver o
problema da concentração fundiária no Brasil demanda ainda muitos embates, pois os
obstáculos que ora se impõem se fundamentam no poder das classes mais favorecidas
e nos ditames do MPC.
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