COMISSÃO EDITORIALDaniel Jaime Capistrano de OliveiraGeraldo Andrade da Silva FilhoLenice MedeirosNoel Lopes Bezerra JúniorRobson Quintilio
EDITOR EXECUTIVOGeraldo Andrade da Silva Filho
BOLETIM
ANO 4 • NÚMERO 8 • OUTUBRO 2015
Editorial ...................................................................................................................................................3
SUMÁRIO
Qual a influência da instituição do Piso Salarial do Magistério sobre os salários dos professores municipais? ........................................................................5Geraldo Andrade da Silva Filho
Como compreender os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA)? ................................................................................................................11 Equipe da Coordenação Geral de Exames para CertificaçãoDiretoria de Avaliação da Educação Básica – DAEB
Perfil da docência no ensino médio regular ...........................................................................17 Thaysa Guimarães Souza
Determinantes socioeconômicos das chances de acesso à educação superior no Brasil .....................................................................................................23Luiz Carlos Zalaf Caseiro
Rotatividade de diretores e desempenho dos alunos: efeitos adversos de novos prefeitos na educação municipal .........................................29Jéssica Gagete MirandaElaine Toldo Pazello
COnTRIBUIçÃO ExTERnA
ARTIGOS
REVISÃO/NORMALIZAÇÃOJair Santana Moraes
PROJETO GRÁFICOMarcos Hartwich
DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALRaphael C. Freitas
EDITORIA Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraSIG Quadra 4, Lote 327, Edifício Villa Lobos, Térreo – Brasília-DF – CEP: 70610-908Fones: (61) 2022-3070, 2022-3077 – [email protected]
EDITORIAL
Esta edição do Boletim Na Medida marca a retomada desta publicação depois de quatro anos de interrupção. O boletim é fonte de divulgação de estudos e pesquisas sobre temas e políticas educacionais prioritariamente realizadas com as bases de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O principal objetivo do boletim é contribuir para a disponibilização desses estudos de forma mais acessível, de modo a expandir a discussão além dos espaços acadêmicos, trazendo para a sociedade informações cada vez mais qualificadas sobre a educação brasileira. A proposta é priorizar estudos empíricos, ou seja, estudos que trabalhem com dados concretos, buscando não só difundir os dados educacionais produzidos pelo Instituto, mas também contribuir para o debate das questões educacionais.
Nesta edição, são apresentados quatro estudos realizados por técnicos do Instituto lotados em diferentes diretorias, com temas bastante relevantes no contexto atual. O primeiro artigo investiga a influência da instituição do piso salarial do magistério sobre os salários dos professores das redes e dos sistemas municipais de ensino. O segundo artigo apresenta interpretação da escala de proficiência da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), importante instrumento para a implementação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), instituído em 2012 pelo Ministério da Educação. O perfil da formação inicial dos docentes e do exercício da docência no ensino médio regular é o tema do terceiro artigo. O último dos quatro artigos elaborados por técnicos do Inep investiga em que medida a redução de desigualdades regionais e a ampliação da taxa de acesso à
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educação superior de grupos historicamente desfavorecidos preconizadas no Plano Nacional de Educação (PNE), já vinham sendo observadas ao longo dos últimos anos.
Nesta retomada do boletim, temos ainda a introdução da seção Contribuição Externa, cujo objetivo é apresentar contribuições relevantes de pesquisadores externos ao Inep. Neste número, apresenta-se o trabalho de Jéssica Miranda, mestre em economia pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, acerca dos efeitos da rotatividade dos diretores de escola sobre o desempenho escolar. O trabalho de Jéssica dialoga com algumas estratégias definidas no PNE, tais como estimular os entes federados a instituir legislação que estabeleça critérios técnicos de mérito e desempenho e a participação da comunidade escolar na nomeação dos diretores de escola, e “desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos”.
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QUAL A InFLUênCIA DA InSTITUIçÃO DO PISO
SALARIAL DO MAGISTéRIO SOBRE OS SALÁRIOS
DOS PROFESSORES MUnICIPAIS?
Nos últimos anos, no Brasil, houve diversas iniciativas voltadas à expansão dos recursos
destinados à educação e, em particular, os destinados à remuneração dos profissionais que atuam
diretamente na rede pública de educação básica. Entre essas iniciativas, destaca-se a instituição do
Fundo para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(Fundef), que vigorou de 1997 a 2006, tendo sido substituído pelo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),
que se estenderá até 2020. Esses fundos foram instituídos de modo a reservar, no mínimo, 60%
de seu montante de recursos à remuneração de profissionais do magistério.
Apesar de haver determinação legal a respeito da participação das despesas com
remuneração de profissionais do magistério no total dos recursos do Fundeb, as remunerações
de professores das redes de ensino públicas são definidas localmente. A instituição do piso salarial
nacional para professores pela Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, reforçou a destinação de
recursos para o pagamento de salários de professores, ao estabelecer remuneração mínima
aos professores da educação básica de todas as redes públicas brasileiras.1
1 O Supremo Tribunal Federal (STF), provocado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.167, de outubro de 2008, interposta pelos governadores de cinco Estados, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará, decidiu pela constitucionalidade da lei em 6 de abril de 2011. É importante mencionar que a decisão do STF só deixou de ser passível de apelação em 14 de abril de 2014.
Geraldo andrade da Silva Filho
Geraldo Andrade da Silva Filho Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP); doutorando da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV); especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diretoria de Estudos Educacionais (Dired) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais (Inep).
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Os objetivos deste artigo são investigar o cumprimento do piso salarial do magistério
por parte das redes e dos sistemas municipais de ensino e analisar o efeito da introdução do
piso sobre o salário bruto relativo de professores municipais, considerando as remunerações
de professores no setor privado e de outros servidores municipais.
A LEI DO PISO SALARIAL DO MAGISTéRIO E A BASE DE DADOS
De acordo com a lei de 2008, todas as redes/sistemas de ensino que estivessem pagando
menos de R$ 950,00 aos professores a título de vencimento básico por contrato de trabalho de
40 horas semanais, ou valor proporcionalmente equivalente, deveriam elevar seus salários em
pelo menos 2/3 da diferença em relação ao valor estabelecido para o piso salarial a partir de
janeiro de 2009. A transição para o valor estipulado pela lei deveria se completar em janeiro
de 2010, quando todas as redes de ensino deveriam estar pagando, a título de salário-base,
pelo menos o mínimo a seus professores, no caso, R$ 1.024,67 naquele momento. O valor de
R$ 1.024,67 foi definido depois da incidência do reajuste anual do piso. De acordo com decisão
do Ministério da Educação, apoiada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o valor do piso
salarial é reajustado anualmente conforme a taxa de expansão anual dos recursos do Fundeb
por aluno.
Como não existia base de dados disponível referente aos vencimentos básicos dos
professores, alvo de determinação legal, pesquisadores da Escola de Economia de São Paulo,
da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), em parceria com a União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime), realizaram pesquisa de campo pela internet com municípios
brasileiros sobre a carreira e a remuneração de seus professores. A Undime enviou solicitação
de participação a todas as redes/sistemas de ensino associadas, mas os pesquisadores da
EESP-FGV estimularam por meio de contatos telefônicos a participação de uma amostra
representativa de municípios.2
Por ser uma pesquisa feita em parceria com a Undime e como houve compromisso de
não se divulgar as informações individualizadas e de não repassá-las a terceiros, acredita-se
que as informações prestadas tenham elevado grau de confiabilidade. De posse dos salários-
base de 2008 a 2013 e de outras informações sobre a carreira do magistério municipal, foi
possível identificar as redes municipais atingidas pela introdução do piso salarial do magistério
e se essas redes cumpriram ou não a lei.
Considerando apenas os anos iniciais do ensino fundamental (EF), de acordo com a
pesquisa, a maioria dos municípios brasileiros foi atingida pela introdução do piso. Entre
2 Para descrição da pesquisa, inclusive da metodologia de construção da amostra, veja: SILVA FILHO, Geraldo; PINTO, Cristine; VIEIRA, Marcel. Does money move teachers? In: ENCONTRO DA ANPEC, 42., 2014, Natal, RN. Anais...
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as redes/sistemas municipais de ensino, 60,8% tinham salário-base inicial de professor dos
anos iniciais do EF inferior a R$ 950,00 no início de 2008. Em 2011, a percentagem de redes/
sistemas municipais de ensino que pagava menos que o mínimo legal caiu 26,8 p.p. para 34%
dos municípios. Já em 2013, 32,7% dos municípios permaneciam à margem da lei.
EFEITO DA LEI DO PISO SOBRE O SALÁRIO DOS PROFESSORES
Uma vez identificadas as redes/sistemas de ensino que foram afetadas pela lei, é
importante saber qual o efeito da lei sobre o salário-base e se a instituição do piso salarial de
fato gerou efeitos sobre a remuneração total dos professores. Todos os resultados apresentados
consideram os pesos amostrais calculados de modo a garantir que a amostra dos municípios
representem as regiões geográficas e o total do Brasil.
Conforme mostrado na Tabela 1, em 2008, quando a lei foi instituída, os salários-base
eram mais elevados nas Regiões Sul e Sudeste, onde menos da metade dos municípios (47,7%)
foram afetados pela introdução do piso salarial. Por outro lado, nas demais regiões, 77,9% dos
municípios teriam que elevar seu salário-base dos professores para cumprir a lei.3 A região
mais atingida foi a Nordeste, em que 84,3% dos municípios pagavam como salário-base valor
inferior a R$ 950,00 em 2008.
Tabela 1 Salário-base inicial médio de professores das redes municipais de ensino em 2008
de municípios atingidos e não atingidos pela lei do piso
Média (R$) Intervalo 95% Confiança Obs Part. Região
Não atingidos 1.350,60 1.315,76 1.385,44 368
N 1.222,63 1.078,94 1.366,33 33 36,4%
NE 1.250,19 1.154,62 1.345,77 32 15,7%
SE 1.371,30 1.318,39 1.424,21 167 52,2%
S 1.408,85 1.348,35 1.469,35 94 52,5%
CO 1.300,21 1.221,69 1.378,73 42 33,2%
Atingidos 849,17 832,40 865,94 470
N 861,36 814,32 908,39 59 63,6%
NE 800,96 778,02 823,90 189 84,3%
SE 839,68 803,40 875,97 84 47,8%
S 961,45 917,22 1.005,68 63 47,5%
CO 895,23 840,92 949,53 75 66,8%
Fonte: Undime; EESP-FGV. Pesquisa sobre carreira e remuneração de professores das redes municipais. Elaboração do autor.
3 A média salarial no Centro-Oeste era semelhante às do Sul e do Sudeste, mas havia maior dispersão entre seus municípios, com maior proporção de municípios com salários-base inferiores ao piso.
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Nem todos os municípios que foram atingidos pela lei elevaram seus salários-base de
modo a cumprir a determinação legal. A Tabela 2 mostra que, entre os municípios brasileiros
que foram atingidos pela lei, 59,3% elevaram o salário-base de seus professores, de modo a
cumprir a lei em 2009, sendo que na Região Nordeste houve maior percentual de adesão à lei
(com 69,2% dos atingidos), enquanto na Região Centro-Oeste houve a menor taxa de adesão
(com 39,8% dos atingidos). Em média, os municípios que aderiram à lei em seu primeiro ano de
vigência (2009) apresentavam salário-base cerca de 4,9% acima dos que não cumpriram o piso
salarial em 2008, o que indica que quanto maior a distância entre o salário-base em vigor e o
piso instituído pela lei em 2008, menos provável foi o cumprimento da lei. Apenas na Região
Norte não se verificou essa correlação negativa entre salário-base em 2008 e propensão a
cumprir a lei.
Tabela 2 Percentual de cumpridores e não cumpridores da lei em 2009 entre os atingidos e a média salarial de cada grupo (2008)
Percentual de municípios
atingidos pela lei
Cumpridores Não cumpridores
part. entre atingidos
média salário-base 2008 (R$)
part. entre atingidos
média salário-base
2008 (R$)
Brasil 60,8% 59,3% 865,78 40,7% 824,96
N 63,6% 50,7% 849,02 49,3% 873,55
NE 84,3% 69,2% 820,95 30,8% 755,09
SE 47,8% 43,3% 881,18 56,7% 797,81
S 47,5% 59,3% 964,53 40,7% 957,38
CO 66,8% 39,8% 974,18 60,2% 842,90
Fonte: Undime; EESP-FGV. Pesquisa sobre carreira e remuneração de professores das redes municipais. Elaboração do autor.
Utilizando um modelo de probabilidade linear, é possível concluir que a distância
do salário-base em relação ao valor do piso salarial do magistério explica um terço da
probabilidade de se cumprir a lei no período 2009-2011. Já a localização do município
explica, aproximadamente, 28,8% da probabilidade de adesão da rede municipal ao piso. A
localização e a distância do salário-base em relação ao piso, conjuntamente, explicam 42,1%
da probabilidade de se cumprir a lei. Quando se acrescentam ao modelo as características
das redes de ensino, incluindo algumas características dos professores, e características
socioeconômicas dos municípios e dos alunos da rede,4 todas as variáveis explicam, em seu
conjunto, 48,2% da probabilidade de se cumprir a lei. Por fim, ao se acrescentar algumas
variáveis políticas, partido do prefeito e percentual dos vereadores da base de sustentação
dele, todas as variáveis explicam 51,1% da probabilidade de se cumprir o piso salarial no
4 Fontes: Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope), Censo Escolar da Educação Básica (Inep) e Questionários Socioeconômicos da Prova Brasil.
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período 2009-2011. Assim, conclui-se que parte considerável da explicação da probabilidade
de adesão à lei do piso deve-se a fatores que não são observados nas bases de dados.
Entre 2008 e 2011, houve aumento real considerável tanto do salário-base quanto do
salário bruto dos professores das redes municipais de ensino. Parte muito significativa desse
aumento real se deveu à instituição do piso salarial do magistério. Por meio da análise da Tabela
3, é possível inferir que a introdução do piso salarial do magistério moveu as remunerações dos
professores dos municípios atingidos pela lei, isto é, aqueles que apresentavam salário-base
inferior ao piso em 2008. O salário-base médio das redes/sistemas de ensino dos municípios
atingidos pela lei subiu 53,5% entre 2008 e 2011, 26,4 p.p. acima da expansão do salário-base
médio dos professores das redes não atingidas pela lei. E o aumento do salário-base se refletiu
sobre a variação da remuneração total (salário bruto) dos professores, segundo informação da
Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tanto
dos professores com formação de nível superior quanto dos com formação de nível médio,
com crescimento de 65,7% e 58,9%, respectivamente. Descontando a inflação medida pelo
IPCA, de 17% no mesmo período, houve ganhos reais de mais de 40% no período. Por sua
vez, os professores de redes não atingidas pela lei obtiveram ganhos reais mais modestos e
inferiores à variação do PIB.
Tabela 3 Variação de salários em municípios atingidos e não atingidos pela lei do piso entre
2008 e 2011
Atingidos Não atingidos Diferença (p.p)
Salário-base professor municipal 53,5% 27,1% 26,4
Salário bruto professores
rede municipalnível médio 58,9% 37,3% 21,6
nível superior 65,7% 32,3% 33,5
rede privadanível médio 45,0% 48,8% -3,8
nível superior 36,0% 35,7% 0,2
Salário bruto servidores municipais 37,3% 28,9% 8,4
Inflação (IPCA) 17,0% 17,0%
PIB nominal 41,7% 41,7%
Fonte: Undime; EESP-FGV. Pesquisa sobre carreira e remuneração de professores das redes municipais. Elaboração do autor.
A categoria dos professores percebeu maior aumento de remuneração total no
período analisado do que os demais servidores municipais nos dois grupos de municípios,
mas essa diferença foi maior entre os municípios atingidos pela lei. É interessante notar,
ainda, que a variação dos salários brutos de professores das redes privadas foi semelhante
nos dois grupos de municípios, atingidos e não atingidos, variação bem próxima à variação
do PIB nominal (de 41,7% no período). Contudo, a remuneração bruta média dos professores
das redes municipais atingidas pela lei variou mais fortemente que a de professores de redes
10BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
não atingidas pela lei, 21,6 p.p. e 33,5 p.p. para professores com nível médio e com nível
superior, respectivamente.
COnSIDERAçõES FInAIS
Este artigo mostrou que a maioria das redes ou sistemas de ensino municipais foi afetada
pela instituição do piso salarial do magistério, com destaque para as da Região Nordeste, e
que, daquelas, nem todas elevaram seus salários-base para cumprir a determinação legal. Foi
possível verificar que parte considerável da probabilidade de cumprir a lei não foi explicada
pelas variáveis disponíveis nas bases de dados utilizadas no estudo, sendo necessário
aprofundar a investigação sobre os determinantes do cumprimento da lei. Por fim, o artigo
mostrou que houve expressivo crescimento não só do salário-base dos professores das redes
atingidas pela lei, mas também de sua remuneração total.
1111BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
COMO COMPREEnDER OS RESULTADOS DA
AVALIAçÃO nACIOnAL DA ALFABETIZAçÃO (AnA)?
Coordenação Geral de exameS para CertiFiCação da diretoria
de avaliação da eduCação BáSiCa (daeB)
Lançada em 2013 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) é o primeiro indicador
de alfabetização escolar produzido pelo governo brasileiro. Representa um dos eixos de
implementação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), instituído em
2012 pelo Ministério da Educação.
A Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) oferece resultados sobre os níveis de
alfabetização atingidos pelos estudantes ao final do 3º ano do ensino fundamental para as áreas
de leitura, escrita e matemática. Os resultados de alfabetização apresentam-se acompanhados
dos indicadores de nível socioeconômico e de adequação da formação docente. Assim, os
resultados da ANA possibilitam o monitoramento da alfabetização escolar, bem como do
direito das crianças à educação de qualidade em trajetória regular.
Na segunda edição, em 2014, participaram dos testes mais de 49 mil escolas públicas
e cerca de 2,5 milhões de estudantes.1 Este artigo apresenta a escala de proficiência da
avaliação e a distribuição do resultado dos alunos segundo a escala nos níveis nacional e
regional.
1 Havia, em 2014, um total de 2.769.277 alunos no 3º ano do ensino fundamental, distribuídos em 92.210 escolas em todo o território nacional, mas o artigo3º da Portaria nº 468, de 19 de setembro de 2014, define que participariam da ANA 2014 todas as escolas públicas urbanas e rurais com, no mínimo, dez estudantes matriculados no 3º ano do ensino fundamental regular, organizado no regime de nove anos.
12BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
RESULTADOS DE 2014
Para interpretar os resultados da ANA, é preciso utilizar a Escala de Proficiência.
Proficiência é a capacidade de realizar algo e ter aptidão em determinada área do conhecimento.
Escala de Proficiência é uma espécie de “régua” em que se agrupam, por níveis, as habilidades
dos estudantes aferidas nos testes.
Leitura
Em leitura, a escala é composta por quatro níveis progressivos e cumulativos, da menor
para a maior proficiência. Significa dizer que quando um percentual de estudantes está
posicionado em determinado nível da escala, pressupõe-se que, além de terem desenvolvido
as habilidades referentes a esse nível, provavelmente também desenvolveram as habilidades
referentes aos níveis anteriores. O nível 1 apresenta-se como o nível mais elementar e o Nível
4, como o mais elevado da escala.
Os estudantes brasileiros mais frequentemente se encontram nos níveis intermediários
da escala de proficiência em leitura, conforme mostra a Tabela 1, e apenas 11,2% se encontram
no nível superior da escala. Em geral, os estudantes das Regiões Norte e Nordeste apresentaram
desempenho inferior aos das Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Pouco mais de um terço
dos estudantes do 3º ano das escolas do Norte e do Nordeste encontra-se no nível 1 da escala.
Tabela 1 Percentual de estudantes nos níveis de leitura segundo a região geográfica – 2014
Brasil e Regiões Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4Brasil 22,21% 33,96% 32,63% 11,20%
Norte 35,06% 37,47% 22,64% 4,84%
Nordeste 35,56% 36,84% 22,08% 5,52%
Centro-Oeste 16,06% 36,24% 37,24% 10,47%
Sudeste 13,05% 30,28% 39,92% 16,75%
Sul 11,94% 33,57% 40,61% 13,88%
Fonte: INEP. Diretoria de Avaliação da Educação Básica. Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
No nível 1 da escala de leitura, onde se encontram 22,2% dos estudantes brasileiros, a
operação cognitiva mais presente é ler, o que significa que os alunos agrupados nesse nível já
realizam leitura. Não se trata de leitura de texto, mas exclusivamente de leitura de palavras
com diferentes quantidades e estruturas silábicas. No contexto dado aos itens, prevalece a
apresentação de imagem, que deve ser relacionada com a escrita correta da palavra que lhe
nomeia.
1313BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
No nível 2 da escala, em que estão 34% dos estudantes brasileiros, as operações
cognitivas mais frequentes são localizar, reconhecer e identificar assunto, finalidade do texto
e informação explícita. São itens com textos de circulação na escola, como bilhete, convite,
cartaz, piada, receita e história em quadrinhos.
No nível 3, prevalece a operação cognitiva de inferir assunto, sentido de texto e relação
de causa e consequência. Além dessa operação, há a operação de localizar e identificar em
maior grau de dificuldade que as habilidades do nível anterior: pronome e sentido de expressão
de linguagem figurada, por exemplo. Há textos maiores e articulação de elementos verbais e
não verbais. Entre os estudantes brasileiros, 32,6% se encontram nesse nível.
No nível 4, o mais elevado da escala, estão 11,2% dos estudantes. Nesse nível de
proficiência são comuns as inferências, os reconhecimentos e as identificações de sentidos
de palavra, de personagens em um diálogo, de relação de tempo, de referente de pronome
possessivo e de advérbio. Todos são exclusivos deste nível, e há itens que apresentam apenas
textos verbais de pouca circulação no cotidiano das crianças e da escola.
Escrita
A Escala de Proficiência em Escrita é composta por cinco níveis. A maior parte dos
estudantes brasileiros (55,7%) se encontra no nível 4 da escala de proficiência, sendo que
pouco menos de 10% estão no nível mais elevado, e um pouco mais de 10% estão no nível
inferior da escala. Também na escrita houve significativa desigualdade nos desempenhos
entre regiões. Enquanto no Sudeste cerca de 80% estavam nos dois níveis superiores da escala
e pouco mais de 5% no nível inferior, no Norte e no Nordeste, menos da metade ficou nos dois
níveis superiores e quase 20% ficaram no nível inferior da escala de proficiência, conforme
mostrado na Tabela 2.
Tabela 2 Percentual de estudantes nos níveis de escrita segundo a região geográfica – 2014
Brasil e Regiões Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5Brasil 11,64% 15,03% 7,79% 55,66% 9,88%
Norte 19,36% 27,38% 10,39% 38,75% 4,12%
Nordeste 19,93% 22,45% 11,35% 42,55% 3,72%
Centro-Oeste 7,81% 11,07% 8,50% 65,13% 7,49%
Sudeste 6,08% 8,84% 5,02% 64,64% 15,43%
Sul 5,14% 8,10% 5,30% 67,50% 13,97%
Fonte: INEP. Diretoria de Avaliação da Educação Básica. Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
14BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
No nível 1, onde se encontram 11,6% dos estudantes brasileiros, parte dos estudantes
ainda não escreve palavras. Aqueles que as escrevem não demonstram compreensão do
sistema de escrita alfabético. Também não escrevem textos ainda, ou apresentam escrita
incompreensível, palavras soltas ou desenhos na tentativa de imitar a escrita.
No nível 2, correspondendo a 15% dos estudantes, já há compreensão do sistema de
escrita alfabético, embora com desvios ortográficos, como substituição, inversão ou omissão
das letras. Ainda não escrevem textos.
No nível 3, com apenas 7,8% dos estudantes, são observados avanços na escrita de
palavras com estrutura silábica canônica, aquelas compostas por consoante-vogal. São raros
os desvios ortográficos. Nas estruturas silábicas mais complexas, os desvios são mais comuns.
Os estudantes já escrevem textos legíveis sobre o tema, mas de uma única linha ou inadequados
à proposta de dar continuidade a uma narrativa.
No nível 4, onde se encontra a grande maioria, os estudantes têm grande probabilidade
de escrever as palavras apresentadas de acordo com a ortografia da norma-padrão,
independentemente de sua complexidade. Os textos atendem à proposta de dar continuidade
a uma narrativa, embora possam não contemplar todos seus elementos ou as partes da história
a ser contada. Os textos apresentam articulação entre as partes com o uso de conectivos,
recursos de substituição lexical ou marcas linguísticas, embora ainda apresentem desvios em
seu uso, comprometendo parcialmente o sentido da narrativa. Os estudantes não utilizam a
pontuação ou o fazem de modo inadequado. Podem apresentar alguns desvios ortográficos e
de segmentação sem, no entanto, comprometer a compreensão.
No nível 5, com 9,9% dos alunos, os estudantes têm grande probabilidade de escrever as
palavras apresentadas de acordo com a ortografia da norma-padrão, independentemente de
sua complexidade. Os estudantes podem dar continuidade a uma narrativa, apresentando uma
situação central e uma situação final. Os textos possuem elementos da narrativa, com ideias
articuladas por meio do uso de recursos linguísticos, como conectivos, substituições lexicais ou
marcas linguísticas que contribuem para a construção de sentido. O texto tem poucos desvios
de ortografia, segmentação e pontuação, os quais não comprometem o sentido, indicando um
uso autônomo da língua escrita.
Matemática
A Escala de Proficiência em Matemática compõe-se de quatro níveis. Novamente,
verifica-se forte desigualdade entre as regiões, com Norte e Nordeste apresentando pior
desempenho.
1515BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
Tabela 3 Percentual de estudantes nos níveis de matemática segundo a região geográfica – 2014
Brasil e Regiões Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4
Brasil 24,29% 32,78% 17,78% 25,15%
Norte 37,39% 37,50% 13,34% 11,76%
Nordeste 38,59% 35,49% 12,93% 13,00%
Centro-Oeste 19,09% 35,77% 20,62% 24,52%
Sudeste 14,11% 28,80% 20,96% 36,13%
Sul 14,07% 32,03% 21,36% 32,55%
Fonte: INEP. Diretoria de Avaliação da Educação Básica. Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
Entre os estudantes brasileiros, 24,3% se encontram no nível 1 da escala. Nas questões
de nível 1, estão presentes operações cognitivas como ler, associar, reconhecer, identificar e
comparar. As características principais desse nível são: baixa exigência de leitura para responder
aos itens, texto-base simples com suporte predominantemente em imagem, enunciado direto/
curto e forte presença de objetos de uso cotidiano.
No nível 2, onde se encontram 32,8% dos estudantes, estão presentes as operações
cognitivas de ler, associar, reconhecer, identificar, comparar, completar, compor, calcular
e resolver. Além disso, os cálculos de adição e subtração e os problemas envolvendo essas
operações começam a aparecer. Nos itens há maior exigência de leitura para respondê-los
corretamente, embora sejam textos-base simples, suporte em imagem e enunciados diretos/
curtos. Os números apresentados nos problemas são pequenos (até 2 ou 3 algarismos) e não
há reagrupamento nos cálculos de adição e subtração.
Para o nível 3, nível de 17,8% dos estudantes, as operações cognitivas mais comuns são
identificar, calcular e resolver, envolvendo objetos de conhecimento de maior complexidade
e aumento na magnitude dos números envolvidos nos cálculos e problemas. Os estudantes
realizam procedimento para chegar aos resultados e há objetos mais complexos, como a
necessidade de observar a estrutura geral do gráfico, os reagrupamentos nas operações, a
quantidade de informações nas tabelas e maior complexidade nos problemas envolvendo as
operações.
No nível 4, onde estão 25,2% dos estudantes, a operação cognitiva mais mobilizada é
resolver problemas que envolvem as quatro operações; a comparação de números naturais
de até três algarismos; a subtração como operação inversa da adição; a multiplicação,
com a ideia de proporcionalidade e de combinação; e a divisão, com a ideia de medida e
proporcionalidade. Adições e subtrações com reagrupamento, horas e minutos em relógios
analógicos e composição e decomposição aditivas não canônicas completam o conjunto, com
predomínio de itens sem suporte em imagens.
16BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
COnSIDERAçõES FInAIS
Os resultados das avaliações externas passam a fazer sentido quando compreendidos
e discutidos pela equipe escolar. A escola pode organizar fóruns nos quais os professores
acessem os desempenhos dos estudantes no teste e reflitam sobre os modos como esses
resultados se relacionam com seu trabalho pedagógico, a fim de incrementar a apropriação de
habilidades pelos estudantes.
1717BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
PERFIL DA DOCênCIA nO EnSInO MéDIO REGULAR
thaySa GuimarãeS Souza
Thaysa Guimarães Souza Mestre em Estatística pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisadora em exercício na Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). [email protected]
A partir dos dados do Censo da Educação Básica de 2013, foi realizada uma análise
com o objetivo de construir um perfil da formação inicial dos docentes e do exercício da
docência no ensino médio regular. Foram consideradas as disciplinas da base nacional
comum e os componentes curriculares obrigatórios, definidos nas diretrizes curriculares
nacionais para o ensino médio,1 a saber: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Artes,
Educação Física, Matemática, Biologia, Química, Física, História, Geografia, Filosofia e
Sociologia.
Dessa forma, os docentes, por disciplina, foram classificados em dois grupos: o
primeiro, com aqueles que lecionam exclusivamente a disciplina estudada; e o segundo,
com os docentes que lecionam outras disciplinas além da analisada. Cada um dos grupos
foi dividido em dois subgrupos: um de professores que lecionam exclusivamente no
ensino médio, e outro com aqueles que lecionam também em outras etapas de ensino,2
de modo que, para os quatro perfis de atuação, puderam ser analisadas características
como: o número de escolas e turnos em que atuam e, em caso de ocorrência, quais outras
disciplinas lecionam.
1 Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012.2 Educação infantil, anos iniciais, anos finais, educação profissional e educação de jovens e adultos.
18BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
Em relação ao perfil de formação, os docentes foram separados inicialmente em dois
conjuntos: um com formação específica3 na área de atuação e outro sem essa formação. Desse
modo, para cada uma das disciplinas do estudo, foi possível identificar quantas turmas ainda
não têm um professor com formação específica regendo a disciplina.
A metodologia e os resultados detalhados por disciplina estão relatados na publicação
Perfil da Docência no Ensino Médio Regular – Censo 2013, disponível no portal do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).4
Vale destacar que esse estudo subsidiou o desenvolvimento de três novos indicadores
educacionais relacionados à docência na educação básica, que passarão a ser divulgados
regularmente pelo Inep: o indicador de adequação da formação docente, o indicador de
regularidade do corpo docente da escola e o indicador de esforço docente.5
PERFIL DE ATUAçÃO
Quanto às disciplinas consideradas, destacam-se pelo maior número6 de docentes em
atuação: Língua Portuguesa, Matemática, História, Biologia e Geografia. Essa distribuição
se encontra associada à frequência com que essas disciplinas ocorrem na grade horária das
escolas.
Em relação ao perfil de atuação, os docentes de cada disciplina foram classificados
em dois grandes grupos: o primeiro, com os que lecionam exclusivamente a disciplina; e o
segundo, com aqueles que lecionam outras disciplinas além da analisada. O Gráfico 1 mostra
que as áreas com os maiores percentuais de docentes atuando em outras disciplinas além da
considerada são Sociologia, Filosofia e Física.
Para os docentes que lecionam Sociologia e outras disciplinas, exclusivamente no ensino
médio, Filosofia é a outra matéria mais frequente. No entanto, quando esses professores
atuam no ensino médio e em outras etapas, História passa a ser a mais comum. No caso dos
professores de Filosofia e Física, as disciplinas de Sociologia e Matemática, respectivamente,
são as mais frequentes, independentemente de eles serem exclusivos ou não do ensino médio.
3 Considerou-se formação específica o curso superior de licenciatura na mesma área de atuação do docente (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e Decreto nº 3.276/1999) e a formação superior de bacharelado na mesma área, tendo o docente cursado programa de complementação pedagógica (Resolução CNE/CP nº 02, de 26 de junho de 1997).
4 Disponível em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/1281>.5 Para saber mais sobre esses indicadores, consultar a página do Inep, especificamente o item Informações Estatísticas e a aba
Indicadores Educacionais (<http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>), onde são apresentadas as respectivas notas técnicas e os indicadores calculados para as agregações escola, município, estado, região e Brasil.
6 A disciplina Língua Estrangeira não foi considerada entre as que apresentam os maiores números de docentes em atuação, por corresponder à junção, na base de dados do Censo Escolar, das disciplinas: Inglês, Espanhol, Francês e Outra Língua Estrangeira.
1919BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
Gráfico 1 Distribuição percentual dos docentes que atuam no ensino médio regular por disciplina e perfil de atuação – Brasil 2013Fonte: Inep/MEC. Censo da Educação Básica 2013.
De modo geral, verifica-se que os docentes do ensino médio não costumam ser exclusivos
dessa etapa de ensino. Quanto às disciplinas Química (24,4%), Física (19,2%), Matemática
(18,6%) e Biologia (18,4%), são as que apresentam o maior número de professores exclusivos
da disciplina e etapa de ensino, em relação aos respectivos totais de professores em atuação.
Outra característica observada em muitos casos é o elevado esforço para o exercício da
profissão, principalmente dos professores que lecionam mais de uma disciplina e que não são
exclusivos do ensino médio regular. De modo geral, observa-se que esses profissionais atuam
em duas ou mais escolas e, predominantemente, em dois ou três turnos.
PERFIL DE FORMAçÃO
Muito se tem discutido sobre a adequação da formação dos professores que atuam na
educação básica, e o tema ganha um contorno ainda mais preocupante quando analisado para
disciplinas específicas. No ensino médio regular, as disciplinas Sociologia, Artes, Filosofia e Física
são as que possuem os menores percentuais de docentes com a formação específica7 na área em
que atuam. Apenas para Língua Portuguesa, Biologia, Matemática e Educação Física, é observado
um percentual superior a 65% de docentes com formação na área da disciplina ministrada.
Foram verificados, ainda, os cursos de formação mais frequentes dos professores que
atuam nessas disciplinas. A distribuição desses cursos mostra que, em algumas disciplinas,
7 A relação dos cursos considerados adequados para cada disciplina encontra-se na nota técnica do Indicador de Formação Docente disponível na página do Inep <http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>.
33,0%
49,7%
50,4%
55,3%
56,3%
59,9%
61,0%
61,9%
63,3%
72,9%
85,4%
87,3%
Educação Física (n = 45.982)
Biologia (n = 52.534)
Matemá a (n = 74.595)
Geogra
Língua Portuguesa (n = 84.648)
Língua Estrangeira (n = 60.642)
Química (n = 45.365)
História (n = 54.736)
Artes (n = 45.516)
Física (n = 50.543)
Sociologia (n = 47.961)
Exclusivos da disciplina Também lecionam outra(s) disciplina(s)
20BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
o curso de formação mais frequente não está relacionado à área da disciplina de atuação. É o
caso das disciplinas Física e Sociologia, nas quais os cursos mais frequentes são as licenciaturas
em Matemática e História, respectivamente.
Gráfico 2 Distribuição percentual dos docentes que atuam no ensino médio regular por disciplinas e perfil de formação – Brasil 2013
Fonte: Inep/MEC. Censo da Educação Básica 2013.
O número de docentes com formação específica que atuam nas disciplinas do ensino
médio regular não é suficiente para atender a todas as turmas porque, como foi apresentado,
para algumas disciplinas, o professor “típico” não costuma ser exclusivo de uma disciplina ou
etapa de ensino. O Gráfico 3 apresenta a classificação das turmas do ensino médio de acordo
com as categorias8 de adequação da formação dos professores (Quadro 1).
Quadro 1 Classificação das turmas de acordo com as categorias de adequação da formação dos docentes em relação às disciplinas que lecionam
Grupo Situação da turma
1Atendida pelo menos por um docente com formação superior de licenciatura na mesma disciplina que leciona, ou bacharelado na mesma disciplina, com curso de complementação pedagógica concluído.
2Não possui docentes do grupo 1, mas é atendida pelo menos por um docente com formação superior de bacharelado na disciplina correspondente, sem licenciatura ou complementação pedagógica.
3
Não possui docentes dos grupos 1 ou 2, mas é atendida pelo menos por um docente com licenciatura em área diferente daquela que leciona, ou com bacharelado nas disciplinas da base curricular comum e complementação pedagógica concluída em área diferente daquela que leciona.
4 Não possui docentes dos grupos 1, 2 ou 3, mas é atendida pelo menos por um docente com outra formação superior não considerada nas categorias anteriores.
5 Não possui docentes dos grupos 1, 2, 3 ou 4.
8 Categorias extraídas da nota técnica do Indicador de Formação Docente, com alterações.
75,6%66,9%66,5%66,2%
61,7%57,1%
46,8%43,2%
26,8%21,8%21,3%
11,8%
Língua PortuguesaBiologia
Matemá aEducação Física
HistóriaGeogra
Língua EstrangeiraQuímica
Física
ArtesSociologia
Docentes com formaç a Docentes sem formaç a
2121BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
Gráfico 3 Distribuição das turmas de ensino médio regular (n = 268.480) por disciplinas da matriz curricular e perfil de formação do professor – Brasil 2013Fonte: Inep/MEC. Censo da Educação Básica 2013.
O número de professores com formação específica necessária para atender às turmas
que não possuem docentes com essa característica varia em cada rede de ensino e sua situação
particular. Especificamente, esse número depende de aspectos da atividade docente (grade
horária da disciplina, tempo de atividade em sala de aula, divisão da atividade docente com
outra disciplina) e da organização do sistema de ensino (jornada de trabalho dos professores,
número de turmas por escola, entre outras características).
Vale observar que para concentrar os docentes com formação específica lecionando
exclusivamente a disciplina para a qual possuem formação de licenciatura, torna-se necessário
encontrar outros professores, também com qualificação específica, para cobrir as turmas de
outras etapas e disciplinas que os primeiros deixariam de atender.
COnCLUSÃO
Os resultados deste estudo fornecem subsídios relevantes para analisar a adequação da
formação dos docentes que atuam no ensino médio brasileiro. É importante destacar que a
metodologia criada para traçar o perfil desses docentes pode ser aplicada nos níveis estaduais
e municipais, e é justamente nessas esferas que um diagnóstico desse tipo tem mais relevância
política. São os gestores de redes municipais e estaduais que, a partir de suas realidades e
currículos locais, têm condições de aprimorar a alocação e a adequação da formação dos seus
docentes.
79,9%74,3%
72,2%67,0%
64,9%63,3%
54,1%52,7%
36,9%36,2%
20,3%20,2%
0% 10% 20% 30% 40%5 0% 60% 70%8 0% 90% 100%
Língua PortuguesaBiologia
Matemá aHistória
GeograEducação Física
QuímicaLíngua Estrangeira
FísicaSociologia
Artes
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5
2323BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
DETERMInAnTES SOCIOECOnÔMICOS
DAS CHAnCES DE ACESSOÀ EDUCAçÃO SUPERIOR
nO BRASILluiz CarloS zalaF CaSeiro
Luiz Carlos Zalaf Caseiro Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador em exercício na Diretoria de Estudos Educacionais (Dired) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). [email protected]
InTRODUçÃO
O objetivo deste artigo é investigar se a ampliação das matrículas na educação superior,
entre 2004 e 2013, deu-se de forma concomitante à redução das desigualdades de acesso
entre indivíduos de 18 a 24 anos de idade de diferentes origens socioeconômicas. Ou seja,
busca avaliar, ainda que parcialmente, em que medida as estratégias do novo Plano Nacional
de Educação (PNE) relativas à redução de desigualdades regionais e à ampliação da taxa de
acesso à educação superior de grupos historicamente desfavorecidos vêm sendo cumpridas
ao longo do último decênio (estratégias 12.2, 12.5 e 12.9).
Embora se possa considerar, intuitivamente, que a expansão de um determinado
nível de ensino deva vir acompanhada de maior heterogeneidade social dos estudantes, isso
raramente ocorre. Diversos trabalhos, no Brasil e no exterior, têm comprovado a hipótese
da “desigualdade maximamente mantida”,1 que postula que a desigualdade nas chances de
acesso a um nível de ensino só começa a cair depois de esse acesso se tornar praticamente
1 Para a completa referência da literatura que embasa essa pesquisa, ver CASEIRO, Luiz C. Z. Determinantes socioeconômicos das chances de acesso à educação superior no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 17., Porto Alegre-RS, 2015. Anais... Disponível em: <http://automacaodeeventos.com.br/sociologia2015/sis/inscricao/resumos/0001/R0370-1.PDF>. Acesso em: 30 set. 2015.
24BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
universal entre os grupos mais privilegiados. No caso da educação superior, a literatura
internacional trabalha com uma taxa de saturação de 80% dos elegíveis, isto é, espera-se
que, somente quando o acesso dos grupos mais privilegiados superar 80%, a participação
proporcional dos grupos menos privilegiados aumentará. Em muitos países, incluindo o Brasil,
os elegíveis ao ingresso na educação superior são aqueles que completaram o ensino médio.
Ao observarmos os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) entre 2004
e 2013, verifica-se que não há saturação do acesso aos cursos de graduação nem mesmo para
os 10% da população com maior renda. A despeito desse fato, o acesso dos estratos inferiores
de renda cresceu no período (Gráfico 1).
Gráfico 1 Acesso aos cursos de graduação pela população de 18 a 24 anos de idade que concluiu o ensino médio, por décimos de renda familiar per capita
Fonte: Pnad/IBGE, 2004 e 2013. Elaboração do autor.
O número de matrículas nos cursos de graduação no Brasil ampliou-se consideravelmente
no último decênio, de 4,2 milhões em 2004 para 7,3 milhões em 2013. Diversas políticas
públicas estimularam esse crescimento, tanto no segmento público quanto no segmento
privado. Algumas delas almejaram também a redução das desigualdades no acesso entre os
diferentes grupos socioeconômicos, incluindo os jovens de baixa renda, afrodescendentes,
indígenas e habitantes de diferentes regiões do país. Embora os dados que foram utilizados
não permitam avaliar o impacto direto de tais políticas sobre a redução das desigualdades no
acesso à educação superior, é interessante avaliar se, no período dessas políticas, essa redução
ocorreu. Caso tenha ocorrido, isso indicaria que as estratégias supramencionadas do PNE já
vêm sendo, de alguma maneira, implementadas, contrariando aquilo que seria esperado pela
literatura.
5,6%8,7%
12,7%17,2%
23,0%28,9%
36,7%
46,2%
62,4%
79,7%
32,4%
15,8% 17,9%23,0%
28,6% 30,3%36,7%
42,3%49,4%
59,9%
77,7%
38,8%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
90,0%
10% maispobres
10% - 20% 20% - 30% 30% - 40% 40% - 50% 50% - 60% 60% - 70% 70% - 80% 80% - 90% 10% maisricos
Total Brasil
2004 2013
2525BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
METODOLOGIA
Para atingir o objetivo proposto, utilizam-se os dados da Pnad referentes aos anos de
2004 e 2013. Foram selecionados apenas os indivíduos de 18 a 24 anos que concluíram o
ensino médio e foi utilizado um modelo de regressão logística para estimar o quanto suas
características socioeconômicas explicam as chances de acesso à educação superior nesses
dois momentos. De maneira específica, o modelo estima as chances de um indivíduo de 18 a
24 anos obter acesso à educação superior, em cada uma das Grandes Regiões do Brasil, em
função de seu local de moradia (domicílio rural ou urbano), de características adscritas (raça e
sexo), de estrutura familiar (se mora ou não com os pais) e de sua renda domiciliar per capita.
RESULTADOS
Gráfico 2 Comparação das chances de acesso à educação superior, por Grandes Regiões
(2004-2013)
Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração do autor.
8,0%
11,6%
7,7%
11,4%
8,0%
11,6%
14,1%
19,2%
9,5%
126,1%
112,1%
93,5%
142,0%
126,1%
112,1%
119,4%
49,3%
70,2%
122,2%
111,6%
37,7%
67,0%
40,4%
24,3%
58,3%
113,3%
82,9%
71,1%
65,6%
76,2%
56,8%
109,5%
65,6%
76,2%
127,0%
249,4%
68,6%
90,3%
86,5%
109,0%
0,0% 50,0% 100,0% 150,0% 200,0% 250,0%
2013
2004
2013
2004
2013
2004
2013
2004
2013
2004
2013
2004
Urbano Branco Mulher Mora com os pais Renda domiciliar per capita (R$ 100)
Bras
ilN
orte
Nor
dest
eSu
dest
eSu
lCe
ntro
-Oes
te
14,4%
9,0%89,6%53,7%
54,4%
17,0%30,3%
52,5%
22,0% 44,4%
46,9% 64,4%
20,0% 58,3%
24,3% 37,7%
68,5%
58,4%70,5%
20,0%
26BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
Os resultados resumidos do modelo são apresentados no Gráfico 2, expressos em
percentuais, e representam o quanto as chances médias de um indivíduo entre 18 e 24 anos,
com determinada característica socioeconômica (especificada na legenda), obter acesso à
graduação são maiores que as chances médias de um indivíduo da categoria de referência
(omitida), para as variáveis categóricas, ou em relação a um indivíduo que possui uma unidade
a menos de valor, para as variáveis contínuas (renda domiciliar).2
Ao comparar os dados dos modelos de 2004 e 2013, nota-se a redução da contribuição
de quase todas as variáveis independentes para as chances da população de 18 a 24 acessar
a educação superior, no nível Brasil e em praticamente todas as regiões. A exceção é a
contribuição do sexo, com crescentes vantagens para as mulheres.
Situação: em todas as regiões houve redução das desigualdades de acesso entre os
habitantes das áreas urbanas e rurais. Em 2004, o maior diferencial de acesso dos habitantes
de áreas urbanas em relação aos de áreas rurais era verificado no Nordeste (249,4%) e o
menor, no Centro-Oeste (76%). No período analisado, foi no Nordeste que essa razão mais
declinou (122,4 p.p.) e no Centro-Oeste, onde se verificou a menor redução (10,4 p.p.). Houve,
além da redução das desigualdades de acesso à graduação entre habitantes das áreas rurais e
urbanas, certa convergência do diferencial dessas chances entre as regiões.
Cor/Raça: o Nordeste foi a única região na qual as vantagens dos brancos em relação
aos afrodescendentes e indígenas cresceram no período (de 44,4%, em 2004, para 64,4%, em
2013). Em todas as demais regiões, as desigualdades associadas à cor/raça foram reduzidas.
Cabe observar, todavia, que a contribuição da cor branca para as chances de ingressar na
educação superior era menor no Nordeste em 2004. De modo geral, a contribuição média
dessa variável para todas as regiões aproximou-se da média Brasil, entre 2004 e 2013,
indicando uma convergência entre as regiões. Nota-se, ainda, uma redução da contribuição
de ser branco sobre o aumento das chances de acesso à educação superior, em relação aos
afrodescendentes e indígenas no nível Brasil (de 71,1% para 54,4%).
Morar com os pais: a contribuição de morar com os pais para as chances de acesso à
educação superior caiu acentuadamente nas Regiões Norte (52 p.p.), Sudeste (57 p.p.) e Sul
(48 p.p.), entre 2004 e 2013. Cresceu, entretanto, de maneira acentuada, na Região Nordeste
(70 p.p.) e, de forma incremental, na Região Centro-Oeste (14 p.p.). O resultado final foi uma
redução moderada da contribuição dessa variável para explicar a chance de acesso à educação
superior no nível Brasil (de 21,7 p.p.), que, entretanto, continua elevada, com os jovens que
moram com os pais tendo 90% mais chances de ingresso nos cursos de graduação do que
aqueles que moram em outros arranjos domiciliares.
Renda domiciliar per capita: em todas as regiões, a contribuição dessa variável sobre
a probabilidade de completar a transição para a educação superior reduziu-se de maneira
2 No caso da renda domiciliar per capita, o resultado apresentado no Gráfico 2 considera como unidade de comparação R$ 100,00.
2727BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
significativa. No nível Brasil, em 2004, para cada 100 reais adicionados à renda domiciliar
per capita, as chances de acesso à graduação aumentavam em média 14,4%. Em 2013, esse
aumento foi de 9%. Entre as regiões, a maior contribuição da renda domiciliar em 2013 foi
observada no Nordeste (14,1% para cada R$ 100,00 adicionados) e a menor, no Sul (7,7%).
Poder explicativo do modelo: houve redução do poder explicativo do modelo entre 2004
e 2013 (Pseudo-R2, de Cox e Snell). Isso mostra uma redução global do peso das características
socioeconômicas consideradas sobre as chances de acesso à educação superior. A “renda
domiciliar per capita” é a variável que mais influencia as chances de acesso a educação superior,
explicando 14,5% da probabilidade de acesso, em 2004, e 8,3% em 2013, no nível Brasil.
Observou-se no Nordeste o maior poder explicativo do modelo em 2013, com 17,8% do acesso
à graduação sendo explicado pelas variáveis independentes consideradas. Tanto pela análise
do poder explicativo do modelo, quanto pela análise do efeito das variáveis independentes, é
possível concluir que a Região Nordeste é aquela que apresenta maiores desafios na redução
das desigualdades de acesso à educação superior entre os grupos considerados nesta análise.
COnSIDERAçõES FInAIS
Os resultados obtidos mostram que a expansão da educação superior ocorrida entre
2004 e 2013, no nível Brasil, deu-se de forma a contribuir mais para o acesso de grupos
sociais historicamente desfavorecidos (afrodescendentes e indígenas, habitantes do campo
e indivíduos de menor renda domiciliar per capita). De modo geral, as desigualdades no
acesso à educação superior caíram no período, em acordo com o almejado pelo novo PNE e
contrariando o que seria esperado pela literatura de estratificação educacional.
A despeito da redução das desigualdades ocorrida no último decênio, o poder explicativo
da maioria das características socioeconômicas para a probabilidade de acesso ao ensino
superior ainda é bastante elevado em todas as regiões. Em especial, persistem desigualdades
estruturais relativas à cor/raça, à renda domiciliar per capita e à situação de domicílio (rural/
urbana) no acesso à educação superior, o que justifica a ampliação das políticas adotadas para
reduzir tais desigualdades, conforme o previsto pelo PNE.
Em estudos futuros, pretende-se identificar a contribuição das políticas públicas
existentes para a redução das desigualdades no acesso à educação superior identificada neste
artigo. Ademais, será importante investigar a qualidade da educação superior oferecida a
esses novos participantes.
2929BOLETIM NA MEDIDA | ANO 4 | NÚMERO 8 | 2015
ROTATIVIDADE DE DIRETORES E DESEMPEnHO
DOS ALUnOS:EFEITOS ADVERSOS
DE nOVOS PREFEITOS nA EDUCAçÃO MUnICIPAL
JéSSiCa GaGete mirandaelaine toldo pazello
Jéssica Gagete Miranda Mestre em Economia Aplicada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), campus de Ribeirão Preto.Elaine Toldo Pazello Professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), campus de Ribeirão Preto, e ex-Diretora de Estudos Educacionais do Inep.
InTRODUçÃO
De acordo com a literatura, a gestão escolar é determinante significativo da qualidade
da educação. Por desempenhar tarefas fundamentais, como a gestão administrativa da
escola, a elaboração de projetos político-pedagógicos, a coordenação de planos de ensino e
de aula, entre outros atributos (Lück, 2009), o diretor escolar assume papel central na gestão.
Além disso, o diretor é o principal responsável pelo envolvimento de pais e professores no
cotidiano administrativo da escola, o que está associado a um aumento na eficácia do ensino
oferecido por esta (Poirier, 2007). Para cumprir a contento suas atribuições, o diretor precisa
desempenhar papel de liderança na comunidade escolar, o que exige conhecer alunos,
professores e pais.
A dissertação de mestrado em economia de Jéssica Gagete Miranda, defendida na
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto,
sob a orientação da professora Elaine Toldo Pazello, buscou determinar o impacto da
mudança do diretor da escola sobre o desempenho dos alunos. Para medi-lo, utilizaram-se
os resultados da Prova Brasil e explorou-se a alta correlação entre a descontinuidade política
em um município (ou seja, a mudança de prefeito) e a rotatividade dos diretores das escolas
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daquela localidade. Essa correlação é explicada pelo fato de novos prefeitos realizarem
mudanças no corpo administrativo do município, entre as quais, a mudança do diretor
escolar.1
DADOS E METODOLOGIA
Na análise foram utilizados três indicadores de desempenho da escola: o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2009; o crescimento percentual do Ideb de 2007
para 2009; e o atingimento ou não da meta estabelecida para a escola no ano 2009.
A partir dos resultados das eleições para prefeito de 2004 e 2008, fornecidos pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), foi possível observar em quais municípios houve descontinuidade
política, ou seja, onde o prefeito eleito em 2008 não coincide com o eleito em 2004. Quanto à
informação sobre a rotatividade dos diretores, foi obtida por meio dos questionários contextuais
da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc) ou Prova Brasil, aplicados aos diretores.
A fim de solucionar problemas de endogeneidade que surgem nesse tipo de estudo
(como, por exemplo, o fato de escolas de pior desempenho apresentarem maior rotatividade de
diretores), foram comparados municípios nos quais o prefeito incumbente ganhou as eleições
de 2008 com uma margem pequena de votos com municípios nos quais o prefeito incumbente
perdeu as eleições também por uma margem pequena de votos. A hipótese é que as cidades
onde o prefeito se reelegeu por pouco são parecidas com aquelas cidades onde o prefeito perdeu
por pouco em todas as características que não a rotatividade dos diretores. Nesse sentido, a
comparação entre cidades que estão próximas à descontinuidade fornece uma estimativa mais
acurada do impacto da rotatividade sobre o desempenho dos alunos.2
No contexto deste estudo, rotatividade média é a proporção de escolas da rede cujos
diretores foram substituídos no ano seguinte às eleições para prefeito. O gráfico a seguir exibe
a relação entre a rotatividade média dos diretores das escolas das redes municipais e a margem
de votos (em termos de proporção) com a qual o prefeito no cargo se reelegeu ou deixou de se
reeleger em 2008. A variável margem de votos assume valores negativos, caso o prefeito eleito
em 2004 não tenha sido reeleito em 2008; fica mais negativa quanto mais longe o prefeito
candidato ficou de se reeleger; e assume valores positivos, caso ele tenha sido reeleito,
1 Neste estudo, verificou-se, inclusive, que a descontinuidade política leva ao aumento na rotatividade do diretor, mesmo nos municípios que não adotam a indicação política como forma de seleção dos gestores escolares.
2 As autoras recorreram à metodologia de Regressão Descontínua, utilizada em avaliações de impacto de políticas quando há alguma variável que determina a participação ou o tratamento das unidades de análise, isto é, quando a probabilidade de atribuição ao tratamento varia de forma descontínua (“com salto”). A descontinuidade pode ser fuzzy ou sharp. No caso sharp, a participação é uma função determinística da variável de atribuição. No trabalho relatado, a probabilidade de troca de diretores de escolas não é 0, no caso de reeleição, ou 1, no caso contrário. A descontinuidade é fuzzy, há um “salto” nos valores da função de probabilidade, como mostrado na Figura 1, mas não de 0 para 1.
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crescendo à medida que aumenta a margem com a qual ele ganhou as eleições. Dessa forma,
o ponto zero no gráfico, da direita para a esquerda, caracteriza a descontinuidade política
nos municípios. Percebe-se que a rotatividade dos diretores apresenta um salto discreto
em municípios onde houve descontinuidade política (indo de, aproximadamente, 40% para
80%, ou seja, aumentando em 40 pontos percentuais), o que indica a proporção considerável
de diretores em atuação que foram trocados não pela boa ou má gestão das escolas, mas
simplesmente por questões políticas nesses municípios.
Gráfico 1 Rotatividade dos diretores versus descontinuidade política
RESULTADOS
A Tabela 1 traz os resultados para os três indicadores educacionais: o Ideb médio do
município em 2009, a proporção de escolas do município que atingiram a meta do Ideb e o
crescimento do Ideb de 2007 para 2009. É possível observar que a rotatividade dos diretores
parece afetar o Ideb e seu crescimento, enquanto não impacta o atingimento da meta
estabelecida para o Ideb em 2009.3
3 A Tabela 1 também traz os resultados para a regressão sharp, que mostra o impacto direto da descontinuidade política no desempenho educacional do município. Esse é um estágio anterior ao resultado principal (ou seja, o impacto da rotatividade dos diretores no desempenho dos alunos), já que a influência da descontinuidade política sobre as escolas ocorre por meio da mudança de seus gestores.
.3
-20Variável de atribuição – margem de votos (%)
Descon a
Rota eitos
.4.5
.6.7
.8
-100 10 20
Con a
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Tabela 1 Impacto da rotatividade dos diretores e da descontinuidade política sobre indicadores educacionais do município
Ideb 2009 Atingimento da Meta
Crescimento do Ideb
Rotatividade dos Diretores -0.217 -0.211*** -0.110* -0.078 -0.090*** -0.065***
Descontinuidade Política -0.088 -0.086*** -0.044* -0.032 -0.036*** -0.027***
Controles Não Sim Não Sim Não Sim
*, ** e *** indicam resultado estatisticamente significante a 10%, 5% e 1%, respectivamente
Para se ter uma ideia do tamanho desse impacto, as autoras estimaram a diferença entre
o crescimento do IDEB de 2007 para 2009 em municípios onde a rotatividade de diretores é alta
(semelhante àquela verificada em localidades que experimentaram descontinuidade política e
onde a rotatividade média foi de, aproximadamente, 78%) e em municípios onde essa rotatividade
é baixa (assemelhando-se àquela verificada em municípios sem descontinuidade política, ou seja,
de aproximadamente 38%). Essa diferença chega a 2.60 pontos percentuais (p.p), o que representa
quase um quinto do crescimento médio naquele período, para as localidades analisadas.
Investigando os mecanismos de transmissão que podem ter gerado esse impacto
negativo, verificou-se que, em municípios onde há descontinuidade política, os diretores são,
em geral, menos experientes. Ou seja, os novos prefeitos não apenas substituem os diretores
das escolas, mas também colocam profissionais que, muito frequentemente, não possuíam
experiência prévia para ocupar o cargo. Além disso, muitos dos diretores que cederam seus
lugares àqueles indicados pelo novo governo municipal tinham um longo tempo de casa (em
alguns casos, mais de dez anos), de forma que sua saída pode ter gerado maiores instabilidades
nas instituições. Outro mecanismo mediante o qual a rotatividade de diretores levaria à piora
do desempenho das escolas pode ser a deterioração verificada na relação diretor/professor.
Nos municípios caracterizados por maior rotatividade, os professores declararam mais
frequentemente não acreditar na capacidade do diretor de inspirar o comprometimento da
equipe escolar e também declararam participar menos das tomadas de decisões da escola.
COnSIDERAçõES FInAIS
Os resultados apresentados mostram que a rotatividade dos diretores de escolas
públicas tem um impacto negativo sobre o desempenho delas, principalmente sobre seu
Ideb e o crescimento deste. Os achados da dissertação ilustram os efeitos nocivos que a
descontinuidade na gestão de escolas municipais pode gerar em termos do desenvolvimento
escolar dos alunos.
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REFERênCIAS
LÜCK, H. Mapeamento de práticas de seleção e capacitação de diretores escolares. Relatório
Final. In: Fundação Victor Civita. Estudos & Pesquisas Educacionais. V. 2. São Paulo: FVC, 2011.
MIRANDA, Jéssica Gagete. Descontinuidade política, rotatividade de diretores e desempenho
dos alunos: efeitos adversos de novos prefeitos na educação municipal. Dissertação (Mestrado)
– Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de
São Paulo, Ribeirão Preto, SP, 2015.
POIRIER, M.-P. Aprova Brasil – o direito de aprender. Brasília, DF: MEC/Inep; Unicef, 2007.
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