2013.1
Rafael Ayres & Vinicius Santos
UFRJ
2013.1
Caderno de Direito do Trabalho I
Professor: Ivan Garcia
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 1
Sumário Esqueleto: ...................................................................................................................................... 4
Aula 01 – Direito do Trabalho I dia 02/04/2013 ......................................................................... 11
Contextualização Histórica ...................................................................................................... 12
Contextualização Sociológica .................................................................................................. 13
Fontes Materiais ...................................................................................................................... 15
Breve Revisão sobre as Gerações de Direitos Fundamentais ............................................. 17
Aula 02 – Direito do Trabalho I dia 09/04/2013 ......................................................................... 18
Aula 03 – Direito do Trabalho I dia 11/04/2013 ......................................................................... 24
Princípios do Direito do Trabalho............................................................................................ 24
Dimensão dos Direitos Fundamentais ................................................................................ 26
Aula 04 – Direito do Trabalho I dia 29/04/2013 ......................................................................... 32
1° Princípio: Proteção do Trabalhador ................................................................................ 34
Aula 05 – Direito do Trabalho I dia 18/04/2013 ......................................................................... 42
2° Princípio: Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas. ................................................. 45
Aula 06 – Direito do Trabalho I dia 25/04/2013 ......................................................................... 52
3° Princípio: Continuidade da Relação de Emprego. ........................................................... 52
4° Princípio: Primazia da Realidade. .................................................................................... 56
Relação Ordinária de Emprego ............................................................................................... 58
Elementos da Relação Jurídica de Emprego. ....................................................................... 58
Aula 07 – Direito do Trabalho I dia 30/04/2013 ......................................................................... 67
Aula 08 – Direito do Trabalho I dia 02/05/2013 ......................................................................... 77
Relações de Emprego Especiais. ....................................................................................... 77
a) Empregado a Domicílio (Art. 6º, Consolidação das Leis do Trabalho). ........ 77
b) Empregado Rural (Lei 5.889 de 1973) ............................................................ 78
c) Empregado Público (Constituição Federal, artigo 37, incisos II, IV, V, ADI
2.135). ................................................................................................................................ 82
Aula 09 – Direito do Trabalho I dia 07/05/2013 ......................................................................... 88
d) Empregados domésticos (Lei 5.859 de 1972). ............................................... 88
e) Atleta Jogador de Futebol (Lei 6.354 de 1976 e Lei 9.981 de 2000) ........................... 91
f) Mãe Social (Lei 7.644 de 1987) ................................................................................... 92
g) Aprendiz (Art. 428, Consolidação das Leis de Trabalho). ............................................ 92
Relações de Trabalho Reguladas ............................................................................................. 93
a) Trabalhador Avulso (Art. 7º, inciso XXXIV, Constituição Federal/Lei) ........ 93
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 2
b) Estagiário (Lei 11.788 de 2008) ....................................................................... 95
c) Trabalhador Voluntário (Lei 9.608 de 1998) .................................................... 97
d) Pequeno Empreiteiro/Artífice (Art. 625, alínea ‘’a’’, Consolidação das Leis
do Trabalho). .................................................................................................................... 97
e) Autônomo .................................................................................................................. 97
Aula 10 – Direito do Trabalho I dia 09/05/2013 ......................................................................... 98
Sujeitos da Relação de emprego ............................................................................................. 98
Empregador ......................................................................................................................... 98
Aula 11 – Direito do Trabalho I dia 14/05/2013 ....................................................................... 113
Aula 12 – Direito do Trabalho I dia 21/05/2013 ....................................................................... 124
Aula 13 – Direito do Trabalho I dia 28/05/2013 ....................................................................... 131
Aula 14 – Direito do Trabalho I dia 06/06/2013 ....................................................................... 148
Contrato de Trabalho ............................................................................................................ 154
Natureza Jurídica (três correntes) ..................................................................................... 154
Características do Contrato de Trabalho........................................................................... 158
Aula 15 – Direito do Trabalho I dia 11/06/2013 ....................................................................... 161
Elementos Essenciais do Contrato de Trabalho. ............................................................... 164
Aula 16 – Direito do Trabalho I dia 18/06/2013 ....................................................................... 172
Teoria das Nulidades Contratuais Trabalhistas ................................................................. 172
Contrato de Trabalho por Tempo Determinado (Exceção – Art. 445 da CLT) .................. 174
O Pré-contrato e o Pós-contrato ....................................................................................... 179
Aula 17 – Direito do Trabalho I dia 25/06/2013 ....................................................................... 180
Efeitos do Contrato de Trabalho ....................................................................................... 180
Assédio Moral (Art. 483, CLT) ................................................................................................ 181
Características do Assédio Moral. ..................................................................................... 181
Remuneração (art. 457, CLT) ................................................................................................. 183
Formas de Caracterização da Remuneração. .................................................................... 183
1° Sentido: Gênero Contraprestativo. ............................................................................... 183
2° Sentido. ......................................................................................................................... 184
Características das Parcelas Salarias ................................................................................. 184
Aula 18 – Direito do Trabalho I dia 27/06/2013 ....................................................................... 187
Aula 19 – Direito do Trabalho I dia 02/07/2013 ....................................................................... 198
Parcelas Salarias (Art. 457, CLT). ....................................................................................... 198
Salário Utilidade (Art. 458, CLT). ....................................................................................... 206
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 3
Aula 20 – Direito do Trabalho I dia 04/07/2013 ....................................................................... 208
Utilidades Não Consideradas como Salário (Art. 458, §2°, CLT) ....................................... 208
Sistema de proteção ao salário ......................................................................................... 212
Aula 21 – Direito do Trabalho I dia 09/07/2013 ....................................................................... 218
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 4
Esqueleto:
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 5
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 6
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 7
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 8
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 9
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 10
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 11
Aula 01 – Direito do Trabalho I dia 02/04/2013
Ementa da Disciplina
Objetivo; Frequência;
Não faz chamada.
Avaliação; Bibliografia
o ‘’Curso de Direito do Trabalho’’ – Maurício Godinho Delgado (campeão) ; o ‘’Curso de Direito do Trabalho’’ – Alice Monteiro de Barros; o ‘’Curso de Direito do Trabalho’’ – Volia Bonfim Cassar; o ‘’Curso de Direito do Trabalho’’ – Amauri Mascaro Nascimento.
Não utilizar:
o Sinopses; o Resumos; o Esquemas.
Apontamentos; Programa E-mail: [email protected]
Fontes Materiais
Econômicas
Sociológicas
Políticas
Filosófico-Culturais
Fundamento Sociopolítico
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 12
Contextualização Histórica
Normalmente nos manuais de Direito do Trabalho, assim como nos outros ramos, começa-se
com uma digressão histórica. Porém, essa história nem sempre é concreta.
O Direito se descola da realidade com muita facilidade. História dos manuais, em geral, não
condiz muito com a realidade, além de ser muito idealizado e descontextualizado.
No Direito do Trabalho há algo ainda mais impressionante, que às vezes deriva para a má-fé,
com conteúdo ideológico. Os manuais, nessa digressão, caracterizam o trabalho através de
uma origem atemporal, mas histórica: “um belo dia o homem trabalhou”, “o homem se fez
homem porque trabalhou”.
O trabalho tem sua origem etimológica em Roma com a palavra tripalio e tem uma conotação
negativa, de pena, punição, dor e etc. Depois, advirão contraposições como, por exemplo, na
ética protestante, onde o trabalho liberta ou é um meio para a prosperidade, tendo então uma
conotação positiva.
Isso tudo não têm a mínima importância. O trabalho que interessa é aquele que surge a partir
da Revolução Industrial (segunda metade do século XVII). O que vem antes não está
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 13
relacionado com a forma com a qual se trabalha hoje, que é o trabalho nas sociedades
capitalistas contemporâneas.
Além do que já foi dito, a concepção de trabalho que será estudada tem a ver com a ascensão,
não só no campo cultural ou econômico, mas também no político-jurídico, da burguesia.
Somente quando tal classe ocupa o poder do Estado que o capitalismo assume a sua forma
final, tardia, contemporânea. A partir daí que se tem a fase de consolidação do capitalismo,
pois até então era uma transição.
O sistema capitalista se baseará em produção, reprodução, circulação e acumulação de capital.
Até a burguesia ocupar o poder do Estado, pelo processo revolucionário mais brando como a
Revolução Gloriosa ou no exemplo simbólico da Revolução Francesa (mais radical), todas
aquelas ideias jusnaturalistas que animaram os revolucionários (versavam sobre direitos que
estavam além do direito posto) caíram por terra. Tudo isso foi deixado de lado, pois a
burguesia já havia conquistado o poder do Estado. O passou a valer então era o que o próprio
Estado definia como direito, ou seja, o direito posto.
Contextualização Sociológica
O direito não é criação da burguesia. Contudo, esta irá se valer dele, de uma forma sistêmica
tão importante que sem ele e sem o Estado não haverá capitalismo. O Estado e o direito irão
garantir a produção de capital, assim como a sua circulação e acumulação.
O que interessa então é a primeira fase desse processo, pois a produção de capital se dá pela
relação de trabalho. É nesse momento que surge o direito do trabalho.
Produção de capital
Acumulação de Capital
Reprodução e circulação de
capital
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 14
A relação de exploração do homem pelo homem também não foi inventada pela burguesia. No
entanto, no sistema de produção escravista, o ponto de definição dessa relação era a força. Os
instrumentos persuasivos eram baseados justamente na força para manter o escravo em sua
condição. Isso significa que, do mesmo jeito que tal relação se mantém através da força, esta
pode também destruí-la (por exemplo, uma revolta de escravos).
A relação servil feudal também é baseada na força, com o diferencial de possuir alguns
vínculos adjacentes. Há também uma relação patrimonial/patriarcal. Uma relação pessoal
entre o soberano e servo, um pacto de fidelidade. Todavia, ainda há a força.
No sistema de produção capitalista, a relação não se dá mais pela força como elemento
central, pois este passa a ser o direito, o Direito do Trabalho. A pré-condição para a relação de
produção de capital é o trabalho livre. Só o homem livre e igual é passível de se engendrar
numa relação de contrato, pois este é feito entre homens livres e iguais. É preciso, neste
momento, fazer um contrato, ainda que essa pessoa supostamente livre e igual seja
assumidamente desigual. É preciso que essa pessoa empreste a sua vontade para inaugurar a
relação contratual, o contrato de trabalho, que é mais um tipo de contrato burguês e vem a
ser essencial para a própria existência do capitalismo, para o sistema capitalista.
A partir desse momento há a possibilidade de utilização desse trabalho, pois o próprio
trabalhador quis, ao manifestar sua vontade, de se relacionar com o empregador através de
um contrato de trabalho. Não houve ameaças baseadas em força e o contrato foi firmado
porque o trabalhador é livre e igual e quis contratar, manifestando sua vontade. Isso é o que
diz a teoria do direito burguês. O trabalho livre e assalariado passa a ser então uma nova
forma de engendrar a produção social, diferente do trabalho servil ou escravo.
A relação de trabalho é baseada no contrato, e contrato é direito. Para burguesia o contrato
é lei (Pacta sunt servanda1), e é lei entre as partes.
Karl Marx usa a ideia de “fetichização”, que consiste em dizer que algo é autônomo, possui
vida própria, apesar de ser uma coisa, uma criação humana. Esse tipo de pensamento é
aplicado em relação ao direito por alguns autores que não conseguem admitir que aquele seja
uma criação humana e também um produto histórico.
Baseado nisso, é necessário estudar as fontes materiais do direito, que irão formar os
fundamentos concretos dele e devem ser investigados. Existem fontes materiais de cunho
econômico, filosófico, antropológico, psicológico, cultural etc.
Com o intuito de ser mais direto, costuma-se fazer o seguinte:
1 Pacta sunt servanda: o pacto faz servo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 15
Fontes Materiais
Econômicas (Revolução Industrial)
Sociológicas (Agregação classista no espaço urbano)2
Políticas (A dupla dimensão do direito do trabalho3)
Filosófico-Culturais
Sobre o proletariado especificamente, há o lumpem proletariado que ocupa o nível mais baixo.
Karl Marx, em seu livro O 18 de brumário de Luís Napoleão, o descreve como uma figura difícil
de cooptar politicamente, pois o fato dele ser desesperado em razão de sua pobreza extrema
faz com que ele não mantenha sua fidelidade com ninguém. Ele não possui consciência de
classe e só pensa em sobreviver. O lumpem proletariado não possui fidelidade política.
Contudo, graças a uma engenharia assistencialista, o Brasil conseguiu adestrar esse lumpem
proletariado. A partir de agora esse controle, que cataloga, localiza e fideliza eleitoralmente
será mantido por qualquer partido que tome o poder. Não é à toa que o PT não precisa mais
dos movimentos sociais e sindicatos. É o efeito do bolsa família que, apesar de ter
consequências sociais muito positivas, politicamente falando, gera esse efeito temível.
O nível máximo seria a aristocracia proletária. Seriam, por exemplo, os funcionários públicos
de alto calão, que vendem sua mão de obra para o Estado e vivem nas “franjas do sistema”.
Vendem a força de trabalho com menos mais-valia e menos exploração, além de realizarem
um trabalho mais intelectualizado.
As formas de produção estão sempre mudando e tal mudança é dinâmica. O avanço da
tecnologia faz com que certas formas de produção sejam abandonadas e, a cada mudança,
mais mão de obra é dispensada.
O Stalinismo, através de uma leitura vulgar, somada a uma interpretação também vulgar do
marxismo irá dizer que tudo se reduz à luta de classes. Isso não é verdade. Há uma série de
outros aspectos da multiplicidade e conflituosidade humanas que não se reduzem a essa
questão. No entanto, a centralidade do trabalho é a centralidade da relação do homem com a
natureza e, a partir disso, da obtenção das coisas que lhe garantam a vida, em amplo sentido,
2 Isso são as classes sociais. O capitalismo as simplifica, ainda que hoje haja uma profusão de profissões e setores
sociais, pois ou o indivíduo é um proprietário privado dos meios de produção ou não. Karl Marx não diz que há somente proletários e burgueses. Muito pelo contrário, ele identifica uma série de subdivisões no proletariado e na burguesia, sendo que muitas vezes tais subdivisões apresentam interesses opostos e contrapostos e chegam a se digladiar politicamente. Fala-se, portanto, fundamentalmente daqueles que detém a propriedade privada dos meios de produção e os que não os detém – exemplos: fábricas, terra etc. É um arranjo de coisas que possibilitaram a produção dos bens da vida utilizados pelo homem. O capitalismo, com a propriedade privada, institucionalizou isso tudo com o direito. Sem direito e sem Estado não há capitalismo. Não faz sentido dizer que os liberais são contra o Estado, pois, na verdade, eles são contra algumas manifestações específicas daquele. Se o Estado acabar o capitalismo também acaba e, neste caso, tem-se o anarquismo. 3 A correlação de forças entre os setores do trabalho e produção do capital.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 16
é que os humanos se relacionam entre si. No centro disso está atividade humana de trabalho,
de trabalhar a natureza. Nem tudo se reduz ao trabalho, mas ele é imprescindível.
Os manuais do direito do trabalho costumam apresentá-lo com uma dimensão messiânica,
como sendo o grande protetor do trabalhador. Quem é contra este ramo do direito irá dizer
justamente o contrário, afirmando ser este um entulho autoritário do Estado sobre o homem.
Isso tudo é bobagens, pois o direito do trabalho é um artefato humano e está no centro de um
embate político (a teoria da gangorra) e, portanto, pode ser usado para diversos fins.
A cada momento histórico há um embate entre capital e trabalho e, o resultado disto,
fornecerá as bases diretas do direito do trabalho, que é o resultado do conflito entre
trabalhadores e capital. Fundamentalmente o direito do trabalho é um instrumento que
acompanha o interesse do capital; todavia, ele não se reduz a isso.
Várias normas atendem ao interesse do capital e outros atendem ao interesse da segurança do
trabalhador. O resultado final disso depende da luta de classes. No final da década de 90 o
neoliberalismo (que não é só uma ideologia, mas também práticas de cunho econômico que
trouxeram a desregulamentação e o desmonte do direito do trabalho nas normas de proteção
do trabalhador) foi uma reforma profunda no direito do trabalho onde as relações trabalhistas
foram precarizadas. Assim, as definições podem estar simultaneamente corretas.
Atualmente a “PEC das domésticas” foi aprovada. Historicamente, em termos legislativos, a
doméstica é a mucama, o escravo civilizado que pode frequentar a casa grande. Naturalizou-se
o fato de todos terem uma mucama, inclusive nos setores médios e até para a parte mais
pobre da população.
Em termos jurídicos, a primeira norma trabalhista sistematicamente editada chama-se
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e data de 1943. O art. 7º do referido diploma exclui as
domésticas, dizendo que elas não possuíam nenhum tipo de direito trabalhista. Isso foi até
1972, quando elas passaram a ter férias de 20 dias e aposentadoria. Em 1988 alguns incisos do
art. 7º da Constituição e, atualmente, essa emenda feita “para inglês ver” onde elas possuem
todos os direitos.
A empregada doméstica deve possuir direitos, mas sua relação de trabalho tem peculiaridades
próprias. O empregador doméstico não é uma empresa (uma pessoa jurídica) e não reproduz
capital (no espaço doméstico ao menos). Tais peculiaridades não foram levadas em
consideração, o que tende a gerar uma frustração.
Uma empregada doméstica que entre com uma reclamação trabalhista pedindo horas extras
não conseguirá provar a situação e o juiz irá indeferir. Não conseguirá demonstrar seus
direitos. É uma irresponsabilidade do congressista que somente brinca com o público.
Devem-se mencionar também as ideias, estas que, segundo o filósofo alemão Hegel,
moveriam a história, e não as práticas humanas. Elas seriam a roda da história. Mas não é
exatamente assim, pois existe uma relação dialética entre ideias e movimento político
concreto que gira a roda da história. Ideias sozinhas são só ideias.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 17
Há, evidentemente, uma série de ideias que compõem um conjunto ideológico de grupos
políticos que fizeram surgir, avançar e retroceder o direito do trabalho, o que faz com que
essas ideias, de alguma forma, se constituam como fontes do mencionado ramo do direito.
Como exemplo, temos desde o pensamento social da igreja, com o papa Leão XIII, através da
encíclica Rerum Novarum, faz uma crítica ao capitalismo, individualismo até o socialismo
científico de Karl Marx e, no meio disso, o próprio pensamento reformista do capitalismo.
O direito do trabalho surge no bojo da segunda geração de direitos fundamentais. Hoje o
direito do trabalho está constitucionalizado, pois é visto como direito fundamental. Está no
título II, capítulo II da CRFB/88: “dos direitos fundamentais”.
Breve Revisão sobre as Gerações de Direitos Fundamentais
a) Direitos de Primeira Geração
A primeira geração de direitos fundamentais advém com o Estado Liberal. Os direitos
de liberdade individual e propriedade privada. A segunda geração mostra que tais
direitos são insuficientes, até mesmo para conseguirem se disseminar por si próprios,
entre a população.
Os direitos de primeira geração (liberdade de ir e vir ou de contratar) são inúteis para a
população de rua, por exemplo. Os direitos de segunda geração mostram que há outra
necessidade fundamental que antecipa seu exercício, das liberdades individuais, que
são as liberdades materiais. Para usufruir da liberdade de expressão, deve-se conhecer
a língua do país e ser consciente do contexto no qual se vive. Para se locomover, é
necessário estar inserido em relações econômicas.
b) Direitos de Segunda Geração
Na segunda geração (direitos sociais, econômicos e culturais) reconhecem a
necessidade do Estado, através de direitos de liberdade ou prestações positivas, na
forma de políticas públicas, empregarem às pessoas em necessidade, determinados
direitos como saúde, educação etc. Essa onda vem no séc. XX com a crise no
capitalismo. As crises do capitalismo são cíclicas e estruturais e trazem sempre novas
ideologias antiliberais. Os corporativismos do séc. XIX se convergiram para, muitas
vezes, ideias nazifascistas. O socialismo teve sua versão stalinista.
O capitalismo precisava mudar e, por isso, promoveu uma reforma. O resultado foi o
Estado de bem estar social, que foi uma experiência que os livros de direito do
trabalho colocam como se fossem a meta realidade do direito do trabalho. Foi
realidade nos países nórdicos, na França, na Alemanha, n norte da Itália e em outros
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 18
pouquíssimos países. O Welfare State foi uma experiência política concreta e o pacto
da social democracia foi circunstancial e geograficamente localizado. Porém, criou-se
um modelo. Em outros países como a Inglaterra o trabalhador das fábricas continuava
miserável. Os países supracitados conseguiram realizar esse feito pelo fato de haver
não só a luta dos trabalhadores organizados como também uma concessão da
burguesia, que estava com um contexto de crise estrutural e assistiu a difusão da
revolução bolchevique. A burguesia, em alguns países, perdeu o poder e, por isso, a
reforma era uma melhor opção. Houve então uma divisão do movimento operário,
onde os partidos social democratas se dividiram entre reformistas e revolucionários.
Os reformistas então deixaram de lado os ideais de revolução em prol da
democratização do espaço político e econômico.
Em termos econômicos, o que houve nesses países foi uma distribuição dos ganhos de
produtividade. Redução da margem de lucro com ampliação da base salarial média. A
segunda onda de direitos fundamentais deve ser vista sempre com uma dupla
dimensão, uma conquista do movimento operário aliado a uma concessão da
burguesia.
Aula 02 – Direito do Trabalho I dia 09/04/2013
Anteriormente, falou-se sobre os fundamentos político, econômico, social, cultural e filosóficos do Direito do Trabalho e o que merece destaque é a tentativa de desmistificar o que a doutrina de tal ramo propaga. Desmistificar a concepção de que o Direito do Trabalho é a salvação para todos os males ou que tem uma dimensão protetiva e absoluta ou ainda que é o reflexo dos interesses dos trabalhadores. Na melhor das hipóteses isso é apenas parte da verdade. Existe outra concepção de que o Direito do Trabalho é o estabelecimento prévio para a reprodução do capital.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 19
A forma de produzir capital tem como base precípua o contrato de trabalho. É o trabalho livre e assalariado que se insere em uma relação jurídica particular que é o contrato de trabalho. Isso remete a “teoria da gangorra”.
Na realidade, o Direito do Trabalho é constituído por um conjunto de normas cuja finalidade e interesse oscilam histórica e concretamente de acordo com a relação das forças políticas entre capital e trabalho de maneira que, em determinado lugar, circunstância ou tempo, é possível que essas forças representem melhor o capital e estejam mais fortalecidas sob condições que representem melhor o interesse do capital. Em outras situações, o movimento operário organizado imporá uma pressão sobre o Estado e a classe dominante e fará com que tal classe absorva determinadas demandas que se refletirão em normas trabalhistas que representem os interesses dos trabalhadores.
O Direito nem sempre protege o trabalhador, e nem foi criado para isso. A sua criação se deu para estabelecer relações de legitimação do trabalho assalariado e entre uma pré-condição jurídica para que possa haver reprodução do capital este que cria e tem o interesse precípuo do interesse do capital, no entanto, este ramo do Direito não se reduz a isso.
Primeiramente existe uma conformação sociopolítica que é o Estado liberal, que será predominante no século XIX. Na medida em que as burguesias nacionais vão ocupando a centralidade do poder político é estabelecida, dentro de um processo de engenharia constitucional, a reprodução da forma do Estado liberal, também chamado de Estado de Direito.
É nesse contexto que se formam os direitos fundamentais de primeira geração.
Esse Estado liberal não reconhece os direitos trabalhistas como especiais. O contrato de trabalho tem como base a relação contratual genérica, que é o contrato privado. Alguns doutrinadores inclusive dizem que a origem do Direito de Trabalho é romana, pois teria relação com o contrato de empreitada etc. No entanto, a tecnologia, a finalidade, o conjunto principiológico e a justificativa teórica do Direito do Trabalho é completamente diferente da base civilista. Chega a ser o oposto.
A mão de obra romana era escrava; portanto, o sistema de produção da vida material em Roma não era regido por tais formas de contratações. A vida material era sustentada por escravos, o que impossibilita qualquer tipo de analogia com a vida material de hoje, da sociedade industrial, capitalista e burguesa.
A partir das críticas feitas ao Estado liberal, por um lado, e da crise sistêmica e estrutural que essa mesma formulação sofre no século XX é que, efetivamente, haverá um processo histórico lento do Direito do Trabalho. Isso vai pressionando o Estado burguês para que direitos sejam assegurados. Certos movimentos operários como o cartismo e o ludismo começam a se desenvolver primeiramente na Inglaterra e, depois, na França, haverá algum desenvolvimento. Essa é a história do Direito do Trabalho, a organização proletária ainda no âmbito do Estado liberal.
No século XX, diante da fragilidade da crise estrutural do sistema capitalista, com o “crack” da bolsa em 1929 como marco e, por outro lado, o reconhecimento mais generalizado de que a primeira geração de direitos fundamentais e a forma jurídica trazida pelo Estado liberal eram insuficientes para grande maioria de a população assegurar liberdade individual e propriedade privada, onde todos são livres e iguais para contratar, se expressar, ir e vir etc. Não tem a mínima efetividade para pessoas paupérrimas como os mendigos. Eles são insuficientes, pois eram cumpridos somente por burgueses, pois tinham acesso a propriedade privada dos meios de produção.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 20
Faz sentido mencionar a liberdade de contratar quando, de fato, há o que contratar. O direito burguês ainda se mune da estratégia perniciosa de tomar a parte pelo todo. O que o direito burguês quer é assegurar a propriedade privada dos meios de produção da vida material. Historicamente, essa propriedade se concentrou nas mãos da burguesia enquanto todas as outras formas de produção foram erradicadas na transação feudal para a consolidação capitalista como, por exemplo, as companhias de ofício dos artesãos ou os pescadores artesanais que não podiam competir com o modo burguês de produção, restando a eles apenas a possibilidade de vender a própria mão de obra. Sobre isso, o direito irá dizer que há a propriedade privada, justamente para assegurar a propriedade privada dos meios de produção.
A propriedade privada não é criação burguesa, mas, juridicamente, proteger a propriedade privada é a forma de manter incólume a propriedade sobre os meios de produção. Com relação a isso, deve-se dizer também que o direito simula, como se fosse à mesma coisa, a propriedade privada das diferentes pessoas da sociedade, como se a propriedade privada do burguês fosse equiparável a de um morador de rua, como se o direito assegurasse a mesma coisa.
Sendo assim, quando a crítica aos direitos de primeira geração se tornou generalizada, outros direitos passaram a ser exigidos. Com isso, ocorre a criação do chamado Estado social que se caracteriza, dentre outras coisas, pelo reconhecimento de direitos de segunda geração, sejam eles culturais, econômicos etc. Aqui se protege a possibilidade dos indivíduos acessarem as suas necessidades primordiais. O Estado sai da posição absenteísta para garantir as condições materiais mínimas através de políticas públicas como previdência, educação, saúde etc. Decorre de uma reforma do Estado capitalista. A burguesia então fez essa concessão para evitar um possível processo de ruptura relacionado à classe operária, que já se encontrava organizada. Assim, depois de observar a experiência da revolução bolchevique, a burguesia preferiu fazer essa concessão e prover os direitos de segunda geração do que correr o risco de ser apeada do poder.
No bojo dessa experiência do Estado social houve outra experiência mais limitada a poucos países da Europa, o chamado Welfare State.
O Welfare State ou Estado de bem-estar social é bastante mais complexo que o Estado social, pois compreende transformações no nível político, econômico, cultural, social e em outros diversos.
Duas observações importantes: a referida experiência ocorreu nos países escandinavos, na Suíça, na Alemanha, Inglaterra, França e norte da Itália. Basicamente só ocorreu nesses países.
No plano econômico significou uma distribuição dos ganhos de produtividade, traduzindo-se por uma diminuição das taxas de lucro combinado com a ampliação da massa salarial através de uma regulação exercida pelo Estado.
O fato de tais países estarem inseridos no circuito imperialista realmente facilitou a implantação do Estado de bem-estar social, pois as empresas que distribuem os ganhos de distributividade em seus países não os distribuem da mesma maneira nos países onde
exploram a mão de obra. A não distribui os seus ganhos na Alemanha da mesma forma que o faz no Brasil.
Houve também, nesses países, uma política tributária distributivista, aplicada através de políticas públicas consistentes e concretas. O capital foi regulado no sentido keynesiano com mecanismos anticíclicos, para que o capital seja regulado de forma a evitar o subconsumo decorrente da superprodução, um exemplo seria o direito regulatório.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 21
No plano político, essa experiência revela um processo de democratização muito grande. Houve uma grande participação popular nos processos públicos e privados onde há o interesse público. Isso decorreu de um pacto de forças políticas. O movimento operário desses países fez um pacto (não era um compromisso de classes intermediado pelo Estado, mas sim um pacto) de forças políticas muito concretas, onde havia o partido social democrata e o partido trabalhista, de uma determinada região, que eram partidos de massa, reflexo de um sindicalismo de massa. Tais movimentos políticos retiraram de seus horizontes a ideia de ruptura revolucionária, pois para esses países a transformação significava acabar com o capitalismo, com a hegemonia da classe burguesa. Com isso, foi possível um pacto democrático e formal e até mesmo representativo burguês. É o pacto do Estado de bem-estar social.
Isso é importante para frisar o fato de que o Brasil nunca possuiu um Estado de bem-estar social. Nunca houve distribuição de ganhos de produtividade ou adoção de políticas keynesianas sistemáticas. Tão pouco houve um processo de democratização política, pois a regra é o autoritarismo.
O Estado social e o Estado de bem-estar social, os métodos de produção fordista e taylorista e o keynesianismo fez com que o capitalismo avançasse no início do século XX; no entanto, no final do mesmo século, esse pacote dá sinais de esgotamento e entra em crise. Sobre isso, foram feitos dois diagnósticos.
a) Primeiro Diagnóstico.
O primeiro foi o neoliberalismo, que defende que o problema da crise do Estado de bem-estar social é o investimento publico, pois se gastou muito dinheiro com política pública, ocasionando déficit público e inflação. Ideologicamente este discurso foi o vencedor na década de 80. Com tudo, na Inglaterra, por exemplo, que é o país de um dos ícones do neoliberalismo (Margaret Tatcher), os níveis de investimento público não foram menores do que 38%, chegando a ser 50%. No Brasil, a desestatização foi brutal e o Estado foi taxado como sendo tudo de ruim, ineficiente, lendo, burocrático etc. Muitas vezes de fato o é, mas ele não é diferente dos interesses de quem o utiliza como sendo seu comitê gestor (burguesia).
b) Segundo Diagnóstico.
O segundo discurso irá dizer que, justamente pelo fato de o Estado ser o comitê de gestão da burguesia, é que esse tipo de coisa aconteceu. Como as políticas anticíclicas não conseguiram evitar um processo de crise estrutural do próprio capitalismo, não conseguiu evitar um decréscimo no nível de acumulação de capital e a superprodução e subconsumo é que o sistema, mesmo sob a fórmula reformista do Estado de bem-estar social, entrou em crise. Com isso, o dinheiro público saiu da política pública para entrar no setor privado.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 22
Isso sempre foi assim, a diferença é que, em 2008, isso foi feito sem justificações liberais. A General Motors (Chevrolet, no Brasil) estava quebrando e foi salva com dinheiro público para evitar uma crise maior.
Através deste último diagnóstico é que a culpa é do próprio capitalismo e o neoliberalismo seria o pior dos remédios, pois, historicamente, já mostrou ser gerador de crise com suas ideias de desregulamentação e mão invisível do mercado. O próprio Keynes já indicou esse processo como falho.
Isso tudo tem haver com o Direito do Trabalho. Se aplicada a “teoria da balança” pode-se ver que o ramo supracitado do direito oscila muito com esses movimentos no panorama econômico, o que, em tempos de neoliberalismo, torna propícia a criação de normas em desfavor do trabalho e em favor do capital. É o movimento oposto ao Welfare State. Com tudo, pode-se afirmar que as reformas na América Latina são muito mais precarizadoras do que na Europa. Isso afeta diretamente o conteúdo das normas de Direito do Trabalho. Portanto, deve-se olhar para as normas trabalhistas para saber quais interesses que estão sendo resguardados.
Sobre o Direito do Trabalho no Brasil, o presidente Getúlio Vargas tem um papel relevante. Embora ele fosse adepto de uma ideologia corporativista na sua variante do positivismo filosófico de August Comté (que inspirou o lema “ordem e progresso” da bandeira nacional). Esse filósofo foi muito importante no Brasil, mas nem tanto na Europa, nem na própria França.
O positivismo filosófico quer racionalizar o pensamento humano, pois houve muito avanço nas ciências naturais, mas quase nenhum na área de humanas. Por isso ele cria a ciência social, pois quer harmonizar as lutas de classe em prol da nação para alcançar o progresso, baseado em ordem. Ele reconhece que o liberalismo e o individualismo, na França, trouxeram muitos problemas para os trabalhadores e daí vem seu conjunto de ideias.
A variante do Rio Grande do Sul desse pensamento era o Partido Republicano Rio-grandense. Todo o grupo político de Getúlio Vargas era desse partido, porém, ele conseguiu conciliar o Estado e trouxe, para o plano federal, as ideias corporativistas, para fazer a revolução burguesa no Brasil através da quebra do pacto oligárquico e com o perfil agroexportador do país, centrado no grande capital dos cafeeiros de São Paulo, na República Velha. Isso é a revolução de 1930.
A questão social sempre fez parte do programa de Vargas. Assim que assume o poder, ele começa a criar várias normas trabalhistas através de decreto durante o governo provisório e surgem conflitos com as indústrias. Daí surge o ministério do trabalho com duas instâncias para dirimir os conflitos (as comissões mistas de conciliação e as juntas de conciliação e julgamento).
Vargas então promove a industrialização e urbanização e muda a cara do Brasil, não tanto a ponto de romper com a divisão internacional do trabalho, pois o Brasil continua exportador, mas as mercadorias, hoje chamadas de comoditties, que são primárias, podem ser transformadas em pacotes mercantis de futuros passaram a ser valorizadas em longo prazo. Isso, todavia, não muda o fato de a industrialização ter sido tardia, de segunda mão e com tecnologia atrasada, mas pelo menos o país deixou de ser aquela velha república oligarca.
Reproduziu-se uma característica brasileira que é um processo de transformação sem ruptura aliada a uma conformação de interesses. As oligarquias cafeicultoras embora fossem, em um primeiro momento, retiradas da centralidade do poder, logo em seguida, tiveram seus interesses contemplados, havendo assim uma acomodação. Do mesmo modo, no setor industrial, que era um setor, dentro da burguesia brasileira, caudatário das oligarquias cafeicultoras paulista, fato que era possível de se notar no processo legislativo da época. Os
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 23
industriais se sacrificavam para atender os interesses dos cafeicultores pertencentes a oligarquia brasileira, principalmente em questões de câmbio e importação – o que dificultava a aquisição de equipamentos. Vargas faz uma inversão, pois dissemina a industrialização e fortalece a burguesia industrial, colocando-a no centro do poder político, mas sem fazer reforma agrária. Houve acomodação entre os setores da elite e não houve espaço para reforma agrária.
O direito do trabalho no Brasil nasce dentro dessa perspectiva de transformação mais profunda da estrutura social brasileira.
Sobre o direito do trabalho Varguista, duas observações. A primeira é a lenda de que tal presidente criou o direito do trabalho como sendo uma cópia da Carta del Lavoro de Mussolini (algo que é falado muito pelo fato de se considerar que Getúlio era adepto das ideologias nazifascistas). Todavia, Getúlio Vargas é irredutível sob o ponto de vista de personagem política, pois incorporou quase todos os personagens da ciência política: foi o grande oligarca, o grande ditador, o socialdemocrata etc.
Os fascistas eram um partido de massas, de trabalhadores, assim como o partido nacional-socialista, embora não expressassem legitimamente o interesse dos trabalhadores, mas sim a reprodução do capital em níveis internacionais.
Essa comparação não é verdadeira. Basta abrir a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi editada em 1943, no meio do Estado Novo, o regime ditatorial de Getúlio Vargas, após este dar um golpe em si mesmo e fazer uma constituição baseada (realmente baseada) na constituição da Polônia. A CLT continha, então, todos os decretos do governo provisório de 1930-34, basicamente tratando de direitos individuais do trabalhador, mais as leis editadas no período constitucional de 1934-37, que é um período formalmente democrático, pois estava sob a égide da constituição de 1934. Além disso, havia uma legislação de cunho coletivo criado após o período do Estado Novo (1937) extremamente corporativista e autoritária com alguma similitude com o autoritarismo fascista. O resto foi criado a partir de diretrizes normativas estabelecidas pelo ministro do trabalho a partir dos conflitos que chegavam ao ministério do trabalho. Assim, praticamente todo o direito individual não tem praticamente nada a ver com o direito de Mussolini. O direito coletivo até tem aspectos que se aproximam do fascismo, mas não é suficiente para falar que é uma cópia da Carta del Lavoro, que é uma carta de princípios bem pequena.
Deve ser dito também do mito da outorga, que é a generalização da afirmação que Vargas entregou a legislação trabalhista para os trabalhadores como sendo o grande pai dos pobres (e eventualmente a mãe dos ricos). Quem disseminou essa tese foi o próprio Vargas para disseminar sua legitimidade perante os trabalhadores (que não era pequena). Getúlio, como um bom líder da nação, a entrega aos trabalhadores como um favor. No Brasil os direitos sociais costumam ser envarados como sendo favores e, assim, cria-se um balcão de clientela, vide Bolsa Família.
Esse mito, de um lado, parte do Getúlio, de outro, da crítica liberal aos direitos trabalhistas, que tenta desqualifica-los dizendo que no país não houve movimento operário ou conquista. Haveria, portanto, uma artificialidade nos direitos do trabalhador, pois foram criados artificialmente pelo Estado brasileiro. Daí o ponto de vista de que o direito do trabalho faz parte do entulho autoritário de Getúlio, que deve ser removido. Isso é um mito.
Vargas foi imprescindível para o direito do trabalho brasileiro e para a história do país, sem dúvida. O que se deve pontuar é que tal personagem foi habilidoso o suficiente para recolher a história do movimento operário brasileiro, que já existia desde o Império, apesar de incipiente, que não teve força para pressionar o Estado oligárquico brasileiro de modo suficiente para refletir em produção e normas que lhes protegessem. Mas as bandeiras desse movimento
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 24
operário foram apropriadas pelo movimento político de Getúlio e essa captação é que permitiu a relação próxima com a massa de trabalhadores, tomando a frente desses movimentos para tentar legiferara a respeito desses assuntos. Mais do que isso, houve uma série de movimentos operários no governo Varguista que se colocaram a favor ou contrariamente ao presidente, que foram tratados de formas diferentes de acordo com os personagens assumidos por Getúlio.
Em um primeiro momento de governo provisório e constitucional havia sindicatos que não eram credenciados no ministério do trabalho e, ao longo do tempo, o reconhecimento jurídico desses sindicatos vai diminuindo e, chega-se a o ponto de repressão aos mesmos.
O movimento operário brasileiro é fundamental justamente por ter sido captado por Getúlio.
A doutrina põe essa relação entre Estado, capital e trabalho dentro de um molde muito abstrato e bonito, onde o Estado é um terceiro elemento que controla o capital para proteger o trabalho de forma imparcial. O direito do trabalho tem limites e possibilidades e cumpre o papel de reproduzir e manter o próprio sistema capitalista. A proteção do trabalho sempre terá um limite e não poderá esbarrar nos pilares do sistema, ainda que isso caia em contradição. Portanto, nesse caos o trabalho terá de ceder. Dentro das possibilidades variadas, há aquela de organização e compreensão coletiva dos trabalhadores e conquistas de condições de vida das pessoas inseridas nesse mundo.
O direito do trabalho é muito circunscrito em termos de sujeitos. Só tem proteção jurídica trabalhista o trabalhador empregado. No entanto, o capitalismo apresenta cada vez mais outros tipos de trabalhadores que não estão dentro do molde típico de trabalhador empregado e não gozam de nenhuma proteção social e jurídica trabalhista. Por outro lado, existem outros trabalhadores que possuem todo o tipo de proteção (o direito do trabalho costuma ser assim, utilizador de extremos), como, por exemplo, um executivo de uma multinacional que recebe um salário de R$ 200.000 por mês somado à verba de representação (seriam utilidades fornecidas pela empresa para atender seus interesses mediante demonstração, através do empregado, de sua própria força, concedendo roupas, carros, matrícula em clubes seletos etc. para manter networking) e tudo isso, para efeitos de direitos trabalhistas, no contrato de trabalho, terá valor econômico e será considerado como salário. Na hora de pedir integração de seu salário na justiça ele irá conseguir tudo, apesar de não ser um hipossuficiente.
É para esse o tipo de trabalhador que se direciona o direito do trabalho?
Então, o tratamento dado aos trabalhadores pelo direito do trabalho está cada vez mais obsoleto. É preciso absorver essas novas formas de trabalho e atribuir a elas graus de proteção distintos, assim como para as empresas. Sendo microempresa individual, pipoqueiro ou uma mega multinacional, o tratamento dado pelo direito trabalhista é o mesmo para todos os trabalhadores. É necessário um grau de modulação, levando em conta a forma de participação do trabalhador nesses ambientes.
Aula 03 – Direito do Trabalho I dia 11/04/2013
Princípios do Direito do Trabalho
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 25
O modelo Estado Democrático de Direito é o modelo que orienta hoje a organização política
dos Estados nacionais. Esse modelo é alicerçado em dois pés: os direitos fundamentais e a
democracia. Há quem entenda que a democracia é uma modalidade de direitos fundamentais,
Para estes, o Estado Democrático de Direito é baseado apenas nos direitos fundamentais.
Isso significa que o Estado Democrático de Direito só existe, nasce, cresce, se reproduz e morre
tendo uma única obsessão: concretizar direitos fundamentais. Materializar para o cotidiano
real das pessoas desse Estado os direitos fundamentais.
Esses direitos fundamentais são fundados diante de um princípio de democracia, de
participação popular na identificação de quais sejam as necessidades, valores predominantes
(ou pelo menos majoritariamente compartilhados) em um determinado contexto histórico,
época ou país.
Diferentemente de concepções passadas, nas quais os direitos fundamentais eram muito
aproximados dos direitos naturais4, hoje se convenciona que os direitos fundamentais tem
pretensão de universalidade, mas não são universais. A concepção de mundo de uma pessoa
que more nas colinas do Afeganistão é completamente diferente da concepção dos moradores
das favelas do Rio de Janeiro5.
Os direitos fundamentais, ou os princípios que revelam aquilo que seja o mais importante para
ser assegurado pelo Estado em uma determinada nação, variam de acordo com o tempo ou o
lugar. Os direitos fundamentais não existem flutuando no ar de maneira abstrata. São um
construção concreta de maneira histórica da população. Não devem ser ainda apenas um
discurso. O professor Norberto Bobbio sempre afirmou que os direitos fundamentais já são
fatos e podem ser afirmados juridicamente. Impõem-se agora concretizá-los, ou seja,
materializá-los.
Nesta materialização é que se identifica quem está ao lado dos direitos fundamentais6 e
aqueles que usam os direitos fundamentais como mero discurso. E esse segundo grupo é a
maioria, atualmente. Na sociedade atual não existe mais ‘’direita’’ ou ‘’esquerda’’, pelo menos
autoproclamada. Todos rezam na igreja ampla dos direitos fundamentais. Ao observar o
discurso de George W. Bush ( ) filho, na fundamentação para as invasões, o belicismo, o
morticínio promovido no Iraque, encontra-se todo fundamentado nos direitos fundamentais.
Obviamente, ele não pratica os direitos fundamentais em Abu Dhabi, em Guantánamo, é
apenas um discurso.
O Direito do Trabalho, dentro do modelo do Estado Democrático de Direito, sofre a invasão da
Constituição. Sofre a repercussão de que no sistema jurídico, a centralidade é ocupada pela
Constituição e, não mais pelo Código Civil. A Constituição ocupa o epicentro deste sistema
4 Aqueles direitos universais, ahistóricos, que valiam em qualquer lugar e tempo.
5 Sua visão, valores, moral, e aquilo que é necessidade básica para essas pessoas também são diferentes.
6 Na medida de direitos que servem para resistência contra a opressão de poderes públicos ou privados; para
emancipação e autonomia do ser humano, na sua dimensão máxima.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 26
jurídico, irradiando seus efeitos (sobretudo naquilo que é mais importante, ou seja, os direitos
fundamentais) para todas as áreas, outros ramos do direito, inclusive o Direito do Trabalho.
Assim, este último sofre a invasão da Constituição.
Deve se perguntar que invasão é essa. O Direito do Trabalho consta nos textos Constitucionais
desde a Carta de 1934. Existem normas de direito trabalhista desde a Constituição de 1934.
Nem a ditadura militar, com a Constituição de 1967 e a Emenda de 1969 retiraram de seu
texto os direitos individuais do trabalhador. Assim, formalmente, os Direitos Trabalhistas
figuram na Constituição a muito tempo. Assim, quando se fala nessa invasão não se refere a
essa elevação formal dos direitos trabalhistas a constituição, que eles sejam alçados ao
patamar de norma constitucional. Isso já existe a muito tempo e não é novidade. A invasão diz
respeito à qualidade da percepção desta constitucionalização. A qualidade da percepção no
sentido de que o direito do trabalho passa a ser constitucionalizado. Fala-se a partir dai das
dimensões dos direitos fundamentais. Não são as gerações, mas sim as dimensões, no sentido
da extensão, da aplicabilidade do seu conteúdo. Uma dimensão subjetiva e outra objetiva.
Dimensão dos Direitos Fundamentais
a) Dimensão Subjetiva
Esta está ligada a possibilidade de concretização
do direito fundamental para o indivíduo. Durante
muito tempo esta dimensão esteve vinculada a
chamada eficácia vertical, que diz respeito à
atuação o Estado em relação ao indivíduo, no
sentido de garantia dos direitos fundamentais
deste indivíduo. Vertical, pois temos uma relação
de sujeição Estado/indivíduo para que se preserve
a esfera de proteção, um ‘’campo de força’’.
A primeira dimensão e geração dos direitos
fundamentais trazia um campo de for para o
individuo e a sua autonomia individual.
Traumatizado pela experiência do absolutismo, esse campo de força dizia respeito
justamente a uma abstenção do estado, um não fazer, um não se intrometer do
Estado, reservando para o indivíduo, uma esfera de liberdades, por exemplo, liberdade
de ir e vir, se expressar, de contratar, isto é, liberdade nas relações deste indivíduo
com outros. Caso o Estado violasse esse campo de proteção de autonomia individual
desse cidadão, automaticamente a Constituição promovia mecanismos de
recuperação desta esfera. Esses mecanismos são os remédios (Habeas Corpus,
Mandado de Segurança, Habeas Data, Mandado de Injunção).
Mais recentemente (é uma novidade pós Constituição de 1988, pós década de 1990), o
posicionamento do Superior Tribunal Federal conseguiu avançar concedendo, ainda
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 27
em eficácia vertical, ou seja, ainda em dimensão subjetiva, aos direitos fundamentais,
direitos que não fossem apenas desta primeira geração. São os direitos de segunda
geração.
Passou-se a observar, na jurisprudência do Supremo, a entrega de direitos sociais,
econômicos, culturais para determinados indivíduos. O exemplo típico é a distribuição
de medicamentos, o direito social a saúde. Basta lembrar-se do voto leading case da
Ministra Ellen Gracie dizendo que o artigo 196 da Constituição é uma norma de
aplicabilidade imediata, tendo dos os requisitos para sua aplicação jurídica concreta. A
saúde é direito de todos e dever do Estado (preconizando inclusive solidariedade
passiva entre os entes federativos).
Obviamente, esse voto sofreu certo afã para que se concretizassem os direitos sociais,
muitas vezes carecendo de um estofo técnico um pouco melhor. O professor Daniel
Sarmento apresentou uma crítica, afirmando que isto se transformou em um
movimento pendular, em uma panaceia, uma ‘’salvação para todos os males’’,
comprometendo os recursos públicos na sua dimensão coletiva. Municípios muitas
vezes quebravam ou tinham suas políticas públicas inviabilizadas em virtude de
decisões judiciais dessa natureza. Pode se ir além observando que o orçamento, no
Brasil, não é muito levado a sério (nem quem faz, executa, e quem deveria ser
beneficiado pelos recursos públicos).
b) Dimensão Objetiva
A grande mais valia de conteúdo constitucional está na dimensão objetiva. Essa trás
uma revolução em termos de direito ou de teoria jurídica, afetando o Direito do
Trabalho, uma vez que se reconheçam normas trabalhistas com essa dimensão de
direitos fundamentais, quer na Constituição, quer na CLT ou qualquer lei ou norma
infraconstitucional.
A eficácia objetiva é afirmar que os direitos fundamentais estão além da figura do
indivíduo. Quando um país convenciona que determinado número de direitos
constituem-se fundamentais, este é o fundamento da Constituição Social deste país. A
agregação social só se justifica quando se respeitam esses direitos, pois estes são os
mais importantes, dos mais importantes, dentre os mais importantes. Dentre os
direitos que gozam de supremacia Constitucional há uma supremacia axiológica (não
formal) valorativa emprestada aos direitos fundamentais. Este estariam ali como os
valores mais preciosos da nação, valores que justificam a existência de uma
sociedade.
Quando se afetam, quando se agridem algum desses direitos, se agride justamente ao
amalgamo constitutivo da sociedade. É dizer: a violação desses direitos concorre para
a desagregação social, para um caos social, para a destruição da sociedade. Assim,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 28
esses direitos tem prioridade na sua garantia. Mesmo que não se afete diretamente o
indivíduo será afetado indiretamente, como membro desse corpo social.
Essa dimensão objetiva se verifica através:
a. Eficácia Irradiante.
Que, por sua vez, tem duas manifestações:
i. Interpretação Conforme a Constituição.
ii. Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.
Devem ser aplicados não apenas em uma relação vertical (Estado X
Indivíduo), mas também em uma relação horizontal (particular X
particular), entre indivíduos particulares. Mais, entre grupos
particulares. Essa eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares.
Divide-se ainda:
1. Eficácia Horizontal Direta
Pode se dar pela incidência direita do dispositivo
Constitucional na relação jurídica concreta entre particulares.
2. Eficácia Horizontal Indireta
Caso Luth do Tribunal Constitucional Federal da, então,
Alemanha Ocidental. Marca a origem dessa possibilidade.
Nesta, a rigor, cuida-se da preservação dos direitos
fundamentais quando se aplica uma legislação
infraconstitucional.
A legislação infraconstitucional deve ser interpretada a luz dos
direitos fundamentais, tanto no seu sentido hermenêutico
principal orientador, quanto na interpretação dos seus
dispositivos (cada qual aberto a essa incidência).
Seria como se colocassem lentes ao intérprete que o
permitissem ler à legislação a luz (sob a ótica) dos direitos
fundamentais.
Isso é muito comum (como no caso Luth) quando a legislação
infraconstitucional trás cláusulas gerais, abertas ou conceitos
jurídicos indeterminados. Por exemplo, bem comum, interesse
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 29
público, mulher honesta, condição pessoal, desídia. Uma série
de palavras que tem uma abertura semântica e que permite
ao intérprete construir um determinado sentido em
determinado caso.
Em todas essas brechas (janelas) oriundas, orienta-se ao
intérprete pela aplicação dos direitos fundamentais.
Isso é o que faz uma diferença fundamental dentro da
perspectiva da Constitucionalização do Direito do Trabalho.
Quando se fala nos princípios, estes são uma das formas (roupagens jurídicas que
vestem os direitos fundamentais). Podem estar vestidos com a roupagem de princípios
ou regras jurídicas. De uma forma ou de outra, tem a premência da forma objetiva.
Eles se impõem nas relações particulares como são as relações entre empregador e
empregado.
Outra manifestação prática da dimensão objetiva são os deveres de proteção estatal.
Em termos sintéticos afirmam o seguinte: ‘’o que legitima o Estado, isto é, o Estado só
existe (dentro do modelo de Estado Democrático de Direito) para concretizar direitos
fundamentais. ’’. Então é uma obrigação precípua de qualquer agente público ou órgão
de poder a preservação e garantia dos direitos fundamentais. Este é um dever
primordial de qualquer um que seja reconhecido como instância estatal. Não importa
o órgão, repartição ou quem se apresente como representante deste órgão público.
Sua obrigação primária é zelar pela garantia dos Direitos Fundamentais.
Assim, quando o judiciário pratica esse movimento de judicialização (ou,
eventualmente, até mesmo de ativismo) ele zela pelos direitos fundamentais.
Tudo isso convida o leitor a interpretar os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) conforme a Constituição. Há uma série de dispositivos em que se verifica claramente a
recepcionalidade ou não pela Constituição Federal de 1988 caso, por exemplo, a CLT tenha
uma regra em um sentido e a Constituição Federal vá no sentido oposto. Por exemplo, normas
que impediam a mulher de realizar horas extraordinárias foram derrogadas pela Constituição
Federal, que implementou a igualdade entre os gêneros. Se o homem pode se manter para
além da duração normal da jornada de trabalho (recebendo o adicional de horas
extraordinárias respectivas), a mulher tem o igual direito de ser explorada pelo capitalista
Assim, ficou revogado o dispositivo celetista que tratava desigualmente o homem e a mulher.
Outro exemplo era a jornada noturna. À mulher era vedada a realização da jornada noturna
(das 22:00 às 5:00 horas do dia seguinte).
Esses dispositivos se confrontam evidentemente. Por isso, é caso de revogação, de não
recepção do texto celetista pela Constituição Federal de 1988. Assim também, as normas
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 30
trabalhistas pós Constituição Federal, quando expressamente violam a Constituição, são
eivadas do vício de inconstitucionalidade.
O que se anuncia aqui é algo completamente diferente. É rever toda a relação empregatícia a
partir desta concepção de respeito aos direitos fundamentais. Essa relação privada deve ser,
prioritariamente, vislumbrada aos olhos do respeito aos direitos fundamentais porque o
próprio Estado Democrático de Direito a limitação do poder preconizada pelo Estado Liberal
sofrerá uma exponencialização.
Antes, o que era uma limitação de poder no Constitucionalismo será mega limitação de poder
no neoconstitucionalismo. Essa mega limitação será daquelas instancias das quais a ordem
jurídica reconhece o poder, pois aqui maximiza o titular deste poder, o único titular deste
poder soberano.
A tradução disto tudo é: reforça-se a ideia de delegação do poder. O poder soberano7, que é o
poder supremo em relação a todos os outros poderes (cujo detentor é o Estado), é titularizado
pelo povo. Isso é construção da Teoria do Estado, muito bem explicada no livro do professor
Dalmo de Abreu Dallari (Elementos da Teoria Geral do Estado).
No constitucionalismo do Século XIX essa limitação do poder em virtude da delegação se dava,
sobretudo, a respeito do poder público.
O poder público se limitava:
a) Em relação ao respeito dos direitos fundamentais do indivíduo;
b) Fragmentando esse poder em Executivo, Legislativo e Judiciário;
c) Organizando este Estado em esferas Federativas (União, Estados e Municípios),
repartindo competências entre estes entes federativos.
Limitava-se então o poder, de maneira que quem exercer este poder, o exercerá de forma
limitada. Essa foi à forma que o liberalismo encontrou para limitar o poder. Mesmo que
eventualmente forças não burguesa ocupassem o poder, dentro da engenharia Constitucional
burguesa, este poder estaria limitado. Não seria possível o retorno àquele arbítrio do poder
absoluto.
No Estado Democrático de Direito essa limitação de poder irá reforçar limitação dos poderes
públicos. Quem tem poder não terá poderes, pois nasceu com estes ou em virtude de uma
aquisição formal de investidura em um cargo público. O poder de um Juiz não se dá porque ele
passou em um concurso público. O poder do Governador não se dá porque ele foi eleito
majoritariamente. O poder do parlamentar não se dá porque ele foi eleito proporcionalmente.
O poder de todos estes que o exercem se dá única e exclusivamente porque o povo quis que
eles tivessem poder. Através de uma Constituição determinou como cada um acessaria a um
órgão de poder e o exerceria dentro de um âmbito de competência.
7 Se é que ele existe. Para abstração jurídica ele existe.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 31
Assim, legislativo, executivo e judiciário encontram a sua legitimação no poder soberano do
povo. Isso significa que toda vez que o titular deste órgão de poder estiver exercendo o seu
poder típico (o executivo criando atos administrativos, o Juiz julgando o processo, o
parlamentar criando uma lei), devem prestar contas, deverão fazê-lo justificando para o povo
porque e o que fazem ou deixam de fazer. Esta é a grande revolução substancial do
neoconstitucionalismo.
Quem tem poder deve dar satisfação ao seu delegante (o povo). Esta é uma teoria que vem
desde o Direito Administrativo Francês (virada do século XX) observa-se que, nos atos
administrativos discricionários, antigamente, apenas por um juízo de conveniência e
oportunidade o Administrador tomava sua decisão. Em um segundo momento, passa a
motivar (teoria dos motivos determinantes). Depois ele passa a justificar (mais que motivar),
argumentar para convencer o porquê que àquela decisão tomada, embora discricionária, era a
mais correta. Cria-se, assim a Teoria da Proporcionalidade8.
Essa Teoria da Invasão da Constituição, do respeito aos direitos fundamentais, transpassou a
esfera dos poderes públicos, se situando nas relações entre privados. A relação de emprego é
uma relação de poder reconhecida pela ordem jurídica. A ordem jurídica cria um poder para o
empregador, chamado poder empregatício. A esse poder de comandar a força do trabalho, do
empregador, o poder de direção, subordina-se o empregado. O empregado é trabalhador
subordinado juridicamente. Assim, a ordem jurídica reconheceu o poder. Se a ordem
reconheceu o poder deve se aplicar os postulados de respeito aos direitos fundamentais.
Quem quer que exerça poder tem que respeitar os direitos fundamentais e, no Estado
Democrático de Direito, justificar as suas decisões.
No Brasil, isto é uma revolução. É uma revolução, pois, no Brasil, existe um fenômeno
chamado Patrimonialismo. Esse fenômeno foi herdado geneticamente dos portugueses. A
genealogia deste patrimonialismo pode ser encontrada no livro do professor Raimundo Faoro
chamado ‘’Os Donos do Poder’’. Na referida obra, o professor descreve, dentro de uma
perspectiva Weberiana, a genealogia deste Estado patrimonial.
O patrimonialismo é esta promiscuidade que há entre o Espaço Público e o Espaço Privado. O
Espaço público não serve para atender ao público, mas é refém dos interesses de determinado
grupo privado (de pouquíssimas pessoas).
A população não foge a essa regra, não conseguindo verificar interesses coletivos, pois
determinados interesses privados desses grupos se impõe, quase sempre, em uma relação de
clientela, fisiologismo.
A empresa (o empreendimento econômico) dentro deste cenário sempre foi tida como uma
extensão da propriedade privada daquele detentor daqueles meios de produção. A base do
8 Teoria da Proporcionalidade: Sopesamento entre meios e fins de que vale o Administrador Público para
demonstrar porque sua decisão era mais adequada, a mais correta uma vez que ela, por exemplo, maximiza as finalidades pretendidas e prejudica minimamente os direitos fundamentais contrapostos, respeita ao máximo os Direitos Fundamentais. Fundamentar a sentença não é mais colacionar uma série de dispositivos e artigos, como no positivismo e, de forma misteriosa se alcançar uma parte dispositiva da sentença, sem nenhum tipo de lógica ou justificação para a população. Fundamentar a sentença é justificar argumentativamente porque se chegou a uma determinada decisão. Isso é um postulado do Estado Democrático de Direito.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 32
capitalismo é a apropriação privada destes meios de produção, mas isso ganha uma dimensão
social ou coletiva em determinados países.
A empresa desempenha um papel social de resultados econômicos que beneficiam uma
coletividade econômica. Ela não foi criada para isso, mas sim para dar lucro ao dono, porém
ela consegue ser inserida dentro de um cenário coletivo e cumprir uma função coletiva. No
Brasil isso é uma excrecência. A empresa privada é vista como uma extensão do quintal do
dono da empresa privada. Essa é a lógica que o empresariado opera. Assim, coisas como
democratização de informações, de decisões (que inclusive são exigidos pelos novos métodos
de produção), recebem uma resistência muito grande pelo empresariado brasileiro.
Então, principalmente no âmbito das relações de trabalho no campo privado, existe uma visão
patrimonialista das empresas que vão sonegar o exercício dessa gestão democratizada, que
deve respeitar os direitos fundamentais no exercício do poder concedido juridicamente. O
empresariado brasileiro, em virtude de décadas na qual o escravismo vigorou, acredita que é
dono da vida dos trabalhadores (obviamente, isto é uma generalização, e toda generalização
importa em erro). É um substrato cultural que existe no Brasil e ira se chocar com essa
construção constitucionalizadora do Direito em uma série de situações, tanto no respeito à
privacidade, a intimidade do empregado, quanto no respeito a sua dignidade humana,
dimensão coletiva do direito a informação, quanto na justificativa das suas decisões.
Assim, a partir deste momento, os princípios e o Direito do Trabalho inteiro serão observados
dentro de uma perspectiva crítica e de constitucionalização.
Aula 04 – Direito do Trabalho I dia 29/04/2013
Continuação dos Princípios do Direito do Trabalho
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 33
Houve um tempo em que os princípios eram considerados normas inferiores, ou sequer eram
considerados direito. A antiga Lei de Introdução ao Direito Brasileiro expõe que, caso não se
ache uma norma regra, deve-se procurar outro tipo de norma, sendo esta os princípios,
costumes ou a analogia, para suprirem então a lacuna existente. Os princípios gerais do direito
eram a última opção.
A normatividade dos princípios era mínima e a força normativa era nula. Eles sempre foram
tidos como um programa de ação política para aplicação futura incerta (quem sabe um dia
reduzir a pobreza ou desigualdades sociais, como se fosse um enfeite no ordenamento). De
uns quinze anos para cá, houve uma transformação profunda na teoria do direito e hoje há
certo consenso de que as normas jurídicas se apresentam de duas formas: as regras jurídicas e
os princípios jurídicos.
A primeira é um comando prescritivo de conduta e a segunda é uma norma mais aberta que se
apresentará como decisões políticas fundamentais e valores históricos compartilhados por
certa sociedade ou fins públicos de uma forma mais ampla. De qualquer maneira, embora
tenham conteúdo e estrutura diferentes, ambos são normas jurídicas e o que as caracterizam
precipuamente é que as normas jurídicas não são conselhos ou recomendações, mas servem
para serem impostas coercitiva e imperativamente. Têm eles a estrutura de um “dever-se”, o
elemento deontológico. Tanto princípios quanto regras possuem essa característica, uma
inovação relacionada à invasão, centralidade e normatividade conjunta da Constituição, esta
sendo muito principiológica, há que se reconhecer a normatividade dos princípios.
Todavia, princípios e regras são aplicados de formas diferentes. Isso não quer dizer que o
princípio tenha menos imperatividade, mas apenas se aplica de forma diferente.
De maneira geral, a regra jurídica se aplica de modo disjuntivo (ou é ou não é - all or nothing)
não há como coadunar regras contraditórias para a mesma situação concreta e esse processo
impõe critérios para sua aplicação (critérios hierárquicos, especialidade e temporal). As
normas princípios não prescrevem necessariamente uma conduta ou ação humana, até
mesmo porque trabalham com um conjunto mais plural de ações, como, por exemplo, existem
vários caminhos para se reduzir a desigualdade social no caso concreto ou se alcançar a
dignidade da pessoa humana. Isso nos remonta ao prof. Robert Alexy que define os princípios
como mandados de otimização enquanto as normas regras seriam mandados definitivos (se X
então Y). No princípio há um estado ideal mais aberto e se permite que várias condutas o
alcance e a forma de se alcançar isso é gradual, sendo melhorado a cada aplicação,
trabalhando-se com limites fáticos e jurídicos.
Analisa-se é se a decisão proferida avança no sentido de reduzir a desigualdade social ou
retrocede. A cada decisão dos agentes públicos deve-se avaliar se o princípio está sendo
aplicado na medida do possível. Não faz sentido a presidente revogar o direito de propriedade
das pessoas mais ricas do país e dividir seu patrimônio entre os mais pobres, pois isso esbarra
em um limite fático. Não se pode suprimir o direito de propriedade dessa forma. Os limites
fáticos e jurídicos, assim como as condições econômicas concretas devem ser respeitadas,
observando-se também o patamar de regulação jurídica geral. Os princípios então vão
exercendo pressão em cada decisão relacionada a uma decisão concreta, sendo ela política,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 34
jurídica, administrativa, legislativa etc., pois todas elas passam por um processo de
interpretação que devem observar os princípios, mas, aos poucos, dentro da medida do
possível, esses princípios são realizados de maneira cada vez mais otimizada. Eles orientam
todo o processo decisório e interpretativo, tendo então de ser aplicados, pois possuem
normatividade.
Os princípios se aplicam dentro de um universo axiológico na sociedade contemporânea, ainda
que eles sejam bastante contraditórios, pois os valores dos indivíduos variem cada vez mais,
diferentemente de tempos como a Idade Média. Poucos valores são compartilhados por um
grupo social mais amplo e mesmo esses se chocam com outros valores, pois não são plurais só
na percepção dos indivíduos, mas os próprios valores postos na sociedade são de diversidade
muito grande.
Dentro desse cenário, a melhor forma de se aplicar uma norma jurídica que veicula um valor
social, moral ou ético é através do processo de colisão, ou seja, reconhecer que eles estão em
iminente e potencial rota de colisão. Por isso, o processo hermenêutico é o da ponderação
entre valores. Diferente do modo disjuntivo, aqui não há esse critério, mais se deve misturar,
amalgamar os princípios que revelam valores. Funciona então como uma massa de modelar e,
dependendo do prisma pelo qual se olha ver-se-á mais um princípio do que o outro. Pode
predominar o valor A sem se eliminar o valor B, sendo que um dá o limite, o contorno do
outro. Os núcleos essenciais de um valor são respeitados, mas nenhum dos dois é excluído. Há
somente a predominância de um sobre o outro.
Há uma coleção muito grande de princípios apresentada por cada autor, onde cada um quer
reclassificar o que cada um já classificou. Os principais são apenas quatro: proteção do
trabalhador; irrenunciabilidade de direitos; continuidade da relação de emprego e primazia da
realidade (da verdade real, é de direito material no direito do trabalho).
1° Princípio: Proteção do Trabalhador
Esse princípio é teleológico (ontológico). Este princípio origina, funda o direito do trabalho.
Retoricamente é um direito protetivo e se explica como sendo protetivo do trabalhador, pois,
na relação capital-trabalho, ele deveria trazer um reequilíbrio quando se reconhece que, de
fato, essa relação é desequilibrada, como na relação do direito do consumidor. Em termos de
conteúdo há uma similitude muito grande, pois, no plano dos fatos, há alguém que quase
nunca consegue fazer prevalecer seus interesses e o outro polo, por força de seu poder
econômico, consegue fazer com que quase sempre seu interesse se imponha sobre outro. O
direito do trabalho então, teoricamente, veio para reequilibrar a relação. Esse desequilíbrio se
manifesta, sobretudo, nas relações individuais do trabalho; de um lado há a empresa, na forma
do empregador e, no outro, o trabalhador considerado individualmente, isoladamente.
Quando há um trabalhador contra uma empresa, facilmente se verifica que a empresa terá
uma facilidade enorme em impor seu interesse perante o trabalhador, na maioria das vezes,
até mesmo por que este depende economicamente da manutenção de sua relação com a
primeira, pois é dela que tira sua fonte de subsistência e, por isso reconhece-se uma
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 35
desigualdade, uma hipossuficiência, um desequilíbrio no plano dos fatos e, em virtude da
vulnerabilidade técnica em face do empregador, esse desequilíbrio e reforçado. Haveria então
uma dificuldade muito grande do trabalhador fazer valer sua vontade, pois há vulnerabilidade
técnica e hipossuficiência econômica. O Estado reconhece, em uma situação pré-jurídica,
nessa situação de abstração, a grande dificuldade de o trabalhador fazer valer sua vontade, em
uma relação contratual, por exemplo, e, por isso, o direito do trabalho vai sistematizar regras e
princípios de proteção ao trabalhador para tentar trazer um reequilíbrio.
Em termos mais concretos, o princípio da proteção realiza essa tarefa através de três
subprincípios, que dão concretude a ele.
In dubio pro operário
Norma mais benéfica
Condição mais benéfica
O primeiro refere-se ao processo de interpretação. Não tem haver com o princípio do in dúbio
pro réu do direito penal, pois este último tem a ver com questões de sopesamento probatório
e o subprincípio do in dúbio pro operário tem a ver com interpretação. O pressuposto para
este subprincípio é algo diferente do que se ensina nos manuais. Aprende-se que o processo
de interpretação é feito para se descobrir o verdadeiro sentido da lei ou da norma. Interpretar
seria descobrir o verdadeiro sentido da norma, seu sentido primevo, essencial. Tudo isso é
uma farsa.
Os juízes decidem casos bastante similares de forma diametralmente diferente. Dois
trabalhadores advindos da mesma empresa, quando demitidos, e, com causas parecidas, um
ganha 80% enquanto o outro ganhou 20%. Esse tipo de coisa chega a causar uma má
impressão sobre a advocacia. As pessoas não entendem a dinâmica do direito. O problema é
que os estudantes de direito, no início do curso são convencidos com uma série de mentiras
que se repetem ao longo dos cinco anos e, ao entrarem no mercado de trabalho, ficam
perdidos.
Como pode haver decisões diferentes se a lei é a mesma e o caso concreto é similar? Isso é
algo próprio do processo de interpretação e este não é a descoberta de um sentido primevo e
essencial da norma. Esse sentido sequer existe. Não há um único sentido verdadeiro para a
norma. Se houve um juiz estava com a verdade e o outro com o equívoco e haveria um
problema de ordem prática. Porém, a rigor, o processo de interpretação não se dá com essa
paleontologia. O processo de interpretação, de modo mais singelo, é pura e simplesmente a
atribuição de sentido que o intérprete confere à norma. Portanto, cada intérprete atribui um
sentido para a norma.
O processo de interpretação é complexo e envolve a esfera semântica de cada indivíduo assim
como as interações sociais, o inconsciente e outras coisas mais. A bagagem cultural e o
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 36
conhecimento de cada um permitem interpretações diferentes para um texto. O processo de
interpretação é dinâmico e depende de todos esses fatores.
Isso não significa que o Direito é completamente desorganizado. Existem elementos comuns,
denominadores comuns. Há um compartilhamento de bagagem teórica e de vida e mesmo de
visão de mundo, embora com valores morais variados (mesmo substrato social, como as
camadas médias urbanas). Existe uma intersubjetividade que gera um espaço de compreensão
comum. No Direito é assim, pois a norma jurídica é a mesma, então, parte-se de um
pressuposto comum, impedindo uma pulverização generalizada do processo de interpretação.
Mas, mesmo assim, é preciso dizer que o processo de interpretação é sempre plurívoco e não
unívoco, pois não se chega a um único sentido, mas a vários sentidos por existirem vários
intérpretes – interpretação como sendo o resgate de um sentido essencial e verdadeiro é um
mito, como a imparcialidade do juiz, neutralidade do Judiciário e etc.
A forma de se ter algum tipo de segurança quanto ao funcionamento do Judiciário é um
problema de administração da justiça. Não existe uma segurança completa, mas os tribunais,
sobretudo os tribunais superiores, têm como tarefa uniformizar a jurisprudência. Para isso
existe uma série de mecanismos, como o Recurso Especial ou o Recurso de Revista, que é
usado no Direito do Trabalho, no TST. Existem os embargos de divergência no processo do
trabalho e os incidentes de uniformização de jurisprudência no processo civil. Há também todo
o processo de construção sumular, sendo que estas chegam a se converter em norma jurídica
com efeitos vinculantes, através do STF. Tudo isso serve para dar uma espécie de amarra na
pluralidade hermenêutica existente.
a. In Dúbio Pró Operário
O pressuposto de tal subprincípio não é a velha unicidade hermenêutica, mas sim
sua pluralidade, pois parte do pressuposto de que o processo interpretativo é
plural, de que é possível, de uma única norma, extrair diferentes interpretações
razoáveis e possíveis. Se há diferentes interpretações razoáveis e possíveis obtidas
da mesma norma jurídica, com várias interpretações possíveis. Isso suscita a
dúvida e, no caso de se apresentarem várias interpretações possíveis e razoáveis
da mesma norma jurídica, o intérprete tem um critério, um vetor, em virtude da
proteção do trabalhador, nestes casos, deve-se eleger a interpretação que mais
favoreça o trabalhador. É um critério de interpretação que elegerá aquela mais
benéfica ao obreiro.
Isso é uma construção teórica, doutrinária e jurisprudencial muito antiga. Não está
em lei nenhuma.
Pode haver, por exemplo, uma norma que diga que os intervalos intrajornada,
destinados para o almoço, sendo, portanto, no meio da jornada, devem ser de, no
mínimo, uma hora e de, no máximo, duas horas (esse tipo de norma realmente
existe). Digamos então que, se a jornada do empregado é maior do que seis horas
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 37
ele deve tirar uma hora de almoço. Consideremos então que o empregador
conceda somente quinze minutos de almoço, contrariando a lei. A consequência
dessa norma é que, quando o empregador não concede esse intervalo, ele deve
remunerar seu empregado com o adicional de horas extras, como se fosse hora
extra. Pagará o valor da hora com o acréscimo de, no mínimo, 50% do valor dessa
mesma hora. Essa hora de almoço já é paga no salário, mas, no caso de não
conceder o intervalo, há o acréscimo de 50%.
No caso concreto existe somente quinze minutos de intervalo. Duas interpretações
são possíveis neste caso. Uma diz que o empregador desrespeitou a norma, pois
deveria ter concedido uma hora e não a deu. Não interessa o que ele concedeu, o
que interessa é que não foi uma hora. A consequência então seria que a hora seria
considerada como hora extra e, o empregado no caso tem direito a uma hora
extra. A outra interpretação leva em consideração o fato de que o trabalhador
trabalhou somente 45 minutos e não uma hora, pois houve quinze de descanso.
Segundo tal interpretação somente esses 45 minutos seriam acrescidos com o
adicional de hora extra.
São duas interpretações possíveis e razoáveis. Uma beneficia o empregado e outra
o empregador, sendo que nesta última tenta-se usar o critério de
proporcionalidade como critério de justiça, o que é razoável. Diante de duas
interpretações possíveis e razoáveis, o critério do in dubio pró operário impõe a
adoção da interpretação que beneficia mais o empregado. O TST criou uma O.J
para essa interpretação. Isso é um exemplo real (art. 66 da CLT c/c O.J9 nº 355/TST
da SDI 1).
b. Norma Mais Favorável
Se no primeiro caso havia uma norma com várias interpretações, aqui há uma
situação concreta e jurídica sobre a qual incidem várias normas. Uma única situação
sobre a qual incidem várias normas jurídicas. O primeiro caso é de hierarquização
interpretativa e o segundo de hierarquização normativa.
Qual norma se aplica ao caso concreto quando são várias as aplicáveis?
9 Orientação Jurisprudencial. É o resultado da cristalização jurisprudencial em uma etapa anterior a formação da
súmula, em um órgão do TST chamado Seção de Dissídios Individuais (SDI). A súmula é criada pelo pleno – no caso, órgão especial – do TST. Em geral, as questões são julgadas nas sessões ou de dissídio coletivo ou de dissídios individuais pelas turmas especializadas em um ou outro desses dois tipos e, com a reiteração do posicionamento daquele órgão, é possível que no âmbito da SDI se fixem essas orientações jurisprudenciais, normalmente chamadas de O.J. Se essa reiteração persiste, então essa matéria em geral é levada ao plenário e, por conseguinte, edita-se a súmula. Tem a mesma força da súmula, ou seja, quase nenhuma. É persuasiva. A súmula só tem força real quando é do STF e vinculante, pois essa obriga todos os poderes Judiciário e Executivo. Todas as outras têm efeito persuasivo, quando muito, processual. No caso a súmula do TST é requisito de admissibilidade de um recurso chamado ‘recurso de revista’, que é o recurso genérico que se encaminha para o ST, mas, fora isso, é persuasivo e o juiz reproduz o teor da súmula se quiser. Não tem ele vinculação nenhuma.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 38
Severino ( ) trabalha na empresa ‘’Energia que Tirou da Inércia S.A. ’’,
por exemplo. Em seu contrato individual de trabalho, estabeleceu-se uma jornada
de trabalho de oito horas, assim como uma remuneração equivalente a R$800,00.
O sindicato representativo da categoria profissional da categoria desse trabalhador
firmou, junto ao sindicato representativo da categoria econômico do empregador,
um acordo, que é chamado de convenção coletiva de trabalho. Esse contrato tem,
para o direito do trabalho, força de lei e estabelece condições de trabalho para a
categoria.
Nesta convenção coletiva que possui força de lei estabeleceu-se que ninguém na
categoria de Severino poderia trabalhar mais do que sete horas por dia, assim como
estabeleceu um piso salaria de R$ 700,00 para essa categoria. As normas de seu
contrato individual (poderia ser uma lei, o contrato foi mero exemplo), a
Constituição ou qualquer norma se aplicam a essa relação jurídica concreta. As
normas da convenção coletiva se aplicam a essa situação jurídica concreta. Poderia
haver uma profusão de normas jurídicas onde todas elas estipulassem condições de
trabalho incidentes nessa relação concreta (Severino e empregador).
Quando o conteúdo dessas normas é diferente, qual a norma que deve ser
aplicada? Usa-se então o subprincípio da norma mais favorável ao trabalhador.
Concretiza-se aqui a proteção ao trabalhador. Porém, qual a norma mais favorável
neste caso?
Pode-se interpretar que, pelos princípios, prevaleceria que Severino ( )
deveria ganhar R$800,00 por 7 horas de trabalho? Podem-se eleger os aspectos
mais benéficos de cada norma jurídica? Pegar o aspecto remuneração da norma
‘contrato individual’ e pegar da norma ‘convenção coletiva’ o aspecto duração do
trabalho?
Considerando que o comando das normas sejam somente: “trabalhadores como o
Severino ganham, no mínimo, R$700,00 por sete horas de trabalho” e “Severino
ganha R$800,00 por oito horas de trabalho”, qual é a mais benéfica? Supondo que
seja um raciocínio disjuntivo. A ideia é mostrar que normas diferentes regulam de
maneiras diferentes a mesma situação concreta. Ou supondo ainda que se trabalhe
com lei ao invés de um contrato individual.
Pegar o que as duas normas têm de melhor é uma das teorias que servem de
critério para identificação a norma mais favorável. Essa teoria é a chamada “teoria
da acumulação” e é minoritária. A outra teoria que busca identificar qual seria a
norma mais favorável é a “teoria do conglobamento”, que é majoritária.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 39
i. Teoria da acumulação
Pelo critério da acumulação se teria a formação de uma colcha de
retalhos, que seria uma norma de decisão constituída pelos aspectos
mais favoráveis de cada uma das normas aplicáveis ao caso. Pinça-se
década norma aplicável o aspecto mais favorável. É a teoria da
acumulação.
ii. Teoria do Conglobamento
A outra teoria é a teoria do conglobamento que aponta uma dificuldade
insuperável da outra teoria: o intérprete estaria criando uma norma que
nenhum dos autorizados como finte jurídica do Direito do Trabalho se
valeu. O legislador não criou a norma “colcha de retalhos”, tampouco o
legislador, os contratantes ou os sindicatos. Essa norma não existe como
criação e nenhum dos legitimados para criar norma ou fonte de direito
reconhecidamente válida. O intérprete não pode criar uma norma que
não exista na ordem jurídica. No caso, o critério deveria ser então
aquele que identifique in concretu, levando em consideração as
condições pessoais do trabalhador, específicas e concretas da relação
jurídica em questão à qual se quer aplicar a lei, qual norma que, em
sentido global, mais favorece o trabalhador. Para isso deve-se levar em
conta as necessidades tanto do empregado quanto do empregador, para
então analisar toda a pluralidade de aspectos da norma, para então ver
qual se deve aplicar.
Ainda assim, se for uma questão simples como somente a jornada de trabalho,
como único elemento contratual discrepante, a tarefa é mais simples.
Em regra, os dispositivos das normas coletivas têm uma validade temporal. A partir
da edição os novos trabalhadores se submetem a essas regras, se não houver
distinção, é possível pleitear os direitos da norma coletiva. Se a convenção é
anterior ao contrato individual não é possível utilizar tal contrato. Se for o
contrário, o contrato tem que se ajustar a convenção, se coadunar a ela. Inclusive, o
empregador deve conhecer a convenção coletiva de sua categoria; no entanto, não
há problema nenhum se o empregador estiver disposto à pagar acima do piso
estabelecido pela convenção. Conseguir estender a convenção para o contrato
posterior é que é bem difícil.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 40
In dubio pro operário é critério de interpretação. Uma norma com várias
interpretações. Norma mais favorável leva ao critério de hierarquização normativa.
Então, existe uma situação concreta com várias normas aplicáveis.
c. Condição Mais Favorável
Na terceira hipótese consideram-se condições que se alteram ao longo do tempo. A
condição contratual de trabalho se materializa no contrato de trabalho como uma
cláusula contratual. Não precisa ser expressa, pois pode ser verbal ou informal ou
mera realização no âmbito da realidade fática. Ela se materializa em uma cláusula
contratual de trabalho.
Ao longo do tempo (os contratos de trabalho tendem a se prolongar ao longo do
tempo) as condições de trabalho vão sendo alteradas e as cláusulas contratuais,
portanto, vão sofrendo alterações. O subprincípio da condição mais benéfica
regula, por conseguinte, essas alterações contratuais, das condições ou cláusulas
contratuais.
As alterações que sejam benéficas ao empregado, ou mais benéficas que as
condições anteriores serão incorporadas ao patrimônio jurídico do empregado,
transformando-se em direito adquirido. As condições que são alteradas de maneira
a beneficiar o trabalhador passam a ser direito do trabalhador. Se o salário era
R$600,00 e passou a ser de R$1.000,00, não se pode baixa-lo para R$600,00
novamente. Impera o princípio da condição mais favorável. Isso também funciona
para a remuneração variada, mas através de outros elementos – recebia 5% sobre
as vendas e passou a receber 8%; não se pode voltar ao percentual mais baixo. O
professor teria uma regra específica; ele não pode ter a jornada reduzida durante o
período letivo, mas entre semestres é possível avaliação, mas isso decorre da lei do
professor. Não se consideraria condição menos favorável ou prejudicial esse tipo de
alteração em virtude da própria morfologia de seu trabalho.
As alterações benéficas viram direito adquirido, mas as alterações que trazem
prejuízo são consideradas nulas. Há o art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho
que diz isso expressamente. Tal artigo reforça o sentido do princípio da condição
mais benéfica.
Em 2000 houve um conflito político interessante. Anthony Garotinho ( )
(então governador do Estado do Rio de Janeiro) e o então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 41
Garotinho se valendo de um subterfúgio eleitoreiro condenou FHC ( )
dizendo que o salário mínimo proposto pelo Executivo para o Congresso aprovar de
maneira unificada não atendia ao conteúdo constitucional do art. 7º, IV da
Constituição Federal. Fernando Henrique Cardoso então se valeu do art. 22,
parágrafo único da Constituição Federal, artigo este que trata das competências
delegáveis (legislar sobre direito do trabalho é uma competência privativa e, logo,
delegável), para dizer que, se o Garotinho ou qualquer outro governador estiver
insatisfeito, que propusesse uma lei complementar no Congresso que delegue
capacidade legislativa para o ente federativo.
O Executivo então fez o Congresso aprovar (o Legislativo no Brasil não tem
independência) tal medida. O Garotinho então ganhou poder para criar (e criou)
uma lei instituindo o salário mínimo regional do Estado do Rio de Janeiro. Na época
o salário mínimo federal era de aproximadamente R$ 240,00 e o então governador
do Rio de Janeiro fixou um salário mínimo de R$ 450,00 através de uma lei estadual
que foi à Assembleia Legislativa (ALERJ) por proposta do governador. A lei dizia que
a partir de tal data vigorava no Estado do Rio de Janeiro o salário mínimo regional
de R$ 450,00, revogam-se as disposições em contrário (a lei não dizia mais nada).
Muitos empregadores que pagavam seus empregados com base no salário mínimo
federal (que é o único salário mínimo que existe nos termos da Constituição
Federal), pois ele é unificado em lei federal (reajustaram os salários de seus
empregados). Os empregadores consideraram então que quem pagava R$ 240,00
deveria pagar R$ 450,00 e, então, reajustaram contratualmente os salários de seus
empregados.
Posteriormente lei estadual foi impugnada e o Supremo Tribunal Federal a declarou
inconstitucional (ou seja, é nula, não produz efeitos) Não se fez sequer modulação.
Seria nula porque o governo do estado teria delegação para legislar sobre direito do
trabalho a respeito do inciso V do art. 7º da Constituição Federal, este que trata de
pisos salariais (era preciso relacionar certo piso salarial a certo nível de
complexidade de trabalho). Não foi o que o governador fez, pois ele simplesmente
disse: “Doravante, paga-se, no mínimo R$450,00”. Contudo, não se pode mexer no
salário mínimo. Ele é fixado em lei e é nacionalmente unificado.
Não obstante a declaração de inconstitucionalidade dessa lei estadual, os tribunais
trabalhistas aplicaram a condição mais benéfica e mantiveram essas condições, até
mesmo porque, até o julgamento do Supremo Tribunal Federal, bons meses se
passaram com pagamentos de salários reajustados. Então, o novo salário
prevaleceu não pelo suporte normativo da lei estadual, mas pela alteração
contratual pura e simples.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 42
Depois de declarada inconstitucional, Garotinho passou a propor outras leis
estaduais identificando as categorias profissionais (isso é feito até hoje, vide
exemplo das empregadas domésticas, que possuem uma lei estadual que
especificam seu piso salarial). Provavelmente muito empregados foram sacrificados
para que as empresas mantivessem seus pisos econômicos.
Aula 05 – Direito do Trabalho I dia 18/04/2013
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 43
Sobre o processo de consolidação de jurisprudência no TST, que é o órgão de cúpula do ramo
especializado do Judiciário trabalhista, que é um ramo da justiça federal. Ele é composto pelo
pleno, que no caso, em virtude do art. 93, XI da CRFB/88, como esse tribunal é composto por
mais de 25 ministros, há um órgão executivo chamado órgão especial – que existe em todo
tribunal que tenha mais de 25 membros na sua totalidade. O TST, no caso, é composto por 27
ministros. Esse órgão executa as tarefas do plenário. Ao invés de reunir todos os 27 ministros
na sessão plenária, basta que os membros do órgão especial, que são em torno de 15, realizem
essas tarefas todas incumbidas ao pleno.
O TST também é composto pela Sessão Especializada de Dissídios Individuais e pela Sessão
Especializada de Dissídios Coletivos (SDI e SDC). Além disso, existem as turmas que julgam o
recurso próprio para o TST, o chamado recurso de revista (RR).
No processo de sedimentação dos entendimentos do TST – o processo em que a jurisprudência
vai se cristalizando pela reiteração e, com isso, formando um posicionamento a respeito de
uma determinada matéria, é possível que nesse processo, os julgamentos realizados nas
turmas, por determinação de alguns recursos, caiam para as Sessões de Dissídios Individuais
ou Coletivas, dependendo da matéria que verse o recurso. NO Caso, nas SDC não vão os
recursos de revista, mas apenas os dissídios coletivos, que são um tipo ação própria, proposta
pelos sindicatos, que são as partes dessa ação.
As matérias de direito coletivo do trabalho são julgadas por essa sessão. Há turmas
especializadas que pertencem a essa sessão de dissídios coletivos e outros remédios/recursos
próprios do direito coletivo. Com o tempo, no âmbito das SDC, com a reiteração dos
posicionamentos, dos julgados etc., a sessão se reúne e delibera para formar os precedentes
normativos, organizando e facilitando racionalmente o julgamento dos seus recursos.
É uma fase do processo de construção do posicionamento do TST. No âmbito da SDI o
resultado dessa proclamação de posicionamentos é chamado de OJ (Orientação
Jurisprudencial). Essas sessões, para efeito de formação de OJs, se subdividem em nº1 -sessões
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 44
para direito material e nº2 - sessões para direito processual. Então, quando vão editar a OJ, se
é matéria de direito processual, é a subseção nº 2 que realiza o enunciado dessas orientações,
é um procedimento administrativo que o tribunal tem, é uma resolução administrativa da
sessão.
O que acontece muito frequentemente, é que a permanência das OJs e precedentes
normativos, por um tempo mais prolongado, quando o pleno ou órgão especial do TST se
reúne, muitas vezes nessa tarefa de organização de entendimento, converte-os em súmulas.
Elas sempre marcam uma posição do tribunal, a mais consolidada, mas não necessariamente
definitiva. O TST frequentemente se reúne para cancelar ou remodela-las. A súmula é então
essa afirmação do processo reiterado do TST, tribunal de cúpula. Em termos práticos, o
posicionamento adotado pelas súmulas vai indicar que, se houver recursos e mais recursos em
um processo trabalhista, vai acabar no TST e o posicionamento deste é previsível através das
súmulas. Mesmo que um juiz de primeiro grau ou um tribunal regional do trabalho se
posicione em sentido oposto ao da súmula – e podem fazer isso –, se houver um recurso
cabível ao TST, lá na cúpula dá para saber qual será o resultado se a matéria for sumulada.
Quando se falou em princípio da inalterabilidade contratual lesiva – princípio da prevalência da
condição mais benéfica –, falou-se do art. 468 da CLT que rege as alterações contratuais –
todas as alterações que representem um prejuízo direto ou indireto para o trabalhador são
consideradas nulas, não produzem efeito jurídico algum e todas as que representem um
benefício para o trabalhador se transforma em direito para ele, sendo incorporadas pelo
patrimônio jurídico do mesmo, transformando-se em direito adquirido.
Na esteira do art. 468 da CLT, há algumas súmulas interessantes. A súmula 51, I do TST merece
destaque:
TST Enunciado nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973 - Incorporada a Orientação Jurisprudencial
nº 163 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Cláusula Regulamentar - Vantagem Anterior
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente,
só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
A súmula trata do regulamento interno da empresa. Elas, em geral, se organizam através de
um poder normativo do empregador, um poder que ele tem para criar regras, o poder
regulamentar. É um poder só que o empregador possui, mas ele se decompõe em várias
funções e uma delas é a capacidade que ele tem no âmbito de sua empresa de criar normas e
formaliza-las. Pode-se fazer isso de várias maneiras, como, por exemplo, ofícios, circulares,
ordens do dia etc. A maneira mais genérica é o ‘regulamento interno da empresa’, que
normalmente trata sobre direitos e deveres do empregado e, ao fazer isso, mostra a face
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 45
jurídica, criadora de direitos. O regulamento da empresa tem uma natureza técnico-jurídica,
tem normas de ordem técnica.
A Súmula 51 do TST trata justamente da alteração do regulamento da empresa. O regulamento
original previa uma série de vantagens para o trabalhador da empresa, veio uma reforma no
regulamento revogando ou alterando as vantagens. Se a empresa quiser muda-lo e, nessa
mudança, retirar ou alterar uma vantagem dos empregados, essa alteração não vale para os
empregados que estão na empresa, valendo apenas para os que forem admitidos depois da
alteração. É um exemplo que materializa o princípio da condição mais benéfica, como o art.
468 da CLT.
2° Princípio: Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas.
Sobre a diferença entre normas de ordem pública e normas de ordem privada. As primeiras
são aquelas que atendem o interesse da sociedade, da comunidade, o interesse público.
Normas de ordem privada são aquelas que atendem ao interesse do indivíduo, ou de dois
quando postos em relação. As primeiras, por atenderem os interesses da sociedade são
indisponíveis, são retiradas da disponibilidade de seu indivíduo titular; ainda que direcionadas
para o indivíduo, representam um valor social, um interesse de toda a sociedade e, embora
esse indivíduo possa ser o titular de uma ordem pública, ele não dispõe dessa norma, não
pode transacionar o conteúdo dessa norma, nem negar seu conteúdo. Ela se impõe para além
de sua vontade, gostando ou não da mesma. O trabalhador não pode abdicar do direito que a
norma de ordem pública lhe confere. Isso é estranho porque vivemos em uma sociedade que
super dimensiona a figura do indivíduo e é a tradição civilista, da centralidade do indivíduo e
sua autonomia de vontade. As normas de ordem privada, essas sim, dão a liberdade para o
indivíduo fazer o que quiser com o direito – renunciar, se abster de gozar do direito etc.
As normas relacionadas ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, são, muitas
vezes, de ordem pública. Nem todas as normas trabalhistas são de ordem pública, mas o
princípio anuncia que haverá um grupo de normas que serão de ordem pública, que estarão
para além da disponibilidade do titular da norma.
A dignidade da pessoa humana, por exemplo, é indisponível, pois é um constituto elementar
da própria sociedade. Se há agregação social há regras fundamentais, essa é se não a mais
importante, uma das mais importantes: respeitar a dignidade da pessoa humana. Isso é um
exemplo de norma de ordem pública ou de direito indisponível presente na CRFB/88, logo no
primeiro artigo.
No direito do trabalho, muitos direitos são indisponíveis. Um indivíduo deseja trabalhar em
uma empresa. É admitido como office boy, depois é promovido a auxiliar administrativo e, em
seguida, para administrador júnior. Esse indivíduo gosta muito da empresa, assim como seus
colegas de trabalho. Um dia, ele recebe a comunicação de férias e, daqui a 30 dias esse
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 46
funcionário ficará afastado da empresa para gozar de suas férias, recebendo seu salário
mensal acrescido de um terço (remuneração e férias). O indivíduo não quer tirar férias.
O indivíduo não quer tirar férias. A empresa não o coagiu a não tirar férias, é a livre
manifestação de vontade do trabalhador. Ele é maior e sua manifestação de vontade tem
efeitos jurídicos. No entanto, ele não pode abrir mão do direito de férias, pois é um direito que
serve para preservar a saúde do trabalhador. O trabalhador se afasta do cotidiano do trabalho
por um mês para recompor suas próprias energias para descansar por um período prolongado
de tempo, preservando sua saúde. Ele não pode renunciar ao seu direito de férias, ainda que
seja sua vontade verdadeira.
Em termos jurídicos, se o empregado insistir em vir trabalhar no tempo de suas férias, o
empregador teria de punir o empregado, advertindo-o, punindo-o ou até demitindo-o. O
afastamento do trabalhador deve ser preservado no período de férias do trabalhador. O
contrato está interrompido nesse período, o empregador não pode dar ordem ao seu
empregado.
Os direitos de ordem pública vão se colocar a par daquilo que ainda hoje se aprende como
sendo algo generalizado como sendo a história do código civil. Em termos simbólicos a
histórica do código civil é a história do indivíduo. O indivíduo nasce e adquire personalidade,
depois de um tempo, adquire capacidade. Adquirida a capacidade, essa espécie de liberdade
individual será respeitada e essa autonomia individual canalizará sua vontade. Tal vontade
ajustada com outras vontades cria relações jurídicas com outros indivíduos, que ajustam suas
vontades, isto que, por definição é contrato, enredando-se então em uma teia de obrigações,
que se materializam em contratos. Dos contratos existem alguns que são mais importantes,
com maior durabilidade/definitividade, demonstrando mais explicitamente a condição
financeira/patrimonial. Os direitos que versam sobre a propriedade e posse vão para um livro
diferentes, o de direitos reais. São direitos, entretanto, que são adquiridos através de relações
jurídicas contratuais, encetadas em uma relação de obrigação. O código civil narra a vida do
indivíduo que possui propriedade, de quem é capaz de se relacionar juridicamente em relações
de obrigações e em contratos e, dentre eles, aqueles capazes de adquirir algum tipo de
propriedade imobiliária. Esse indivíduo que já passou por tudo isso um dia irá formar um
patrimônio e fragmentá-lo, pois adquirirá uma família. Por isso é tão importante para o
homem saber a sua descendência, para não dividir seu patrimônio com os filhos de outrem – e
pai era um conceito que trabalhava com presunção jurídica, era quem figurava no registro da
criança. Um dia ele irá morrer e há então o livro de sucessões para definir o que será feito do
patrimônio com a morte do de cujus.
Isso é o código civil.
No entanto, perpassa por todo o código civil a vontade desse indivíduo. A pretensão dos
código civis, a partir do código napoleônico, era regular todo o cotidiano d avida do cidadão
burguês, o chamado sujeito de direito abstrato, pois, concretamente, muitos indivíduos não
figuravam nessas relações jurídicas por motivos óbvios, pois não tinham a pré-condição
material para poderem se enredar nessas transações. No Brasil existem fenômenos
interessantes, sobre tudo em direitos reais nas comunidades, que é um complexo de regras
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 47
paralelas ao direito estatal que funcionam como verdadeiras regras jurídicas, que se
obedecem, que organizam racionalmente a transação dos imóveis, como o direito de laje, uma
série de sublocações e outros contratos de compra e venda e etc. que não estão registrados no
RGI e não passam pelo trâmite formal do Estado – há também o direito penal, que é muito
pior.
Isso mostra que não temos um direito que pensa no indivíduo concreto, pois temos um direito
ainda com a ótica do Estado Liberal, que tinha a pretensão de regular a vida burguesa. Essa
autonomia de vontades, como é o eixo de todos os livro do código civil e é o eixo de todo o
direito privado, é tratado, em termos de direito privado, como algo identificado com uma
certa santidade. A autonomia de vontade individual deve ser respeitada como se lei fosse –
pacta sunt servanda –, se eu sou um indivíduo capaz e manifesto minha vontade e o outro com
quem eu me relaciono também é um indivíduo capaz e manifesta sua vontade e, se nossas
vontades convergem – não são a mesma vontade, a primeira é de comprar, a segunda é de
vender – pactua-se um contrato e, quando isso é feito, os termos desse pacto vincula os
participantes dessa relação com força de lei. Como se fosse lei. O pacto faz servos, transforma
os pactuantes em servos de seu próprio pacto.
A autonomia de vontades é tratada pelo direito privado como algo quase intocável.
Obviamente esse direito privado, constituído no século XIX, avançou, assim como houve a
invasão de várias normas de ordem pública e há o direito do consumidor, que é totalmente
protetivo para uma das partes contratantes, passando sobre a vontade dos pactuantes,
impondo normas de ordem pública no seio do direito civil. Mas o primeiro, historicamente,
que desafiou esse sentido privatista do direito civil foi o direito do trabalho, apresentando uma
lógica diferente, onde a autonomia de vontades tem um valor relativo, possui menos força,
pois normas de proteção ao trabalhador, não sujeitas à autonomia de vontade, foram
estipuladas.
Não é possível, por exemplo, pactuar um salário abaixo do mínimo, ainda que seja a vontade
de ambas as partes. As normas de ordem pública do direito do trabalho criam um piso duro
onde a autonomia de vontade não vale coisa alguma. A autonomia de vontade só valeria para
além desse piso protetivo de ordem pública. Se a lei estabelece um adicional mínimo de 50%
para horas extras, é possível estabelecer um adicional de 60%, mas não é possível estabelecer
menos que 50%.
Essa indisponibilidade de direitos traz um problema teórico. Quais são as normas de direito do
trabalho que efetivamente são de ordem pública e quais são as de ordem privada? Quais são
as disponíveis e quais são as indisponíveis?
Não há consenso sobre isso. O conjunto varia de acordo com a ideologia, posição de cada
doutrinador etc. Alguns reduzem ao mínimo as normas de ordem pública e dirão que, em
termos práticos, só normas de saúde e segurança do trabalhador efetivamente guardam essa
natureza de ordem pública. A outra ponta tenta fundamentar melhor a abrangência trazida
pelas normas de ordem pública. O autor Godinho Delgado traz os conceitos de
indisponibilidade absoluta e indisponibilidade relativa.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 48
Em termos bastante sintéticos, as primeiras são aquelas que refletem os direitos fundamentais
já explicitados na Constituição Federal, sendo então, no plano individual, indisponíveis, pois
foram alçados à categoria de fundamentais, assim como o registro, saúde e segurança do
empregado. As segundas são compostas por aquelas normas ou disposições contratuais onde
não se percebe evidentemente um prejuízo ao empregado. Como exemplo, um pregado que
trabalhe das nove às seis horas que passe, após uma mudança contratual, a trabalhar das nove
e meia às seis e meia. Essa transação não oferece nenhum prejuízo nem muda o salário ou
carga total do trabalho, tampouco piora suas condições de saúde. É um elemento passível de
transação. Quando não afeta aquele patamar mínimo – art. 444 da CLT –, não é indisponível.
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes
interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos
contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
A vontade é livre desde que não se oponha às normas de proteção do trabalhador, às normas
criadas pelos instrumentos de negociação coletiva, o acordo coletivo de trabalho e a
convenção coletiva de trabalho.
O direito coletivo do trabalho é figurado pelos personagens coletivos, os sindicatos
(organizações sindicais). Ao invés de pessoas físicas ou jurídicas se relacionando, no âmbito do
direito coletivo, existem os sindicatos. Há os sindicatos de trabalhadores e os de
empregadores. Os primeiros são chamados sindicatos profissionais, categoria profissional, os
segundos de sindicatos patronais ou de categoria econômica.
A dinâmica do direito coletivo do trabalho é o estabelecimento de um processo de negociação
periódica das condições de trabalho dos representados pelo sindicato. Os sindicatos
representam suas respectivas categorias e há um processo permanente e periódico de
negociação para estabelecer as condições de trabalho da categoria. Anualmente se instala um
processo de negociação entre certas categorias, em outras é bianual, mas há sempre essa
negociação periódica. Algumas encontram um consenso, uma convergência, um denominador
comum, os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos de empregadores. Quando se chega a
esse ponto estabelecem-se dois possíveis tipos de contrato.
Se o contrato é feito entre o sindicato de trabalhadores e uma única empresa, onde houve um
acordo, que vale para todos os trabalhadores daquela empresa ou um grupo de empresas que
negocia diretamente com o sindicato dos trabalhadores e não através do sindicato dos
empregadores, negociando então diretamente – empresa pode negociar diretamente, pois é
sujeito de direito individual e, ao mesmo tempo, sujeito de direito coletivo. Quando ela firma
esse acordo com o sindicato de trabalhadores, faz-se o acordo coletivo de trabalho.
O acordo coletivo de trabalho é então formado por sindicato de trabalhadores e empresa ou
grupo de empresas. Sua validade é para todos os trabalhadores daquelas empresas que
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 49
assinaram o contrato. Fisicamente, é como qualquer contrato, com suas cláusulas que
estabelecem as condições negociadas, direitos e deveres.
Há também a convenção coletiva de trabalho, que é mais abrangente, pois os seus sujeitos são
os sindicatos de trabalhadores, de um lado e os sindicatos de empresas, do outro. Representa
toda a categoria profissional e econômica. Todas as empresas daquele setor e todos os
empregados, cada um deles, ficam obrigados àquelas disposições, assim como ao regime
jurídico estabelecido pela convenção.
O direito do trabalho considera o acordo coletivo de trabalho e a convenção coletiva de
trabalho como fontes de direito, fontes autônomas, pois os próprios sujeitos da relação
jurídico-social que fizeram aquelas normas e não o Estado. Mas é norma jurídica. Se o acordo
coletivo de trabalho diz uma coisa e a convenção coletiva de trabalho diz outra, o que
prevalecerá será o mais benéfico ao trabalhador – princípio da norma mais favorável.
A princípio, tanto o acordo coletivo quanto a convenção coletiva devem respeitar o patamar
mínimo de proteção legal. No entanto, uma das possibilidades de relativizar a
indisponibilidade de direitos é justamente através deles. Isso porque, se quando o trabalhador
é considerado individualmente, na maior parte das vezes, a relação é nitidamente
desequilibrada, pois tal trabalhador se vulnerabiliza ao depender daquela relação de emprego
e, em geral, adere ás condições contratuais estabelecidas unilateralmente pelo empregador, o
que a doutrina abstratamente diz, é que, em âmbito coletivo, o desequilíbrio diminui ou até
mesmo desaparece. Isso se daria pelo fato de o trabalhador, em coletividade, teria
mecanismos de pressionar o empregador que, isoladamente, não teria. O maior exemplo seria
a paralização da atividade produtiva do empregador através da greve, evidenciando assim a
dependência do empregador para com a sua mão de obra. Em tese, isso daria um equilíbrio
um pouco maior na negociação coletiva se comparada aos contratos individuais. É isso que diz
o princípio da irrenunciabilidade.
O Ministério Público tem legitimidade para entrar com uma ação anulatória de norma coletiva,
ou um trabalhador denuncia ou o próprio MP descobre através de seu trabalho de
investigação. Normalmente, a chapa rival denuncia.
A transação, no instrumento negocial coletivo, serve para promover as adaptações e
adequações para os setores diferenciados que não podem se submeter às normas gerais.
Como exemplo, o limite máximo de duração de trabalho em um dia é de oito horas. No
entanto, no caso de alguém que trabalhe embarcado, em uma plataforma de petróleo, oito
horas por dia são gastas somente com deslocamento para se chegar ao trabalho. A norma
convencional é incompatível com esse setor; por isso, o sindicato estabelece uma jornada
diferenciada, como trabalhar um mês e folgar o outro. A adequação negocial é um elemento
componente do direito coletivo e, muitas vezes, isso é feito por transação.
A CLT não tem um dispositivo que diz o que é norma de ordem pública ou privada e isso faz
com que, na prática, o princípio da irrenunciabilidade seja difícil de visualizar de forma clara.
No processo do trabalho, existe um mecanismo, uma característica da jurisdição trabalhista,
um traço conciliatório, legado de uma visão corporativista pertencente ao grupo político de
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 50
Getúlio Vargas. Essas teorias corporativistas não foram inventadas por ele, pois já existiam no
exterior e elas compreendem as sociedades como um grande organismo composto por órgãos
onde um deles seria a classe trabalhadora e o outro a classe empresarial. Eles deveriam agir
em harmonia em prol do desenvolvimento, do progresso.
Essa visão corporativista ficou introjetada como característica da jurisdição trabalhista. No
processo do trabalho pode-se fazer acordo judicial em qualquer fase. No processo do trabalho,
desde o ajuizamento da petição inicial até a execução definitiva, a expropriação do patrimônio
do devedor, há a possibilidade de fazer acordo. Pode ter havido penhora de bens, constrição
patrimonial, não importa, em qualquer fase é possível o acordo, por conta dessa característica
conciliatória. Mais que isso, na audiência trabalhista – o processo do trabalho é concentrado
na audiência, é a etapa mais importante; isso se dá em homenagem à oralidade –, o juiz do
trabalho é obrigado, sob pena de nulidade do processo, em dois momentos, a perguntar se há
possibilidade de acordo. Isso está na lei processual trabalhista. É obrigado a perguntar as
partes se há possibilidade de acordo; do contrário, o processo pode ser todo anulado. Isso se
dá no momento em que as partes chegam à mesa de audiência, antes da instrução probatória
ou recebimento da defesa, ou antes, mesmo de começar a própria audiência – antes de se
ouvir qualquer coisa. Não sendo, no final da instrução, o juiz deve renovar, obrigatoriamente, a
pergunta.
É uma conciliação levada a sério e o juiz, o tanto quanto possível, tem que propiciar esse
acordo e favorecê-lo. Muitas vezes o próprio juiz faz proposta de acordo. Ninguém é obrigado
a fazê-lo, pois o acordo é vontade das partes, mas ele está sempre presente, acompanhando o
processo do trabalho. De fato, grande parte os processos trabalhista se resolve em acordo
judicial, em uma composição judicial. Nele, embora provavelmente tutelado por um advogado
– não há necessidade de advogado, mas normalmente as partes estão orientadas por eles, ou
mesmo pelo juiz, pois o ato que referende esse acordo é uma sentença. É um ato do judiciário,
uma sentença homologatória do acordo. Embora todos esses personagens estejam orientados
para preservação da ordem jurídica, ainda assim, no acordo judicial, muitas vezes se violam
direitos, se transacionam direitos, sobretudo da primeira proposta. O juiz nem olhou a petição
inicial ou a defesa e o valor do acordo sacrifica direito que foram violados. Como exemplo, ao
liquidar os direitos do trabalhador obtém-se o valor de mil reais e na primeira proposta a
oferta é feita por cem ou duzentos reais (10 ou 20%).
Isso ocorre com frequência, pois o empregado, normalmente, está desesperado e
desempregado. Os trabalhadores sabem que o processo demora e há o risco de sequer
receber algo, pois os sócios já desapareceram e o patrimônio acabou. Assim, o processo torna-
se inexequível.
Na realidade judicial o acordo muitas vezes contraria esse princípio da irrenunciabilidade das
normas trabalhistas. Muitas vezes, o que o direito do trabalho concede com uma mão, o
processo trabalhista retira com outra. Todo o caráter protetivo do direito material é, em
termos práticos, diluído pelo direito processual. O mal empregador, que age de má-fé, leva
esse fator em consideração na administração de seu pessoal e mantém o inadimplemento de
direitos trabalhistas de forma sistêmica porque sabem que somente uma parcela de
trabalhadores irá reclamar e, dessa parcela, uma parte fará acordo, sendo que este é melhor
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 51
do que o REFIS, que é uma facilidade dada pelo direito tributário a uma pessoa inadimplente
de impostos pague o imposto (cobra só a metade), pois o empregador paga somente 10, 20 ou
30% do que é devido e permanece inadimplente em um grande percentual. Isso tira grande
parte da eficiência do direito do trabalho, é um problema que se começa a perceber. O
trabalhador não tem tanta proteção assim e tem muita gente se beneficiando com esses
direitos, que em termos práticos e reais e também macroeconômicos beneficia a alguns.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 52
Aula 06 – Direito do Trabalho I dia 25/04/2013
No estudo passado viu-se o princípio da irrenunciabilidade de direitos (abordou-se a
dificuldade teórica que esse princípio traz, ainda mais quando confrontado com a prática10). Os
princípios, às vezes, figuram bem na teoria, mas não se concretizam na vida real.
Prosseguindo com a seleção dos princípios mais importantes, passa pelo princípio da
continuidade da relação de emprego.
3° Princípio: Continuidade da Relação de Emprego.
A relação de emprego nasce para se projetar o máximo o possível através do tempo. A relação
de emprego (que é a relação jurídica base do Direito do Trabalho) nasce para se promulgar,
protrair, o máximo o possível através do tempo.
Em termos abstratos essa relação deveria durar até o momento perdesse sua capacidade de
trabalho em virtude da idade ou de qualquer fato superveniente que lhe retirasse essa
capacidade.
Então a continuidade da relação de emprego significa que estando sob a proteção do direito
do trabalho, o trabalhador permaneceria sob essa proteção até perder a capacidade de
trabalhar por idade, por exemplo, quando não conseguisse mais reunir essas condições para
continuar trabalhando. Nesse momento o trabalhador sairia da proteção do Direito do
Trabalho e passaria para a proteção do Direito Previdenciário. Em tese, seria esta a relação
social entre o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário.
Na prática isto não ocorre. A relação de emprego não tem esta durabilidade tão grande. Ao
contrário, cada vez é mais frequente a rotatividade da mão de obra. Antigamente era comum
que um contrato de trabalho durasse 10, 15 e até 20 anos.
Além disso, a forma como são produzidos os bens e serviços atualmente (isto é um fato
objetivo), prescinde dessa relação de continuidade. A cada segundo percebe-se mais que este
vínculo tem menor durabilidade, uma ligação cada vez mais frágil, mais tênue, entre o
trabalhador e empresa, de maneira que o próprio Princípio da Continuidade da Relação de
Emprego também estaria (do ponto de vista fático), relativizado ou comprometido.
Em termos jurídicos, esse princípio existe porque o empregado depende da relação de
emprego para obter dela a fonte de subsistência, a possibilidade de sobrevivência dele e da
sua família. Para o direito a relação de emprego é algo positivo, assim o direito deve
preocupar-se em manter a existência desta relação jurídica. Daí proclama-se o princípio da
10
Principalmente com o instituto da Conciliação Judicial presente no Processo do Trabalho.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 53
continuidade da relação de emprego. Essa é razão (ratio) que está por trás do princípio. Uma
das possibilidades da concretização deste princípio são as espécies de contratos de trabalho.
a. Espécies de Contratos de Trabalho
Feita a crítica da realidade fática em face da jurídica, em termos jurídicos, este
princípio aparece através de uma série de institutos, o principal deles é o dos
tipos de contratos de trabalho. Existe uma variação muito pequena de
contratos de trabalho, mas dentro das opções do direito do trabalho, a
principal classificação dos contratos é a que divide as espécies de contratos de
trabalho em duas.
i. Contratos de Tempo Indeterminado. REGRA
São aqueles que não apresentam (pelo menos prefixado) um
termo final. Segundo a teoria do contrato, termo inicial é o que
põe inicio e termo final é o que põe fim ao contrato.
No contrato por tempo indeterminado não existe essa
previsão. Entra-se na relação jurídica sem saber quando ela vai
acabar. Pactua-se a data de admissão, mas não se pactua
quando irá acabar. Assim é na maioria dos Contratos de
Trabalho.
ii. Contratos de Tempo Determinado. EXCEÇÃO
São aqueles que apresentam (pelo menos prefixado) um termo
final. São exceções das modalidades contratuais trabalhistas.
Apenas excepcionalmente o Direito do Trabalho admite
contratação por tempo determinado.
Para concretizar o princípio da continuidade da relação de emprego, tem-se a regra jurídica
que estabelece que a forma de contratação principal no direito do trabalho é através dos
contratos de tempo indeterminado. O contrato é de trato sucessivo, renove suas prestações
obrigacionais automaticamente através do tempo. São as principais obrigações do contrato de
trabalho: trabalhar (obrigação do empregado) pagar (obrigação do empregador). O contrato
não se resolve com o adimplemento destas obrigações.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 54
Isso permite que o contrato possa se prolongar o máximo de tempo o possível, garantindo-se
ali a vinculação do empregado e de sua possibilidade de subsistência.
Outra possibilidade de concretização deste princípio é através:
b. Presunção de dispensa do empregador, no caso de resilição recíproca.
Ainda que o contrato seja por tempo indeterminado, isto não significa que ele
não tenha fim. Ele pode acabar, basicamente, de duas formas:
i. Por ato de vontade de uma das partes.
É um contrato um ajuste de vontades. A vontade que reuniu os dois
contratantes pode dissolver aquela reação. O empregado não querer
mais trabalhar para o empregador, ou o empregador não querer mais
trabalhar com aquele empregado. Essa vontade é respeitada no
direito do trabalho e caracteriza a resilição unilateral11.
Sendo por tempo indeterminado, a expectativa é que ele continue,
então, a parte que toma a iniciativa de romper o contrato de trabalho
frustra a outra parte. Para minimizar os efeitos desta frustação, ele
deve avisar com antecedência (aviso prévio). A lei determina que a
parte que queira romper o contrato de tempo indeterminado avise
com antecedência de 30 dias.
Deve se ter atenção, avisar com antecedência é uma obrigação tanto
do empregador quanto do empregado.
Existe uma prática muito comum de o empregado querer ir embora,
mas não quer uma das consequências jurídicas que decorre dessa
inciativa (retenção do seu fundo de garantia). O empregado que pede
demissão não recebe o fundo de garantia, fica retido na conta
vinculada ao seu nome por três anos. Além disso, não recebe uma
multa rescisória que decorre da dispensa sem justa causa.
Essa prática consiste em um ‘’acordo’’ entre o empregador e o
empregado. O empregado conversando com o empregador (que já
não quer mais trabalhar com aquele empregado) pactua que: o
empregador demite o funcionário (como se o empregador tivesse tido
a iniciativa da dispensa do funcionário sem justa causa) e empregado
devolve a multa contratual que deveria ser paga pelo empregador. A
11
Resilição unilateral: Quando uma das partes (no caso trabalhista, empregado ou empregador) toma a iniciativa de romper o contrato de trabalho.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 55
vantagem para o empregado é que ele poderá levantar seu fundo de
garantia.
Em termos jurídicos, o problema dessa prática é que teria havido uma
convergência de empregado e empregador no sentido de fim do
contrato. Tanto o empregado e o empregador concordam que aquele
contrato não é mais interessante. O nome deste acordo,
juridicamente, é distrato ou resilição bilateral12.
Essa resilição seria tranquila em qualquer outro ramo do direito, no
direito do trabalho essa resilição bilateral não é tranquila. Esta
modalidade não é admitida no direito do trabalho. Neste, admite-se
apenas a resilição unilateral13 é admitida.
O distrato ou a convergência deste interesse não é admitida porque
toda vez que o direito do trabalho lê o distrato, aplica o princípio da
continuidade da relação de emprego e presume que a vontade do
empregado está viciada. Não admite essa duplicidade, essa
coadunação de vontades. Se a vontade do empregado é a mesma do
empregador, então prevalece a do empregador. Não se presume14 que
o empregado, nestas circunstâncias aderiria a essa vontade
voluntariamente, pois ele estaria abrindo mão do próprio vínculo
empregatício que supostamente lhe garante a sobrevivência. O
Princípio da Continuidade veda a resilição bilateral.
Em síntese, o direito do trabalho não admite essa resilição bilateral,
pois a coincidência de vontades de rompimento do contrato não é
aceita. Essa coincidência é sempre lida pelo Direito do Trabalho como
vontade única do empregado, pois é a vontade mais forte.
A presunção é sempre de que o empregado não abriria mão, em
conjunto com o empregador, do seu emprego. Se há esse conjunto de
vontades, provavelmente a vontade do empregado está eivada de
algum vício. Ele poderia abrir mão sozinho.
12
Termos técnicos da teoria contratual. Resilição bilateral ou distrato é a convergência de interesses no sentido da dissolução do pacto contratual. 13
Só o empregado ou empregador tomam a iniciativa de romper o contrato trabalhista. 14
A presunção é relativa, ou seja, admite-se prova em contrário.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 56
ii. A relação de Sucessão de empresas.
Os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelecem
que qualquer que seja a alteração (mudança) na estrutura jurídica da
empresa15 não afetarão os direitos adquiridos dos seus empregados,
assim como não afetarão os contratos de trabalho estabelecidos entre
essa empresa e seus empregados.
Em termos bem genéricos, isso significa que o contrato de trabalho
continua independente da estrutura jurídica da empresa. O contrato
de trabalho deve ser respeitado (e este é um corolário do Princípio da
Continuidade da Relação de Emprego) independentemente do
processo de alterações que possa haver na estrutura jurídica da
empresa.
Por exemplo, se empresa MDBL, na qual trabalha Severino ( ),
transforma-se em empresa VDC, na qual continua trabalhando
Severino, não pode haver, em virtude da transformação, nenhum tipo
de efeito no contrato de Severino. Ele preserva todos seus direitos.
Assim, se a empresa MDBL devia horas extras, a empresa VDC que
comprou a MDBL deverá pagar as horas extras devidas, pois há uma
continuidade.
Destaca-se, assim, como manifestação do Princípio da Continuidade da
Relação de Emprego o instituto da sucessão de empresas que está nos
artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho.
4° Princípio: Primazia da Realidade.
Aqui há uma diferença interessante do Direito do Trabalho em relação a todos os outros ramos
do direito.
O nível de abstração do direito do trabalho é consideravelmente menor em relação aos outros
ramos do direito. Essa diminuição no nível de abstração se dá muito em virtude do princípio da
primazia da realidade, que é muito encontrável no âmbito do Direito Processual e no âmbito
do Direito Material, encontra-se no direito trabalhista.
15
Por exemplo, se a empresa mudou seu nome, razão social, composição societária, tipo de sociedade (abriu o capital, por exemplo).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 57
Esse princípio diz que a relação de emprego16 se caracteriza mais por elementos reconhecidos
na realidade dos fatos17 do que quaisquer abstrações que a Lei possa trazer.
Assim, quando se caracterizam os contratos de forma geral, há sempre elementos abstratos
que vão definir esses contratos, criando-se uma hipótese bastante ampla. No caso do contrato
de trabalho, que se definem pela relação de emprego, esses elementos que compõe o
contrato não estão tão caracterizados conceitualmente. São mais facilmente identificáveis no
plano da realidade dos fatos.
É assim porque a relação jurídica base do direito do trabalho é encontrada na realidade. Todos
os outros institutos e direitos proclamados pelo direito do trabalho vai fazer esse movimento
de retorno à realidade. Então quando se trata de qualquer instituto trabalhista, elemento
(sucessão de empresas, contrato determinado, indeterminado, terceirização) vai levar ao
mesmo movimento de retorno à verificação dos elementos da realidade. Essa realidade supera
qualquer formalização, solenidade, que é muito comum nas outras espécies contratuais não
trabalhistas. Há sempre algum tipo de solenidade ou forma que é em geral muito valorizada
nos contratos.
Nos contratos de trabalho isto não é valorizado. O que é valorizado é o reconhecimento de
determinados elementos no âmbito da realidade fática. Assim se dá na relação jurídica de
emprego e em todos os institutos do direito do trabalho.
Assim, temos um Direito que está o tempo inteiro tentando reconstituir a realidade, para
saber se é aplicado, não é aplicado e como é aplicado. Basicamente, isto proclama o princípio
da Primazia da realidade, a necessidade de foco, de enfocar a realidade diante de cada
conflito, pedida ou questionamento a respeito dos direitos trabalhistas.
Há vários exemplos desse princípio, tal como a súmula 301 do Tribunal Superior do Trabalho.
SÚMULA 301/TST. PROFISSÃO. AUXILIAR DE LABORATÓRIO. AUSÊNCIA DE DIPLOMA.
EFEITOS. CLT, ARTS. 8º, 9º, 442 E 444. LEI 3.999/61.
O fato de o empregado não possuir diploma de profissionalização de auxiliar de laboratório
não afasta a observância das normas da Lei 3.999/61, uma vez comprovada a prestação de
serviços na atividade.» Súmula mantida pelo Pleno do TST (Res. 121, de 28/10/2003). Res. 11,
de 10/04/89 DJU de 14/04/89.
Outro exemplo: existe forma para consignar controle de frequência?
Sim. A lei determina algumas formas de se controlar a frequência dos seus empregados. No
entanto, todas essas formas sucumbem diante da realidade dos fatos, que podem ser
16
A relação jurídica base do direito do trabalho é a relação de emprego. É a relação entre o empregado e empregador. 17
Então para saber se se está diante de uma relação de emprego é preciso consultar, verificar a realidade dos fatos.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 58
provadas de outras maneiras. A empresa pode apresentar, por exemplo, três volumes, cada
um de 80 páginas apenas de cartão de ponto, de controle de frequência do empregado e o juiz
desconsiderar toda aquela documentação diante do depoimento pessoal do preposto da
empresa, ou diante de uma testemunha trazida pelo empregado, que mais se aproxime da
realidade que era diferente daquela consignada naquele controle de frequência.
O empregador mandava o empregado marcar o horário de saída às 18 horas, mas continuava
exigindo que ele trabalhasse, mesmo depois da jornada. Fica fácil para o empregador, em um
possível litigio posterior, apresentar o controle de frequência e negar a existência de horas
extras prestadas. Mas, ainda que o empregador tenha apresentado esse controle de
frequência, é possível que o empregado tenha produzido um documento após as 18 horas
trabalhando pela empresa, que venha a instruir o processo. Assim, esse controle de frequência
pode vir a se confrontar com o documento apresentado pelo empregado, um eventual
depoimento de uma testemunha (gerente da empresa, por exemplo).
Enfim, consegue-se aproximar-se mais da realidade não pela forma prescrita de como se
controla a frequência (cartão de ponto), mas através de outros meios de prova. Esta deve ser a
preocupação de quem milita no direito do trabalho. Tentar se cercar daquilo que mais se
aproxima da realidade. Isto é o que impõe o princípio da primazia da realidade.
A lei diz que existe uma forma para se contratar trabalhadores no Brasil: a assinatura da
Carteira de Trabalho e Previdência Social. Esta é a forma padrão para se contratar trabalhador.
A lei diz como tem que assinar, qual o prazo para devolver-se o documento, aonde se fazem
anotações. Esta é a forma prescrita em lei.
Poderia se questionar: se o empregador não assinar a carteira de trabalho, não haverá relação
de emprego? Poderá haver sim, dependendo de elementos que serão encontrados na
realidade dos fatos que caracterizam aquele trabalhador como empregado. Isto é o que
importa.
Relação Ordinária de Emprego
Elementos da Relação Jurídica de Emprego.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 59
Esses elementos que se constituem no epicentro do direito do trabalho (são elementos da
relação jurídica de emprego) são quatro, a sigla é o SHOP.
Esses elementos devem estar juntos, para se caracterizar uma relação de emprego. Esses
elementos devem circular junto com a corrente sanguínea do estudioso do Direito do
Trabalho. Assim, os elementos da relação de emprego são: subordinação, habitualidade,
onerosidade e pessoalidade.
Os elementos da relação de emprego não estão na abstração da norma, mas na realidade, em
atendimento ao princípio da Primazia da Realidade (Página 47). Os Elementos da Relação
Jurídica de Emprego está na realidade dos fatos e não nas abstrações que pode ser
manifestada por algum tipo de solenidade formal. Não está na forma jurídica (abstrata), e sim
na realidade dos fatos.
Assim, se os Elementos da Relação Jurídica de Emprego estão na realidade, todos os outros
institutos do Direito do Trabalho devem ser procurados e encontrados na realidade dos fatos.
Assim, voltando ao princípio da primazia da realidade (que também é determinado pela
relação de emprego) tem uma aplicação cotidiana (corriqueira). É muito comum, ao se assistir
uma audiência trabalhista, o juiz desconstituir documentos, isto é, não leva-los em
consideração em homenagem ao Princípio da Primazia da Realidade.
Por exemplo, é muito comum o empregador exigir que o empregado constitua uma Pessoa
Jurídica para prestar serviços para o empregador. Cria a Pessoa Jurídica de forma perfeita, com
Inscrição Estadual, Municipal, C.N.P.J (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), Contrato Social
inscrito na Junta Comercial. Pode o juiz desconsiderar toda essa documentação (que
evidentemente era para fraudar a legislação trabalhista), identificando que, na realidade dos
fatos, quem prestava o serviço não era uma Pessoa Jurídica, mas sim o Severino, estando
presentes todos os Elementos da Relação de Emprego (Subordinação, Habitualidade,
Onerosidade e Pessoalidade). Assim, esses documentos devem ser extraídos dos autos.18
Começar-se-á o estudo pelo fim, pelo elemento pessoalidade:
1° Elemento: Pessoalidade
Deve se ir ao artigo 3° da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
18
Sistema fraudulento da pejotização, melhor explicado mais adiante.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 60
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição
de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Assim, o artigo 3° caracteriza o empregado: ´´toda pessoa física´´. Assim, indica o artigo que na
relação de emprego existe pessoalidade em relação à figura do empregado. A figura do
empregado é sempre uma Pessoa Física.
Essa exigência de ser Pessoa Física se justifica por um motivo muito simples, se exige dessa
pessoa (na relação de emprego) o trabalho. É uma ação inerente a energia vital de uma pessoa
humana. A força de trabalho está essencialmente (fundamentalmente) a ideia (figura) de uma
pessoa física.
A força de trabalho alienada pelo trabalhador é uma energia imaterial inerente à condição
humana.
Como a lei no artigo 3° quer definir essa pessoalidade, é mais do que uma relação entre a força
de trabalho e a pessoa física do trabalhador. Entre essa inexorável vinculação que há na
produção desta energia imaterial que é à força de trabalho e o ser humano que lhe aciona.
Em termos jurídicos, a pessoalidade representa não apenas que o trabalhador é pessoa física,
mas que também este trabalho é exigido em termos contratuais de maneira personalíssima ou
infungível19. Toda relação no contrato de trabalho é infungível.
Por exemplo, a empresa pode contratar quinhentos mil trabalhadores, no entanto, cada
contrato de trabalho encerra uma obrigação infungível. Quando a empresa seleciona,
identifica e admite um trabalhador, ela quer a força de trabalho daquele trabalhador, e apenas
daquele trabalhador naquela relação contratual. Ela pode ter 499.999 outras relações
contratuais, mas naquela relação contratual, naquele contrato, interessa a empresa aquela
força de trabalho daquele empregado, e apenas daquele empregado.
A energia de trabalho que se desprende do trabalhador é demandada de maneira infungível
pelo empregador, de forma que o empregado enviar outra pessoa para trabalhar no lugar
dele. O empregado que tem essa obrigação infungível não pode se fazer substituir por ato da
própria vontade, essa é a consequência da pessoalidade.
Isso não significa que o empregado não possa ser substituído, mas não é o empregado que
substitui a si próprio. É a empresa que em determinada circunstância poderá substituí-lo, em
termos específicos determinados pela lei. Mas o empregado não pode por ato de vontade
próprio se fazer substituir, em virtude dessa condição personalíssima.
A Rede Globo de Televisão ( ) é um grupo econômico que congrega várias empresas,
trabalha na contratação de seus trabalhadores, na maior parte, com uma rede de
subcontratação, através de terceirização, através de contratos com outras empresas. Em geral,
tem-se os núcleos artísticos, estes núcleos estão ligados a outras empresas. A mesma
19
Basta lembrar-se da obrigação infungível.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 61
contratação técnica é vinculada também em contratos de terceirização, de maneira que
empregados com carteiras assinadas, há muito poucos.
Se observar uma obra de dramaturgia (uma novela), entre o elenco daquela obra, somente os
atores mais antigos tem vínculo de emprego com a Rede Globo. Todos os demais são
subcontratados através de terceirização ou de um expediente (que ficou muito comum, não
sendo um privilégio da Rede Globo) chamado pejotização20.
O sistema da PJtização.
A pejotização funciona da seguinte forma: o candidato entra no processo de seleção,
disputa uma vaga com 300 candidatos. Neste processo que dura 6 meses, o candidato
passa por uma série de entrevistas, dinâmicas de grupo, dinâmicas individuais, provas
(técnicas, psicotécnicas, psicológica, grafotécnica), isto é, escaneiam a alma do
candidato para saber quais são suas habilidades profissionais, técnicas e seu perfil
psicológico (afetividades, comportamento em um nível de relação que se tenha).
Ao final do processo, um candidato será selecionado. É óbvio que a empresa
reconheceu no candidato características personalíssimas que se coadunam com a
expectativa que ela tem para a ocupação daquele posto de trabalho. Não apenas a
experiência profissional (currículo), mas um conjunto de qualidades verificado pela
empresa e que se adaptam aquilo que é a expectativa da empresa para o atendimento
daquele cargo.
Na última entrevista, o preposto da empresa seleciona o candidato, dizendo que este
será contratado, havendo um único, porém, para que se efetue a contratação, o
candidato deverá constituir uma Pessoa Jurídica, pois a emprega não contrata pela via
celetista. Assim, juridicamente se estabelecerá um vínculo entre a Pessoa Jurídica que
o candidato criou e a Pessoa Jurídica do ‘’empregador’’.
A relação contratual fica sendo o Candidato que constituiu a Pessoa Jurídica
trabalhando todo dia, normalmente, como qualquer empregado. Cumprirá as ordens
do empregador (subordinação), desempenhará suas tarefas tendo suas
responsabilidades (próprias do seu trabalho).
Caso apareça um auditor fiscal do trabalho na empresa, não encontrará nenhum
empregado, apenas ‘’empresas que prestam serviços’’ para o empregador. O fiscal
observará que a suposta ‘’empresa que presta serviço’’ só tem um funcionário, que
por um acaso é o mesmo que está trabalhando diretamente, se ele falta não há
ninguém para substituir, se ele não comparece e não avisa é punido.
20
Neologismo, PJtização.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 62
Obviamente, este ‘’sistema de pejotização’’ é fraudulento em relação ao Direito do
Trabalho. É fraudulenta, pois objetiva afastar a pessoalidade e descaracterizar a
Relação de Emprego, afastando a aplicação da CLT.21
Não há como se negar que há uma relação de pessoalidade. Primeiro, pois aquela
relação contratual encerra-se na alienação (transferência) da força de trabalho.
Segundo, pois a obrigação é exigida pela empresa de maneira infungível. O empregado
não pode se fazer substituir como ato de própria vontade. A Pessoa Jurídica funciona
apenas como um véu.
Não é ilegal uma Pessoa Jurídica contratar outra Pessoa Jurídica. Mas, isso pode
apresentar-se como uma fraude ao elemento pessoalidade, para afastar um vínculo de
emprego existente.
Nem sempre que há a pessoalidade há vinculo de emprego. Para ter vínculo de emprego
(relação de emprego) é necessário que haja os quatro elementos juntos (SHOP –
Subordinação, Habitualidade, Onerosidade, Pessoalidade). Se faltar um elemento da relação
de emprego, não há relação de emprego. Pode haver qualquer outro tipo de relação (de
cunho civil, comercial, empresarial, administrativo), qualquer outro ramo do direito poderá
tutelar esta relação, mas não incidirá o direito do trabalho.
Existe a pessoalidade sem haver a subordinação. Por exemplo, um escritório de advocacia. A
ilegalidade está em fraudar (forjar) uma suposta relação autônoma que, na verdade, é relação
de emprego.
2° Elemento: Habitualidade
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição
de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Destaca-se aqui a expressão: ‘’... que prestar serviços de natureza não eventual a
empregador...’’.
Natureza não eventual significa não episódica. O trabalho não pode se realizar em um único
evento ou em episódios muito espaçados.
21
Este parágrafo é comentário do Rafael Ayres.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 63
A relação de emprego não o é eventual. Ela se materializa em uma prestação de serviços não
eventual, mas sim habitual, reiterada, com frequência.
A primeira dificuldade é quantificar essa frequência22. O que é habitual, em termos
quantitativos? A lei não diz, não fala, pois irá depender de determinadas condições de fato.
Pode se aferir se há ou não habitualidade através de alguns critérios.
O primeiro critério para se aferir se, na prática, há ou não habitualidade é a consideração
integral do contrato, da relação jurídica entre empregado e empregador (trabalhador e
tomador do serviço). Deve se saber desde quando um trabalha para o outro. O primeiro
critério é a análise temporal integral da relação entre trabalhador e tomador do serviço.
Por exemplo, o funcionário começou a trabalhar para este tomador do serviço à 15 anos.
Assim, o termo inicial desta relação faz 15 anos. O primeiro aspecto do primeiro critério é o
termo inicial da relação. Uma vez que se identifica o termo inicial desta relação, passa-se a
observar reiteração (frequência) deste trabalho. Essa consideração integral faz toda a
diferença.
Assim, tendo-se um trabalho que é realizado uma vez a cada 15 dias (quinzenal), para saber se
ele é episódico ou não, deve-se observar essa totalidade. Se ele trabalha há um mês e trabalha
quinzenalmente, ele trabalhou apenas duas vezes. Seria muito pouco trabalho para se
identificar uma habitualidade.
Mas, se ele trabalha de 15 em 15 dias, há 20 anos, isso significa que durante esses 20 anos o
tomador do serviço contava com ele a cada 15 dias. Sem dúvida alguma esse trabalho é
habitual.
Assim, o primeiro aspecto que irá ser levado em consideração23 é essa repetição do trabalho
no curso dessa relação jurídica tomada integralmente, isto é, na sua totalidade.
Para esta primeira teoria, então, habitual é um serviço prestado com uma frequência razoável
dentro de um lapso temporal que compreenda toda a relação jurídica integral entre o
empregado e empregador, dentro do intervalo.
Essa teoria veio a ser aprimorada, pois ainda sim era um critério pouco definido. No fim das
contas, como a lei não estabelece um critério quantitativo é a doutrina que irá tentar trazer
uma racionalidade para constituição desta habitualidade. Depois da Teoria da Repetibilidade
(ou repetição) criou-se outra teoria.
Esta teoria é a vinculação pela inserção na atividade fim da empresa. Aqui se fala em
empregador como empresa (atividade econômica). Toda atividade econômica tem uma
finalidade ou conjunto de finalidades, de maneira que os trabalhadores que se insiram nesta
finalidade econômica do empreendimento, são todos eles considerados dotados de
habitualidade, independentemente da frequência, repetição.
22
Todo dia? Uma vez por semana? Uma vez por mês? Uma vez por ano? 23
Que também é a primeira teoria, denominada Teoria da Repetição ou Repetibilidade.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 64
Por exemplo, Severino ( ) trabalha para empresa , que fabrica
(os famosos pincéis atômicos). Severino imprime as letras brancas. Com a tecnologia que a
empresa usa, isto é, a máquina que Severino opera, faz um estoque de 10.000 canetas uma
vez a cada três meses. Esse é ainda o tempo de vazão para que o estoque se esgote.
Assim a necessidade que a empresa tem do serviço do Severino ( ) é uma
vez a cada três meses. Se Severino for mais que três vezes, haverá muito estoque, eles não
conseguirão vender, o preço do produto irá baixar. Se há muita oferta o preço abaixa e isso
não é interessante para a empresa. A necessidade da empresa é que Severino vá trabalhar lá
uma vez a cada três meses.
Em uma empresa que fabrique canetas, a função do Severino de imprimir as letras do próprio
produto é atividade fim, e não atividade meio24. Está se ajudando a fazer aquilo que a empresa
vende. Para a Teoria da Inserção na atividade fim da empresa, independente da frequência
(uma vez a cada três meses), o serviço é habitual, em virtude da necessidade que a empresa
tem.
Será habitual todo serviço inserido na atividade fim, pois ele é designado a partir da
necessidade do próprio empregador.
Se Severino ( ) vai lá a cada três meses e o contrato tem apenas três meses, obviamente
não haverá habitualidade, mas sim eventual. Mas se Severino já trabalha lá há 10 anos e está
inserido na atividade fim (aqui já se coaduna dois critérios), ter-se-á a habitualidade.
Ainda sim a doutrina conseguiu superar esta teoria, chegando a uma terceira teoria. Além da
repetição e inserção nas atividades fins, existe uma terceira teoria para caracterizar a
habitualidade que é a chamada de Previsão de Repetibilidade (ou inserção nas atividades
normais da empresa). Esta terceira teoria é um pouco mais abrangente que a inserção nas
atividades fim.
Defende esta terceira teoria que será habitual todo serviço que houver previsão de repetição
dentro da empresa. Seja esse serviço inserido na atividade fim, ou na atividade meio.
Por exemplo, um curso privado de prestação de serviços educacionais. Neste curso há turmas
de manhã, tarde e noite. A atividade fim é a prestação de serviços educacionais. Estão ligados
a atividade fim o pessoal da Administração, os professores, os coordenadores. Todos os
envolvidos com a prestação dos serviços educacionais, estão ligados de alguma maneira a
atividade fim.
24
Exemplos de atividades meio: manutenção e limpeza, segurança e vigilância, secretaria, ou seja, não está inserido no objeto daquela empresa. A atividade fim da empresa é identificada através do objeto descrito no contrato social (que tipo de produtos ou serviços que a empresa produz).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 65
Mas, para que o curso se sustente adequadamente, é necessário que haja a limpeza das salas.
Conservação e Limpeza, em um curso de prestação dos serviços educacionais, não é atividade
fim, mas é obvio que o curso precisa deste serviço reiterado. Assim, se houver a contratação
de uma faxineira, servente ou auxiliar de serviços gerais. Esta pessoa, embora não esteja
vinculada a atividade fim, tem o seu serviço como sendo parte da previsão de repetição.
Para esta teoria, todo serviço que tenha uma previsão de repetição tem habitualidade, seja
atividade fim, seja atividade meio. Desta forma, o Direito do Trabalho quis deixar certa
flexibilidade para formação dos contratos.
Um bom exemplo seria um quiosque adquirido na praia de Geribá (Búzios-RJ). Irá prestar
serviços de veraneio vendendo cervejas, salgados, refeições, e etc. O empresário que tiver um
bom contador fará as contas e perceberá que não vale a pena adquirir esses produtos no
inverno. Não há movimento nessa época do ano. É prejuízo certo, não vale a pena funcionar
nesses meses.
Porém, ao se aproximar Novembro, Dezembro, o quiosque bomba. O que o empresário
compra, ele vende. Percebe-se que este negócio só vale a pena funcionar em alguns meses do
ano, por exemplo, de seis em seis meses.
Esse tipo de estabelecimento precisa de um garçom. O garçom fará parte da atividade fim. Ele
só trabalhará seis meses no ano. Este funcionário tem habitualidade? DEPENDE. Se é uma
sazonalidade em que se possa verificar ao longo de vários anos.
É assim que se vê, no caso concreto, como se dá a habitualidade: primeiro observando o
contrato inteiro (há quanto tempo ele trabalha), segundo se verificando se há a possibilidade
de repetição (repetibilidade). Se não houver essa repetibilidade, deve se observar se ele se
insere nas atividades fim e, caso não se insira nas atividades fins, se ele se insere nas
atividades normais, ou seja, aquelas que têm previsão de repetição.
OBSERVAÇÃO: Lei do empregado doméstico (Lei 5.859 de 1972).
A lei do empregado doméstico estabelece em seu artigo primeiro que empregado doméstico é
aquele que presta serviços ‘’de natureza continua’’. Portanto, definindo de forma diferente o
empregado doméstico em relação ao empregado celetista. Percebe-se que ele não fala
serviços de natureza não eventuais, mas serviços de natureza contínua, definindo de forma
diferente.
Em virtude disto surgiram dois entendimentos. O primeiro entende que continuidade e
habitualidade são sinônimas (ou não eventualidade e continuidade são sinônimas). Para esta
primeira corrente, não há diferença nenhuma. A segunda corrente defende que se foi escrita
de forma diferente, é porque queria designar coisas diferentes, portanto, continuidade deve
ser algo diferente de não eventualidade (habitualidade).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 66
Mas, a lei do empregado doméstico tampouco define quantitativamente o quanto é essa
frequência, ou essa continuidade. Para quem sustenta que se quer designar uma coisa
diferente (e no caso do empregador doméstico não se pode valer da inserção nas atividades
meio ou inserção nas atividades normais, já que o empregador doméstico não tem atividade
nenhuma, ele é uma pessoa física), sugere-se como uma construção teórica dominante, a
reiteração e a frequência do trabalho doméstico deve ser geral que a do trabalho não
doméstico. Continuidade dá uma ideia de frequência maior, essa ideia que tem sido
compartilhada pela doutrina.
Mais recentemente, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (mas não cristalizada
em súmula) tem mantido um posicionamento de que mais do que dois dias na semana
caracterizaria uma continuidade exigida pela Lei do Empregado Doméstico. Assim, até dois
dias, não haveria essa caracterização, não sendo empregado doméstico aquele trabalhador
que frequenta o ambiente de trabalho doméstico em até dois dias na semana.
Isso não é pacífico, mas passou para o entendimento comum e as pessoas acreditam que até
dois dias na semana não cria vínculo. Esse é um entendimento muito controvertido.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 67
Aula 07 – Direito do Trabalho I dia 30/04/2013
3° Elemento: Onerosidade
É um elemento contratual famoso, presente em uma série de relações contratuais. Ele marca o
caráter retributivo, sintagmático do contrato de trabalho.
O sinalágma principal de um contrato de trabalho: o trabalhador entrega para o empregador
sua energia imaterial (suor, lágrimas ou sangue , por exemplo) e, em retribuição, a
empresa oferece valores em pecúnia. O trabalhador trabalha mediante salário.
Na relação de emprego o que move o trabalhador é a possibilidade de obtenção de recursos
que servirão para garantia da subsistência de sua família. Ele trabalha em troca de dinheiro. É
possível que parte dessa remuneração25 não seja imediatamente expresso em moeda. É
possível que o empregador entregue alguma utilidade, bem da vida que serve para o
empregado, por exemplo, habitação, transporte, alimentação. Pode o empregador, como
parte da remuneração (jamais como remuneração integral, não se admite o truck system26)
pode ser através da oferta de utilidades, que antes seriam satisfeitas com a própria
remuneração. Então, ao invés do empregador paga parte da remuneração oferecendo
habitação, transporte e etc.
25
Aquilo que o empregador paga a título de salário. 26
Sistema de troca.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 68
Pode o empregador ainda conceder liberalidades, por exemplo, a empresa que paga a escola
dos filhos dos empregados27. É raro, mas acontece. Essas liberalidades não tem caráter salarial,
pois já é uma vantagem do empregado receber aquela utilidade. As atividades que são em
retribuição pelo serviço prestado terão natureza salarial.
Por exemplo, Severino ( ) estava desempregado durante um ano e meio até que foi
admitido pela empresa X,Y,Z Ltda, que prometeu pagar no ato da admissão R$ 1.000,00 reais
por mês. Severino trabalhava todos os dias (habitualidade), se submetia as ordens do
empregador (subordinação), pessoalmente (de maneira infungível). Mas, no final do mês (até
o quinto dia útil do mês subsequente28), a empresa ao invés de pagar ao Severino avisa a
Severino que não poderá lhe pagar. A situação se repete nos dois meses subsequentes.
Segundo o Princípio da Primazia da Realidade há onerosidade neste contrato. Há onerosidade,
pois há expectativa (elemento subjetivo) de se receber. Há uma intenção de o empregado
receber. Ele entrou naquela relação para receber.
A onerosidade é verificada de duas formas: mediante o aspecto objetivo e subjetivo.
Aspecto Objetivo da Onerosidade
Dá-se pelo fato do Pagamento. Por exemplo, a empresa remunerava todo mês,
quinzenalmente, todo dia, etc. Se já o fazia, já se tem a onerosidade. Este é o aspecto
objetivo da onerosidade.
Em síntese, a onerosidade revela-se pelo fato do pagamento.
Aspecto Subjetivo da Onerosidade
Ainda que não tenha havido remuneração, quer por inadimplência do empregador,
quer porque jamais realmente houve um pagamento, pode ser verificada a
onerosidade através do aspecto subjetivo.
Este, é a intenção onerosa do empregado, caracteriza também a onerosidade, ainda
que não tenha havido o fato do pagamento.
Polêmica: Há onerosidade no trabalho do sacerdote? Sacerdote é aquele que é investido em
uma função diferenciada de professar uma fé religiosa.
27
As Casas Sendas, antes de passarem para o grupo do Abílio Diniz. 28
É o prazo para o pagamento do salário.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 69
Ele está ali para difundir uma fé religiosa. Foi investido naquele cargo para que pudesse
exercer o ministério de difusão dessa fé. Assim, ele está ali pela fé ou está ali pela expectava
da contraprestação que ele irá receber?
O caráter oneroso é determinante, inclusive, do status ocupado dentro da estrutura da
entidade religiosa. Há possibilidade de progressão funcional de acordo com o nível de
arrecadação dos fiéis que o sacerdote consegue obter, e isso reflete na sua remuneração. É o
plano de carreira sacerdotal. Está vinculado, justamente, a capacidade de arrecadação. Irá se
posicionar em localidades em que a arrecadação é sempre interessante a medida e proporção
que ele revela essa capacidade, qualificação, de conseguir fazer com que os fiéis contribuam.
O tribunal reconheceu uma vez que o caráter oneroso era realmente o substancial para o
sacerdote. Mas, a onerosidade contribuiria para o crime de exploração da fé pública.
É uma questão ainda não definida, há uma controvérsia jurisprudencial acerca do sacerdote.
4 Elemento: Subordinação
Este é o elemento mais importante da relação de emprego. Há inclusive doutrinadores que
distinguem a relação de trabalho genérica para a relação de emprego especificando: relação
de emprego é a relação do trabalho subordinado. Assim, a subordinação é o elemento mais
importante na relação de emprego.
Ela se concretiza na predeterminação pelo empregador do modo de como o trabalho deve ser
realizado.
No contrato de trabalho existe liberdade das partes para inserirem-se na relação contratual.
Esta liberdade transforma-se em menos liberdade no caso do trabalhador. Isto porque
juridicamente este se submete as ordens e as predeterminações que são unilateralmente
criadas unilateralmente pelo empregador. Isto é, na grande maioria dos contratos o
empregador determina como o trabalho será realizado. Determina e impõe ao seu empregado
e este, por ser subordinado, irá se submeter a essas determinações.
Aspectos da Subordinação.
Econômica (hipossuficiente)
Subordinação Técnica (vulnerabilidade)
Fático-Jurídica
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 70
Estas subordinações decorrem da própria lei. No final do artigo 3° da Consolidação das Leis do
Trabalho extrai-se: ‘’sob a dependência deste’’. Isto é, o empregado presta o serviço sob a
dependência do empregador. Esta dependência é econômica, técnica e fático-jurídica? É
fático-jurídica.
1° Aspecto: Da Dependência Econômica (hipossuficiente).
Não é necessariamente econômica. A grande maioria dos trabalhadores trabalha porque
precisa sobreviver. Economicamente depende daquela relação jurídica para dela extrair sua
fonte de subsistência. Assim, obviamente, na maioria das relações de emprego, há uma
dependência econômica. Mas, não é estritamente econômica, pois é possível que o
empregado tenha uma relação econômica boa o suficiente para prescindir daquela relação de
subsistência e se mantenha nela.
Por exemplo, Severino ( ) queria trabalhar na ‘’Energia que Tirou da Inércia S.A. ’’.
Sempre foi seu sonho, desde criança. Ingressa novo e vai sendo promovido ao longo do tempo.
Severino se realizava existencialmente trabalhando para essa empresa. Severino só era feliz
quando estava na empresa trabalhando. Um belo dia Severino ganha na mega-sena.
Obviamente, não precisa mais dos R$ 850,00 reais de remuneração mensal. Mas, ele tem tanta
satisfação em trabalhar na indústria que continuou trabalhando. Neste caso, ele não tem
dependência econômica, mas trabalhando na indústria, manterá a subordinação fático-
jurídica, pois, naquela relação com seu empregador, quem define o que ele vai fazer é o
empregador.
2° Aspecto: Da Dependência Técnica (Vulnerabilidade Técnica).
Não necessariamente o trabalhador depende tecnicamente do empregador. Isto é, nem
sempre o empregado tem a vulnerabilidade técnica. Via de regra, o empregado precisa das
orientações técnicas de como deve proceder.
Por exemplo, Severino ( ) irá trabalhar na máquina 5. Para trabalhar na máquina 5 o
procedimento deverá ser apertar a alavanca 1, depois a alavanca 4 e 2. Ele depende destas
orientações para realizar seu trabalho. Ele depende dessas orientações técnicas na maioria dos
casos. Mas, existem outros casos em que o empregado além de não depender das ordens tem
muito mais conhecimento técnico do que o empregador.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 71
Por exemplo, James ( ) é um trabalhador altamente qualificado. Ele tem pós-
graduação no MIT. É um farmacêutico de renome. Foi contratado por uma empresa de
medicamentos para chefiar o setor de novos produtos. James foi contratado a peso de ouro. O
empresário é formado em Administração de Empresas. O empregador não é gabaritado em
química, embora tenha uma indústria farmacêutica. Obviamente, James tem maiores
conhecimentos em química do que o Empregador. Assim, não cabe ao empregador dar
instruções técnicas a James. Mas, sendo funcionário da empresa, James deverá se submeter ao
horário de entrada, saída, responsabilidades e etc.
Assim, há uma esfera de autonomia criada dentro de uma relação subordinada. Isso pode
existir. Seu trabalho não é totalmente autônomo, mas tem alguma esfera de autonomia. Isso é
verificado no âmbito fático.
A subordinação, em geral, é fático-jurídica, técnica e econômica. Mas não necessariamente
serão essas duas últimas.
Assim, a predeterminação de tarefas e responsabilidades é a subordinação. O empregador
conduz essa relação. Em síntese: ‘’o empregador manda e o empregado obedece’’. Além de
mandar, ele controla as ordens emanadas. Ele fiscaliza as ordens emanadas. Determina,
controla e fiscaliza. Se não for cumprida a ordem, ele pune o empregado.
Tudo isso caracteriza (sob o ponto de vista fático/concreto) a existência ou não de
subordinação. É importante perceber que esse controle e essa fiscalização passam por uma
reformulação cada vez maior.
3° Aspecto: A Subordinação através do Controle, Fiscalização e Supervisão
O Direito do Trabalho Brasileiro nos últimos 20 anos sofre com a reformulação do sistema
produtivo. Este começa a se adaptar a essas reformulações do sistema produtivo.
O artigo 6° da Consolidação das Leis do Trabalho foi reformado em 2011:
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o
executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam
caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 72
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se
equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando,
controle e supervisão do trabalho alheio.
Ou seja, observa-se o parágrafo único: os meios telemáticos e informatizados de comando,
controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e
diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
O parágrafo único quer dizer que a fiscalização não precisa ser pessoal, podendo ser feita, por
exemplo, através do computador, e-mail, celular, twitter ou qualquer mecanismo telemático
ou informático.
Experimenta-se, assim, um processo de reformulação dada a partir da chamada reestruturação
produtiva. Essa restruturação produtiva (Toyotismo/acumulação flexível) são métodos de
produção novos que determinam uma nova morfologia do trabalhos, isto é, novos tipos e
métodos de trabalho.
Antes, tinha-se a esteira de produção (fordismo) com cada trabalhador em seu posto de
trabalho, repetindo aquelas tarefas de baixa qualificação para um consumo em série de uma
sociedade de consumo em massa. Atualmente, existe o chamado just in time. Produz-se
baseado na demanda. Produz-se menos.
Por exemplo, o proprietário de um carro novo que tenha seu retrovisor quebrado. Se o modelo
for antigo, basta que o dono vá à Robauto. Se for novo, o proprietário deverá ir à autorizada, e
provavelmente terá que esperar pela peça de 30 a 40 dias. A produção é em baixo estoque,
sob demanda. Este é o novo método de produção.
O trabalho era individual, basta lembrar se do Carlitos no filme Tempos Modernos. Neste,
havia um fiscal informando ao Carlitos o que ele deveria fazer.
Atualmente, reúnem-se cinco trabalhadores formando-se uma equipe, porém, sem a figura do
fiscal. A equipe receberá por resultados. Quem produzir menos receberá menos. Quem
produzir mais receberá mais. Tudo, obviamente, com um mínimo de produção (meta).
Neste método dispensa-se a figura do fiscal. O próprio trabalhador assume a figura do fiscal e
irá fiscalizar o colega. Esse é o trabalho em equipe. O nome até sugere uma solidariedade, mas
na verdade está-se aumentando a fragmentação e o conflito entre os próprios trabalhadores,
acirrando a concorrência e individualidade entre cada membro da equipe.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 73
Existe outras técnicas para acirrar ainda mais a concorrência como oferecer prêmios a quem
atingir a maior meta. É a máxima do burro e da cenoura29. Com isto, todos irão se degladiar
para receber o resultado.
Essa reformulação do sistema produtivo ira absorver todo esse processo de renovação
tecnológica da chamada terceira revolução industrial. Robótica, telematica e informática são
inovações engengradas pelo capita para serem aproveitadas para que o capital se reproduza
mais. Esse processo de absorção da tecnologia dispensa mão de obra, reformulando o trabalho
daqueles aqueles que permanecerem.
Ao mudar-se o trabalho, altera-se também o controle e fiscalização. Não existe mais a
separação entre tempo no trabalho e tempo fora do trabalho.
O modelo Toyotista é o modelo que captura a subjetividade do trabalhador. Marx afirmava
que o capitalismo era transformar tudo em mercadoria. Alguns entenderam que deveria se
transformar inclusive o trabalhador. Sim, o trabalhador é mercadoria. É uma mercadoria
mágica, afinal gera mais valor do que se paga por ela. Até porque, se o empregador
(empresário) pagasse mais do que a mão de obra vale, ele não teria lucro.
Mas, ele era mercadoria dentro do horário de trabalho. Agora ele é uma mercadoria muito
mais especializada, pois é uma mercadoria dentro e fora do horário de trabalho. O
empregador busca essa fidelização do empregado.
Por exemplo, o divulga a seus funcionarios a ideologia de que o funcionário é
mais fiél a empresa se ele não cobra as horas extras. Essa é a marca da fidelidade.
O processo de fidelização pode ir além. Por exemplo, o trabalho em relação aos conceitos. O
funcionário passa a ser chamado de colaborador ou associado. Qualquer escritório de direito
possui a figura do associado. Faz-se um cálculo mirabolante, para que no final ele ganhe
0,000000001% do Capital Social. Essa é a verdadeira captura da subjetividade. Esse
‘’associado’’, em razão do título, terá que virar a noite trabalhando no escritório.
Assim, o artigo 6 altera a noção de subordinação. Não precisa mais haver a figura da
fiscalização direta. A subordinação se dá pelos mecanismos objetivo de controle daquele
trabalho. São objetivos através da adesão do trabalhador a finalidade da empresa, e através
dos meios que a tecnologia permitiu. Por exemplo, é possível que o funcionário tenha que
mandar um relatório por email, sendo que ele nunca viu para quem ele está mandando.
Atualmente, perdeu-se a figura do fiscal de chão de fábrica. Há um controle objetivo. A
subordinação é estrutural.
29
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 74
O Curso de Direito do Trabalho do professor Maurício Godinho Delgado trás um capitulo sobre
a Subordinação Estrutural ou Reticular. São formas de subordinação objetivas, trazidas pelos
novos métodos de produção. Não é mais objetiva, aquele controle pessoal, físico, a fiscalização
direta. É possível a congregação com outras formas de controle, supervisão e fiscalização.
4° Aspecto: A Gradatividade da Subordinação
A subordinação não é disjuntiva30. A subordinação funciona de maneira gradativa. Alguns
funcionários tem mais subordinação, outros menos. Quem mais tem subordinação é aquele
que mais depende do empregador.
5° Aspecto: A Parasubordinação
O que tem menos subordinação é o autônomo. Neste não há relação de emprego. O
trabalhador autônomo é o prestador de serviços, o representante comercial, é o contrato de
agência e distribuição, o comissionado, o empreiteiro (esses três últimos regulados pelo
Código Civil).
Entre a subordinação e a autonomia existe ainda uma zona cinzenta. Por exemplo, um alto
diretor da empresa com muita autonomia (financeira, gerencial e vários subordinados). Um
profissional liberal gabaritado pela empresa. Esses trabalhadores tem pessoalidade,
habitualidade, mas a subordinação fica em uma zona cinzenta, será necessário olhar detalhes
da relação. Detalhes, por exemplo, como se dava o controle e a fiscalização (se era só uma
prestação de contas gerais ou algo mais cotidiano). Terá que se de perto.
Alguns doutrinadores defendem que para esta zona cinzenta deve se criar uma nova
modalidade contratual. O trabalhador que não é nem subordinado nem autônomo deveria ser
caracterizado como o parasubordinado. Essa figura não existe no Brasil, apenas no direito
comparado. Alguns países tem essa figura intermediária.
O Direito Italiano, por exemplo, afirma que o parasubordinado é aquele que não tem
hipossuficiência econômica (pois recebe muito bem), tem grande grau de autonomia, mas
trabalha vinculado a algum empregador. Os italianos exemplificam com grandes diretores de
obras cinematográficas. No Brasil seria o Gugu. O Gugu tem autonomia para criar no
programa, para contratar pessoas e certa autonomia financeira. Mas, ainda que não tenha a
hipossuficiência econômica e autonomia, ele trabalha para a emissora.
Mas, esse tipo de funcionário, para o Direito Italiano, não é um funcionário que precise de
toda a proteção. Ele tem outros direitos, mas não os mesmo direito de um operário, por
exemplo.
30
Não é oito ou oitenta, isto é, ou tem ou não tem subordinação.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 75
6° Aspecto: Ajenidad
Poderia se traduzir por alheabilidade, isto é, aquilo que é alienável, aquilo que é levado para
outro. Grande parte da doutrina traduz por alteridade. Aquilo que sai do trabalhador e vai para
outro. Outro é alter, por isso alteridade.
Alguns autores afirmam ser um requisito separado da relação de emprego. Ao invés dos
quatro (SHOP), seriam cinco. Mas o melhor entendimento (Ivan Garcia) entende que envolve o
conceito de subordinação. Assim, deve se embutir na subordinação.
Por exemplo, o trabalhador entrega sua força de trabalho para o empregador. Principalmente
quando este trabalhador é uma empresa há a transformação desta energia imaterial que é a
força de trabalho (braçal ou intelectual, não importa), dentro da empresa31, aderindo-se vários
fatores de produção a força de trabalho do trabalhador, virando capital (dinheiro). Assim,
quando reunida (congregada) com os demais fatores de produção, a força de trabalho se
transforma em dinheiro.
A ajenidade diz que a força de trabalho do trabalhador é alienada em favor do empregador. Ela
sai do corpo do empregado e vai para o empreendimento econômico produtivo, afim de ser
transformada em dinheiro. Se o empregador recebeu do empregado a força de trabalho
alienada, o empregador, ao valorizar seu empreendimento econômico com trabalho alheio, irá
se responsabilizar pela sorte do empreendimento, pela sorte do seu negócio, pela sorte do
resultado desta unidade econômico produtivo.
No capitalismo a livre iniciativa é um direito fundamental. Mas, é um direito fundamental de
quem tem capital. Quem não tem capital, e ai pode ser até emprestado do banco, não tem
como congregar fatores de produção, não tem como adquirir meios de produção para neles
agregarem fatores de produção. Quem consegue a propriedade desses meios de produção e
consegue produzir, tomando a iniciativa econômica, submete-se a um ambiente de
concorrência interempresarial (capitalista).
O capitalismo é bom, mas não é para qualquer um. Se o capitalista não tiver condições de
superar a concorrência, esta te liquida. Seu empreendimento econômico não irá perdurar.
Quase 99% da força de trabalho brasileira são absorvidas por pequenas e micro empresas.
Essas empresas tem a duração média de dois anos. Elas não conseguem permanecerem ativas
no mercado concorrencial por mais de dois anos.
A ajenidad determina que uma vez que o empregador paga pela força de trabalho e a
incorpora no empreendimento, a sorte do empreendimento é do empregador. Se ele auferir
largos lucros, este será do empregador. Ele não é obrigado a abrir mão de seu lucro (ganho de
produtividade). No Estado de Bem Estar Europeu o empresário é obrigado a partilhar parte dos
seus ganhos de produtividade com os empregados. Porém, se o empreendedor amargar um
grande prejuízo, este será apenas do empregador, não podendo ser transferido para o
31
A empresa é congregação da unidade econômico-produtiva. Unidade de diversos fatores de produção.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 76
empregado. Em síntese o empregador assume o risco da atividade econômica. O empregador
não pode transferir o risco do seu negócio para o empregado.
Por exemplo, Severino ( ) era frentista. Quando
chega o carro do poderoso Thor. Poderoso Thor manda
completar o tanque com gasolina ULTRAPOWER, mas
pagou em cheque. Mas, como o cheque era do Thor, o
frentista imaginou que não haveria problema. Severino
nem faz a consulta no cadastro de inadimplentes.
Quando o empregador foi depositar o cheque, este foi
devolvido por insuficiência de fundos (ainda não havia
recebido a mesada). O frentista não poderá sofrer
nenhum desconto em virtude da inadimplência do Thor.
Como Severino não realizou a consulta no cadastro, ele
pode ser punido, mas não com desconto. O risco do
negócio é do empregador, não pode ser transferido ao empregado. O empregado cometeu
uma falta contratual, podendo ser punido com uma das três formas que a legislação aceita:
advertência, suspensão ou demissão com justa causa, mas não pode ser punido com
desconto32.
Não pode ser punido com desconto, pois o risco é do empregador. Se o empregador aceita
essa modalidade de pagamento, o risco é apenas dele. Quem aceita cheque corre o risco de
receber um cheque sem fundo. O risco pode ser minimizado com a consulta ao cadastro de
inadimplentes do SPC e SERASA. Mas, não trás o risco a zero, afinal aquele cheque pode ser o
primeiro inadimplido na vida do emissor do cheque.
32
Os descontos estão definidos na CLT no artigo 462, e não pode ser em virtude de inserção no risco. Apenas quando há um dolo do empregado em causar prejuízo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 77
Aula 08 – Direito do Trabalho I dia 02/05/2013
Relações de Emprego Especiais.
Algumas relações de emprego são qualificadas por leis específicas da categoria de maneira
peculiar, ou seja, além dos quatro elementos apresentam peculiaridades dentro desses quatro
elementos. Pode ser ainda que essas modalidades acrescentem peculiaridades aos quatro
elementos já conhecidos (Subordinação, Habitualidade, Onerosidade e Pessoalidade).
Aqui se apresentam algumas das relações de emprego que apresentam qualidades especiais,
isto é, peculiaridades especiais que são muito cobradas em algumas relações de trabalho. Deve
se ter atenção neste ponto, pois se falou em relações de trabalho e não em relações de
emprego, mas que por algum motivo são reguladas por leis que concedem algum direito
trabalhista ou regulam este trabalho, de maneira que o Direito do Trabalho vai se aproximar
desta regulação.
Não são normas tipicamente de relações de emprego. Podem até conceder direitos
trabalhistas, mas são relações de trabalho. Algum daqueles elementos do SHOP está faltando
nestas relações. Ou não há interesse público em manter esta relação submetida as regras
genéricas de direito do trabalho.
a) Empregado a Domicílio (Art. 6º, Consolidação das Leis do Trabalho).
O artigo 6° trás a possibilidade do trabalho em domicílio, determinando que não se
distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador o executado
no domicílio do empregado e o executado a distância, desde que estejam
caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Assim, tanto faz o empregado trabalhar em casa ou dentro do ambiente da empresa.
Isto não retirará a qualidade de relação jurídica de emprego desta relação.
Este é um artigo antigo. O exemplo típico dentro do modelo produtivo anterior eram
as costureiras. Estas são controladas pelo número de tarefas, produtividade,
qualidade. Poderia ainda, no caso destas, a utilização de mão de obra familiar para
auxiliar o trabalho da costureira.
Hoje, este processo de terceirização fez com que quase não haja mais costureiras
dentro das indústrias têxteis. No próprio ramo de criação de roupas há um processo de
terceirização.
No Brasil essa terceirização se transformou em uma precarização da força de trabalho,
ou seja, diminuição (degradação) das condições de vida deste trabalho e
trabalhadores. Passou-se a assistir ainda o acréscimo de trabalho escravo (que tem se
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 78
valido muito de mão de obra imigrante, da Bolívia, principalmente) no âmbito da
costura.
O empregado a domicílio terá uma exponencialização a partir do chamado
teletrabalho e de todo aquele processo de captura da subjetividade33.
b) Empregado Rural (Lei 5.889 de 1973)
Outra relação de emprego especial é a do trabalhador rural. Este, assim como o
trabalhador doméstico, apresentava-se na Consolidação das Leis do Trabalho no artigo
7°.
Getúlio Vargas teve muita dificuldade de regularizar a situação do trabalhador rural.
Na década de 30 e 40 (quando essa legislação trabalhista está começando a ser feita)
80% da população brasileira estavam no campo. A grande massa de trabalhadores não
vinha sendo contemplada pelos direitos trabalhistas. Em 1943, ao terminar-se a etapa
de regularização do processo consolidando as leis na Consolidação das Leis do
Trabalho, o artigo 7° menciona os rurais da seguinte maneira:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada
caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam :
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que
prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas;
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções
diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades
que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas
operações, se classifiquem como industriais ou comerciais;
Assim, há basicamente três categorias: rural, empregado público e empregado
doméstico. A Consolidação das Leis do Trabalho menciona essas três figuras de
trabalhadores para dizer que estes estão excluídos do regime de proteção celetistas.
Como na época não havia nenhum tipo de legislação que protegesse, esses
trabalhadores não tinham proteção nenhuma.
Quando Getúlio Vargas volta (década de 50), começando seu mandato em 1951, tenta
articular a regulamentação de direitos para os trabalhadores em conjunto com a
reforma agrária. Mas, como já está em um contexto de guerra fria, o próprio Getúlio
33
Já se falou que as novas formas de produzir realizam.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 79
irá se posicionar para radicalização de um nacionalismo mais a direita. Um processo de
polarização político.
Assim, o projeto de Reforma Agrária e regularização dos direitos do trabalhador rural.
Isso só irá acontecer com a Ditadura Militar, com a Lei 5.889 de 1973. Aqui se
apresentam, pela primeira vez no Brasil, direitos ao empregado rural. A ditadura tinha
um projeto inteligente de incorporar o processo de Reforma Agrária que já havia sido
instalado pelo Jango34. A ditadura se apropriou deste processo e insere o processo de
reforma agrária junto com o processo de interiorização e colonização (sobretudo da
Amazônia Legal).
Esta lei do trabalhador rural prevê não apenas a tipificação do trabalho rural
(trabalhador rural como empregado), como também na mesma lei se prevê outras
relações de trabalho do trabalhador rural, sem vínculo empregatício35. Estas últimas
são relações de trabalho e não de emprego, mas estão previstas no mesmo diploma
normativo.
No que concerne ao empregado rural, à lei do trabalhador rural define esse
empregado rural de uma forma interessante. Em última análise, é empregado rural
quem trabalha para empregador rural.
Para se saber o trabalhador é urbano ou rural para fins de aplicação da lei do
trabalhador rural, deve se olhar não para o empregado, mas para o empregador rural.
O empregador rural é aquele que trabalha em propriedade rural. Ou seja, a lei designa
o chamado prédio rústico, geralmente em zona rural do município, mas que
desenvolve atividade agrícola, pecuária e agroindustrial. Essas atividades constituem o
que a lei designa como prédio rústico.
A atividade agroindustrial é aquela que promove a primeira transformação sob a
matéria-prima, sem lhe retirar as características próprias. Por exemplo, a pessoa que
processa o leite pasteurizando, ensacando para comercializá-lo. Este leite sofreu uma
primeira transformação. Mas, o leite continua sendo leite. Então a comercialização
desse leite já industrializado é atividade agroindustrial. Porém, se essa mesma
empresa, através do leite, produz queijo ou outros derivados, retirou-se as
características próprias daquela matéria-prima, e a atividade passa a ser industrial,
para efeitos de caracterização do empregador.
É possível ainda que o empregador congregue as duas atividades, sendo classificado
como empregador urbano. Então todos os empregados desta indústria (desta
atividade industrial que congrega também atividade agroindustrial, mas prevalece a
atividade industrial), serão trabalhadores urbanos, e não trabalhadores rurais.
34
Jango dentro das reformas de base dá amplitude e profundidade ao processo de reforma agrária. 35
As questões de parceria, meação, empreitadas em associação com o proprietário rural.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 80
Por exemplo, Severino ( ) lida com os bois da fazenda de uma empresa de
pecuária para corte e exportação de carnes. Severino nunca pôs os pés na cidade. No
entanto, se essa atividade pecuária passa por uma associação com algum processo
industrial de derivados, por exemplo, fazendo laticínios com essa carne, tirando as
propriedades inerentes a matéria-prima para este produto, embora Severino nunca
tenha ido na cidade, ele passa a ser um trabalhador urbano.
Por exemplo, em outra empresa pecuária que só desenvolve atividade pecuária existe
um funcionário que nunca foi para o campo. Ele atua na bolsa de valores de mercados
futuros, vendendo das ações para o mercado futuro. É um titulo mobiliário. Irá ser
transacionado na bolsa de futuros.
Esse funcionário mora em São Paulo e nunca saiu da cidade, mas trabalha nessa
empresa de pecuária. Ele é um trabalhador rural, pois trabalha para uma empresa
rural, exclusivamente de pecuária.
Assim, para saber se um empregado é rural para fins de atribuição dos direitos
contidos na Lei 5.889 de 1973, deve-se olhar seu empregador e a atividade deste. Se
for uma atividade agrícola, pecuária ou agroindustrial36, será uma empresa rural e
todos seus empregados terão os direitos contidos na lei do trabalhador rural.
Com a Constituição de 1988 o artigo 7°, em seu caput, faz uma equiparação entre os
trabalhadores urbanos e rurais (há uma equiparação de direitos). Assim, atualmente,
com a Constituição de 1988, houve uma equiparação de direitos com o trabalhador
urbano.
Claro, que daí nasce a pergunta, se são iguais porque se estuda separadamente? Em
razão de apenas um aspecto, a única diferença que remanesce entre o trabalhador
urbano e rural é a jornada de trabalho e, consequentemente, o adicional noturno.
Assim, o único aspecto distintivo entre o empregado urbano e empregado rural, é a
jornada de trabalho noturna e diurna.
a. Jornada Noturna
i. Urbano (das 22h/5h).
Para o empregado urbano considera-se jornada noturna aquele que vai
das 22 horas de um dia até às 5 horas do outro dia.
Diferentemente da jornada noturna do trabalhador rural, o trabalhador
urbano tem uma jornada de apenas 7 horas.
36
A que promove uma primeira alteração sem retirar as características inerentes da matéria-prima.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 81
Isso significa que, no que concerne a jornada noturna, o trabalhador
urbano é mais protegido que o trabalhador rural. A hora noturna do
empregado urbano é menor. O horário noturno do empregado urbano é
menor. Isso significa que cada hora não dura 60 minutos e a própria
Consolidação das Leis do Trabalho diz isso no artigo 73, §1°.
Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou
quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do
diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo
de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.
§ 1º A hora do trabalho noturno será computada como de 52
minutos e 30 segundos. (Redação dada pelo Decreto-lei nº
9.666, de 1946).
Isso porque a jornada noturna é reduzida, privilegiando o trabalhador que
trabalha exclusivamente em jornada noturna, trabalha apenas 7 horas, se
for trabalhador urbano.
Quem trabalha em jornada mista, o que passa das 22 horas receberá o
adicional noturno, mas não terá a vantagem de ter redução do horário,
pois a jornada dele é mista, e o adicional é de 20%. Há um acréscimo
remuneratório, por compensar de o trabalhador estar trabalhando em um
horário que geralmente é direcionado para o descanso.
ii. Rural.
O empregado rural tem uma jornada noturna distinta, se se trabalha no
âmbito da pecuária, ou no âmbito das atividades agrícolas.
No caso do trabalhador rural não há o decréscimo de horas. Ele tem a
jornada de trabalho de 8 horas, igual a diurna, mas recebe um adicional
superior, de 25%.
1. Pecuária (das 20h/4h).
No caso da pecuária, nós temos o horário
das 20 horas da noite até às 4 horas da
madrugada. Na pecuária, em geral, se acorda
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 82
mais cedo.
É natural do trabalho com a pecuária que se acorde mais cedo,
pois o tem-se um melhor ciclo do leite.
2. Atividades Agrícolas (das 21h/5h).
Nas atividades agrícolas (lavoura) o horário é das 21horas até as 5
horas da manhã.
c) Empregado Público (Constituição Federal, artigo 37, incisos II, IV, V37, ADI
2.135).
Existem vários regimes de contratação, várias possibilidades de contratação no âmbito
da Administração Pública. Duas são as principais: os celetistas e os estatutários.
Principais, mas não são as únicas, existem os militares, temporários e uma série de
outras possibilidades de contratações no âmbito da Administração Pública.
O Direito do Trabalho só é aplicado no âmbito do chamado emprego público
(celetista). Não é originariamente um regime mais adequado para o âmbito da
Administração Pública, ou pelo menos, para as funções da Administração Pública que
exercem o chamado múnus público, que exercem atividades que materializam o
interesse público. Este, em geral, é mais adequado ser realizado por servidores
públicos que tenham o regime do cargo público (estatutários).
Isso ocorre, pois quando a Administração Pública age exercendo seu poder de império,
seu poder de polícia, exercendo ou manifestando qualquer forma de interesse público,
pode contrariar interesses econômicos, políticos, que historicamente são muito fortes
no Brasil.
Assim, é preciso resguardar esse servidor (no caso, com regime de contratação), que
permita exercer a sua atividade (múnus público) sem que sofra nenhum tipo de
consequência, para o bem da realização do interesse público. Assim, tradicionalmente,
se atribui a este tipo de servidor o regime do cargo público ou estatutário, pois é este
estatuto que irá proteger o servidor público para que ele possa bem exercer o seu
múnus público.
Mas, nem todos que trabalham na Administração Pública realiza este interesse
público. Então, já como se divide a Administração Pública em Direta e Indireta, já se
tem nas chamadas Empresas Estatais (Sociedades de Economia Mista e Empresas
37
Súmula 390 do Tribunal Superior do Trabalho.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 83
Públicas), um interesse gerencial muito maior, um jus gestioni muito mais presente. O
Estado atuando, muitas vezes, como se fosse privado.
Assim, a própria Constituição Federal de 1988 estabelece que a atividade econômica
não deva ser delegada ao estado, ela é reservada para a iniciativa privada. No entanto,
às vezes há interesse público de o Estado participar destas atividades econômicas, e
fará esta participação através das chamadas Empresas Estatais.
É possível que estas mesmas estatais prestem serviços públicos. Nestas hipóteses a
figura se altera por completo, pois nestes casos se estará na concepção de interesses
públicos, e não gerenciando meramente interesses privados. Há um interesse público
proeminente na prestação de serviços públicos. Mas se a natureza for meramente
econômica, então, privilegia-se a caracterização dessas empresas com algo mais
aproximado do âmbito privado.
Para as empresas estatais, tradicionalmente se delegava o regime de contratação de
empregados públicos. Para os demais entes da Administração Pública (Administração
Direta, Autárquica e fundacional), o regime de contratação era o do cargo público.
No Brasil, isso nunca foi muito bem delineado. Até porque o Estado Patrimonial
Brasileiro sempre fez com que o Estado fosse fonte da concepção de interesses
particulares. Assim, vigora na Administração Pública o interesse das Elites.
A Constituição de 1988 tentou organizar um pouco isso, fixando um padrão geral de
contratação dos servidores públicos no artigo 39. O artigo 37, em seu caput, quis
ajeitar a Administração Pública.
Quanto à contratação de pessoal, o artigo 39 estabelecia uma diretriz. Esta era que os
órgãos da Administração passassem a organizar seu pessoal conforme o interesse
público ou não na realização do serviço. Para isso a Constituição estabeleceu a criação
de um Regime Jurídico Único de pessoal. Cada ente federativo, cada órgão de
Administração Pública Direta ou mesmo Indireta deveria estabelecer um Regime
Jurídico que passaria por esta percepção.
Onde houver interesse público, deverá se contratar servidores públicos estatutários.
Sempre que houver interesse público, para o bem do Princípio da Impessoalidade, da
Moralidade Administrativa e até da Eficiência é preciso que se designe um estatuto,
que reconheça direitos, prerrogativa e deveres.
O Estatuto seria a melhor forma para aquelas instituições que realizem o interesse
público de qualquer forma. Seria a maneira pela qual se conseguiria realizar este fim
público. Esta é a lição da Constituição. A União tomou a iniciativa e estabeleceu seu
Regime Único a partir da lei 8.112 de 1990.
Dez anos após a Constituição ter sido promulgada, o presidente Fernando Henrique
Cardoso teve outra concepção de Administração Pública, informado pelo
neoliberalismo. A ideia era administrar o Estado como se fosse uma empresa privada,
afastando a figura do estatuto.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 84
Ele apresentou um projeto de Emenda Constitucional que previa uma reforma
profunda na estrutura administrativa (a chamada reforma administrativa do Estado).
Dentro desta reforma, estava incluída a reforma do artigo 39, estabelecendo no
projeto de Emenda Constitucional, que todo pessoa da Administração passaria a ser
celetista. Não existiria mais ninguém com estabilidade na proposta de Emenda. Essa
proposta foi votada transformando-se na Emenda 19 de 1998.
A questão da contratação de pessoal não ficou como governo Fernando Henrique
gostaria. Foi apresentada uma Emenda substitutiva, e esta Emenda foi aprovada.
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e
planos de carreira para os servidores da administração pública direta,
das autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4)
O resultado é que o artigo 39 terminou vazio. Mas, a rigor, o que a reforma
estabeleceu foi uma liberdade de contratação de regime de pessoal. A Constituição
originariamente previa o regime jurídico único. Suprimiu-se a palavra ‘’regime jurídico
único’’ da Constituição. A interpretação foi que ficaria a critério de cada órgão da
Administração Pública a liberdade plena de contratação. Assim, o mesmo ente
federativo que antes estava adstrito a um regime jurídico único e eventualmente
delegar sua função privada a terceiros, agora, o ente federativo poderá adotar o
regime celetista, estatutário ou misto.
Houve uma flexibilização, não se impôs o regime celetista de forma genérica e
obrigatória para todos, como era a proposta do governo. De 1998 a 2008 (10 anos)
houve um movimento de volta, de desorganização do gerenciamento de pessoal. Cada
ente federativo escolhia um regime, podendo inclusive escolher os dois.
Em 2008, identificou-se um problema. Quando a Câmara dos Deputados apresentou o
substitutivo referente ao artigo 39, mudou a redação do projeto (originalmente
apresentada pelo governo, que obrigava ao regime celetista). No processo legislativo,
quando se muda por emenda em uma das casas um determinado aspecto da lei, o
projeto deve ser votado na outra casa, ainda que já tenha passado por lá. Neste caso,
houve emenda na Câmara dos Deputados, mas não passou no Senado. A Emenda foi
publicada sem passar no senado. Um vício de Inconstitucionalidade formal claro.
Após 10 anos da reforma administrativa, sai à decisão do Supremo Tribunal Federal na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn n° 2.135) declarando a
Inconstitucionalidade da Emenda. A rigor, deveria ser restaurado o regime jurídico
único previsto na Constituição.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 85
Seja para empregado público, seja para cargo público, o requisito genérico de
contratação (para o bem da moralidade e impessoalidade) é a aprovação prévia em
concurso público.
Quando a Constituição trouxe esse
dispositivo, não havia nem sido encerrado o
processo constituinte, mas a gritaria era
enorme, pois o Estado sempre foi o local da
realização de favores pessoais, do
empreguismo, nepotismo, fisiologia, etc.
O artigo 19 distribuiu os ingressos do trem da
alegria. Aquele que já está trabalhando a mais
de cinco anos a data da promulgação da
Constituição, este terá o ingresso para o trem da alegria e não precisará fazer concurso
público.
Todos aqueles que entraram antes de 1983 entravam direto no trem da alegria. Para
quem entrou depois dessa data, nos últimos cinco anos, não havia ingresso no trem da
alegria. Estes serão exonerados na medida em que a Administração Pública irá prover
concurso público, para a colocação daqueles que meritoriamente deverão ocupar o
lugar. Quem não era estatutário, não teria direito ao estatuto, isto é, os celetistas não
teriam estabilidade, mas ninguém iria exonera-lo.
O artigo 19 ainda vai além. Para limpar as lágrimas dessas crianças, se os servidores
resolverem fazer concurso, por desencargo de consciência, esse tempo de serviço
contará como título.
O artigo 19 do ADCT (Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias) dá estabilidade
para aqueles que entraram na Administração Pública pela porta dos fundos.
Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das
fundações públicas, em exercício na data da promulgação da
Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não
tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição,
são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será
contado como título quando se submeterem a concurso para fins de
efetivação, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos,
funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei
declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 86
computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de
servidor.
Em 1998 a atual secretária de educação do município do Rio de Janeiro (Cláudia Agostinho) era
a secretária de Administração Federal do Fernando Henrique. Ela fez um levantamento no
âmbito da União para descobrir quantos são os servidores que teriam menos de cinco anos,
não estando contemplados com os ingressos para o trem da alegria, e deveriam ser
exonerados.
Na época, ela encontrou 33.000 servidores nesta situação. Obviamente, ninguém foi
exonerado, afinal 33.000 servidores são 33.000 votos.
Para legitimar a situação, ele se vale da lei de responsabilidade fiscal. Nesta, os gastos com
pessoal não podem exceder 60% do orçamento. Como se gasta muito menos que 60% ainda
que se incluam esses 33.000, está dentro do limite de gasto com o pessoal, que a lei de
responsabilidade fiscal obriga.
Obviamente, ninguém foi mandado embora.
Essa situação gerou problemas na justiça do trabalho. Por exemplo, no município de Varre e
Sai o prefeito era muito amigo era muito amigo do vereador Quinzinho da pipoca. Este pediu
para o prefeito contratar o irmão dele Vinícius ‘’O feio’’, advogado para procuradoria do
município. Nosso exemplo é posterior a Constituição de 1988.
Mas, o prefeito que contratou Vinícius ‘’O feio’’ perdeu a eleição, ganhando a oposição. Este,
por sua vez, troca a procuradoria. Para estimular a saída, a prefeitura deixa Vinícius sem
salário. Após três meses Vinícius decide processar o município, na Justiça do Trabalho. Este
contrato é nulo, afinal não tem um pressuposto jurídico fundamental, ou seja, para trabalhar
na administração pública, na forma do artigo 37, §2° da Constituição Federal, tem que ter
Concurso Público.
Mas, a justiça do trabalho não entendeu o contrato como nulo. Afinal, a Constituição também
diz que é fundamento da República a valorização social do trabalho. Quem trabalha tem que
ter o reconhecimento ou a valorização social, embora o contrato fosse nulo.
O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 363:
TST Enunciado nº 363 - Res. 97/2000, DJ 18.09.2000 - Republicação - DJ 13.10.2000 -
Republicação DJ 10.11.2000 - Nova Redação - Res. 111/2002, DJ 11.04.2002 - Nova redação -
Res. 121/2003, DJ 21.11.2003.
Contrato Nulo - Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso
público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 87
pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas,
respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do
FGTS.
Editou ainda a Súmula 390, ainda sobre Direitos do Empregado Público.
Súmula nº 390 - TST - Res. 129/2005 - DJ 20, 22 e 25.04.2005 - Conversão das Orientações
Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SDI-2
Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional - Empregado de
Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é
beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida
em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 - Inserida em 20.09.00)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido
mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da
CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em 20.06.2001)
Houve uma evolução grande da jurisprudência que passou pela exigência (baseado na teoria
dos motivos determinantes) de fundamentação para dispensa do empregado concursado
celetista.
Ainda há uma divergência em relação a isso. Alguns entendem que se a Sociedade de
Economia Mista e a Empresa Pública agem como se privado fosse, basta o pé na região
anatômica, sem dar satisfação a ninguém. Outros adotam a teoria dos motivos determinantes,
afirmando que a demissão tem que ser motivada. Claro que motivar não é nenhuma
dificuldade.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 88
Aula 09 – Direito do Trabalho I dia 07/05/2013
Esse rol apresentado é, na verdade, exemplificativo. São várias as relações especiais de
emprego, inclusive, o próprio advogado tem regras próprias, com legislação própria (O
Estatuto da Advocacia).
O artigo 20 do Estatuto da Advocacia determina que o advogado tenha a jornada de trabalho
(quando for empregado) de quatro horas por dia. O advogado empregado, salvo se tiver
dedicação exclusiva, a jornada salta de quatro para seis horas por dia. Assim, o advogado que
tenha dedicação exclusiva deveria trabalhar 6 horas, na sétima hora deveria receber adicional
de hora extra.
As empresas de advocacia resolveram esse problema criando a figura do advogado associado.
O advogado associado é aquele que não manda em ninguém, trabalha como qualquer um e
tem essa designação do cargo.
d) Empregados domésticos (Lei 5.859 de 1972).
A empregada doméstica é a evolução genética da chamada mucama. A mucama era a
escrava docilizada, que não se rebelava, e por isso poderia partilhar do convívio do
senhor e de sua família na casa grande.
Esse convívio privado demonstra a origem do empregado doméstico, inclusive a
origem da própria exclusão histórica do empregado doméstico em relação aos direitos
trabalhistas.
A rigor, culturalmente, se projetou esse preconceito que se mantém historicamente
com os negros e escravos em geral.
Esta é a origem. As mulheres tinham uma aproximação maior com a casa grande não
apenas para fins de realização das tarefas domésticas, mas também para sofrer as
consequências do intercurso sexual que peculiarmente marcou as origens miscigenais
brasileiras.
O reflexo disso é o de total ausência de reconhecimento de direitos, historicamente
falando. A empregada doméstica que existe desde a época colonial, só terá direitos
reconhecidos em 1972. Se considerar que a Consolidação das Leis do Trabalho é de
1943, nota-se que os direitos da empregada doméstica só foram ser reconhecidos 29
anos depois.
Em 1943, a regra do artigo 7°, alínea a) contempla a empregada doméstica justamente
para dizer que ela não tem direito nenhum. Afirma-se que a empregada doméstica não
tem nenhum daqueles direitos que serão admitidos para os trabalhadores em geral.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 89
Em 1972 quando se inauguram os direitos para a empregada doméstica, essas ainda
sim são pouquíssimos. Basicamente para inseri-la no sistema previdenciário, que é um
sistema contributivo. Assim, ele passaria a contribuir para a previdência social e em
contra partida gozaria de seus benefícios. Outro direito de suma importância é a
concessão de férias de 20 dias.
Em 1988 o rol de direitos da empregada doméstica amplia-se. Ao final do artigo 7°
insere-se um parágrafo único que destaca alguns poucos direitos para a empregada
doméstica. Assim, nem os direitos constitucionais integrais do trabalhador foram
reconhecidos em 1988, sendo reconhecidos apenas em 2013.
Nesta última PEC reconheceram os direitos individuais, presentes na Constituição, para
a empregada doméstica. Ainda não houve uma equiparação. Não está se atribuindo
todos os direitos da Consolidação das Leis do Trabalho para a empregada doméstica,
mas está se reconhecendo os direitos da Constituição que seriam para os
trabalhadores, também aplicados a empregada doméstica.
Enquanto antes, eram apenas alguns do artigo 7°, agora todos os direitos presentes
neste artigo estão assegurados. Não é a equiparação, mas já é um avanço. Ainda que
tenha sido feito de maneira bastante demagógica, pois a emenda constitucional
simplesmente suprime o parágrafo único do artigo 7°. A ilação que se faz disso é que o
empregado doméstico passa a ter todos os direitos do artigo 7° da Constituição
Federal.
Isto é um avanço em termos, pois pode se transformar em mais uma promessa não
cumprida, uma vez que os direitos estatuídos na Constituição (que são os principais
direitos do trabalhador), mas precisam ser detalhados, especificados. Como se ira
conseguir entregar esses direitos para a empregada doméstica levando em
consideração que o empregador doméstico é um empregador especial, diferente, que
não possui atividade econômica, não desenvolve atividade econômica, não gera
nenhuma atividade com fins lucrativos (tal como diz a lei do empregado doméstico).
A lei da empregada doméstica estabelece três características a respeito do que seja a
empregada doméstica.
Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito
residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.
Os três elementos caracterizadores são:
Serviço de natureza continua.
A lei não trata de serviço prestado de maneira não eventual, como a
Consolidação das Leis do Trabalho, mas vale-se de outra expressão: natureza
continua. Note para um bom filólogo, continuo, não habitual, não eventual,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 90
possam guardar um grau de sinonímia, para o direito, quando o legislador se
vale de expressões diferentes, em geral ele quer designar coisas diferentes.
A natureza continua nesta hipótese exigiria uma frequência distinta da
reconhecida para a não eventualidade da frequência do artigo 3° da
Consolidação das Leis do Trabalho.
O empregado doméstico tem que reiterar sua prestação de serviço de forma
mais frequente que o empregado de forma geral.
Mesmo que o contrato de trabalho tenha duração de 15 anos, não se admitiria
uma frequência pequena. O celetista que trabalha uma vez por mês a 15 anos
pode verificar a habitualidade.
Já no empregado doméstico, a continuidade identifica uma necessidade de
reiteração desse trabalho.
É nesta reiteração que vem a questão da jurisprudência não sumulada, que é
entendimento de turma do Tribunal Superior do Trabalho que apresenta um
mínimo de três dias para caracterizar essa natureza continua. Só é empregado
quem trabalha no mínimo três dias na semana.
Assim, para maior parte da doutrina, natureza continua representa algo mais
frequente que serviço não eventual (artigo 3° da Consolidação das Leis do
Trabalho). Mas a lei não fala quanto. Temos apenas aquele entendimento de
uma das turmas do Tribunal Superior.
Presta Serviços de Finalidade Não Lucrativa.
Há dois problemas na redação do dispositivo. Serviço algum tem finalidade
lucrativa, a não ser o serviço que supostamente pode ser aquele prestado por
alguém que detenha os meios de produção.
Trabalhador não tem finalidade de lucro. Empregado muito menos. Ele tem a
finalidade de remuneração pelo seu trabalho. O que o empregado faz é obter
sua força de trabalho, obtendo a contraprestação onerosa. O empregado tem
o serviço caracterizado como oneroso, é o O do SHOP. Quem tem finalidade
lucrativa é o empregador.
Em síntese, empregado doméstico é o empregado que trabalha para
empregador que não tem finalidade lucrativa.
A finalidade lucrativa que caracteriza o empreendimento pela via da sociedade
empresária é uma meta que pode ser alcançada ou não. Está sempre
condicionada a uma série de variáveis concorrenciais, econômicas, que não
dependem simplesmente da vontade do dono do empreendimento ou dos
sócios da empresa.
Não é possível que a empregada doméstica seja desviada para uma atividade
econômica. Por exemplo, supondo que o empregador tenha uma padaria
localizada do outro lado da rua de sua residência. Em razão disto, ele diz que
sua empregada (Severina) deve recolher a primeira fornada de pães às 5 horas
da manha todos os dias e depois ela vai para casa trabalhar em seu expediente
normal.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 91
No momento que ela vai à padaria, ela desvirtua seu contrato de trabalho de
doméstica para um contrato de trabalho de natureza celetista. Aplica-se um
princípio do direito do trabalho. Alterou-se o contrato. A empregada foi
contratada como doméstica, mas na prática se exige serviço de alguém que
não é doméstico, mas sim celetista. Quem tem mais direitos é o celetista,
então se alterou o contrato estabelecendo uma situação mais benéfica, logo o
direito do trabalho vai ler esse contrato como de um celetista.
Outro exemplo seria a empregada que desenvolve a atividade de cozinhar, isso
é uma atividade de doméstica comum, mas que a empregadora valendo-se da
perícia que a empregada tem começa a comercializar os produtos culinários
que ela cria. Está se aproveitando da força de trabalho da empregada para
uma atividade econômica com finalidade lucrativa.
Trabalho realizado no âmbito residencial do empregador.
É necessário esclarecer o que é âmbito residencial. Não é a casa, nem o
domicílio civil. Âmbito residencial representa toda e qualquer tarefa realizada
no espaço da vida privada do empregador doméstico e de sua família.
É o que se faz no cotidiano. Por exemplo, jardineiro é empregado doméstico,
ainda que trabalhe do lado de fora da residência. Motorista particular idem.
Mas, se esse motorista particular servir não só ao seu empregador doméstico,
mas também começar a realizar tarefas concernentes a empresa que é titular
seu empregador doméstico, ele não será mais empregado doméstico,
passando a ser empregado celetista comum.
Outro exemplo é o caseiro, por exemplo, que fica na casa de veraneio do
empregador. O caseiro é empregado doméstico.
e) Atleta Jogador de Futebol (Lei 6.354 de 1976 e Lei 9.981 de 2000)
O jogador de futebol tem um contrato de tempo determinado, que serve para aferir a
condição física e técnica do jogador a cada lapso temporal. Então as condições são
estabelecidas em virtude do desempenho do atleta durante o período.
Se o jogador joga mal, é possível que o clube repactue aquele contrato em condições
menos favoráveis ao devedor, já se ele está jogando muito bem, isso propicia uma
recontratação em condições mais favoráveis. Existem várias peculiaridades: o contrato
é por tempo determinado, existe cláusula indenizatória (caso o contrato seja rompido
antes do determinado).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 92
f) Mãe Social (Lei 7.644 de 1987)
Parece mão de santo, mas não é. Presta serviço de assistência social em determinadas
instituições, sobretudo para órfãos que precisam dessa figura do adulto para uma
troca mais próxima de assistência afetiva psicológica ou social. Por exemplo, a
fundação casa.
Isso é muito importante, pois as experiências de desafeto ou não afeto causam um
grau de alienação a criança que para ela pouco importa matar ou morrer.
g) Aprendiz (Art. 428, Consolidação das Leis de Trabalho).
Está positivado no artigo 428 da Consolidação das Leis do Trabalho e é uma relação
especial de emprego em que o menor pode ser contratado.
Existe uma maioridade trabalhista definida pela Constituição, em seu artigo 7°, inciso
XXXIII estabelece que ninguém no país pode trabalhar com menos de 16 anos.38
Não se pode trabalhar com menos de 16 anos, pois para o projeto Constitucional
brasileiro, menores de 16 anos devem estar integralmente dedicados a sua formação
educacional e humana. A ideia é tão louvável quando distante da maioria dos jovens.
O aprendiz fica no artigo 428 que estabelece uma relação especial de emprego dos
maiores de 14 anos. Antigamente o contrato de aprendizagem era entre 14 e 18 anos.
Hoje em dia estenderam para 24 anos. Chama-se de menor aprendiz um galalau de 24
anos (é praticamente o reconhecimento da falência do sistema social do país).
Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por
escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao
maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de
aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu
desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e
diligência as tarefas necessárias a essa formação.
Nesta hipótese há uma possibilidade de trabalho para os menores de 16 anos ou
jovens até 24 anos, para que esse tipo de trabalho contribua no sentido da sua
formação técnica profissional.
38 Tentem ler isso sem rir
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 93
Essa formação deve ser metódica, assistida ou lastreada por algum tipo de
método/organização. Não é simplesmente colocar o aprendiz em qualquer lugar e
fazer qualquer coisa.
O aprendiz diz respeito à formação técnico profissional. O estagiário, que pode
confundir, diferentemente do aprendiz é necessariamente um estudante que cuida da
sua formação educacional. E como é formação educacional, é formação mais ampla do
que a técnica profissional. A técnica profissional está restrita a um tipo de saber
técnico de profissão tecnológica ou qualificação profissional. O saber educacional é
muito mais amplo, envolvendo formação cultural.
O objeto da aprendizagem é diferente do objeto do contrato de estágio. Nesta
primeira há vinculo de emprego, na segunda não. O sujeito menor aprendiz (além de
necessariamente estar dentro da faixa de idade, que não há essa exigência para o
estagiário) não se exige que ele esteja necessariamente na condição de estudante.
Mas, atualmente entende-se que ele tem que estar desenvolvendo algum tipo de
atividade educacional.
Relações de Trabalho Reguladas
a) Trabalhador Avulso (Art. 7º, inciso XXXIV, Constituição Federal/Lei)
É o portuário que está em uma relação que foi regulada também mais recentemente
de forma diferente. Antes o sindicato era muito poderoso, pois era um sindicato que
organizava as várias categorias profissionais que compõem esses agrupamentos
chamados de avulsos. São os trabalhadores da zona portuária.
Quando chega o navio em um porto, se tem uma dificuldade de encontrar no navio
quem é o empregador, pois a tripulação do navio é, por exemplo, tailandesa, a
bandeira é da Grécia, o capitão é inglês, o armador é francês, a carga é dos mais
variados lugares do mundo e vão se direcionar a mais variados sujeitos no Brasil. Fica
muito difícil de se identificar quem é o empregador, o responsável pela contratação
desses trabalhadores que fazem a carga e descarga desses navios. Por isso a relação é
especial.
É feita de maneira que se têm várias funções, desde o pessoal do bloco (faxina) até o
pessoal que orienta a atracagem do navio (práticos), que trabalham em um sistema de
rodizio. Quem organiza esse rodizio, historicamente era o sindicato. O rodizio era
chamado de parede.
Era um sindicato que tinha muita força, pois negociava com os interesses mais
variados. Essa influencia fez com que não fosse um sindicato que representasse tanta a
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 94
categoria, mas representasse os interesses de uma diretoria que se perpetuava em
cada porto do Brasil. Criaram-se dinastias no sindicato de portuários. Existiam uma
infinidade de problemas.
A lei 8.630 de 1993 veio romper com essa organização pelo sindicato e criou-se uma
instituição chamada Órgão Gestor de Mão-de-obra. Este órgão tem composição
paritária. O Sindicato dos Trabalhadores faz parte da composição do órgão, mas não
está mais sozinho. Ali se tem o operador portuário, o interesse das empresas e todos
representados nesse conselho que é o Órgão Gestor de mão-de-obra.
Assim, nesta hipótese tem-se a questão de que o empregador não vai ser definido,
logo receberá os recursos dessa operação do operador portuário e fará o pagamento
dos direitos trabalhistas para os trabalhadores portuários, que são autônomos,
eventuais ou guardam algum tipo de autonomia (a maioria não tem autonomia), mas
não tem habitualidade, e por isso não se tem relação de emprego.
Embora não tenham relação de emprego a Constituição no artigo 7°, inciso XXXIV,
determina a equiparação de direitos entre os empregados e os trabalhadores avulsos.
Embora seja uma relação de trabalho, eles têm todos os direitos trabalhistas.
A Constituição reconheceu que dada a hipossuficiência (vulnerabilidade) desses
trabalhadores, embora eles não tenham os elementos da relação de emprego, eles
necessitam da proteção social do direito do trabalho.
A Constituição entrega para eles essa proteção social, os direitos trabalhistas. Essa
concessão abre perspectiva para uma concessão necessária no direito do trabalho.
De cada cinco trabalhadores, apenas dois são empregados formalizados. Existe uma
série de trabalhadores que necessitam de proteção social e não dispõem destas.
Em 2004 ocorreu uma transformação relacionada a esse fenômeno. Foi a Emenda
Constitucional 45, que é a reforma do judiciário. Esta, ampliou a competência da
justiça do trabalho, em termos processuais, para processar e julgar não só os conflitos
oriundos da relação de emprego como tradicionalmente fazia, mas também para
processar e julgar os conflitos oriundos das relações de trabalho. Quais relações de
trabalho? Todas a exceção dos servidores públicos estatutários, na forma do artigo
114, inciso I da Constituição Federal.
Há quem questione que não faz o menor sentido a justiça do trabalho julgar relações
como a do prestador de serviços, do profissional liberal, aplicando sobre essa relação o
direito civil ou eventualmente o direito do consumidor, pois o prestador de serviços de
acordo com o código de defesa do consumidor é fornecedor. Então é possível
encontrar o vício da prestação do serviço assim como um vício da comercialização do
próprio produto.
O tomador do serviço desse profissional liberal toma esse serviço como destinatário
final, na maior parte das vezes.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 95
Então todas as relações de trabalho, com a emenda 2004, passaram a competência da
justiça do trabalho.
A ideia da reforma era que criassem relações de direito material, onde relações de
trabalho recebessem direitos trabalhistas.
b) Estagiário (Lei 11.788 de 2008)
O Estagiário (pela lei) é necessariamente
estudante, não existe estagiário que não
seja estudante. A lei diz que o estagiário
tem que ser estudante matriculado no
ensino médio, superior, especial e
fundamental. Assim, admite-se como
estagiário, se nos últimos dois anos ele
estiver matriculado na modalidade
profissional de jovens e adulto. Definira
os tipos de atividade educacional que ele
tem que ter para se qualificar como
estudante.
O estágio é ato educativo supervisionado pela escola ou pela academia. O estágio
torna-se parte integrante do processo pedagógico dessas instituições como escola ou
academia (faculdade/universidade). Visa à preparação para o trabalho produtivo de
educandos e o aprendizado de competências objetivando o desenvolvimento do
educando para o trabalho e para a vida cidadã.
O estágio é definido pela instituição de ensino como requisito para aprovação no curso
como estágio obrigatório ou mera complementação da carga horária (não obrigatório).
Visa o aperfeiçoamento ou complementação da formação acadêmica ou profissional
do estudante por meio de aprendizagem social, profissional e cultural.
O estagiário deve participar em situações reais de vida e de trabalho. Essa inserção é
que vai contribuir para o processo educacional do estagiário.
Estagiário tem Subordinação, Habitualidade, Onerosidade e Pessoalidade. E se estão
presentes todos os elementos da relação de emprego, porque não é uma? Porque a lei
não quer que seja . E para não ser relação de emprego, a lei ficou ainda mais clara
em relação a isso (afinal é muito fácil caracterizar como relação de emprego), existem
quatro requisitos que devem ser respeitados, se não o forem ter-se-á caracterizada a
relação de emprego.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 96
A lei exige em seu artigo terceiro os requisitos:
Matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior,
profissional, de ensino médio, de educação especial e nos anos finais do
ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos.
Celebração de acordo de compromisso entre o educando, a parte concedente
do estágio, e a instituição de ensino.
Compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas
prevista no termo de compromisso. Termo de compromisso este que deve vir
com um plano de atividades do estágio em anexo. Esse plano de atividades do
estágio deve estar compatível com as atividades previstas no termo de
compromisso.
Cumprimento dos demais requisitos legais. Este requisito encontra-se no
artigo 15. Vale dizer que se descumprido qualquer requisito legal da lei 11.788,
retira-se a possibilidade de afirmar que a relação é de estágio.
a. Sujeitos da Relação de Estágio
São três: a Instituição de ensino (que antes era mero interveniente, agora é
parte na relação), a parte concedente e o estagiário. Isso significa que se
passou a atribuir a instituição de ensino à obrigação de fiscalizar essa relação.
Poderia ainda a instituição de ensino ir in loco, para verificar quais são as
condições que o estagiário está estagiando.
A instituição de Ensino além de celebrar o contrato, ela avalia as instalações da
concedente, e a sua adequação a formação do estagiário, comunica à
concedente o calendário letivo e a data das avaliações, indica um orientador
que avalia as atividades do estagiário e exige do estagiário relatório periódico.
A parte concedente de estágio é tanto pessoa jurídica de direito privado
quanto público, como profissionais liberais registrados em sua instituição de
classe. O advogado que não tenha escritório, também pode ter estagiário, e
com isso reproduzir o ciclo cármico de liberação dos seus próprios recalques.
b. Direitos do Estagiário
Jornada de trabalho de 4 horas por dia totalizando 20 horas semanais, se for o
caso de ensino profissional, fundamental, especial. 6 horas diárias ou 30 horas
semanais se for o caso de ensino superior. E até 40 horas semanais para cursos
não presenciais com previsão no projeto pedagógico.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 97
Avaliações periódicas e finais reduzem a jornada ao menos pela metade. O
prazo do contrato é de até dois anos e a bolsa é facultativa para o estágio
obrigatório. Recesso de 30 dias ao ano e remunerado, caso haja bolsa
(novidade de 2008), gozados preferencialmente coincidindo com as férias
escolares.
Quanto à saúde e segurança as regras trabalhistas são todas aplicadas,
inclusive a obrigação de contratar seguro de vida para estagiário.
Pelo estatuto da advocacia o estagiário não pode fazer absolutamente nada
sozinho, sob pena desta infração ser registrada na OAB e ele jamais poder
pegar a carteira. Ele não pode realizar nada sozinho porque a responsabilidade
é sempre do advogado. Este é o profissional e é este que será
responsabilizado.
c) Trabalhador Voluntário (Lei 9.608 de 1998)
Quem fizer trabalho voluntário é bom que veja a lei 9.608 de 1998. É o trabalho que
não tem onerosidade, não tem intenção onerosa. O intuito é altruístico.
d) Pequeno Empreiteiro/Artífice (Art. 625, alínea ‘’a’’, Consolidação das Leis do
Trabalho).
e) Autônomo
É aquele que não tem subordinação. Existem uma infinidade de relações jurídicas de
direito comercial, empresarial, civil e outros ramos, em que o trabalhador é autônomo.
a. Prestador de Serviços (art. 593 a 609 do Código Civil).
b. Empreiteiro (art. 610 a 620 do Código Civil).
c. Representante Comercial (Lei 4.88/1965).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 98
Aula 10 – Direito do Trabalho I dia 09/05/2013
Sujeitos da Relação de emprego
Empregador
Legislação Aplicável
O artigo 2° da Consolidação das Leis do Trabalho, afirma que considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva que assumindo os riscos do negócio, da atividade econômica,
admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Além do artigo 2° da Consolidação das Leis do Trabalho, o artigo 3° da lei 5.889 de 1973 define
o empregador rural, o qual foi fartamente definido.
Há ainda o artigo 15, §1° da lei 8.036 de 1990 (FGTS) diz que entende-se por empregador a
pessoa física ou jurídica de direito privado ou público, que admitir trabalhadores a seu serviço
ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade
solidária ou subsidiária que eventualmente venha a obrigar-se.
Essa definição encontra-se na lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e é um
tanto quanto abrangente, que não se irá entrar agora para não confundir, sobretudo será vista
a terceirização a qual a lei faz menção mais adiante, de forma separada, como forma mais
específica de contratação. Modalidade especial e exceptiva de contratação.
Por enquanto, ficar-se-á com o caput do artigo 2° da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos
da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
O empregador é definido em termos econômicos pela CLT (não há uma designação
tipicamente jurídica). Em termos jurídicos, o empregador seria a pessoa física ou jurídica, mas
a CLT não quis assim definir. O empregador é a empresa, mas não disse que é a pessoa física
ou jurídica que se mantém no polo passivo da relação empregatícia.
A Consolidação das Leis do Trabalho fez isso deliberadamente, de propósito. Quis o legislador
vincular a definição a esse conceito meta jurídico econômico de empresa, pois foi estuário de
uma série de concepções teóricas que vigorou ao longo do século XIX que podem ser reunidas
sob o nome de corporativismo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 99
Doutrinas Corporativistas
São várias as teorias corporativistas, de diferente matérias (alguns mais autoritários e outros
mais democráticos), mas o que as une aparecendo como um denominador comum entre todas
as teorias, é a ideia de que classe trabalhadora e classe empresarial (burguesia e proletariado)
são como órgãos distintos do mesmo corpo social (nacional).
Como órgãos do mesmo organismo atuam em harmonia, em colaboração, conjugação, um
com o outro. As teses corporativistas contrariam o postulado socialista de luta de classes.
Ao adentrar-se a filosofia, observa-se que há duas grandes linhas a respeito do metabolismo,
da vida social. Existem aqueles que acreditam que a sociedade se desenvolve de forma
dinâmica, mas tendendo sempre ao consenso. Existem outras teorias (é uma tradição filosófica
bastante extensa) dizendo que as sociedades tem seu movimento sempre no sentido de
ruptura, luta entre setores sociais e de ruptura.
As teorias corporativistas todas se agregam dentro da compreensão de que a sociedade
tendem ao consenso. Diferente daquelas teorias/filosofias que entendem que a sociedade
tendem ao conflito, e não ao consenso.
De toda maneira, já se ouviu falar na frase do Leon Duguit: ‘’quando o direito dá às costas a
realidade, a realidade se vinga e dá as costas para o direito’’. A consequência é que o direito
não vive sem a realidade, mas a realidade vive sem o direito.
Leon Duguit fez parte de um conjunto de doutrinadores que estabeleceram a empresa a partir
da teoria do engajamento (teoria do ato condição). O empregado se engajaria na empresa não
como um negócio jurídico dependente da vontade, mas como um ato jurídico (condição) que
se vale de dispositivos de ordem pública preexistentes.
A teoria que vingou foi a de Maurício Bauriu. Esta defende que a relação jurídica de emprego
repousa na instituição empresa, com a ideia de empreendimento comum aos homens que nele
se incorporam a estrutura hierárquica fundada nos propósitos supra individuais da instituição.
É interessante observar que essas ideias são do século XIX, mas serão revalorizadas no século
XXI, com o modelo Toyotista de métodos de produção essas ideais corporativistas voltam a
tona.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 100
O movimento de empresariarização39 consistem nas empresas transformarem o trabalhador
no empresário, em um colaborador, mais um participante autônomo do processo de
realização do empreendimento.
Por exemplo, o escritório de advocacia tem a figura do associado. São eufemismos para se
tentar, sob o ponto de vista ideológico convencer o trabalhador de que ele não é um simples
trabalhador. Como se o cargo ou essas designações tivessem um condão de transformar a
realidade.
Os modelos de produção toyotistas capturam mais a subjetividade do trabalhador do que os
métodos fordistas do século XX. O recurso ideológico utilizado é o corporativismo, entendendo
a empresa como uma instituição da qual o empregado faz parte integrante. A empresa40 faz
parte da vida do trabalhador. Por exemplo, o trabalhador chega na empresa e faz Tai Chi
Chuan no primeiro horário, depois realiza uma dinâmica de grupo para saber quais são os
problemas fundamentais do setor de trabalho. Feito isso, ele começa a produzir, para depois
ter um horário no qual terá outra dinâmica (sobre como inovar na produção, por exemplo).
O trabalhador concorrerá não apenas com seu trabalho especializado, mas contribui com suas
ideias para melhoria dos fluxos empresariais, do processo de inovação de produtos,
resultados, enfim, concorre para que com sua subjetividade, intelectualidade, a empresa passe
a se desenvolver. Obviamente, tudo isso é realizado em uma ambiência de que ele faz parte
dessa empresa.
Essas ideias já estavam presentes na designação da natureza jurídica do empregador como
instituição.
Quando a Consolidação das Leis do Trabalho foi criada a Comissão de Notáveis designada por
Getúlio Vargas para criar a CLT estava dividida. Tinha alguns corporativistas dentro da
concepção institucionalista, inclusive o presidente da comissão e alguns outros,
contratualistas, que não queriam ver essa relação jurídica pautada dentro dessa integração do
trabalhador na empresa, mas queria verificar um distanciamento jurídico, colocando a relação
entre pessoas jurídicas, à Pessoa Física do empregado e a Pessoa Física ou Jurídica do
empregador, em termos contratuais.
No final das contas a Consolidação das Leis do Trabalho conseguiu congregar as duas teses,
tanto as dos institucionalistas quanto a dos contratualistas. No caput do artigo 2° se tem a
consagração da tese institucionalista identificando o empregador com a empresa. Empresa
não é pessoa física ou a pessoa jurídica.
Empresa é uma organização de fatores de produção tendo em vista uma finalidade econômica.
Empresa é o empreendimento, é a atividade econômica em si. É uma atividade econômica
orgânica que transparece por meio de uma unidade de fatores de produção. A força de
trabalho é mais um fator de produção que se coaduna com demais outros fatores de produção
(local da prestação do serviço, maquinário, a marca, as patentes), enfim, todo esse conjunto
de propriedades materiais e imateriais, organicamente situados na unidade, faz com que se
39
Neologismo 40
O Zaibatus japonês.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 101
gere a empresa. A empresa é essa dinâmica, esta movimentação econômica que tem por fim
gerar e acumular capital. Gerar capital que é acumulado por seus proprietários.
Essas reuniões dos fatores produtivos fazem desenvolver as forças produtivas. O capitalismo
como em nenhum outro sistema desenvolveu as forças produtivas e, inclusive, para que esse
desenvolvimento das forças produtivas fosse possível, desenvolveu a tecnologia e a ciência. O
Cientificismo do século XIX caminha com o desenvolvimento das técnicas de produção.
Atualmente, quando se fala em robótica, em nanotecnologia, todos esses processos de ponta
da tecnologia estão diretamente vinculados a processos de produção de bens ou serviços.
Estão inseridos neste patamar de bens de produção.
Isso foi desenvolvimento do capitalismo, de forma sem precedentes. O problema é que o
resultado deste desenvolvimento das forças produtivas em termos de riqueza e conhecimento
é apropriado privadamente. Muitos ainda falam, (tirando o problema ecológico, pois é um
problema transnacional, não pode ser resolvido no âmbito do Estado Nacional), sobretudo os
neoliberais, que não há recursos naturais para suprir a subsistência de certo número de
pessoas na sociedade.
É conhecida a teoria de Thomas Malthus, que defendia que enquanto a população crescia em
progressão geométrica, a produção de alimentos crescia em progressão aritmética.
Atualmente, há quem defenda um neomalthusianismo e afirmam que não há condição dos
bens materiais suprirem a vida humana na terra. A consequência lógica é que haverá sempre
em todas as sociedades escassez e, inclusive, algumas sociedades inteiras serão consideradas
excluídas. Basta observar o continente africano, como exemplo simbólico dessa exclusão
mundial.
O que é omitido deliberadamente é que o capitalismo já superou este problema malthusiano.
A produção de bens e serviços que supram a vida humana em razão do incremento
tecnológico que se chegou, permite que se suscite vida material no deserto mais inóspito do
planeta. Assim, não haveria um problema de escassez no sentido de que inexoravelmente
haverá excluídos. O problema da exclusão não é este, mas que esses bens da vida se
convertem no capitalismo em mercadoria e, portanto, possuem um preço. Esse sim é o fator
de exclusão, pois nem todos conseguem pagar este preço.
O problema de desequilíbrio social, desigualdade social, é menos um problema da natureza,
como quer fazer crer o neoliberalismo, mas um problema de distribuição de bens, riqueza,
conhecimento, enfim, todos os bens e serviços que suprem a vida material.
Os institucionalistas irão apresentar a ideia de que o trabalhador se insere na empresa.
Deixando de lado todo o aspecto ideológico, de que o trabalhador se integra voluntariamente
a essa dinâmica e isto lhe trás felicidade, pois ele se acha também um empresário. Por
exemplo, o lema do era ‘’venha colaborar com o senhor Walton41, e por isso o
funcionário deve fazer horas extras e não exigir a remuneração pelas mesmas. É a precarização
da precarização.
41
Falecido ex-presidente da rede Walmart, Samuel Robson Walton.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 102
Existe um documentário chamado ‘’O custo alto do baixo preço’’ (2005) sobre o
que mostra sua política empresarial, ela pega o que há de ruim no Toyotismo com o que há de
pior no fordismo. Eles conseguem combinar as políticas e colocar na empresa.
O trabalhador da não consegue pagar plano de saúde. Ele fica no dilema entre
comprar a comida mensal ou pagar o plano de saúde. Nos Estados Unidos 35% da população é
excluída do direito a saúde. O atual programa de governo do presidente Barack Obama é a
realização de políticas públicas e, em virtude disto, foi chamado de bolchevique.
Essa integração entre trabalhador dando o suor e a empresa retribuindo com remuneração,
para fins de direito é muito importante.
Ao se entender essa relação, se entende o que é empregador, grupo econômico, sucessão de
empresas, compreende-se como se dá o contrato de trabalho e a responsabilidade trabalhista
de uma forma geral. É mais importante compreender essa dinâmica que os próprios institutos
(empregador, grupo econômico e sucessão de empresa), afinal é ela que os funda.
A dinâmica é uma relação de troca e, portanto, o trabalhador dessa relação vende a sua força
de trabalho. A doutrina irá dizer que ele não vende a força de trabalho, que não é uma relação
de troca mercantil, pois isso seria uma degradação muito grande da degradação humana e da
dignidade humana do trabalhador.
Mas, ipso facto, o que acontece é a venda da força de trabalho para o empregador. O
trabalhador vende sua energia imaterial, que é a força de trabalho. Sua força de trabalho
braçal, intelectual, e etc.
É essa energia imaterial que ele entrega para o empregador em troca de uma remuneração e
do pagamento dos direitos trabalhistas.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 103
A mágica do sistema está que essa energia de trabalho, quando se incorpora a este
empreendimento, quando se congrega com os demais fatores de produção, se transforma em
mais dinheiro. O trabalho valoriza o empreendimento econômico, traz mais valor para o
empreendimento econômico. Em troca dessa força de trabalho o empregador paga o salário e
os demais direitos trabalhistas.
As obrigações prestacionais principais no contrato de trabalho é trabalhar (do empregado) e a
obrigação principal que responde reciprocamente ao trabalho é o pagamento do salário
(empregador). Essas obrigações são pressupostamente (reciprocamente) condicionadas. Se a
empresa não paga o salário o trabalhador não precisa trabalhar. Se o trabalhador não trabalha,
a empresa não é obrigada a pagar. Há um condicionamento recíproco nesta relação.
Essa é à base do sinalagma da relação contratual. Aqui já se entende a relação contratual como
se entende a relação material. As outras obrigações trabalhistas são acessórias, tanto do
empregador quanto do empregado.
Por outro lado, a lógica do direito do trabalho aponta no sentido de que aquela pessoa,
entidade que se beneficiou, se valorizou através da força de trabalho alheia, é sempre (em
regra) o responsável para pagar o salário e os direitos trabalhistas. Essa é à base da
responsabilidade trabalhista. O responsável trabalhista é o empregador, porque ele ou seu
empreendimento foi beneficiado (valorizado) pela força de trabalho do empregado.
Todo aquele que se beneficia diretamente pela força de trabalho do trabalhador é sempre o
apontado como sendo o responsável pelo cumprimento das obrigações trabalhistas dentro
dessas obrigações a principal é pagar salário. Isso será muito importante quando se estudar
terceirização.
Empresa
Universalidade de pessoas e bens organizados em vista de um determinado fim econômico. A
empresa se distingue do estabelecimento. O estabelecimento é um conjunto de bens
corpóreos e incorpóreos que instrumentalizam a empresa formando uma unidade técnica,
econômica e produtiva. Uma unidade destacável. O estabelecimento é uma fração unitária de
um todo orgânico empresarial. É um pedaço destacável da empresa.
Em termos práticos, o estabelecimento será visualizado rapidamente em uma filial. A filial é
uma unidade autônoma. A filial de uma empresa é um estabelecimento. Uma sucursal, se ela
for autônoma econômico produtiva é um estabelecimento.
A doutrina gosta de fazer essa distinção, pois às vezes é possível alienar um pedaço da
empresa sem que a empresa deixe de existir. O empreendimento continua, apenas a filial de
número 29 foi extraída deste empreendimento principal.
Em virtude desta identificação do empregador com a empresa, que a CLT faz no caput, do
artigo 2°, em relação ao empregador, não existe pessoalidade. Esta existe apenas a respeito do
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 104
empregado. Aquela ideia da obrigação infungível em virtude de que a força de trabalho é um
elemento inexoravelmente extraído da pessoa humana do trabalhador, não se aplica ao
empregador.
No que tange a empresa não existe pessoalidade. Isso permite que com muito mais facilidade
se proceda à desconsideração da personalidade jurídica. Está previsto em uma série de
diplomas legais, mas usa-se com mais frequência o artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor, pois é definidor dos termos mais abrangentes no que concerne a
desconsideração da personalidade jurídica, bastando substituir a expressão Direito do
Consumidor por Direito do Trabalho.
Ou seja, sempre que essa personalidade jurídica apareça como um óbice para o cumprimento
dos direitos trabalhistas será procedida à desconsideração dessa personalidade jurídica.
Assim, no Direito do Trabalho, com muito mais facilidade é feita a desconsideração da
personalidade jurídica.
A diferença entre desconsideração da Pessoa Jurídica e da Personalidade Jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com despersonalização da
pessoa jurídica. Esta é feita pela fiscalização do trabalho naquelas hipóteses de fraude a
pessoalidade. Para se fraudar o elemento da pessoalidade o tomador do serviço pede (ou
exige) do trabalhador a criação de uma Pessoa Jurídica, no sistema fraudulento (prática
fraudulenta) denominada ‘’pejotização’’42.
Nas hipóteses de pejotização, o judiciário trabalhista, a fiscalização do trabalho ou ainda o
Ministério Público do Trabalho desconsideram não a personalidade jurídica43 (criada pelos
empregados com intuito de fraudar a lei), mas desconsideram a pessoa jurídica para fins de
caracterização de relação empregatícia.
Quando o fiscal chega à empresa e identifica o número de, por exemplo, 100 trabalhadores, e
solicita o livro de registro desses empregados. Mas, o empregador se defende afirmando que
naquela empresa não tem empregados, nem registros, afinal, nenhum deles são empregados,
todos são pessoas jurídicas prestando serviços para o empregador.
O fiscal do trabalho, curioso com esse fato (uma empresa que não tem empregados, apenas
empresas trabalhando para ela), entrevista os trabalhadores, percebendo que o serviço é
prestado de forma infungível. Todo dia, quem vai a empresa trabalhar são as mesmas pessoas,
para fazer o mesmo tipo de trabalho. Ora, o fiscal rapidamente perceberá que há
pessoalidade. Se também houver habitualidade, onerosidade e subordinação, não haverá uma
relação empresarial. Esta empresa é uma anteposição fraudulenta daquilo que de fato deveria
se caracterizar, que é uma relação de emprego.
42
A prática fraudulenta é exaurida na página 53. 43
A desconsideração da personalidade é apenas para fins de execução.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 105
Em face de tudo isso, o fiscal do trabalho desconsidera essa pessoa jurídica. Para o fiscal do
trabalho essa pessoa jurídica do trabalhador não existe, e deverá multar a empresa por não
ter registrado os trabalhadores.
Assim, existe essa diferença entre a Desconsideração da Pessoa Jurídica e a Desconsideração
da Personalidade Jurídica.
Quando o juiz desconsidera a personalidade jurídica, ele não declara a inexistência da pessoa
jurídica. Esta continua funcionando para todos os efeitos, apenas que naquele processo para a
execução, ao invés dele executar os bens da empresa, ele irá diretamente no patrimônio dos
sócios. Por isso ele desconsidera a personalidade jurídica. Completamente diferente a
Desconsideração da Pessoa Jurídica. Nesta hipótese não se desconsidera a personalidade, mas
a própria pessoa jurídica.
Não existe essa pessoa jurídica, ela foi criada abstratamente para fraudar a relação de
emprego. Quem permite essa desconsideração é o artigo 9° da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Qualquer meio para fraudar o direito do trabalho, será considerado nulo. Assim, não se
considera a existência daquela pessoa jurídica.
O afastamento do Direito do Trabalho não é uma questão passível de discussão. Ou seja, não
depende da vontade do empregado ou do empregador que tipo de relação jurídica eles irão
empreender. A ordem jurídica deixa claro que se há SHOP há relação de emprego. Essa não é
uma questão sujeita a deliberação das partes. Trata-se de uma questão objetivamente
resolvida, assim sendo, se existir SHOP, haverá relação de emprego.
Além disso, dada à natureza de ordem pública das normas trabalhistas, elas se impõem
imperativamente para além da vontade do titular do próprio direito. Assim, ainda que o
trabalhador perceba que é melhor ele ganhar R$ 1.500,00 sem ter a carteira assinada do que
ganhar 900,00 com a carteira assinada, isto não estará sujeito a sua vontade.
A empresa e a proibição de assunção de riscos por parte do trabalhador
O empregador que se beneficia da força de trabalho é obrigado a pagar as obrigações
trabalhistas e a assumir os riscos da sua própria atividade econômica. Qualquer
empreendimento econômico está sujeito a uma concorrência interempresarial ou capitalista,
do que resulta seu sucesso ou fracasso. A probabilidade de fracasso é maior que a de sucesso.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 106
O sucesso e o fracasso são resultados que se destinam apenas aos titulares, representantes da
empresa, não sendo possível transferir o risco da atividade econômica para o trabalhador.
Dos empregadores que não são Pessoa Jurídica.
O artigo 2°, no parágrafo 1° repara uma caracterização que decorre da realidade dos fatos. Por
exemplo, a relação de empregou estruturou-se com base na relação daquele trabalhador com
a empresa. Em virtude disto, observa-se ainda uma série de institutos do direito do trabalho
sendo criados tendo por base esta identificação: empregador/empresa.
Porém, no âmbito da realidade fática nem todo empregador (nem todo mundo que contrata
trabalho alheio) dentro das características do SHOP é empresa. Nem todos empregadores
congregam fatores de produção com objetivo de lucro, para desenvolver algum tipo de
atividade econômica, sendo possível, inclusive, que o empregador seja pessoa física, que não
desenvolva atividade econômica44.
Por outro lado, também existem pessoas jurídicas que tampouco possuem ou desenvolvem
atividades econômicas, por exemplo, as associações sem fins lucrativos (ONGs, Associações
Beneficentes). Existem uma série de formalizações de Pessoas Jurídicas que não contém
nenhum tipo de finalidade econômica ou, pelo menos, não contém em seu objeto o objetivo
de aferir lucro.
Os profissionais liberais não caracterizados como Pessoa Jurídica, embora tenham resultado
econômico, também se valem de trabalhadores e não desenvolvem atividade econômica nos
termos do parágrafo primeiro, artigo 2° da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de
emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as
associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
admitirem trabalhadores como empregados.
Assim, equiparam-se ao empregador todas essas figuras que não tem atividade lucrativa.
Também são empregadores quando contratam trabalhadores com os requisitos da relação de
emprego.
44
Exemplo clássico, o empregador doméstico.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 107
A rigor, o entendimento correto não seria de uma equiparação, mas seriam tão empregadores
quanto os outros. Em última análise é empregador todo aquele que contrata trabalhador com
subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.
Grupo Econômico
O parágrafo segundo, do artigo segundo da Consolidação apresenta uma modalidade
empresarial de associação interempresarial que suscita um instituto próprio no direito do
trabalho, que é chamado grupo econômico.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,
personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de
qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de
emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das
subordinadas.
O primeiro passo é entender o que é um grupo econômico. Por exemplo, temos a empresa A,B
e C, todas com personalidade jurídica independente. Elas se coadunam através de uma figura
de Direito Comercial formalizada como, por exemplo, o consórcio de sociedades, mais
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 108
conhecido como holding, aonde há uma empresa que subordina as demais. Coordena
econômica, financeiramente, contabilmente e, às vezes, até tecnicamente das demais.
Pode ainda que a vinculação seja econômica, mas não formal ou, pelo menos, sem essa
subordinação. O parágrafo 2° refere-se exclusivamente a figura do holding, ou seja, da
empresa controladora (subordinante) e das empresas controladas subordinadas.
O grupo econômico trabalhista tal como preconizado pela jurisprudência e pela doutrina, não
se restringe a figura da holding (consórcio de sociedades). Tem-se o grupo econômico sempre
que duas empresas se colidam, se reúnam para algum tipo de atividade econômica comum.
Não é necessário que elas desenvolvam o mesmo tipo de atividade econômica, mas que o
resultado das atividades de cada uma se entrelace de alguma forma. Pode ser o resultado
financeiro, econômico, não importa, mas devem se consorciar.
Então os grupos econômicos para fins do Direito do Trabalho podem aparecer sob a forma de
subordinação de algumas empresas para outra ou de coordenação. Isto não é uma
terceirização. O resultado econômico não é uma prestação de serviços por parte de uma delas.
No grupo econômico há uma counião, uma cooperação entre atividades econômicas, distintas
ou não. Sempre que houver essa integração empresarial45, ou seja, qualquer vinculação
associativa econômica entre essas empresas caracteriza, portanto, o grupo econômico para
fins de direito do trabalho.
Consequência da constituição de grupo econômico no direito do trabalho.
Se essas empresas que atuam de forma subordinada ou coordenada estão integradas
economicamente, considera-se cada uma dessas Pessoas Jurídicas como se fizesse parte da
mesma empresa, do mesmo empreendimento.
Se é apenas um empreendimento, não importa se haverá direta ou indiretamente
solidariedade passiva trabalhista. Se o trabalhador da empresa A (teve sua carteira assinada
pela empresa A) não recebe o adicional de horas extras, seu décimo terceiro ou direitos
trabalhistas. Esse crédito trabalhista em favor do trabalhador pode ser exigido de quaisquer
empresas pertencentes ao grupo econômico. Pois, subsiste uma solidariedade passiva
trabalhista entre as empresas do grupo econômico, isto é, o estabelecimento de uma
vinculação creditícia sem hierarquia, são codevedores.
Assim, pode o trabalhador reclamar contra todas, algumas, o credor trabalhista pode escolher
contra aquele que terá maior probabilidade de quem ele irá exigir seu crédito trabalhista.
Em síntese, o grupo econômico referenciado pelo parágrafo segundo do artigo 2° é um
mecanismo que serve para facilitar a vida do trabalhador, a obtenção do crédito trabalhista,
45
Em termos de Direito Empresarial essa integração pode se vislumbrar através dos mecanismos de concentração empresarial (fusão, cisão, incorporação).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 109
criando uma solidariedade trabalhista entre empresas que pertençam ao mesmo grupo
econômico.
Se essas distintas Pessoas Jurídicas são congregadas em uma única atividade empreendedora,
econômica, é a atividade econômica que deve pagar os direitos trabalhistas.
O empresário Antônio Ermírio de Moraes é presidente do grupo econômico .
Este grupo econômico tem várias empresas, de diferentes atividades46, que estão
subordinadas em um consórcio de empresas, em um holding. Existe uma sociedade
controladora e outras controladas. Se um trabalhador da empresa Votorantim Metais que não
recebeu direitos trabalhistas pode processa quaisquer outras empresas do Grupo Votorantim
que deverão responder pela dívida trabalhista. Cabe direito de regresso entre as empresas.
Tese do Empregador Único (Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho)
Em relação a grupo econômico há um desdobramento teórico da tese da solidariedade passiva
que está na lei, cristalizada na súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho, geradora da tese
do empregador único.
TST Enunciado nº 129 - RA 26/1982, DJ 04.05.1982 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e
21.11.2003
Prestação de Serviços - Empresas do Mesmo Grupo Econômico - Contrato de Trabalho
A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a
mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de
trabalho, salvo ajuste em contrário.
O exemplo clássico seria a doméstica que presta serviços para diferentes membros da família.
Poder-se-ia questionar se, uma vez que compatíveis às jornadas, haveria vários contratos de
trabalho. Sim, haveria vários contratos de trabalho, pois quando se percebem os elementos da
relação de emprego (SHOP), não há exclusividade. O empregado não é, necessariamente,
exclusivo do empregador para ser empregado deste.
Assim, não compõe requisito da relação de emprego a exclusividade, de maneira que se ele
pode compatibilizar a sua jornada de trabalho em vários empregadores diferentes ele terá
diferentes vínculos empregatícios.
46
Por exemplo, a Votorantim Metais (VM) que trabalha com alumínio, a empresa Fibria, formada a partir da empresa Votorantim Celulose e Papeis, a empresa de cimento (Cimento Rio Branco S.A. e EngeMix), instituição financeira (Banco Votorantim).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 110
Preceitua a súmula 129 que se assim fizer o trabalhador, compatibilizando sua jornada de
trabalho para diferentes empresas, mas estas empresas pertencem ao mesmo grupo
econômico, não haverá vários contratos, mas apenas um único contrato, não caracterizando a
coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.
A súmula 129 preconiza esta tese, chamada de Tese do Empregador único. Para quem a adota
(como o Tribunal Superior do Trabalho), não só haveria solidariedade passiva das empresas
pertencentes ao grupo econômico em relação aos empregados de cada uma delas, mas
haveria solidariedade, uma obrigação solidaria do empregado em relação a cada uma das
empresas.
Isto é, na medida em que os distintos empregadores (distintos donos das empresas
pertencentes ao holding) organizassem essa divisão, o trabalhador estaria obrigado a prestar
serviços e subordinado a todos os titulares de cada empresa. Se for dada a ordem que ele
trabalhará metade do seu tempo na empresa A e metade na empresa B, para quem adota a
tese do empregador único, entende que esta é uma ordem legitima e o empregado está
subordinado a ela. É como se ele trabalhasse em filiais diferentes de uma mesma empresa.
Ele irá trabalhar para pessoas jurídicas diferentes do mesmo grupo econômico. A adoção da
tese do empregador único acarreta uma série de consequências (já cobradas em exame de
ordem). Apresentar-se-á aqui duas delas.
a) Trabalhadores em distintas pessoas jurídicas, mas pertencentes ao mesmo grupo
econômico podem pleitear entre si equiparação salarial.
O artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece os requisitos para que
um trabalhador possa pedir a equiparação em relação a outro. Por exemplo, existe
outro trabalhador na empresa que faz as mesmas coisas do que ele, mas recebendo
duas vezes mais que ele. Ele pode pedir a equiparação, sustentando que seu trabalho
é igual ao do outro.
Um dos requisitos estabelecidos pelo artigo 651 é que os dois trabalhadores
trabalhem na mesma empresa, ou seja, para o mesmo empregador. Então, para quem
adota a Tese do Empregador Único, não há como não sustentar que ambos devem
receber a mesma coisa. Assim, é possível o preenchimento deste requisito para
equiparação salarial em hipótese de trabalhadores de empresas diferentes, mas
pertencentes ao mesmo holding.
Sucessão de Empregadores
Está positivada nos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho. Para a doutrina, a
sucessão de Empregadores tem três requisitos:
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 111
Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos
adquiridos por seus empregados.
Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará
os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
a) Transferência da titularidade ou mudança na estrutura jurídica;
Neste requisito, tanto faz alterar o empregador, como no caso da compra das sendas,
quanto mudar o tipo de empresa (por exemplo, uma limitada [LTDA] tornando-se uma
sociedade anônima [S.A]), haverá sucessão de empresas.
b) Manutenção da atividade Econômica;
Embora a roupagem jurídica tenha mudado, a atividade material empresarial se
mantém.
c) Continuidade da prestação de serviços.
Os efeitos da sucessão só se operam quando o trabalhador que trabalhava para A,
continua trabalhando para B. Os artigos 10 e 448 asseguram o direito deste
trabalhador, que prestou continuamente os serviços através do comando final.
Um exemplo da Sucessão de Empregadores está nas . Eram titularizadas pelo
Arthur Sendas, assassinado recentemente. Antes de seu fim trágico, Arthur Sendas havia
transferido para o Grupo Pão de Açúcar, titularizado à época por Abílio Diniz, sua empresa.
Assim, o que era Pessoa Jurídica Sendas foi transferida para Pão de Açúcar. O
empreendimento continuou o mesmo, supermercados. O trabalhador de Sendas tenha
direitos adquiridos que não foram pagos. Para este, existe o artigo 10 e o 448, pois a mudança
na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos do trabalhador, nem
tampouco afetará as cláusulas contratuais. Esse trabalhador pode ter seu contrato alterado,
mas de acordo com o Princípio da Proteção ao trabalhador, em sua tradução da condição mais
benéfica (art. 448) pode alterar-se apenas para melhor, jamais para pior.
A mudança da empresa não sujeita o empregado a regras desfavoráveis a ele. Continua
vigorando o princípio da condição mais benéfica.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 112
De maneira geral, defende o Direito do Trabalho que esta dinâmica material, do
empreendimento, irá receber uma roupagem jurídica (que em geral será uma das figuras de
direito empresarial). Mas, para o Direito do Trabalho isso pouco importa tendo importância,
apenas, relativa.
Essa roupagem que veste a dinâmica econômica, empresarial, tem pouca importância,
podendo ser alterada ao longo do tempo. É possível que haja uma alteração subjetiva do polo
empregatício. Essa alteração não pode afetar direitos do trabalhador e as cláusulas contratuais
já convencionadas com esse trabalhador.
O Grupo adquiriu o fundo de comércio, os estabelecimentos, os contratos com
fornecedores, assumiu as praças, os locais estratégicos, isto é, uma série de fatores positivos.
Mas quando adquire essa empresa, adquire também algumas dívidas. Dentre esses passivos
adquire os passivos trabalhistas. O artigo 10 e o artigo 448 afirmam que quem compra uma
empresa assume os passivos trabalhistas.
É comum e recorrente que na transação empresarial que se estipule que os trabalhadores até
a data da assinatura do contrato e que tenham direitos trabalhistas fiquem sob a
responsabilidade dos antigos donos. A partir da data da transferência, estes trabalhadores
ficam sob a responsabilidade da empresa sucessora.
Esse tipo de contrato é absolutamente desprezado pelo direito do trabalho. A
responsabilidade é da empresa sucessora. Isso não é passível de negociação. Em regra, é o
sucessor trabalhista que assume o passivo trabalhista. Cabe regresso contra o empregador
antigo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 113
Aula 11 – Direito do Trabalho I dia 14/05/2013
A sucessão de empregadores também justifica aquela noção de que o empregado não se
vincula a uma pessoa física ou jurídica, mas se vincula, quando o empregador é empresa,
diretamente ao empreendimento econômico, à atividade econômica. Essa noção é tão
fundamental que hoje se vende, como se fosse novidade, o conceito de subordinação
estrutural ou subordinação objetiva (ou ainda subordinação reticular). Nada disso tem
importância (ou no máximo tem importância relativa) quando já se conhece essa relação do
empregado com a atividade econômica.
O trabalhador mantém uma relação bilateral, sinalagmática, com o empreendimento
econômico, ao menos quando o empregador é empresa, quando ele desenvolve atividade
econômica e, portanto, tem finalidade lucrativa. Nessa relação o empregado entrega para o
seu empregador a sua força de trabalho47 e, em troca, recebe, diretamente, o salário e,
indiretamente, recebe as demais obrigações trabalhistas e parcelas trabalhistas como décimo
terceiro salário, gratificações, adicionais etc. que o Direito do Trabalho exige que seja pago.
Essa é a relação típica que ata o empregado ao empregador (empresa). O legislador redator da
Consolidação das Leis do Trabalho, assim como a comissão designada por Getúlio Vargas, não
se preocuparam com a roupagem jurídica desse empreendimento econômico, com a forma
jurídica contratual ou a estrutura contratual jurídica, que é a aparência. Não se quis saber da
aparência, mas sim da essência, o que está por detrás, onde o empregado realmente se
vincula, ou melhor, que é que materialmente pode satisfazer o pagamento da venda da força
de trabalho.
Não é uma abstração jurídica que vai pagar o empregado, mas sim a reunião concreta dos
fatores de produção, de ganhos ou serviços, e a dinâmica do empreendimento econômico. A
unidade, a organização dinâmica é que vai dar conta de satisfazer essas necessidades
concretas, o pagamento do salário do trabalhador. Logo, vincula-se essa força de trabalho e,
em termos jurídicos, o próprio empregado a esse organismo econômico.
A sucessão de empregadores está, de novo, reproduzindo essa mesma ideia, dizendo que tal
atividade econômica pode trocar e roupagem jurídica o quanto quiser (era um LTDA e virou
uma S/A, ou era uma ME e virou outra coisa) que não irá importar.
A designação do direito empresarial não importa no direito do trabalho. É indiferente ao
direito trabalhista se abriu o capital, teve alteração no contrato social ou se mudou de dono.
Isso em nada interfere nos direitos adquiridos trabalhistas, no patrimônio jurídico do
empregado e também não interfere nas convenções contratuais já avençadas, pois elas serão
preservadas. Isso independe da mudança que houver.
47
Que é uma energia imaterial que se materializa no trabalho braçal ou intelectual.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 114
A alteração é permitida para melhorar a situação do trabalhador (subprincípio da condição
mais benéfica). No entanto, caso haja mudança do dono da empresa, o trabalhador não perde
seus direitos, pois os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho garantem isso. A
configuração final será responsabilizada pela manutenção das cláusulas contratuais e pelo
cumprimento dos direitos trabalhistas. Havendo sucessão de tipos jurídicos, o sucessor, a
conformação final, responde pelos direitos trabalhistas.
Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os
direitos adquiridos por seus empregados.
Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não
afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Por exemplo, a empresa XPTO tinha seu quadro funcional com seus funcionários de confiança
e virou empresa XYZ. A empresa XYZ demitiu um empregado advindo da antiga conformação
XPTO. Quem demitiu foi XYZ e a sucessão já havia sido operada e houve a continuação, ainda
que por um dia, do contrato. Se paga, então, as verbas trabalhistas de acordo com o tipo de
dispensa, isto é, com justa causa ou sem justa causa (sem motivo técnico, econômico, contábil,
disciplinar etc.).
Se for necessário fazer mudança no quadro estrutural, há que se pagar o preço, como pagar os
direitos dos trabalhadores que foram demitidos seja lá por quais motivos. Isso é um elemento
inerente ao negócio, pois a confiança é algo subjetivo e a nova administração não deposita sua
confiança nos funcionários antigos e, portanto, os demite. O empregador transfere seus
poderes aos empregados de confiança e para isso ele admite outras pessoas. Isso é do próprio
negócio.
Ao se adquirir uma empresa, a pessoa que adquiriu sabe que os cargos de confiança estão
sendo guardados por pessoas que ele não conhece logo, em que não deposita confiança. Até
haveria alternativa que, dependendo do tipo de cargo de confiança, poderia, ao invés de
demitir, poderia “rebaixar” esse empregado de confiança.
Os 3 Quesitos da Sucessão de Empregadores (Sucessão de Empresas)
1° Quesito: Transferência do comando final ou Transferência da titularidade jurídica (a
mudança na estrutura jurídico-formal).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 115
2° Quesito: A Manutenção da Atividade Econômica.
A manutenção da atividade econômica (alguns falam de manutenção parcial, ao menos da
atividade fim). Quando se fala em incorporação, diversifica-se a atividade econômica uma vez
que a empesa se tornou maior e, por isso, para alguns, não haveria necessidade de
preservação total da atividade econômica, mas manter a atividade fim, uma coerência, pois
isso que dá ideia de fixação do trabalhador ao empreendimento econômico.
3° Quesito: Continuidade da prestação do Serviço do Empregado.
O terceiro requisito vem sendo alterado pela doutrina e pela jurisprudência mais
recentemente. É a exigência da continuidade da prestação de serviço do empregado ao longo
do processo de transformação da estrutura jurídica. O empregado foi contratado pela
estruturação A e tem que ser manter trabalhando na configuração B, sob o império da nova
configuração formal. Só quando o empregado se mantivesse depois desse processo de
transformação, na configuração final é que haveria propriamente sucessão, a
responsabilização dessa nova configuração empresarial final, o sucessor trabalhista.
As Exceções ao 3° Quesito: Continuidade da Prestação do Serviço:
a) 1ª Exceção: A transformação social ocorrida no âmbito do processo judicial já em
trâmite.
No entanto, na prática, a jurisprudência apresentava já uma exceção. Era a transformação
social ocorrer no âmbito do processo judicial já em trâmite.
Por exemplo, um empregado foi admitido pela empresa XPTO, tendo o seu contrato de
trabalho inteiro com a empresa XPTO e foi demitido pela empresa XPTO. No entanto, achando
que tinha direitos trabalhistas, o ex-empregado processa a empresa XPTO. Ao longo do
processo a empresa XPTO é vendida para a empresa XYZ. A relação jurídica do empregado
sempre foi com a empresa XPTO, esta que figurava no polo passivo do processo, mas ela
deixou de existir, foi sucedida pela empresa XYZ. Nesse caso, embora não tenha havido
continuidade na prestação de serviço (a relação contratual se encerrou antes da alteração), a
empresa XYZ é a única responsável por esse passivo trabalhista em potencial, pois o processo
ainda não acabou. A empresa XYZ assume esse passivo e é sucessora no processo.
Tradicionalmente essa era a hipótese em que se dispensava a continuidade da prestação de
serviço quando a sucessão se operava no curso do processo trabalhista. Durante o processo
teve uma sucessão.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 116
b) 2ª Exceção: Empobrecimento do empregador original em virtude da transferência de
ativos.
Com as intensificações do processo de interação, inclusive empresarial, a doutrina tem aberto
novas hipóteses de sucessão que dispensam também a continuidade da prestação de serviço.
De maneira sintética, qualquer mudança interempresarial que afete os contratos de trabalho
pelo empobrecimento do empregador original em virtude, basicamente, da transferência de
ativos saudáveis da empresa originária.
Com os processos tradicionais, em geral, tinha-se um arrendamento ou uma compra e venda
para a aquisição de controle do capital social da empresa. Estas são as formas tradicionais de
interação interempresarial.
Passou então a aparecer formas como incorporação, fusão, cisão nas quais não se tem,
propriamente, uma liquidação do patrimônio ou da configuração societária anterior.
Transferem-se partes da empresa para uma empresa nova. Não é a empresa que passa a
compor integralmente uma nova estrutura jurídica, mas agora são ativos (às vezes a marca, o
fundo de comércio, alguns estabelecimentos etc.) e, quando disso decorre o empobrecimento.
Nesta hipótese, A transfere parte do seu empreendimento para B, mas continua a existir tanto
A quanto B. Cindiu-se o empreendimento, não houve continuidade da prestação de serviço,
pois o empregado de A permaneceu na parte remanescente de A.
Hoje, esses novos processos apresentam, eventualmente, o empobrecimento da configuração
social original, causando risco de prejuízo de parcelas trabalhistas. Quando o Judiciário
reconhece essa hipótese de que o processo de transformação empresarial resultou em um
risco para satisfação de obrigações trabalhistas, ele declara a sucessão mesmo que não tenha
havido a continuidade da prestação de serviço.
Isso ocorreu no Brasil na época das privatizações e o é um exemplo. O não
passou inteiramente para o e, por conta disso, houve um processo de reorientação societária
do , este que tinha muitas dívidas com os trabalhadores48. Para que não houvesse sucessão
o começou a promover a demissão de tais trabalhadores justamente para se esquivar da
continuidade da prestação de serviço. O referido banco então criou programas de demissão
em massa e demissão voluntária para tentar romper esses vínculos.
Por outro lado, as agências melhor localizadas passariam para o ou para quem ganhasse o
processo de concorrência da privatização. As agências já vinham com um número de
funcionários enxuto. O excesso de funcionários sem compromisso com eficiência e
produtividade que serviam para manutenção de relações clientelistas (cabide de empregos)
que existia no foi enxugado para deixa-lo apto a venda. Obviamente os trabalhadores
48
Muitas derivavam de uma previdência feita com regras específicas para os servidores do BANERJ, era uma previdência fechada e deficitária, e havia também dívidas trabalhistas.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 117
sofreram com isso, pois não receberam suas verbas trabalhistas da rescisão nem os direitos
trabalhistas a serem pagos.
O Judiciário, ao contemplar tal situação, vendo que os trabalhadores foram demitidos às
vésperas da privatização, como atos preparatórios para a venda, o trabalhador tem em risco
seus direitos trabalhistas, pois o estava deficitário e existe uma difícil burocracia do Estado
para se cobrar tais direitos (precatórios). Além disso, esse mesmo Estado favorece através de
um processo negocial uma estrutura empresarial que tomou conta do empreendimento, que
hoje é do .
Houve uma mudança empresarial onde os ativos saudáveis foram transferidos e os passivos, o
patrimônio podre, ficou todo com o e isso afeta o empregador original, o próprio .
Vendo isso, o Judiciário disse que aqui há sucessão (isso foi feito mediante requerimento).
O disse que não houve continuidade da prestação do serviço, mas, no caso, o Judiciário
disse que não precisaria.
Sobre isso, a OJ 261, da SDI nº1:
BANCOS. SUCESSÃO TRABALHISTA. Inserida em 27.09.02
As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados
trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a
este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais,
caracterizando típica sucessão trabalhista.
O propósito da sucessão é facilitar a sucessão do crédito trabalhista, favorecer para que o
empregado receba seus direitos trabalhistas. Menos importará um requisito doutrinário que
não está na lei, à continuidade de prestação do serviço, do que aplicar a sucessão para se
atingir a finalidade dita acima.
A princípio isso foi para os funcionários mandados embora, mas depois, os que ficaram no
também processaram o , uma vez que alguns deles possuíam algumas dívidas trabalhistas,
mesmo que os vínculos tenham se mantido, ainda que temporariamente, com o . Alguns
obtiveram a declaração da sucessão.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 118
Exceções à sucessão
1ª Exceção: Sucessão Eivada de fraude.
Não acontece sucessão quando há fraude. O empregador
está atolado em dívidas e, um empresário de má-fé, para se
livrar da possibilidade das dívidas da empresa afetarem seu
patrimônio pessoal, pergunta a um funcionário: “você quer
ser demitido ou quer manter seu emprego”? Optando por
manter o emprego, o funcionário assina em um contrato,
sem saber o que está assinando.
Aquele é um contrato em que o empresário transfere sua
empresa para o seu empregado (ele torna-se aquela famosa
fruta cítrica, o ‘’laranja’’, representado pela imagem ao
lado).
Isso é um vício de consentimento, uma fraude, uma coação. Isso é um argumento para o
empresário alegar que houve a sucessão de empregadores, pois se alterou a titularidade do
empreendimento. A responsabilidade trabalhista seria do sucessor, no caso o empregado fruta
cítrica, que não possui nenhum tipo de bem, extremamente pobre, que assinou o contrato
sem ler. Nesta hipótese, remanesce a responsabilidade do empresário original.
2ª Exceção: Empregador Doméstico.
Empregador doméstico também não há sucessão. Ele é vinculado à pessoa física no âmbito
familiar. Se o empregado passa de mãe para filha é uma nova relação de emprego, pois se
criou um novo âmbito residencial ou mesma entidade familiar.
Empresa de empregador individual também não gera sucessão. Os herdeiros não assumem
essas dívidas.
3ª Exceção: Em caso de falência.
No caso de falência, em virtude de expressa imposição da lei de falências, a lei 11.101 de 2005,
não há sucessão. Quando as empresas se encontram em um estado de insolvabilidade onde a
mantença da atividade econômica se torna impossível, pois o resultado econômico não
consegue satisfazer suas obrigações, a empresa pode recorrer à recuperação judicial, onde ele
pede um prazo para “respirar” em relação ao pagamento dessas obrigações e apresenta um
plano de recuperação, um tempo para executar tal plano, para reativar a atividade econômica,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 119
reequilibrando-se. Pode ser também que ela mesma ou um credor da empresa proponha
judicialmente a falência, que é o fim da empresa. O juiz declara que a empresa quebrou, faliu,
a atividade econômica cessou e liquida-se o que sobrou. Há uma congregação dos credores da
empresa que se habilitam no processo e há uma ordem de preferencia para pagamento de tais
credores, estabelecida por lei, e vê-se até onde o pagamento da empresa pode pagar. Os
credores quirografários, por exemplo, não têm nenhum privilégio. O processo de falência serve
justamente para liquidar esse patrimônio.
Desde sempre o crédito trabalhista é privilegiado, assim como o crédito do governo (mas o
primeiro é o trabalhista). O previdenciário também é privilegiado. A lei de falências entende
que a atividade econômica é o suprassumo da atividade humana, ela é bem liberal, e com sua
ideologia entende que uma sociedade só vive em virtude das atividades econômicas privadas,
a livre iniciativa, que é valorizada por ela. O que importa é que alguma atividade econômica se
mantenha ou venha a ser retirada da que se extinguiu em virtude da falência ou ainda tirar o
máximo de novas atividades econômicas daquela empresa que faliu. A lógica é estimular ao
máximo novas atividades econômicas, sempre tentando recuperá-la primeiro, pois a atividade
econômica é muito desejável socialmente, pois, segundo essa lógica, é dela que se extraem os
empregos. O individuo que desenvolve alguma atividade econômica gera empregos.
Obviamente a atividade econômica não existe sem empregos, logo, aqui há uma simbiose.
Existe emprego para existir atividade econômica e existe atividade econômica para existir
emprego. Isso não é um favor que o empresário faz. Essa lógica de favor é o típico enfoque da
cultura patrimonial brasileira que foi transposta para o nosso liberalismo, ela nem existe tanto
nos países que fizeram revolução burguesa. O Brasil não tem direitos, tem favores.
O art. 141, II da referida lei:
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais,
promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante
nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do
trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 2o Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos
contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato
anterior.
Se alguém, adquirindo ativos dessa empresa falida, conseguir desenvolver uma atividade
econômica ou incrementar uma atividade que já existia, ganha o prêmio de não ser sucessor
trabalhista. Ao se comprar uma filial, por exemplo, o dinheiro paga aos credores desse
processo falimentar. Botando o empreendimento nessa filial, não haverá sucessão trabalhista.
Indo a esse processo de falência e encontrando nele um estabelecimento com insumos,
máquinas etc. e, adquirindo esses ativos e mantém esses trabalhadores, contratando-os,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 120
criando um empreendimento econômico e usa os trabalhadores da empresa falida não haverá
sucessão e esses contratos serão novos contratos de trabalho.
A lei chegou a ser questionada pela ADIn 3.934-DF, mas não há vício de inconstitucionalidade
nela.
4ª Exceção: Aquisição de Empresa Pertencente a Grupo Econômico.
É uma nova exceção a sucessão de empresas.
Ao se adquirir uma empresa que pertencia a um grupo econômico – que é uma série de
empresas coordenadas ou subordinadas a outra empresa que desenvolve algum tipo de
atividade econômica conjunta. Ao adquirir uma empresa dentre tantas que pertenceu ao
grupo, nesse caso, a empresa teria solidariedade passiva em relação as demais componentes
do grupo e, após a sucessão, deixaria de ter a solidariedade. Não há sucessão das obrigações
solidária do grupo econômico. Sobre isso, OJ 411, da SDI nº 1:
SUCESSÃO TRABALHISTA. AQUISIÇÃO DE EMPRESA PERTENCENTE A GRUPO ECONÔMICO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SUCESSOR POR DÉBITOS TRABALHISTAS DE EMPRESA
NÃO ADQUIRIDA. INEXISTÊNCIA. (DEJT divulgado em 22, 25 e 26.10.2010)
O sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida,
integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa
devedora direta era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou
fraude na sucessão.
Empregados de confiança
Existem dois grupos de empregados de confiança:
Altos profissionais
Aqueles inseridos nas posições mais elevadas da hierarquia da empresa, de sua organização
hierárquica (os grandes diretores da empresa). Esses empregados já são contratados para uma
função de confiança e suas posições hierárquicas revelam remunerações diferenciadas, pois
são aqueles que estão no topo e ganham mais.
Este primeiro grupo são os altos empregados, os mega diretores da corporação que são
contratados a peso de ouro no mercado e têm uma autonomia muito grande dentro dos
elementos de seus próprios contratos. Têm grande poder de comando na empresa e às vezes
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 121
têm tanta autonomia gerencial que podem, em certos casos, em um só ato, em um cheque
que assinam, podem acabar com o empreendimento econômico de uma vez só.
São grandes diretores jurídicos, comerciais etc. e desde o início do contrato já exercem uma
parcela considerável do poder típico do empregador, o representando quase sempre. Mas,
ainda assim são empregados e, portanto, alguém manda neles. Eles têm desde o início do
contrato essa característica de confiança
Empregados de confiança específica (Art. 62, inciso II da CLT)
Denominação da professora Alice Monteiro de Barros: são aqueles que ingressam na empresa
sem qualquer poder de direção, mas que, ao longo do contrato, são promovidos a um cargo de
confiança tendo transferidos para si uma parcela do poder de gestão do empregador.
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos
quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes
de departamento ou filial.
Já este segundo grupo, são empregados normais, sem nenhum tipo de poder, que não
mandam em nada, pelo contrário, recebem ordens como todo e qualquer empregado.
Todavia, ao longo do seu contrato, certas qualidades são reconhecidas pelo empregador,
suscitando a promoção desses empregados para alguma função e confiança, como chefe do
setor, supervisor ou ainda gerente geral. De fato, ele não tinha nenhum poder passando a ter
algum. Passa a mandar em outros empregados, determinar o que outros empregados fariam
ou mesmo admitir e demitir empregados. São poderes típicos do empregador em maior ou
menor dimensão. São poderes típicos de gestão.
O art. 62, II da Consolidação das Leis do Trabalho sustenta que esse empregado tenha
suprimido os direitos da duração do trabalho, além do poderes de gestão, ele deve ganhar um
acréscimo remuneratório de, ao menos, 40% do que ganhava antes da promoção. Para que ele
seja excluído de uma série de direitos ele deve ter um acréscimo remuneratório para
compensar a série de direitos que serão suprimidos desse empregado de confiança específica.
Um desses direitos é que o empregado de confiança específica não tem limite de duração de
trabalho (oito horas por dia/44 horas semanais). Esse tipo de direito não atinge empregados
de confiança. Se esse empregado, de fato, realmente exercita poder de gestão (realmente
comandando, isto é, efetivamente exercer o poder de gestão e ganhar pelo menos 40% a mais
do que ganhava).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 122
Deve-se notar que, no primeiro caso (Altos Profissionais), se ele é desde sempre um
empregado de confiança e, na verdade, só perde confiança quando perde o próprio emprego
(entrou como diretor e saiu como diretor). Ingressou como empregado de confiança e saiu
como tal.
No segundo caso não é assim. O art. 468, parágrafo único, da Consolidação das Leis do
Trabalho permite que o empregador, não depositando mais confiança nesse empregado, retire
o cargo de confiança, revertendo o empregado ao cargo efetivo, original, antes ocupado.
Suprime-se, então, apenas o cargo de confiança e, possivelmente os 40% a mais que se
pagava.
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das
respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do
empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo,
anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
Esse caso excepciona tanto a possibilidade de rebaixamento quanto de redução de salário.
Excepciona temporariamente. Há a súmula 372 do TST que diz:
Nº 372 GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES. (conversão das
Orientações Jurisprudenciais nºs 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005
I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador,
sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo
em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 - Inserida em 25.11.1996)
II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador
reduzir o valor da gratificação. (ex-OJ nº 303 - DJ 11.08.2003)
Então, a princípio, esse segundo grupo de empregados de confiança está relacionado a um
cargo de confiança precário que depende desse elemento subjetivo do empregador ou do
superior hierárquico que o represente. Enquanto esse superior/empregador depositar
confiança nesse empregado, este manterá seu cargo de confiança. Mas confiança é um
elemento subjetivo e, o empregador não querendo mais, evidencia-se como tal quesito é
precário e, assim, pode suprimir essa função de confiança, revertendo-o ao cargo efetivo, que
ocupava antes da promoção.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 123
Suprime-se a remuneração suplementar desde que o indivíduo possua menos de dez anos
nessa função de confiança, pois, do contrário, se ele se mantiver lá por dez anos ou mais, a
reversão é possível, mas a remuneração não pode ser diminuída, pois o acréscimo fica
incorporado em virtude do tempo em que tal trabalhador ocupou aquela função.
Esse empregado também pode ser transferido sem anuência (art. 469, § 1º da CLT). Fica
também excluído da estabilidade decenal, que hoje é um direito que não existe mais para
ninguém, mas que, enquanto existente, não era atribuído ao empregado de confiança
específica. Então, se o empregado fosse de confiança específica, poderia ser rebaixado, não
precisaria ser necessariamente demitido.
No entanto, se é um alto funcionário, aí tem que mandar embora e contratar um novo diretor.
Isso é do cotidiano da empresa, mesmo que não tenha havido nenhuma reestruturação na
estrutura jurídica da empresa os diretores mudam o tempo inteiro.
O cargo de confiança na Administração Pública é possível tanto para celetista quanto para
estatutários. Sendo celetista o princípio é o mesmo, é muito parecido com o segundo grupo. A
precariedade que existe na Administração Pública também existe no âmbito privado, é o
mesmo princípio.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 124
Aula 12 – Direito do Trabalho I dia 21/05/2013
Poder diretivo
O poder típico do empregador no contrato de trabalho é o poder de direção (poder diretivo ou
ainda poder empregatício).
A ordem jurídica reconhece que na relação entre empregado e empregador existe um
desequilíbrio de poder, pois um deles é detentor de poderes e o outro não é. Esses poderes
decorrem evidentemente do direito de propriedade privada dos meios de produção. Quem
dota e reconhece esse poder ao empregador é a ordem jurídica e, em ultima análise, é o titilar
da ordem jurídica, o povo.
Embora ninguém acredite nisso, todo o poder autorizado pela ordem jurídica só é autorizado
por que se trata de uma delegação do povo. O povo construiu a ordem jurídica e disse que tais
personagens terão poderes (governadores, juízes, empresários e etc.).
O poder do empregador é uno, decorrente do direito de propriedade, para que possa
comandar o meio de produção e organizá-lo, assim como fazer com que o empreendimento
atenda as finalidades econômicas que ele determina. Congrega então os fatores de produção e
manda nos mesmos, dentre eles, a força de trabalho.
É um poder uno, mas é fragmentado didaticamente, onde cada autor faz sua divisão. Deve-se
compreendê-los como um poder uno concedido pela ordem jurídica em virtude do direito da
propriedade privada dos meios de produção.
Ele terá um aspecto organizacional se o empregador é o dono dos meios de produção,
organizando-os da forma que melhor pensar, pois ele é o proprietário dos mesmos e os
organiza como bem entender. Em termos de pessoal, se manifesta como poder hierárquico,
pois os funcionários são dispostos dentro de uma hierarquia. Os métodos de produção atuais
têm horizontalizado a organização dessas pessoas.
Era muito comum nos modelos fordistas as hierarquias das empresas tomarem a forma de
pirâmides. A estrutura de cargos e funções, tradicionalmente, também é uma pirâmide, esta
que é desenhada pelo próprio empregador, até mesmo o nome dos cargos é ele quem faz com
sua livre criatividade.
Existe também um poder de fiscalização, supervisão, controle, que por sua vez decorre da
capacidade de criação de normas sobre o que o empregado poder ou não, deve ou não fazer.
Além do poder regulamentar, que é a capacidade do empregador de criar normas, existe o
poder disciplinar, que é o poder mais visível do empregador, com o qual pode aplicar sanções,
punições ao empregado. O Estado atribui então certa coercitividade às ordens do empregador.
Na visão atual e constitucionalizada do Direito do Trabalho esses poderes foram mais
limitados, pois devem respeitar os direitos fundamentais.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 125
O poder do empregador, diretivo ou empregatício, é uno. Ele não o exerce de forma individual,
não é possível das ordens para todos os funcionários em todos os setores de todas as
empresas de um grande grupo econômico. Então, poder se dilui ao longo da hierarquia da
empresa, ele se despersonaliza, para que possa ser exercício, na figura dos sócios, dos titulares
do empreendimento, dos proprietários privados do meio de produção e se impessoaliza
mesmo quando não há propriedade privada dos meios de produção, quando não há atividade
econômica, quando o empregador o é por equiparação, que contrata empregado, mas não é
empresa.
Em síntese: Empregador é quem contrata o serviço dotado de Subordinação, Habitualidade,
Onerosidade e Pessoalidade.
O poder diretivo é visualizado através da capacidade que o empregador tem de criar normas,
estas que terão maior ou menor abstração. Vão desde a ordem direta da circular que
determina o que o empregado tem que fazer, como se portar, por exemplo, e até o
regulamento da empresa. Toda a capacidade de criar normas do empregador é chamada de
poder regulamentar (portarias e ordens de serviço, por exemplo). Às vezes atingem todos os
empregados, ou só de um determinado estabelecimento (unidade destacável da empresa, sem
fazer com que ela deixe de existir ou perca sua dinâmica) ou certos empregados etc.
O poder regulamentar então se concretiza por excelência no regulamento da empresa, este
que serve no contrato de trabalho como clausula de adesão, pois o empregado adere àquilo
que é disposto no regulamento da empresa, e as normas do regulamento da empresa passam
a compor o contrato de trabalho de cada um dos empregados. Em tese, no momento da
contratação, o empregado deveria ter conhecimento do regulamento da empresa e como é
cláusula contratual isso deveria condicionar a aceitação do empregado na admissão. Se existir
uma norma com a qual o empregado não concorde ele teria de conhecer.
Em termos de abstração contratual, as regras do regulamento da empresa integrariam o
contrato de trabalho, pois o empregado adere a tais regras, pois não é ele quem as cria, mas
sim o empregador. Ele adere às cláusulas gerais do contrato de trabalho e às normas que
compõem o regulamento da empresa.
Se o regulamento faz parte do contrato, o que vale para o contrato como princípio da condição
mais benéfica vale também para o regulamento da empresa. As alterações no regulamento da
empresa ficam condicionadas ao subprincípio da condição mais benéfica (as alterações
contratuais que representem um benefício ao empregado são incorporadas como direito
adquirido do empregado e as que acarretam prejuízo são consideradas como nulas de pleno
direito). Isso serve para o regulamento da empresa. Se a alteração do regulamento da empresa
apresentar um prejuízo para o empregado, não terá valor contratual, pois é condição menos
benéfica, seja um prejuízo direito ou indireto.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 126
Sobre isso, art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho c/c súmula 51 do Tribunal Superior
do Trabalho.
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das
respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do
empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo,
anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
TST Enunciado nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973 - Incorporada a Orientação Jurisprudencial
nº 163 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Cláusula Regulamentar - Vantagem Anterior
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas
anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do
regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um
deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1
- inserida em 26.03.1999)
Se o regulamento é alterado e tal alteração causa um prejuízo para os trabalhadores sob o
império do regulamento anterior, ela será nula para eles. Só valerá para os que forem
admitidos após a alteração.
Se o empregado percebe que, havendo dois regulamentos, cada um tem suas vantagens e
desvantagens, tanto o antigo quanto o alterado, e ele está sob um regulamento e,
considerando-se que há a possibilidade de migrar para o outro regulamento, se o empregado
optar pelo novo, ele ficará somente com o novo, se optar pelo antigo, ficará somente com o
antigo. Optar por um deles é renunciar ao outro, é semelhante à teoria do conglobamento, se
há duas normas em vigor, adere-se inteiramente a uma delas.
O poder disciplinar é onde se visualiza melhor o poder do empregador, a capacidade que ele
tem de punir os empregados, aplicar sanções. Não adiantaria nada a capacidade de
regulamentar sem coercibilidade. É o poder de aplicar sanção aos empregados que infringem a
regra, que a descumprem, infringem o poder de comando do empregador. Desobedeceu-se ao
poder de comando, como o empregado é subordinado, vêm às sanções.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 127
Sanções Aplicadas Pelo empregador
Tipo de sanção que podem ser aplicadas pelo empregador:
Advertência;
Suspensão disciplinar;
Dispensa por justa causa.
A Inaplicabilidade da Multa
As multas e os descontos salariais não podem existir no contrato de trabalho como mecanismo
de punição. Multas raramente existem, um exemplo seria na lei do jogador de futebol, mas é
um caso peculiar, de rescisão antecipada. Em geral, não se admite multa no contrato de
trabalho, até mesmo porque ela seria um mecanismo de transmitir para o empregado o risco
da atividade econômica quando a atividade econômica é do empregador, assim como o risco.
O empregado vende a força de trabalho e não deve ter nenhum risco do negócio transferido
para ele. Não se admite multas como modalidade de poder disciplinar.
1ª Sanção: Advertência
A advertência sequer tem base legal, é um costume que já foi consolidado pelo entendimento
jurisprudencial e pela doutrina. É a punição mais branda que se realiza pela explicitação da
falta cometida para o empregado. É também ciência, pois o cientifica o empregado de que ele
cometeu uma falta, dizendo que a conduta realizada é uma falta, infração disciplinar, contrária
à regulamentação interna da empresa e contrária às determinações do empregador.
Recomenda-se então que o empregado não volte a incorrer nesse erro, sob pena de punição
mais gravosa.
A advertência não tem forma, pode ser escrita ou verbal, é o ato de cientificar o empregado de
que ele cometeu a falta e, como consequência adverte-lo para que este não volte a cometê-la.
Alguns empregadores se preocupam com o fato de os empregados não assinarem a
advertência. O empregador tem que se resguardar que efetuou a punição, tem que provar o
ato de punir, mas o ato não tem forma, ela pode ser verbal e provado por testemunha, que é o
meio de prova hábil. O documento é mais eficaz, mas sua ausência não invalida o ato, pois
pode ser provado por outro mecanismo.
Testemunha é quem conhece o fato (independente de quem for). Não importa se é
empregado também, pode até ser empregado com processo contra a empresa. O que não
pode é mentir em juízo, pois ela esta lá para contribuir com a justiça.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 128
2ª Sanção: Suspensão
A suspensão implica o ato de afastamento do empregado por um período de uma a trinta dias
sem a respectiva remuneração. O empregado fica afastado compulsoriamente, impedido de
trabalhar e, me virtude disso, não recebe os dias em que é afastado pelo empregador. O art.
474 da Consolidação das Leis do Trabalho é o único dispositivo que alude a suspensão diz:
Art. 474 - A suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos
importa na rescisão injusta do contrato de trabalho.
O caso do art. 474 é o empregador que comete uma falta, qualificada como grave49 e suscita o
rompimento do contrato, suscita ao empregado romper o contrato por culpa do empregador.
As sanções não têm ordem, hierarquia ou forma. O empregador as aplica como achar que deve
no exercício do seu poder de direção. Ele tem discricionariedade. Durante muito tempo
vigorou a tese da insindicabilidade do conteúdo da suspensão, da quantificação da suspensão.
O Judiciário não sindica, não interfere na designação do conteúdo, na quantificação da
suspensão feita pelo empregador (não poderia dizer que quinze ou vinte dias é muito ou
pouco).
Hoje a Constituição mudou um pouco dessa história, assim como o limite do poder pela
legitimação da soberania popular ou limite para respeitar os direitos fundamentais. O
empregador tem poder porque o povo determinou, através da constituição e legislação
infraconstitucional, que ele tivesse poder. O empregador não exerce o poder para si e, nesse
sentido, ele deve respeitar as outras deliberações da soberania popular, expressamente as que
dizem respeito aos direitos fundamentais.
A quantificação da suspensão passa pelo crivo da proporcionalidade. Quando o empregador
suspense seu empregado por vinte dias, o que é absolutamente excessivo, pois fica 2/3 do mês
sem receber, o que causa grande impacto, deve levar a uma justificativa razoável quando
houver questionamento. O empregador tem poder, mas deve justificar esse afastamento, que
deve ser dado caso a falta tenha tido uma gravidade muito grande.
As punições muito longas são mais raras, fala-se muito em razoabilidade e proporcionalidade,
exige-se justificação, prestação de contas. Quem concedeu o poder foi o povo e, através dele,
o Judiciário pode exigir justificativa. O Judiciário então, hoje, passa a adotar uma postura não
de substituir o empregador na quantificação, mas de exigir a motivação.
Essa falta não precisa estar expressa no regulamento, mas deve decorrer logicamente das
obrigações contratuais, quando muitas dessas são tácitas, como, por exemplo, não quebrar o
instrumento de trabalho dolosamente. Em caso de acidente é discutível, mas se houver
49
Considera-se grave, pois impede a convivência entre empregado e empregador.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 129
negligência ou dolo, aí é possível a punição sem previsão. Porém não é cabível uma punição
por algo que nunca tenha se relacionado com o contrato de trabalho do empregado.
3ª Sanção: Dispensa por Justa Causa
Contudo, há um critério para a dispensa por justa causa. Só é possível punir através da
dispensa por justa causa quando a falta cometida for grave. A falta grave é aquela que impede
a manutenção do contrato, da relação contratual empregatícia. Quem determina quais são as
faltas graves é a lei. Estão quase todas concentradas no art. 482 da CLT e são as principais.
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo
empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual
trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha
havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer
pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima
defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o
empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa,
própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 130
Os critérios para aplicação das punições que hoje são reconhecidamente indagadas pelo
Judiciário são:
Nexo causal: para que haja punição deve ter havido uma falta (o Judiciário
verifica se houve ou não falta, mas não substitui o empregador para dizer que
a quantidade de dias foi muita ou pouca, até pode passar a fazer isso com base
na constituição, mas não pode substituir o empregador);
Imediaticidade: o empregador deve punir imediatamente, tão logo tomou
conhecimento da falta. O empregador conduz a relação jurídica com o
empregado, se há uma falta e o empregador não faz nada quer dizer que a
falta não é muito representativa para o contrato, não faz diferença, é o perdão
tácito do empregador, decorrente da falta de punição quando o empregador
conhecia a infração. Não punir imediatamente é perdoar tacitamente. Isso
significa dizer que não poderá punir depois, ou é imediatamente ou não. Ela
não possui, no entanto, uma quantificação cronológica. O empregador, assim
como na falta grave, precisa de um tempo de convicção, de certeza, de que a
falta está sendo cometida, e por quem (autoria e objetividade da falta). O
aspecto cronológico é relativo. Depende da circunstância concreta;
Singularidade (non bis in idem): é a singularidade, para cada falta cometida há
uma e apenas uma punição. Não é possível, pelo mesmo fato ou conjunto
fático aplicar uma advertência e, em seguida, uma suspensão. Se já optou por
advertência, ela é o bastante para a falta cometida, se optou pela suspensão,
ela já é o bastante para a falta. Não se pode romper a singularidade.
A dispensa por justa causa sempre aparece quando se leva em consideração as condições in
concretu do empregado. Quando se analisa a constituição de uma conduta faltosa de natureza
grave para fins de se apurar a legalidade ou não da dispensa por justa causa, se analisa a
situação do trabalhador levando-se em consideração as peculiaridades concretas daquele
trabalhador. Não existe aqui, na analise da culpabilidade, como no direito penal, o critério do
homem médio. Essa abstração não existe no direito do trabalho para fins de punição para
dispensa por justa causa, de falta grave. A compreensão da gravidade da falta leva em
consideração as qualificações pessoais do empregado. Às vezes o empregado não tem sequer
condições intelectuais e cognitivas para compreender que a falta é, de fato, grave e isso deve
ser levado em consideração. É um critério muito mais concreto do que o utilizado no direito
penal.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 131
Aula 13 – Direito do Trabalho I dia 28/05/2013
Terceirização
Terceirização como exceção (Súmula 331 do TST)
A equação contratual trabalhista se encerra na fórmula do contrato realidade. Isso foi visto no
princípio da primazia da realidade. É a conciliação das visões de mundo dos componentes que
moldaram a Consolidação das Leis do Trabalho.
Metade era contratualista, mas não queriam reproduzir mimeticamente o contratualismo do
direito civil e, por isso, defendiam que era um contratualismo mais cunhado com uma base
social.
A outra metade era institucionalista, influenciada por ideias corporativistas, acreditavam que a
relação de emprego se dava pela adesão do empregado aos fins institucionais da empresa. Era
mais que um mero contrato ou vontade em relação às obrigações do contrato. Existe uma
colocação da vontade do empregado no mesmo sentido e direção dos fins institucionais da
empresa. A Consolidação das Leis do Trabalho foi redigida com a conjugação das duas visões.
Há um contrato, mas esse é o contrato realidade e pode-se dizer que empregador é todo
aquele que se coloca em uma relação jurídica tomando e recebendo um serviço prestado por
um trabalhador que presta serviço de forma habitual, onerosa e pessoal.
O elemento institucional verifica-se com a fixação do empregado no empreendimento
econômico e não importa qual é o sujeito de direito que formaliza esse polo da relação
jurídica, pois esse sujeito de direito tem um a importância relativa, é a roupagem jurídica, o
que importa e o próprio empreendimento econômico do tomador do serviço.
Essa é a conjugação de fatores de produção (máquina, imóvel, marca, matéria prima, insumo,
força de trabalho etc). As articulações desses elementos formam a atividade econômica
organizada denominada empresa. Sobre isso o artigo 2º e 3° da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego,
os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou
outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como
empregados.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 132
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,
personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de
outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade
econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis
a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição
de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Contemplam-se as relações meramente contratuais das associações beneficentes e a relação
contratual econômica, coração da relação jurídica trabalhista (na qual o empregador
desenvolve atividade econômica e desenvolve atividade lucrativa cujo objetivo é lucro). Onde
o empregador é a empresa, o conjunto patrimonial e extrapatrimonial que se articula para o
desenvolvimento da atividade econômica tem um valor econômico e esse valor serve de
garantia para a satisfação dos diretos trabalhistas.
A finalidade do direto do trabalho é garantir que esse trabalhador receba o pagamento de
direitos trabalhistas. Isso se faz dizendo que o empregado está vinculado ao empreendimento
econômico, pois quando entrega a energia imaterial da força do trabalho e esta e absorvida
pelos fatores de produção, essa energia se transforma em valor econômico. Se esta
valorizando o empreendimento, nada mais justo do que ter tal empreendimento como
garantia de cumprimento das obrigações trabalhistas.
O responsável pelas obrigações trabalhistas em termos contratuais é o empregador, mas, para
além da figura jurídica do empregador, é o próprio empreendimento econômico. Tanto é o
empreendimento econômico que se este se superdimensiona para além de uma única pessoa
jurídica, e se visualiza na associação de várias pessoas jurídicas, tem-se o grupo econômico.
Quando ele muda de roupa jurídica, há a sucessão de empregadores. Em ambos os casos, o
empregado está vinculado, assim como sua força de trabalho, ao empreendimento
econômico. E a logica que informa ontologicamente a essência do direito do trabalho.
O contrato de trabalho que irá formalizar essa relação é o contrato sinalagmático, isto é, as
prestações obrigacionais dos sujeitos guardam uma reciprocidade. É bilateral porque é uma
pressuposição recíproca das prestações de cada parte, esta que caracteriza o contrato de
trabalho. Esse sinalágma é informado justamente por essa condição material da dinâmica
econômica. A obrigação principal do empregador e pagar o salario, a do empregado e
trabalhar, prestar serviço.
As outras obrigações do contrato de trabalho residem no fato de o empregador, além de pagar
o salário, irá pagar a remuneração de férias, o décimo terceiro, depositará o FGTS, enfim, as
obrigações acessórias. Já o empregado, este pode ter outras obrigações também, como se
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 133
manter uniformizado, cumprir um determinado procedimento ou devolve o instrumento de
trabalho no final do serviço. Mas o contrato de trabalho é bilateral por natureza,
independentemente das obrigações acessórias.
O contrato é bilateral porque se exige do empreendimento econômico que foi beneficiado
pela força de trabalho que cumpra as obrigações trabalhistas. O responsável por pagar as
obrigações trabalhistas e aquele que se beneficiou, ou teve seu empreendimento beneficiado,
pela mão de obra.
A terceirização vem para ser uma exceção a essa regra. Há um rompimento da relação
bilateral, sinalagmática.
Os processos de inovação tecnológica sempre estiveram presentes como auxilio aos modos de
produção, historicamente. Quando surge o capitalismo, a inovação tecnológica passa a fazer
parte de sua vida, é um componente essencial para a própria existência do capitalismo que se
mantenha um processo constante e permanente de inovação tecnológica. Desde o fim do
feudalismo, fase de transição toda moderna, “descobrimento” do Brasil nas grandes
navegações, até os séculos XVIII/XIX há esse processo constante que se acelera e o capitalismo
vai se consolidando como modo de produção dominante. Essa inovação tecnológica então vai
se acelerando também.
O recurso a esses elementos tecnológicos não dizem respeito só aos padrões produtivos. Há
quem diga que há várias revoluções industriais. A primeira seria a do vapor, a segunda da
energia elétrica, a terceira a do microchip e microprocessador de dados. Há quem entenda que
isso é um processo continuo. Isso não importa.
Para visualizar a terceirização o que importa é que, além do padrão produtivo, a tecnologia, a
racionalidade cientifica entra não só no padrão de produção, que incrementa os fatores ou
meios de produção, mas também por meio do que se produz e as técnicas cientificas serão
aplicadas no interior do processo de produção (métodos de produção). Quem estuda os
métodos de produção e a Administração.
No começo do século XX os métodos de produção começaram a ter grande cientificidade e
racionalidade com o fordismo que criou métodos científicos de produção para maximizar e
racionalizar o trabalho humano e aumentar os resultados. Organizam-se melhor os processos e
adequam-se as formas de produzir e de organizar os trabalhadores da empresa.
Além de Henry Ford, o século XX também viu o relógio taylorista de Frederick Taylor. É bem
representado por “tempos modernos” de Charles Chaplin. Grandes unidades fabris com mão
de obra pouco qualificada que desempenha um processo repetitivo e braçal segmentado e
fragmentado na esteira de produção. Essas unidades fabris manipulavam todo o processo de
produção, da matéria prima ao produto final. Produzia-se em série para uma sociedade de
consumo em massa.
Esse padrão deu excelentes resultados de acumulação de capital durante o século XX e casou
por 30 anos com o modelo de organização de Estado com o modelo de Estado de Bem-Estar
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 134
social (no entanto houve um “escorregão feio” em 1930). Mas, de uma maneira geral, o saldo
do fordismo e do taylorismo como métodos de produção é muito bom.
No final do século XX o capitalismo entra em crise de novo. Alguns culpam o Estado de Bem-
Estar social, outros culpam o capitalismo. De um jeito ou de outro esses métodos não
conseguiam mais manter o nível de acumulação de capital e com esses novos métodos vem à
terceirização. O toyotismo é um deles também, com sua produção “just in time” que é o
modelo de acumulação flexível ou pós-fordismo. É o modelo vigente, mas obviamente ainda
existem técnicas de produção fordista. Ao invés de grandes unidades fabris concentra-se a
produção. Há a etapa de concepção do produto, como o desenho dos carros, na matriz da
Volkswagem na Alemanha e, depois, a etapa de execução que se reduziu à montagem e,
quando muito, uma rede de comercialização que são as concessionárias autorizadas. Não tem
mais todas aquelas etapas produtivas, pois agora se especializa na montagem ou
comercialização – nessa nem tanto. O resto do carro é terceirizado. Cada pedaço do carro é
feito por uma empresa especializada naquele componente do carro – chassi, para-brisas,
limpadores de para-brisas, retrovisores etc.
Agora se produz sob demanda, quase sob encomenda, é o “just in time”, o estoque baixo. A
produção foi ainda mais racionalizada. Isso permite certa customização dos produtos e nichos
de mercados com clientes sofisticados e mais sofisticados ainda, com pesquisa de consumo
etc. Isso é acumulação flexível. Sequer existem cargos de fiscalização agora, pois os próprios
funcionários fiscalizam uns aos outros, é uma política de controle e há uma rede de
informação que faz com que essas informações cheguem ao chefe.
A terceirização é o imperativo dos novos métodos de produção, pois ela implica, aos menos
para os trabalhadores, em duas possibilidades, como a terceirização da produção que, no setor
de contratação de pessoal, se transformou em uma terceirização de serviços. Terceirizar a
produção especializada, agora se terceiriza também o serviço especializado, como segurança,
vigilância, manutenção, limpeza etc.
O empregador concentra-se agora só na sua atividade, as outras são prestadas por mão de
obra de terceiros especializados. Há também a terceirização da própria mão de obra, que é
diferente de contratar um serviço especializado onde a mão de obra e um dos fatores. Quando
se contrata uma empresa de manutenção de serviços de computadores, a mão de obra é um
dos fatores, mas existem outros, pois eles vêm com seus próprios instrumentos de trabalho
por exemplo. Já na terceirização de mão de obra se está intermediando gente, não se presta
nenhum serviço, se junta gente e distribui gente é intermediar mão de obra diretamente.
Essa prática sempre foi vedada pelo direito do trabalho porque é como se se transformasse o
trabalhador em uma coisa, uma mercadoria que se aloca, aluga, arrenda, usa na atividade etc.
Isso era chamado de marchandage e o modelo toyotista a trouxe devolva.
Em ambas as modalidades há uma pessoa interposta na relação entre empregado e quem se
aproveita diretamente da força de trabalho do empregado. Há uma relação com três sujeitos,
o trabalhador que continua cedendo sua energia imaterial, a força de trabalho; no entanto,
aquele que tem seu empreendimento beneficiado pela força de trabalho exime-se da
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 135
responsabilidade de custear com as obrigações trabalhistas, transferindo-a para a empresa
interposta que fornece a mão de obra, seja só mão de obra, seja mão de obra inserida no
serviço.
Ou a empresa interposta é uma empresa locadora de mão de obra ou é uma prestadora de
serviços especializados. De qualquer maneira a relação jurídico-formal se da entre a empresa
interposta e o trabalhador. Isso é um contrato de trabalho. Quem assina a carteira de trabalho
é a empresa interposta, esta que assume a responsabilidade de cumprir com as obrigações
trabalhistas, mas o trabalhador não trabalha para essa empresa diretamente, mas para a
empresa tomadora de serviços. Há então uma triangulação e, entre as duas empresas, há um
contrato de natureza civil, com igualdade entre as partes e autonomia de vontade das mesmas
para estipular os termos do contrato, este de natureza civil. Isso contraria o direito do trabalho
e sua regra de ouro – quem se beneficia do trabalho alheio custeia as obrigações trabalhistas.
Essa terceirização, ou essa imposição, que já era uma contingência econômica, foi reforçada
pela ideologia neoliberal. Temos o reconhecimento na produção em rede pela propaganda
neoliberal, pelo menos, de uma possibilidade de produção muito mais democratizada e
dividida, permitindo combater os monopólios. No entanto, o que se percebe é o contrário,
pois a Toyota, que trabalha vinculada com mais umas vinte empresas terceirizadas, que
trabalha com mais umas cem mil empresas terceirizadas e isso vira uma cadeia. Não é que o
monopólio das transnacionais tenha acabado, mas a forma como esse monopólio se estrutura
hoje é uma forma em rede.
Por outro lado, proliferou-se o conceito de que a terceirização seria um dado inelutável,
inexorável, insuperável, a realidade econômica é essa e não há o que fazer. Essa naturalização
deve sempre ser levada de forma relativa, pois dizer que é a natureza das coisas ou o
imperativo da ordem econômica é algo que se deve desconfiar. A globalização e a estruturação
produtiva pela terceirização são construções humanas, feitas historicamente, que apesar de
ser algo feito com algum tipo de força ou hegemonia, pode, em tese, ser mudado. Esse
discurso pode ser contestado e deve.
Apresenta-se também o discurso que a terceirização aumenta a oferta de trabalho, de
empregos e mesmo aumenta a qualidade dos mesmos. A realidade e a história brasileira
mostram o exato oposto, pois ela tem sido a porta de entrada da precarização das condições
de trabalho. Não é a única forma de precarizar, mas é um jeito de substituir um trabalho com
mais proteção trabalhista por um com menos e, em geral, é o que acontece na terceirização de
mão de obra e serviços.
Em termos jurídicos, contrato de trabalho é caracterizado por ser uma relação sinalagmática.
Por conta disso, o empregado cede a força do trabalho para receber o salário e demais
obrigações trabalhistas. Esse condicionamento recíproco que marca o sinalagma do contrato
de trabalho também se justifica de forma lógica. Além de ser um elemento contratual, jurídico-
formal, caso o contrato e a relação jurídica sejam despidos desse elemento, encontra-se uma
relação muito lógica, pois, seja para o empregador empresa (principalmente) ou não-empresa
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 136
(por equiparação), irá valorizar o empreendimento do empregador empresa e beneficiar o
empregador não empresa.
É uma questão de raciocínio. Aquele que se beneficia (direta ou indiretamente) da força de
trabalho alheio ou que tem seu empreendimento econômico beneficiado pela força de
trabalho alheio está enriquecendo em função do trabalho de alguém, valorizando seu
empreendimento ou atividade, econômica ou não, em função do trabalho alheio.
Se há um processo de valorização dessa força de trabalho, promovida no empreendimento ou
atividade não econômica do empregador, nada mais justo do que provisionar uma parte desse
enriquecimento para justamente garantir a satisfação dos direitos trabalhistas.
Aquele que se beneficia (direta ou indiretamente) da força de trabalho alheio é o responsável
pelas obrigações trabalhistas. O contrato de trabalho funciona nessa lógica. Formalmente o
responsável trabalhista é quem assina a carteira de trabalho e é o empregador, mas,
materialmente, o responsável, seja uma incorporação, um imbróglio jurídico gigantesco, o
responsável trabalhista é aquele que mais imediatamente teve seu empreendimento
beneficiado pela força de trabalho do trabalhador, é ele a quem a lei irá apontar como
responsável.
A terceirização vem como exceção à regra acima exposta. O direito do trabalho lida com isso,
que está na realidade trabalhista e no Judiciário, através da súmula 331 do Tribunal Superior
do Trabalho, pois ainda não há uma lei para este tema.
SÚMULA 331 DO TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação
do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e
31.05.2011.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº
6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo
de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37,
II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância
(Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços
especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e
a subordinação direta.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 137
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que
haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem
subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa
no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na
fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço
como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das
obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas
decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
A súmula rompe com a lógica que defende que é possível terceirizar quando a atividade é
meio do tomador, e não pode terceirizar quando é fim. Essa lógica não é correta à luz da
súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, pois ela permite a terceirização mesmo em
atividade fim, em hipóteses especiais.
É importante entender que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho é responsável por
fazer a terceirização permanecer como exceção. A súmula irá impor uma série de obstáculos
formais. Só há terceirização lícita quando se cumpre todos os requisitos da súmula 331 do
Tribunal Superior do Trabalho. Os obstáculos servem justamente para manter a terceirização
como exceção, para que ela não se converta em regra, não se generalize no mercado de
trabalho brasileiro.
Caso todos os obstáculos sejam cumpridos, a terceirização é lícita, todavia, faltando apenas
um a ser cumprido, será ilícita.
Terceirização ilícita é terceirização que não existe, pois não é válida para o direito do
trabalho. Se não se autoriza a delegação do custeamento trabalhista para um terceiro, a
terceirização, a exceção, cai-se na regra. A regra é que quem se beneficia da força de
trabalho alheia custeia os encargos trabalhistas.
O Judiciário ainda está caminhando na formalização da terceirização.
Se a empresa interposta assinou a carteira de trabalho do trabalhador terceirizado,
simplesmente não importa, o responsável trabalhista verdadeiro assine de novo. O vínculo
sempre se forma com quem toma o serviço diretamente, que explora a força de trabalho
diretamente, valorizando seu empreendimento ou atividade não econômica diretamente. A
regra é o contrato bilateral, o sinalágma do contrato de trabalho.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 138
A Origem da Terceirização e sua Evolução.
O nascimento, como terceirização da produção.
Na origem da terceirização está a terceirização da produção. No método pós-fordista há a
terceirização da produção. É a indústria automobilística que se reduz à montadora, reunindo
pedaços do carro criados por empresas especializadas que servem como atividades meio dessa
montadora. A atividade fim é conceber o veículo, criar, montá-los e vende-los. A atividade
meio é a empresa de chassi, pneu etc.
Da Terceirização da produção para a terceirização de serviços.
Da terceirização da produção foi-se para a terceirização de serviços e, em uma empresa de
serviços, pode haver diversos serviços que serão delegados para terceiros e que serão mais
bem prestados por terceiros (empresa especializada em segurança e vigilância, por exemplo,
pois, por ser especializada, tem condições de prestar um serviço melhor do que aquele
contratado pelo empregador sem experiência na área).
Da Terceirização de Serviços para terceirização da mão-de-obra.
Da terceirização de produção foi-se a terceirização de serviço. Desta foi-se para a terceirização
de mão de obra. Isso significa contratar um trabalhador através de uma empresa cuja
finalidade é vender trabalhadores. É uma contratação por intermediários, por uma empresa
interposta é ilegal. No capitalismo, ao invés de contratar o trabalhador como mercadoria
(escravo), contrata-se sua força de trabalho. O trabalhador não deve ser só uma pessoa, mas
um sujeito de direitos, livre e igual, pois deve fazer o contrato e só é possível fazer o contrato
sob essas condições.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 139
O capitalismo precisa do trabalho assalariado livre para que o sujeito de direitos trabalhador
tenha sua força de trabalho contratada que, quando articulada com os outros fatores de
produção da empresa, dará muito mais dinheiro do que dava a produção agrícola, cafeeira
escrava etc., pois haverá maior acumulação e capital. Assim acabou a escravidão
Porém, o capitalismo tem franja e, em alguns momentos, precisa super explorar o trabalhador.
Não é escravismo, de antes do capitalismo, pois vivemos outro modo de produção, ele é um
super explorado. O Brasil teve um salto de crescimento muito grande com as “commoditties”
desde a década de 90 até agora, pagou-se dívidas e houve acumulação de capital (somos o
primeiro produtor de carne, soja e trigo). No entanto a ONU disse que isso foi conseguido á
base de super exploração do trabalho e alta degradação do meio ambiente, uso irracional dos
recursos naturais e ambientais.
A terceirização de mão de obra (e não os outros tipos) vai se assemelhar a essa super
exploração do trabalho. A terceirização de produção é menos regulada pelo direito do trabalho
e é vista como grupo econômico. A terceirização de serviços é terceirização de trabalho
também, mas não é somente da mão de obra, pois envolve o know-how. A terceirização de
mão de obra é a intermediação da mão de obra. Esta última, a marchandage, que é
transformar o trabalhador em mercadoria, é proibida, à exceção da lei 6.019 de 1974 que
dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas.
Na referida lei a relação tripartida da terceirização há a permissão por um prazo de
trabalhadores que são agrupados, reunidos, selecionados e eventualmente treinados e
capacitados pela empresa de trabalho temporário (empresa locadora de mão de obra, como
diz a lei) aluga gente para a empresa tomadora de mão de obra. É um contrato civil. Seria um
contrato temporário. Seria quase como uma compra por catálogo, um aluguel de gente,
contratar via empresa interposta, que faz locação de mão de obra. O direito de trabalho não
permite isso, mas a lei 6.019 de 1974 abriu a primeira exceção.
Há certa semelhança com a “pejotização”, mas nesta é através de empresa prestadora de
serviços que, na realidade, não presta serviço nenhum, pois o que está sendo contratado é a
mão de obra.
A terceirização pode ser feita através da lei 6.019 de 1974 e os requisitos da súmula 331 do
Tribunal Superior do Trabalho foi transposta para elas. Faltando um deles o Judiciário
despreza e considera só quem trabalhou e quem tomou o serviço, que se apropriou
diretamente do serviço.
O inciso III da súmula trata da terceirização de serviços:
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.
Há a empresa prestadora de serviços e a empresa tomadora de serviços.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 140
Requisitos para Terceirização
1º Requisito: Especialização;
2º Requisito: Atividade meio da tomadora;
3º Requisito: Ausência de pessoalidade;
4º Requisito: Ausência de subordinação:
São quatro obstáculos que a súmula estabelece para serem transpostos para a terceirização
ser lícita. Neste caso funciona-se como a montadora de automóveis, mas em termos de
prestação de serviços. Delega-se para empresas especializadas a prestação de determinados
serviços, pode-se terceirizar qualquer coisa que seja a atividade meio, enquanto empresa
tomadora de serviços, e, então, procuram-se as empresas inseridas nessa atividade meio
sendo que o trabalhador terceirizado é empregado na empresa interposta, mas presta o
serviço para a empresa tomadora de serviços.
1º Requisito: Especialização
A empresa prestadora de serviços deve prestá-los de forma especializada, o serviço é um todo
orgânico e o trabalho humano é apenas um dentre diversos fatores, não o único, pois não
pode sê-lo. Se só se aloca mão de obra, se está intermediando mão de obra. Exemplo: uma
empresa de conservação e limpeza que só faz juntar trabalhadores de um lado para pô-los
para trabalhar de outro lado. Isso é uma empresa prestadora de serviços e o contrato de
natureza civil firmado com a empresa tomadora está vinculado com o número de
trabalhadores inclusive.
Quanto mais trabalhadores, mais alto o valor do contrato. Só tem trabalhador e mais nenhum
diferencial é intermediação de mão de obra, que não pode ser feita fora da lei 6.019 de 1974.
A empresa de conservação e limpeza pode apresentar um diferencial no mercado, alguma
técnica (limpar fachadas, processo de higienização de carpete diferenciado, por exemplo),
fornece os materiais de conservação de limpeza, cuidado especial com material sensível etc.
Por isso, se torna serviço especializado, mas é uma unidade orgânica inserida no mercado
concorrencial. Tem que ser especializada. Só locação de mão de obra é terceirização ilícita,
pois só locação de mão de obra deve observar a lei 6.019 de 1974.
2º Requisito: Ser Atividade Meio
Os serviços apresentados pela empresa prestadora de serviços estão ligados à atividade meio
da tomadora, pois não podem prestar serviços na atividade fim na tomadora. Essa
diferenciação é complexa e normalmente se usa o contrato social da empresa tomadora. Olha-
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 141
se o objeto do contrato social. Por exemplo, uma empresa metalúrgica que faz ligas metálicas.
Todas as atividades que correm para a produção de tais ligas são atividades meio. As etapas
produtivas para a produção desse bem é atividade fim e o resto é atividade meio. No entanto,
existem contratos em que existem várias atividades fim e aí é mais difícil se identificar.
Outra dificuldade é que a definição de atividade meio varia de acordo com a autonomia do
serviço prestado ou a importância deste para o gerenciamento estratégico da empresa
tomadora (uma definição da manutenção ou não do negócio da tomadora).
O departamento jurídico de uma tomadora pode ser terceirizado. As grandes corporações,
quase todas, terceirizaram os serviços jurídicos e houve a precarização do serviço, fazendo
com que o salário do advogado caia bastante.
O departamento de recursos humanos pode ser terceirizado, dependendo da autonomia
gerencial desse setor, ou seja, do que esse departamento faz concretamente. Se apenas
gerencia informações trabalhistas, tributárias, arquiva dados (se concorre nesta uma empresa
que possui um determinado sistema de computador que organiza esse tipo de informação e
assegura que as obrigações estarão em dia). Essas parecem ser atividades meio, aí pode
terceirizar.
No entanto, existem departamentos de pessoal que tomam toda decisão referente à
admissão, punição e demissão de empregados. Imagine uma empresa onde não se pode
admitir ninguém, pois isso é delegado, o mesmo para demissão e punição. Isso é abrir mão do
poder empregatício e isso pode levar risco ao seu próprio empreendimento. Quem é
proprietário privado dos meios de produção não abrirá mão de seu poder de gerir seu próprio
negócio (poder diretivo).
Pode até haver uma consultoria, mas quem decide é o proprietário dos meios de produção,
que pode ou não acatar os planos do administrador, do gestor ou demitir todos eles. Ele não
irá delegar o serviço inteiro para outra empresa, pois não há sentido em ter uma empresa e
não poder geri-la.
Então, interferir nos comandos e gestão estratégicos que dizem respeito à própria
manutenção do seu empreendimento se aproxima da atividade fim e isso é indelegável.
Muitas vezes só na prática dá para saber se é atividade meio ou atividade fim. Deve-se olhar a
realidade da empresa.
Isso se aplica menos ao setor público. A atividade fim do setor público é o interesse público,
que é um conceito jurídico indeterminado. No caso do ascensorista que trabalha nos
elevadores do tribunal é fácil de perceber a terceirização (não estão relacionadas à atividade
fim), mas existem meios de burla como as O.S, que são concessões, contratos de parceria ou
concessão, que se fazem (não mediante terceirização de serviço propriamente dito, mas são
brechas aberta por leis, pela Constituição estadual).
No caso do ascensorista, não é ele que em si que tem a especialização, mas a empresa que
fornece os serviços de ascensoristas, portaria etc. Na Faculdade Nacional de Direito - UFRJ as
ascensoristas são terceirizadas, a segurança também. O tomador é a Administração Pública.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 142
3º Requisito: Ausência de Pessoalidade
Não pode haver pessoalidade entre o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora. A
pessoalidade é a identificação da pessoa que via trabalhar de acordo com as suas qualidades e
características pessoais. A empresa tomadora não pode ter nenhum tipo de ingerência a
respeito da pessoa que vai trabalhar para ela, via empresa de prestação de serviços. Quem
decide quem vai ou não trabalhar é só a empresa prestadora de serviço.
A empresa tomadora de serviços não pode identificar nem o grupo de pessoas (mulheres de
até vinte anos de idade com peso aproximado de sessenta quilos, seguranças negros de altura
de 1,90m e aproximadamente cem quilos). Contrata-se o serviço, pouco importa quem vem, o
que foi contratado foi o serviço prestado. Caso se contrate uma empresa de manutenção de
computadores, pouco importa se vem o profissional A, B ou C, o que importa é o serviço.
Nesse sentido a rotatividade de mão de obra em uma empresa tomadora é sempre
interessante para que não se formem esses vínculos de pessoalidade.
Houve um caso fraude na qual o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região já se valeu da
prática de manter as pessoas contratadas para segurança, ascensorista, mas mudar as
empresas interpostas (praticamente mudou o uniforme, as pessoas continuaram). Como pode
mudar a empresa prestadora de serviço e manter a pessoa? Não pode, caracteriza
pessoalidade. Os trabalhadores terceirizados da empresa A se mantiveram com a empresa B,
isso é pessoalidade, terceirização ilícita.
Excepcionalmente podem-se identificar os trabalhadores terceirizados (presta-se serviço para
uma empresa que tem um estabelecimento em um prédio comercial que identifica todas as
pessoas que ingressam no prédio, com credencial para passar a roleta). Nesse caso, para
agilizar o serviço, manda-se a lista e os terceirizados são identificados diretamente, mas a
empresa tomadora não está determinando quem vai trabalhar, pois isso foi feito pela empresa
prestadora de serviço. Isso não é pessoalidade. Sempre que for justificável a identificação do
terceirizado não ilicitude, motivo de segurança é uma.
O que pode ser feito é: “com este funcionário terceirizado X, o contrato não está sendo
cumprido adequadamente”. Nesse caso, avisa-se à empresa interposta e esta troca ou não
troca. Caso continue não cumprindo pode ensejar algum tipo de cláusula penal porque o
serviço não está sendo cumprido ou faz-se a substituição para regularizar o serviço. A empresa
tomadora pode comunicar que tal empregado não está prestando o serviço de maneira
adequada, mas não pode falar que tal trabalhador não voltará mais lá, pois isso é
subordinação, é uma ordem. Pode haver a comunicação entre empresas e a empresa
prestadora de serviço o retira de lá.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 143
4º Requisito: Ausência de subordinação
O tomador do serviço ou seu preposto não pode determinar o modo de realização do trabalho
do trabalhador terceirizado. Quem determina o modo de realização o trabalho do trabalhador
é empregador, este que não é a empresa tomadora, mas sim a prestadora de serviços que,
essa sim, o determinará. Quem comanda esse contrato é a empresa prestadora de serviço e a
tomadora nunca pode interferir ou fiscalizar a mão de obra individual, mas somente o serviço
através da mão de obra, mas isso é diferente de dar ordens diariamente.
Um exemplo: a UFRJ contratou empresa terceirizada para prestação de serviços de limpeza, aí
o professor Flávio Martins (diretor nesta época) caminha pelos corredores da faculdade junto
com o Douglas, que é o fiscalizador desse serviço. De repente, flagram um funcionário
pendurado no ventilador para poder limpar a parte de cima do mesmo. Eles vão sair correndo
para o segundo andar e pegar o telefone para ligar para a empresa prestadora de serviços para
comunicar a situação? Não.
O professor Flávio Martins pode dar ordens simples, por exemplo, “não passe tal produto na
mesa, pois essa mesa é centenária, é da época da faculdade do Brasil, da faculdade livre etc”.
Isso é uma situação pontual, é diferente de ficar todo dia falando com o empregado. Ele, nesse
caso, irá se reportar sobre o mau serviço prestado. Havendo um motivo razoável, é possível
dar ordens.
Subordinação é o controle sistemático de cada empregado com emanação de ordens e
discriminação de tarefas e controle e punição. O tomador não pode punir o empregado
terceirizado, suspender o mesmo, que faz isso é o empregador. Caso contrário, não
cumprido qualquer dos requisitos, o vínculo forma-se com o tomador do serviço.
Não há terceirização ilícita, o direito do trabalho só enxergará quem trabalhou e quem se
beneficiou diretamente. Quem se beneficiou com o trabalho alheio é o responsável pelo
cumprimento das obrigações trabalhistas. É responsabilidade integral e exclusiva do tomador.
Não há solidariedade ou subsidiariedade aqui,
O inciso IV trata de responsabilidade no caso de terceirização lícita. A empregadora é a
empresa de trabalho temporário ou prestadora de serviço (empresa interposta).
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que
haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Na responsabilidade subsidiária, temos um obrigado, que é o principal e, em um nível
hierárquico inferior, o subsidiário. Para o inciso IV da súmula 331 o principal é a empresa
interposta e o subsidiário é o tomador do serviço. Só se busca o patrimônio do segundo
quando se demonstra execução inviável do patrimônio da empresa interposta.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 144
Na obrigação subsidiária há hierarquia entre os devedores, diferente da solidária, onde não há
hierarquia, pois estão situados no mesmo plano, são codevedores.
Requisitos para que a Empresa Tomadora Responda Subsidiariamente (inciso IV, da
Súmula 331).
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações,
desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo
judicial.
A terceirização aqui é lícita, cumpriu todos os requisitos da lei 6.019 de 1974 e inciso III da
súmula, mas ainda assim a súmula tenta assegurar o crédito trabalhista atribuindo
responsabilidade subsidiária para a empresa tomadora. Isso dentro do processo. Existem dois
requisitos de ordem processual para que essa responsabilidade subsidiária se aplique ao
tomador.
1º Requisito: A Empresa Tomadora deve ter participado da relação processual.
O primeiro é que a tomadora tenha participado da relação processual e conste no polo passivo
da reclamação trabalhista desde o começo, é reclamada, “litisconsórcio passivo necessário”,
entre aspas porque só a lei pode criar isso, mas estamos usando uma súmula. O mesmo
serviria para criação de responsabilidade subsidiária. Há um problema de legalidade da
súmula, mas o Tribunal Superior do Trabalho não liga para isso, até mesmo porque ele fez a
súmula. Teoricamente pode-se argumentar, e é verdade, que isso infringe a separação dos
poderes. Isso se justifica para preservar a ampla defesa e o contraditório da própria tomadora.
2º Requisito: Conste também no título executivo judicial
O segundo é que conste também o título executivo judicial – decisão transita em julgado,
como sentença ou acórdão, que deve condenar expressamente, de modo subsidiário, a
reclamada, a tomadora. Isso desafia os Embargos de Declaração.
O inadimplemento implica a responsabilidade subsidiária. Isso é responsabilidade objetiva, não
se falou em momento algum em culpa. É objetiva. Nas defesas do tomador sempre tem o
argumento de não haver culpa in elegendo, pois procurou contratar empresa idônea,
reconhecida pelo mercado e que presta serviços para grandes corporações há muito tempo e
não haver culpa in vigilando, pois todas as obrigações trabalhistas deveriam ser comprovadas
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 145
para a tomadora, antes de ela pagar o preço pelo serviço (apresentar folhas de pagamento,
recolhimentos previdenciários).
No entanto a empresa e os sócios sumiram, era uma empresa de fachada (isso ocorre muito
frequentemente com empresas interpostas). Todos os endereços dos sócios eram
fraudulentos e, aí, cai-se no patrimônio da tomadora para se garantir o direito trabalhista do
trabalhador. Mesmo alegando isso tudo o Judiciário vai para o patrimônio da tomadora.
Obviamente, para parte da doutrina, por não ser possível uma súmula criar responsabilidade
objetiva, pois esta decorre somente de lei, pois não tem poderes para isso, em termos
teóricos, a responsabilidade seria subjetiva, por mais que não se extraia isso do texto. O texto
não diz expressamente que é objetiva e ela não pode ser presumida. Em concurso diz-se que é
subjetiva, na prática é sempre usada como objetiva. Se a interposta não aparece à tomadora
arca com a dívida na prática. Tem que estar no polo passivo ou na sentença (ou acórdão).
Lei de Trabalho Urbano Temporário (lei 6.019 de 1974)
Requisitos para Contratação do Empregado Temporário:
Prazo (3 meses);
Admissibilidade;
Registro no TEM e outras formalidades.
O contrato de trabalhador temporário deve durar, no máximo, três meses, para que essa
condição não se generalize. A lei prevê hipótese de prorrogação de mais três meses através de
autorização do ministério do trabalho através do órgão chamado superintendência regional do
trabalho, que será responsável por absorver os requerimentos justificados de prorrogação. Se
houve algo positivo na prorrogação, como promessa de contratação de parte dos funcionários,
pode-se prorrogar por mais três meses. Mais que isso não pode.
O segundo diz respeito a hipóteses de admissibilidade. Não são quaisquer hipóteses que
permitem contratação de trabalhador temporário. A lei determina apenas duas.
Hipóteses de Contratação do Empregado Temporário
1ª Hipótese: Substituição Temporária de Pessoal.
A primeira é a substituição temporária de pessoal regular ou permanente da tomadora, esta
que tem seu pessoal próprio, mas, eventualmente, há necessidade de substituir um
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 146
empregado que está afastado com o contrato suspenso, interrompido, doente, de férias,
licença maternidade etc. O prazo ainda é três meses.
2ª Hipótese: Acréscimo extraordinário de demanda da tomadora.
A segunda é o acréscimo extraordinário de demanda da tomadora. A empresa tomadora tem
uma demanda anual média, e, extraordinariamente, de forma pontual ou sazonal, pode haver
uma demanda excepcional de produtos ou serviços e, para dar conta disso, dessa demanda da
tomadora, pode haver contratação de pessoal pela empresa de trabalho temporário. É o caso
de comercio varejista no final do ano, com o natal que é na época do décimo terceiro ou no dia
dos pais etc. Demonstrando esse acréscimo extraordinário de demanda para o ministério do
trabalho e possível a contratação temporária.
Aqui é uma exceção onde se permite terceirizar na atividade fim. Indica-se o trabalhador que
se quer, se dá ordens para ele e está inserido na atividade fim e há também subordinação
(contratação de funcionário temporário em comércio varejista, por exemplo). Mas não há
onerosidade da empresa tomadora para com o trabalhador, pois a empresa tomadora paga a
empresa interposta, esta quem paga o salário, as obrigações trabalhistas. A empresa tomadora
não paga nada ao trabalhador, mas paga o preço dele mais a taxa de administração e algo
equivalente a encargos que ela não tem que pagar ao trabalhador.
Qual a vantagem de contratar o funcionário temporário? Não era melhor fazer um contrato de
experiência de 90 dias? Em geral o preço equivale entre os encargos pagos em relação a um
trabalhador permanente, ou até menos, em relação ao que se paga para uma empresa de
trabalho temporário, mas a vantagem é o tempo ganho com capacitação e seleção, pois a
empresa interposta já fez todo esse processo seletivo.
Isso também é uma forma de precarização do trabalho, gera flexibilização e reduz a mão de
obra, há sempre a ameaça de ser substituído. No caso do substituto a sempre uma isonomia,
pois o substituto deve ganhar sempre o mesmo que o substituído, mas no caso da demanda
extraordinária não.
Formalidades Para Contratação de Trabalho Temporário.
A lei também apresenta uma série de formalidades.
Contrato escrito empregado e empresa de trabalho temporário (ou empregado, se
este pessoa física);
Contrato escrito entre empresa de trabalho temporário e empresa tomadora;
Registro da empresa de trabalho temporário no MTE.
Há a exigência de fazer o registro no TEM, eventualmente no CRPJ, na junta comercial
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 147
A empresa de trabalho temporário deve também, além de tudo, registrar no TEM para
identificar o tipo de trabalhador ofertado, verificar se os contratos estão precarizando muito a
condição de seus trabalhadores. Não há fiscais suficientes e na prática não há fiscalização. Mas
é uma formalidade e se não for cumprida a terceirização é ilícita. Se a terceirização é ilícita o
vínculo forma-se com o tomador.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 148
Aula 14 – Direito do Trabalho I dia 06/06/2013
Terceirização na Administração Pública
A rigor, a terceirização da Administração Pública começou antes de ela ser inserida no âmbito
privado. O decreto-lei 200 de 1967 estabeleceu pioneiramente, quando se tentou organizar a
Administração Pública, a possibilidade de transferir para terceiros privados as atividades que
não eram desenvolvidas sem nenhum tipo de consecução ao interesse público, como
conservação e limpeza, vigilância, ascensoristas.
Todas essas atividades estavam presentes na Administração Pública, mas não vislumbravam
nenhum tipo de interesse público e, evidentemente, por esse motivo, não necessitavam da
mesma proteção.
É interessante notar que tais atividades, já no decreto-lei 200 de 1967, eram vistas como
passíveis de serem ofertadas como serviço orgânico. A ideia da Administração Pública sempre
foi essa, que a terceirização fosse tomada por ela como serviço e não como contratação de
mão de obra.
Especifica-se aqui (pois a Administração constantemente burla esse tipo de aspecto) é que a
terceirização possível em seu âmbito é a de serviços, que evidentemente será regulada pela lei
8.666 de 1993 (lei de licitações e contratos). O serviço está definido em tal lei, assim como as
modalidades de contratação de serviços e, dessa forma, se estabelece que tais serviços devam
ser feitos com cuidado especial na escolha, sendo que tal cuidado se materializa justamente no
edital de licitação, pois nele se pedem garantias e apresentam-se exigências quanto à
solvabilidade da empresa prestadora de serviços.
Tem-se também a possibilidade de vislumbrar o patrimônio da empresa prestadora de
serviços. É uma série de requisitos que inexistem no âmbito privado. A Administração Pública
tem muito mais mecanismos para se cercar da solvabilidade (patrimônio) da empresa
prestadora de serviços. É bem menos arriscado para Administração que uma empresa
prestadora de serviços venha inadimplir com as parcelas trabalhistas e desapareça (algo que
acontece frequentemente no âmbito privado).
Logo, o problema da Administração Pública não é propriamente um problema em relação à
qualidade da prestadora de serviço, pois esse aspecto é até bem selecionado. Após isso, ao
longo da realização do contrato, a Administração Pública também controla de forma mais
rígida que a tomadora privada de maneira que possui uma série de formalidades (relatórios,
por exemplo) e uma pessoa em selecionada como responsável para fazer o acompanhamento
(a lei 8.666 de 1993 define todas essas obrigações ao longo do contrato). O dever de
fiscalização serve para que o controle e vigilância dessas obrigações trabalhistas sejam feito
mais detalhadamente.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 149
O trabalho temporário na Administração Pública.
A grande burla ao artigo 37...
O problema é que a Administração Pública quer burlar as hipóteses de terceirização
relacionadas ao serviço e tenta fazer isso através, basicamente, do artigo 37, inciso IX da
Constituição Federal que autoriza a contratação de trabalho temporário (não tem nada a ver
com o conceito de trabalho temporário da lei 6.019 de 1974).
A lei 8.745 de 1993 dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da
Constituição Federal. Esta discrimina o que é especial interesse público e traz as hipóteses de
contratação de pessoas em regime temporário e inclusive, por essa lei, a contratação pode vir
sem concurso público.
Na forma da lei 8.666 de 1993 a licitação de contratação de pessoas, se dá por concurso, mas
há as hipóteses de urgência, emergência ou substituição por processo seletivo simplificado,
que é o que a UFRJ faz para contratar professor substituto, que é uma hipótese presente na lei
8.745 de 1993, dentre outras possibilidades de contratação.
Assim, a Administração Pública por muitas vezes, tentará se valer dos institutos e lei acima
mencionados para contratação de pessoal para cumprir funções de serviços, que deveriam ser
contratados por meio de serviços, ou para contratar pessoas que estão no âmbito da
finalidade da Administração Pública50. É uma farra de irregularidades com relação à
terceirização. Todas elas são irregulares e, por isso, não podem constituir vínculo.
A regra para contratação de pessoal é o art. 37, II, parágrafo segundo da Constituição Federal,
o concurso público. A Administração Pública constantemente tenta burlar isso e esse é o
grande problema.
Existem problemas decorrentes no âmbito da contratação da contratação pública de celetistas
(empregados públicos) sem concurso público que levou à criação da súmula 363 do Tribunal
Superior do Trabalho51. Isso mostra que o Brasil tem muita dificuldade de adota e concretizar
um projeto republicano (projeto burguês), criado na época da Revolução Francesa, pois as
relações feudais que foram transpostas pelo antigo regime eram pessoais, tanto no âmbito do
trabalho.
Fosse à corporação de ofício ou no feudo a relação é pessoal uma vez que o vassalo mata e
morre pelo senhor feudal e este protege a vida do vassalo. É uma relação pessoal, até pelo
nome. Na corte havia também essas relações pessoais, patrimoniais, historicamente. É isso
50
Inclusive isso é vislumbrado por que muitas vezes se substitui pessoal de carreira por pessoal contratado através de contrato temporário, algo não permitido por toda essa legislação. Às vezes, tem-se até provimento dos cargos por concurso público, no qual as pessoas são aprovadas, mas não são chamadas e são contratados por terceirização pessoal. 51
Pode ser vislumbrada na íntegra na página 78.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 150
que burguesia queria romper, pois havia a ideia de que se acessava o poder em virtude de
contato e conhecimento pessoais, confundindo-se o espaço público com o privado, é o
patrimonialismo. O Estado cultural é uma das mazelas sociais que infectam o DNA brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 deu um passo importante no sentido de acabar com o Estado
patrimonial, ao menos sob o ponto de vista das regras jurídica. O caput do art. 37 demonstra
os princípios republicanos de origem burguesa que servem para superar o Estado patrimonial,
mas a constituição continua sendo desrespeitada e as pessoas são colocadas para dentro da
Administração Pública em qualquer órgão, ente federativo, autarquia, fundação ou, no âmbito
das estatais de direito privado, as empresas públicas e sociedades de economia mista sem o
concurso público.
Isto ainda é um grande problema para a Administração Pública uma vez que toda relação
clientelista e fisiológica é feita com base na nomeação (vote em mim e eu colocarei seu filho
em um cargo dentro da Administração). Essas teias de relações fisiológicas e clientelistas
continuam na realidade do país.
A terceirização que é vendida serve para tornar a produção mais eficiente, assim como os
serviços, pois se contrata pessoal especializado e a tendência é que a produção melhore.
Deixa-se de se contratar qualquer um para se contratar uma pessoa especializada e, desta
forma, é possível se concentrar na sua atividade fim e melhora-la. A ideia é qualificar a
produção de bens e serviços.
A Administração Pública deveria se valer desse exemplo. No entanto é usada (assim como o
âmbito privado o faz para precarizar e reduzir custos simplesmente, ao invés de se preocupar
em qualificar a produção), não para avançar no sentido de romper o Estado patrimonial, mas
como instrumento do patrimonialismo e burlar as regras do concurso público, assim como as
regras de proteção estatutária e regulatória do celetista.
Quem exerce interesse público invariavelmente se confrontará com interesses políticos e
econômicos, portanto, esse sujeito deve estar protegido para que, de fato, consiga atingir o
interesse público. Esse sujeito precisa de regras de proteção, mas, criou-se a imagem de que o
servidor público é um vagabundo. Existem vários que são, mas não é por causa disso que o
gênero todo é. Chega a ser pré-histórico rotular o Estado como ruim ou ineficiente por
natureza. Os serviços públicos funcionam bem em outros países. O Estado foi criado pelo
homem, portanto, pode o homem torna-lo bom ou ruim, não há algo bom ou ruim por
natureza quando se fala de criações humanas. Deve-se para com essa fetichização, assim como
se deve parar de fetichizar a natureza humana como ruim.
Em todo caso, em termos administrativos, o problema da Administração Pública, é
efetivamente o concurso público como o principal. O decreto 2.271 de 1997 que regulamenta
a lei 8.666 de 1993. Existem também algumas instruções normativas que especificam ainda
mais esse decreto.
Se um serviço foi contrato e, nos termos do inciso III da súmula 331 do Tribunal Superior do
Trabalho (na íntegra na página 129), tem pessoalidade ou subordinação, a terceirização é
ilícita. Não há sequer terceirização a ser considerada. No âmbito da Administração vale o
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 151
mesmo raciocínio, mas a consequência é diferente. No âmbito privado, se não há
terceirização, o vínculo é formado com o tomador do serviço.
Aplicando-se esse raciocínio com a Administração Pública (vínculo com a tomadora do serviço,
que seria a própria Administração) chega-se ao mesmo problema que se tenta sanar. Não pode
entrar na Administração como pessoa contratada sem concurso público.
O inciso II da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho menciona a hipótese da
terceirização no âmbito da Administração Pública. A partir daqui existem algumas correntes:
1ª Corrente: Não tem vínculo e, ou descarta-se a possibilidade de terceirização lícita e
havendo, na verdade, uma nomeação irregular, um servidor de fato, um trabalhador
que trabalhou no âmbito da Administração Pública sem poder trabalhar e, por isso,
aplica-se como direitos desse trabalhador a súmula 363 do TST. Esta determina que ele
só tenha direito aos salários e fundo de garantia. Aplica-se a mesma consequência para
terceirização lícita e ilícita que é a responsabilidade subsidiária para pagar os direitos
trabalhistas desse sujeito que foi contratado através de uma terceirização de serviços
que era ilícita, pois não tinha todos os requisitos.
2ª Corrente: Adota o inciso V da súmula 331 do TST que é voltado para casos de
terceirização lícita. A consequência da terceirização lícita no âmbito privado é a
responsabilização obrigatória da empresa interposta e, em caso de inadimplência,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. No âmbito da
Administração Pública, a terceirização lícita é tratada no inciso V da súmula 331 do
TST. Exige-se que a responsabilidade subsidiária seja condicionada por culpa da
Administração. A responsabilidade subsidiária só a alcançará se restar demonstrada
sua culpa.
Na realidade, a súmula só está se adequando à Ação Direta de Constitucionalidade 16 que foi
julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012. A responsabilidade da Administração Pública
era veiculada pelo inciso IV, que tinha a mesma redação com a única diferença do acréscimo
da expressão: “como tomador a Administração Pública”. Inadimpliu o empregador caiasse na
responsabilidade subsidiária desde que haja participado do processo e desde que conste no
título executivo judicial.
Os requisitos eram iguais assim como forma de redigir. Havia uma responsabilidade
perceptivelmente objetiva que, em tese, é subjetiva, mas na prática era objetiva, pois não se
questionava nada sobre culpa.
No final da súmula 331, o Tribunal Superior do Trabalho, propositalmente colocava entre
parênteses “art. 71 da lei 8.666 de 1993”. Tal artigo diz que a Administração Pública não possui
nenhuma responsabilidade por descumprimento de obrigação trabalhista, dentre outras, de
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 152
empresa contratada para prestar serviços. A Administração não poderia se responsabilizar por
nada que se refira a obrigações trabalhistas assumidas pela empresa contratada para prestar
serviço para ela.
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários,
fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º - A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais
e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o
uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada
pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º - A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos
encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31
da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 3º (Vetado). (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)
Com isso, as fazendas provocaram o supremo porque entenderam que o TST estava julgando a
inconstitucionalidade do art. 71. Isso não é verdade, pois o TST, mesmo conhecendo o art. 71
da supramencionada lei, defendia que não era o caso de aplica-lo em tais hipóteses em virtude
de norma mais favorável que deva ser aplicada, quais seja, os direitos trabalhistas. Era uma
questão de utilização do princípio da norma mais favorável, afastando da incidência o art. 71
do que propriamente a declaração de inconstitucionalidade do mesmo, o que jamais foi feito,
mas poderia ter sido pelo controle difuso (concreto) de constitucionalidade desde que e
estabelecesse a reserva de plenário.
A responsabilidade da Administração era subsidiária e objetiva. Suscitaram no Supremo
Tribunal Federal que o Tribunal Superior do Trabalho estaria declarando a
inconstitucionalidade do art. 71, então submetia-se a própria lei 8.666/93 à revisão de sua
constitucionalidade, à confirmação desta na ADC 16. O Supremo disse que a lei é
integralmente constitucional, está adequada à Constituição Federal de 1988 então possui
nenhum problema de vício de constitucionalidade.
No entanto, no mesmo julgado da ADC 16 o supremo reserva a liberdade, a faculdade, para o
TST e demais tribunais do trabalho para, em determinados casos concretos, afastarem a
incidência de tal artigo quando vislumbrarem que há culpa in elegendo ou culpa in vigilando.
Com isso, como o TST foi prestigiado pela ADC 16, ele mudou o texto da súmula 331,
adequando-o ao julgado de tal ADC para afastar qualquer tipo de reclamação das fazendas
públicas.
Criou-se então o inciso V e destacou-se a responsabilidade da Administração Pública do inciso
IV da responsabilidade geral sobre terceirizações lícitas. Além disso, tirou-se a Administração
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 153
do inciso IV para o inciso V dizendo que ela também responde subsidiariamente, todavia, para
tal, ela tem que ter demonstrada a culpa, especialmente à culpa nos termos da lei 8.666/93.
O TST fez uma interpretação sistemática da lei 8.666/93 e da ordem jurídica. Não é possível
olhar a lei 8.666 e só enxergar o art. 71. Tal artigo retira a responsabilidade da Administração
justamente porque esta fez de tudo para se afastar da responsabilidade, isto é, escolheu
criteriosamente com uma série de formalidades, vigiou detidamente com uma série de
formalidades e não se afastou do dever de fiscalização etc.
O grande problema hoje é que essa fiscalização não é feita, por 90% das reclamações
trabalhistas onde há questionamento da terceirização, que até é lícita, mas não fiscaliza o
contrato, não fiscaliza se a empresa prestadora está cumprindo com suas obrigações nos
termos da lei 8.666 de 1993 (esta que trata de toda a burocracia sobre como a Administração
irá fiscalizar o cumprimento das obrigações, exigindo inclusive documentação periodicamente,
só pagando a empresa interposta se os empregados forem pagos e se o INSS e o FGTS forem
recolhidos). É uma burocracia gigantesca que garante a irresponsabilidade da Administração
Pública.
No entanto, a prática é uma farra. O administrador público escolhe a empresa prestadora de
serviço por interesse próprio e não a fiscaliza. Com relação a isso não adianta a fazenda
reclamar do art. 71 da lei 8.666/93 e sobre a isenção de responsabilidade da Administração. É
claro que ela tem e responde subsidiariamente se for lícita sendo demonstrada a culpa. Como
empregadora, ela tem as obrigações trabalhistas.
]O art. 71 afasta qualquer responsabilidade da Administração Pública por inadimplementos
trabalhistas das empresas contratadas. Ela respondia subsidiariamente, mas sem culpa. Aludia-
se no dispositivo o art. 71 onde o TST falava que conhecia o artigo, mas não o aplicava, era
uma decisão salomônica. O TST também não justificava a decisão com relação ao privado, pois
insere uma responsabilidade subsidiária a qual não se sabe de onde veio; uma
responsabilidade subjetiva mais difícil ainda de se saber de onde veio e não dava satisfação a
ninguém; no entanto, o STF fez uma chamada em relação ao TST e aí houve essa inflexão.
A culpa deve ser provada por quem tem interesse na responsabilidade subsidiária da
Administração. Por exemplo, se há um trabalhador de uma empresa terceirizada que presta
serviço para a Petrobrás e tal empresa terceirizada não paga esse trabalhador sendo que essa
mesma empresa passa por uma crise, é natural que o trabalhador fique com receio de ter seus
direitos pagos; daí é natural querer que a Petrobrás seja chamada para o pagamento dessas
parcelas. Como o trabalhador iria provar que a Petrobrás cumpriu todos os requisitos da lei
8.666/93 para escolha, fiscalização etc? Toda documentação necessária que a Petrobrás detém
(e muitas vezes só ela mesma que detém) para fazer essa fiscalização, como ter acesso a tudo
isso enquanto trabalhador? Em virtude disso, hoje os tribunais sustentam algumas teses de
cunho processual em relação a essa culpa e sua prova, como e por quem ela é provada.
Em termos processuais, a princípio, presume-se que essa culpa existe (é uma presunção
relativa [juris tantum]). A Administração que vem afastar a culpa ao juntar toda a
documentação. Existe um artigo no Código de Processo Civil sobre exibição de documento de
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 154
quem o tem em seu poder. O documento é da Administração e ela deve exibi-lo de qualquer
maneira. Essa é a primeira corrente: presume-se a culpa e a Administração se quiser a afasta.
A outra saída processual é a inversão do ônus, do reclamante para o reclamado dada a
vulnerabilidade para se produzir a prova. A base disso é o artigo 6º do Código do Consumidor.
Esses dois expedientes têm sido utilizados para que a culpa seja provada pela própria
Administração Pública. Na prática o resultado é o mesmo, são caminhos diferentes que
chegam ao mesmo lugar e nos dois se exonera o empregado de provar a culpa. Um auxiliar de
serviços gerais jamais iria provar que a Administração não fiscalizou sua empresa.
Para concluir basta ler o último inciso da súmula 331. A enunciação parece óbvia, mas havia, já
na jurisprudência, algum tipo de controvérsia em relação ao período de responsabilidade
quando os empregados trabalhavam em vários tomadores diferentes. Então, delimitou-se
efetivamente essa responsabilidade para com o período que se trabalhou no tomador, não
tendo este responsabilidade, obviamente, com relação ao período em que aquele trabalhou
em outras empresas tomadoras – e são todas as parcelas trabalhistas desse período em que
aquele trabalhou na tomadora do serviço.
Contrato de Trabalho
O contrato de trabalho é a regra, a terceirização é exceção.
Natureza Jurídica (três correntes)
Sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho, existem três correntes principais: os
anticontratualistas, os contratualistas clássicos e os contratualistas contemporâneos.
1ª Corrente: Os Contratualistas:
Os contratualistas clássicos tentarão relacionar os contratos de trabalho com os contratos
afins. A natureza jurídica é a forma que o Direito encontra de dar cientificidade para os seus
institutos. A rigor, no direito do trabalho, usa-se uma perspectiva mais histórica e o assunto
fica menos abstrato.
Sob uma perspectiva histórica, existem duas formas de se explicar o contrato de trabalho.
Como o direito do trabalho surge muito de um pensamento antiliberal, contra o liberalismo
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 155
que dizia “deixe fazer, deixe passar” (laissez faire, laissez passer52) e ninguém interfere na
relação: empregado vs. empregador, pois o Estado não pode se intrometer nisso, pois se os
dois são agentes capazes que façam a relação que quiserem. O liberalismo analisava a relação
de emprego desde uma perspectiva contratual e liberal, ou seja, isenta de qualquer
intervenção estatal.
2ª Corrente: Os Anticontratualistas.
Os anticontratualistas diziam que isso era um absurdo, pois o Estado deveria intervir, pois
entre o fraco e o forte, entre o rico e o pobre a lei liberta e o contrato oprime, a liberdade
oprime e a lei liberta. É preciso a atuação positiva do Estado para proteger o trabalhador, pois
dando liberdade aos dois, o trabalhador será engolido pelo empregador sem que possa fazer
nada. Essa era a realidade das classes trabalhadoras pós-revolução industrial antes do advento
do direito do trabalho; as pessoas trabalhavam vinte horas por dia e caíam mortas na esteira
de produção sendo que sempre havia substitutos para serem explorados da mesma forma.
Dizia-se então que esse contrato era livre, perguntava-se ao
trabalhador: “quer trabalhar vinte horas”? E este, sem escolha,
aceitava, viva a liberdade! O trabalhador concordou, então era a
vontade dele e isso deveria ser considerado à luz do pacta sunt
servanda, as partes são servas do contrato, é o princípio vinculante do
contrato baseado na autonomia de vontade. Pactua-se o que quiser,
vinte horas de trabalho, salário de cinco reais.
Em relação a isso, têm-se vários grupos de pensamento, desde corporativistas a socialistas e
fascistas, gente de direita e esquerda, que dirão que o liberalismo deveria acabar e o Estado
deveria intervir.
Então, os anticontratualistas, principalmente os de matrizes corporativistas francesas e
alemãs, dirão que o contrato de trabalho se explica pelo fato da prestação do serviço do
empregado, sendo este fato como uma integração do empregado a atividade empresarial
como um todo. O contrato de trabalho se explica pelo ato de trabalho, o ato da prestação de
serviço somado a uma série de condições que se estabelecem em virtude dessa prestação de
serviço.
São condições estatutárias, de proteção do trabalhador, de adesão do trabalhador às
finalidades da empresa corporativista. A relação entre empregado e empregador é vista como
uma relação harmônica, como uma relação orgânica; um é o cérebro e o outro o coração do
grande corpo nacional, da nação. Classe trabalhadora trabalha em conjunto e no mesmo
sentido e direção da classe empresarial, rumo ao progresso.
52 Sim, eu falo francês . Ok, só um pouquinho, mas falo mais que o Rafael Ayres.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 156
Sendo assim, os anticontratualistas explicam o contrato de trabalho como ato condição. É o
ato do contrato da prestação de serviço e a condição estabelecida pelo Estado que levanta e
cria um estatuto de proteção ao trabalhador. A teoria institucionalista é uma das teorias que
dizem que o trabalhador não se liga senão a instituição da empresa, ele adere às finalidades
institucionais da empresa. Quando ele presta serviço a uma empresa ele se integra a empresa
e adere às ideias, a finalidade da empresa, ele concorre e colabora para que a finalidade seja
atingida.
Muito disso está sendo retomado no pós-fordismo. Os anticontratualistas explicavam dessa
maneira e não se falava em contrato, pois a teoria contratual liberal e sua vontade não
estariam inseridas aqui. O contrato de trabalho não é originado na vontade das partes, mas no
fato da prestação de serviços, tanto que só há relação de emprego quando há um serviço
prestado de maneira subordinada, habitual, onerosa e pessoal. Antes de o sujeito começar a
trabalhar dessa forma não há contrato de trabalho (pode haver para os contratualistas), mas
para os anticontratualistas não.
Isso remete a questão do pré-contrato. Por exemplo, o processo de seleção para uma vaga e
os estudantes da UFRJ são selecionados por terem um futuro promissor (o que interessa a
empresa), mas, ao mesmo, tempo, eles ainda estão imaturos demais para o trabalho e, por
conta disso, paga-se um curso avançado de idiomas no exterior para realizar contratos
internacionais ou de formação técnica no setor da empresa, tudo custeado pela empresa
interessada. Sem eles sequer terem começado a trabalhar, para que tais estudantes obtenham
know-how.
Ao voltarem, eles resolvem não trabalhar para a empresa que pagou o curso, mas para a
concorrente que fez uma proposta melhor, incide aí responsabilidade civil. Tem que ter
indenização, é um efeito do pré-contrato. O contrário gera a mesma situação, se os estudantes
se endividam para pagar o curso e, ao chegarem ao Brasil, a empresa não quer mais contratá-
los, pois já contratou outros profissionais, isso gera efeito pré-contratual como a indenização
para ressarcir os danos material e moral advindos da quebra da promessa de contratação, pois
a empresa se comprometeu a contratar e não contratou.
Não houve prestação de serviço em nenhuma das duas hipóteses. Sendo assim, os
contratualistas irão dizer que, na verdade, o contrato de trabalho, como todo contrato, é
baseado na vontade. Para os contratualistas clássicos, essa vontade é um dogma, um núcleo
principal do contrato e este só existe enquanto persistir a vontade, pois esta que interessa.
Muitas vezes então, a teoria contratual clássica tentará buscar nos contratos de cunho civil a
explicação para o contrato de trabalho. É um contrato de compra e venda, de prestação de
serviços, de empreitada, de mandato, de comissão mercantil (o Código Civil atual traz essa
modalidade por exemplo, comissão mercantil, agência e distribuição no caso de vendedor,
representação comercial da lei do representante comercial) e tenta explicar o contrato
trabalhista com base nos contratos em espécie do direito civil previstos no Código Civil e do
direito empresarial.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 157
3ª Corrente: Os Contratualistas Contemporâneos
É claro que esses contratualistas clássicos erravam até mais que os anticontratualistas quando
se referiam ao contrato de trabalho e por isso foram todos superados. Os contratualistas
contemporâneos encontraram uma maneira mitigada de se elaborar e justificar o contrato de
trabalho dizendo que tem que ter vontade no contrato de trabalho, pois não houve coação. É
uma vontade bem pequena, pois é mais uma necessidade, mas há um espaço de orientação
para suprir essa necessidade, escolhendo a empresa A ou B, se dedicando mais a uma do que a
outra para conseguir um emprego. Então, há um elemento volitivo, ainda que muito pequeno.
O empregador manifesta sua vontade de contratar aquele empregado em espécie. Então há
vontade.
No entanto, essa vontade será limitada a esse momento inaugural de convergência de
interesses do trabalhador querer trabalhar para aquela empresa e do empregador querer
contratar aquele trabalhador. Depois, essa vontade será limitada por dispositivos de ordem
pública e orientada pelo princípio da realidade. Há um uruguaio chamado Mario de la Cueva
que “matou a charada” do contrato de trabalho, tendo grande aceitação que criou a teoria do
contrato realidade.
Teoria do Contrato-Realidade (professor Mário de la Cueva)
Mario de la Cueva criou a teoria do contrato realidade absorvendo os elementos factuais do
ato condição, nessa compreensão de que o contrato se compõe por essa realidade dos fatos.
Por exemplo, o limite de jornada fixado pela lei e pela Constituição Federal é de oito horas. Se
um sujeito é contratado e no contrato por escrito ficou convencionado que este trabalharia
oito horas por dia, dentro do limite legal e constitucional. No entanto, desde o primeiro dia até
depois de dez anos ele sempre trabalhou apenas sete horas por dia, o empregador nunca
exigiu mais do que isso, com sete horas de horário de trabalho o trabalhador era liberado e,
portanto, fixou-se essa regra; todavia, por escrito, estava convencionado oito horas diárias.
Após dez anos o empregador diz precisar de oito horas. Como está no contrato de trabalho e a
lei autoriza até oito horas, o trabalho então passaria a ser de oito horas. O contrato foi
alterado? O contrato é de sete ou de oito horas? Escrito é oito e na prática é sete.
No contrato civil seria de oito horas, mas no contrato de trabalho é de sete horas. Isso remete
à primazia da realidade, pois o que importa é o que acontece na realidade e não aquilo que é
convencionado abstratamente, solenemente, formalmente. O que está formalizado importa
menos. Como na prática sempre foram sete horas e temos o contrato realidade (a vontade era
oito, mas a vontade é sete) o contrato é de sete horas por dia.
O art. 468 da CLT não permite a alteração in pejus e, exigir a oitava hora leva ao pagamento de
adicional de horas extras, pois a jornada normal do empregado é de sete horas, pois o
contrato realidade determinou isso. O empregador não tinha necessidade de oito horas, mas
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 158
sete, então, cristalizou-se essa condição contratual tornando a jornada do trabalhador uma
jornada de sete horas.
É um caso semelhante ao mencionado em relação ao ex-governador Garotinho, onde a lei não
valia nada, mas o aumento de salário foi dado e criou-se uma condição mais benéfica na
realidade. Os salários majorados foram mantidos, mas não em função da lei mágica, mas em
função da condição mais benéfica.
No caso da Consolidação das Leis do Trabalho, a sua comissão redatora era metade composta
por institucionalistas (variante anticontratualistas) e metade contratualista contemporânea. A
disputa entre os dois foi consolidada com a teoria do professor Mario de la Cueva e os artigos
da Consolidação das Leis do Trabalho caminham todos no sentido do contrato realidade, a
teoria que sintetiza melhor o contrato de trabalho. Nem a vontade vale o que os civilistas
acham que vale, nem também só pode ser uma condição de fato, mero resultado da atuação e
prestação de serviço do empregado, até mesmo porque aquela integração não vale muito,
pois ele é muito mais pré-burguês do que burguês. A burguesia traz a impessoalidade para as
relações humanas.
Características do Contrato de Trabalho
1ª Característica: Privado
O contrato é privado, com dois privados que pactuam a relação jurídica e, quando um polo da
relação, o contratante é a Administração Pública, no regime celetista, ela faz isso como se
privado fosse53. Eventualmente houve a contratação de servidor celetista por outros entes da
Administração Pública direta, mas hoje, com a declaração de inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional 19 do artigo 39 da Constituição Federal, nas pessoas de direito público,
estabelece-se a orientação do regime jurídico único estatutário, ao menos para as tarefas
pautadas no interesse público, as outras podem ter terceirização, privatização, concessão,
parceria.
2ª Característica: Pessoal
É pessoal em relação ao empregado e não ao empregador. É a infungibilidade que se exige da
prestação de serviço do empregado, é intuitu personae.
53
O regime celetista é próprio das pessoas de direito privado do âmbito da Administração Pública, as estatais
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 159
3ª Característica: Consensual
É consensual porque não há formalidade específica. Está presente no art. 442 da Consolidação
das Leis do Trabalho. É mais do que consensual, pois, na verdade, a forma prescrita em lei não
se constitui como elemento essencial do contrato de trabalho. Não faz a menor diferença da
relação jurídica e para validade da mesma. O contrato de trabalho tem forma prescrita em lei
nos artigos 13 e seguintes da CLT. A forma é a assinatura da carteira de trabalho e previdência
social (CTPS). A lei estipula uma forma para contratar trabalhador, é a carteira de trabalho. É a
forma mínima.
Em não tendo a assinatura da carteira de trabalho, o art. 442 irá dizer:
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego.
Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade
cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem
entre estes e os tomadores de serviços daquela. (Incluído pela Lei nº 8.949, de
9.12.1994) (Vide Mensagem de veto)
Muitos criticavam o art.442 da CLT pelo fato dele ser uma tautologia (não se explica, se remete
o conceito ao próprio conceito). Não se sabe o que o contrato individual de trabalho é, mas se
sabe que ele corresponde à relação de emprego e vice-versa. Sempre que houver relação de
emprego há contrato de trabalho e o contrato de trabalho é relação de emprego, que é
S.H.O.P. Pode-se não saber o que é contrato de trabalho, mas sabe-se o que é S.H.O.P. A
relação de emprego e o contrato de trabalho são S.H.O.P.
Esse S.H.O.P se dá através de um acordo tácito ou expresso, pois pode ser expresso quando a
vontade se exterioriza de alguma forma, por exemplo, por escrito, onde se assume a forma
legal do contrato de trabalho com a assinatura da carteira de trabalho ou de qualquer outra
formalidade, mas pode ser expresso verbalmente, onde os elementos do contrato de trabalho
são identificados verbalmente. Diz-se quais são as cláusulas contratuais e o trabalhador adere
ao contrato, é expresso verbal.
No entanto, o contrato não precisa nem ser expresso verbal nem expresso por escrito, pois
pode ser tácito segundo o art. 442 da CLT. Ninguém disse nada, mas há vontade e esta é
reconhecida na consecução dos elementos práticos, no cotidiano. É raríssimo. Um exemplo:
em uma casa de campo alguém se oferece para cortar o capim (contrato de empreitada), após,
o mesmo se oferece para o conserto da caixa d’água, para cerca etc. Passou então a ir todo o
dia para fazer esses serviços, no final do mês, pagava-se uma soma de dinheiro. Ninguém
convencionou nada, mas foram apresentados os elementos da relação de emprego S.H.O.P.
Pode ocorrer de o dono da casa passar a dar ordens, para o conserto de tais e tais coisas, surge
aí a subordinação, por exemplo, o fato do sujeito ir todo dia faz surgir a habitualidade, como só
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 160
ele trabalhava surgia a pessoalidade e, como se pagava no final do mês, havia a onerosidade.
Operou-se o contrato tácito. Há vontade, pois o trabalhador fez isso porque queria e o dono da
casa também tinha vontade de mantê-lo trabalhando. Há vontade, mas é tácita.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 161
Aula 15 – Direito do Trabalho I dia 11/06/2013
4ª Característica: Sucessivo
Conteúdo depreendido da própria relação de emprego.
5ª Característica: Oneroso
Conteúdo depreendido da própria relação de emprego.
6ª Característica: Alteridade
Conteúdo depreendido da própria relação de emprego.
7ª Característica: Ato Condição (Artigo 444 da CLT)
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre
estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às
disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam
aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
A natureza jurídica do ato condição tem a sua evidencia no artigo 444. É ato condição, pois o
contrato de trabalho se realiza pelo ato da prestação do serviço do empregado (sem esta
prestação não há contrato de trabalho), que se reveste de uma série de condições.
Em termos de teoria contratual o artigo 444 apresenta uma relativização da autonomia
individual de vontades.
Assim, se no Direito Civil o elemento dogmático mais sagrado é a autonomia individual de
vontades. No direito do trabalho essa autonomia individual de vontades vai ficar relativizada.
Segundo preceitua o artigo 444 o contrato de trabalho estabelece um piso de proteção para o
trabalhador.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 162
Nós podemos validar a autonomia de vontade das partes. Mas para aquém54 deste piso de
proteção do contrato de trabalho essa autonomia de vontade não tem valor, é anulada,
invalidada diante do imperativo das normas de ordem pública.
Diferentemente do contrato de cunho civil, com o pacta sunt servanda (princípio vinculante
das vontades entre as partes) no contrato de trabalho a vontade das partes não vale tudo,
ainda que essa vontade seja isenta de qualquer vício de manifestação (consentimento). Isto é,
ainda que não haja vício de consentimento ela não vale quando se confronta com dispositivo
de ordem pública, na forma do artigo 444.
São dispositivos de ordem pública: os contratos coletivos de trabalho (normas coletivas de
trabalho, as convenções e acordos coletivos) e decisão das autoridades competentes55.
Assim, o contrato de trabalho é um ato de vontade condicionado pelas normas de ordem
pública. Não é possível que o trabalhador abra mão destas. Bastar voltar ao Princípio da
Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas.
Deve ter atenção, pois para além do piso a autonomia é livre. Por exemplo, se o empregador
que acordar um adicional de horas extras no percentual de 80% é permitido, porém, se ao
revés, quer acordar um percentual de 30%, é permitido.
8ª Característica: Validade Contratual
O plano da norma e ato jurídico, no estudo teórico, apresenta quatro tipos:
O ato jurídico trabalhista também perpassa por esses planos. A norma trabalhista tem
existência quando fisicamente ela possui um texto que lhe garanta um titular de direitos, um
objeto e uma forma.
54
Sinônimo: abaixo. 55
É decisão das autoridades competentes toda regulação infralegal ditada pelos órgãos do poder executivo. Portarias, normas regulamentares, decretos regulamentares, isto é, normas do poder executivo que dão fiel cumprimento a lei especificando e detalhando-as.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 163
A validade contratual irá se verificar na especificação teórica e constitucional desses elementos
de validade do ato jurídico no plano da existência. É uma qualificação desta existência. Não é
toda existência que é válida, apenas aquelas que respeitam o determinado pelo Código Civil:
Agente capaz;
Objeto lícito, possível e determinado ou determinável;
Forma prescrita ou não defesa em lei.
São os requisitos de validade de qualquer ato jurídico e, em termos de ato jurídico trabalhista
esses elementos aplicam-se igualmente. Esses elementos de validade contratual vão
incrementar os elementos de existência da relação de emprego, no caso do contrato de
trabalho, é o SHOP.
É possível que haja relações jurídicas em que se consegue identificar o SHOP, mas ainda sim
esse contrato de trabalho não consegue ser identificado como de acordo com a ordem
jurídica, pois faltam elementos de validade como, por exemplo, agente capaz; objeto lícito,
possível, determinável; forma prescrita ou não defesa em lei.
Planos de Validade da Norma Jurídica/ato jurídico:
1° Plano: Eficácia/Validade
Dá-se na aptidão que essa norma/contrato tem para produzir efeitos jurídicos. É a capacidade
de incidir em situações jurídicas concretas produzindo efeitos jurídicos. A (abstrato) a
produção de efeitos jurídicos é reconhecida no plano abstrato, por exemplo, com as
perguntas: a norma esta pronta? O contrato tem todos os elementos de existência e validade?
Se sim, está apto para produzir efeitos jurídicos. É quase uma decorrência lógica e, por isso,
abstrata.
2° Plano: Efetividade
Porém, ao adentrar-se o plano da realidade concreta esta eficácia se transforma em
efetividade. A efetividade é a eficácia social, real, concreta histórica. É possível a existência de
relação contratual ou norma jurídica (pode-se sempre fazer esse paralelo relação
contratual/norma jurídica) que tenha existência, validade, eficácia, mas que não tenha
efetividade ou seja, não funcione na sociedade brasileira. Muitas normas do direito trabalhista
são desprovidas de efetividade.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 164
Elementos Essenciais do Contrato de Trabalho.
Os elementos de existência são superados com a análise dos requisitos da relação de emprego
(SHOP). Os elementos são os mesmos do artigo 104 do Código Civil (agente capaz, objeto lícito,
possível e determinável, forma prescrita ou não defesa em lei).
Esses são os elementos essenciais do contrato, sem estes o contrato é nulo de pleno direito. O
estudo da validade do contrato de trabalho irá desembocar no estudo da nulidade do contrato
de trabalho.
1° Elemento: Capacidade do Agente
No contrato de trabalho, a capacidade do agente se refere à figura do empregado, pois o
menor quando desenvolve atividade empresarial ele preenche uma das condições para sua
própria emancipação, nos termos do Direito Civil.
Assim, não faz sentido falar em capacidade do agente por parte do empregador. Ele não tem
pessoalidade e, além disso, o próprio desenvolvimento da atividade econômica já é causa de
emancipação.
No que concerne ao empregado à capacidade para a vida do trabalho se dá a partir dos 16
anos, na forma do artigo 7°, inciso XXXIII da Constituição Federal. Menor de 16 anos não pode
trabalhar, pois deve ser destinado a outras atividades (relativas à sua formação enquanto
indivíduo tal como escolar, humana). É vedado o trabalho para o menor de 16 anos.
A própria regra afirma que entre 16 e 18 anos (quando há a capacidade relativa) é vedado o
trabalho noturno, insalubre ou perigoso.
Há quem critique essa regra sustentando ser um absurdo o menor de 16 anos não poder
trabalhar. De fato, há determinadas atividades que comportariam o trabalho do menor, até
por serem menos degradantes do que se submente o menor no Brasil.
Mas, sempre irá se encontrar uma situação hipotética mais monstruosa do que a norma deseja
proteger. Por exemplo, é melhor o menor em um trabalho assalariado do que como ‘’vapor’’
ou ‘’olheiro’’ do tráfico. É possível desfiar-se um rosário de monstruosidades das quais
comparativamente serão situações melhores que o trabalho do menor.
Mas a norma não é para criar comparações. Ela é uma proposição normativa para a construção
de um país. O projeto de país é aquele no qual os menores de 16 anos estão estudando e
cuidando de sua formação humana. Porém, para que se alcance em concreto essa norma, para
que isto se torne efetivo é necessário uma série de políticas públicas e transformações sociais.
Assim, a capacidade do agente até os 16 anos se dá de forma relativa e após o 18 se dá de
forma absoluta.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 165
A lei 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) veda para o menor relativamente
incapaz atividades penosas atividades penosas, que ponham em risco a moralidade, a
incolumidade física e intelectual e a prorrogação da jornada na forma do artigo 413 da
Consolidação das Leis do Trabalho.
A diferença do contrato de trabalho do relativamente capaz para o absolutamente capaz é
absolutamente nenhuma, uma vez que não se exige a assistência do menor para celebração do
contrato de trabalho.
Existem dois dispositivos na CLT praticamente em desuso que estabelecem essa distinção. O
primeiro é a assistência do responsável no momento de rescindir o contrato quando se dá a
quitação das verbas rescisórias (na forma do artigo 439). O artigo 17, caput diz que a
assinatura da CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) assinada pelos pais supre a
representação em todos os demais atos contratuais.
Esses dois dispositivos diferenciam o relativamente capaz (entre 16 e 18 anos) e o trabalhador
absolutamente capaz (maior de 18).
Contra o menor de 18 anos não corre a prescrição (artigo 440 da CLT).
2° Elemento: Objeto lícito, possível e determinável.
A ilicitude para fins contratuais trabalhistas possui uma peculiaridade. Não é qualquer afronta
a ordem jurídica que caracteriza ilicitude para fins de objeto ilícito do contrato de trabalho.
Como o contrato de trabalho tem por objeto atividade uma que se perfaz na prestação de
serviço por parte do empregado. Este desenvolve algum tipo de serviço, que será o objeto do
contrato de trabalho.
Para o Direito do Trabalho o objeto ilícito somente se apresenta quando a atividade humana
que materializa o objeto do contrato de trabalho coincide com uma atividade tipificada como
crime pelo direito penal. O empregado foi contratado para desempenhar a atividade tipificada
como crime. Apenas nesta hipótese tem-se o objeto ilícito, quando há essa coincidência.
Assim, se a atividade do obreiro se constituir em irregularidade administrativa, fiscal, civil ou
trabalhista, por exemplo, não haverá objeto ilícito para fins de nulidade do contrato de
trabalho.
Assim, deve se distinguir o trabalho irregular ou proibido do trabalho ilícito. Trabalho ilícito é o
que tem o objeto ilícito. Trabalho irregular é aquele em desacordo com alguma norma estatal.
Quanto à contravenção a OJ 199 da SDI-1 trata de uma contravenção, dizendo que é nulo o
contrato. Determina essa OJ que é nulo contrato de trabalho celebrado para o desempenho de
atividade inerente a prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto o que subtrai o
requisito de validade para formação do ato jurídico.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 166
Essa OJ foi formulada porque muitos tribunais regionais do trabalho estavam validando o
contrato do apontador do jogo do bicho. Muitos tribunais estavam dando o vínculo e, por mais
incrível que parece, não apenas com as atividades de fachada dos banqueiros do jogo do
bicho, mas vínculo com algumas atividades comerciais que se beneficiavam da movimentação
do jogo do bicho como padarias, bancas de jornal.
Evidentemente se fazia uso de toda teoria do Direito Penal de desconstrução do jogo do bicho
como atividade ilícita, mas o Tribunal Superior do Trabalho, por uma questão de coerência
vetou e editou a OJ em sentido contrário.
3° Elemento: Forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 13 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qualquer
emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em caráter temporário, e para o exercício por
conta própria de atividade profissional remunerada.
Art. 29 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente apresentada, contra
recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito
horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições
especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico,
conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho.
A lei prescreve uma forma que é a assinatura da
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Do artigo 13 ao artigo 56 nós temos a forma prescrita
em lei para celebração do contrato de trabalho.
Esta forma não é um elemento essencial do contrato de
trabalho, afinal, a ausência da assinatura da carteira
não é causa de nulidade do contrato.
A forma prescrita em lei para o contrato de trabalho não se constitui (em regra) como
elemento essencial do contrato. Tem forma prescrita em lei, mas não é requisito essencial,
apenas meio de prova.
Assim, o contrato pode ser expresso verbalmente ou tácito, desde que corresponda a relação
de emprego, conforme dita o Princípio da Primazia da Realidade.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 167
Existe uma modalidade de contrato de trabalho (relação de emprego celetista) cuja forma é
essencial, que é o contrato com a Administração Pública (empregado público).
A forma estabelecida para o empregado público é a aprovação prévia em concurso público de
provas ou provas e títulos. Este é um requisito formal da essência do ato. É essencial para se
trabalhar na Administração Pública a admissão por via de concurso público.
Logo, via de regra a forma não é essencial à validade do ato, apenas em casos excepcionais
(concurso público).
Diferença entre o Ato Nulo Civil e o Ato Nulo Trabalhista
Deve se frisar esse estudo, pois a teoria das nulidades será orientada de forma diferente que a
teoria das nulidades do Direito Civil.
No Direito Civil o ato nulo ele supera, invalida, prejudica o plano da eficácia. Assim, no Direito
Civil o contrato nulo é aquele que não produz efeitos jurídicos. O Direito Civil não reconhece
efeitos jurídicos de um contrato declarado nulo. Se um contrato é declarado nulo por um juiz
de direito, dizer que ele não produz efeitos jurídicos leva o juiz a tentar recompor a situação
anterior existente a pactuação do contrato nulo. Chama-se reconstituição da situação jurídica
anterior, o status quo ante. O juiz que declare a nulidade deve tentar recompor a situação
juridicamente dada anteriormente a pactuação do contrato nulo.
Assim, se há um contrato de compra e venda que por algum vício de validade é declarado nulo
(o agente não era capaz, a forma era proibida, o objeto era ilícito, por exemplo), deve o juiz
recompor a situação jurídica anterior, restituindo a coisa de volta para o alienante e
restituindo o dinheiro pago ao comprador. Tentará, em termos patrimoniais, reconstituir a
situação jurídica anterior.
Para maior compreensão, ouviremos uma história triste...
Diretamente de Asgard, nosso amigo, o pequeno Thor (imagem
ao lado) quando tinha 15 anos, pegou seu porquinho (repleto de
notas de 100 dólares, que seu pai generosamente lhe concedia) e
decidiu comprar uma . O vendedor lhe informou que o
veículo custava R$ 1.500.000,00 reais. Quando quebrou seu
porco, Thor descobriu que possuía o dinheiro em espécie.
No início, o vendedor estava relutante, mas quando viu o dinheiro
em espécie, ficou interessado na comissão. Assim, firmaram um
contrato de compra e venda. O contrato consumou-se naquele
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 168
ato.
Pequeno Thor decidiu levar sua nova ferraria para
impressionar seus amigos e amigas. Pequeno Thor decidiu
levar ‘’seu broto’’ para dar uma volta. Porém, durante o
percurso viu atravessando a rua um ciclista e, em uma
manobra evasiva brusca, desviou do ciclista (dessa vez ele
desviou) e abalroou o poste.
O caso foi levado até o judiciário e o juiz ao deparar-se com o contrato vê-se compelido a
declará-lo como nulo, tentando reverter o status quo ante. Para reverter deve-se restituir o
carro (com abatimento proporcional) e o que dinheiro deve ser devolvido ao adquirente.
Reconstituiu-se o status quo ante, afinal a nulidade não gera efeitos.
É como se desde o momento que pequeno Thor sai da loja com o carro, para o direito aquilo
não vale nada. Aquela sucessão de eventos pode ser reconhecida sob o ponto de vista fático,
mas não jurídico.
Quando se trata de direitos patrimoniais a reconstrução do status quo ante guarda um tipo de
facilidade, afinal o ato é puramente patrimonial.
Para compreendermos a nulidade no Direito do Trabalho ouviremos outra história triste...
Nossa segunda história envolve o jovem Severino, morador da zona rural de Campos dos
Goytacazes. É uma cidade simpática, uma paisagem bucólica do Rio de Janeiro.
O jovem Severino não foi abençoado pela genética do nosso super-herói Thor. Como passava
necessidades, para sua sobrevivência foi em busca de um emprego, conseguindo trabalho em
uma usina de cana-de-açúcar, participando do corte de uma safra. O corte da cana-de-açúcar é
um ato complexo, pois quando se corta cana, desta depreende-se uma farpa que pode lesionar
o cortador.
O pagamento é feito conforme a pesagem da cana. Quanto mais peso der a cana cortada mais
se ganha. Jovem Severino trabalhou por um ano, por uma safra, para esta usina de cana-de-
açúcar.
Porém, houve uma fiscalização do Ministério do Trabalho e identificou que jovem Severino
tinha apenas 15 anos.
O juiz diante da situação observa que o agente era incapaz, mas pactuou o contrato de
trabalho. Esse contrato é nulo.
Porém, ainda que nulo, Severinho até poderia devolver o valor pago, mas o empregador não
poderia devolver a energia imaterial que Severininho lhe deu, ainda que o empregador desse a
Severinho muitas latas de Nescau, a energia que dá gosto. Uma vez que esta energia
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 169
incorpórea é alienada ela não pode ser mais restituída. Há uma impossibilidade fática de
recomposição do status quo ante, em qualquer situação trabalhista. Não há reversibilidade,
pois ainda que o juiz (em termos obrigacionais) fixasse quanto o trabalhador deve, não há
como se fazer a mesma coisa com o empregador.
Assim, quando se constrói uma teoria das nulidades trabalhistas o primeiro aspecto
considerado é a impossibilidade fática da reversão ao status quo ante, pelo simples fato de ser
impossível reverter à energia imaterial no corpo do trabalhador.
O segundo aspecto é que a teoria das nulidades trabalhistas deve considerar o artigo 884 do
Código Civil. Este artigo estabelece uma norma que não é exclusiva do Direito Civil, mas um
princípio da Teoria do Direito que irá se materializar nesta norma, que é a vedação ao
enriquecimento sem causa.
Por exemplo, se este menor de idade não tiver recebido os direitos trabalhistas próprios de um
contrato de trabalho válido. Para melhorar o exemplo, colocar-se-á um empregador que
objetivando se locupletar contratou o menor sabendo que o contrato seria nulo e o menor não
teria direito aos direitos próprios de um contrato de trabalho válido.
Ao agir assim, o empregador se enriqueceu ilicitamente, pois a força de trabalho do
Severininho tem valor, mas não contraprestacionou aquilo que o direito manda pagar por
força de trabalho semelhante de absolutamente capazes. Essa vedação ao enriquecimento
sem causa evita com que o empregador passe isento de pagar a contraprestação devida.
Assim, para se vislumbrar a teoria das nulidades deve se observar os seguintes aspectos:
a) Impossibilidade de recomposição do status quo ante.
b) Vedação ao enriquecimento sem causa.
c) Princípio da Valorização Social do Trabalho Humano (Art. 1°, inciso IV, Constituição
Federal).
d) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1°, inciso III, Constituição Federal)
Esta teoria vem sendo apresentada por parte da doutrina. Alguns doutrinadores não menciona
a teoria das nulidades peculiar ao direito do trabalho. Para esta teoria o contrato é nulo,
porém o direito reconhece alguns efeitos.
Assim, o contrato de Severininho é nulo, não se forma vínculo de emprego, não há que se falar
em assinatura da carteira de trabalho, direitos trabalhistas próprios do contrato de trabalho,
mas há que se falar no reconhecimento de alguns efeitos.
Antigamente, falar-se em contrato nulo que gere efeitos era uma loucura, mas atualmente
este contrato já recebeu, inclusive, nomenclatura legal, sendo doutrina, jurisprudência e lei.
Assim, no direito do trabalho o contrato é nulo, mas produz efeitos.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 170
A dificuldade é identificar quais são esses efeitos gerados pelos contratos nulos. Para isso,
deve se voltar para as causas de nulidades.
A análise é casuística, dependendo do caso haverá mais ou menos efeitos reconhecidos. Por
exemplo, no caso de agente incapaz serão alguns efeitos, no caso de forma prescrita em lei
serão outros efeitos e no caso de objeto ilícito serão outros efeitos.
Nulidade no caso de Agente Incapaz
No caso de agente incapaz, estabelece a doutrina que se produzem no mínimo todos os
efeitos de um contrato normal, para evitar o enriquecimento sem causa.
A produção desses efeitos todos decorrente de contrato nulo de menor de idade não se
formalizam como direitos trabalhistas. Usa-se como critérios (parâmetros ou base de cálculo)
aquilo que um trabalhador maior de idade ganharia.
Por exemplo, se Severininho ganhou R$ 1.000,00 reais e um trabalhador maior ganharia R$
4.000,00, o empregador deve a Severininho R$ 3.000,00. Mas atenção, não é a título de férias,
13° ou FGTS, pois esses são direitos trabalhistas e o contrato de trabalho não é valido.
Esses valores serão pagos a título de indenização, mas não a titulo de serviços prestados na
relação de emprego, em um contrato de trabalho, pois não há contrato de trabalho.
Nulidade no caso de Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei.
Já foi até trabalhado nesse caderno. É a incidência da súmula 363 (página 78) do Tribunal
Superior do Trabalho e o artigo 19-A da Lei 8.036 de 1990 que dispõe sobre o FGTS.
É interessante que a própria súmula utiliza a expressão ‘’contraprestação pactuada’’ e não
salário, pois este é pago a título de contrato trabalhista, que não há neste caso.
Assim, é o pagamento de um equivalente a contraprestação pactuada em relação ao número
de horas trabalhadas. Se houve trabalho, deve haver contraprestação.
O artigo 19-A da Lei 8.036 de 1990 dispõe justamente sobre o a incidência do FGTS na hipótese
de contrato nulo.
Para quem sustenta a tese de que deveria haver uma ponderação de interesses e direitos
fundamentais colidentes em cada caso de nulidades, essa foi uma ponderação mal feita, na
qual se generalizou a hipótese de contratação sem concurso público. Muitas vezes a pessoa
que está recebendo o ‘’salário’’ e o Fundo de Garantia foi participante da maracutaia.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 171
Nulidade no caso de objeto ilícito
Neste, não se reconhecem efeitos. O Sopesamento que se dá entre Valorização Social do
Trabalho e bem jurídico ofendido pesa mais para o bem jurídico ofendido. Não é possível que
se valorize socialmente um trabalho que a sociedade já definiu como crime.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 172
Aula 16 – Direito do Trabalho I dia 18/06/2013
Teoria das Nulidades Contratuais Trabalhistas
Não há uma teoria própria para as nulidades contratuais trabalhistas e, por isso, aplica-se a
teoria genérica do direito civil, ou seja, o contrato é nulo e não produz nenhum tipo de efeito.
Sobre as modalidades do contrato, é possível encontrar na doutrina as classificações sobre os
tipos de contrato de trabalho sobre uma série de aspectos. Com relação ao fator tempo é
possível encontrar a diferenciação mais importante, pois os separa em contratos de tempo
indeterminado e de tempo determinado.
Deve-se fazer uma remissão à lógica estudada no tópico da terceirização. A terceirização é
uma exceção e, como tal, o direito do trabalho cumpre a tarefa de apresentar e criar uma série
de obstáculos para que essa exceção não aconteça reiteradamente, não deixe de ser
excepcional para se converter em regra. No caso desses tipos de contratos acontece algo
parecido. O contrato por tempo indeterminado é a regra e o de tempo determinado é à
exceção de maneira que o direito do trabalho e a CLT criam uma série de obstáculos para a
não ocorrência, no plano da realidade, os contratos por tempo determinado, para que estes se
mantenham como excepcionalidade.
A regra é a contratação por tempo indeterminado. Essa é a contratação que não prevê termo
final. As partes entram no contrato sem saber quando este acabará. A ausência de fixação de
termo atende ao princípio da continuidade das relações de emprego. A relação de emprego
nasce para se prolongar o máximo possível no decorrer do tempo, logo, a modalidade
contratual adequada a essa contratação indefinida no tempo e que pode se esticar o máximo
possível através do tempo é o contrato de tempo indeterminado.
Com isso tem-se a característica do contrato ser de trato sucessivo, o que permite que tal
contrato se prolongue o máximo possível através do tempo. O contrato deve se prolongar por
que dele depende o empregado e sua família, assim como a subsistência de ambos. Por tal
motivo é que o direito quer a manutenção desse contrato e daí advém a regra sobre o tempo
indeterminado da contratação.
Não há forma para essa contratação de tempo indeterminado. A forma genérica para a
contratação é a assinatura da carteira de trabalho. Todavia, essa forma não se constitui como
requisito essencial do ato jurídico, do negócio jurídico, contrato de trabalho, pois sua ausência
é suprida pela declaração judicial do vínculo empregatício. Mesmo que não haja assinatura na
carteira de trabalho o vínculo pode ser reconhecido e declarado em juízo sem nenhum
problema.
Esse contrato não tem uma forma solene e é o próprio contrato que corresponde à relação de
emprego. Existindo relação de emprego e não sendo atendidos os requisitos específicos do
contrato de tempo determinado o que existe é contrato de tempo indeterminado (mesmo
quando não se assina a carteira ou mesmo o contrato tácito é contrato por tempo
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 173
indeterminado). O contrato por tempo determinado sempre será escrito (uma das regras de
ouro). Não há contrato de tempo determinado que não seja escrito. Caso alguém “contrate de
boca” uma empregada doméstica por um período de experiência de 90 dias esse contrato de
tempo determinado não é válido, pois se não for por escrito não está valendo; o tipo de
contrato feito na situação aludida é, então, de tempo indeterminado, que é a regra.
A súmula 212 dirá justamente isso, que o contrato de tempo indeterminado é aquele que é
presumido quando nenhuma formalidade for realizada. O ônus da prova também é tratado
pela súmula.
Há uma presunção de que todos os contratos, a princípio, são de tempo indeterminado e,
excepcionalmente, é que se terá de provar que realmente se trata de um contrato de tempo
determinado e, nesse caso, será necessário provar que todos os requisitos impostos pela lei
para realizar tal modalidade de contrato foram cumpridos.
O efeito principal do contrato de tempo determinado é que a resolução do contrato, sua
extinção, não exige a denúncia prévia, a comunicação prévia da outra parte. No contrato de
tempo indeterminado as prestações obrigacionais automaticamente se renovam. Então, se o
empregado trabalhou 30 dias e o empregador pagou o salário, isso não significa que o contrato
tenha se consumido. Se ninguém tomou nenhuma atitude o contrato está automaticamente
renovado e o trabalhador irá trabalhar mais 30 dias e irá receber novamente. A expectativa do
empregado é que aquele contrato continue e a do empregador também. Não há termo final
pré-fixado, então ele continuará. No entanto, isso não significa que as partes não possam
romper o contrato, pois podem fazê-lo por ato de vontade, tanto do empregado quanto do
empregado.
Contudo, no contrato de tempo indeterminado, surge um efeito necessário; caso, por obra da
vontade de uma das partes, se uma delas manifestar a vontade de romper o contrato56, deve
avisar com antecedência à outra parte o desejo de romper o contrato (aviso prévio). É uma
obrigação legal, ele é obrigado pela lei, tanto o empregado quanto o empregador. A
comunicação prévia, na resilição (rompimento por ato de vontade) de uma das partes em um
contrato de tempo indeterminado, é obrigatória e é o efeito principal dos contratos de tempo
indeterminado.
Esse contrato admite tanto a forma individual quanto a plúrima57. É uma subespécie de
contrato por tempo indeterminado que permite a contratação de vários indivíduos ao mesmo
tempo que demonstram uma vontade única; sendo assim, o contrato se enfeixa e uma
pluralidade de sujeitos/trabalhadores).
OBS: O que ocorre em alguns casos é que o empregador não paga a indenização do aviso
prévio que estava obrigado a conceder (obrigação legal). Quando não se concede aviso prévio
comete-se ato ilícito e deve-se pagar indenização. Essa indenização é o valor equivalente aos
56
Justamente porque nesse momento está frustrando a expectativa de continuidade da outra parte sobre a continuidade do contrato. 57
Esta forma gera certa divergência na doutrina, pois alguns entendem que é a mesma coisa que o contrato de equipe enquanto outros não (firmar em um único instrumento uma relação contratual que se divide com uma série de sujeitos, por exemplo, banda de música contratada).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 174
30 dias que agora é proporcional aos 90 dias. É isso que se paga quando não se demite sem
justa causa e sem pagar todos os direitos do empregado.
A história dos institutos do direito do trabalho como substituição, interrupção e alteração em
geral estão relacionados ao contrato por tempo indeterminado.
Contrato de Trabalho por Tempo Determinado (Exceção – Art. 445 da CLT)
É exceção. É aquele que possui termo final pré-fixado. As suas modalidades estão previstas, a
princípio, no art. 443 da CLT, mas a legislação esparsa também traz outras modalidades de
contrato por tempo determinado. De qualquer maneira há a necessidade de previsão legal.
O § 1º fala sobre a prefixação do termo final, que pode ser termo certo que é o pré-fixado
propriamente, que significa designar a data do fim do contrato no momento da contratação,
fazendo com que empregado e empregador já ingressem no contrato sabendo exatamente a
data do fim deste.
A prefixação também pode se dar vinculando a um acontecimento suscetível de previsão
aproxima e, ainda, da execução de serviços especificados (o contrato acaba quando
determinada obra acabar ou quando a copa do mundo começar; se relaciona a algum evento
estranho ao contrato, mas que tenha previsão aproximada). Não é possível fixar o tempo final
do contrato a um evento que não seja passível de uma obtenção lógica, de uma previsão (por
exemplo, colonização de marte não é algo razoavelmente previsível [ e ]).
São os termos certos an (quanto à data) e quando (quando se dará essa data). São,
respectivamente, o fato do fim do contrato e a data do fim do contrato. Porém, não precisa ser
certus an e quando, podendo ser apenas certus an e incertus quando, que é a modalidade de
vinculação de previsão antecipada ou de vinculação à execução do serviço58. O fato do fim é
certo e está dentro de uma previsibilidade limitada pelo seu prazo máximo, mas não se sabe
exatamente quando. Esse tipo de contrato é válido, desde que inserida no espaço temporal do
prazo máximo.
Isso está previsto no §2º do art. 443, que restringe restrições quanto ao conteúdo do contrato.
A natureza do serviço normalmente é dada pelo tipo de trabalho do empregado (a qualidade
da profissão, do trabalho desempenhado pelo trabalhador é por período determinado – alínea
a). Quando o tipo de serviço se consuma em um determinado tempo pode-se contratar por
contrato de tempo determinado. Na alínea b, não se está falando do trabalhador, mas da
empresa, do empregador, quando a própria empresa tem atividades de caráter também
58
não se sabe exatamente quando o serviço fica pronto, mas há uma previsibilidade que insere o contratante na possibilidade de contratação pelo prazo máximo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 175
transitório, como as empreiteiras. Por fim, a alínea c prevê sobre contrato de experiência. Há
também hipóteses em leis específicas59:
Lei 6.019 de 1974 (Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas);
Lei 9.601 de 1998 (Dispõe sobre o contrato de trabalho por prazo determinado);
Lei 9.615 de 1998 (Lei Pelé).
O contrato de experiência é também chamado de contrato de prova e verificam se, depois da
experiência, ambos conseguem alcançar suas expectativas. Fixa-se um termo pré-estabelecido
(experiência até a data X) e, então, conseguindo-se suprir as expectativas da outra parte,
torna-se possível fazer um contrato de tempo indeterminado onde a continuidade informa
como princípio da relação.
Os prazos estabelecidos estão no art. 445 da CLT. As leis específicas podem apresentar prazos
diferenciados, mas costumam ficar no prazo de dois anos. No art. 443 alíneas a e b são o prazo
máximo de dois anos e a alínea c (contrato de experiência) não poderá exceder 90 dias. Se o
prazo de dois anos acaba e, no dia seguinte, o trabalhador volta a trabalhar na empresa (e o
empregador não se manifesta) o contrato por tempo determinado se transforma em contrato
de tempo indeterminado.
O professor Godinho Delgado chama esse fenômeno de conversão qualitativa, pois se
transforma em algo melhor, com mais qualidade (consequência da extrapolação do prazo). O
mesmo serve para o contrato de experiência que tem seu prazo extrapolado. É um contrato
só, como se nunca houvesse havido o primeiro, é um contrato só de tempo indeterminado,
para todos os efeitos de direito, quando há a conversão qualitativa.
Um exemplo que se dá para serviço cuja natureza justifique a predeterminação são, além
daqueles serviços rápidos, os casos até da lei 6.019/74 nos casos de substituição de pessoal; a
empresa tem um quadro de pessoal próprio e, às vezes, tem a necessidade de substituir um
empregado que se encontra em férias, interrompido ou suspenso por acidente de trabalho etc.
(encostado na previdência). Como é necessário reocupar aquele posto de trabalho, é possível
contratar por tempo determinado se o serviço justifica-se pela transitoriedade, ou seja, há
substituição, onde há expectativa do trabalhador retornar em até um ano, pode-se fazer um
contrato por tempo determinado e, no caso, o termo final será “quando o trabalhador
recuperar a sua capacidade de trabalho” ou “quando der baixa no benefício previdenciário”.
Pode-se contratar diretamente pelo contrato de tempo determinado ou via terceirizada
(trabalho temporário). Devem-se analisar os benefícios de cada tipo de contratação. Se é um
trabalho que demanda capacitação, treinamento, processo seletivo elaborado e custe
dinheiro, pode ser mais fácil recorrer a uma empresa de trabalho temporário e, caso contrário,
é melhor contratar diretamente.
59
Que são outras possibilidades de contratação por tempo determinado.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 176
Prorrogação do Contrato pro Tempo Determinado (art. 451 da CLT).
O art. 451 da CLT fala sobre prorrogação. Se o contrato de tempo determinado for prorrogado
mais de uma vez ele se torna de tempo indeterminado, isso significa dizer que o primeiro
contrato só pode ser prorrogado até uma vez.
O dispositivo do art. 451 da CLT tem que ser lido conforme o dispositivo do art. 445 da CLT.
Pode-se prorrogar até uma vez o contrato de tempo determinado respeitando o prazo
máximo. Não é possível alcançar o prazo máximo e prorrogar o contrato. Pode-se ter uma
única hipótese de prorrogação dentro do período máximo.
Se o período máximo é de dois anos eu posso contratar por seis meses prorrogáveis mais um
ano; posso contratar seis meses mais seis meses. Está-se dentro do período. Não posso
contratar seis meses mais seis meses e mais outros seis meses, pois, apesar de respeitar o
prazo máximo, já são duas prorrogações. Também não é possível contratar um ano mais um
ano e meio, pois extrapola o prazo máximo e tampouco dois anos mais dois anos. É uma
prorrogação dentro do limite máximo. É a mesma lógica para o contrato de experiência.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 177
Exceção ao Limite de Prorrogação (Lei Pele).
No caso da lei 9.601 de 98 (Lei Pelé) há a possibilidade de mais de uma prorrogação dentro do
prazo. É dos contratos mais precarizados do direito do trabalho. A cada mês há o receio de
demissão. Isso até dois anos onde a prorrogação pode ser feita mensalmente.
Sucessividade (Art. 452 CLT).
O art. 452 da CLT fala da sucessividade. A regra vale para a unicidade de forma geral. Há um
contrato de tempo determinado onde os prazos foram cumpridos corretamente. Mas a
empresa sentiu necessidade do trabalhador, devido seu alto desempenho e quer contratá-lo
de novo para outra substituição ou empreitada. Não é possível contratá-lo imediatamente por
outro contrato de tempo determinado. Entre dois contratos de tempo determinado deve
haver um espaço mínimo de seis meses levando-se em consideração ainda o tipo do segundo
contrato de tempo determinado.
Não seria possível fazê-lo, por exemplo, com o contrato de experiência, sobretudo para a
mesma função, pois já houve a experimentação e haveria apenas uma locupletação com vários
contratos de experiência e uma precarização. Se já houve a experimentação e se deseja aquela
mão de obra, deve-se contratar nos termos do contrato de tempo indeterminado.
Na prática a jurisprudência entende que, na maior parte dos casos, quando se tem menos de
seis meses, aplica-se a acessio temporis que é a unicidade do contrato. Não havendo outra
relação de vínculo de emprego o juiz pode declarar a unicidade dos contratos e, mesmo
havendo vínculo, às vezes ela é também declarada, pois não há exclusividade para a relação de
emprego. É um contrato só de tempo indeterminado. Se forem empregadores diferentes não é
possível, somente se for um grupo econômico, mas completamente diferentes não. É para
mesmo empregador e em casos de sucessão.
Sendo assim, o art. 452 da CLT, a princípio trata da sucessividade. Menos de seis meses o
segundo contrato necessariamente é de tempo indeterminado. Parte da doutrina considera
que, além disso, considera-se um único contrato de tempo indeterminado. A regra dessa
sucessão vale para contratos de tempo determinado e indeterminado.
Se no contrato de tempo indeterminado o principal efeito é a expectativa gerada nas partes
pela continuidade pela relação de emprego, no contrato de tempo determinado a expectativa
é inversa, pois as partes esperam que o contrato vá acabar no prazo pré-fixado ou no
acontecimento pré-estabelecido. Não há a expectativa de continuidade indefinida. Não há
sentido de aviso prévio aqui.
Se o prazo é dois anos, tem-se a expectativa de ficar empregado por dois anos e, além disso,
não se sabe. Na extinção do contrato não há oura expectativa senão a de alcançar esse termo
final, isso significa que frusta a expectativa à parte que rompe o contrato antes do termo final.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 178
Indenizações em virtude do Rompimento do Vínculo Contratual (Art. 479 e 480 CLT).
Esse é o caso das indenizações previstas nos art. 479 e 480 da CLT, que é o caso da dispensa
antecipada.
Rompimento por parte do Empregador (art. 479 da CLT).
O art. 479 da CLT não tem muita lógica, mas quer dizer que, por exemplo, o contrato seja de
um ano, ao se chegar ao sexto mês, o empregador resolveu demitir o empregado. O
empregado esperava por mais seis meses de salário. O art. 479 da CLT diz que a indenização
que o empregado deve receber pela dispensa antecipada é o que o empregado esperava
receber, só que pela metade. Ainda tem 40% do FGTS (tem gente que discute isso). Então,
recebe-se a indenização sem prejuízo do FGTS (lei 8.036/90 e dec-lei 99.684/90 art. 9º).
Recebem-se também as verbas resilitórias.
Rompimento por parte do Empregado (art. 480 da CLT).
O art. 480 da CLT trata da situação na qual o empregado rompe antecipadamente o contrato
antes do prazo do termo final. Há discussão se o prejuízo mencionado no artigo é presumido
ou precisa ser provado. A indenização não poderá exceder aquela que o empregado deveria
receber na mesma situação.
Cláusula assecuratória da Rescisão Antecipada (art. 481 da CLT).
Sobre o art. 481 da CLT, nos contratos de tempo determinado, em alguns casos, faz-se o
contrato de tempo determinado, mas quer ficar livre para romper esse contrato a qualquer
momento. Isso acontece sobre tudo quando se fixa um termo final muito grande e o setor tem
uma rotatividade acentuada. Muitas vezes o empregador quer se ver livre do seu empregado
antes do prazo final.
Coloca-se então uma cláusula no contrato de tempo determinado que faça com que na prática
ele seja igualzinho a um contrato de tempo indeterminado, sobretudo quanto aos efeitos da
extinção, é a cláusula assecuratória da rescisão antecipada. Além disso, deve assegurar esse
direito também para o empregado, sem sofrer os efeitos dos artigos 479 e 480 da CLT. Os
efeitos serão os mesmos do contrato indeterminado no tocante a extinção (aviso prévio).
Logo, é possível haver aviso prévio em um contrato de tempo determinado.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 179
O Pré-contrato e o Pós-contrato
A questão do pré-contrato desafiou a doutrina durante muito tempo, sobretudo os
anticontratualistas e institucionalistas que diziam que o contrato de trabalho era um ato
condição (só a contrato de trabalho com S.H.O.P e não existiria nenhuma efeito quando não se
verificasse no plano da realidade dos fatos a prestação de serviço dentro do S.H.O.P).
No entanto, é possível verificar alguns efeitos pré-contratuais que não serão efeitos de direitos
trabalhistas propriamente ditos, mas indenizações muito mais baseadas no direito civil do que
no direito do trabalho, mas ainda sim são efeitos do contrato de trabalho e serão reconhecidos
pelo direito do trabalho e serão apurados e executados e efetivados pela justiça do trabalho.
O pré-contrato tem negociações preliminares, a fase de entendimentos e conversações entre
os interessados, de entrevista e conversações que não geram expectativa de direito e ou
direito adquirido. O pré-contrato vai se configurar de forma mais ampla quando cria
expectativas de fato com a promessa da contratação, muitas vezes por escrito, geralmente
atrelado com a exigência de realização de despesas, seja para o empregado ou para o
empregador e, assim, os efeitos civis indenizatórios se darão de parte a parte.
Naturalmente, o direito do trabalho vislumbrará mais as hipóteses em que o empregado tem
esse prejuízo. Muitas vezes o empregado recebe a promessa de contratação, mas exige-se que
o mesmo faça um curso, tendo assim despesas, para ser contratado, havendo depois uma
desistência culposa que causa dano e que deve ser ressarcida à luz do direito civil. São efeitos
jurídicos contratuais obrigacionais que se dão antes da prestação de serviço com
características do S.H.O.P.
Os mesmos efeitos se percebem no pós-contrato, porém, costumam ser mais específicos,
como a cláusula de quarentena quanto a empresas concorrentes ou em determinados setores,
que podem ser muitas vezes invalidadas em face da liberdade de profissão presente no art. 5º
da CRFB/88, pois muitas vezes a carreira profissional é inviabilizada. Outra cláusula importante
é a de sigilo profissional em relação a determinadas informações e dados e também
conhecimentos que não podem ser repassados após a extinção do contrato.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 180
Aula 17 – Direito do Trabalho I dia 25/06/2013
Efeitos do Contrato de Trabalho
Sobre efeitos do contrato o professor Godinho Delgado fala que o contrato tem efeitos
próprios condizentes com as obrigações de empregado e empregador onde a principal
obrigação do primeiro é trabalhar e a principal obrigação do segundo é pagar o salário.
Efeitos Conexos ao Contrato de Trabalho (Professor Mauricio Godinho Delgado)
A par desses efeitos próprios, existem outros efeitos próprios (que ainda não são os conexos)
que são paralelos, como o pagamento de algumas verbas trabalhistas ou o dever de restituir
algum instrumento de trabalho ou ainda lealdade ou boa-fé. Como efeitos conexos o autor
supracitado traz dois:
Decorrentes de Contrato Paralelo de Propriedade Industrial.
Quando o empregado invente alguma coisa e passa a ter direitos de propriedade industrial em
decorrência do contrato de trabalho (a propriedade intelectual), que decorre da criatividade e
inventos do trabalhador, se subdivide em propriedade industrial e direito autoral (obra
artística) e ainda direito de software. A propriedade industrial é o direito sobre o invento em si
(físico) que é possível patentear e explorar comercialmente.
Há uma zona de interseção com a relação de emprego porque os efeitos desse contrato
segundo a lei de propriedade industrial variam de acordo com o tipo de contrato de trabalho.
Se o empregado foi contratado para criar softwares ele não terá como patentear aquele
invento, pois foi contratado para isso, logo, a propriedade industrial do invento pertencerá à
empresa. Quando não ocorre dessa maneira, existem duas formas:
a) Quando a empresa concorre instrumentalmente para que aquela criação tenha
havido, seja com recurso ou material de qualquer natureza e;
b) Quando não concorre com nenhum tipo de participação material, pois o empregado
inventou sozinho e teve a ideia sozinho.
No primeiro caso, a empresa divide os direitos industriais, quando concorre com os
instrumentos , dividindo os direitos comerciais e de patente com o empregado e, no outro, os
direitos são exclusivamente do empregado.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 181
Assédio Moral (Art. 483, CLT)
O assédio moral ainda não foi tipificado, não existe lei que o regulamente; no entanto, a
jurisprudência tem criado alguns critérios para identificá-lo. A jurisprudência entende que
assédio moral é uma hipótese de violência moral que acarreta em indenização por dano moral
por violação à moral e aos direitos de personalidade do empregado. É violência moral que se
distingue de outras hipóteses de violência moral que acarretam também indenização por dano
moral e de outras que não acarretam tais indenizações.
Ofender o empregado é violência moral e leva à indenização, mas não é assédio moral. É
possível haver episódios de violência moral que não acarretem em indenização como, quando,
por exemplo, o chefe desconta seu mau humor no empregado, mas se desculpe pelo excesso.
É um episódio comum, mas não é um crime.
O assédio moral reúne uma série de características:
Vertical e descendente: do superior hierárquico para o inferior hierárquico;
Vertical e ascendente: do inferior hierárquico ao superior hierárquico. Não é comum
na iniciativa privada, pois o empregado pode ser mandado embora uma vez que o
empregador detém o poder de direção. No entanto, no âmbito da Administração
Pública isso pode acontecer mais facilmente porque os cargos de chefia não são postos
em relação, necessariamente a uma hierarquia. Por exemplo, o reitor da universidade
não tem ingerência sobre o contrato de trabalho do professor. Quem manda no
professor é o chefe de departamento, sendo que esse cargo é rotativo. A hierarquia é
mais fraca neste âmbito.
Há também o movimento que é ascendente e descendente ao mesmo tempo. Imagine um
chefe novo de um grupo que já possui as práticas todas viciadas e o chefe novo quer
estabelecer novas regras. O grupo se revolta contra o chefe e começa a sabotá-lo. No instante
que o chefe usa seu poder de direção para coibir esse tipo de prática e não recebe o suporte
das instâncias superiores a eles. Aí tem seu poder esvaziado. Tem-se o assédio ascendente (do
grupo) e descendente (dos superiores) que esvaziaram seu poder de direção.
Características do Assédio Moral.
1ª Característica: Sistematicidade;
Episódios de violência moral repetidos sistematicamente. Não pode ser um único episódio de
violência moral. Xingar um empregado uma única vez já é um episódio passível de dano
moral e que caracteriza uma situação indenizável. No assédio moral precisa-se da reiteração
para caracterizar o próprio assédio. Os episódios de violência moral vão se repetindo, mas, por
si mesmas, não são tão explícitas, contundentes, mas sim camufladas de poder de direção, de
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 182
ordens, de exercício de supervisão e controle do contrato de trabalho ou mesmo de
brincadeira.
É muito comum a desqualificação repetida, sem ofender diretamente, como dizer que o
serviço feito é sempre ruim, ainda que seja igual ao de outro trabalhador considerado bem-
feito. Ou quando mesmo o empregador não fornece subsídios suficientes para a realização de
um bom trabalho (instrumentos ou informações, por exemplo). Pode demitir o trabalhador,
mas não é necessário ficar ameaçando-o constantemente (por exemplo, “esse tipo de relatório
não costuma durar muito na empresa, você será demitido qualquer hora dessas”). Não precisa
aterrorizar o empregado.
Esse tipo de situação acaba levando ao assédio horizontal, pois o instinto de competitividade e
individualismo e ainda sobrevivência faz com que os colegas de trabalho, ao perceberem o
isolamento do trabalhador que sofre o assédio moral por parte do empregador, acabam
reproduzindo esse assédio ao invés de se solidarizarem – ainda para ficarem “bem com o
chefe”. Isso acontece eventualmente na vida de todo mundo, pois no capitalismo não se
trabalha por realização pessoal, mas sim por sobrevivência, ainda que parcialmente, dada a
escolha de uma qualificação. O dissabor já é inerente do trabalho, quanto mais com o assédio
proposital e direcionado a uma determinada pessoa.
2ª Característica: Intencionalidade do assediador.
O assediador faz propositalmente o assédio. Pode ser até uma intencionalidade inconsciente
ou totalmente consciente, mas não é sem querer. Há uma intencionalidade do assediador e há
também uma direcionalidade ao assediado. Se o empregador exige o conteúdo do contrato de
trabalho gritando não configura violência ou assédio moral, pois se está exigindo o que está no
contrato de trabalho (professor não concorda), pois é contra a civilidade e polidez. A prática
difusa não caracteriza o assédio moral, mas sim a direcionalidade. X assedia W ou W,Y e Z.
3ª Característica: Temporalidade.
A jurisprudência não aceita que a repetição sistemática se dê por um curto espaço de tempo.
Às vezes se caracteriza por anos de prática e, depois de tanto tempo, com a degradação do
ambiente de trabalho (do ambiente inteiro, é um clima ruim). O meio ambiente do trabalho
não é só físico (ruídos, iluminação, iluminação e etc), mas também as relações humanas e o
empregador devem zelar sobre isso uma vez que é ele que comanda e conduz os contratos.
Portanto, ele deve colocar ordem para não haver desequilíbrio entre as relações
interpessoais. O trabalho se torna um sofrimento. Ao longo do tempo isso leva ao pedido de
demissão (às vezes a intenção é justamente essa), não se quer demitir o empregado
diretamente e, então, faz-se o assédio para que o próprio empregado peça demissão. Outras
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 183
vezes o trabalhador não pede demissão e tem algum tipo de patologia psicológica que, muitas
vezes, é grave. Isso não é definitivo, mas é o que aparece na jurisprudência hoje.
4ª Característica: Intencionalidade
Por intencionalidade deve-se entender o conjunto de práticas deliberadas que emanaram
daquela pessoa específica. Intencionalidade está liga a direcionalidade nesse sentido, partiu de
X e foi à Y, é algo claro de perceber. Não há consenso também sobre quais dos títulos do art.
483 da CLT o empregador viola quando comete o assédio moral, dependerá muito da prática
do assédio. Quando caracterizado como poder de direção pode se encaixar em rigor excessivo
e é então possível invalidar o pedido de demissão e caracterizar que houve uma falta grave do
empregador e pedem-se os efeitos da rescisão indireta. Em alguns casos mais raros poderia se
pedir a reintegração, mas só se o problema for superado, pois isso até pioraria o assédio.
Independentemente de rescisão há dano moral que é o aspecto contratual conexo.
Remuneração (art. 457, CLT)
Para os leigos remuneração e salário é a mesma coisa. Tecnicamente, remuneração não é
salário. Isso se deduz do art. 457 da CLT.
Formas de Caracterização da Remuneração.
A primeira ideia que se tem é que remuneração é igual a salário somado à gorjeta. De uma
forma geral, há dois sentidos apresentados pela doutrina para caracterizar remuneração.
1° Sentido: Gênero Contraprestativo.
Em um primeiro sentido é gênero contraprestativo não empregatício, mas de toda relação de
trabalho, qualquer humana que esteja relacionada a trabalho humano exceto relação de
emprego. É o termo genérico para aquilo que se paga como contraprestação ao trabalho,
exceto prestação e emprego, por exemplo, honorários (advogados), vencimentos (servidores
públicos) e soldo (militares) são espécies do gênero remuneração. Alguns dizem que é
simplesmente um gênero contraprestativo e que salário é uma de suas espécies, seria a
espécie de remuneração da relação de emprego (seria uma derivação da primeira acepção),
poderia ser considerada uma segunda.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 184
2° Sentido: Exclusividade da Relação de Emprego.
Outra acepção mais diferenciada e mais próxima da CLT diz respeito ao interior da relação de
emprego. Já dentro da relação de emprego haveria parcelas de natureza genérica, de natureza
inominada e parcelas típicas da própria relação empregatícia, que só existem nela e
conformam o centro dela que são as parcelas salarias. Dentro a relação de emprego haveria
um gênero contraprestativo não salarial e teria uma espécie contraprestativa adequada típica
da relação empregatícia que é o salário.
Na relação de emprego pode haver parcelas pagas ao empregado que são típicas da relação de
emprego (salariais) e outras que podem ser pagas ao empregado, mas não são típicas, mas
circunstanciais e pagas eventualmente ao empregado (parcelas remuneratórias), nome
genérico, ou ainda seriam não salariais simplesmente.
Salário só tem na relação de emprego, é mais fácil identifica-lo e, por oposição, identificar
assim o que é remuneratório. Para identificá-lo é necessário se deter à realidade dos fatos
(primazia da realidade) e verificar três características. Se as três características estiverem
presentes, é parcela salarial, não importa o nome e, portanto, compõe o salário. O salário é um
complexo de parcelas que detém a natureza salarial (as três caraterísticas).
A importância prática disso se dá pelo fato de que muitas parcelas trabalhistas são calculas
nesse total do complexo salarial. O 13º salário (gratificação de natal) é uma parcela salarial e
sua base de cálculo é o complexo salarial. Calcula-se tudo que recebeu ao longo do ano com a
natureza salarial. Todo o complexo salarial, mês a mês, é isso que informará a base de cálculo
para pagar o 13º salário. Assim é com a remuneração de férias e com o desconto do FGTS para
calcular 8% sobre todas as parcelas de cunho salarial etc.
Características das Parcelas Salarias
As parcelas de natureza salarial ou não salarial serão apresentadas pela doutrina com
definições conceituais clássicas: “o que é uma gratificação, um adicional, um prêmio, um
abono, uma diária pra viagem etc.” Porém, a importância prática disso é saber se a parcela de
fato é ou não salário.
Na prática pode ser que o empregador chame de não salarial é algo que é salarial para se livrar
dessa natureza. Isso é uma fraude para reduzir determinados encargos trabalhistas (FGTS, 13º
salário etc.).
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 185
1ª Característica: Habitualidade
A primeira característica na natureza salarial da parcela é a habitualidade. Deve ser paga
habitualmente. Não há definição dessa frequência. Se o pagamento se repete por mais de três
meses consecutivos, para jurisprudência, embora não seja um critério fixo ou legislado,
costuma caracterizar habitualidade.
2ª Característica: Paga Diretamente pelo Empregador
A segunda característica é que ela deve ser paga diretamente pelo empregador para o
empregado. Sai diretamente das mãos do empregador para as mãos do empregado. Nem
sempre isso acontece. A gorjeta em seu sentido original é paga pelo cliente, voluntariamente
(vide o caso do garçom), ele só a recebe porque trabalha em determinado restaurante, logo, é
em virtude do contrato de trabalho, mas ela não é paga pelo empregador diretamente. A
gorjeta é cobrada na conta e rateada pelo empregador hoje em dia, por exemplo. Ver súmula
354.
As chamadas gueltas. Acontece muito com vendedor de eletrodomésticos ou em farmácias
que são comissões pagas por certos fornecedores de produtos pela venda diferenciada ou
incrementada de tais produtos. Ganha para “empurrar” o produto (o empregador autoriza
isso).
3ª Característica: Contraprestatividade.
O terceiro e último requisito é a contraprestatividade específica ao serviço ordinariamente
prestado pelo empregado. O terceiro elemento é o que exige mais atenção. Aqui há uma
Contraprestatividade. A remuneração, de um modo geral, de esse caráter de contraprestação
para retribuir um serviço prestado. O salário é pago para retribuir o serviço tal como é
prestado ordinariamente, cotidianamente, normalmente e, de novo, deve-se se socorrer do
princípio da primazia da realidade.
Um exemplo, o adicional (noturno, de insalubridade, de periculosidade) são parcelas
remuneratórias que servem para indenizar a submissão do empregado por uma condição
excepcionalmente mais gravosa que a normal. Submeter o empregado à jornada noturna ou à
uma hora a mais de trabalho ele recebe um adicional, é uma compensação. Em tese, são
parcelas de natureza indenizatória pagas ao empregado submetido à condição mais gravosa.
Se todos os dias o empregado faz horas extras, se o cotidiano dele é fazer horas extras, desde
quando foi admitido até o último dia do contrato. Aquilo que era para ser eventual passa a ser
salarial, pois é como ordinariamente presta o serviço. Deixa então de ser indenizatório para ser
salarial. Há a conversão da natureza do adicional; deveria ser não salarial, remuneratória, mas,
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 186
de fato, passa a ter um adicional de natureza salarial e aí e incluído no cálculo para o 13º
salário.
Contratar uma pessoa e colocar a distribuição dos valores como sendo dois mil reais de salário
e vinte e oito mil reais de direito de imagem é fraude. A separação é prevista em lei, mas para
descaracterizar a natureza salarial coloca-se uma parcela instrumental paralela. É um contrato
comercial paralelo ao contrato de trabalho, que é o contrato de direito de imagem. Isso é
assessório ao contrato de trabalho. É uma distribuição não equânime e não correspondente ao
valor de mercado ao direito de imagem.
O prêmio é uma parcela, em tese, não salarial. É algo que não é ordinário, mas sim esporádica.
Serve para contraprestacionar algo específico como um desempenho muito bom fora da
normalidade, até mesmo para estimular um tipo de conduta ou rendimento. Não é todo dia e
nem para todo mundo, é algo para uma condição extraordinária. No entanto, se pega o
contracheque de alguém onde há o salário base de 500 reais e um prêmio de 500 reais. Isso vai
se repetindo ao longo de vários meses.
Na hora do 13º salário vêm somente 500 reais, pois o prêmio não é parcela salarial. Isso é
burlar a lei, o princípio da primazia da realidade. Na verdade, sabe-se que isso é salário
independentemente do nome prêmio, pois o que está sendo pago como tal está remunerando
o serviço como ele é feito todos os dias, ordinariamente prestado. Isso impõe natureza salarial
às parcelas. O 13º salário deve ser mil reais.
Sobre §1º do 457 da CLT o salário pode ser pago de forma fixa, variável ou mista (uma parte de
fixa e outra variável). A comissão é paga habitualmente em função do contrato, ou se é
exclusivamente comissionista e no contrato se recebe 2,5% sobre as vendas ou 500 reais mais
2% de comissão fixado em contrato e é algo habitualmente. Quem paga a comissão é o
empregador e retribui o serviço prestado todo o dia. Logo, tem natureza salarial. Mas o
dispositivo acima referido já trata do complexo salarial dando alguns exemplos de parcelas. A
importância fixa estipulada é chamada de salário base ou salário básico.
O complexo salarial a que se refere o § 1º pode se decompor em salário base e sobre salário
(somando todos os “penduricalhos” pagos no Brasil não se chega ao salário dos países
desenvolvidos). No sobre salário há as parcelas tipificadas pela lei, no dispositivo mencionado,
e outras não tipificadas, instituídas pela criatividade privada, depende da criatividade do
empregador, que pode estipular o nome de uma parcela salarial que preencha as três
características, com natureza salarial que compõe o complexo salarial, mas não é salário base.
O salário base pode ser fixo, variável ou misto e pode ser pago em dinheiro ou, além disso,
parcialmente pago em utilidade, como o fornecimento do bem da vida que seria destinado a
ser suprido pelo salário do empregado – transporte, alimentação etc.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 187
Aula 18 – Direito do Trabalho I dia 27/06/2013
Salário não é apenas a quantia fixa e ajustada em contraprestação ao serviço realizado pelo
empregado. Essa quantia fixa corresponde ao salário base60.
Este salário base pode ser:
Fixo;
Variável;
Misto (parte fixa e variável).
O salário é composto do salário base e o sobre salário, tal como especificado no parágrafo
primeiro do artigo 457 da CLT. Este trás como exemplo de parcela salarial comissões,
percentagens, gratificações, diárias para viagens e abonos.
A tipificação não é relevante para validade, mas o reconhecimento à natureza salarial da
parcela quando ela se apresentar.
Para isso apresentam-se aqueles três elementos indicadores da presença da natureza salarial:
Habitualidade;
Pagamento direto pelo empregador para o empregado61;
Caráter Contraprestativo62;
A princípio, o empregador não pode pagar parcelas habituais por benevolência ou
generosidade (isso é uma crítica do empregador). Se a parcela for habitual e sair das mãos do
empregador ganhará natureza salarial, pois, ao ser pago, supõem-se para o serviço que o
empregado presta normalmente. Não se pode presumir que o empregador que tem com o
empregado um contrato de trabalho, lhe fornecerá pagamento, dádivas, senão por conta do
próprio contrato de trabalho.
Se o empregador paga e, a princípio, não há nenhuma condição especial para esse pagamento,
que justifique esse pagamento, sendo este habitual, será salário, não importando o nome que
tenha. A parcela será salarial mesmo que não esteja tipificada no §1° do art. 457 da CLT. Esta
relação irá ainda além. Mesmo que a parcela esteja com um nome classificado pela doutrina
como não salarial, se a parcela tiver Habitualidade, caráter contraprestacional e for pago pelo
empregador diretamente, será considerada salário.
60
Aquilo que é ajustado para que o empregado trabalhe. 61
Sai das mãos do empregador para as mãos do empregado, diretamente. 62
Este será revelado através desta retribuição ao serviço que o empregado realiza ordinariamente. É retribuição ao serviço cotidianamente prestado. Essa ordinariedade faz com que se analise a realidade desta relação contratual. Tudo que o empregador paga para determinado empregado que haja determinação ordinária tem natureza salarial.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 188
As parcelas consideradas não salariais terão algum elemento que as condiciones como
excepcionais. Poderão ter ainda algum tipo de indicação legal específica que retire a natureza
salarial da parcela como, por exemplo, o vale transporte. Este é concedido por força de lei. É
um benefício para o trabalhador, pois o empregador passa a custear a maior parte do
transporte que o empregado utilizar. É obrigação legal do empregador.
Assim, se a lei impõe ao empregador essa obrigação legal que trás uma vantagem para o
trabalhador, assim a própria lei entende justo que se retire a natureza salarial do vale
transporte, excluindo qualquer tipo de caracterização com natureza salarial do vale transporte.
O valor do vale transporte custeado pelo empregador não integra o complexo salarial63.
A lei da participação nos lucros e resultados exclui desta parcela a natureza salarial. A
participação nos lucros e resultados (PLR), a princípio, sendo obedecidos todos os requisitos da
lei, não tem natureza salaria. Por exemplo, é preciso que a norma coletiva (convenção coletiva
ou acordo coletivo) determine a possibilidade de participação no PLR. Deve-se repeitar o
interregno da PLR, aonde é um espaço de tempo aonde, empresarialmente, se verifica quais
foram os resultados da empresa.
Assim, no mínimo, se paga PLR semestralmente. Se for paga com uma periodicidade menor
que a semestral rompe com a exigência legal de PLR. Força de lei, o PLR só poderá ser pago
semestralmente ou anualmente, pois é o período que a empresa avalia quais foram os
resultados. Não se pode permitir a participação em resultados sem verificar quais estes foram,
isto é, se houve lucro.
Na prática, no intuito de fraudar a lei, alguns empregadores pagam o PLR mensalmente, sem
nenhuma previsão em norma coletiva (acordo coletivo), apenas por ato unilateral do
empregador. Esse nome PLR não é o PLR denominado pela legislação, o qual não tem natureza
salarial. Assim, uma participação nos lucros que é paga mensalmente terá a natureza salarial.
Características do Salário
1ª Característica: Natureza Alimentar.
A primeira e a mais importante é que as verbas salariais, que compõem umas das vigas do
contrato de trabalho64, é a natureza alimentar. É do salario que o empregado retira a sua e de
sua família a fonte de subsistência. Assim, o caráter alimentar reforça o sentido da importância
do contrato de trabalho. É justamente esse caráter que visa atender as necessidades essenciais
vitais do trabalhador.
63
Quantum total salarial. 64
O pagamento do salário peculiarmente caracteriza essa relação de emprego diferente de outras relações humanas de caráter remuneratório
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 189
2ª Característica: Continuidade (forfetário).
Tem a característica de ser contínuo e a doutrina chama de forfetário (francesismo). Remete
justamente a obrigação do empregador em se comprometer a pagar o salário independente da
sorte do empreendimento.
Esse caráter contínuo é uma consequência do elemento da relação de emprego alheabilidade
(Ajenidad). É a impossibilidade de transferir o risco do negócio para o empregado. Se o
empregado realizou o trabalho para qual foi contratado, isso é o que importa, ele deve receber
de maneira contínua e sem interrupção seu salário.
Ou seja, estando ou não a empresa saudável no mercado, não fará diferença. O caráter
contínuo impõe essa obrigação ao empregador mesmo que seu empreendimento esteja
passando por dificuldades. A súmula 173 do TST reforça essa obrigação imposta ao
empregador.
TST Enunciado nº 173 - RA 102/1982, DJ 11.10.1982 e DJ 15.10.1982 - Ex-Prejulgado nº 53 -
Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.
Vínculo Empregatício - Cessação das Atividades da Empresa - Salário
Extinto, automaticamente, o vínculo empregatício com a cessação das atividades da empresa,
os salários só são devidos até a data da extinção.
Referências:
- Art. 467, Remuneração - Contrato Individual de Trabalho - Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT - DL-005.452-1943
obs.dji: Atividade (s); Cessação; Empresa; Extinção do Vínculo Empregatício; Relação de
Emprego; Salário; Trabalho com Vínculo Empregatício e Avulso
Assim, se a empresa está encontrando dificuldades, mas continua a existir, mantém-se a
obrigação do pagamento do salário. Apenas quando empresa cessa suas atividades
econômicas é que fica desonerada de continuar o pagamento do salário. Afinal, não havendo
mais a prestação do serviço não há que se falar em contraprestação salarial.
Essa reciprocidade entre as prestações obrigacionais é o próprio sinalagma. Se o empregado
não trabalhou, a empresa não tem obrigação de pagar o salário.
3ª Característica: Indisponibilidade.
O salário também tem a característica de ser indisponível. Assim, o empregado não poderia,
por ato de vontade renunciar ao direito de receber seu salário.
A indisponibilidade atinge mais que a renuncia, alcançando também a transação. O empregado
só pode transacionar na hipótese majoração do salário. A transação é lícita desde que não haja
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 190
prejuízo ao empregado, na forma do artigo 468 da CLT. É o princípio da Condição mais
Benéfica ao Empregado.
A princípio, não é possível transacionar quando o resultado apresentar condição mais lesiva (in
pejus). Assim, é vedada:
Renúncia;
Transação in pejus.
É ainda irredutível. Nesta há a participação do sindicato. Cabe lembrar a regra do artigo 7°,
inciso VIII da Constituição Federal.
Assim, a redutibilidade é possível em virtude de negociação coletiva com a participação dos
sindicatos. Mas, em uma circunstância de transação, de concessões recíprocas. Não pode
haver mera renúncia, nem com suporte do sindicato, nem através de convenção coletiva.
Logo, quando há a redução salarial, os trabalhadores ganham vantagens que justifique a
redução salarial. Quando assim não for, essa própria convecção coletiva pode ser anulado pelo
judiciário trabalhista.
Não se pode reduzir o salário através da negociação individual (empregado sozinho com
empregador), pois, em tese, quando a negociação é feita com o sindicato haveria um equilíbrio
com a possibilidade de manifestação de interesses (uma equalização na possibilidade de impor
os interesses), uma vez que os trabalhadores estariam organizados coletivamente, tendo
instrumentos de pressão65. Existe uma série de mobilizações que podem causar um prejuízo
incrível e pressionar a empresa a alcançar, aderir os interesses dos trabalhadores.
Em tese, pois em um país em que o sindicato nunca foi muito bem desenvolvido, não há
tradição de organização sindical forte e o que se tem são sindicatos que ao invés de lutar pelos
interesses dos trabalhadores, comungam os interesses dos patrões.
Exemplo Histórico Econômico de Convenção Coletiva in pejus.
No processo de consolidação neoliberal, a indústria automobilística foi diminuindo (o processo
de downsizing). Ao longo dos anos de 1990 e 2000, essas metalúrgicas que abasteciam as
empresas de automóvel (principalmente no ABCD paulista) foram absorvendo tecnologia e
diminuindo de tamanho.
Assim, houve uma necessidade de dispensa de trabalhadores, em virtude do próprio processo
de inovação tecnológica66.
Produz-se de outra forma, necessitando-se de menos trabalhadores do que antes se precisava.
Então, ao longo desses anos verificaram-se muitas convenções coletivas que objetivando o
65
Manifestação e greve, por exemplo. 66
Robotização e informatização.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 191
reduzir ou frear o processo de demissão em massa, permitia a redução de salário (quase
sempre com redução de jornada proporcional67). Fazia-se uma reorganização reduzindo a
jornada e diminuindo o salário e, em troca, assegurava os trabalhadores no emprego. A
negociação coletiva criava estabilidade, garantias provisórias de emprego.
Assim, conjuga-se o inciso IV com o inciso XIII, do artigo 7° da Constituição Federal. Este inciso
XIII fala da jornada de trabalho que também é flexibilizável por norma coletiva.
4ª Característica: Periodicidade (art. 459 da CLT).
O salário é periódico. Na forma do artigo 459 da CLT o pagamento do salário em qualquer que
seja a modalidade de trabalho, não deve ser estipulado por período superior a um mês, salvo
em que concerne a comissões, percentagens e gratificações, estabelecendo a periodicidade
máxima do trabalho.
Além disso, quando o salário for estipulado por mês, deverá ser efetuado, no mais tardar até o
quinto dia útil do mês vencido, ou seja, até o 5° dia útil do mês subsequente ao trabalhado. Em
síntese, o empregado trabalha um mês e no final deste recebe o salário. Esse final do mês
pode se estender até o quinto dia útil do mês subsequente. É o prazo máximo para o
pagamento.
Assim, o salário pode ser pago diariamente, por hora, semanal, quinzenal e, no máximo,
mensal. O salário, além de contínuo (2ª Característica) é periódico, sendo obrigação de trato
sucessivo do empregador. É a principal obrigação prestacional do empregador, que
corresponde ao trabalho prestado pelo empregado. O sinalagma contratual trabalhista está
justamente na troca do salário pela força de trabalho do empregado. Logo, se o empregado
não trabalha, falta, por exemplo, não há obrigação de pagar salário.
5ª Característica: Comutatividade.
A doutrina coloca ainda o aspecto comutativo do salário. É encontrada como característica do
contrato de trabalho e irá se repetir na questão do salário.
Se o sinalagma corresponde à reciprocidade de obrigações68, para
doutrina majoritária há uma equivalência de valores entre essas
obrigações. Dissemina-se com esse elemento (característica) o
entendimento que o salário do empregado vale justamente aquilo que a
força de trabalho dele pode ser aferida em termos de valor. Conclusão
lógica, o que o empregador paga é justo, pois há comutatividade.
Emocionante , o atleta cai em prantos, mas isso não corresponde à
realidade.
67
As jornadas eram necessárias, mas dentro da nova forma de produzir. 68
A obrigação de trabalhar tem a reciprocidade jurídica do pagamento do salário.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 192
Se assim fosse, o empresário não experimentaria lucros. Quando o empregado trabalha ele
produz com sua força de trabalho valor que se agregam aos fatores produtivos. Essa força de
trabalho agregada produz valor econômico. Defende a comutatividade que o valor econômico
produzido pelo empregado seria igual ao pago pelo salário (lindo, só que não ).
O Capitalismo e a Mais Valia.
Se assim fosse, se a empresa devolvesse para o
trabalhador tudo aquilo que ele trabalha, não
haveria lucro. Os manuais, em geral, trazem a
comutatividade como elemento tanto do contrato
de trabalho, quanto do salário.
A mágica do sistema capitalista é que ele gera um
valor superior àquele que é pago ao empregado. Ao
se debruçar ainda mais nessa relação, observa-se
que esse valor pago, na verdade, é valor produzido
pelo próprio trabalhador.
Por exemplo, o trabalhador que chega a empresa às 8 horas e começa a produzir valor, As
12h00min horas, ele produziu uma quantidade X de valor. Em 30 dias, durante o período das
08h00min as 12h00min horas, tem-se o valor do salário dele. Foi o próprio trabalhador que
produziu seu valor. Obviamente ele produziu associado em uma organização que congrega os
demais fatores produtivos.
Se fosse comutativo ele iria embora para casa as 12h00min, pois já produziu o valor do salário.
Mas a lógica do sistema é fazer com que ele trabalhe mais. O tempo posterior as 12h00min é o
necessário para a reprodução da força de trabalho.
O salário como valor de troca vai ser aferido pelas condições de oferta e procura do mercado.
Esse tempo posterior é chamado de excedente, cuja valoração é o + valor (mais valia), da qual
se apropria o empregador privadamente.
Existem várias maneiras de se extrair mais valia. Por exemplo, exigindo do empregado que ele
fique mais tempo físico, cronológico, excedente trabalhando (e isso pode ser estendido com
horas extras). Também é possível (e o processo produtivo tem consciência disso), incorporar
tecnologia que aumente a produtividade69, acelerando-a.
Por exemplo, se com o maquinário A ele precisa das 8h00min até as 12h00min para produzir a
quantidade de valor quer será equivalente ao seu salário, com a máquina B, mais moderna,
mais desenvolvida, ele consegue as 9h00min da manhã terá conseguido produzir a quantidade
69 Produtividade é a quantidade de produção dividia pelo tempo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 193
de valor necessário para cobrir o próprio salário. Aumenta-se assim a margem de excedente.
Nota-se que a jornada não foi diminuída, mas aumenta-se a mais valia.
Assim, a doutrina de vanguarda, que pode considera da melhor doutrina (e neste sentido
professor Ivan Garcia/UFRJ) como sendo uma característica do salário, pelo menos não
paritariamente.
O Direito do Trabalho tenta esconder essa desigualdade. O Direito do Trabalho não foi criado
apenas para os trabalhadores. Ele cumpre também as necessidades do capital, um deles é a
escamotear a mais valia.
Fixação do Salário.
A fixação do salário pode se dar por unidade de tempo ou de obra. Normalmente, se fixa o
salário por unidade de tempo. Por exemplo, o trabalhador receberá R$600,00 reais por mês e
trabalhará, todos os dias úteis da semana, de 09h00min as 18h00min.
Unidade de Tempo.
Isto é unidade de tempo. O trabalhador fica a disposição do empregador, recebendo,
executando ou aguardando ordens.
Unidade de Obra.
Nesta, fixa-se um salário de acordo com o resultado da obra (atividade) realizada pelo
empregado. Pode se ajustar o salario sobre comissão, venda, ato (tarefa), comissão sobre
venda, por peça produzida. Por exemplo, paga-se um real por cada peça. Outro exemplo, pode
o empregador enumerar um número de tarefas e remunerar conforme a realização das
mesmas.
Esse salário por Unidade de Obra é variável. Quanto mais resultado o empregado produzir,
quanto mais roupa ele vender, quanto mais peças ele produzir, quanto mais tarefas ele
conseguir realizar, mais ele irá ganhar.
Hoje, no chamado pós-fordismo, os novos métodos de organização da produção, esse tipo de
estipulação do salário tem sido formulado de forma muito interessante.
Estabelecem-se trabalhos compartilhados, em equipe, e condiciona ao resultado do time a
remuneração desses empregados. Ao se ter o condicionamento das pessoas em uma equipe
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 194
(teamwork ou jobshare), se o trabalhador adoece ou é mais lento (por questões peculiares
dele), o time irão pressionar esse cara, pois a remuneração dele está no fogo.
Não é mais necessária a formalização do controle própria do poder empregatício. O
condicionamento remuneratório prescinde do fiscal, pois os próprios trabalhadores se
fiscalizam. Isso ainda é somado a um intenso processo de individualização e competitividade.
Pagamento do Salário
O salário deve ser pago nos termos do artigo 463 e 464 da CLT. Existem algumas regras que
devem ser observadas:
A periodicidade máxima é mensal (459 da CLT);
A prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente do país (art. 463 da
CLT);
Ω - A lei não admite pagamento em moeda estrangeira. O salário deve ser
pago em moeda nacional, corrente e em espécie. O precedente normativo70
117 da SDC, admite o pagamento em cheque, mas se assim o fizer, a empresa
dará ao trabalhador tempo necessário para descontá-lo no mesmo dia71.
Deve ser efetuado contra recibo assinado pelo empregado (Art. 464 da CLT)72;
A quitação passada pelo empregado, com assistência sindical de sua categoria, com
observância dos requisitos do parágrafo do artigo 477 tem eficácia liberatória em
relação às parcelas expressamente consignadas no recibo (Súmula 330 do TST);
Terá força de recibo o comprovante de depósito em conta bancária a verba para este
fim, com consentimento deste, no estabelecimento de crédito próximo ao local de
trabalho (§ único, 464, CLT);
O pagamento do salário será efetuado em dia útil e no local de trabalho (Art. 465,
CLT);
Ω - Quanto ao tempo: em dia útil. Quanto ao local: no local do trabalho, dentro
do horário de serviço ou imediatamente após o encerramento deste, salvo
quando efetuado por depósito em conta bancária, observado os requisitos.
É vedado o salário complessivo (Súmula 91, TST);
Ω - Este consiste no pagamento de diversas parcelas salariais sob um só título
(rubrica).
70
A OJ da SDI equivale ao precedente normativo (PN) da SCD. 71
Binômio para utilização do cheque como forma de pagamento: mesma praça + tempo útil para que ele possa pegar o dinheiro no dia do pagamento. 72
Se tratando de analfabeto será mediante impressão digital.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 195
É vedado qualquer tipo de desconto, salvo os decorrentes de acordo coletivo ou
adiantamento (art. 462, CLT).
Existe uma exceção quanto às autoridades. Algumas autoridades podem receber o salário fora
do local de trabalho, no local onde melhor atender aos interesses dessas atividades. Como
atualmente tudo é feito por depósito bancário, essa regra já caiu em desuso.
Truck System (Vedado pelo artigo 462, §2° e 3° da CLT).
Esse é um dos institutos mais antigos do Brasil, mas não é exclusivo deste. Já foi inclusive
abordado em novelas (Terra Nostra, Esperanza) com imigrantes na plantação de café.
A cafeicultura do Vale do Paraíba do Sul (RJ, Vassouras) era uma cafeicultura baseada na mão-
de-obra escrava. Teve proeminência no começo do século XIX.
Na segunda metade do século XIX a pressão, sobretudo inglesa, contra o trabalho escravo
brasileiro começará a se tornar mais efetiva, encarecendo cada vez mais o contrabando do
trabalho escravo.
É uma série de medidas, que vão desde 1.840 (quando o Brasil se compromete que irá acabar
com o tráfico negreiro) até 1.888. São quase 50 anos que o Brasil tentava engabelar a
Inglaterra das medidas que ela queria implementar para acelerar o capitalismo no mundo
inteiro, que a Inglaterra interessava, pois esta era uma potencia avançada. Tudo isso sobre um
discurso humanitário, que não podia haver essa barbárie que era exploração do trabalho
escravo.
A mão-de-obra assalariada (leia-se imigrante) passa a ser utilizada no Oeste Paulista,
principalmente após a segunda metade do século XIX. Os resultados experimentados pelos
cafeicultores (SP) eram muito melhores que da cafeicultura do Vale do Paraíba (RJ).
Superavam em produtividade, preços e etc. Utilizando mão-de-obra imigrante, se fazia o
assalariamento.
Quando começa o assalariamento no Brasil, pelo menos dentro desse setor produtivo mais
proeminente agrário, O que não significa que não existia assalariamento dentro do setor
industrial. Basta lembrar-se do Barão de Mauá, no século XVIII. Mas a industrialização não era
disseminada no Brasil, e a proeminência econômica era da cafeicultura paulista. Isso vai dessa
segunda metade do século XIX até 1930.
A agricultura cafeeira se torna não apenas o principal setor produtivo/econômico como
também por reflexo político da ‘’política do café com leite’’ na República.
Quando se instala o trabalho assalariado no Brasil, sobretudo no OESTE paulista. Já se tem o
chamado truck system.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 196
Para entendê-lo, basta ler os parágrafos segundo e terceiro do artigo 462 da CLT.
Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do
empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de
contrato coletivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que
esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do
empregado. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 2º - É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos
empregados ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações "in natura" exercer
qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do
armazém ou dos serviços.
§ 3º - Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços
não mantidos pela Empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de
medidas adequadas, visando a que as mercadorias sejam vendidas e os serviços
prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre em benefício dos
empregados.
O precedente normativo 68 da SDC disciplina:
Nº 68 EMPREGADO RURAL. FALTAS AO SERVIÇO. COMPRAS (positivo) - Autoriza-se o chefe de
família, se empregado rural, a faltar ao serviço um dia por mês ou meio dia por quinzena, para
efetuar compras, sem remuneração ou mediante compensação de horário, mas sem prejuízo
do repouso remunerado, desde que não tenha falta injustificada durante o mês.
As pessoas que ficam trabalhando em empregadores isolados, elas adquirem seus víveres e
gêneros de primeira necessidade, em geral, do próprio empregador. Assim, o próprio
empregador fornece farinha, azeite, arroz, feijão, etc.
Muitas vezes, essa contratação paralela se faz a partir do estabelecimento de uma linha de
crédito que, pelos preços praticados, resulta-se impagável pelo salário que o empregado
recebe. Assim, toda vez que ele vai ao armazém comprar o mínimo que precisa para
sobreviver, acaba contraindo uma dívida que é sempre superior ao recebido como salário,
ficando sempre devendo ao trabalhador. Esse sistema de criação de dívida constante é o
denominado Truck system.
Esse Truck system vedado pela CLT se converte na principal causa da redução do trabalhador a
condição análoga à escravidão.
Atualmente há um crime tipificado no Código Penal (redução à condição análoga a escravidão)
e no Direito do Trabalho denomina-se de Escravidão Contemporânea, que se baseia
justamente no Truck System (sistema de troca). Não apenas nele, mas através dele, sobretudo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 197
O empregado contrai dívida atrás de dívida e jamais sairá da fazenda, pois moralmente
encontra-se compelido a honrá-las.
É importante historicamente, pois vai do inicio assalariado brasileiro até os dias de hoje, com o
trabalho escravo contemporâneo.
A velha CLT de 1943 já previa sua possibilidade, vedando sua prática.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 198
Aula 19 – Direito do Trabalho I dia 02/07/2013
Parcelas Salarias (Art. 457, CLT).
Vamos analisar agora algumas parcelas que estão tipificadas no art. 457, como sendo parcelas
salariais, integrantes do salário. Tirando os adicionais, todos estão no § 1º do art. 457.
Essas parcelas vão aparecer tal como definidas, vão ser conceituadas pela doutrina de forma
genérica, (abstrata). Com exceção dos adicionais, todas as outras parcelas, originalmente, não
tinham essa natureza salarial, mas, pelo próprio comportamento dos empregadores, elas
passaram, para beneficiar o empregado, natureza, definida na lei, como sendo salarial.
Mas o que interessa saber é que, independentemente do nome, do conceito, qualquer
parcela, com qualquer nome, terá sempre natureza salarial quando preencher os três
requisitos (quando for paga habitualmente, quando for paga diretamente das mãos do
empregador para o empregado e quando retribuir o serviço tal como ele é prestado
cotidianamente, ordinariamente).
Assim, estudam-se agora as parcelas que têm natureza salarial.
Comissões
a) Momento de Pagamento (Art. 446 da CLT);
b) Vendedor Viajante (Lei. 3.207 de 1957);
c) Súmula 27 do Tribunal Superior do Trabalho;
São pagas como salário variável, na modalidade por unidade de obra (e não por unidade de
tempo). São quantias ajustadas proporcionalmente a um resultado.
Fixa-se uma percentagem que vai corresponder a uma atividade do empregado. Ele ganha X%
sobre aquilo que ele deve fazer como objeto do seu contrato de trabalho.
Irredutibilidade da comissão.
O art. 7, inciso VI da Constituição Federal, estabelece uma regra que torna o salário irredutível,
com a exceção do estipulado em norma coletiva.
No caso das comissões, a irredutibilidade não se atém ao valor nominal global (ao quantum
que ele recebe ou a média do que ele recebe). O que fixa a irredutibilidade da comissão é o
valor do percentual.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 199
Por exemplo, se o vendedor ganha 3% sobre as vendas, esse percentual não pode ser
reduzido. No caso de transferência do empregado para estabelecimento com produtividade
maior, essa questão é controversa. O vendedor receberá mais, pois a loja vende mais ou vende
produtos mais caros. Nesse caso, alguns sustentam que é possível a redução do percentual se
o valor real não diminuir.
Mas, o entendimento majoritário é que a irredutibilidade salarial do comissionista refere-se ao
percentual, não sendo, portanto, possível à redução de percentual. Nesse caso, não haveria
nenhum prejuízo ao empregador continuar pagando o mesmo percentual, pois ele vendeu
mais. Não se aplica a teoria da imprevisão.
Teoria da imprevisão
Um fato adjacente ao contrato, de forma imprevisível, que transforma uma cláusula contratual
em excessivamente onerosa para uma das partes.
Tirando a teoria da imprevisão, a irredutibilidade é do valor da percentagem. Esse é o
entendimento consolidado de forma majoritária.
Nos contratos onde o pagamento do salário é exclusivamente variável, através de comissões,
naturalmente há uma determinada transferência do risco do negócio para o empregado. Essa
história de que nunca pode haver a transferência do risco do negócio para o empregado é
relativizada, porque todo comissionista tem que transferir para o seu contrato de trabalho
certo risco, certa álea.
No entanto, o que se procura preservar é o mínimo. Ou seja, o pagamento de um mínimo que
proteja o trabalhador, fixado ou pelo salário mínimo (inc. IV do art. 7º, CF) ou pelos pisos
salariais que estão previstos no inc. V do mesmo artigo. São sistemas de proteção salarial do
trabalhador que tenha salário variável.
Art. 466 – nas vendas parceladas, a prazo, o empregador só tem a obrigação de pagar
e o empregado só tem o direito de exigir o pagamento quando a parcela vence. É
possível que o empregador adiante (é raro) Sendo assim, ele paga a comissão de
acordo com que vai recebendo cada parcela pelo produto vendido pelo vendedor.
Efeitos pós-contratuais da comissão.
Só há direito de receber mediante pagamento das prestações, se rompe o contrato de
trabalho antes do término do pagamento das prestações (ainda que tenha sido demitido por
justa causa), a cada vencimento da prestação, o empregador tem que pagar. Como o
empregador não quer esse vínculo perpetuado, pelo nº de prestações a se vencerem, ele
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 200
antecipa o pagamento dessa comissão na rescisão contratual, como verba resilitória, mas, a
rigor, seriam devidas apenas com seus vencimentos respectivos. A cada prestação, elas
passam a ser exigíveis.
Por exemplo, um vendedor de carros vendeu cinco carros. Porém quatro seriam pagos apenas
no mês de dezembro. Porém, o vendedor decide pedir as contas no mês de novembro.
Tecnicamente, o valor da comissão devida só deveria ser pago quando os carros forem pagos
pelo consumidor, no caso, em dezembro. Mas é prática empresarial quitar essa dívida já na
rescisão, adiantando o vencimento, para extinguir de vez o vínculo (às vezes o empregador é
bonzinho, mas só às vezes).
Vendedor Viajante (pracista)
É o caixeiro viajante. Tal instituto entrou em desuso. Mas existem regras específicas na Lei
3.207 de 1957. Ele figura próximo ao representante comercial.
Conseguindo um pretenso cliente, para que essa transação seja realizada, é preciso que o
empregador aceite esse cliente. Sendo assim, o vendedor deve se assegurar que o comprador
será um bom pagador, fornecendo tais dados ao empregador. Só depois que o empregador dá
o aceite é que o vendedor viajante pode efetuar a venda, e a partir daí, exigir a sua comissão.
Precedente normativo nº 97, da SDC:
PROIBIÇÃO DE ESTORNO DE COMISSÕES (positivo)
Ressalvada a hipótese prevista no art. 7º da Lei nº 3207/1957, fica vedado às empresas o
desconto ou estorno das comissões do empregado, incidentes sobre mercadorias devolvidas
pelo cliente, após a efetivação de venda.
Se a venda, mesmo dada como boa, dado o aceite, ela não se ultimar, ou seja, se num
determinado prazo, o comprador quiser desfazer o negócio, a comissão do vendedor pode ser
estornada. O empregador pega de volta essa comissão paga. Isso não pode acontecer no
comissionista urbano ou qualquer outro vendedor. Uma vez que a venda foi realizada, corre
o risco do negócio pelo empregador. A gente até viu o exemplo do cheque sem fundos, pago
pelo PODEROSO THOR. Não pode ser descontado da comissão do empregado. O empregado
pode ser punido, advertido ou até mandado embora, mas não pode descontar do salário dele.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 201
Gratificações (art. 457, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho)
Originalmente não eram dotadas de natureza salarial. Passaram a ser dotadas dessa natureza
pela periodicidade, pela frequência que elas estavam sendo pagas como forma de mascarar
determinado tipo de retribuição ao serviço ordinariamente prestado. Dava-se a gratificação
como tipo de suplemento à remuneração do empregado e supostamente em condições
especiais, mas que não apareciam. Então, as gratificações ajustadas passaram a ter natureza
salarial e estão tipificadas no art. 457, § 1º. As gratificações devem ser pagas em virtude de
fato objetivo NÃO gravoso ao empregado e alheio à conduta do empregado.
Por exemplo, a gratificação de Natal, mais conhecida como 13º salário73. Gratificação de
função (quando o empregado é promovido, empregado de confiança, que tem um acréscimo
remuneratório (no mínimo 40%), em geral, tem rubrica de “gratificação de função” ou
“gratificação de função de confiança” ou “gratificação de confiança”.
Em virtude de uma determinada função, mesmo que transitória ou precária, como é o caso da
confiança, o empregado recebe esse acréscimo remuneratório por meio dessa rubrica.
A gratificação por tempo de serviço estabelece que determinados empregadores (vai
depender do regulamento interno da empresa, vai depender de norma coletiva) paguem aos
seus empregados uma gratificação pelo tempo que se estendeu naquele contrato de trabalho:
anuênio, biênio, triênio, quinquênio. Ele alcançou uma condição de fato, não gravosa e alheia
à conduta do empregado. Ele não fez nada de especial/diferente. A periodicidade dessa
gratificação pode ser inferior a seis meses: a cada 5, 3 meses.
A Participação nos Lucros e Resultados (PLR) tem natureza remuneratória ou não salarial. Não
entra em gratificação.
No caso da PLR essa periodicidade não tem essa liberdade que tem a gratificação. A PLR pode
ser paga no máximo no intervalo de seis meses, mas frequentemente no intervalo de um ano,
porque é o tempo necessário para se aferir o resultado da empresa, para saber se houve ou
não lucro.
Exemplos de Gratificações:
i. Natal (13º Salário).
ii. Função (Confiança).
iii. Tempo de Serviço.
73
Todo empregador (tem matriz constitucional), tem a obrigação de pagar a todo empregado o 13º salário.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 202
a) Súmula 152 – Ajuste Tácito;
A CLT quando tipifica a gratificação fala em “gratificações ajustadas”, ou seja,
decorrentes do contrato. Mas sabemos que o contrato pode ser ajustado tacitamente,
pela identificação dos elementos no plano da realidade dos fatos que compõem a
relação de emprego.
Também há a gratificação, a parcela remuneratória, pode ser ajustada de maneira
tácita, pelo fato do pagamento dessa parcela. De novo, são aquelas três regrinhas
(habitualidade, pagamento diretamente das mãos do empregador para as mãos do
empregado e a retribuição ao serviço ordinariamente prestado). A súmula diz
exatamente isso: quando a lei fala em ajuste, pode ser um ajuste tácito.
Todo mês vem no contracheque do empregado “gratificação por liberalidade”. É o
nome dado muitas vezes por alguns empregadores para não figurar como gratificação.
Como há um contrato que ata as duas pessoas, presume-se que tudo que se paga é
decorrência do contrato. Ele pode pagar por mera liberalidade a contribuição para os
médicos sem fronteira, ajuda aos mendigos. Mas se ele mantém com o empregado
uma relação trabalhista, o juiz não via presumir liberalidade. Ao contrário, sobretudo
se a parcela é habitualmente paga, se é paga diretamente de suas mãos para a mão do
empregado e este realiza o serviço tal como sempre realizou, o judiciário vai presumir
que está pagando porque é empregado. E se está pagando porque é empregado é
porque é salário.
A mera designação LIBERALIDADE no contracheque não exclui a natureza do ajuste
tácito. O ajuste tácito vai aparecer pela própria constância da parcela, pelo fato da
reiteração do pagamento da parcela. É isso que a súmula 152 diz.
b) Súmula 203 – Tribunal Superior do Trabalho;
c) Súmula 207 – Supremo Tribunal Federal.
A gratificação era dada como suplemento à remuneração do empregado, sendo muitas vezes
usadas para mascarar o valor do salário pago. Por isso ela passou a ter natureza salarial.
Adicionais
Pagas em virtude da submissão do empregado a condição mais gravosas;
a) Adicional Noturno – Súmula 60 e 265;
b) Adicional de Horas extra – Súmula 291;
c) Adicional de Insalubridade/Periculosidade – Súmula 47, 80, 228 e 248.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 203
Não são vedações para a designação do empregador. Ele pode impor que seus empregados
trabalhem nessas condições mais gravosas e em decorrência disso ele tem a obrigação de
pagar um adicional
A princípio, a natureza do adicional é indenizatória, remuneratória, não salarial. No entanto, se
esses adicionais se prolongam como retribuição ao serviço tal como sempre foi prestado, o
empregado foi admitido para trabalhar em jornada noturna e contínua, logo, a natureza desse
adicional não é indenizatória apenas, porque preenche a lista de três elementos (pagou com
habitualidade, pagou das mãos do empregador e para retribuir o serviço tal como ele é
prestado), ele nunca experimentou outro tipo de trabalho (diurno), ele sempre trabalhou na
jornada noturna, que no caso do urbano é das 22 h às 5h do dia seguinte. Essa jornada que é
exclusivamente noturna vai merecer, para cada hora trabalhada, o adicional de 20% sobre o
valor da hora, do salário-hora.
Os adicionais são acumuláveis. Quanto mais condições gravosas/onerosas são impostas ao
empregado, mais adicional deve ser pago. Ele recebe adicional noturno e extrapola a duração
de 7 horas, vai receber adicional de horas extras. A única impossibilidade de acumulação, que
evidentemente anuncia o interesse do capital, é a de adicional de insalubridade com
periculosidade. De fato, a acumulação é possível, mas ele tem que escolher qual dos dois
adicionais vai receber.
O adicional de periculosidade é ganho quando ele está lidando com inflamáveis, eletricidade,
com alguma condição de perigo. Ele pode lidar com inflamável, material explosivo e pode,
além disso, se submeter a condições ergométricas desfavoráveis, algum agente biológico
patológico ou algum agente físico (som alto, temperatura baixa) que são condições de
insalubridade, onde há um agente químico, físico ou biológico que cause risco à saúde do
trabalhador.
Integração ≠ Incorporação.
Tecnicamente, não se pode confundir um com o outro. O art. 457, §1, CLT começa com a
palavra “integram”.
Integrar:
Integrar é compor, fazer parte, levar em consideração o valor da parcela para efeito do cálculo
do complexo/conjunto/do todo salarial.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 204
Todas as parcelas têm natureza salarial, a princípio. O que integra o complexo salarial: as
gratificações ajustadas, os adicionais habituais, as comissões. Integram o salário, ou seja,
consideram-se esses valores para efeito de cálculo do total salarial. Isso é integração. Se essas
parcelas se repetem todos os meses, elas integram o pagamento de:
O 13º, o fundo de garantia (8% sobre o total salarial = R$ 3.000,00), aviso prévio, remuneração
férias (R$ 3.000,00 + 1/3), repouso semanal, etc, são calculados a partir dos R$3.000,00. Isso é
integração (considerar para efeito de cálculo).
Incorporar:
Não significa considerar para efeito de cálculo, quer dizer fazer parte do patrimônio jurídico do
empregado, fazer parte definitivamente do patrimônio jurídico do empregado (direito
adquirido). Incorporar quer dizer transformar em direito adquirido. Dá ideia de definitivade, é
para sempre, ou seja, enquanto mantiver a relação contratual, ele tem esse direito (direito
adquirido).
O adicional NUNCA incorpora à remuneração do empregado. O adicional integra o salário
enquanto essa condição mais onerosa faz parte do trabalho desse empregado. Enquanto de
fato ele estiver fazendo hora extra, àquelas horas integrarão o salário, serão computadas
como salário. No dia que não houver mais essa condição onerosa (volta ao horário normal ou
deixa de trabalhar à noite, não tendo mais adicional noturno, sai da câmara frigorífica), o
trabalhador deixa de ganhar o adicional (mesmo que ele tenha ficado muitos anos ganhando
esse adicional). Vai ter redução de salário, pois deixa de ganhar o adicional.
O adicional de horas extras incorporava, mas depois da súmula 291 passou a não incorporar
mais. Eles, como os outros adicionais, integram, se forem habituais, mas não incorporam à
remuneração do empregado.
Se o empregador suprimir as horas extras, há a supressão do adicional correspondente. No
entanto, se essas horas extras forem habituais, pagas habitualmente há mais de um ano, o
empregador tem que pagar uma indenização, pelo princípio da estabilidade financeira do
empregado. Indenização que equivale a uma média mensal de horas extras para cada ano que
ele trabalhou com horário extraordinário. É paga de uma única vez, no momento da supressão
para que ele não tenha um abalo na sua estabilidade financeira.
Exeção:
OBSERVAÇÃO Gratificação por função de confiança incorpora-se depois de 10 anos – art. 46,
p.u. e súmula 372 TST.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 205
Diárias para viagem
a) Limitação/integralidade do valor;
b) Súmula 101/319;
c) OJ 292 (Cancelada).
Tudo que o funcionário gasta em decorrência da viagem tem que ser ressarcida pela empresa.
Sua natureza é indenizatória (não é salarial) e está vinculada à prestação de conta.
O problema é que algumas empresas, para disfarçar o salário, dizia que determinado valor
pago era de viagem, sendo que não era. Por causa disso, o legislador presumiu uma diária de
viagem com natureza de salário. Por causa da má-fé histórica de alguns empregadores.
Art. 457, par. 2º CLT: não se inclui no salário, desde que não excedam 50% do salário
percebido pelo empregado. A contrário senso, inclui-se no salário (leia-se integra o
salário) a diária para viagem que extrapola 50% do salário total do empregado. Em
geral, se determina pelo salário-base.
Ele ganha salário-base de R$ 1000,00 e pela natureza do seu contrato, ele viaja muito e o total
das diárias supera R$ 500,00, é de R$ 600,00, esse valor integra o salário. Súmula 101.
Extrapolando 50% do salário total do empregado, integra ao salário mesmo que não seja
frequente. Integra o valor total das diárias de viagem, não apenas o excedente. Mesmo que
não seja frequente, porque se presume que é salário. Se for frequente, entram naqueles três
elementos. Se não for frequente, tem indícios de fraude. Se ele não viaja tanto, por que tanto
valor de diária para viagem? Para evitar fraude, é entendido que é salário.
Ajuda de custo (Art. 457, §2º).
a) Unitário
Cálculo do Salário:
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 206
Art. 457, par. 2º: são parcelas pagas de forma unitária para despesa com mudança, com
transferência.
Contratar uma empresa para mudar os móveis. O empregador está mandando o empregado
se mudar. O empregador paga de uma única vez. Isso não se inclui no salário. É uma parcela
única pela mudança/transferência.
Salário Utilidade (Art. 458, CLT).
O salário não precisa ser pago integralmente em dinheiro. Uma parte do salário pode ser paga
por essas prestações in natura/em espécie. O valor dessas prestações, para que sejam
integradas ao salário, tem que ter habitualidade por força do contrato ou costume, ser
fornecido diretamente pelo empregador e ser retribuição específica ao serviço prestado pelos
empregados.
Para saber se a prestação in natura integra ou não o salário, faz-se a seguinte pergunta:
Se a parcela é uma condição (sine qua non) PARA prestar o serviço, ela é instrumento de
trabalho. Não tem como prestar o serviço sem que o empregador forneça essa parcela in
natura. Nesse caso, não é salário. Tem natureza meramente instrumental. Por exemplo,
uniforme.
Se a parcela é PELO serviço prestado, é em retribuição ao serviço prestado, é o 3º elemento
caracterizador do salário. Tem natureza salarial. O valor da prestação in natura integra o
salário.
Outra característica da parcela para que ela seja chamada salário utilidade ou salário in natura:
impossibilidade do empregador cobrar por essa prestação in natura. Se essa parcela é em
retribuição ao serviço prestado (trocando comida e habitação por trabalho), o empregador não
está vendendo a alimentação, a habitação, o transporte paralelo ao contrato de trabalho.
Se o empregador cobra qualquer quantia pela parcela in natura, está ali criando um contrato
paralelo, mesmo que a quantia seja módica/simbólica (R$ 1,00 por mês pelo fornecimento de
refeição no refeitório). Não é condição para o trabalho. Ele está cobrando por um valor
pequeno. É uma vantagem concedida ao empregado. Não é pelo serviço prestado porque ele
não está dando a alimentação em troca do trabalho; ele está cobrando, por um valor
vantajoso.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 207
Ele está vendendo a alimentação, mesmo com prejuízo, mas ele ganha tendo os benefícios
para o empregado (felicidade, produtividade, elementos subjetivos). Nesse caso, até por uma
questão de justiça, a lei retira a natureza salarial da parcela.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 208
Aula 20 – Direito do Trabalho I dia 04/07/2013
Nós introduzimos aula passada o salário utilidade, que é o salário in natura, que não é pago em
dinheiro, mas que é fornecido em algum tipo de utilidade, de prestação pelo empregador para
o empregado.
O art. 458 da CLT, diz que o salário não precisa ser pago integralmente em pecúnia, uma parte
dele pode ser paga em utilidades fornecidas ao empregado pelo empregador. Não há um
limite codificado em lei, preciso, para os salários em geral. Para o salário mínimo, estipula-se
que até 70% pode ser entregue em prestações in natura. De forma analógica, aplicam-se aos
demais salários, mas não há uma fixação precisa de até quanto será pago em dinheiro e
quanto em utilidades. Então, até 70% em in natura e 30% em dinheiro.
O art. 458, CLT, estabelece os limites, características desse salário.
Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os
efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura"
que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao
empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou
drogas nocivas. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
Utilidades Não Consideradas como Salário (Art. 458, §2°, CLT)
Ela será salário utilidade quando a prestação for para o serviço, do contrário não é salário, e
pelo serviço, aqui sim tema natureza salarial. Se for como retribuição pelo tem natureza
salarial, se for para, um instrumento para, uma condição para, não tem natureza salarial.
O § 2º reforça essa dimensão:
Art. 458, § 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como
salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: (Redação dada pela Lei nº
10.243, de 19.6.2001)
I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e
utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº
10.243, de 19.6.2001)
II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo
os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material
didático; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)
III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso
servido ou não por transporte público; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 209
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante
seguro-saúde; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)
V – seguros de vida e de acidentes pessoais; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)
VI – previdência privada; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)
VIII - o valor correspondente ao vale-cultura. (Incluído pela Lei nº 12.761, de 2012)
Observem a preposição “para” no inciso I, então se o vestuário (uniforme, equipamento de
proteção, acessório) se for um instrumento de trabalho é claro que é PARA o serviço e não
pode ter natureza salarial. No caso, o bem, a coisa, é do próprio empregador.
1ª Utilidade: Vestuários, equipamentos e outros acessórios
Inciso II: o empregador que faz isso jamais poderá ser onerado por isso. Tampouco o
empregador, sejam os estudos para ele ou para seus filhos.
2ª Utilidade: Transporte destinado ao deslocamento para o trabalho
Inciso III: antigamente só tinha natureza
salarial, quando o transporte coincidia
com o serviço público de transportes
para o local de trabalho, entre o local de
trabalho e casa do trabalhador. Essa é
uma confusão muito frequente, pois
vamos estudar no semestre que vem
outro instituto chamado Horas “in
itinere”74 que diz respeito a jornada do
trabalho.
Em geral, esse tempo não é computado na jornada de trabalho. No entanto, diz a lei, no que
concerne a jornada que se computa sim no contrato de trabalho, no tempo de serviço, o
tempo que despendeu de seu lar ao local de trabalho, quando não há transporte público e a
empresa fica situada em local de difícil acesso, e, portanto, só pode chegar ao local de
trabalho, com o transporte oferecido pelo próprio empregador, transformando-se em
instrumental de seu serviço.
74
Horas “in itinere” nada mais é do que o tempo que o empregado gasta até o seu local de trabalho e para o retorno
quando o transporte desse empregado é fornecido pelo empregador, isto em se tratando de local de difícil acesso ou
então não servido por transporte público. Fonte: http://www.sebraesp.com.br/index.php/169-produtos-online/gestao-de-pessoas/publicacoes/artigos/6761-o-que-sao-horas-in-itinere
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 210
Um exemplo são os helicópteros custeados pela Petrobrás para se chegar nas plataformas
petrolíferas no meio do oceano. Nos demais casos, em que há transporte público, mesmo que
de qualidade péssima, não são computados na jornada. Para o aspecto da remuneração, o
transporte antes só não tinha natureza salarial quando era do horário “in itinere”, atualmente,
o inciso III generalizou, e retira-se a natureza salarial de qualquer transporte destinado para o
trabalho em percurso servido ou não para o transporte público.
3ª Utilidade: Habitação e Alimentação
§ 3º - A habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender
aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e
cinco por cento) e 20% (vinte por cento) do salário-contratual. (Incluído pela Lei nº
8.860, de 24.3.1994)
Essa limitação, que já existe no salário mínimo, ela é reproduzida para todos os salários. É para
não se ter uma desproporção muito grande. Por exemplo, o valor que é integrado no salário
(para efeitos de salário utilidade) se o empregador fornece vale alimentação. Soma-se o valor
de todos os vales por mês que se têm o valor total. Às vezes ele fornece a comida num
refeitório, ficando mais difícil de calcular qual será o valor, então se faz o valor médio de um
prato parecido num restaurante das redondezas, por exemplo.
Outro exemplo, o empregado receba do empregador um apto na Delfim Moreira, na Vieira
Souto por que a empresa fica do lado. Ganha remuneração de R$ 10.000,00. Ele não poderia
pagar um aluguel com esse dinheiro? Esse apto é condição exclusiva para ele trabalhar? Se ele
não morasse na Delfim Moreira ele não poderia trabalhar então? Claro que não! Não é uma
condição exclusiva, não é uma condição sine qua non75 ela não tem caráter instrumental não é
“para”. E se não é “para” é “pelo”! É só uma vantagem que o empregador está dando ao
empregado. Então o salário dele é R$ 10.000,00 + o uso do apto na Delfim Moreira, não a
propriedade. Seria como se fosse adicionado o preço do aluguel do apto ao salário dele.
Um aluguel desses custa uns R$ 5.000,00. Mais do que 25% de 10.000. Então, eu só posso
integrar 2.500, de modo que não tenha um enriquecimento excessivo do empregado em
virtude de uma vantagem que o empregador está fornecendo. É muito melhor ele morar com
um imóvel já fornecido pelo empregador, sem nenhum custo para o empregado, do que
custear com o valor de seu salário um apto pior. É o valor do uso, da utilidade, que será o valor
de mercado, que pode ser provado com recortes imobiliários, de classificados, etc.
Em relação à alimentação, há um permissivo para retirar a natureza salarial que a lei 6.321 de
1976, que estabelece o programa de alimentação ao trabalhador (PAT). Este incentiva as
empresas a fornecerem a alimentação para os seus trabalhadores, com benefícios fiscais, se
submetendo a uma série de regras previstas na lei. Aderindo ao PAT ela pode fornecer
75
“sem a/o qual não pode ser”
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 211
alimentação através de refeitórios próprios, de fornecimento de cestas básicas, ou através do
vale refeição (VR).
Neste caso, a adesão ao PAT, todo esse fornecimento tem retirada a natureza salarial. Agora,
se a empresa não aderiu ao PAT, mesmo com VR, diz a Súmula 24176 do TST tem natureza
salarial e integra ao salário sim! A princípio, o fornecimento de VR, exceto se o empregador
deduz um desconto simbólico do salário do empregado. Neste caso, o empregador estaria
celebrando um contrato acessório/paralelo ao contrato de trabalho, no qual ele fornece
alimentação ou o VR com a dedução de um valor módico, R$1,00, por exemplo. Também
haverá a limitação do art. 458, § 3º, de não exceder a 20% do salário-contratual.
As demais utilidades, não são feitas referências a esta limitação. Quanto à habitação, também
temos o afastamento salarial pela instituição de contratos paralelos, como locação e
comodato. Então o empregador entrega a habitação, mas celebra um contrato paralelo de
locação, ai já não se pode falar que aquela habitação seja objeto de salário, de conversão em
parcelas de natureza salarial. Eu, como proprietário do imóvel, apenas aproveito a
oportunidade e alugo o imóvel.
No caso da habitação, especificamente a lei do inquilinato (8245/91) prevê um prazo
específico para a desocupação de inquilinos, locatário, que seja empregado do locador quando
a relação de emprego acabar.
A alimentação é fornecida de forma incentivada pela lei. No caso do transporte ela é oferecida
de maneira obrigatória, através da concessão de vale transporte (VT), lei 7.418 de 1985, é
obrigatória para todos os empregados que tenha necessidade de se locomover através de
transporte, o empregador tem a obrigação de pagar o vale transporte. Na verdade, o
empregado ele contribui com até 6% de seu salário para o custeio dos vales, e o empregador
complementa com o resto. Para quem ganha pouco, vale muito a pena, já que o desconto não
é muito representativo.
O salário-utilidade vai aparecer não nessas hipóteses, pois a própria lei 7418/85 quando impõe
uma obrigação da empresa custear parte do transporte, retira a natureza salarial desse vale.
VT não tem natureza salarial, mas eventualmente um veículo fornecido pelo empregador para
o empregado, poderia caracterizar o elemento salarial, sobretudo quando esse veículo fica a
disposição do empregado para outros fins que não a locomoção para o trabalho. Pode-se ver
isso no art. 458, § 2º, III, CLT.
Antigamente se a empresa fornece um carro ao trabalhador para que ele se locomova ao
trabalho para realizar o seu contrato de trabalho durante a semana, “para” o trabalho, mas no
fim de semana não tinha como se justificar tal instrumentalidade, com o empregado podendo
usar esse carro para ir fazer picnic com a família, então neste caso era pelo trabalho, era um
76
Súmula nº 241 do TST
SALÁRIO-UTILIDADE. ALIMENTAÇÃO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração
do empregado, para todos os efeitos legais.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 212
plus. A OJ 246, TST77 retirou essa cisão entre usar para o trabalho, retirando a natureza
salarial, mesmo quando o empregado fica com o carro durante o fim de semana.
Quanto ao vestuário, só devemos fazer menção a separação da legitimidade entre a
vestimenta pessoal e do uniforme. O uniforme, como o próprio Art. 458, §2º, I, CLT diz, é
instrumento de trabalho, logo, não poderia ser possível o desconto do salário do empregado
pelo uniforme, muitas empresas prosseguem com esse desconto, que só poderá ser
autorizado por norma coletiva. Caso haja tal desconto, este será ilegal.
A peculiaridade se encontra com os vendedores de lojas de roupa, onde há este desconto
também, só que este é camuflado, como uma cota para gastar com roupas da própria loja, mas
que usa o preço de custo da roupa, e não o preço de venda. O problema é que essa compra,
como em qualquer contrato de compra e venda, deve partir de um ato de vontade.
É comum o empregado não quer usar a roupa da loja, mas o empregador o obriga a usar a
roupa da loja. Neste caso, se caracteriza também como uniforme e o desconto é ilegal.
Acabando o contrato de trabalho, e ele não querendo mais aquela roupa, ele tem que devolver
esta roupa, como teria de devolver qualquer uniforme, nesses casos ele pode pedir o
ressarcimento dos descontos, como descontos indevidos.
Algumas empresas para os altos-executivos fornecem uma verba de representação para que
eles comprem roupas de grife, que a jurisprudência chama de “auxílio-paletó”, de modo que
esteja bem vestido para se relacionar com os outros executivos de outras empresas, fornecem
também a matrícula e a mensalidade de clubes, a chamada rede de relacionamentos. Na FGV,
como ele não dominam o português, ele só sabem falar de “Network”, carros de luxo.
Enfim, tudo isso será de natureza salarial se não for demonstrado um caráter instrumental,
será apenas considerado como um extra, mas muitas vezes, quando vemos reclamação de
altos diretores, administradores e presidentes de empresa, contra o empregador, observa-se
que fazem o pedido de natureza salarial dessas verbas de representação, inclusive do auxílio-
paletó, com muita probabilidade de êxito em ser integrado ao salário do trabalhador.
Sistema de proteção ao salário
Tem três aspectos de proteção ao salário do empregado.
Quanto ao valor do salário;
Quanto à intangibilidade do salário;
Quanto à isonomia.
77
Súmula 246. Salário-utilidade. Veículo. (cancelada em decorrência da sua conversão na Súmula nº 367) - DJ 20.04.2005
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 213
1° Aspecto: Quanto valor
Princípio da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, CRFB/88), com o permissivo da norma coletiva
possa prever a redução num processo de transação.
O mais importante, é que o direito do trabalho estabelece pisos, limites mínimos de
pagamentos de salários. Neste caso temos o salário mínimo (art. 7º, VI, CRFB/88) e os salários
profissionais (art. 7º, V, CRFB/88).
O salário mínimo é nacionalmente unificado em lei de competência da União (Congresso
Nacional), visando satisfazer o mínimo, para a satisfação da dignidade humana, que se faz
através da satisfação das utilidades citadas lá no próprio dispositivo, o que demonstra a
inconstitucionalidade dos salários mínimos que nós vimos ai sendo pagos ao longo da história.
Lembrando que ele foi instituído juridicamente em 1930, mas na prática, só foi implementado
em 1940.
De 40 para cá, tivemos dois períodos, na ditadura varguista e no período democrático
varguista, quando o João Goulart (Janguinho, para os íntimos78) foi ser ministro do trabalho e
deu um aumento extraordinário para U$ 200,00 no salário mínimo e teve de ser demitido, os
generais queriam a sua cabeça, mas como ele era muito experiente em ser caçado por
generais, perdeu a pasta do ministério do trabalho no governo democrático do Vargas (1951-
1954, até que suicidaram ele79).
Mas com valor que ultrapassava o patamar de duzentos dólares realmente dava para satisfazer
aquelas utilidades originárias, de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. A
CRFB/88 acrescentou a essas utilidades a saúde, educação, o lazer e a previdência social para
ser custeado pelo salário mínimo, o que é sintomático, pois se fantasiam esses elementos das
políticas públicas, quando estes deveriam ser públicos, mas que no fundo não o são, pois há
essa reserva ao salário mínimo para o pagamento de tais utilidades. Mas enfim, ele é
unificado, e todos os dispositivos da CLT que falam em salário mínimo regional, não foram
recepcionados pela CRFB/8880.
A última recomendação sobre o salário mínimo é a vedação aos reajustes periódicos81, em
súmula vinculante nº 4 do STF, no sentido de que não é possível estipular em contrato,
legislação em qualquer objeto jurídico indexação com base no salário mínimo, não pode servir
de índice de reajuste de nada, pois ele é em sua essência constitucional, sofredor de reajustes
78
79
80 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; 81
Súmula Vinculante 4 STF - Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como
indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão
judicial.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 214
periódicos, independente de inflação, pois se entende que estes reajustes cumprem o sentido
de significar, valorizar o trabalho humano.
Então, como ele sofre esses reajuste periódicos, não se pode ter um contrato que se tenha
como critério esse valor, pois este sofrerá junto os reajustes do salário mínimo, e isso
pressiona os preços e a inflação, por este motivo que o constituinte vedou a vinculação do
salário mínimo para qualquer fim e o STF, embora o TST tenha um entendimento contrário, o
supremo vem insistindo nisso, por que há práticas, inclusive em dispositivos da CLT, onde há
tal vinculação. Como exemplo referido pelo supremo na sumula 4, é o adicional de
insalubridade, que de acordo com o artigo 195, CLT82, ele é estabelecido em % de 10, 20 ou
40%, dependendo do grau de insalubridade (mínimo, médio ou máximo) do salário mínimo.
Então o STF diz que não vale nada, embora a CLT diga isso, ela que se vire e ache outro critério
. E assim, muito contratos eram celebrados com base no salário mínimo, mas a atual
vedação imposta pelo STF impedem que novos sejam feitos. O problema da súmula vinculante
nº 4, é que ela impediu que os tribunais fixassem este outro critério. Qual era a ideia então do
supremo? Pressionar o legislativo, pois é ele quem deve regular a regra substitutiva da CLT.
Mas essa pressão não tem efeito nenhum no país, já que o legislativo não legisla por que há
uma necessidade da ordem jurídica que ele legisla, mas sim de acordo com seus interesse e
pressão que ele sofre. Então não adianta o supremo dizer que o legislativo é quem tem que
regular, ele vai fazer isso se ele quiser ! E ai o tribunal ficou de mão atada, sem saber a
base em que pagaria o adicional de insalubridade, sem poder o tribunal estipular outro
critério. Na prática o filho malcriado do TST , editou a súmula 22883, criando
critério, dizendo que seria feito a partir do salário básico do trabalhador, tal qual é o adicional
82 Art . 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do
Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho,
registrados no Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 1º - É facultado às empresas e aos sindicatos das categorias profissionais interessadas requererem ao Ministério
do Trabalho a realização de perícia em estabelecimento ou setor deste, com o objetivo de caracterizar e classificar
ou delimitar as atividades insalubres ou perigosas. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 2º - Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo
de associado, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao
órgão competente do Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 3º - O disposto nos parágrafos anteriores não prejudica a ação fiscalizadora do Ministério do Trabalho, nem a
realização ex officio da perícia. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
83 Súmula nº 228 do TST
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. SÚMULA CUJA EFICÁCIA ESTÁ SUSPENSA POR DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 215
de periculosidade. Há uma reclamação constitucional sobre tal sumula que ainda não foi
julgada em definitivo, apenas suspendendo eficácia da sumula, mas na prática os tribunais
mimados vem aplicando esse critério, que hoje, NA PRÁTICA, é fixado em 10, 20 e 40% do
salário base, persistindo essa lacuna legal.
Os pisos salariais são estipulados de acordo com a complexidade da profissão, através de 3
medidas: o Salário Profissional, que é aquele regulado em lei específica, no caso, a advocacia
tem uma tabela de honorários mínimos. O Salário Normativo é aquele fixado em sedes de
dissídio coletivo, por sentença normativa, cujos sujeitos desse tipo de processo são os
sindicatos, que propõe em justiça para que os tribunais decidam sobre as condições desse
trabalho, de qual seria o reajuste salarial, fixando um piso salarial. Será um Salário
Convencional, quando o resultado da negociação, convenção coletiva de trabalho afirmar o
valor do trabalho. Tendo alguns critérios de pagamento, e entrando na intangibilidade quanto
ao pagamento, já falamos do prazo mensal até o 5º dia útil para ser pago no horário do serviço
ou imediatamente após84. As comissões são pagas na forma do art. 466, CLT85, o local do
pagamento do salário, é o local do trabalho, quando ele é pago em cheque, o cheque tem que
ser de agência próxima ao trabalho ou pago em horário bancário que dê tempo o suficiente
para se locomover à agência, de modo que consiga sacar em espécie o valor, e o pagamento é
em moeda nacional diretamente ao empregado, vedado outra moeda86.
Descontos legais
O 462, CLT87 estabelece a regra geral para se descontar os salários, do que poderá ser
descontado no salário, que é só o que está no 462 ou em leis específicas, como a lei Pelé para
84
Art. 465. O pagamento dos salários será efetuado em dia útil e no local do trabalho, dentro do horário do serviço ou imediatamente após o encerramento deste, salvo quando efetuado por depósito em conta bancária, observado o disposto no artigo anterior. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997) 85
Art. 466 - O pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a
que se referem.
§ 1º - Nas transações realizadas por prestações sucessivas, é exigível o pagamento das percentagens e
comissões que lhes disserem respeito proporcionalmente à respectiva liquidação.
§ 2º - A cessação das relações de trabalho não prejudica a percepção das comissões e percentagens
devidas na forma estabelecida por este artigo.
86
Art. 463 - A prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do País.
Parágrafo único - O pagamento do salário realizado com inobservância deste artigo considera-se como
não feito.
87
Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo
quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade
tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado pelo
Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 2º - É vedado à emprêsa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou
serviços estimados a proporcionar-lhes prestações “in natura” exercer qualquer coação ou induzimento
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 216
jogadores de futebol, que prevê desconto por uma multa, cláusula penal para a rescisão
antecipada. Não se pode penhorar o salário, descontos para fins de parcela contratual
alimentar (pensão alimentícia pode!), mas as outras é reservado a intangibilidade do salário. O
empregador só pode descontar nos casos:
1) de adiantamento, que não é propriamente um desconto, ele só vai deduzir o que adiantou,
quando for pagar o restante;
2) propriamente desconto são aquelas parcelas discutidas em lei, estão inclusas também as
normas coletivas, que tem força de lei. Por exemplo, quem já trabalhou na vida sabe que no
contracheque, vem a palavra “descontos”, e tal valor é relativo ao imposto de renda, outro
para o INSS (L8213/91), o PAT também autoriza descontos a título de alimentação, pensão
alimentícia (art 734, cpc88), contribuição sindical (54589 e 57890, CLT), etc.
3)a norma coletiva também pode estabelecer descontos, é o caso do desconto de uniforme. A
própria norma coletiva pode prever o desconto de outras parcelas de contribuição sindical mas
não A contribuição sindical típica, chamadas de contribuições assistenciais, confederativas, ou
outras estabelecidas em norma coletiva, só que para essas tem uma súmula do STF Nº 66691, a
no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços. (Incluído pelo Decreto-lei nº
229, de 28.2.1967)
§ 3º - Sempre que não fôr possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos pela
Emprêsa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequadas, visando a que
as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e
sempre em benefício das empregados. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
88 Art. 734. Quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem
como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a
importância da prestação alimentícia.
Parágrafo único. A comunicação será feita à autoridade, à empresa ou ao empregador por ofício, de que
constarão os nomes do credor, do devedor, a importância da prestação e o tempo de sua duração.
89
Art. 545 - Os empregadores ficam obrigados a descontar na folha de pagamento dos seus
empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao Sindicato,
quando por este notificados, salvo quanto à contribuição sindical, cujo desconto independe dessas
formalidades. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969) Parágrafo único - O recolhimento à entidade sindical beneficiária do importe descontado deverá ser
feito até o décimo dia subseqüente ao do desconto, sob pena de juros de mora no valor de 10% (dez por
cento) sobre o montante retido, sem prejuízo da multa prevista no art. 553 e das cominações penais
relativas à apropriação indébita. (Incluído pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969) 90
Art. 578 - As contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação do "imposto sindical", pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo. (Vide Lei nº 11.648, de 2008) 91
STF Súmula nº 666 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 4; DJ de 10/10/2003, p. 4; DJ de 13/10/2003, p.
4.
Contribuição Confederativa - Exigibilidade - Filiação a Sindicato Respectivo
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 217
súmula do diabo estabelece que tirando a contribuição sindical, todas as outras tem de ser
aprovadas pelo empregado.
Quando é então que o empregador desconta com algum tipo de discricionariedade? Quando
um empregado realiza algum dano ao patrimônio do empregador, sendo que este dano só
pode ser descontado quando haja culpa grave do empregado + previsão contratual expressa
desde o momento da admissão, não podendo ser inserida no curso do contrato, pois ai seria
uma alteração in pejus do contrato. A sumula 342, tst92 reforça isso.
(51-45)
A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao
sindicato respectivo.
92
Súmula nº 342 do TST
DESCONTOS SALARIAIS. ART. 462 DA CLT (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 218
Aula 21 – Direito do Trabalho I dia 09/07/2013
Proteção contra discriminação
É importante diferenciar o princípio da isonomia com um dos seus corolários, uma das suas
consequências, que é o princípio da não discriminação.
O princípio da isonomia é a diretriz geral que estabelece a necessidade de tratamento
equânime/igual para pessoas situadas na mesma espécie ou nas mesmas situações. A
isonomia pode se desdobrar em discriminações negativas e discriminações positivas.
Discriminações Positivas
São as ações afirmativas: políticas de cota. No caso do Direito do Trabalho (DT), por exemplo, a
cota para deficientes físicos. As empresas com determinado número de empregados, pelo
menos mais de 100 empregados, necessariamente, devem manter 5% (esse percentual varia
de acordo com o número de empregados) de empregados portadores de deficiência física ou
necessidade especial. Esta é uma política discriminatória positiva.
Ainda que um empregado portador de deficiência física seja demitido, o percentual tem que
ser mantido, sob pena de multa da fiscalização do Trabalho, do Ministério do Trabalho e do
próprio Ministério Público do Trabalho.
O princípio da não discriminação vai tanto dizer respeito à discriminação positiva como à
discriminação negativa.
Discriminações Negativas
As discriminações negativas são obstadas pelo DT e elas são de toda ordem. Hoje, 2013, o
anuário do IBGE, ainda apresenta a mulher recebendo 69% do salário do homem; para fazer a
mesmíssima tarefa, na mesma qualidade de funções, paga-se, em geral, em média, para a
mulher, 69% do que paga-se para o homem.
No caso brasileiro, as discriminações são cumulativas. Se se trata de uma mulher negra, esse
percentual cai para 40%.
Por esses números, é possível perceber as várias discriminações sofridas pela mulher
brasileira. Não é só salarial, mas de acesso ao mercado de trabalho, de ascensão funcional.
Têm-se muito menos mulheres chefes do que homem. No mundo jurídico também. É uma
raridade ver mulher jurista.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 219
Evidentemente, é o projeto de opressão cultural sistemático do qual todos nós somos frutos,
resultados e reprodutores, homens e mulheres. O homem machista é sempre criado por uma
mulher machista ou tem uma mãe machista que reproduz o machismo na cabeça dele. É
cultural, e aí nós temos esse problema no mercado de trabalho muito forte.
Para cada livro/manual de uma jurista mulher, utilizam-se 20, 30, 100 de homens. Vê-se logo a
distribuição não equânime nesse sentido.
Voltado para o mercado de trabalho, o princípio da não discriminação é a diretriz vedatória de
tratamento discriminatório/diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente
desqualificante. Desqualificar um empregado em relação a outro em virtude de qualquer uma
dessas condições: idade, gênero, sexo, raça etc.
Subdivisão da proteção contra discriminação.
Nós temos no DT um sistema de proteção contra discriminação. As diretrizes gerais desse
sistema estão na Lei nº 9.029/1995.
Proíbe-se, nessa lei, a discriminação desqualificante de mulheres, de menores de idade, de
deficientes físicos, discriminação por tipo de trabalho (trabalho braçal, intelectual),
discriminação do tipo de profissão (trabalhador avulso, trabalhador celetista). Tem-se ali um
sistema geral de proteção.
Mas, se tem também, um sistema de proteção salarial, contra discriminação salarial, que vai se
subdividir em:
Equiparação salarial (art. 461, CLT);
Reenquadramento;
Desvio de função
O reenquadramento e o desvio de função não têm uma previsão expressa na ordem jurídica
trabalhista. Decorrem de construção doutrinária e jurisprudencial.
Equiparação salarial
Parte do pressuposto de que trabalho igual corresponde a salário igual. Todo mundo que
trabalha da mesma forma deve receber o mesmo salário. A CRFB/88 já estabelece isso (art. 7º,
XX e XXX), e a CLT, no art. 461, define o que é trabalho igual.
O que é trabalho igual para fins de equiparação salarial? O que é trabalho igual para fins de
equalização desses salários?
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 220
Antes de definir a equiparação nesses critérios de equiparação, é importante a gente atentar
para o fato de que em toda equiparação a gente vai ter o PLEITEANTE da equiparação e o
MODELO ou PARADIGMA, que é aquele de quem se pretende o salário igual e aquele com
quem se pretende a identificação do trabalho.
MODELO ou PARADIGMA é, portanto, a referência de quem se pretende obter o salário igual,
uma vez que se concebe que realizam o mesmo tipo de trabalho.
O PLEITEANTE sempre pleiteia/requer a equiparação salarial com vistas a um MODELO, a um
PARADIGMA.
Toda reclamação trabalhista que contiver pedido de equiparação tem que apresentar um
modelo: com quem se quer ter o salário equiparado. Não adianta dizer que ganha muito
menos do que muita gente na empresa que faz a mesma coisa. Tem que dizer que faz o
trabalho igual a uma determinada pessoa, que ganha, por exemplo, duas vezes ou 20% a mais.
O pleiteante vai pleitear as diferenças de salário até hoje e a alteração salarial para equiparar o
salário, doravante, ao desse modelo ou paradigma.
Falta a gente verificar os requisitos.
O art. 461, CLT, estabelece:
Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na
mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
§ 1º Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual
produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de
serviço não for superior a 2 (dois) anos.
§ 2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal
organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos
critérios de antiguidade e merecimento.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por
merecimento e por antiguidade, dentro de cada categoria profissional.
§ 4º O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental
atestado pelo órgão competente da Previdência Social, não servirá de paradigma para fins de
equiparação salarial.
Requisitos:
1º - Identidade de funções
2º - Trabalho de igual valor, que significa:
- Mesma produtividade
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 221
- Mesma perfeição técnica
3º - Mesmo empregador
4º - Mesma localidade
5º - Diferença de tempo inferior a 2 anos
6º - Inexistência de quadro de carreira
O art. 461, CLT estabelece 6 (seis) requisitos que devem ser demonstrados (todos) para que se
possa qualificar o trabalho como igual e, por consequência, obter a remuneração igual ou a
diferença de remuneração do modelo ou paradigma.
1º - Identidade de funções
Primeiramente, deve-se repetir que cargo não se confunde com função. Para o DT, cargo é
uma coisa e função, outra. E o que a lei exige aqui é a identidade de funções, e não de cargos.
Cargo é nomen iuris, a nomenclatura, o nome que é atribuído a uma função ou a conjunto de
funções.
Função é aquilo que o empregado faz de fato, é o conjunto de tarefas, de responsabilidades,
de atribuições que o empregado tem, por força do contrato de trabalho. A função, então,
obedece ao princípio da primazia da realidade.
Já o cargo é só uma designação, é só o nome, que pode ser determinado em virtude da
categoria profissional, pela criação de uma categoria que cria os cargos que compõem essa
categoria, pela criatividade privada do empregador. O empregador tem o poder
organizacional, logo, ele organiza o seu pessoal em estruturas hierárquicas de cargos. Ele cria
planos de cargos dentro do seu poder organizacional. Ele organiza todos os fatores produtivos
e organiza também a força de trabalho dentro da empresa. Então, o empregador pode criar
esses nomes. Por exemplo, Auxiliar Administrativo I, Auxiliar Administrativo II, III, e assim
sucessivamente. Isso é cargo.
E a função é aquilo que ele faz de fato. É com isso que o legislador da CLT está preocupado:
identidade de funções, identidade do conjunto de atribuições, tarefas e responsabilidades que
são designados tanto para o requerente quanto para o modelo ou paradigma. Eles têm que
fazer a mesma coisa.
Parece um tanto amplo/genérico dizer que eles têm a mesma função. A lei, então, trata de
especificar isso. Como eu consigo aferir essa identidade de funções? Eu consigo aferir isso com
trabalho de igual valor.
2º - Trabalho de igual valor
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 222
Esse valor é bem próximo do valor de troca da força de trabalho (valor econômico). E esse
valor é aferido por dois subcritérios: a produtividade e a perfeição técnica.
Realizar as mesmas coisas não é simplesmente dizer que um e outro fazem petição inicial, a
mesma função. Eu preciso de mais, para saber se o trabalho é igual. Eles fazem o mesmo
número de PI? Ou o mesmo nº de PI num determinado espaço de tempo? Eles têm a mesma
produtividade (produção/tempo)? Eles produzem a mesma quantidade de tarefas num
determinado espaço de tempo? Isso é a produtividade. É o aspecto quantitativo do valor do
trabalho que ele desempenha.
E ainda, com a mesma perfeição técnica? Um faz uma PI toda rebuscada, cheia de citações,
referências a acórdãos, a doutrinadores. O outro faz uma PI simples, concisa, sem citar
ninguém objetiva, dizendo: aconteceu isso e eu quero isso e fim. Qual a que tem a melhor
perfeição técnica? Tem como aferir isso? Se for na área trabalhista, é a segunda, sem dúvida
nenhuma. É quase como um requisito subjetivo das petições trabalhistas a clareza, a concisão
e a objetividade. No caso do processo do trabalho, se privilegiam as petições mais simples,
concisas e objetivas. Até porque no processo civil onde se enaltece esse formalismo, quando
tem acórdão, o juiz pula.
Esse elemento da perfeição técnica é um elemento qualitativo. Ele vai ser mais difícil de ser
aferido quanto maior a intelectualidade do trabalho ou se se trata de um trabalho artístico.
Dois pintores. Qual o quadro que tem a maior perfeição técnica? Um usa um tipo de técnica e
o outro, tipo diferente. Qual a mais perfeita? Depende de quem está olhando o quadro. É
muito difícil de ser aferido num trabalho intelectual ou artístico, mas num trabalho braçal, até
pode ver o acabamento da peça produzida; na prestação de serviço, aquele prestado com mais
educação, que cativa mais a clientela. Aí se tem o aspecto qualitativo, podendo de alguma
maneira ser aferido.
A perfeição técnica também pode ser verificada pela qualificação educacional, profissional e
técnica do empregado. Muitas vezes, eles até realizam a mesma tarefa, desempenham a
mesma função e até mesmo com a mesma produtividade, mas um tem curso na UFRJ e o
outro tem curso numa faculdade qualquer, ou seja, qualquer uma outra. Então, ele tem mais
qualidade, mais perfeição técnica. Um tem pós-graduação, um tem mestrado, um tem um
curso específico, especialização, e o outro não tem. Isso pode dar uma ideia de uma
qualificação técnica maior. Portanto, não é um critério absoluto, não é um critério definitivo,
mas isso contribui para que haja a equiparação ou a diferenciação de salários.
3º - Mesmo empregador
Ambos, pleiteante/requerente e modelo/paradigma, trabalhem para o mesmo empregador. O
que parece se óbvio aqui, às vezes, complica quando a gente está diante de um grupo
econômico, por exemplo, diante de transformações da estrutura jurídica da empresa. Os dois
trabalhadores têm que ter passado por todas as etapas de transformação dessa estrutura
jurídica, transformação do tipo de sociedade, transformação dos sujeitos que titularizam o
empreendimento. Estou falando de grupo econômico, estou falando de sucessão de empresas.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 223
Quando a súmula 129, TST, traz a tese do empregador único para o entendimento do TST,
então se estabelece que é possível a equiparação entre trabalhadores de empresas diferentes,
de pessoas jurídicas diferentes, mas que pertençam ao mesmo grupo econômico.
Quando eu adoto a tese do empregador único, eu estou indo além da solidariedade passiva do
§ 2º do art. 2º da CLT. Eu não tenho somente solidariedade passiva; eu tenho solidariedade
ativa. Eu tenho só a obrigação de que todos têm em conjunto, as várias empresas do grupo
econômico, de pagarem a um empregado da empresa A. Isso é o que já diz a lei; é a
solidariedade passiva. Facilitação do crédito do trabalhador. Com a tese do trabalhador único,
eu tenho solidariedade ativa, ou seja, deste trabalhador para com todas as empresas do grupo.
Não é só a empresa que o contratou que subordina esse trabalhador, senão todas as
empresas. O grupo inteiro é o empregador, é o empregador único. Todas essas empresas
configuram como um só empregador para cada empregado. O empregado foi contratado pela
empresa A. Se a empresa B exige algum tipo de ordem/tarefa para esse empregado, ele vai ser
também subordinado a esta empresa, se eu adoto a tese do empregador único, que não está
na lei, mas na súmula 129. E é esta mesma súmula que permite compreender que o
empregado na empresa B preenche a condição de mesmo empregador quando se adota a tese
do empregador único.
Então, eu tenho um vendedor da empresa A que ganha R$ 1.000,00 e tenho um vendedor da
empresa B que ganha R$ 2.000,00. Eu tenho que verificar todos os critérios.
Eles têm a mesma função. Enquanto vendedores, eles fazem o mesmo tipo de venda. Também
têm a mesma produtividade: em média, vendem X imóveis. Eles têm a mesma perfeição
técnica: têm a mesma qualificação, trabalham nas mesmas condições e têm a mesma
qualidade. Trabalham para o mesmo empregador? Aqui há a dúvida. Se eu não adoto a tese do
empregador único, não tem equiparação, pois eles trabalham para empregadores diferentes,
cada empresa remunera o seu vendedor como acha que deve. Mas, se eu adoto a tese do
empregador único, eles trabalham para o mesmo empregador, e, nesse caso, o vendedor que
ganha R$ 1.000,00 vai requerer a diferença salarial, vai requerer a equiparação salarial ao do
que ganha R$ 2.000,00.
4º - Mesma localidade
Localidade aqui é o espaço territorial com as mesmas características socioeconômicas. Quase
sempre, na prática, equivale ao mesmo município, ou a mesma metrópole, quando o
município já tem conurbações (Rio e Niterói, Rio e Nova Iguaçu, Rio e Nilópolis). Não tem
grandes discrepâncias socioeconômicas que justifiquem ali uma diferença de salário.
Mas se for “Rio e Santarém” é completamente diferente. As relações de abastecimento, as
relações de fluxos de produtos e de bens são diferentes; os preços praticados para os diversos
produtos são muito diferentes, de maneira que essa diferença de localidade pode justificar a
diferença salarial. Nas regiões onde se pratica a média de preços mais baixa, costuma-se pagar
remuneração menor/mais baixa, até para que ele possa ter um poder aquisitivo compatível
que se apresenta na região sócioeconômica.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 224
A mesma localidade, na prática, representa o mesmo município ou mesma região
metropolitana.
5º Diferença de tempo inferior a 2 anos
No § 1º do art. 461, CLT, nós vimos a condição de que a diferença de tempo no serviço não
seja superior a 2 (dois) anos. Notem: diferença de tempo em favor do modelo/paradigma. O
modelo/ paradigma não pode estar trabalhando há muito mais tempo do que o requerente. Se
ele está trabalhando há muito mais tempo que o requerente, devemos nos lembrar daquele
ditado: “antiguidade é posto”. A diferença temporal justifica a diferença salarial: ele tem mais
experiência, ele está lá há mais de 2 anos, o outro tem menos de 2 anos naquela função. Dois
anos é o tempo razoável que o legislador entende que se adquira essa experiência que justifica
essa diferença na remuneração. Ele tem mais do que 2 anos de serviço (é o que fala o § 1º,
mas vocês vão entender mais de 2 anos na função).
Pode ser que o pleiteante tenha entrado na empresa há 10 anos. O modelo entrou há 3 anos,
mas entrou na função Auxiliar Administrativo I. O pleiteando chegou agora na função Auxiliar
Administrativo I. Quem está há mais tempo na empresa (tem mais tempo de serviço na
empresa) é o pleiteante. Quem está mais tempo na função Auxiliar Administrativo I é o
modelo. E essa diferença justifica a diferença salarial. Se ele entrou hoje na função que já
estava há 3 anos o modelo, portanto há mais de 2 anos, nesse caso, justifica. Para que haja
equiparação salarial, a diferença de tempo tem que ser inferior a 2 (dois) anos. Se o modelo
estivesse há um ano, não se justificaria a diferença salarial. Estaria cumprindo mais esse
requisito para a equiparação.
6º - Inexistência de quadro de carreira
Esse requisito está nos §§ 2º e 3º do art. 461, CLT.
Leitura da súmula 6 do TST.
A existência de quadro de carreira vai supor que haja uma organização hierárquica que
determine o cargo, função e salário, sendo certo que essa organização deva ser homologada
no Ministério do Trabalho que vai aferir se se respeita objetivamente os critérios alternados de
antiguidade e merecimento. Há a busca/dinâmica constante de verificação de merecimento,
de índices de produtividade, de índices objetivos, índices que vão determinar se uma pessoa
vai ascender funcionalmente e outra não, e é isso que vai, no caso, inseri-las em cargos
diferentes e terem, portanto, remunerações diferentes.
Na verdade, o quadro de carreira, com esses critérios e com essa forma, vai tentar minimizar
alegações do tipo: “eu faço a mesma coisa que o outro”. Eventualmente pode fazer, mas não
faz sempre, não tem a mesma qualidade, porque essa qualidade está verificada por esses
critérios, porque, se fizesse, ele teria a vez de ascender funcionalmente, como pode ser que
terá. Eles estão posicionados em cargos distintos dentro desse cargo de carreira.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 225
Nós vimos que o cargo não interessa tanto, mas passa a interessar se nós tivermos critérios
objetivos de ascensão funcional ou de alocação nesses quadros, que é o que elide/afasta a
equiparação pelas regras dos §§ 2º e 3º do art. 461, CLT.
Esse é o principal critério de isonomia salarial, de proteção do salário contra a discriminação. É
a equiparação salarial.
Percebam que não é nada simples se provar a equiparação salarial, pois tem que se provar
todos os seus requisitos e mais um que não está na lei, que é a simultaneidade, que é um
requisito lógico.
Requisito da simultaneidade
É necessário que os contratos de paradigma e empregado pleiteante coincidam
temporalmente, ainda que por um único dia. Eles têm que ter trabalhado para a empresa no
mesmo momento, simultaneamente, ainda que a coincidência não ultrapasse de um dia.
A empresa pagava R$ 5.000,00 para o seu Auxiliar Administrativo I. Achando que estava
pagando muito, o demitiu, que era o único Auxiliar Administrativo I que ela tinha. No dia
seguinte, contratou outro Auxiliar Administrativo I. Não houve coincidência temporal dos dois
contratos. Contratou este para pagar R$ 2.000,00, para fazer as mesmas funções. Ele
preencheu todos os 6 requisitos, mas ele não pode pedir a equiparação com o ex empregado,
porque os contratos não foram coincidentes temporalmente, não foram simultâneos. Eu só
posso pedir equiparação se houver coincidência temporal, ou seja, terem trabalhado na
empresa no mesmo momento. Se um trabalhou em um momento e o segundo em outro
momento, não é possível pedir a equiparação. A empresa pode perfeitamente, demitindo o
Auxiliar Administrativo I, contratar um novo empregado pela metade do salário.
Respondendo: São todos aqueles requisitos no mesmo momento.
Aluno pergunta algo sobre um substituto eventual. Um gerente sai de férias e outra pessoa o
substitui na função.
R.: A princípio, eles têm direito ao mesmo salário, mas vai depender de que tipo de contrato se
estará efetivando com esse substituto. A princípio, o substituto tem o salário do substituído,
porque ele vai fazer as mesmas funções. A exceção é o tipo de contrato. Se for terceirização de
mão de obra, terceirização pela Lei nº 6.019/74, ela própria garante a isonomia salarial. O art.
12 dessa lei diz: o salário do substituto tem que ser igual ao salário do substituído, salvo
alguma gratificação ou vantagem de natureza pessoal: o empregado tem doutorado, por
exemplo. É uma condição pessoal. Salvo isso, o salário tem que ser o mesmo, porque se
pressupõe aqui o trabalho igual. No caso de outras modalidades de terceirização, não há o
estabelecimento de uma regra expressa sobre essa equiparação. No entanto, a jurisprudência
(há uma OJ que agora não me lembro) atribui, no caso de terceirização ilícita com a
Administração Pública, o direito de equiparação salarial quando ocorre substituição por
terceirização. Ou seja, substituir alguém na AP por terceirização já é ilícito, mas se o sujeito
trabalhou fazendo exatamente a mesma coisa que o concursado fez, essa OJ concede a
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 226
equiparação. Com base nessa OJ, muitos juízes julgam que o terceirizado de uma maneira
geral tem direito à equiparação salarial, embora se compreenda que a terceirização é um
mecanismo para redução de custos: terceiriza-se para não pagar o mesmo que se paga a um
empregado, contrata-se por um valor menor, então, ele receberia menos. Há essa polêmica.
Então, depende do tipo de contrato que é feito com o substituto. Se é um contrato por tempo
determinado, tem direito à equiparação.
Aluno intervém: um funcionário que substitui o gerente que está de férias.
Resposta: Então, ele foi contratado não para aquela função de gerência. É um desvio de
função. O substituto teve sua função desviada. Ele foi contratado para uma função e,
circunstancialmente, está substituindo o chefe ou outro empregado. Isso acontece muito na
prática. Como o contrato de trabalho não define expressamente o conjunto de funções, você
diz: você está sendo contratado como advogado, mas que funções você vai fazer?
Acompanhamento processual, carga, audiência, sustentação oral, petições, petição inicial,
contestação? Isso não está especificado. Logicamente, são funções factíveis por qualquer
profissional advogado. Compreende-se que é inerente ao seu contrato o desempenho de
tarefas que são próprias da profissão de advogados, mas eu não preciso colocar lá por escrito,
até porque isso vai criar um limitador. Vamos supor que eu tenha esquecido de colocar
sustentação oral no tribunal e haja necessidade da empresa de o empregado sustentar num
processo difícil. Como eu não coloquei no contrato, a gente vai cair no art. 483, alínea “a”
(estou antecipando matéria do próximo semestre).
Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida
indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por Lei, contrários aos bons
costumes ou alheios ao contrato;
Quando o empregador exigir serviço alheio ao contrato é uma infração grave do empregador
ao contrato de trabalho e suscita a chamada rescisão indireta. O empregado pode rescindir o
contrato por culpa do empregador e receberá todas as parcelas indenizatórias como se fosse
mandado embora sem justa causa. Portanto, é muito arriscado para o empregador limitar o
número de funções. Ele não vai fazer isso. Se ele combinou que o empregado vai fazer A, B e C,
colocou isso no papel e amanhã se ele precisar de D, e não está no contrato, é exigência de
serviço alheio ao contrato. E a própria dinamicidade da empresa orienta que não se fixe um
conjunto de atribuições. Tem uma série de funções e tarefas que são próprias à qualificação
profissional do trabalhador que ele dá conta e que eu não vou restringir porque eu preciso
explorar essa mão de obra da maneira ótima, da melhor maneira possível para a concepção do
meu empreendimento. Então, eu não vou limitar o número de tarefas.
Por outro lado, as tarefas profissionalmente menos qualificadas, as profissões que não têm
uma qualificação profissional sofisticada, as que não precisam de curso superior, têm uma
grande dificuldade de verificação de qual conjunto de tarefas faz parte do contrato e qual não
faz parte.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 227
Por exemplo, se eu pedir para um advogado limpar uma latrina, essa função é alheia ao
contrato, ainda que no contrato não conste nada sobre as funções desse advogado, porque ele
tem uma qualificação profissional que não compreende a limpeza de latrina, para a qual,
inclusive, não precisa de nenhuma qualificação, mas de qualquer maneira, não faz parte da
formação acadêmica do advogado.
Por outro lado, se eu tenho um trabalhador que é minimamente qualificado, se eu tenho um
Auxiliar de Serviços Gerais. Severino foi contratado para fazer reparos, limpeza do chão, faxina,
cuidar da parte elétrica, reparos hidráulicos. Não mencionei “limpar latrina”. Ele está
trabalhando 2/3 anos. Eu digo: além de tudo isso que você faz, você vai também limpar latrina.
Ele pode usar o art. 483, alínea “a”, sob o argumento de que sobre essa tarefa não havia nada
combinado? É a lei ou contrato. Como ele vai provar isso? Art. 456, parágrafo único, que trata
da prova do contrato:
À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, estender-se-á que o
empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
Há no dispositivo um conceito jurídico indeterminado: condição pessoal. E é exatamente aqui
que o empregador vai trabalhar dizendo: limpar latrina é compatível com a condição pessoal
dele. Ele podia se desincumbir muito bem dessa tarefa. Ele limpa muito bem o chão e pode
muito bem limpar a latrina. É inerente à condição pessoal dele. Ele não tem o diploma de
advogado. Nesse caso, o empregado poderia dizer: a minha condição pessoal para o contrato
de trabalho é representado pela minha profissão, advogado. Não se coaduna com a minha
condição pessoal exigir esse serviço.
O que o art. 483, alínea “a” dá com uma mão, o art. 456, parágrafo único, tira com a outra,
esvazia, sobretudo para as funções de trabalhadores menos qualificados. Quem tem uma alta
qualificação vai se safar, mesmo que não esteja no contrato, porque não faz parte da sua
condição pessoal. Mas se o empregado tem uma profissão pouco qualificada, dificilmente ele
vai dizer que não faz parte do contrato. É pau para toda obra. Ele aguentou, faz parte do
contrato. Ele aguenta fazer, eu posso inserir tantas tarefas quantas eu quiser no contrato de
trabalho dele que não vai dar ensejo à argumentação de que está alheio ao contrato, nos
termos do art. 483.
Então, essa história de desvio de função é uma coisa muito complicada. Eu contratei para fazer
A e começo a exigir também B, C e D. Eu vou estar sempre relacionando o art. 456, parágrafo
único, com o art. 483, aliena “a”.
Se eu conseguir provar que esse acréscimo desvirtua da minha condição pessoal para o que eu
fui contratado, se esse acréscimo é muito diferente daquilo para que eu fui contratado, eu caio
no art. 483. Se não, considera-se como parte integrante do contrato.
Mas se esse serviço que eu fui fazer a mais corresponde ao serviço de um outro empregado na
empresa, eu posso pleitear o salário dele? Havia uma pessoa que só fazia aquele a mais que
agora está a cargo de outro empregado. É o caso da substituição em que o empregado, além
de fazer as suas tarefas, substitui o que entrou de férias. Ele não deixa de fazer o que fazia
antes para somente substituir o colega que está de férias. Em geral, ele acumula, suprindo o
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 228
que está de férias, porque a empresa não contrata outra pessoa. Há um desvio de função.
Quando não dá para dizer que é serviço alheio ao contrato (art. 483), faz parte do contrato
(art. 456, parágrafo único). Neste caso, o empregado diz: tudo bem, eu faço o a mais, faço
hora-extra e consigo segurar, mas vou ganha mais, posso pleitear mais alguma coisa?
Resposta: Depende. Se há um quadro de carreira que especifique essas tarefas e relacione com
o cargo, porque há um critério objetivo.
O desvio de função, também chamado de desvio de fato, só vai acarretar um acréscimo
remuneratório quando tiver uma lei, uma norma coletiva ou um quadro de carreira que
estabeleça objetivamente.
Por exemplo, o empregado foi contratado para fazer A + B. Na substituição a outro empregado
de férias, também vai fazer C. Se for possível aferir numa norma coletiva que quem faz C ganha
X R$, por exemplo, a lei do radialista esmiúça as funções e estabelece salários diferenciados:
operador de mesa, locutor, programador. É um critério objetivo que permite aferir esse desvio
de função. É muito difícil a procedência de acréscimo salarial com base em desvio de função de
fato. É muito difícil provar isso, mas é uma possibilidade.
O reenquadramento é mais fácil, porque aqui, necessariamente, eu tenho um quadro de
carreira.
O desvio de função, então, pode acontecer quando não há quadro de carreira. E de fato
acontece. Mas como eu vou provar que para essa função a empresa remunerava de maneira
diferenciada ou especificamente em virtude dessa função se ganhava uma quantidade
qualquer? Não dá para saber. No reenquadramento, não. No reenquadramento, você tem uma
empresa organizada com um quadro de carreira, que não precisa ter os mesmos critérios da
equiparação, não precisa ser homologado pelo Ministério do Trabalho, não precisa ter critérios
alternados de ascensão funcional por antiguidade e merecimento, mas tem lá o
estabelecimento objetivo das clivagens/separações de cargo, função e salário. E com base
nesse quadro de carreira, o empregado que teve a sua função originária desviada, pode
pleitear o reenquadramento: “eu comecei fazendo as funções do Aux. Adm. I, e hoje eu
acumulo funções do Aux. Adm. I, do II e do III”. Quem ganha mais é o III. Ele pede o
reenquadramento para III, porque ele faz 90% das funções de III, 100% da de II e 100% das
funções de I, ou 80% das funções de I, de II e de III. Ele vai ter de provar que está inserido
dentro desse cargo e pleiteia o reenquadramento. Essa é uma outra possibilidade que se abre,
não expressamente legislada; são construções da jurisprudência que estabelecem outras
formas de isonomia salarial.
Rafael Ayres Marques & Vinicius Santos Caderno de Direito do Trabalho Página 229
Top Related