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Capítulo 1 - Justiça
Justiça é um conceito complexo. Ela é totalmente baseada
naquilo que é bom ou mau.
E o que é o bom e mau?
São pontos de vista. Apenas pontos de vistas. O que é bom para
alguns pode ser mau para os outros. O que justo para um pode
não ser para o outro.
Ou talvez a justiça não tenha nada a ver com o bom e o mau. Ela
existe para garantir a igualdade entre as pessoas. Nada de bom e
mau, só igual.
Provavelmente essas duas definições não são totalmente erradas
e complementam uma a outra, apesar de parecerem
contraditórias.
Enfim, é função da justiça julgar e penalizar aquilo que é mau
ou que interfere na igualdade.
Ao olhar por esse lado, vingança e justiça são a mesma coisa.
Ou seria a vingança um tipo de justiça? Ou a justiça um tipo de
vingança?
Pode-se diferenciar a justiça da vingança através da ideia que a
punição da justiça já é pré-definida e sabida, normalmente
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escrita por meio de leis, enquanto a vingança se dá através de
qualquer meio que se ache suficiente.
Mas as leis podem ser injustas, e logo a justiça pode ser injusta
também.
Não importe o que falem. Não importa o que seja debatido.
Qualquer sistema de penalização e punição que não siga a regra
do “olho por olho, dente por dente” não é um sistema justo.
Praticamente todos os sistemas judiciários são injustos.
Estamos rodeados de injustiças.
O mundo é injusto. A vida é injusta.
Isso já sabemos, mas é sempre bom tentar esquecer isso.
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Capítulo 2 – Deus Está no Céu, Tudo Está Errado Com o
Mundo
Hoje eu recebi uma visita de Deus.
Uma imensa e brilhante luz branca vinha do céu e ofuscava-me.
Isso é um exagero, mesmo para um Deus!
Não parecia mais ser uma noite, não parecia que eu estava no
mesmo local.
Logo eu que nunca acreditei em Deus, ele apresentou-se para
mim.
“Olá”.
- Olá – Eu o cumprimentei, tentando olhar para a luz, mas
bloqueando meus olhos com a minha mão.
“Eu sou Deus”.
Agora a maioria das pessoas estaria de joelhos pedindo perdão e
benção.
Eu não.
- O que um Deus poderia querer comigo? – Cansado de toda
essa luz, eu virei de costas, de braço cruzado olhando minha
longa sombra projetada no chão.
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“Eu tenho uma tarefa para você”.
- Uma tarefa de Deus para mim? Deveria eu ficar lisonjeado por
essa oportunidade?
“A Terra não é só habituada por humanos. Seres do bem e
criaturas das trevas existem e estão ocultos nos quatros cantos
do mundo. Por convenção, só humanos podem mudar e fazer a
história da Terra, porém cada vez mais os humanos estão sendo
influenciados negativamente por forças más. Desse jeito, é
apenas uma questão de tempo para a humanidade cair em
ruínas.”
- Ei! Ei! Você é Deus, por que você mesmo não resolve esse
problema? – Num impulso involuntário eu tentei olhar para a luz
novamente, mas a dor nos meus olhos logo me fez voltar a ficar
de costa.
“Nós, seres do bem, temos que cumprir nossa parte e não
interferir com mundo dos humanos. Só por que tais criaturas das
trevas não cumprem o Tratado, não nos dá o direito de quebrá-
lo. Fomos nós mesmo que criamos o Tratado a princípio. Seria
ilógico nós desobedecermos ao Tratado”.
Isso não poderia ser mais humanamente semelhante. A lei não
pode penalizar um individuo que quebrou a lei quebrando lei.
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- Então você quer o que? Que eu livre o mundo dessas criaturas
das trevas?
“Só um humano pode interferir no mundo humano. Um
representante humano, um humano mediador se torna necessário
para o céu poder interferir.”
- Mas eu? Sete bilhões de pessoa no mundo e justo eu sou
escolhido? Eu nem acreditava em você momentos atrás! Com
certeza há alguém bem mais qualificado para essa tarefa!
“Você tem um forte senso de justiça. Você é ideal para essa
função.”
Tem alguma coisa muito estranho ai. Posso ter um forte senso
de justiça sim, mas tem gente com muito mais senso e muito
mais poder pra fazer isso em algum lugar do mundo. Bem, ele é
Deus, se ele está falando, então deve ser verdade. Mesmo que
não seja verdade, ele não deve estar enganado em escolher-me.
- E se... Eu recusar?
Deus não respondeu.
Um calafrio subiu pela minha espinha. Eu sentia a pressão do
silêncio em minhas costas. A pressão esmagadora da presença
de Deus.
- Não é como se eu tivesse algo melhor para fazer mesmo.
Porque não dar uma chance, não é?
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Sem parecer ter qualquer mudança na intensidade ou na direção
da luz em minhas costas, minha sombra se tornou trêmula e
balançava de um lado para o outro, como a cauda de um cão
animado.
“Muito bem. Então assim seja”.
E assim a luz desapareceu junto com minha sombra.
Abandonado e largado no meio da noite.
O que eu deveria supostamente fazer agora?
Eu peguei o caminho de casa.
Na noite seguinte eu recebi uma visita não tão inesperada de um
anjo. Ele apresentou-se como Solfeggio. Solfeggio Harmonics.
Com seus cabelos louros e encaracolado e suas leves vestimentas
brancas, iluminava harmoniosamente a noite. Tudo o que você já
esperava de um anjo, com pequenas asas, auréola, sandálias e um
arco e flechas guardados em suas costas. Eu não tenho ideia de
como funciona a idade dos anjos, mas o corpo dele semelhava-se a
um corpo por volta da minha idade.
- Então você é Deth?
- Isso.
- Eu estarei te acompanhando durante um tempo, até que você
acostume-se com o seu serviço.
- OK. E por onde começamos?
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- Hmm. – O anjo estava pensando. Diferente que Deus, esse anjo
não tinha tanto um ar de superioridade. Não parecia nada diferente
de um humano com asas. – Encontrei um local. Segure firme. – Ele
virou de costa e estendeu sua mão direita para mim. Eu segurei a
sua mão firmemente com minhas duas mãos. Suas asas cresceram
quatro vezes de tamanho, jogando penas para todos os lados e
rapidamente, com um forte impulso, partimos em um voo.
Pousamos em um cemitério. O lugar que você menos espera que
um anjo que te leve. Provavelmente estamos aqui na procura
naquilo que Deus chamou de criaturas das trevas.
Independentemente por qual motivo, estar de noite num cemitério
não é nada agradável.
- Olhe ali.
Eu olhei. Uma figura distante ia se aproximando e entrando no meu
campo de visão. Fazendo um som estranho, como se alguém
estivesse tentando falar e vomitar ao mesmo tempo e o cheiro
lembrava o vômito de alguém tinha comido carne podre.
Era uma criatura mundialmente famosa. Um zumbi. Um morto-
vivo. Com a carne de aparência desconfigurada, com olhos caindo,
sem mandíbula, ossos saindo daqui e ali, fez-me perguntar por que
motivo uma criatura tão horrível ser tão cultuada nos tempos de
hoje. Entretanto, eu tinha coisas mais óbvias para fazer no
momento.
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- E agora? – Perguntei ao anjo.
- Agora você o derrota.
- Como? – Eu virei rapidamente para ele.
- Não precisa entrar em desespero. Um zumbi é a criatura mais
fraca que tem por ai. Peixe pequeno. Você vai se virar bem.
- Tá. Isso eu já entendi, mas com o que eu vou lutar? Eu não vou
receber nenhum tipo de arma ou poder especial?
O anjo abriu um pouco mais olhos do que o normal.
- Tenho que te dizer que eu também não tenho ideia. Eu só estou
aqui para assegurar que você não se mate sozinho e não para te
ensinar você como lutar. Eu o aconselho a tentar a fazer alguma
coisa com esse zumbi. Como eu já disse, ele é bem fraco, e até um
humano comum pode derrotá-lo. E, contrário do que você deve
estar imaginando, não há nenhum tipo perigo de infecção que irá
transformá-lo num deles caso você seja mordido.
Sem nenhuma arma ou poder especial, eu, com meus punhos nus,
dei um combo de direita e esquerda, finalizando com um chute de
direita. Não tinha nenhuma força sobrenatural em meus golpes,
mas só isso foi o suficiente derrubar o zumbi.
- É. Foi mais fácil do que eu pense- Um pequeno tremor revelou
uma horda de zumbis escondida debaixo do chão. Solfeggio não
demorou em voar.
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- Saia dai, Deth! – Gritou ele.
Era tarde demais. Duas mãos que viam debaixo da terra seguravam
meus pés e outros zumbis já vinham pulando em cima de mim, mas
eu não fui devorado. Dois zumbis agora agarravam meus braços e
os outros apenas ficaram em minha volta.
Algo está definitivamente errado. Eles não estão sendo zumbis.
Eles estão sendo inteligentes. Eles estão sendo controlados.
- O que você está fazendo aqui no meu território a essa hora? –
Falou um homem encapuzado que saia de trás de um dos túmulos.
- Eu lhe pergunto o mesmo.
- Deth, cuidado, ele é um necromante! – Disse o anjo lá de cima.
- Eu estava trabalhando em meu ritual, até que você o interrompeu!
- Um necromante!? Você não pode estar esperando que eu consiga
derrotar ele não é? – Não intencionalmente, eu ignorei o
necromante e respondi à Solfeggio.
O anjo mostrou uma cara de indeciso. De estar com pensamentos
conflitantes. Claro, ele não podia atacar o necromante e interferir
na história do mundo humano.
- Como você sabe? Você não está sozinho? – Ele deu um grito de
ordem - Vão zumbis, comam-no!
Eu entrei em desespero.
- Você não tem que matá-lo, mas pelo amor de Deus, salve-me!
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Solfeggio sacou o arco que dobrou de tamanho e atingiu um dos
zumbis que agarrava meu braço, mas outros dois zumbis já subira
em mim e me morderam.
Até o momento em que Solfeggio acertou todos os zumbis, eu já
levara uma dúzia de mordidas.
Eu, deitado no chão, levantei minha cabeça para olhar o resto do
meu corpo. Buracos em meu corpo. Tripas para todos os lados e
estranhos tipos de fluídos misturavam-se numa gosma fétida de cor
enjoável para os olhos.
Voltei a encostar minha cabeça no chão e vi Solfeggio
descendendo dos céus e aproximando-se de mim, como se estivesse
pronto para me carregar para o céu.
Ele olhou para mim e gritou algo que você não ouve anjos dizendo
todo dia:
- Porra!
Bem, porra nada mais é que um fluído criado naturalmente nos
corpos de certos seres vivos usado intencionalmente com outros
significados exceto o do próprio significado da palavra. Não é
como se fosse alguma palavra demoníaca. Na verdade, é uma
palavra verdadeiramente humana com uma interpretação muita
humana também.
Claro que tudo isso não vem ao caso quando estou prestes para
morrer, apesar de eu realmente não estar sentindo morrer.
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Justamente o contrário. Alguma coisa muito, muito estranha estava
acontecendo com meu corpo.
Uma coisa estranhamente boa.
Eu me levantei com meu corpo meio-comido como se fosse apenas
alguns arranhões.
- Você virou um morto-vivo? – Pergunto Solfeggio.
- Não sei, mas me sinto mais vivo do que nunca. – Falei,
caminhando para o necromante.
- Com quem voc- Eu segurei a garganta do necromante e o levantei
com uma só mão. Finalmente algum tipo de poder apareceu. Será
porque eu me aproximei da morte? Isso é muito cliché.
- Deth, cuidado com ele, apesar de ser um necromante, ele é apenas
um humano.
Hã. E só agora você me fala isso?
Eu o desci e retirei seu capuz.
Era um garoto um pouco mais novo do que eu. Tinha uns dezesseis
anos. Tinha o rosto esbranquiçado artificialmente, sombra nos
olhos e cabelos negros. Tinha uma tatuagem de uma cruz invertida
que ia de sua têmpora direita até perto dos lábios.
Eu não acredito.
Eu abri um grande sorriso e soltei uma bela gargalhada.
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- Ha! Ha! Um emo. Um emo. Um emo necromante!
- Vai se foder! – Disse ele, enquanto eu figurativamente rolava de
rir. – E você? Que porra você é?
- Eu? Sou um humano como você, ou talvez um zumbi agora por
sua culpa.
- Não existe essa coisa de zumbificação. Seu corpo deveria estar
apodrecendo devido à praga maligna que as mordidas dessas
criaturas carregam. Será que eu errei em alguma coisa? Isso não
importa. Apenas com essas mordidas um humano normal já deveria
estar morto.
- Deth, eu me enganei. Ele não é um necromante, é apenas uma
criança brincando com o que não deve. E como um humano normal,
ele não pode me ver. – Disse Solfeggio.
- Eu sou um representante do céu. Eu luto contra criaturas das
trevas e gente estúpida que nem você que mete o nariz onde não
deve. Volte para casa da sua mãe.
- Eu nunca mais volto para aquela casa!
Ah, eu já estava me esquecendo de que ele era emo...
- Você brigou com seus pais, é? Será por causa dessa tatuagem
ridícula?
- Ridículo é você!
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- É. Deve ter sido. Bem, isso não é de minha importância. Se você
quer viver num cemitério eu não me importo. Se você quer brincar
com magia negra e invocar zumbis o problema não é meu. Mas. Se
você ferir mais alguém, eu nem preciso te contar o que vai
acontecer com você. OK?
- Tá bom. Tá bom.
- Então vamos Solfeggio. Já brincamos muito por uma noite.
Eu virei e fui caminhando para a saída. Solfeggio veio me
acompanhando.
- Quem... Quem é Solfeggio?
Eu olhei para trás.
- Solfeggio? Solfeggio é meu anjo da guarda.
E dei uma piscadela e voltei a andar.
- Você sabe muito bem que eu não sou seu anjo da guarda, certo?
- Eu sei. Eu só queria aparecer ser cool por um momento. –
Mudando de assunto. – Solfeggio, é normal um humano conseguir
usar magia negra?
- Com treinamento adequado é possível, mas não acho que um
garoto jovem daquele deva conhecer algum mestre nas artes de
magia negra para ter aprendido assim tão novo.
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Solfeggio não deve saber, mas é possível aprender tudo pela
Internet hoje me dia. Seja fazer um bolo, seja burlar sua conta de
telefone, seja conjurar zumbis.
- É. Definitivamente algo está errado com esse mundo.
- Um humano é o menor dos seus problemas, Deth, nós vamos;
quer dizer, você vai ter que lutar contra coisa muito pior.
- Hmm.
...
- Solfeggio, e sobre meu corpo?
- Não tenho ideia do que fazer.
- Você não tem nenhum tipo de cura?
- Não é só porque sou um anjo ou uma criatura sagrada que eu
tenho poderes de cura.
Pois deveria.
- A cultura de vocês humanos faz várias suposições sobre o que
não conhecem.
- A gente faz suposições justamente porque não conhecemos. E
apesar de não estarem totalmente corretas, nossas suposições estão
bem acuradas. Quero dizer, quem diria que anjos e zumbis
realmente existiam.
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