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Cenários de Instabilidade: O Estado Brasileiro e a Trajetória Institucional do
Ministério da Cultura – Minc em meio a Crises Democrática.
Documento para su presentación en el VIII Congreso Internacional en Gobierno,
Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 25 al 28 de
septiembre de 2017.
Autora: Menezes, Fátima Regina Portela de
Universidade Federal do Ceará
Email: [email protected]
Resumo:
O presente artigo tem como objetivo analisar a trajetória institucional do Ministério
da Cultura e sua estreita relação com o Estado brasileiro em diferentes contextos e
configurações históricas. Ao trilharmos esse estudo temos a intenção de adentramos
e criarmos diferentes veredas para ampliar e compreender os interesses que permeia
as relações de mandos e desmandos entre o Estado brasileiro e o Ministério da
Cultura ao longo da sua trajetória institucional. Apesar de ser um ministério jovem o
MINC tem sua história marcada por períodos de extinções, rebaixamento a
secretaria, um orçamento insignificante, troca - troca de ministros e tantos outros
entraves.
Palavras - chave: Estado, Ministerio da Cultura, Trajetória Institucional.
Resumen:
El presente artículo tiene como objetivo analizar la trayectoria institucional del
Ministerio de Cultura y su estrecha relación con el Estado brasileño en diferentes
contextos y configuraciones históricas. Al recorrer este estudio tenemos la intención
de adentrar y crear diferentes veredas para ampliar y comprender los intereses que
permean las relaciones de mandos y desmanes entre el Estado brasileño y el
Ministerio de Cultura a lo largo de su trayectoria institucional. A pesar de ser un
ministerio joven el MINC tiene su historia marcada por períodos de extinciones,
descenso a la secretaría, un presupuesto insignificante, intercambio - intercambio de
ministros y tantos otros obstáculos.
Palabras clave: Estado, Ministerio de Cultura, Trayectoria Institucional
Nota biográfica: Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Vale do
Acara - UVA (2012); Especialista em Gestão de Organizações Sociais - UVA (2015) e
Mestranda em Avaliação de Políticas Públicas – Universidade Federal do Ceará – UFC
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O Contexto de criação do Ministério da Cultura – MinC e o Estado Brasileiro
O Brasil teve um Ministério da Cultura criado pela primeira vez em 1985
(Decreto 91.144 de 15/03/1985), após a redemocratização política do país. Em 1980 o
país experimentou um proceso de democratização política, o que motivou a criação de
políticas culturais nos estados e a articulação dos secretários de cultura, que passaram a
demandar a criação de um ministério da cultura, o qual veio a ser instituido em 1985.
A criação do Fórum Nacional dos Secretários de Cultura, em 1983 e 1984,
acelerou o debate sobre as políticas públicas de cultura. Segundo Ângelo Oswaldo
(apud SILVA, 2011b), ex-presidente do IPHAN, as reuniões do Fórum de Secretários
serviam para estimular o debate, mas houve muitas outras reuniões. Na verdade, toda a
classe artística, os meios intelectuais e acadêmicos, a juventude, com movimentos
diversos das comunidades, se mobilizavam em torno da política pública de cultura, do
debate cultural e da necessidade da cultura. E a cultura apareceu, naquele momento,
como o grande espaço de convergência dos movimentos democráticos.
Vale ressaltar que não era consenso entre os diferentes grupos a criação de um
Ministério da Cultura separado do Ministério da Educação, com relação a isso houve
muitas divergências com avaliações diferentes sobre as possibilidades que esta cisão
traria no tocante ao aumento dos recursos financeiros para a área. No entanto, a ideia
tomou forma e o MinC foi criado em 1985. Havia quase que um movimento de euforia
em torno do Ministério da Cultura. Com a morte de Tancredo Neves, foi o presidente
Sarney quem implantou a pasta da cultura. Vale destacar os primeiros anos do MinC e
do texto constitucional não implicaram estabilidade e aumento de recursos institucionais
e financeiros para a area.
Anteriormente a criação do Ministério da Cultura a ideia era a de que cultura
referia-se ao clássico da literatura, das artes cênicas, da expressão corporal e tudo mais.
Não se tinha a dimensão daquilo que o Celso Furtado chamava de “cultura como
melhoria da qualidade de vida”. Ou seja, na perspectiva do ser humano, na sua
integralidade. Ou ainda a concepção de cultura como um direito. Foi o ministério que
ajudou a introduzir na Constituição brasileira aspectos da cultura para além das artes e
das letras.
A principal mudança trazida pela Constituição é o ganho da noção de cultura
como dever do Estado e direito do cidadão: “Antes o Estado tinha que amparar a
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cultura. No novo texto, a cultura se torna um direito do cidadão. Então o Estado tem
também que assegurar o acesso à cultura e à conservação dos bens culturais”.
Outro ponto em destaque foi o reconhecimento e atenção de outros aspectos
importantes da cultura, como as diversas manifestações culturais existentes no país e a
criação de leis de incentivo a cultura.
Aluísio Pimenta se constitui de fato o primeiro ministro da cultura, pois assume
o lugar de José Aparecido de Oliveira, que ficou no cargo nos dois meses iniciais.
Pimenta fica no ministério de 1985 a inicio de 1986, nesse breve tempo foi discutida a
criação da primeira lei de incentivo a cultura, nomeada como “Lei Sarney”, que não
chegou a ser implementada na sua gestão. Depois foi criada a Lei do Audiovisual, que
deu muito apoio ao cinema nacional no Brasil e no exterior.
Em substituição a Aluísio Pimenta assume o economista Celso Furtado. Furtado
foi o grande responsável pela estruturação e consolidação do Ministério da Cultura.
Durante a sua gestão foi conceituada uma política pública de cultura que compreende a
cultura no seu sentido amplo e deve ser aquilo que aprimora a qualidade de vida do
cidadão. Furtado foi quem também conseguiu implementar a Lei Sarney e que em
menos de quatro ano de vigência, a Lei foi extinta em 1990 durante o governo do
Presidente Fernando Collor de Mello.
O governo Collor de Mello é marcado por uma instabilidade institucional muito
grande, que não era somente uma instabilidade institucional do ministério, era uma
instabilidade institucional da política brasileira que repercutia no ministério. Collor
desfez com todas as leis de incentivo a cultura e extinguiu o próprio Ministério da
Cultura. Isso representou um retrocesso enorme para o campo da cultura.
O Brasil contemporâneo aqui circunscrito compreende desde o processo de
Democratização ou de Re-Democratização e a experiência tardia, intensiva e
dependente do Estado brasileiro de ajuste ao capitalismo financeirizado, a partir de
1990, submetendo o Estado aos ditames de expansão do capital, na configuração de um
Estado Ajustador – Estado que ajusta e ajusta-se ás imposições dos padrões de
acumulação capitalista. (CARVALHO E GUERRA, 2016, p. 5-6) aos dias atuais.
Então, desde já é importante ressaltar que este período é marcado por fortes
tencionamentos e embates entre os interesses daqueles que lucram com o capital
financeiro à custa do Estado e os que lutam para assegurar os direitos sociais instituídos
pela Constituição Cidadã. Segundo Carvalho e Guerra (2016):
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Nos percursos da vida brasileira nestes últimos vinte e cinco anos, revela-se,
com clareza, a dominância dos processos de ajuste, restringindo as
potencialidades da democracia, submetida à lógica de expansão do capital. A
rigor, tem-se em curso o Brasil do Ajuste, em meio aos tensionamentos das
lutas e embates democráticos, com maior ou menor intensidade, em cada
conjuntura da inserção brasileira ao capitalismo financeirizado. Desse modo,
predomina o Estado Ajustador, com efetiva intervenção nos processos de
acumulação e valorização do capital, a gerar formas restritas de inserção das
massas pauperizadas via diferentes mecanismos e estratégias de
enfrentamento da pobreza. É o neointervencionismo estatal, a configurar-se,
de forma efetiva, com distintas inflexões, nos percursos do ajuste brasileiro,
nestes vinte e cinco anos. (Carvalho e Guerra, 2016)
As configurações desse Estado Ajustador pode até não terem sido as mesmas
nesses vinte ou trinta anos, mas fora forte o bastante para imprimir seus interesses. Ao
analisar criticamente as trajetórias do governo de Fernando Collor de Mello, Itamar
Franco e Depois Fernando Henrique Cardoso (FHC) que seguem a risca os dogmas
neoliberais e começa a tomar as providências para possibilitar o ingresso ativo do país
na era da financeirização e processos de privatizações das empresas estatais também se
intensificaram nesses governos.
A primeira dessas providências foi resolver o problema da dívida externa, o que
foi conseguido através do atendimento às exigências dos credores e agências
multilaterais, como a autorização para a securitização desses débitos, a abertura do
mercado brasileiro de títulos privados e públicos e a abertura financeira da economia
brasileira, com a retirada gradativa dos controles que obstaculizavam o livre fluxo
internacional de capitais. (PAULANI, 2012)
Foi em janeiro de 1990, quando o presidente Collor assumiu, que o Ministério da
Cultura foi desativado e atrelado a Presidência da República como uma Secretaria, cujo
secretário era Ipojuca Pontes. Seguindo a cartilha modelo do Estado ajustador Collor
desestrutura o ministério e desfaz com as principais leis de incentivo a Cultura.
O Ministério da Cultura foi restaurado no Governo Itamar Franco e com ele
tornou-se viavel a implementação de algumas leis de incentivo a Cultura, como a Lei do
Audiovisual, que tinham sido extintas no Governo Collor.
Ainda segundo Paulani (2012) nos anos 2000 com os governos petistas teremos
a consolidação do Brasil no capitalismo financeirizado. Isso provocou profunda
desestruturação e atrofiamento na indústria nacional com enormes danos para a nossa
economia como um todo. Para Reinaldo Gonçalves (2011) na sua teoria sobre Nacional-
desenvolvimentismo às Avessas afirma que o Brasil durante o governo Lula (2003-10)
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os eixos estruturantes do Nacional-desenvolvimentismo foram invertidos. O que se
constata é: desindustrialização, dessubstituição de importações; reprimarização das
exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização; perda de
competitividade internacional, crescente vulnerabilidade externa estrutural em função
do aumento do passivo externo financeiro; maior concentração de capital; e crescente
dominação financeira, que expressa a subordinação da política de desenvolvimento à
política monetária focada no controle da inflação.
O governo Lula (2003-10) um pouco diferente daqueles que lhe antecederam
consegue construir e manter um equilíbrio de forças do capital e do trabalho,
desenvolvendo um governo de ajuste ao capital mundializado, em meio à adesão
passiva das massas, que, a partir de então, passavam a vivenciar uma experiência de
“cidadania pelo consumo”. (CARVALHO & GUERRA, 2015).
Devemos ressaltar que esse equilíbrio nunca fora equânime e favorável a
maioria dos brasileiros, mas sim aos interesses do grande capital. Analisando a relação
Estado/Sociedade civil no governo Lula podemos perceber o enfraquecimento de alguns
movimentos sociais e a organização da sociedade civil em decorrência de alguns lideres
terem sido cooptados para fazerem parte do governo. Isso gerou conseqüências terríveis
e que ainda hoje, temos tido dificuldades para articular, formarmos e consolidarmos
movimentos sociais de resistência para combater o Golpe de 2016. Mas é claro que
existem exceções, os movimentos dos estudantes Secundaristas e os Universitários, por
exemplo, ocupou escolas e universidades pelo país a fora.
Depois da Era Lula quem assume o poder é Dilma Rousseff que inicia seu
primeiro mandato (2011-2014), em um contexto mundial de agravamento da crise
estrutural do capital. Os tempos seguintes não serão nada fácies! O governo Dilma
Rousseff assim como o Governo Lula tenta a política de conciliação, ou seja, satisfazer
os interesses do capital externo com políticas e ajuste e tentar desenvolver o país. O
Governo de Dilma Rousseff deixa-se pressionar por setores da direita, onde
representantes da Bancada Ruralista (frente parlamentar que atua em defesa dos
interesses do agronegócio) consegue aprovar o Novo Código Florestal em beneficio dos
processos de expropriação e acumulação por espoliação do capital em territórios
brasileiros. E o próprio governo faz alianças com essas forças, por exemplo, quando
Kátia Abreu (empresária, pecuarista e senadora pelo estado do Tocantins) assume o
ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante o segundo governo de
Dilma Rousseff.
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Em meio a esse contexto de crise de governabilidade e de insatisfação dos
brasileiros com os serviços públicos de Saúde, Educação, Moradia, Cultura e
Mobilidade Urbana as pessoas vão às ruas reeinvindicar melhorias nesses serviços e
criticar o Governo pelos altos investimentos que estavam sendo feitos em obras
“faraoarquitetônica” para serem utilizadas na Copa do Mundo de Futebol 2014 e sem
falar das atrocidades que foram cometidas a comunidades que tiveram que ser
“removidas” de áreas que seriam usadas para a montagem do grande circo que fora esse
evento da Copa do Mundo.
Depois acontecem outras manifestações com outros atores em cena. Dessa vez a
classe média e a elite brasileira do alto dos seus apartamentos localizados nas zonas
nobres das grandes cidades brasileiras batem panelas em protesto contra o
pronunciamento da Presidenta Dilma. Sobre essa questão alguns jornalistas opinam:
Laura Capriglione disse: "O linchamento moral de Dilma Rousseff faz lembrar
que quem arreganha os dentes contra ela é a mesma parcela da elite hidrófoba
que atacou a ascensão social dos pobres; que se opôs à regulamentação da
profissão de empregada doméstica; que "denunciou" os aeroportos apinhados
de gente que antes nem podia sonhar com uma viagem de avião; que, tendo
acesso aos consultórios mais caros do país, vociferou contra o "Mais Médicos";
que se opôs ao ingresso dos negros nas universidades --pela primeira vez em
500 anos." (Panelaço e xingamentos: é esta gente sem educação que quer
assumir o poder? 2015. Link: https://br.noticias.yahoo.com/blogs/laura-
capriglione/panelaco-e-xingamentos-e-esta-gente-sem-educacao-
113815899.html)
Juca Kfouri foi além, disse com todas as letras: "O panelaço nas varandas
gourmet de ontem não foi contra a corrupção. Foi contra o incômodo que a
elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda
frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na
universidade." (O panelaço da barriga cheia e do ódio. 2015. Link:
http://amorimsanguenovo.jusbrasil.com.br/artigos/172384417/juca-kfouri-o-
panelaco-da-barriga-cheia-e-do-odio)
A partir daí os tensionamentos se acirram entre os diferentes grupos que compõe
a sociedade civil. De um lado os que são contrários ao governo Dilma e do outro ou que
defendem a permanecia de Dilma no poder. Pelo Brasil a fora acontecem manifestações
dos dois lados. Os escândalos de corrupção envolvendo políticos da base aliado ao
governo e a impopularidade da Presidente Dilma crescem e causam um clima de grande
instabilidade política e econômica. Com o apoio da mídia, do Judiciário e da maioria
dos congressistas tem-se inicio no país um Golpe travestido de “impeachment”.
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Criação de uma nova política pública cultural no Brasil e seus paradigmas
A realidade das políticas públicas culturais no Brasil tinha tradicionalmente a
valorização da “alta cultura” e o folclore como marcadores identitários de nossa cultura.
As formas de financiamento e fomento eram basicamente através da renúncia fiscal. A
renúncia ou dedução fiscal acontece quando os tributos são instituídos para serem
arrecadados. Entretanto, para atingir outros fins de interesse do Estado, este pode abrir
mão de parte da arrecadação, a fim de incentivar determinadas atividades, como por
exemplo, a área da cultura.
A partir desse breve contexto podemos compreender o quanto frágil e limitada
era a participação e o envolvimento dos agentes e gestores culturais nos modos de fazer
e formular as políticas públicas culturais. Até porque as mesmas se restringiam às leis
de incentivos e devido à política fiscal, o papel do Estado ficava cada vez mais restrito
atuando apenas como aparato burocrático para tramitação de projetos e prestação de
contas. A decisão sobre quais projetos deveriam ou não ser financiados cabia quase que
exclusivamente às empresas patrocinadoras. O Estado tinha assim sua participação e o
seu papel na articulação e deliberação das políticas públicas culturais do país
comprometidas.
Nos oito anos de governo do Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) esteve à
frente do Ministério da Cultura o cientista político Francisco Weffort. Nesse período, a
política cultural teve como seu fundamento ideológico a proposição de que a “cultura é
um bom negócio” e como principal suporte as leis de incentivo (Rouanet e do
Audiovisual - A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de
1991) é a lei que institui políticas públicas para a cultura nacional, como o PRONAC -
Programa Nacional de Apoio à Cultura. Essa lei é conhecida também por Lei Rouanet
(em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, secretário de cultura de quando a lei foi
criada. A Lei do Audiovisual, oficialmente Lei Federal 8.685/93, é uma lei brasileira de
investimento na produção e co-produção de obras cinematográficas e audiovisuais e
infra-estrutura de produção e exibição.)
Tal opção se alinhava com a política mais ampla do governo FHC, apoiada no
ideário neoliberal, de privatização das empresas públicas e consequentemente a
diminuição do papel do Estado. Segundo Brant:
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A centralidade da Lei de Incentivos na gestão das políticas públicas de
cultura trouxe uma sensação de desvio de função do dinheiro público, pois as
empresas eram incentivadas pelo próprio governo a utilizar eventos culturais
como forma de comunicação empresarial, por meio de uma cartilha intitulada
Cultura é Um Bom Negócio. (Brant, 2009:66)
A escolha desse modelo teve consequências graves para o campo cultural do
país, pois com o passar do tempo, as empresas passaram a patrocinar os eventos
basicamente por meio das leis, e o que deveria ser uma legislação para atrair o
empresariado para o patrocínio da cultura, tornou-se um instrumento de acomodação.
Ou seja, de um modo geral, as empresas só investem em marketing cultural se puderem
deduzir o valor investido do imposto devido ao Estado, de preferência integralmente.
Rubim enumera as principais críticas feitas pelos analistas a este tipo de gestão
cultural:
1. O poder de deliberação de políticas culturais passa do Estado para as
empresas e seus departamentos de marketing; 2. Uso quase exclusivo de
recursos públicos; 3. Ausências de contrapartidas; 4. Incapacidade de
alavancar recursos privados novos; 5. Concentração de recursos. Em 1995,
por exemplo, metade dos recursos, mais ou menos 50 milhões, estavam
concentrados em 10 programas 6. Projetos voltados para institutos criados
pelas próprias empresas (Fundação Odebrecth, Itaú cultural, Instituto
Moreira Sales, Banco do Brasil etc.); 7. Apoio equivocado à cultura
mercantil que tem apoio comercial; 8.Concentração regional de recursos.
(Rubim, 2007: 27-28)
Pelas críticas acima citadas podemos perceber que a política de dedução fiscal
favorece a retirada gradual do Estado de várias esferas culturais, instalando
definitivamente o neoliberalismo no campo da cultura.
O entendimento da cultura como mercadoria a ser negociada ditou a política
cultural do governo Fernando Henrique Cardoso e o ministério da cultura tornou-se um
“balcão de negócios”, restringindo e limitando sua atuação enquanto uma instituição
governamental responsável pela articulação entre o poder público e a sociedade civil na
democratização e elaboração de políticas culturais que assegurem os direitos culturais
dos cidadãos brasileiros.
Para Botelho (2001) a produção cultural brasileira concentrava sua atividade
basicamente nas leis de incentivo fiscal federal, estaduais e municipais. E os recursos
orçamentários dos órgãos públicos, em todas as esferas administrativas, eram tão pouco
significativos que suas próprias instituições tinham que concorrer com os produtores
culturais por financiamento privado.
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Esse modelo de políticas públicas culturais adotadas nesse período representou
um atraso tanto com relação ao cenário mundial quanto aos direitos que a nossa própria
constituição nos assegura. No caso brasileiro, enquanto a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 deu um importante passo nas garantias do compromisso do
Estado com a cultura, as fontes de financiamento público não foram definidas de forma
clara. Conforme o Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
Rubim aponta algumas reflexões sobre esse contexto de ausências:
A combinação entre escassez de recursos estatais e a afinidade desta lógica
de financiamento com os imaginários neoliberais então vivenciados no
mundo e no país, fez que boa parcela dos criadores e produtores culturais
passe a identificar política de financiamento e, pior, políticas culturais tão
somente com as leis de incentivo. Outra vez mais a articulação entre
democracia e políticas culturais se mostrava problemática. O estado parecia
persistir em sua ausência no campo cultural em tempos de democracia
(Rubim, 2007:25)
Para compreendermos um sentido mais abrangente do conceito de políticas
culturais, temos a definição proposta por Néstor García-Canclini, que nos diz ser:
o conjunto de intervenções realizadas pelo estado, as instituições civis e os
grupos comunitários, organizados para orientar o desenvolvimento simbólico,
satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um
tipo de ordem ou de transformação social. Mas esta maneira de caracterizar o
âmbito das políticas culturais precisa ser ampliada tendo em conta o caráter
transnacional dos processos simbólicos e materiais na atualidade. (García-
Canclini, 2005:78)
As políticas culturais são construídas, a partir das ações e dos ideários
convergentes ou divergentes dos diferentes grupos que compõe a sociedade, não são
somente aquelas elaboradas e oficializadas pelo Estado. Os governos podem impor suas
políticas culturais assim como também a sociedade civil organizada em grupos e
associações criam suas próprias políticas. As políticas culturais são dinâmicas,
temporais, sociais e culturalmente construídas.
Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva toma posse como presidente, com o cargo
de ministro da cultura sendo ocupado pelo músico e compositor Gilberto Gil. Tem-se o
início de uma discussão com a sociedade sobre a necessária retomada do papel do
Estado no campo cultural, buscando o conceito de política pública como o norteador das
políticas culturais.
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O novo governo propõe a ampliação do conceito de cultura, significando os
modos de vida, e a dimensão simbólica e criativa da existência social brasileira,
articulada em suas dimensões econômicas e cidadãs. O alvo prioritário das políticas
culturais passa a ser a população como um todo, mudando o foco dos grupos
privilegiados da sociedade como produtores e artistas, ou a elite consumidora dos
espetáculos.
No início dos anos 2000 em várias cidades brasileiras surgiram pontos, pontões,
casas, coletivos e redes de Cultura que apresentam novas formas de produzir, consumir,
compartilhar e se relacionar com o outro tendo especialmente a atividade cultural como
seu elemento propulsor, e de destaque para as suas vivências, participações ou ainda
como elemento de sobrevivência e busca de novas formas de viver.
Estas dimensões são claramente mencionadas, em alguns documentos oficiais do
governo como o Plano nacional de Cultura, nele as dimensões são assim conceituadas:
DIMENSÃO SIMBÓLICA DIMENSÃO CIDADÃ DIMENSÃO ECONÔMICA
Esta dimensão busca retomar o
sentido original da palavra
cultura e propõe o - “cultivo”
das infinitas possibilidades de
criação simbólica expressas em
modos de vida, motivações,
crenças religiosas, valores,
práticas, rituais, e identidades.
O objetivo é reconhecer e
valorizar esse capital simbólico,
por meio de fomento à sua
expressão múltipla, gerando
qualidade de vida, auto-estima e
laços de identidade entre os
brasileiros.
Esta dimensão tem como
objetivo o acesso universal à
cultura por meio de estímulo à
criação artística e a
democratização das condições de
produção, oferta de formação,
expansão dos meios de difusão,
ampliação das possibilidades de
fruição, intensificação das
capacidades de preservação do
patrimônio e estabelecimento da
livre circulação de valores
culturais, respeitando-se os
direitos autorais e conexos e os
direitos de acesso e levando-se
em conta os novos meios e
modelos de difusão e fruição
cultural.
Nesta dimensão a busca é a
regulação das ―economias da
cultura‖ possibilitando a
sustentabilidade de fluxos de
formação, produção e difusão
adequados às singularidades
constitutivas das distintas
linguagens artísticas e múltiplas
expressões culturais.
Inserida em um contexto de
valorização da diversidade, a
cultura também deve ser vista e
aproveitada como fonte de
oportunidades de geração de
ocupações produtivas e de renda
e, como tal, protegida e
promovida pelos meios ao
alcance do Estado.
(FONTE: MinC, 2008:11-12)
O Ministro da Cultura Gilberto Gil (2003-2008), inaugura uma política cultural
voltada ao modelo de gestão compartilhada, tendo como pilares os conceitos de
empoderamento, autonomia e protoganismo social. A gestão do Ministro Gilberto
Gil formulou uma política pública focada na diversidade cultural e no diálogo com a
sociedade civil. Em um de seus discursos o ministro afirma que:
[...] toda política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade e de
um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido de que
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toda política cultural não pode deixar nunca de expressar aspectos essenciais
da cultura desse mesmo povo. Mas, também, no sentido de que é preciso
intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo estatizante, mas para clarear
caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma espécie de do-in
antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente
desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país... (Gil, 2003: 3)
Além da reestruturação administrativa, podemos afirmar que o Ministério passou
por uma reestruturação conceitual. Quando Gil (2003) afirma em seu discurso de posse
“que é preciso intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo estatizante”, “para fazer
uma espécie de do-in antropológico”.
O Programa Cultura Viva mostra que as políticas culturais recentes estão mais
direcionadas às localidades e às suas manifestações culturais, distanciando-se de uma
visão padronizada de cultura. Ao compararmos o Programa Cultura Viva com o
histórico das políticas culturais brasileiras, observamos que seu principal aspecto
inovador é a integração de segmentos da sociedade civil brasileira que até então não
participavam das políticas públicas culturais. Sob os princípios de “autonomia,
protagonismo e empoderamento” o Programa propõe a inclusão de novos atores
sociais.
Segundo o Relatório “Cultura viva: as práticas de pontos e pontões” de 2011 do
IPEA:
O Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva insere-se em um
contexto de formulação da política cultural fortemente marcado pela
valorização da diversidade de expressões culturais. O que oferece base e
sustentação para essa ação pública de cultura é a compreensão de que a
cidadania cultural e o direito à cultura são pressupostos da pluralidade da
criação cultural. No Brasil, esta discussão é reforçada pela necessidade de
ampliação do direito à cultura; o desafio e o objetivo é fazer com que a cultura
constitua, de forma central, a experiência do sujeito enquanto cidadão para
garantir o acesso à cultura de maneira equitativa e em todas as suas dimensões,
o que contempla o acesso à criação, à fruição, à difusão, à produção, ao
consumo, à participação, e também, à possibilidade de criação de laços de
identidade. (Silva, 2010)
A política de eventos é substituída por uma política contínua, de longo prazo,
que propõe a cultura como um direito de todos os cidadãos, dando inicio a um processo
de reorganização da cultura.
A Política Nacional de Cultura Viva – PNCV surgiu a partir do
desenvolvimento e expansão do Programa Cultura Viva – PCV. Para compreendermos
o conteúdo e as bases conceituais da presente política trilharemos a concepção e
construção do Programa Cultura Viva.
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O Programa Cultura Viva foi concebido a partir de críticas tecidas a um
programa que estava em fase de implementação pelo Governo Federal, no primeiro ano
do Governo Lula (2003), o Programa Refavela, que visava construir uma série de
centros culturais, nas periferias do Brasil, baseando-se na ideia de democratização do
acesso à cultura, e em criar (literalmente) um espaço de sociabilidade cultural,
implementado pelo Estado.
O programa Refavela dispunha de um apoio institucional da Petrobrás (que
entraria com R$ 70 milhões) para a construção das denominadas BACs (Bases de Apoio
à Cultura), que consistiriam em centros de cultura (com estrutura arquitetônica
padronizada, um prédio metálico pré-moldado) para as comunidades das periferias do
Brasil. O custo médio de cada unidade das BACs seria de R$ 1,5 milhão e era apontada
a construção de cinqüenta unidades. A idéia foi amplamente criticada pelos movimentos
socioculturais, pois, como descreve Luana Vilutis (2009):
O maior questionamento se assentava na perspectiva de que a construção de
centros culturais e casas de cultura, como as BACs, era muito onerosa e não
garantia o estímulo às iniciativas artísticas e culturais das comunidades. A
manutenção de programas como esse também foi questionada, uma vez que
eles dependem de parcerias entre as diferentes esferas governamentais e
ficam atrelados às vontades políticas, correndo riscos de descontinuidade.
Além das construções das BACs, era preciso calcular os custos de
manutenção de suas iniciativas, como água, luz, impostos e pessoal, o que
também representava outro aspecto dificultador da implementação de
programas como esse, cuja gestão e planejamento são organizados de forma
descentralizada.
Em geral, as comunidades das localidades em que o programa seria
implementado não dispunham de recursos que viabilizassem a manutenção
de espaços e iniciativas como essa e teriam que buscar fontes de
financiamento para poder manter suas atividades. Esse foi um argumento que
ganhou força, inclusive dentro do próprio Ministério, dando sustentação à
alteração de sua proposta. (VILUTIS, 2009, p. 80)
As críticas diretas ao Programa Refavela e a ideia de construção e
implementação das BACs pautaram uma reformulação na concepção do programa,
assim como em sua estrutura de ação pública e política. Nesse contexto Célio Turino
(historiador e administrador de cultura e lazer) é convidado para participar da Secretaria
de Programas e Projetos Culturais do Minc.
Nesse sentido, a experiência de gestão cultural de Célio Turino na prefeitura de
Campinas no início da década de 1990, apontou para a necessidade de uma construção
pactuada com a sociedade, que estimulassem sua autogestão e organização própria, para
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a efetivação de políticas culturais de longo prazo, que não se desfizessem, inclusive,
com a modificação dos governos. Célio Turino narra um pouco da sua experiência:
“Entre a experiência de Campinas e o convite para que eu assumisse a
Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura
passaram-se 12 anos. Minha ida ao Ministério da Cultura não foi resultado de
negociação política e o ministro Juca Ferreira, à época secretário-executivo,
chegou a mim por indicação de um amigo, houve análise de currículo,
entrevista, tempo de espera e o convite. Depois da decisão foi tudo muito
rápido e minha nomeação saiu antes mesmo que o ministro Gilberto Gil me
conhecesse pessoalmente. Logo foi apresentada a tarefa: construção de
equipamentos culturais pré-moldados, em periferias de grandes cidades e
favelas, as BACs – Bases de Apoio à Cultura. Mal recebi o convite e já me
deparava com um grande problema: discordava completamente da proposta.
Não havia conceito, apenas um projeto arquitetônico de centros culturais pré-
moldados. Estruturas ocas a serem oferecidas para a comunidade tomar
conta. Prédios iguais em um país tão diverso? Quem pagaria a conta de luz?
E a programação? Tudo com serviço voluntário? Não daria certo. Fora a
sigla, BAC. As palavras têm força, baque é queda, susto. “Como um poeta
como Gilberto Gil permitira um nome desses?”, perguntei-me. (TURINO,
2009, p.81)
Ao Chegar ao Ministério da Cultura Turino reconhece a importância de oferecer
e elaborar uma nova proposta que substituísse as BACs. Sua experiência de trabalho
anterior, a frente da Secretaria de cultura de Campinas fora essencial para pensar e
elaborar o conceito, justificativa, descrição, estratégias, metas e custos do Programa
Cultura Viva. Turino apresenta uma nova proposta, e descreve a reação do Ministro da
Cultura, Gilberto Gil:
“Quando finalmente pude ser apresentado ao ministro, ele já havia lido a
proposta e demonstrou plena identidade com ela. Falamos sobre processos
criativos, expressões culturais, legitimidades, totens, pulsação, o
desenvolvimento por aproximação. Ao final ele disse: “Interessante, no lugar
de focar na estrutura você olhou para o fluxo. E fluxo é vida”. Mais alguns dias
e estava lançado o edital para seleção dos primeiros Pontos de Cultura.
(TURINO, 2009,p.82)
A proposta de criação de uma iniciativa governamental executada de forma
descentralizada, que articulasse as diferentes esferas do poder público e integrasse a
cultura com a comunicação ganhou corpo e destaque no discurso de formulação do
programa Cultura Viva. A esta orientação, foi acrescida a perspectiva cidadã de
promover a participação de grupos sociais, o incentivo às expressões culturais
enraizadas nas comunidades locais e a conexão entre cultura e educação.
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Com base nesses princípios, em julho de 2004, a Secretaria de Programas e
Projetos Culturais do Ministério da Cultura (SPPC/MinC) criou o Programa Nacional de
Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. Tendo como objetivo promover o acesso
aos meios de fruição, produção e difusão cultural, o programa se propôs a potencializar
energias sociais e culturais, apoiando a realização de iniciativas artísticas e culturais já
existentes.
Conforme publicado no Diário Oficial pela Portaria Nº 156, de 06 de julho de
2004, que cria o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - CULTURA
VIVA, o mesmo apresenta como objetivo: promover o acesso aos meios de fruição,
produção e difusão cultural, assim como de potencializar energias sociais e culturais,
visando a construção de novos valores de cooperação e solidariedade. E conforme o Art.
3º se destina à populações de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino;
comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e
militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social e cultural.
A execução do Programa se procederá mediante editais convidando
organizações não governamentais de caráter cultural e social, legalmente constituídas a
apresentarem propostas para participação e parceria nas diferentes ações do mesmo. Ao
Ministério da Cultura caberá o repasse de recursos em espécie, como também sob a
forma de kits de cultura digital às organizações selecionadas.
O Programa Cultura Viva foi criado com a denominação de Programa Nacional
de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. Com a ampliação do Programa, sua
vinculação a outros programas do Minc e a ampliação das atividades de sua entidade de
Coordenação (a Secretaria de Programas e Projetos Culturais passou a ser denominada
de Secretaria de Cidadania Cultural, sendo voltada apenas para o Programa e suas ações
transversais), o Programa passa a ser denominado de Programa Arte, Cultura e
Cidadania – Cultura Viva, a partir de 2009. A Secretaria de Cidadania Cultural ampliou
sua equipe e seus campos de atuação, agora voltados mesmo para os campos de atuação
do PCV, em seu momento de ampliação.
Como exposto no quadro abaixo podemos perceber a trajetória institucional da
Política Nacional de Cultura Viva:
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(Fonte: Elaborado pela autora, 2017)
Toda a trajetória institucional do Programa Cultural Viva e depois daquilo que
em 2014 tornou-se Política Nacional de Cultura Viva acontece sob a responsabilidade
do Ministério da Cultura/MinC sendo elaborado e executado no âmbito da Secretaria de
Programas e Projetos Culturais – SPPC, isso até 2013, pois a partir desse ano a
secretaria passa a ser chamada Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural – SCDC.
Conforme a estrutura relacional abaixo:
ESTRUTURAÇÃO INSTITUCIONAL DA PNCV
(Fonte: Elaborado pela autora, 2017)
Essa mudança acontece a partir do comprometimento do Brasil como signatário
da Convenção da Diversidade Cultural. A gestão do governo Lula começa justamente
no momento quando estava em andamento a criação de uma Convenção Internacional
para a Proteção da Diversidade de Conteúdos Culturais e Expressões Artísticas da
MinC
SCDC
PNCV
PCV
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Unesco, que tinha entre seus articuladores as coalizões internacionais criadas pela
sociedade civil.
Uma das prioridades da gestão era justamente colocar o Brasil à frente das
políticas de cultura no âmbito internacional. Nesse sentido, para o tema da Convenção,
foi criada uma delegação composta pelo Ministério das Relações Internacionais e pelo
MinC.
Essa delegação colaborou nas reuniões de formatação da Convenção e
apresentou propostas, uma das quais alterou o nome para Convenção sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. A mudança parece sutil, mas faz
toda diferença, porque amplia conceitos que vão além da proteção, incluindo
“promoção” e para a “diversidade das expressões culturais”, que aumenta o espectro
que estava restrito às expressões artísticas e conteúdos.
A própria reformulação do Programa Cultura Viva acontece devido esses novos
acordos selados entre o Brasil e esses organismos internacionais como a Unesco/ONU.
O Estado brasileiro faz esses ajustes e reformulações no PCV para adequar-se as
exigências aos acordos firmados com a Unesco e com isso nós temos uma ampliação
das ações e do público-alvo do Programa.
Ao analisarmos o quadro da Linha cronológica da Política Nacional de Cultura
Viva percebemos a principio uma ligação direta e intencional do Programa com a
questão da educação e a mudança ocorre depois da reformulação no contexto da
Convenção da Diversidade Cultural. Todas essas mudanças caminharam para o
fortalecimento do PCV e da sua ampliação para se tornar uma Política Nacional.
Em dezembro de 2013 o Programa passa por mais reformulações.
Alterações essas que conforme publicado na Portaria Nº 118, de 30 de dezembro de
2013, podemos perceber mais uma vez a modificação do nome do programa passando a
ser intitulado: Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural
- Cultura Viva.
É importante ressaltar que essa mudança tem sua intencionalidade e isso se deve
ao fato de nesse contexto o Brasil se tornar signatário da Convenção sobre a proteção e
a promoção da diversidade e das expressões culturais.
O objetivo principal da Convenção é fortalecer os cinco elos inseparáveis da
mesma corrente: a criação, a produção, a distribuição/disseminação, e o acesso e o
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usufruto das expressões culturais veiculadas por atividades, bens e serviços culturais –
em particular nos países em desenvolvimento.
A criação do Sistema Nacional de Cultura, Plano Nacional de Cultural, Fundo
Nacional de Cultura e as Conferências Nacional de Cultura foram as marcas dos
governos petistas que tinham a intenção de não somente implementar políticas de
governo e sim políticas de Estado.
Mas infelizmente muitas outras questões estruturais ainda persistem, como por
exemplo, as inconstâncias e instabilidades dos gestores para assumir o ministério e um
orçamento ainda irrisório para uma area tão importante e estratégica que é a cultura.
Mas todos esses ares de mudança e de construção de uma política pública
cultura, que se sustentasse independentemente de diferentes governos estava com os
dias contados quando sofremos um Golpe disfarçado de impeachment.
O Golpe foi aprovado facilmente pelo Congresso Brasileiro, mas isso não é de se
admirar, pois temos um dos congressos mais reacionários e conservadores de todos os
tempos da nossa história. Em 2016 Dilma Rousseff foi afastada do cargo de presidente e
o Vice - presidente Michel Temer assume o poder. A partir daí sofremos um retrocesso
enorme de algumas políticas públicas.
A primeira ação do governo Temer foi a extinção do Ministério da Cultura –
MINC e torná-lo um mero apêndice do Ministério da Educação. Se essa já é a primeira
decisão, desse governo golpista, então imagine o que virá! A extinção do MINC não se
sustentou por muitos dias, pois devido forte pressão de artistas, produtores culturais e
pesquisadores que ocuparam pelo Brasil a fora as sedes de alguns equipamentos
culturais como o IPHAN, por exemplo, reivindicaram a volta do MINC. Poucos dias
depois Temer volta atrás na sua decisão. Observa-se uma instabilidade nas estruturas
administrativas culturais, com criações e dissoluções constantes.
Volta e meia na história do nosso país, quando estamos diante de crises
democráticas ou passando por reformas estruturais que seguem o receituário neoliberal,
as assim chamadas “reformas do estado” temos como consequencia a deterioração das
políticas sociais e agravamento das condições sociais.
Com o atual golpe em curso sofremos a decadência e o retrocesso em políticas
sociais, que se agravará com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional – PEC
241. Embora diante de várias manifestações e ocupações de escolas e universidades
contrárias a aprovação da referida PEC a mesma é aprovada. O objetivo dessa PEC é
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reduzir ou até mesmo cortar os investimentos sociais do Estado brasileiro em áreas
como educação, saúde, previdência e outras por vinte anos.
A política Cultural do Brasil ainda é jovem, e já sofreu com o triste histórico de
golpes na nossa democracia que atingiram em cheio e desestruturaram as nossas
políticas públicas de cultura. Ainda assim temos na história do Ministério exemplos de
resistências e de fortes tensionamentos e ativa participação da sociedade civil em luta
para a construção e fortalecimento das políticas públicas de cultura. O Movimento “Fica
Minc” é um bom exemplo disso.
Graças ao movimento “Fica MinC” conseguimos o Ministério da Cultura de
Volta, só que a instabilidade, e escândalos de corrupção envolvendo ministros e o troca-
troca de ministros é quase que uma constante neste governo ilegítimo e golpista de
Temer. Em menos de um ano, pasta foi extinta, reativada e já teve três ministros
diferentes.
Considerações Finais
Depois dessa longa trajetória que trilhamos, a impressão que tenho é como se
alguns anos atrás nós tivéssemos caminhado alguns passos firmes na construção e
consolidação de políticas públicas, mas que no presente tudo foi desfeito e nos
encontramos agora em um precipício, onde não temos mais direitos assegurados nem
mesmo pela nossa constituição. Pois a PEC 241, também apelidada de a PEC da Morte,
representa o desmonte de muitos direitos sociais assegurados pela Constituição de 1988.
Parafraseando Celso Furtado, a distância entre o que fomos e o que poderíamos
ser nunca foi tão grande! E infelizmente essa distância tem-se acentuado cada vez mais
nos últimos tempos. A América Latina e o Brasil vivem destes ciclos de interrupções e
recomeços. Essa é nossa trágica tradição.
O presente artigo surgiu como uma necessidade para questionarmos e
refletirmos sobre o atual contexto de crise democrática no qual o Brasil está imerso.
Atualmente nunca se fez tão necessários estudos e diálogos sobre o Estado brasileiro
quanto nos tempos presentes. Pois a atual conjuntura do nosso país, diante de mais um
golpe (2016) exige de nós cidadãos, olhares atentos, mentes inquietas e questionadoras,
pois estamos diante de um Golpe parlamentar, jurídico e midiático disfarçado de
impeachment.
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O presente percurso analítico ampliou nossos olhares e percepções sobre o conceito
de Estado, as relações estabelecidas com os diferentes grupos que compõe a sociedade
civil e os processos históricos, econômicos e políticos que teceram e tecem o tecido
social da sociedade brasileira.
Nesse breve caminhar sobre a trajetória institucional do MinC e do Estado brasileiro
podemos perceber o quão frágil são os poderes de articulação da sociedade civil para
romper com as estruturas e os estamentos burocráticos de grupos oligárquicos que se
revezam no poder do Estado para assegurarem os seus privilégios. Acredito que
precisamos cada vez mais ampliar nossos horizontes de atuação para assim rompermos
com as dominações de grupos oligárquicos que usam o Estado em benefício próprio.
Essa é a grande contradição que a gente vive na democracia, não só brasileira, mas
contemporânea. Na América Latina isso é latente. Essa é a crise da democracia: o poder
do grande capital, da informação, de decisões fundamentais está na mão de poucas
pessoas, instituições e famílias. Os donos das regiões, das cidades são os mesmos que
estão no congresso. “É assim que o grupo do BBB (boi, bala e bíblia), amalgamado,
detém o poder e dita os destinos da nação, defere os golpes e coloniza o imaginário.”
Como bem disse Eryk Rocha (filho do grande cineasta brasileiro Glauber Rocha). Como
a gente pode se organizar para criar outra multidão, que tenha sua voz representada e
respeitada? A internet tem um papel vital nisso tudo. Existem muitas coisas que estão
sendo germinadas e gestadas nesses novos movimentos, nessa grande manifestação que
está acontecendo. Essa multidão está criando uma nova forma, e essa é a questão da
nova democracia. Esse novo vai vir das multidões e individualidades que juntas vão
formar um novo coletivo.
Mas precisamos antes de tudo, como bem disse o gramsciano Lúcio Oliver Costilla
debater o Estado para disputar o Estado, mudar e transformar o capitalismo e confrontar
o capital (…). Agora a pergunta seguinte que Costilla nos desafia a pensar é: Como
disputar o Estado para empoderar a sociedade que precisa se desenvolver organizativa,
política, cultural e ideologicamente na perspectiva de aprofundar a democracia para
criar um espaço crítico popular majoritário na sociedade civil, em um projeto distinto de
sociedade política ?
Acredito que o momento atual do qual estamos passado no nosso país seja um
tempo propício e provocativo para o despertar dessas reflexões, pois é um momento de
limite, de ruptura, de tensão social e transbordamento. As tensões sociais estão se
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acirrando. O país está polarizado. Existe uma energia, uma tensão latente nas ruas, nos
lugares.
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