Conceito e Evolução da Teoria do Crime – Capítulo 20 (Rogério Greco)
1. Noções fundamentais
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni, chama-se teoria do delito:
“a parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o
delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter
qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o
delito com interesse puramente especulativo, senão que atende à
função essencialmente prática, consistente na facilitação da
averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso
concreto”1
Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário,
para efeitos de estudo, faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou
elementos fundamentais, isto é, fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos
dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente
lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte.
Nesse sentido, analisa-se se determinado fato é ou não crime passando, nessa
ordem, pelos elementos: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade. Somente quando o fato é
típico, isto é, quando comprovado que o agente atuou dolosa ou culposamente, que em virtude
de sua conduta adveio o resultado e, por fim, que seu comportamento se adapta perfeitamente
no modelo abstrato previsto na lei penal, é que poderemos passar ao estudo da
antijuridicidade, e assim por diante.
2. Infração Penal
Crime e delito são utilizados como sinônimo pelo nosso sistema jurídico penal. As
contravenções são outra espécie de infração penal.
O Brasil, assim como a Itália e a Alemanha, adotou o critério bipartido, sendo
espécies de infração penal os crimes (ou delitos) e as infrações penais.
3. Diferença entre crime e contravenção
Segundo o art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914/41,
1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal – Parte general, p. 317.
“Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal
a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa,
ou ambas. alternativa ou cumulativamente.”2
A norma prevista no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal nos fornece um
critério para a distinção entre crime e contravenção, embora a regra tenha sido quebrada pela
Lei n. 11.343/06, haja vista que ao cominar, no preceito secundário do seu art. 28, as penas
relativas ao delito de consumo de drogas, não fez previsão de qualquer pena privativa de
liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), tampouco da pena pecuniária (multa).
Fazendo, no entanto, uma interpretação sistêmica, tendo em vista que o artigo está
inserido no Capítulo III da Lei, que diz respeito aos crimes e às penas, pode-se concluir que
trata-se, em verdade, de crime, e não de contravenção penal.
4. Ilícito Penal e Ilícito Civil
O critério para definição de ilícitos penais, civis, administrativos etc é político. Ao
ilícito penal o legislador reservou uma pena que pode chegar ao extremo de privar o agente de
sua liberdade.
5. Conceito de crime
Durante anos, vários doutrinadores tentaram formular conceitos de “delito”. Os
mais difundidos foram os conceitos: a) formal; b) material; e c) analítico.
Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse
frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se o seu aspecto material,
crime seria aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes.
Como se vê, os dois primeiros aspectos não foram precisos ao tentar definir ou
conceituar “crime”.
Segundo o conceito analítico:
“Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a
perigo bens jurídicos (jurídico-penais) protegidos. Essa definição é,
2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3914.htm
porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra
mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os
elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias
definições analíticas que têm sido propostas por importantes
penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas
fundamentais do fato-crime, a saber: a ação típica (tipicidade), ilícita
ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa
concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável.”3
6. Conceito analítico de crime
Segundo a maioria dos autores, para que se possa falar em crime é preciso que o
agente tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável. Alguns autores, a exemplo de
Mezger e, entre nós, Basileu Garcia, sustentam que a punibilidade integra tal conceito, sendo
o crime, pois, uma ação típica, ilícita, culpável e punível. Estamos com Juarez Tavares, que
assevera que a punibilidade não faz parte do delito, sendo somente a sua consequência.
A função do conceito analítico de crime é a de analisar todos os elementos ou
características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira
fragmentá-lo. O crime é, certamente, um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o
delito (fato típico, ilícito e culpável), ou o fato por ele praticado será considerado um
indiferente penal. O estudo estratificado ou analítico permite-nos verificar com clareza a
existência ou não da infração penal, daí sua importância.
Segundo Roxin,
“quase todas as teorias do delito até hoje construídas são sistemas de
elementos, isto é, elas dissecam o comportamento delitivo em um
número de diferentes elementos (objetivos, subjetivos, normativos,
descritivos etc.), que são posicionados nos diversos estratos da
construção do crime, constituindo algo como um mosaico do quadro
legislativo do fato punível. Esta forma de proceder acaba levando a
que se votem grandes esforços à questão sobre que posicionamento no
sistema do delito deve ocupar esta ou aquela elementar do crime;
pode-se descrever a história da teoria do delito nas últimas décadas
3 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. p. 80.
como uma migração de elementares dos delitos entre diferentes
andares do sistema”.4
O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto dos seguintes elementos:
a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva;
b) resultado;
c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado;
d) tipicidade (formal e conglobante).
A ilicitude é aquela relação de contrariedade que se estabelece entre a conduta do
agente e o ordenamento jurídico. A licitude da conduta praticada é encontrada por exclusão,
ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas
excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal.
Além das causas legais de exclusão da ilicitude, a doutrina ainda faz menção a
outra, de natureza supralegal, que é o consentimento do ofendido. Contudo, para excluir a
ilicitude é preciso quanto ao consentimento:
a) que o ofendido tenha capacidade para consentir;
b) que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível;
c) que o consentimento tenha sido dado anteriormente, ou pelo menos numa
relação de simultaneidade à conduta do agente.
Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do
agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista:
a) imputabilidade;
b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
c) exigibilidade de conduta diversa.
4 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. p. 85-86.
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