XIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EMPLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL25 a 29 de maio de 2009Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
O CONFLITO URBANO COMO CORTE EPISTEMOLÓGICO E O OBSERVATÓRIO COMOFERRAMENTA PARA O PLANEJAMENTO: A EXPERIÊNCIA DO OBSERVATÓRIOPERMANENTE DOS CONFLITOS URBANOS
Luiz Felipe Leão Maia Brandão (Universidade Federal de Alagoas) - [email protected] e Urbanista graduado na Universidade Federal de Alagoas (2007); Acadêmico do Mestrado em Dinâmicas doEspaço Habitado (DEHA), na mesma instituição.
Flávio Antonio Miranda de Souza (Universidade Federal de Pernambuco) - [email protected] e Urbanista graduado na UFPE (1990); Mestre em Desenho Urbano pela Oxford Brookes University (1994);PhD. em Planejamento Urbano pela Oxford Brookes University (1998); Prof. do Dept. de Desenho da UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE).
O Conflito Urbano como Corte Epistemológico e o Observatório
como Ferramenta para o Planejamento: a Experiência do
Observatório Permanente dos Conflitos Urbanos
Resumo
A adoção da conflitualidade urbana, como corte epistemológico, constitui-se em uma
alternativa no estudo das dinâmicas da cidade. A diversidade de formas de conflito existente
e de atores nele envolvidos exige uma coleta de informações abrangente e sistemática.
Tendo em vista as potencialidades do Observatório, como ferramenta de sistematização de
dados para o estudo da conflitualidade, foi criado o Observatório Permanente dos Conflitos
Urbanos das Cidades do Rio de Janeiro e Maceió. O Objetivo do presente trabalho é
descrever a construção desta ferramenta, refletindo sobre sua relevância e potencialidade
como um novo instrumento de pesquisa. Para tal, será destacada a centralidade do conflito,
como corte epistemológico no estudo das cidades, e do Observatório, como aparato de
auxílio aos planejadores urbanos. O trabalho apresenta exemplos bem-sucedidos de
utilização do Observatório em pesquisas sobre a cidade; a metodologia adotada na
tabulação de dados sobre conflitos urbanos; as possibilidades de utilização dos recursos da
ferramenta, e dá exemplo de trabalhos acadêmicos já realizados com seu auxílio. Conclui-se
que a experiência descrita tem sido válida, sendo interessante reaplicá-la a outras
Instituições de Ensino Superior.
1. Introdução
A compreensão da cidade capitalista, na busca de soluções para seus problemas, é uma
tarefa que exige, a priori, a definição de uma ontologia do espaço fundada nas relações
capital/trabalho, que ainda não foi totalmente explorada (HARVEY, 2006). Nessa linha de
abordagem, Santos (1977) já demonstrava a maneira pela qual as espacialidades
constituídas sob a égide do capital têm a capacidade de, por si só, difundir o modo de
produção capitalista e interferir na organização das estruturas sociais. Apreender o espaço
urbano, em sua complexidade, tem sido um desafio para pesquisadores e planejadores.
A adoção de um corte epistemológico, capaz de auxiliar no entendimento das dialéticas
sociais, constitui-se num importante passo na busca por respostas à problemática aqui
colocada. Como apontando por Bourdieu (2006), as teorias fundadas exclusivamente nas
dinâmicas de classe são insuficientes no sentido de explicar como ocorrem as disputas
condutoras do processo histórico. Baseado nessa assertiva, este trabalho argumenta que o
estudo da conflitualidade, por meio da observação das formas pelas quais os atores se
organizam em torno do objeto de disputa, constitui-se em uma alternativa para o estudo das
dinâmicas da sociedade.
Inserindo a discussão no contexto das cidades, a abordagem aqui adotada compreende o
conflito como um objeto de estudo importante por sua ação como agente modelador do
espaço e por ser uma possível chave para a leitura das urbes. Traçando-se perfis dos
embates que ocorrem no espaço urbano, pode-se, doravante, compreender onde estão as
raízes das dissidências e quais são as reivindicações das diferentes camadas sociais.
Nesse sentido, a diversidade de formas de conflitos existentes e de atores neles envolvidos
exige uma coleta de dados abrangente e sistemática.
Em trabalhos que estudam as dinâmicas urbanas (que aqui serão
exemplificados,posteriormente) constata-se que o Observatório tem atuado como um
instrumento para a sistematização de dados. Os resultados obtidos têm auxiliado em
pesquisas sobre as cidades; possibilitando gerar conhecimento e auxiliar na tomada de
decisões por parte dos órgãos públicos.
Tendo em vista tais potencialidades, aplicadas no estudo da conflitualidade urbana, foi
criado em 2003, na cidade do Rio de Janeiro, o Observatório Permanente dos Conflitos
Urbanos. Esta iniciativa vem sendo empreendida no intuito de oferecer subsídios que
auxiliem os formadores de políticas públicas no atendimento das demandas sociais mais
prementes. O Observatório foi idealizado pelo Laboratório Estado, Trabalho, Território e
Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Atualmente, a experiência vem
sendo replicada no Grupo de Estudo de Problemas Urbanos (GEPUR), da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL).
O presente trabalho se propõe a descrever a construção do Observaório Permanente de
Conflitos Urbanos, refletindo sobre sua relevância e potencialidade como um novo
instrumento de pesquisa. Para tal, será destacada a centralidade do conflito, como corte
epistemológico no estudo das cidades, e do Observatório, como instrumento de auxílio aos
planejadores urbanos.
A principal contribuição do trabalho é o seu potencial caráter socializador, na medida em
que este debate os conceitos e taxonomias construídos; a metodologia adotada; e os
resultados obtidos no processo de elaboração e utilização do Observatório. Espera-se, com
isso, que as experiências aqui descritas possam ser reproduzidas e aperfeiçoadas a outras
Instituições de Ensino Superior – IES.
Em um primeiro momento, tomando como base a problemática colocada por Harvey (2006)
e Bourdieu (2006) o trabalho discute as dificuldades da análise social sob o ponto de vista
da “taxonomia” de classes, apresentando o conflito como objeto de leitura passível de
apreensão mais objetiva. Posteriormente, define-se o conflito urbano como corte
epistemológico e apontam-se questionamentos que podem ser respondidos a partir do seu
estudo.
Seguida da explanação teórica, há a apresentação do Observatório como instrumento de
pesquisa; exemplificando experiências em que a ferramenta vem sendo utilizada com
sucesso e refletindo sobre as possibilidades por ela trazidas na leitura das dinâmicas
urbanas.
Em um terceiro momento, é feita a descrição dos procedimentos metodológicos adotados na
elaboração do Observatório Permanente de Conflitos Urbanos, discorrendo sobre suas
fontes de dados primários, seu processo de tabulação e sistematização de dados e formas
de representação destes em gráficos, mapas e tabelas.
Por fim, são apresentados alguns trabalhos realizados a partir das primeiras leituras de
dados obtidos a partir dos Observatórios das cidades do Rio de Janeiro e Maceió.
2. O Conflito Urbano como corte epistemológico
A abordagem marxista, ainda que diferenciada a partir de suas vertentes, possui influência
sobre o estudo do espaço na contemporaneidade, dada a difusão de idéias de acadêmicos
como Henri Lefebvre, Milton Santos e David Harvey1. Os autores citados caracterizam-se
por uma utilização não-ortodoxa dos conceitos criados por Marx, reconhecendo suas
limitações e apontando as lacunas teóricas que ainda precisam ser preenchidas. Harvey
(2006), por exemplo, argumenta que durante muito tempo tem-se ignorado a dimensão
espacial referente à teoria da acumulação, além de questionar as circunstâncias sob as
quais o capitalismo supera suas contradições, ajustando-se ao espaço.
Bourdieu (2006), por sua vez, indaga até onde se pode compreender as sociedades atuais
unicamente sob espectro da dinâmica de classes. O autor reflete sobre as limitações
impostas pelo entendimento de um grupo social que, a partir de um instante, se
autodetermina. Marx seria insuficiente ao não definir em que momento um “grupo em luta”,
coletivo e personalizado, surge das condições econômicas objetivas, apenas limitando-se a
afirmar que ora ele emerge de uma necessidade lógica (mecânica ou orgânica), ora ele se
apresenta a partir da “tomada de consciência” da direção esclarecida do partido. Ficaria
não-elucidada, portanto, a própria questão política, a da ação dos agentes:
Por uma espécie de falsificação de escrita, fazem-se desaparecer as questões mais
importantes: por um lado, a própria questão do político, a da ação própria dos agentes que, em
nome de uma definição teórica da ‘classe’, destinam aos seus membros os fins oficialmente
mais conformes com os seus interesses ‘objetivos’. (BOURDIEU, 2006, p. 139).
Sob essa ótica, estudos de escala mais ampla sobre o comportamento de agentes sociais
determinados costumam encontrar empecilhos na definição de classes espistemológicas de
classificação. Bourdieu situa a solução para esse desafio entre dois extremos. De um lado,
há um relativismo nominalista, que anula as diferenças sociais e as reduz a puros artefatos
teóricos, tornando inviável qualquer espécie de classificação para os atores envolvidos nos
processos. Do outro, observa-se um realismo do inteligível, no qual há uma reificação dos
conceitos, e as classes recortadas no espaço social abstrato acabam em totalidades
factuais.
Na dialética marxista da sociedade de classes, a análise das situações de disputa ficaria
sujeita ao filtro de uma “taxonomia”, enquadrando-se no segundo caso (realismo do
inteligível). Bourdieu ainda argumenta que as associações em classes dentro do espaço real
variam de acordo com o objeto e, conseqüentemente, os liames de identidade em torno dos
quais os indivíduos se articulam. Uma disputa da relação capital/trabalho, divisora de
operários e patrões como grupos, não impede que, posteriormente, essas duas categorias
tornem-se uma só, na ocasião de uma crise internacional na qual todos se unam em torno
da pátria como elemento identitário.
Em contrapartida, não se deve incorrer no “relativismo nominalista”, que se desfaz por
completo das taxonomias, resultando em análises não objetivas. Apesar da dinâmica de
classes, por si só, não trazer todas as informações necessárias a uma análise consistente
da sociedade; é preciso se ter ciência de que vivemos em uma sociedade de classes. Como
tal, esta é uma arena de conflitos emergentes da necessidade de superação das
contradições entre capital e trabalho. Portanto, a conflitualidade opera um papel importante
na apreensão de um corpo social.
Pode-se aferir que a análise social, a partir de uma observação dos conflitos em sua
totalidade (atores e objeto de disputa), é capaz de trazer uma leitura ampla e quase “virgem”
das dinâmicas sociais (ETTERN, 2008). Isso seria possível porque o estudo da
conflitualidade é hábil em re-significar os grupos de acordo com os objetos de disputas, sem
“engessá-los” em classificações axiomáticas. A cada diferente conflito, pode-se ler de que
forma coletivos, com distintos graus de homogeneidade e heterogeneidade, se articulam em
torno de um objeto de disputa.
A conflitualidade é objeto de pesquisa das mais diferentes áreas do conhecimento. Um
breve estudo sobre a temática é suficiente para constatar que sua abordagem varia de
acordo com a orientação teórica dos autores que versam a seu respeito. A psicologia tende
a definir o conflito em termo de estados internos adversos; a sociologia o observa a partir do
comportamento humano constatável e, assim, sucessivamente.
Em um esforço para encontrar uma definição abarcadora das mais diferentes perspectivas
sobre o conflito, Bartos & Wehr (2002, p.13) o definem como situação na qual “atores usam
comportamento conflitante uns contra os outros para atingir metas incompatíveis e/ou para
expressar sua hostilidade”. Ainda segundo estes, os conflitos ocorrem, essencialmente, por
três razões: o desejo de redistribuir recursos raros, promulgar papéis incompatíveis, ou fazer
prevalecer valores dissonantes.
No presente trabalho, é dada ênfase às formas pelas quais as diferentes manifestações de
conflitualidade ocorrem no espaço urbano, quando há uma disputa pelos recursos raros da
cidade. A partir de Weber (2003), observa-se a influência das disputas entre os grupos por
tais benefícios nas dinâmicas da cidade, pois quando há um grupo privilegiado, este sempre
lutará para manter sua posição distinta pela subordinação dos demais, menos-favorecidos.
Dentro do espaço urbano, é natural a ocorrência de conflitos. Em qualquer ambiente onde
haja disputa de interesses, a condição de desequilíbrio é autoperpetuável (RAPAPORT,
1980). Argumentar que uma cidade pode se desenvolver sem conflitos seria o mesmo que
dizer: “um ovo pode se equilibrar em pé sem ter a casca quebrada” (Ibid, 1980, p. 20). Na
teoria, tal equilíbrio seria possível, mas na prática não, pois a mínima perturbação faria este
se desfazer de formar gradativa e inexorável.
Como espaço fundado a partir da divisão social do trabalho, é inevitável que a cidade, como
polis, seja uma arena de conflitos, resultantes das contradições entre capital, trabalho e
poder. Aristóteles, em Ética a Nicômaco, conferia ao conflito a condição de elemento
fundador da amizade, e à amizade, por conseguinte, o status de atitude essencial ao
exercício da cidadania. Entrando em conflito, reconhecendo-se em suas diferenças, os
cidadãos estariam prontos a compreender a cidade como lócus de busca constante por
isonomia.
Todavia, a interlocução entre conflito e cidadania parece vir perdendo eco em algumas
teorias urbanísticas recentes. Acadêmicos de grande respaldo como Jordi Borja e Manuel
Castells têm advogado em favor da formação de consensos no processo de gestão das
cidades (BORJA & CASTELLS, 1997). Compreendendo as urbes como as novas
“multinacionais”, tais autores propõem a adoção de gerenciamentos empresariais para as
cidades, tornando-as mais aptas a competir pelos investimentos externos do capital privado.
Vainer (2000) argumenta que, em nome da competitividade, além da compreensão da
cidade como uma “empresa”, essa abordagem também promove a cidade como uma
“mercadoria” (a ser, literalmente, vendida) e uma “pátria” (a ser amada e aceita por todos os
seus cidadãos sob qualquer circunstância). O preço seria a supressão de qualquer
possibilidade de conflito, ou reconhecimento de diferenças inviabilizadoras dos “consensos”
necessários às tomadas de decisão. Adotando o mesmo posicionamento crítico, Sánchez
afirma a respeito da supressão do conflito:
Trata-se de uma luta pela imposição da cidade empresa, junto a uma ideologia que propugna
um “pacto entre os agentes econômicos e sociais para a governabilidade” diante do qual a
politização das questões da cidade é apontada como um “risco ao planejamento estratégico”.
[...] Dentre os caminhos apontados, o pacto entre os agentes e a busca da construção do
consenso são recorrentes, e mostrados como condições para que todos possam se beneficiar
da nova cidade gerencial. (SÁNCHEZ, 2003, p. 366-367).
Desse modo, as tentativas de basear as ações do poder público em pactos “consensuais”
seriam, na verdade, uma manobra articulada por setores ligados ao capital. O objetivo seria
o esvaziamento político da cidade. Seus cidadãos acabam se tornando espectadores de
uma democracia governada e não-governante.
Apesar dessa perspectiva de planejamento ter-se difundido a partir do sucesso (ao menos
do ponto de vista visível) da sua adoção na cidade de Barcelona no início dos anos de 1990,
ela se baseia em princípios gerenciais americanos da década de 1970, assim como
mostrado por Arantes (2000) em uma análise sobre texto de Peter Hall (1995):
Fazendo economia do intermezzo contextualista-culturalizante, Peter Hall dá a entender que a
cidade empreendimento teria nascido das cinzas do consenso keynesiano, por uma espécie de
reviravolta desconcertante, a rigor, sem mediações e sem maiores considerandos. (ARANTES,
2000, p. 20).
Numa crítica aos postulados teóricos que promovem o “pensamento único”, necessário para
fomentar a cidade-empresa, Halebsky (1978) afirma que a Teoria política de Massa e as
teorias contemporâneas de maneira geral são “tendenciosamente conservadoras”.
Insuficientes em sua capacidade crítica e de abrangência na análise de conflitos gerados a
partir da atuação dos diversos movimentos sociais existentes e das várias formas de
manifestação destes. Para o autor, o radicalismo é considerado por essas teorias como uma
evolução anormal, ou desvio, em se constituindo uma reação simplista a passional das
frustrações pessoais dos indivíduos. São, dessa maneira, ignorados os centros das
dissidências e seus participantes “dentro da estrutura de poder e representação, conflitos de
classe, sistemas de hierarquia social e padrões de fidelidade e animosidades históricas”
(HALEBSKY, 1978, p. 17).
Reforça-se, desse modo, a necessidade de novas abordagens capazes de elucidar a
problemática exposta. Um estudo sistemático dos conflitos urbanos pode trazer respostas
sobre como e onde estes se manifestam, que reivindicações, anseios e frustrações deles
emergem, e as maneiras de exposição da desigualdade sócio-espacial desveladas a partir
de sua leitura.
Para fins das análises apresentadas a seguir, conflito urbano é tido como “[...] todo e
qualquer confronto ou litígio relativo à infra-estrutura, serviços ou condições de vida
urbanas, que envolva pelo menos dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o
Estado) e se manifeste no espaço público (vias públicas, justiça, representações frente a
órgãos públicos etc.)” (ETTERN, 2008). São tidos como conflitos urbanos, stricto sensu, as
manifestações ocorridas na cidade e pela cidade. O espaço urbano é palco de diversos tipos
de manifestação, promovidos por atores que lutam por variadas causas. Para este trabalho,
contudo, serão consideradas apenas as situações em que a questão é a melhoria dos
espaços físicos e sociais da urbe.
O estudo da conflitualidade oferece uma ampla gama de leituras sobre as formas de luta,
manifestas no espaço da cidade e reveladoras de suas demandas. Todavia essas
possibilidades devem ser exploradas com um rigor metodológico, calcado em suas
limitações. As correlações entre conflito e políticas estatais, por exemplo, devem ser
debatidas com a inserção de outras variáveis.
Ao construir um quadro dos elementos intervenientes na definição pública dos investimentos
em infra-estrutura da cidade de São Paulo, Marques (2003) demonstra que outros fatores,
além dos padrões de conflito, influenciam na distribuição das riquezas produzidas na cidade.
Na análise dos conflitos urbanos, todos estes demais pontos devem ser levados em conta,
tornando sua leitura seja mais completa. O autor destaca a centralidade do conflito nesse
fenômeno e também reflete sobre a amplitude de sua influência, sob um entendimento no
qual as disputas, “[...] que definem quem serão os beneficiários das políticas, não se dêem
apenas em torno das políticas propriamente ditas, mas também a respeito de visões de
mundo, do Estado e de suas políticas.” (MARQUES, 2003, p. 99).
Além do conflito, o referido autor enumera mais quatro outros fatores determinantes nas
políticas de investimento: o nexo eleitoral, baseado na perspectiva de retorno “nas urnas”
das obras realizadas; a “causação” – pressão das elites para que as ações na área de infra-
estrutura se voltem para as localidades onde estas moram; as clivagens ideológicas dos
governantes, caracterizadas a partir das representações partidárias dos representantes
institucionais; e os padrões de vínculo entre o Estado e o ambiente circundante,
configurado, sobretudo, na influência dos interesses do setor privado (principalmente das
áreas ligadas à construção civil) na determinação do alocamento de recursos.
Os conflitos urbanos, em si, trazem uma leitura ampla das dinâmicas da cidade, mas que
precisa ser inserida num contexto juntamente com estes outros condicionantes. Mais
adiante, este trabalho descreve experiências que buscaram tal inserção.
3. O Observatórios como ferramenta de leitura das cidades
No planejamento da cidade, é importante o conhecimento de sua realidade, problemas e
potencialidades existentes, possibilitando o apontamento de possíveis soluções (IPEA,
2001). Quanto mais bem subsidiado de informações for o processo de planejar, mais
consistentes serão suas propostas. Avaliar a dimensão dos problemas e as inter-relações
existentes entre a produção da sociedade e o espaço, proporciona a construção de políticas
públicas mais bem fundamentadas (ALENCAR & SOUZA, 2008). Para conhecer aspectos
urbanos de caráter físico ou socioeconômico – e a partir dessas informações, planejar e
apontar prioridades em políticas públicas – é necessário inter-relacionar variáveis diversas e
reconhecer suas localizações geográficas com base em dados espaciais. Há então
necessidade de buscar um método que responda eficazmente e rapidamente, de forma
analítica (ALENCAR, 2007).
A representação por meio de modelos possibilita imitar ou reproduzir o mundo real, tornando
a informação instrumento para tomada de decisão (MEIRELLES, 1997). A análise de dados
espaciais é: [1] a extração de informações úteis dos dados distribuídos no espaço; [2] é o
processo de busca de padrões e associações em mapas, auxiliando a caracterização, o
entendimento e a predição de fenômenos espaciais. O dado passa a ser informação quando
ele é tratado, de modo a permitir estabelecer relações e realizar análises (Ibid).
Dentro desse contexto, o observatório se caracteriza por ser uma ferramenta coletora de
dados primários e secundários ao longo do tempo, formando uma base de informações
capaz de agrupá-las de forma espacial, temporal e estatística. Essa permuta de
agrupamentos dá ao pesquisador a possibilidade de construir leituras trans-escalares, a
partir da alternância e concomitância das variáveis adotadas. Atualmente, os observatórios
têm a tendência de socializar seu banco de dados por diferentes formas, destacando-se a
internet.
No Brasil, os observatórios vêm sendo utilizados como ferramenta de análise na área de
ciências sociais aplicadas, sobretudo em estudos relativos às dinâmicas urbanas. Além do
Observatório de Conflitos Urbanos (detalhado no item a seguir), pode-se citar como alguns
destaques: o Observatório das Metrópoles, o Observatório Imobiliário e de Políticas do Solo
(OIPSOLO), e o Observatório Internacional do Direito à Cidade (OIDC).
O Observatório das Metrópoles caracteriza-se por atuar sob a forma de uma rede em que se
articulam pesquisadores de diversas áreas de atuação: acadêmica, governamental e não
governamental. Seu principal objetivo é identificar tendências convergentes e divergentes
entre as metrópoles, geradas pelos efeitos das transformações econômicas, institucionais,
tecnológicas e sociais vivenciadas pelo Brasil nos últimos 20 anos. Para tal, este
Observatório divide suas áreas de pesquisa em quatro linhas de atuação: Metropolização,
dinâmicas intrametropolitanas e o Território Nacional; Dimensão sócio-espacial da
Exclusão/Integração nas metrópoles; Governança Urbana, Cidadania e Gestão das
Metrópoles; e Monitoramento da realidade metropolitana e desenvolvimento institucional.
O Observatório Imobiliário e de Políticas do Solo (OIPSOLO) objetiva apreender o volume
das transações de compra e venda de imóveis em favelas, tendo em vista os estoques
imobiliários locais. Desse modo, almeja-se compreender quais opções de moradia são mais
disputadas no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, bem como os motivos que levam aos
indivíduos a terem suas preferências (ABRAMO, 2005). O estudo feito pelo OIPSOLO com
comunidades cariocas integra um projeto ainda maior, incluindo outras sete cidades
brasileiras -- São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis, Salvador, Recife, Belém e Brasília -- e
cinco cidades latino-americanas -- Buenos Aires (Argentina), Bogotá (Colômbia), Caracas
(Venezuela), Lima (Peru) e Cidade do México.
O Observatório Internacional do Direito à Cidade (OIDC) é resultado da parceria entre a
Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG) e a agência
francesa Coordination SUD. Sua finalidade é promover a observação e o registro das
práticas sociais de implantação ou de reivindicação do direito à cidade, realizadas pelos
movimentos populares, organizações, fóruns e redes, tais como: o acesso à moradia, a
regularização das ocupações urbanas de grupos sociais, a gestão democrática da cidade, a
proteção dos direitos culturais, entre outros. Por meio desses registros, o OIDC espera
promover trocas de experiências entre organizações, movimentos populares, fóruns e redes
de cidadania existentes no Brasil e na França sobre questões sociais (SAULE JÚNIOR et
al., 2006).
A partir dos exemplos mencionados, nota-se parte da gama de possibilidades oferecidas
pelos observatórios no auxílio à sistematização de dados sobre as cidades. O Observatório
de Conflitos Urbanos, objeto de reflexão do presente trabalho, busca trazer contribuições,
por meio de leituras espaciais e estatísticas da conflitualidade urbana. Seus aspectos
metodológicos e suas possibilidades serão mais bem-detalhados no item a seguir.
4. O Observatório dos Conflitos Urbanos
4.1 Apresentação e Histórico
O Observatório dos Conflitos Urbanos foi criado na Cidade do Rio de Janeiro-RJ, no ano de
2004, pelo Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (ETTERN/IPPUR-UFRJ), a partir de um convênio com a
Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CAU/CMRJ). Em
2006, o observatório foi ampliado, passando a receber registros da cidade de Maceió-AL,
realizados pelo Grupo de Estudos de Problemas Urbanos (GEPUR-UFAL). Atualmente,
estão sendo estruturados Observatórios nas seguintes cidades: Belo Horizonte, Santiago
(Chile), Medellín (Colômbia) e La Paz (Bolívia). Em breve será possível acessar os
Observatórios e Mapas de Conflitos de todas estas urbes
O Objetivo do Observatório Permanente dos Conflitos Urbanos é registrar, sistematizar,
classificar e prover informações sobre lutas urbanas, movimentos sociais e as múltiplas e
diversas manifestações da conflitualidade nas cidades, por intermédio de uma base de
dados ‘geo-referenciada’ disponibilizada ‘on line’. Além de atuar como fonte de pesquisa
para os estudiosos da cidade, a ferramenta visa a oferecer subsídios para a formulação de
políticas urbanas, tanto para agências estatais quanto para outros atores urbanos relevantes
— organizações não-governamentais de tipos diversos (ETTERN, 2008).
4.2 Metodologia adotada
Dois tipos de fontes foram adotados na pesquisa: jornais de grande circulação e consultas
aos inquéritos e ações instaurados no Ministério Público (MP). É reconhecido que a
utilização dessas fontes traz tanto potencialidades quanto limites, estes últimos relacionados
ao seu caráter seletivo.
Ao longo da elaboração da pesquisa, foi verificada como principal limitação do MP o fato de
que as classes mais pobres dificilmente o acionam. Foi constatada uma predominância de
ações advindas de áreas de classe média e alta; estas o procuraram ao sentirem seus
direitos atingidos (CÂMARA, 2006). É possível aferir a hipóteses de que os grupos de maior
renda estão mais propensos a possuir um conhecimento prévio das formas de acionamento
do MP, havendo uma correlação positiva entre renda e ciência das possibilidades de se
recorrer à justiça.
Todavia, a utilização do MP é necessária por este ser um canal de expressão da sociedade,
ainda que ainda não acessível a todas as camadas da população. Em um conflito urbano o
MP pode atuar na defesa dos direitos do coletivo mobilizado, pressionando os setores do
Estado descumpridores da Lei (Ibid, 2006).
As limitações tornam-se mais delicadas no caso da utilização dos jornais de grande
circulação. Bourdieu (2006) alerta para as formas pelas quais os meios de comunicação em
massa tendem a representar os interesses das classes dominantes. Pela leitura dos jornais
adotados, observou-se que, em muitos casos, os centros de dissidências são reportados
como fruto de frustrações de grupos específicos, sem a existência de uma abordagem das
contradições sociais que levaram o coletivo a se mobilizar.
Constatadas as limitações, o uso de jornais se justifica por meio da sistematicidade pela
qual estes veículos noticiam uma parcela representativa dos conflitos insurgentes na cidade.
Também é perceptível que muitos jornais atuam como uma forma de divulgação dos
coletivos mobilizados, pois em muitos casos os atores envolvidos procuram a mídia
impressa com o objetivo de dar maior notoriedade à sua causa (CÂMARA, 2006).
É importante destacar o reconhecimento das limitações das fontes. A escolha destas se
fundamentou no possível caráter sistemático de suas leituras. Não houve a pretensão de se
realizar o mapeamento de todos os conflitos urbanos, mas de apontar tendências gerais
sobre a diversidade de situações, compreendendo a urbe como “palco” de conflitualidade.
Tomando o conceito de conflitos urbanos apresentado anteriormente, as situações aqui
apresentadas tiveram como objeto de disputa as seguintes reivindicações: direito à energia
e ao gás; direito ao transporte, trânsito e à circulação; direito à saúde; direito à educação;
direito à infra-estrutura de comunicação; direito ao acesso e uso do espaço público; direito à
coleta de lixo e resíduos; direito à água; aos serviços de esgoto e drenagem; direito à
moradia; direito à legislação urbana; direito à segurança.
O estudo da conflitualidade urbana também serve como importante fonte de dados sobre as
formas de manifestação. Essas informações foram obtidas pela utilização da variável
referente às formas de luta, que podem ser: paralisação e/ou greve; manifestação em praça
pública; fechamento de vias; judicial; passeatas; abaixo-assinados; ocupação de prédios ou
terrenos; denúncia pública via meio de comunicação de massa; denúncia pública via
Ministério Público de Alagoas.
A partir de tais premissas, o estudo registrou, sistematizou, classificou e proveu informações
sobre embates urbanos, movimentos sociais e as diversas manifestações de conflitos.
No caso de Maceió, as informações foram tabuladas no programa Statistical Package For
Social Science (SPSS), tornando possível a realização de análises a partir de distribuição de
freqüência, tabulação cruzada, correlação entre variáveis e regressão múltipla.
Os dados coletados são enviados para o banco de informações da página virtual, gerido por
pesquisadores do ETTERN. O grupo do Rio de Janeiro tem sido o responsável pela gestão
da página na internet, assim como da definição das taxonomias adotadas na inserção dos
dados.
4.3 Como funciona o Observatório de Conflitos Urbanos2
A pesquisa no Observatório possibilita a geração de gráficos e mapas a partir da aplicação
de quatro tipos de filtros (ver Figura 1). Cada filtro está relacionado com uma classificação
dada ao conflito: objeto de disputa, forma de manifestação, agente mobilizado (autor da
reivindicação) e agente reclamado (instituição a quem está sendo direcionada a
mobilização). Além disso, pode-se determinar o período em que se deseja observar os
conflitos. É possível, também, fazer buscas por palavras-chave, viabilizando a pesquisa de
eventos específicos.
Figura 1 - Filtros para pesquisa de conflitos (fonte: www.observaconflitos.ippur.ufrj.br).
Os filtros podem ser aplicados simultaneamente ou de maneira isolada. Assim, possibilita-
se, por exemplo, a apresentação dos registros de conflitos por segurança (objeto de
disputa), manifestados em praça pública (forma de manifestação), promovido por uma
associação de moradores (agente mobilizado), visando a chamar a atenção do Governo
Estadual (agente reclamado).
Os resultados das pesquisas podem ser apresentados, tanto em mapas temáticos das
cidades e gráficos, quanto agrupados em tabelas. Os mapas, além de pontuarem a
localização dos conflitos, por bairros, identificam as freqüências desses em suas legendas.
As circunferências em diferentes tonalidades indicam as freqüências de eventos. Quanto
mais escuras as circunferências, mais ocorrências foram registradas no bairro pontuado
(Figura 2).
Figura 2 - Mapa de Maceió gerado a partir do observatório (fonte: www.observaconflitos.ippur.ufrj.br).
Na página virtual, ao se passar o cursor sobre cada circunferência, é possível ver o número
de conflitos ocorridos na localidade.
Acessando a circunferência com um clique, abre-se uma janela, onde há um quadro com as
características da ocorrência (ver figura 3).
Figura 3 - Exemplo de quadro descritivo de conflito, gerado a partir do Observatório (fonte: www.observaconflitos.ippur.ufrj.br).
Na visualização em tabela, a página oferece a opção de agrupar os eventos por: local de
ocorrência, agente mobilizado, agente reclamado, instituição, grupo que apoiou a
manifestação, ou fonte(s) do dado. Na tabela gerada, constará uma ficha com as
características dos conflitos (Figura 4).
Figura 4 – Tabela com ficha das características do conflito (fonte: www.observaconflitos.ippur.ufrj.br).
A partir dos recursos acima demonstrados, o Observatório Permanente dos Conflitos
Urbanos espera possibilitar o livre acesso às informações referentes às lutas por melhoria
da cidade. Pela associação entre as formas de ação, os autores envolvidos e as causas do
embate, demarcados espacialmente no mapa das cidades, a ferramenta traz leituras sobre
quais são as demandas mais prementes, sob quais formas a sociedade tem-se organizado
para reivindicá-las, e de que maneira ela tem atuado para chamar a atenção para suas
causas.
5. Análises já realizadas a partir dos dados gerados pelo Observatório
Alguns trabalhos já foram realizados a partir dos dados os Observatórios do Rio de Janeiro
e Maceió. Neste item, destacaremos dois deles para exemplificar as possibilidades de
análise, a partir dos dados oferecidos pelo observatório.
Na análise de Alcântara (2006), a utilização do Observatório deu subsídios para a
sustentação da hipótese de que haveria um padrão de conflitualidade, relativa aos protestos
contra crimes violentos, na cidade do Rio de Janeiro. As recorrências observadas pelo autor
levaram-no a constatar um duplo padrão de reações, que variava de acordo com o local
onde o crime violento havia ocorrido: “a favela” ou “o asfalto”.
Dentre outros aspectos, observou-se: enquanto na favela o conflito ocorria logo após o
acontecimento da violência, no “asfalto” havia um período entre o ocorrido e a manifestação;
a maioria das mobilizações contra a violência ocorridas na favela foi voltada contra a ação
do aparelho policial, enquanto que, no “asfalto”, o centro da dissidência estava na violência
criminal (Tabela 1).
Tabela 1 - Conflitos em torno da Segurança Pública segundo a motivação na cidade do Rio de Janeiro - 1993-2003 (Fonte: Alcântara, 2006)
Com base nos dados obtidos (observar na Tabela 1 a fração significante de protestos
ocorridos na favela contra a ação violenta da polícia), Alcântara afere que o aparato policial
tem sido usado pelo Estado como um mecanismo de controle social, pela criminalização do
morador da favela. Destaca-se também que “as diferenças espaciais entre os conflitos
urbanos da cidade, favela e asfalto, são, em realidade, diferenças sociais, que evidenciam
diferentes níveis de mobilidade social e de controle espacial e político.” (p. 86).
Em Brandão et al. (2008), foi realizado um estudo sobre a atuação dos movimentos sociais
nos conflitos urbanos na cidade de Maceió, analisando quem são os agentes atuantes nos
embates, onde está o centro das dissidências e qual o grau de abrangência das
reivindicações. O trabalho utilizou os dados do Observatório com o intuito de desvelar qual o
papel dos movimentos sociais na luta por melhorias do espaço urbano da capital alagoana.
Para a análise em questão, foram determinadas duas classificações para o coletivo
mobilizado, mencionado nas fontes pesquisadas: agentes organizados perenes e agentes
organizados intermitentes. Foram considerados como “organizados perenes” aqueles que se
formaram, não - necessariamente em virtude do objeto específico da mobilização e que, em
princípio, continuarão atuando após a resolução das demandas, tais como: as Associações
de Moradores, Sindicatos ou Associações Profissionais, Movimentos de Moradia e ONGs.
Os demais agentes, reunidos em razão de uma demanda imediata, foram tidos como
“organizados intermitentes”.
A partir de tais procedimentos, foi construído o seguinte quadro sinótico:
Tabela 2 - Distribuição dos conflitos de acordo com as formas de organização
Com os dados levantados, constatou-se uma baixa atuação dos movimentos sociais
organizados de forma perene, se comparados com os demais agentes. O resultado apontou
para uma baixa atuação de movimentos sociais de caráter mais duradouro na cidade: nos
conflitos urbanos em Maceió.
6. Considerações finais
O conflito, como corte epistemológico, pode desempenhar um papel importante no sentido
de dar respostas à problemática colocada por Bourdieu (2006) quanto à análise da
sociedade de classes. Por meio do estudo da conflitualidade, tem sido possível
compreender mais consistentemente a forma pela qual os diferentes grupos sociais se
articulam na busca por melhorias no espaço onde vivem. Tanto em Alcântara (2006), quanto
em Brandão et al. (2008), observou-se o suporte dado pela abordagem dos conflitos
urbanos para pesquisas sobre a violência urbana no Rio de Janeiro e a atuação dos
movimentos sociais em Maceió.
Os dados coletados apontam uma tendência, alertando o poder público e os interessados
em investigar os motivos dos números registrados. Os indicadores mostrados no trabalho
não substituem o conhecimento aprofundado dos fenômenos estudados, mas servem como
ferramenta para o monitoramento destes.
Na realização destes dois trabalhos, a página virtual do Observatório Permanente de
Conflitos Urbanos prestou auxílio. Os recursos de geração de mapas; tabelas e gráficos;
pelo cruzamento de variáveis, contidas na ferramenta, viabilizaram análises numéricas dos
objetos de estudo adotado. De posse das informações obtidas na página virtual, os estudos
puderam ser complementados com outras fontes, possibilitando análises mais substanciais.
Espera-se que a página virtual torne-se, também, uma ferramenta de auxílio na tomada de
decisões por parte dos órgãos públicos de gestão, de modo que, pela espacialização dos
conflitos, sejam observadas as tendências de demandas sociais mais prementes. No caso
do Rio de Janeiro isso já vem ocorrendo, por meio da interlocução dos pesquisadores com a
Câmara Municipal de Vereadores. Em Maceió, os primeiros contatos para que isso ocorra
vêm sendo realizados.
7. Conclusão
A experiência descrita tem sido válida, pela possibilidade por ela ofertada de uma leitura
sobre os conflitos e demandas da cidade.
O conflito urbano, como corte epistemológico, pode auxiliar no entendimento da dinâmica
das lutas por bens escassos na cidade, em virtude da possibilidade por ele oferecida de re-
significar as taxonomias dos grupos envolvidos, de acordo com o objeto em disputa.
Quando associado a outras fontes de pesquisa, o Observatório de Conflitos Urbanos pode
desempenhar um papel importante no sentido de apontar tendências sobre as demandas e
padrões de conflitualidade na urbe.
É interessante que a iniciativa seja reaplicada a outras Instituições de Ensino Superior,
formando uma rede de observatórios, e viabilizando análises comparativas entre as cidades.
Notas:
1 – Ainda que a base marxista permeie os trabalhos de Lefebvre, Santos e Harvey como um
todo, vale destacar aqui textos onde as idéias de Marx são debatidas com maior ênfase por
esses autores. Em “A Revolução Urbana”, Lefebvre reflete sobre os caminhos tomados pela
sociedade industrial, em seu curso rumo à transformação em sociedade urbana. O conceito
de “urbano”, formulado pelo autor, é tido não como uma realização efetiva, mas como uma
possibilidade, um devir – restituindo o pensamento dialético em sua plenitude. Em “A
totalidade do diabo”, Milton Santos descreve sua experiência na Tanzânia, entre 1974 e
1976, período quando se instituía no país o modelo político conhecido como “Socialismo
Africano”. No ensaio, Santos demonstra como a matriz capitalista de produção se enraíza no
espaço, de modo que os modelos que tentam superá-la têm dificuldades em promover
mudanças nas estruturas sociais. Já em “A Produção Capitalista do Espaço”, temos uma
coleção de trabalhos de David Harvey que debatem o caráter espacial da teoria de
acumulação marxista.
2 – Esta sessão, com as informações referentes ao funcionamento da página virtual, foi
elaborada a partir da descrição contida no próprio site do Observatório, no link “Como
Pesquisar?”.
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