UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
“O Meio Ambiente no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Salvador – Ba”
EDUARDO OLIVEIRA PENNA DE CARVALHO
Orientadora: Professora Maria Esther de Araújo
Co-orientadora: Professora Giselle Böger Brand
Salvador
2014
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
“O Meio Ambiente no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Salvador – Ba”
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Gestão ambiental.
Por: Eduardo Oliveira Penna de Carvalho
RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo responder ao seguinte problema:
De que forma a questão ambiental é tratada no Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU)? Como hipótese para a
resposta desse problema foi estabelecido que a questão ambiental é tratada
no PDDU de maneira superficial, sem que sejam estabelecidos instrumentos
legais realmente capazes de gerar, na prática, uma realidade ambiental
saudável.Como forma de viabilizar o estudo proposto foi feita uma delimitação
amostral de quatro áreas do município que foram estudadas mais
detalhadamente: os espaços territoriais especialmente protegidos; o eixo de
expansão, ao longo da Avenida Paralela, com a tensa relação entre interesses
de conservação ambiental e expansão imobiliária; o bairro da Pituba, como
exemplo de atuação do poder público em uma zona privilegiada da cidade; e
as áreas de encostas nos bairros populares, como contraposição à Pituba,
como exemplo de atuação do poder público em uma zona não privilegiada da
cidade.A partir dessas áreas foram feitas comparações entre os elementos
encontrados no texto do PDDU e a realidade do município. Foram essas
comparações que permitiram que fosse possível concluir que o texto legal
estava fragilizado pela falta de articulação da questão ambiental com a
totalidade da dinâmica municipal. Ficou claro, também, que o Poder Público
ainda se mostra incapaz de garantir o mínimo no que se refere á questão
ambiental, que seria assegurar pelo menos que o que já está previsto no
PDDU seja aplicado em toda sua totalidade na cidade.
METODOLOGIA
Esse estudo foi feito por meio da comparação entre o texto do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade do município. Como forma de tornar a pesquisa mais prática e eficiente, se estabeleceu uma delimitação na abrangência da pesquisa, utilizando quatro áreas como amostra, dando especial a atenção às áreas especialmente protegidas. O Método hipotético-dedutivo, elaborado pelo filósofo austríaco Karl Popper, serviu de base para a pesquisa e para isso o estudo buscou responder ao seu problema por meio da análise de hipóteses previamente estabelecidas. Para a coleta de dados foram feitas visitas de campo para observação da realidade local, consultas à órgãos municipais e estaduais e entrevista com moradores e especialistas. Como fonte bibliográfica foram utilizados textos referentes à Gestão Ambiental e, também à área de Direito Ambiental. Como exemplo desse referencial bibliográfico podem-se citar os livros de Mari Elizabete Seiffert, “Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental” e “Direito Ambiental Brasileiro” de Paulo Afonso Leme Machado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - O Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador
1.1. Descrição
1.2. Metodologia
CAPÍTULO II - A realidade da questão ambiental em Salvador
CAPÍTULO III - Uma análise comparativa entre o previsto no Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade da questão ambiental na cidade
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
A presente monografia, que tem como tema “O Meio Ambiente no
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (BA)”, buscará
responder ao seguinte problema: De que forma a questão ambiental é tratada
no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador?
Como hipótese para a resposta desse problema pode-se estabelecer
que a questão ambiental é tratada no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Salvador (PDDU) de maneira superficial, sem que sejam
estabelecidos instrumentos legais realmente capazes de gerar, na prática, uma
realidade ambiental saudável.
O estudo dessa questão se mostra relevante a partir do momento
em que se entende que, na busca pela garantia do Meio Ambiente
ecologicamente equilibrado, é de fundamental importância que se considere
alguns elementos que interferem na construção da dinâmica socioambiental.
Dentre esses elementos, as bases legais que regem uma localidade
– seja ela um país, um Estado ou mesmo um município – influenciam de forma
direta a maneira como a sociedade poderá se relacionar com o meio ambiente.
Através das leis, limites de atuação são estabelecidos. Assim, é impossível se
estudar a dinâmica ambiental de forma completa e eficiente sem se considerar
os textos legais que atuam em dada região.
Partindo desse pressuposto, e utilizando o município de Salvador
como escala de estudo, observa-se que o Plano de Desenvolvimento Urbano
da capital baiana, que estabelece as formas de uso do espaço urbano
municipal, pode servir como eficiente recorte amostral para que se melhor
entenda de que maneira os parâmetros legais estão influenciando na
construção da realidade ambiental.
Diante desse quadro, podem-se estabelecer os objetivos do
presente estudo, tomando-se o cuidado de se separar qual o seu objetivo geral
e quais os objetivos específicos.
É objetivo geral desta monografia estudar a influência do Plano de
Desenvolvimento Urbano de Salvador na construção da dinâmica ambiental do
município. Isto é, entender qual o papel do Plano e qual seu real impacto na
cidade. A partir desse objetivo geral é possível, ainda, delimitar alguns
objetivos específicos, que podem ajudar no processo de entendimento de
detalhes da dinâmica estudada.
Sendo assim, o primeiro objetivo específico é verificar se o texto do
PDDU está harmonizado com os paradigmas mais atuais dentro das teorias
que regem a questão ambiental. A discussão sobre as melhores formas de se
garantir o meio ambiente saudável sem comprometer o desenvolvimento é uma
discussão que envolve muitas opiniões e interesses conflitantes. E, ao longo
dos anos, as bases teóricas vêm evoluindo a partir dessas discussões e
conflitos, de forma acelerada. Então, um texto legal que aborde a questão
ambiental deve estar atento a essas constantes evoluções. Daí a importância
desse primeiro objetivo específico. Sobre essa evolução paradigmática o
Jornalista André Trigueiro, especializado em Jornalismo Ambiental afirma:
Quando se fala em crise ambiental, culpa-se com frequência os atuais meios de produção e consumo pela destruição sem precedentes dos recursos naturais do planeta. O diagnóstico é correto, mas incompleto. Nossa visão fragmentada da realidade nos precipita na direção do abismo existencial, onde as coisas carecem de sentido, a soma das partes não explica o todo, e a ciência não cumpre a promessa de resolver os grandes problemas da humanidade (TRIGUEIRO, 2004, p. 108).
É interessante notar que essa visão holística ressaltada por Trigueiro
há quase uma década, apesar de consolidada no meio acadêmico, ainda não
ingressou em plenitude nos textos e ações governamentais que parecem
sempre se organizar com certo atraso em relação aos pensamentos mais
modernos. Assim, é importante observar em que grau se dá a relação das
bases teóricas utilizadas na formulação do PDDU com o avanço do
pensamento do estudo ambiental como um todo.
Analisando a realidade municipal, entra-se no segundo objetivo
específico, que é o de se verificar em que grau o que está estabelecido no
PDDU está sendo devidamente aplicado no cotidiano do município. Dentro do
que está previsto no PDDU é necessário entender qual o seu alcance efetivo.
Afinal, é possível que, mesmo havendo previsões legais, irregularidades que
comprometam o meio ambiente estejam acontecendo de forma reiterada no
município.
Por fim, o terceiro objetivo específico pretende verificar se, no corpo
do PDDU, as questões ambientais estão bem articuladas com as demais áreas
do planejamento urbano. Isso é interessante de ser estudado, já que a questão
ambiental não pode ser tratada de forma isolada, uma vez que ela interage
com todas as outras esferas.
Então, para que seja possível que se estabeleça formas de atuação
realmente eficazes, é primordial que sejam estabelecidas conexões entre a
questão ambiental e os demais temas abordados no PDDU. Caso contrário, a
questão ambiental só poderá ser abordada de forma paliativa, sem a devida
força para promover alterações substanciais na realidade urbana e sem
possibilidade de se construir uma relação sadia entre a população e o espaço
urbano.
Para realizar o estudo, essa monografia apresenta três capítulos. No
primeiro será feita uma análise direta do Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Salvador. Esse capítulo terá o objetivo de observar os detalhes do
PDDU, sua organização, o espaço destinado ao meio ambiente e seu viés
ideológico. É a partir dessa análise que será possível entender de que forma o
Plano Diretor se adéqua aos paradigmas teóricos ambientais e, também, como
as medidas previstas por ela são aplicadas no caso concreto no cotidiano de
Salvador.
No capítulo dois será feito um estudo da realidade da questão
ambiental na capital baiana. Diante da complexidade e enorme dimensão da
cidade de Salvador, será feito um recorte amostral.
Dessa forma, quatro ambientes serão estudados, de forma
pormenorizada, para servirem de amostra, são eles: os espaços territoriais
especialmente protegidos; o eixo de expansão, ao longo da Avenida Paralela,
com a tensa relação entre interesses de conservação ambiental e expansão
imobiliária; o bairro da Pituba, como exemplo de atuação do poder público em
uma zona privilegiada da cidade; e as áreas de encostas nos bairros populares,
como contraposição à Pituba, como exemplo de atuação do poder público em
uma zona não privilegiada da cidade.
Finalmente, no capítulo três será feita uma análise comparativa entre
o previsto no Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade da
questão ambiental na cidade Salvador. É nesse capítulo que se pretende, de
fato, entender o alcance do PDDU na construção da dinâmica urbana, por meio
da confrontação entre o previsto no texto legal e a realidade da cidade.
CAPÍTULO I - O Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador
1.1. Descrição
Para se iniciar a análise dessa monografia é importante que, em
primeiro lugar, esteja claro o significado do nosso objeto de estudo. Para
esclarecer o que significa um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, é
possível se basear na definição oficial criada após a aprovação da Lei 10.257
de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamenta o Capítulo
“Política Urbana” da Constituição Federal. A Lei define o Plano Diretor como
sendo “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana”.
Segundo a publicação Estatuto da Cidade: guia para implementação
pelos municípios e cidadãos, da Câmara dos Deputados, o Plano Diretor pode
ser definido como: “[...] um conjunto de princípios e regras orientadoras da
ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano” (BRASIL, 2002,
p. 40).
O urbanista Fábio Duarte, em seu livro intitulado Planejamento
Urbano, ressalta a importância desse aporte legal, surgido principalmente a
partir da Constituição de 1988 e, posteriormente, com a aprovação do Estatuto
da Cidade, para a evolução do planejamento urbano no Brasil.
O autor afirma que os Planos Diretores são os principais
instrumentos para a implementação efetiva do Planejamento Urbano. Ele
destaca ainda a importância de se garantir que o Poder Público assegure que
os interesses coletivos sejam respeitados. E sobre a mediação desses
interesses afirma:
Os interesses da administração pública e dos agentes privados são opostos em seus fundamentos. Enquanto a administração pública deve procurar uma distribuição socialmente equilibrada de oportunidades e de resultados, os agentes provados podem correr riscos quando buscam oportunidades (individualizadas) para aumentar seus lucros, pois esses servem de medida para o sucesso dos empreendimentos. Nem por isso, o público e o privado têm que de atuar como antagonistas (DUARTE, 2007, p. 47).
Esses aspectos levantados por Fábio Duarte relembram o destaque
que os Planos Diretores devem assumir dentro da elaboração de caminhos
apara a construção de cidades saudáveis. O autor relembra, ainda, a
importância desse planejamento para a garantia da valorização da função do
meio ambiente no espaço urbano.
Para o enfoque dessa monografia, é importante perceber que a
maior parte das leis que tratam da questão urbana no nosso país faz forte
referência ao meio ambiente. Já no primeiro artigo da Lei 10.257, há uma
referência ao equilíbrio ambiental, como sendo um dos objetivos a serem
regulados por esse instrumento legal. E, ainda, no artigo segundo, que aponta
as diretrizes a serem respeitadas, é prevista a “proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural,
histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”.
Assim, fica claro que os Planos Diretores são instrumentos de
planejamento público devem guiar toda a gestão dos municípios, em busca de
qualidade urbana. Apesar das peculiaridades que os Planos Diretores
precisarão respeitar para se adequarem às realidades de cada município, o
Estatuto da Cidade prevê uma formatação que deverá ser comum a todos.
Um dos pontos de maior impacto para os municípios foi a imposição
da obrigatoriedade da elaboração do Plano Diretor em alguns casos. O artigo
41 da Lei 10.257 afirma que o Plano Diretor é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. (SALVADOR, 2008, p. 15).
Dessa forma, Salvador, com seus mais de 2.800.00 habitantes, por força
legal, aprovou o seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, em 2008. Essa
aprovação ocorreu cercada de muita polêmica e controvérsia. Além das
discussões promovidas após a aprovação da lei em 2008, as contestações
referentes ao teor do PDDU prosseguiram e se fortaleceram em 2011, quando
o Plano Diretor foi revisto.
Em 14 de outubro de 2013 o Ministério Público da Bahia declarou a
inconstitucionalidade da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo
(Louos) e a lei que reviu o PDDU, aprovadas em 2011 pela Câmara Municipal
de Salvador.
Uma das principais razões que levou a justiça a considerar
inconstitucional a revisão foi o fato de não ter sido observada a garantia de
ampla participação popular.
Como prevê o Estatuto da Cidade, as diretrizes das políticas urbanas
que norteiam a elaboração dos Planos Diretores devem promover:
[...] a gestão democrática por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano (BRASIL, 2002).
É interessante observar que durante o julgamento diversas
entidades estiveram presentes a fim de fazer prevalecer os seus interesses. As
principais foram a Federação das Associações e Bairros de Salvador, o
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-BA), o Sindicato dos
Arquitetos da Bahia, a Sociedade Brasileira de Urbanismo e o Conselho de
Arquitetura e Urbanismo. Essas instituições são contra a aprovação do texto do
PDDU, por acreditarem que ele prejudicaria a população, inclusive no que se
refere às questões ambientais, e beneficiaria apenas um pequeno setor,
notadamente os agentes imobiliários.
Por outro lado, também estiveram presentes no julgamento a Ordem
dos Advogados do Brasil, seccional Bahia (OAB-BA), e a Associação das
Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi), que são favoráveis ao
PDDU e se aliam aos interesses do mercado imobiliário que pretende expandir
suas possibilidades de atuação.
Esse tipo de situação, de conflito de interesses, é muito natural, uma
vez que um instrumento com o poder de um Plano Diretor é capaz de promover
mudanças extremamente significativas no espaço urbano e a abertura dessas
possibilidades de mudanças interessa a diversos atores envolvidos na
dinâmica urbana, e cada um desses atores pode possuir interesses conflitantes
entre si.
Sobre a consolidação dessa dinâmica nas cidades, o geógrafo
Roberto Lobato Correa, no seu livro O Espaço Urbano, aponta os agentes
sociais que atuam na configuração do espaço urbano. São eles: a) Os
proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; b) Os
proprietários fundiários; c) Os promotores imobiliários; d) O Estado; e) Os
grupos sociais excluídos.
Sobre a atuação do Estado, que utiliza de instrumentos legais, como
os Planos Diretores, Corrêa afirma:
O Estado atua também na organização espacial da cidade. Sua atuação tem sido complexa e variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a dinâmica da sociedade da qual é parte constituinte. O Estado dispõe de um conjunto de instrumentos que pode empregar em relação ao espaço urbano (CORRÊA, 2000, p. 123).
Dentre os instrumentos apontados por Corrêa que o Estado dispõe e
que atuam na construção do espaço urbano, alguns estão inseridos no PDDU.
Como: controle de limitação dos preços das terras; limitação da superfície da
terra de que cada um pode se apropriar; impostos fundiários e imobiliários que
podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da terra e localização; e a
taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço
urbano.
Entre cada um dos agentes apontados por Correa, podem existir
interesses comuns, mas, também, pode haver interesses divergentes. No caso
brasileiro, essa diferença de interesses acontece principalmente entre os
grupos sociais excluídos e os outros agentes, uma vez que os demais estão,
normalmente, intimamente articulados.
Dessa maneira, a aprovação de um instrumento legal capaz de
modificar as formas de uso e ocupação do solo urbano, como foi o caso do
PDDU de Salvador, instiga os agentes envolvidos nessa dinâmica a procurar
garantir que seus interesses não sejam prejudicados com o novo ordenamento
jurídico. Daí surge a origem das polêmicas vistas quando da aprovação e da
posterior revisão do PDDU soteropolitano.
Um dos pontos mais polêmicos do Plano Diretor é o gabarito que
regula a altura permitida para construção. O setor imobiliário e hoteleiro tinha
forte interesse no aumento do gabarito — que permitiria a ampliação da oferta
de imóveis e leitos hoteleiros.
Por outro lado, setores da sociedade civil apontam vários problemas
que poderiam se originar a partir da intensificação da verticalização em alguns
pontos da cidade, principalmente na orla e em áreas que possuem imóveis
tombados como patrimônio histórico.
Outro ponto que gerou forte repercussão e desagrado, e que se
relaciona diretamente com nosso estudo, foi a permissão de supressão de
parcela de área verde remanescente na região da Avenida Luis Viana,
popularmente conhecida como Avenida Paralela, que, no plano diretor, foi
enquadrada como novo polo de expansão urbana do município. Essa medida
pareceu ignorar o importante papel ecológico que essa área verde exerce na
dinâmica natural de Salvador.
Ao longo da história, foi comum que cidades se desenvolvessem e
crescessem sem maiores preocupação com os fatores ecológicos. Em muitos
casos, os resultados foram desastrosos. Enchentes, deslizamento de terra,
poluição, proliferação de doenças e esgotamento de recursos naturais foram
alguns dos problemas que surgiram como consequência do crescimento de
cidades que negligenciaram o meio ambiente.
Nas ultimas décadas, porém, depois de ver cidades importantes
tendo altos custos para solucionar problemas ambientais que estavam
influenciando negativamente de maneira bastante acentuada os seus
cotidianos, especialistas em estudos urbanos passaram a dedicar maior
atenção aos fatores ambientais dentro do planejamento urbano.
Foi dentro desse contexto que os Planos Diretores passaram a
reservar espaço significativo para a problemática ambiental dentro do
planejamento das cidades. Como já afirmamos anteriormente, o Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano de Salvador não foge a essa regra e trata da
questão ambiental em vários pontos do seu texto.
Diante dessa contextualização a respeito de Planos Diretores e sua
relação com a questão ambiental, pode-se iniciar a análise do nosso objeto de
estudo. Primeiramente voltando o olhar diretamente para observar e refletir
sobre a realidade da questão ambiental em Salvador e, para, em seguida, se
realizar uma análise comparativa entre o que está previsto no texto do Plano de
Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade da questão ambiental na
capital baiana.
1.2. Metodologia
Diante das limitações próprias do processo de elaboração de um
trabalho monográfico, principalmente no que se refere à coleta de dados e ao
acesso a informações referentes ao objeto de estudo, é fundamental que se
estabeleça procedimentos de pesquisa que permitam a otimização da análise a
partir dos dados disponíveis. É preciso focar na coleta e análise de informações
que sejam de fato relevantes no contexto estudado.
Dessa forma, é pretensão desse trabalho fazer uma delimitação
precisa das fontes de dados e da forma de articulação das informações
coletadas. Sendo assim, esse estudo será feito por meio da comparação entre
o texto do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade
do município.
Como já previamente adiantado e diante da complexidade da
realidade do município de Salvador e, ainda, com o objetivo de tornar a análise
viável, estabelecendo um processo de pesquisa mais prático e eficiente, será
feita uma delimitação na área de estudo. Essa delimitação será feita dando
especial atenção aos Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.
Essa delimitação possibilitará que se utilize essas áreas como
amostra especial da questão ambiental em Salvador, sem que a análise se
furte da possibilidade e necessidade de adentrar a dinâmica em outras áreas
que não são protegidas, mas que, por óbvio, são partes integrantes do sistema
ambiental da cidade.
Ainda, como amostra da relação dos componentes naturais com a
totalidade da dinâmica ambiental, será feito um estudo pormenorizado de
determinadas áreas da cidade, que, entende-se, podem servir de amostra
razoável do todo do município.
Um dessas áreas é o bairro da Pituba. Esse bairro, que compreende
uma das zonas mais urbanizadas e estruturadas de Salvador, onde a atuação
do poder público se mostra mais presente, pode servir de parâmetro de
comparação da atuação da prefeitura no ordenamento urbano. Nesse caso,
porém, um olhar sobre um bairro onde a atuação do Estado é mais presente
não pode distorcer e afastar a análise da realidade diferenciada encontrada nos
bairros socialmente periféricos. Porém, esse foco pode servir de padrão
comparativo eficaz, uma vez que podemos tratar essas zonas privilegiadas
como o ponto máximo da atuação da prefeitura, e a partir delas compará-las
com as demais.
Outra área relevante é a Avenida Paralela, onde se concentra o
atual eixo de expansão urbana e imobiliária de Salvador, e que, ao mesmo
tempo, concentra uma das maiores porções de área verde do município. Essa
situação gera um claro conflito de interesses entre aqueles que rezam pela
cartilha da valorização imobiliária e aqueles que enxergam nessa área verde
um importante espaço de controle das variáveis ambientais.
Esse quadro garante que um olhar atento a essa problemática pode
ser extremamente útil para se melhor entender a atuação do poder público
municipal na mediação dos interesses que envolvem as questões ambientais.
As áreas mais pobres da cidade, principalmente as localizadas em
zonas de risco, em encostas, também serão estudadas para que se procure
entender de que forma a relação com o meio ambiente na cidade pode
provocar impactos diretos e perigosos, em caso de falta de planejamento.
Para que a análise feita a partir dos dados coletados tenha a devida
base de fundamentação, alguns autores e teóricos servem como fonte. Nesse
sentido, e diante do enfoque dado por esse trabalho, duas áreas de
conhecimento serão mais fortemente utilizadas: a área da Gestão Ambiental,
que é área de estudo da Pós-Graduação em que essa monografia está
inserida, e, também, a área de Direito Ambiental.
Como exemplo desse referencial bibliográfico das duas áreas
citadas, podem-se mencionar o livro de Mari Elizabete Seiffert Gestão
Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental e Direito
Ambiental Brasileiro, de Paulo Afonso Leme Machado.
Porém, esse estudo, que se fundamenta na análise de um espaço
urbano, não seria suficientemente relevante se fosse negligenciada a esfera
social. Para servir de base para esse tipo de análise, essa monografia
recorrerá aos estudos da geografia, especialmente a geografia urbana, em
busca de se melhor entender como o processo de gerenciamento do município
e da questão ambiental se articula como a dinâmica social.
Como autor que pode ser uma base consistente para os estudos das
relações sociais pode-se destacar a obra de Milton Santos, geógrafo que deu
especial atenção às relações humanas na construção do cotidiano urbano e a
sua relação com as estruturas de poder. Segundo Santos:
Não é o espaço, portanto, como nas definições clássicas de geografia, o resultado de uma interação entre o homem e natureza bruta, nem sequer um amálgama forma pela sociedade de hoje e o meio ambiente. O espaço deve ser considerado com um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, seja a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento As forma, pois têm um papel na realização social. (SANTOS, 2008, p. 10)
Essa visão de Milton Santos é extremamente relevante para esse
trabalho, por entender o espaço como algo em que a sociedade e o meio
ambiente estão intimamente ligados. Dessa maneira, para que se projete uma
sociedade equilibrada é preciso se garantir um meio ambiente igualmente
equilibrado, assim como o contrário também é verdadeiro: a busca por um meio
ambiente saudável no espaço urbano passa pela garantia de que se tenha uma
sociedade justa e equilibrada.
CAPÍTULO II - A realidade da questão ambiental em Salvador
Para que seja possível a realização de uma análise eficaz da
influência do Plano Diretor na realidade da cidade de Salvador, em especial no
que se refere à questão ambiental, é preciso que, em primeiro lugar, seja
reconhecido o quadro geral do município. Então, segue uma breve descrição
do município que serve como objeto de pesquisa.
Salvador, capital do Estado da Bahia, é um município localizado em
uma península, banhado a leste pelo Oceano Atlântico e a oeste pela Baía de
Todos os Santos. Com mais de 2,7 milhões de habitantes, é a terceira cidade
mais populosa do Brasil, segundo o Censo de 2010, do IBGE. Sua região
metropolitana possui 3,6 milhões de habitantes, também de acordo com
números do Censo.
No quadro natural, pode-se destacar que o relevo de Salvador é
extremamente acidentado, com planícies concentradas, sobretudo, em forma
de pequena faixa, ao longo da orla. Entre as áreas mais elevadas há grande
número de vales encaixados, que suportam os maiores fluxos do sistema
hidrológico.
Outra característica da geomorfologia de Salvador é a presença de
uma falha geológica que separa a porção oriental do município em duas áreas
separadas por uma escarpa de mais 80 metros de altura, que divide essas
zonas em duas: a “Cidade Alta” e a “Cidade Baixa”. Foi na Cidade Alta que a
colonização portuguesa iniciou ocupação de Salvador.
Essa localização foi uma escolha estratégica, uma vez que, do alto,
a proteção contra invasão de impérios adversários ser tornaria mais eficiente,
com uma visão privilegiada da entrada da Baía de Todos os Santos. Foi desse
sítio inicial que a cidade passou a se expandir.
Segundo a classificação climática de Edmon Nimer, Salvador possui
clima Quente – Superúmido sem estação seca. Localizada dentro do domínio
do Clima Tropical Nordeste Oriental. A precipitação pluviométrica média anual
é Salvador é de 2100 mm.
A combinação entre um relevo acidentado e um clima úmido com
alta média de precipitação, em uma zona fortemente urbanizada, com inúmeras
áreas de ocupação irregular, confere a Salvador uma realidade de grande
problemática oriunda das questões naturais. São recorrentes os casos de
inundações e deslizamento de terra, nos períodos de chuva concentrada.
Sendo Salvador uma metrópole é de se esperar que sua
configuração altere determinadas características do clima, dentro do que se
define como clima urbano. Sobre esse particular Ana Christina Neves Alves,
que estudou o clima urbano de Salvador, afirma:
Nesta escala, o clima é modificado por fatores antrópicos que, em última instância, referem-se à urbanização: supressão da vegetação com redução significativa das áreas verdes, alterações na topografia, amplas áreas pavimentadas, grande volume edificado, concentração de pessoas, veículos e atividades com alta demanda de energia e emissão de poluentes. Esses fatores do clima urbano acarretam um sobreaquecimento das cidades, gerando as características principais do clima urbano: as ilhas de calor e o dômus de poeira (ALVES, 2011, p. 1).
É importante notar que a ideia de clima urbano está associada a
mudanças negativas nas características climáticas originais de uma localidade.
Alguns estudos do Laboratório de Conforto Ambiental da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) revelam a existência de algumas ilhas de calor na capital
baiana, relacionadas principalmente com a ocupação extensiva do solo e,
consequentemente, com a redução drástica da vegetação.
Sobre a supressão da vegetação, pesquisas apontavam a gravidade
da situação já no final da década de 1990, ao analisar a bacia do Rio
Jaguaribe, principal bacia hidrográfica de Salvador:
A supressão da vegetação nativa nas áreas de urbanização da Bacia Jaguaribe não foi compensada por um programa de arborização das vias públicas e praças, mesmo nas áreas de ocupação planejada, como conjuntos habitacionais, loteamentos e distrito industrial. Tal fato promove nos dias quentes, sobretudo no verão, um desconforto térmico muito grande. A ‘supremacia do concreto’ nesses locais desconsidera a estética paisagística, depreciando as condições de habitabilidade local. Mesmo os espaços destinados às praças públicas, em sua maioria, estão desprovidos de árvores quando não se encontram em precário estado vegetativo (ABREU, 1998, p. 37).
Algumas regiões da cidade merecem especial atenção no que se
refere a esses e outros problemas ambientais. Assim, e como afirmado na
introdução desse trabalho, para aumentar a escala de análise, e verificar mais
de perto os detalhes da realidade do município, essa monografia elegeu
algumas áreas que serviram de amostra da realidade soteropolitana.
Essas áreas que são amostras para o estudo são: os espaços
territoriais especialmente protegidos; o eixo de expansão, ao longo da Avenida
Paralela, com a tensa relação entre interesses de conservação ambiental e
expansão imobiliária; o bairro da Pituba, como exemplo de atuação do poder
público em uma zona privilegiada da cidade; e as áreas de encostas nos
bairros populares.
Entendendo-se a utilidade de se estudar uma área como exemplo de
atuação do poder público em uma zona privilegiada da cidade, foi escolhido o
bairro da Pituba.
Mapa de localização do bairro da Pituba (SANTOS, 2010, p. 355)
A Pituba, até a primeira metade do século passado, era
praticamente um bairro de pescadores e de veranistas. As casas dos
pescadores e de veraneio se concentravam ao longo da orla marítima. A parte
interna do bairro era ocupada por fazendas e áreas naturais, principalmente por
grandes areais e vegetação de restinga.
A partir da década de 1960, a maior parte das fazendas foi loteada,
e poucas áreas verdes foram preservadas nesse processo de urbanização.
Naquele momento, o bairro se transformou no mais importante polo de
expansão da classe média da capital baiana, que crescia atraindo
trabalhadores de outras regiões e do interior do estado.
Localizada na orla entre o centro antigo da cidade e o litoral norte do
município, e próxima à área onde se estabeleceria o centro novo da cidade (a
região do Iguatemi), a Pituba logo se tornou um dos mais dinâmicos bairros da
cidade.
Hoje, com a quase totalidade de sua área já devidamente
urbanizada, a Pituba é um dos pontos mais valorizados de Salvador.
Entretanto, alguns problemas ambientais e urbanos que são comuns a
Salvador como um todo também atingem a Pituba, assim como a outros bairros
soteropolitanos considerados nobres.
Na atualidade, o mercado imobiliário tem investido em grande
número de empreendimentos no bairro, que se mostra completamente
despreparado para atender essa crescente demanda. O ponto onde fica mais
evidente esse descompasso é justamente o sistema viário.
Novos prédios são construídos em vias projetadas décadas atrás,
que não dão conta desse novo fluxo. Como consequência, surgem novos
pontos de congestionamento nas vias internas do bairro e problemas sérios de
estacionamento. Isso sem se falar no aumento do ruído e da poluição gerada
por esse grande número de veículos automotores.
A orla do bairro também apresenta problemas. Vale ressaltar que,
desde que a região passou por um acelerado processo de crescimento,
décadas atrás, o sistema de escoamento pluvial de todo o bairro passou a
despejar grande quantidade de resíduos diretamente na praia. Esse mesmo
processo ocorreu em outros pontos da orla municipal, o que ajudou diminuir
drasticamente o uso dessas praias pela população local, que passou a
frequentar as praias do litoral norte ou dos municípios vizinhos, como Lauro de
Freitas. A situação é ainda mais grave se levarmos em consideração que parte
dos esgotos domésticos é canalizada também para o mar, no limite entre as
praias da Pituba e Costa Azul.
Ainda sobre a orla do bairro, é importante notar que, durante o seu
processo de urbanização, uma avenida foi construída ao longo da linha de
maré, e um muro separou a via pública da areia. A dinâmica de erosão
marítima provocou uma crescente diminuição da faixa de areia, prejudicando
ainda mais as condições de balneabilidade da praia.
Sobre os aspectos ambientais do bairro, o livro O Caminho da
Águas, que traça um detalhado quadro das bacias hidrográficas de Salvador,
elabora um resumo interessante do quadro natural da Pituba:
No bairro da Pituba existem algumas dunas já bastante descaracterizadas devido à expansão imobiliária. As principais áreas verdes nessa bacia estão localizadas na Pituba, no espaço interno ao Colégio Militar de Salvador e no Parque da Cidade – Joventino Silva. Este Parque, implantado pelo Decreto Municipal n. 4.552, de 1976, merece destaque, pois representa uma área de 70 ha de remanescentes florestais do bioma Mata Atlântica, com uma pequena área de restinga com dunas (SANTOS, 2010, p. 176).
Sobre o processo de urbanização do bairro e sua consequente
impermeabilização do solo, a autora afirma:
Todo esse processo de impermeabilização do solo, associado à inadequada manutenção das redes de drenagem, têm levado a constantes alagamentos de avenidas e áreas desta bacia. Ainda nesta bacia, na franja da Orla Atlântica, foram concentradas grandes obras de macrodrenagem com lançamento na praia, pelas transversais da Avenida Manoel Dias da Silva, seu principal logradouro. Entretanto, é preciso rever a manutenção das estruturas de macro e microdrenagem, bem como repensar os condicionantes de licenciamento de novos empreendimentos para a área, de modo a permitir o desenvolvimento de mecanismos de interceptação da água da chuva antes de atingir a rede de drenagem pluvial (SANTOS, 2010, p. 176).
Voltando no tempo, evidencia-se a falta de preocupação ambiental
quando houve o loteamento da Pituba. Uma vez que há, dentro dos limites do
bairro, apenas uma pequena área verde, relativamente significativa. A Lagoa
da Pituba é uma pequena lagoa, cercada por uma pista para caminhada de
aproximadamente 500 metros. Essa área, porém, encontra-se degradada,
recebendo resíduos líquidos, o que impende o uso recreativo. Dessa forma, a
lagoa precisa ser cercada para evitar o contato direto da população.
Diante do levantamento desse pequeno quadro, e levando-se em
consideração que se trata de um dos bairros mais bem estruturados de
Salvador, fica evidente que ele reflete uma realidade muito mais ampla que
revela uma cidade que historicamente deu as costas para o meio natural e
passou a conviver com inúmeros problemas causados por essa negligência e
ainda não conseguiu encontrar uma forma de mudar esse cenário.
Vale, então, salientar que esses problemas são ainda mais sérios
nas áreas menos favorecidas do município, onde os problemas ambientais,
mais do que gerar desconforto, podem representar sérios riscos à integridade
da população, como são os casos da proliferação de doenças por falta de
saneamento adequado e dos recorrentes casos de deslizamento de terra em
períodos de chuvas que, ano após ano, continuam a matar pessoas nos bairros
mais carentes, localizados nas encostas. E essa situação será mais bem
avaliada, mais adiante, nessa monografia.
Em Salvador, assim como em quase todas as grandes cidades do
mundo, são diversos os problemas ambientais decorrentes da grande
concentração de construções e pessoas. Muitos desses problemas são
sentidos de forma dramática quando afetam a segurança da população.
Na capital baiana, cidade com altos índices pluviométricos e com
ocupação pouco planejada, são comuns as enchentes e deslizamentos de terra
nos períodos mais chuvosos. Apesar de recorrentes, esses problemas são
invariavelmente tratados com medidas paliativas, e não com projetos de
reestruturação da ocupação e dos sistemas de escoamento das águas.
Sobre essa problemática, é sabido que áreas verdes ajudam a
regular a infiltração de água no solo, diminuindo a intensidade das enchentes e
reabastecendo as reservas de águas subterrâneas. Diante disso, em Salvador,
uma região merece especial atenção: a região ao longo da Avenida Paralela.
Ao longo da Avenida Luis Viana, popularmente conhecida como
Avenida Paralela, concentra-se uma significativa porção de Mata Atlântica
preservada. Ao mesmo tempo, essa região é atualmente o eixo de expansão
de Salvador. Garantir a permanência dessa área se revela muito importante
para o futuro da cidade.
Na prática, o ordenamento jurídico municipal confronta a expectativa
de preservação ambiental ao enquadrar a área da Avenida Paralela como uma
área de expansão da cidade, reservada para novos empreendimentos
imobiliários. Dessa forma, lutar pela revisão da previsão do uso dessa
importante parcela da cidade é objetivo fundamental para garantir um futuro
mais equilibrado para Salvador.
No livro O Direito à Natureza na Cidade, do geógrafo Wendel
Henrique, o autor alerta sobre a pressão que o setor imobiliário exerce sobre
essa região. A despeito do significativo ativo ambiental que essa área
representa no contexto urbano soteropolitano, o poder público tem cedido à
força desses agentes do setor de imóveis e permitido a gradual supressão
vegetal, com perspectivas de um avanço cada vez mais acelerado.
As ações de diversos agentes do mercado imobiliário que levam a supervalorização de determinados espaços da cidade, com uso intenso dos recursos do território – naturais (água, ar, paisagem etc.) e artificiais (vias de circulação, transportes etc.) criam morfologias urbanas específicas como condomínios. Nestas relações de uso da natureza e na produção e divulgação de representações da natureza na cidade contemporânea, constata-se uma predominância das questões políticas e econômicas sobre aquelas vinculadas à vida coletiva (HENRIQUE, 2009, p. 136).
Considerando-se que no entorno da Avenida Paralela existe uma
significativa parcela de Mata Atlântica preservada, é de se esperar que se
garanta a sua preservação. Essa quadro fica ainda mais claro ao se lembrar
que Constituição Federal de 1988 considera a Mata Atlântica um Patrimônio
Nacional e restringe a sua utilização dentro de condições que assegurem sua
preservação.
Porém, o que se poder observar com extrema facilidade é um
número crescente de construções de empreendimentos imobiliários e
loteamentos. Muitos desses empreendimentos suprimiram áreas significativas
da vegetação. Loteamentos como Alphaville Salvador e Le Parc são os
melhores exemplos dessa expansão urbana sobre áreas de Mata Atlântica.
Tanto o Alphaville Salvador quanto o Le Parc se baseiam no conceito de
bairros planejados, o que na prática significa que são loteamentos dotados de
certo grau de infraestrutura de lazer e comércio.
Imagem aérea de parcela da Mata Atlântica ao longo da Avenida Paralela
em 2003. Fonte: Google Earth.
Imagem aérea de parcela da Mata Atlântica ao longo da Avenida Paralela
em 2012. Fonte: Google Earth.
Um estudo feito por meio de análise de imagens aéreas é capaz de
evidenciar de forma rápida a expansão da malha urbana sobre a cobertura
vegetal. Uma comparação entre uma imagem de 2003 e uma de 2012 revela
como os novos loteamentos têm ocupado rapidamente parcelas que até pouco
tempo atrás ainda eram abrigo de resquícios importantes de Mata Atlântica.
Vale ressaltar que nesse estudo a imagem mais recente encontrada é
justamente de 2012, mas estudos de campo comprovam facilmente que a
degradação encontrada em 2014 é ainda maior.
Um mapa de localização elaborado por pesquisadores para o livro O
Caminho das Águas também evidencia essa expansão imobiliária na região.
Mapa de localização do bairro de Patamares. (SANTOS, 2010, p. 227).
Apesar de mercadologicamente o setor imobiliário utilizar a ideia de
meio ambiente e sustentabilidade para valorizar os seus empreendimentos, na
prática, esses loteamentos geram grande passivo ambiental, a começar pela
supressão da vegetação original e ainda pela pressão que exercem no sistema
ambiental após iniciar seu pleno funcionamento.
Outro empreendimento que causou profunda transformação da
região da Avenida Paralela foi o Shopping Paralela. Inaugurado em abril de
2009, o Shopping Paralela ajudou a intensificar a ocupação da área servindo
como centro de comercial e de serviços.
Voltando o olhar da análise desse trabalho para os espaços
territoriais especialmente protegidos, é importante saber que em Salvador,
além das áreas de preservação permanente, existem quatro Unidades de
Conservação oficialmente estabelecidas. Todas elas são da categoria Áreas de
Preservação Ambiental. Elas são: APA Bacia do Cobre - São Bartolomeu, APA
Baía de Todos os Santos, APA Joanes - Ipitanga e a APA da Lagoas e Dunas
do Abaeté.
Mostrando a fragilidade institucional dessas áreas de proteção, das
quatro Unidades de Conservação de Salvador, só uma possui Plano de
Manejo: a APA das Lagoas e Dunas do Abaeté, que aprovou seu Plano de
Manejo em 1998. Duas estão em fase de elaboração dos seus Planos: APA
Joanes - Ipitanga e APA Baía de Todos os Santos.
A APA das Lagoas e Dunas do Abaeté, que abriga um dos maiores
símbolos de Salvador e importante ponto turístico da cidade, é, sem dúvidas, a
Unidade de Conservação em estágio mais avançado no processo de Gestão
Ambiental. De todas, a APA das Lagoas e Dunas do Abaeté é a única que
possui Conselho Gestor, formado pela sociedade civil organizada, ONGs,
universidades e poderes públicos municipais, estadual e federal. Esse conselho
se propôs a debater assuntos como turismo, agricultura, cidadania,
infraestrutura, expansão urbana e gestão participativa.
Considerando-se que a APA encontra-se em uma área de expansão
da malha urbana do município, o Conselho planeja elaborar projetos que
minimizem os impactos ambientais causados pela ocupação desordenada, o
assoreamento das dunas, o despejo de lixo e a supressão de flora nativa.
Em Salvador, existe a Secretaria Municipal do Meio Ambiente,
responsável pela a execução da fiscalização e do licenciamento ambiental no
Município, além da gestão das praças, áreas verdes e espaços territoriais
especialmente protegidos.
Apesar de existir oficialmente, a realidade municipal tem
demonstrado a grande fragilidade da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de
Salvador. Poucos empreendimentos têm sido enquadrados dentro da
competência municipal no que se refere ao processo de licenciamento, o que
tem reduzido a ação da Secretaria à gestão das praças e áreas verdes.
Atrelado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, existe um
Conselho Municipal do Meio Ambiente. Ele é formado pelo Gabinete do
Superintendente, por duas Assessorias (Estratégica de Gestão - ASSEG - e
Jurídica - ASJUR) e por cinco Gerências (Licenciamento e Fiscalização
Ambiental; Jardim Botânico; Parques, Hortos e Áreas Verdes; Informações,
Sustentabilidade e Equilíbrio Ambiental; e Administrativo-Financeira).
Assim como a Gestão Ambiental Municipal de forma geral, o
Conselho tem sua ação bastante restrita se comparada ao seu real potencial
de atuação, não tem se reunido periodicamente e pode-se afirmar que as
ações estaduais acabam se sobrepondo às municipais.
O quadro em que se encontram os espaços territoriais
especialmente protegidos em Salvador comprova que muito ainda precisa ser
feito até que esses espaços passem a de fato exercer todo o potencial
ambiental que pode interferir de maneira expressiva na dinâmica da cidade,
fornecendo ativos ambientais importantes.
Voltando a lente de foco desse trabalho para as áreas de risco da
cidade, o Plano Diretor de Salvador de Salvador define áreas de risco como:
[...] aquelas propensas à ocorrência de sinistros em função de alguma ameaça, quer seja de origem natural, tecnológica ou decorrente de condições socioambientais, associadas às vulnerabilidades do assentamento humano, sobretudo quando ocorrem altas densidades populacionais vinculadas a precárias formas de ocupação do solo (SALVADOR, 2008).
Sabe-se que Salvador apresenta mais de 600 áreas de risco, no que
ser refere ao perigo de deslizamento de terra, previamente reconhecidas pelo
poder público. Esse é um problema antigo da cidade, que se agravou com a
intensificação do processo de urbanização, principalmente com a ocupação
irregular de encostas.
Ano após ano, o problema volta à tona com a repetição de tragédias.
No mais recente período de chuvas prolongadas, ocorrido em setembro de
2013, a defesa civil registrou 32 deslizamentos em menos de 48 horas.
Historicamente o problema das áreas de risco em Salvador é tratado
de forma paliativa. Os maiores esforços e gastos são feitos justamente após o
aparecimento dos problemas, e não de forma antecipada para se evitar que o
problema efetivamente ocorra.
Contrariamente a essa tradição, nos últimos anos, algumas
administrações municipais investiram em obras de contenção de encostas em
diversos pontos da cidade. Porém, apesar de ser o avanço do poder público,
essas obras ainda são apenas parte da solução. Para que se resolvam
definitivamente os problemas nessas áreas, é preciso que produza
planejamentos amplos que considerem todas as variáveis que atuam na
configuração do espaço urbano. É necessário que se entenda a estreita
relação entre os fatores ambientais e as dinâmicas sociais e urbanas.
CAPÍTULO III - Uma análise comparativa entre o previsto no Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador e a realidade da questão ambiental na cidade
Visto um pouco da realidade da cidade de Salvador, pode-se, então,
finalmente, compará-la com o que está previsto no texto do Plano de
Desenvolvimento Urbano de Salvador. E é essa comparação que pode ser o
fato mais relevante da análise. Uma vez que é o confronto com a realidade que
pode ajudar a mensurar o real alcance do Plano Diretor.
Dando continuidade ao exame do que foi previamente visto, serão
utilizadas as áreas estudadas: os espaços territoriais especialmente protegidos;
o eixo de expansão, ao longo da Avenida Paralela, com a tensa relação entre
interesses de conservação ambiental e expansão imobiliária; o bairro da
Pituba, como exemplo de atuação do poder público em uma zona privilegiada
da cidade; e as áreas de encostas nos bairros populares.
Comparar a realidade de um local, seja ele um país, um Estado, um
município ou mesmo um bairro, com as previsões legais propostas para esse
mesmo local é uma forma simples e eficiente de se perceber a eficácia da
legislação.
No âmbito das leis referentes ao meio ambiente e à ocupação e uso
do solo não é diferente. Dessa forma, ao se voltar o olhar para a realidade de
um bairro, por exemplo, pode-se perceber se as leis de ordenamento e
ocupação do solo e de proteção ambiental estão surtindo o efeito esperado, se
estão sendo devidamente respeitadas e, ainda, se o poder público está
cumprindo devidamente o seu papel de gestor e fiscalizador.
Diante do exposto, partimos para a análise do bairro da Pituba, em
Salvador (BA), para tentarmos entender na prática um pouco melhor essa
dinâmica entre a realidade e o proposto legalmente.
No PDDU o município está dividido em zona de acordo com o
padrão de ocupação, e para cada uma dessas zonas são estabelecidas
diretrizes de atuação do poder publico. As macroáreas são:
I – Macroárea de Requalificação Urbana; II – Macroárea de Manutenção da Qualidade Urbana; III – Macroárea de Reestruturação Urbana; IV – Macroárea de Estruturação Urbana; V – Macroárea de Consolidação Urbana.
A Pituba está inserida na “Macroárea de Manutenção da Qualidade
Urbana”, definida, pelo próprio Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
como:
Zona que compreende áreas de ocupação consolidada com boas condições de acessibilidade e de infraestrutura, dotadas de equipamentos e serviços urbanos, nas quais predominam usos residenciais de bom padrão coexistindo com atividades comerciais e serviços diversificados, com significativa oferta de postos de trabalho, especialmente nas centralidades principais que atendem a todo o Município (SALVADOR, 2008).
Uma das diretrizes apontadas para essa zona é:
[...] estímulo ao adensamento populacional, nos locais que ainda for viável, visando dar melhor aproveitamento à infraestrutura existente, de forma conciliada com a manutenção da qualidade ambiental urbana, desde que a viabilidade do adensamento seja comprovada por estudo técnico e demonstrada a capacidade dos serviços em rede e do sistema viário e de transporte coletivo em absorver o adensamento previsto para cada local (SALVADOR, 2008).
Nesse ponto, o confronto com a realidade aponta para a primeira
fragilidade do texto legal diante da complexa dinâmica local, que envolve
grandes conflitos de interesses. A intensa valorização imobiliária tem gerado
um adensamento incompatível com a manutenção do equilíbrio ambiental e
urbano. Esse quadro tem gerado pontos de alagamentos, poluição da orla
marítima, congestionamentos, ilhas de calor e poluição sonora.
De maneira geral, é difícil se analisar o quadro ambiental,
principalmente no que se refere à poluição, porque os dados são escassos e as
formas de obtenção não são simples. Nesse caso, os poucos estudos já feitos
acabam servindo como base primordial. Sobre poluição na Pituba, um estudo
feito pela Secretária Municipal de Saúde monitorou a qualidade do ar na cidade
em sete pontos, e descobriu-se que a região da Pituba é uma das poluídas da
cidade.
No que se refere especificamente à concentração de chumbo, a
Pituba é o ponto mais poluído da cidade, com concentrações cinco vezes
maiores que os índices de um local não considerado não poluído. É
interessante notar que, sendo a Pituba um bairro concentrado ao longo da orla
atlântica, se esperava menores valores de poluição, uma vez que a brisa
marítima e a maresia exercem importante papel na dispersão de partículas
poluentes em suspensão no ar. Os pesquisadores, no entanto, afirmam que os
níveis encontrados estão dentro dos limites toleráveis estabelecidos pelos
órgãos de saúde.
Isso indica que os níveis de emissão de poluentes na região são
bastante elevados, sendo capazes de manter a poluição, mesmo sofrendo os
efeitos dos ventos marítimos. Assim, mesmo considerando que os níveis de
poluição de Salvador estão dentro do que é considerado aceitável para as
organizações de saúde, a situação indica que é preciso se combater o os
níveis de emissão de poluentes antes que eles se tornem um problema maior
para a população.
Sobre as áreas de risco, o PDDU define as seguintes diretrizes que
devem nortear as ações da prefeitura nestas áreas:
Art. 23. São diretrizes para as áreas de risco: I - promoção de assistência técnica para a implantação de edificações em áreas de risco potencial, associado à geologia, geomorfologia e geotecnia; II - preservação ou recomposição da cobertura vegetal nas encostas íngremes de vales e matas ciliares ao longo de cursos d’água, consideradas áreas de preservação permanente e de risco potencial para a ocupação humana; III - promoção da requalificação dos espaços nos assentamentos habitacionais ambientalmente degradados, com a implantação da infra-estrutura, criação de áreas públicas de lazer, conservação das áreas permeáveis e dotadas de cobertura vegetal.
Comparando a previsão legal e a realidade da cidade, percebe-se
que a prefeitura, até o momento, se mostrou incapaz de atuar com a eficiência
necessária em todas as inúmeras localidades que se encontram em situação
de risco.
Mais grave que a incapacidade de abranger substancialmente todas
as áreas de risco é perceber que dentro do PDDU as áreas de risco são
tratadas como sendo algo incontestável e naturalmente presente no cenário
urbano. Aparentemente, o poder público não se imagina capaz de buscar a
eliminação desse tipo problema. Há uma clara naturalização da existência de
áreas de risco, como se esse fosse um quadro impossível de ser revertido.
Em que pese as dificuldades para se erradicar as áreas de risco,
não se pode aceitá-las como sendo parte insuperável da dinâmica urbana.
Dessa forma, o texto do PDDU parece ratificar o costume de se tratar os
problemas das áreas de risco de forma paliativa, sem que se proponha grandes
planos que sejam capazes de combater esse problema em longo prazo. Dessa
forma, o poder público não prevê a extinção desse tipo de situação, apenas
imagina formas de remediar e tornar menos grave o quadro.
Repetindo, fica claro que o poder público ainda não procurou meios
de se estabelecer a médio e longo prazo a erradicação de áreas de risco na
cidade. Apesar da nítida dificuldade de se estabelecer planos que permitam
alcançar essa meta, é fundamental que se admita que é preciso se iniciar
projetos que tenham finalidade de extinguir áreas que sejam notadamente
ameaçadoras para seus moradores.
É fundamental, ainda, que se garanta que o combate à existência
desse tipo de área seja feito de forma integrada com todas as esferas da
dinâmica urbana. Só assim será possível que, de fato, se caminhe para a real
solução do problema.
Partindo para a análise da região da Avenida Paralela, é
interessante lembrar que quando se promoveu a revisão do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Salvador, havia uma expectativa e uma pressão
vindas de determinados setores da sociedade para que se alterasse o
enquadramento dessa região dentro do zoneamento municipal.
Na revisão do Plano Diretor, esperava-se que a Avenida Paralela
deixasse de ser considerada uma área de expansão urbana com fins
residenciais, o que possibilita que a mata seja suprimida para dar lugar a novos
empreendimentos imobiliários.
No texto revisto, há apenas uma recomendação para que os
fragmentos da Mata Atlântica da Paralela sejam classificados como Área de
Proteção Ambiental (APA), mas não determina como ou quando isto será feito.
O que, na prática, não altera em nada o quadro atual de intensa ocupação
urbana, principalmente por meio de empreendimentos imobiliários de alto
padrão.
Outros problemas que afetam a região se referem à instalação do
Shopping Paralela. Desde sua inauguração em 2009, o shopping vem sofrendo
pressões de órgãos fiscalizadores por não atender plenamente as
condicionantes legais impostas para o seu funcionamento. Segundo matéria
veiculada pelo Jornal A Tarde, em agosto de 2013, que trata da intervenção do
Ministério Público:
Uma das ilegalidades apontadas é que o Paralela nunca contou com Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), embora no ano de sua inauguração, 2009, a equipe técnica do MP tenha elaborado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que o mesmo fosse realizado. Após anos de negociação, o termo foi refutado em março deste ano pelos representantes do estabelecimento, que se negaram a assiná-lo (A TARDE, 2013).
Resumindo a comparação entre o previsto pelo PDDU e a realidade
da região da Avenida Paralela, pode-se afirmar que as duas dimensões (o texto
legal e a realidade local) estão aquém do esperado no que se refere à garantia
da existência do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O PDDU peca ao não impedir a expansão urbana e supressão das
porções de Mata Atlântica, e cede às pressões do setor imobiliário ao definir a
área como eixo de expansão urbana. Diante disso, o que se encontra na
realidade é uma área em pleno processo de urbanização e adensamento, em
constante embate com os remanescentes naturais.
Como dito anteriormente, sobre os espaços territoriais
especialmente protegidos, existem quatro Unidades de Conservação
oficialmente estabelecidas em Salvador. Todas elas são da categoria Áreas de
Preservação Ambiental. Elas são: APA Bacia do Cobre - São Bartolomeu, APA
Baía de Todos os Santos, APA Joanes – Ipitanga e a APA das Lagoas e Dunas
do Abaeté.
Em todas essas áreas, nota-se que não existe promoção da
integração com a população. Porém, esse isolamento não ajuda na
preservação, muito pelo contrário: ao afastar a população das áreas naturais,
se promove uma indiferença que facilita ações de supressão desses espaços
naturais.
Parte dessas áreas deveria ser integrada ao cotidiano da população,
como área de lazer e convivência, assim, esses espaços exerceriam de forma
plena sua função. Exceção a essa regra é a APA das Lagoas e Dunas do
Abaeté. Essa Área de Proteção abriga um importante símbolo turístico e
cultural da cidade (A Lagoa do Abaeté) e possui uma infraestrutura que permite
a sua utilização por soteropolitanos e turistas.
Na APA Bacia do Cobre - São Bartolomeu existe um importante
remanescente de Mata Atlântica, assim como significativa reserva de água
potável, que integra o sistema de abastecimento local.
A área denominada Parque São Bartolomeu tem especial significado
para os praticantes de cultos afro-brasileiros e seus aspectos naturais formam
uma área sagrada para as religiões matriz africana, essa região é objeto de
culto e peregrinação desde a metade do século XIX.
Entretanto, a falta de estrutura e segurança afasta os visitantes que
se interessam em conhecer os atributos naturais e a vocação religiosa. São
recorrentes os casos de violência contra pessoas que visitam o parque.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, os principais
problema ambientais dessa APA incluem: desmatamento, queimadas, extração
ilegal de substâncias minerais, lançamentos de esgotos domésticos, disposição
de lixo em local inadequado, ocupações espontâneas destituídas de
infraestrutura básica de saneamento.
APA Baía de Todos os Santos apresenta características bem
especificas, já que engloba uma área de aproximada 800 km² envolvendo as
águas e as ilhas da Baía de Todos os Santos. Nessa região existe um histórico
de turismo e veraneio da população de Salvador, mas há um processo de
grande degradação e desvalorização em curso nas últimas décadas.
Após massivos investimentos do setor hoteleiro e imobiliário, se
observou um deslocamento das atividades turísticas e de veraneio da Baía de
Todos os Santos para o Litoral Norte. Esse processo ajudou a degradar e
desvalorizar a região da baía. Por ser menos valorizada, essa região também
viu diminuir a fiscalização que permitiria o controle das atividades que afetam a
qualidade ambiental.
Segundo relatório da Secretária do Meio Ambiente da Bahia, os
principais problemas dessa Área de Proteção Ambiental são: pesca com
explosivos, lançamentos de efluentes domésticos e industriais, ocupação
desordenada do solo, desmatamento, disposição inadequada de resíduos
sólidos, caça predatória, extrativismo descontrolado de crustáceos e moluscos,
ocupação de áreas de preservação permanente.
Por fim, a APA Joanes – Ipitanga, abrangendo parte dos Municípios
de Camaçari, Simões Filho, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde,
Candeias, São Sebastião do Passé, Salvador e Dias D´Avila, com área
aproximada de 30.000 ha, tem como principal função, segundo o seu decreto
de criação, proteger os mananciais dos Rios Joanes e Ipitanga, que são parte
importante do sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de
Salvador, através do compartilhamento dos seus usos e a ocupação do
território com base nas suas características ambientais.
O que se vê na prática em relação a essa APA é uma imensa
pressão do setor imobiliário, mas essa pressão é exercida principalmente nos
municípios vizinhos, especialmente em Lauro de Freitas, onde áreas naturais
são constantemente loteadas, mesmo se localizando dentro de uma Área de
Proteção Ambiental e exercendo significativas funções ambientais.
Na porção localizada no município de Salvador, o que se observa é
uma indiferença em relação à APA, além do não investimento em infraestrutura
ou informação que poderiam possibilitar a integração da população com esse
importante espaço natural.
Dessa forma, diante da situação dos espaços territoriais
especialmente protegidos em Salvador, observa-se que em regra há uma
desarticulação e uma desmobilização no que se refere ao processo de
integração da população com esses espaços.
É importante ressaltar que é mais do que sabido por todos os
especialistas e estudiosos da questão ambiental que a relação da população
da população com os espaços naturais é fator primordial na preservação do
meio ambiente. O afastamento dos cidadãos em relação à natureza facilita o
processo de alienação da dinâmica ambiental e facilita as ações de
degradação.
Mesmo os instrumentos legais que norteiam as políticas ambientais
estabelecem a necessidade de integração dos espaços naturais protegidos
com a população. A Lei 9965 de julho de 2000, que o institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, prevê que o Plano de
Manejo das unidades deve incluir medidas com o fim de promover a integração
das unidades à vida econômica e social das comunidades vizinhas.
O estímulo à participação se manifesta como uma tentativa de reintegrar a população no processo de formulação e de acompanhamento das políticas de gestão das unidades de conservação. Os parques urbanos apresentam, no entanto, um importante papel social, assegurando funções de ordens diversas. A instituição de unidades de conservação deve ser concebida não somente como instrumento de preservação de ecossistemas, mas também como uma forma de garantir a consolidação de um espaço público que favoreça as relações sociais e beneficie a comunidade urbana (ALINE, 2010, p. 3.
Dessa forma, percebe-se que os espaços naturais legalmente
protegidos em Salvador não exercem a plenitude de sua função no município,
principalmente por não servirem de espaço de integração da população, e por
ficarem cada vez mais fragilizados diante das pressões exercidas pelos setores
hegemônicos políticos e econômicos, sobretudo do setor imobiliário, que tem
significativa liberdade para intervir em espaços protegidos com a conivência do
poder público e a conveniente indiferença da população.
Então, comparando-se a realidade ambiental encontrada no
município de Salvador e o previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano, pode-se afirmar que apesar de determinados avanços promovidos
pelo texto legal, observa-se uma incapacidade de se alterar substancialmente a
realidade a partir desse texto. Conclui-se que essa situação acontece por não
haver previsão de meios que garantam a aplicação do previsto no PDDU,
através de efetivação fiscalização e punição de eventuais irregularidades.
Sem a efetiva preocupação de se estabelecer e garantir
instrumentos de fiscalização e punição, fica evidente que nenhum texto legal
tem força suficiente para promover a transformação da realidade. Essa
realidade fica extremamente clara no que se refere ao poder do PDDU na
transformação da dinâmica ambiental em Salvador.
Por outro lado, e ainda mais grave, é observar que determinados
setores da sociedade têm força suficiente para interferir na própria elaboração
dos textos legais, em questões que afetam negativamente a qualidade de vida
de parte significativa da população. Esse processo fica evidente quando o setor
imobiliário interfere na configuração do texto do PDDU e incorpora previsões
legais que permitem e legitimam ações que depredam o meio ambiente e
prejudicam parte da população, sobretudo os mais pobres, que se veem
privados de inúmeros ativos ambientais que lhe são retirados ou não
garantidos.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto e analisado nessa monografia, fica
extremamente clara a importância dos marcos legais na construção da
dinâmica urbana. Especialmente no que se refere à relação da cidade com o
meio ambiente, relação que só pode ser sadia se forem respeitados esses
marcos legais.
Na busca pela garantia de meios urbanos ecologicamente
equilibrados, fica evidente, também, a necessidade de se garantir a visão
sistêmica dos textos legais que tratem dos assuntos relacionados ao meio
ambiente. Se essa visão sistêmica, que busca tratar as diversas dimensões da
dinâmica das cidades, não for respeitada, esses instrumentos legais servirão
sempre apenas como formas paliativas de se tratar a questão e serão usados
apenas como discurso capaz de legitimar as ações de agentes que, ao
contrário de promover a preservação ambiental, na verdade funcionam como
predadores.
Nesse trabalho monográfico, em relação a esses agentes
predadores, notou-se a significativa relevância do setor imobiliário como força
política e econômica capaz de influenciar, na maior parte dos caos de forma
negativa, a construção da realidade ambiental do município.
Encarando-se essa realidade, para que se consiga produzir efeitos
que sejam de fato eficientes na construção de uma sociedade equilibrada, é
preciso que o meio ambiente seja entendido como parte indissociável do meio
social, a ele dando o suporte necessário para manutenção da sustentabilidade
da relação entre homem e natureza.
Essa premissa, apesar de ser relativamente considerada em
pequena parte das leis que regem o direito ambiental no Estado da Bahia,
parece ainda muito longe de ser realmente respeitada. O que se observa na
realidade é uma nítida separação entre o meio natural e o meio social. Dessa
forma, o meio ambiente deve simplesmente ter parcelas preservadas, sem que
se promova a suas potencialidades como fator de bem estar para a cidade.
Essa separação, como foi visto nessa monografia, gera um perigoso
distanciamento da população em relação ao meio natural. Esse distanciamento
é perigoso, uma vez que, a partir do momento em que a sociedade enxerga o
meio natural como algo alheio à sua realidade, algo que deve ser preservado à
distância, apenas como fator simbólico, para ser esporadicamente visitado e
apreciado, essa sociedade deixa de exigir a plenitude dos ativos ambientais.
Essa falta de ação da população para exigir a real integração do
meio ambiente como fator de construção de bem estar na cidade ocorre
exatamente porque, diante do citado distanciamento, na prática, a população
não é capaz de enxergar todos os fatores positivos que seriam gerados pela
preservação ambiental na cidade.
Vale lembrar que esses fatores positivos vão muito além da simples
manutenção de áreas verdes para contemplação e lazer. Embora esses sejam
dois fatores importantes, não são os únicos nem necessariamente os
principais. Fatores como conforto climático; qualidade do ar e da água, e
consequentemente, da saúde; prevenção de enchentes, inundações e
deslizamento de terras, são apenas alguns do benefícios que são gerados
como consequência da manutenção do equilíbrio ambiental e que grande parte
da população não tem a verdadeira noção da sua importância.
Sendo assim, acredita-se que os textos legais e as políticas públicas
deveriam pautar a promoção da integração entre sociedade e natureza, como
forma de se iniciar um processo que promoveria a elevação da preservação
natural na cidade como meio de se garantir a melhoria na qualidade de vida no
meio urbano.
No caso de Salvador, foi visto que o Plano de Diretor de
Desenvolvimento Urbano significa um avanço na construção de uma cidade
melhor, mas ainda sofre com forças política e econômica contrárias à
valorização dos ativos ambientais na construção do futuro da cidade. Esse
quadro reflete em uma cidade que ainda está muito longe de garantir aos seus
moradores o real direito a uma cidade ambientalmente equilibrada.
Essa impotência do PDDU diante da tentativa de se promover uma
cidade mais equilibrada se dá em grande parte da ineficiência na garantia de
aplicação do mínimo já previsto legalmente. Faltam meios e instrumentos que
sejam capazes de promover a aplicação do que já é garantido por lei. A pouca
fiscalização e monitoramento são fatores dos mais sérios na ineficaz aplicação
das politicas públicas relacionadas ao meio ambiente.
Ainda mais grave é perceber que parte dessa ineficiência não é
totalmente arbitrária. Parte dessa ineficiência é gerada por forças hegemônicas
que têm interesses contrários à aplicação de determinadas ações,
especialmente, como amplamente abordado nesse trabalho, os setores
imobiliário e hoteleiro.
Assim, além de pecar na falta de articulação da questão ambiental
com a totalidade da dinâmica municipal, foi visto que o Poder Público ainda se
mostra incapaz de garantir o mínimo no que se refere á questão ambiental, que
seria assegurar pelo menos que o que já está previsto no PDDU seja aplicado
em toda sua totalidade na cidade.
Assim, e diante de tudo que foi visto nesse trabalho, fica clara a
importância do Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador para a
construção de uma cidade ambientalmente mais sadia, mesmo que ainda
sejam óbvias as suas limitações.
Concluindo, é preciso preservar e reforçar as melhorias já garantidas
e buscar novos avanços na construção de uma cidade mais justa, onde a
sociedade seja capaz de usufruir o melhor que o meio natural tem a oferecer.
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