DO CENTRO-OESTE PARA O NORTE: A COMISSÃO RONDON E
FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM VILHENA- RO (1960-1980)
Josiane Brolo Rohden126
Universidade Federal de Rondônia
Resumo: Este trabalho direciona um olhar para a História da educação de Vilhena-RO, na
perspectiva de registrar a história, as memórias e práticas educativas num momento em que a
educação se constituía conjuntamente com uma cidade, a partir dos resultados da Expedição
Rondon, que ganhou repercussão internacional por ligar o Norte do país às demais regiões
brasileiras pela implantação de linhas telegráficas. Dentre os objetivos da pesquisa, ressalta-se
a necessidade de contribuir para compreender como fora organizado o sistema educacional da
primeira instituição educativa durante o período de 1960 a 1980, considerando os métodos, as
práticas educativas que sucederam em tal momento histórico. Para o desenvolvimento da
pesquisa nos apropriamos de documentos escolares, fotografias, adquiridos não apenas no
espaço escolar, mas também em acervos públicos e particulares. Também, utilizamos da
metodologia da História Oral, e, entrevistas foram realizadas com ex-professores e alunos da
época. A pesquisa sugere discutir a importância da educação para o desenvolvimento de uma
região, já que se configura enquanto lugar de produção de cultura, enquanto espaço onde se
determinam a partir das relações sociais a difusão de saberes e conhecimento.
Palavras-Chave: História da Educação. Expedição Rondon. Vilhena-RO
126 Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UniversidadeFederal de Mato Grosso. Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa: GEM (Grupo de Estudossobre História da Educação e Memórias), e, do GEPRAM (Grupo de Estudos e Pesquisassobre Relações Raciais e Migração). Professora lotada no Departamento Acadêmico deCiências da Educação, UNIR∕Vilhena. Contato: [email protected]
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APRESENTAÇÃO:
Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns resultados de uma pesquisa, de
cunho historiográfico sobre como se consolidou um sistema educacional e como a infância era
concebida durante o período de colonização e migração de Vilhena, estado de Rondônia. Para
tal, a pesquisa necessitou revisitar o passado, com um olhar direcionado para a Expedição
Rondon, a fim de compreender como se deu a construção de um estado, visto que Rondônia é
resultado da abertura de estradas para a implantação de linhas telegráficas, quais se estendiam
de Cuiabá, Mato Grosso ao estado do Acre, missão esta cumprida por Marechal Cândido
Rondon127 e sua Comissão entre os anos de 1907 a 1915, e, contou também com a
participação do então Presidente Norte Americano Theodore Roosevelt, nos anos de 1913 a
1914.
Para compreendermos o contexto da colonização e migração da cidade de Vilhena,
neste momento histórico, esta pesquisa foi realizada a partir da Metodologia da História Oral,
com a participação de ex-professores e alunos, que no período de migração tiveram sua
participação na colonização do município, servindo assim, de testemunhas da história. Neste
sentido, a História Oral ganha espaço “[...] e percebe-se a importância da memória dos
sujeitos anônimos [...]”. (THOMPSON 1998, p.15).
Com o período delimitado entre (1960-1980), dirigimos um olhar sobre a formação da
Instituição Escolar, na busca de conhecer experiências históricas da escolarização em terras
até então desconhecidas, que para um olhar mais amplo, vivia como todo o país sob a égide
da Ditadura Militar.
127 Cândido Mariano da Silva Rondon, mais conhecido como Marechal Rondon, nasceu emSanto Antônio de Leverger, em Mato Grosso em 5 de maio de 1865, De origem indígena porparte de seus bisavós maternos (Bororó e Terena) e bisavó paterna (Guará), é consideradoainda hoje pela História, um dos maiores militares e sertanista brasileiro. Em 1907, no postode major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveriaconstruir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antonio do Madeira, a primeira a alcançara região amazônica, e que foi denominada Comissão Rondon. Faleceu no Rio de Janeiro em 19 de janeiro de 1958.
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Assim, o trabalho aqui apresentado procura compreender o cenário de como se formou
uma instituição escolar concomitantemente à construção de uma cidade, num momento de
movimentação migratória.
A história da cidade de Vilhena começa em início do século XX, resultado da
Expedição Rondon, qual previa a implantação das linhas telegráficas, que uniria Mato Grosso
até o estado do Acre às demais regiões do país.
Por isto, a referência deste trabalho: “Do Centro-Oeste para o Norte”, pois, foi de
Cuiabá-MT, que a Comissão chefiada pelo Marechal Cândido Rondon, designado para tal
missão, parte com seus homens e pesquisadores que formavam juntos a Comissão, para o
Norte de um Brasil desconhecido, com a proposta de abrir estradas, percorrer as linhas
telegráficas e, consequentemente, fundar cidades, dentre elas, Vilhena, que recebeu este nome
pelo próprio Rondon que quis homenagear Álvaro Coutinho de Melo Vilhena, engenheiro
chefe da Organização da Carta Telegráfica Pública.
Diante do exposto, esta pesquisa justificou-se pela necessidade de registrar um
momento tão significativo para a Educação de Vilhena, assim como para com a História da
Educação Nacional. Neste sentido, pretendeu-se realizar as ações desta pesquisa, de forma a
perceber a história não contada pela História Oficial, mas, de modo a conceber em seu
contexto a história enquanto significativa para os sujeitos que dela participaram.
A Comissão Rondon e a formação da cidade de Vilhena - RO
A cidade de Vilhena, denominada “Cone Sul” do estado de Rondônia, teve sua história
marcada no início do século XX, por volta de 1910. Trata-se de um município, cuja história é
marcada por dois grandes períodos:
a) as linhas telegráficas estendidas pela Comissão Rondon;
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b) a ocupação efetiva e desenvolvimentos trazidos pela construção da Rodovia BR
029, atual BR 364, que influenciou centenas de migrantes à mudar-se para a cidade e para o
estado em busca de um futuro mais promissor.
A missão de Rondon oficialmente decretada pelo então Presidente Afonso Augusto
Moreira Pena em 1907, consistia em construir a linha telegráfica que partia da Região Centro
Oeste, especificamente de Mato Grosso ao vale do Rio Madeira. Estando finalizada, esta
ofereceria acesso para o Acre, a Purus e a Juruá, como também a Manaus. Convidado pelo
então Presidente, Marechal Cândido Rondon passou a chefiar a “Comissão Rondon”, que
ganhou repercussão internacional.
Figura 02: Foto Parcial Da Comissão Rondon, 1911. Fonte: Rondônia em Sala (2014)128
128 Em nota essa imagem pode ser acessada no domíniohttp://rondoniaemsala.blogspot.com.br/2012/04/infra-estrutura-em-vilhena-o.html
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Andrade e Guarnieri (2012), acrescentam que os trabalhos e a construção iam além da
simples colocação da linha telegráfica, pois contavam com a presença de antropólogos,
etnógrafos e demais especialistas, a fim de executar um trabalho específico de sua formação.
Isto ocorreu em todo estado de Rondônia, com as montagens dos acampamentos e instalação
do material telegráfico, propiciou o surgimento de muitas vilas ao redor dos acampamentos e
estas foram se ampliando e se tornando cidades, assim como o caso de Vilhena.
Os esforços e os trabalhos da Comissão Rondon, que estendia linhas telegráficas se
voltavam para possibilitar e melhorar comunicação desta região com o Sudeste e Sul do País.
Esta comunicação visava manter o território sob a posse do Brasil, uma vez que, havia o risco
dos possíveis interesses das nações vizinhas em dele se apropriar, como já ocorrera
anteriormente no Brasil, e, o que se deu com os bolivianos e os peruanos em relação ao Acre
na primeira metade do século XX.
A Comissão Rondon realizou a obra de ligação telegráfica entre Cuiabá e Santo
Antônio do Rio Madeira. Foi iniciada em 1907, no governo Afonso Pena e concluída no
Governo Hermes da Fonseca em 1912. A ligação telegráfica propiciou intenso povoamento
surgindo povoados que se transformaram em municípios do Estado, como: Vilhena, Pimenta
Bueno e Jarú entre outros.
Para a efetivação da obra muitas trilhas foram abertas e estas foram posteriormente
sendo ampliadas para estradas, porém, algumas foram abandonadas. Entretanto, uma destas
picadas abertas na mata foi ampliada como estrada, sendo a BR-029, que posteriormente
tornou-se a BR-364, ampliando o acesso à ocupação de migrantes vindos de diversas regiões
do Brasil, em especial do Sul e Sudeste.
Além disto, a distribuição de terras federais a colonos, pelo Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária (IBRA) e pelo Instituto Nacional de Colonização (INC), a partir de meados
de 1960 impulsionou o fluxo migratório, de pessoas que vinham para Vilhena e região com
um objetivo comum: em busca de melhores condições de vida, vislumbrados com as riquezas
de um “Eldorado” no Norte do país.
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Rondônia, conhecida no período como “O Novo Eldorado” surgiu de valiosíssimos
planos econômicos governamentais para resolver os conflitos em outras regiões do país e,
para “ajudar” no desenvolvimento brasileiro, uma vez que o país vivia grande expansão
industrial. Neste cenário, se faziam os traços de que “O Novo Eldorado” teria que percorrer a
“era” do desenvolvimento rápido e lucrativo.
As ações conduzidas por militares promoveram políticas públicas que influenciaram o
processo de colonização, a qual trouxe consigo diversos tipos de conflitos, tirando dos
tradicionais seringueiros e indígenas as suas terras e dando início à um tortuoso esquema de
violência. O lema utilizado pelos militares (GOMES, 2012, p.179, grifo do autor) “BRASIL,
AME O OU DEIXE-O”; “AMAZÔNIA INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR” alinharam-
se à “RONDÔNIA, O NOVO ELDORADO”.
No dia 22 de Dezembro de 1981 foi aprovada a Lei nº 41, tornando Rondônia um
estado federativo, pois até então era considerado Território Federal do Guaporé, que,
posteriormente em 17 de fevereiro de 1956 com Lei nº 2.731, muda o nome para Território
Federal de Rondônia, uma homenagem ao Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.
Neste âmbito, a cidade de Vilhena, por se tratar de um município que faz divisa com o
estado de Mato Grosso, tornava-se naquele momento um ponto de chegada para muitos
migrantes aventureiros.
Assim, Vilhena chamava a atenção devido à diversidade natural, com várias planícies,
campos verdejantes, clima tropical, águas claras e rios caudalosos rodeava a cidade como o
Rio Vermelho, Barão do Melgaço, Piracolina e Pires de Sá.
Muitos migrantes que na região chegavam, sonhavam e percorriam em seus sonhos
que: “[...] a terra era tão boa que pé de milho em Colorado produzia cada sete espigas; pé de
quiabo crescia tanto que as pessoas subiam para colher, maracujá dava de quilos; abóboras e
mandiocas gigantes [...]” (GOMES, 2012, p.174).
Essa era a imagem que muitos migrantes tinham do novo estado. Entretanto, a
realidade da comunidade que se formava estava um tanto distante das falas e dos sonhos, a
terra precisava ser trabalhada, adubada, muitas matas fechadas ainda tomava conta dos
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perímetros urbanos. As estradas ainda estavam em abertura, e muitas das famílias chegavam
em grandes quantidade, levavam dias para chegar ao destino, pois além das estradas sem
infraestruturas, vinham transportados por caminhões de “pau de arara”129 e pelas companhia
de ônibus que iniciava seus trabalhos no estado, como apresentado na fotografia a seguir:
Figura 1: Transporte rodoviário para Vilhena, 1970.
Fonte: Memória Vilhenense, 2014.130
Uma miscigenação de culturas foi tomando conta da região e a migração era constante,
não demorou muito e intensificou a chegada de todos os lados de aventureiros, garimpeiros e
colonos e outros à procura de terras e riquezas. A esfera de migração foi muito forte por parte
principalmente dos sulistas e nordestinos. Faz-se necessário explicar que as geadas que
acabavam com os campos no sul traziam os sulistas à procura de clima tropical para plantar e
colher e em busca de um futuro promissor, e, os nordestinos com a mão de obra barata, eram
trazidos para trabalhar, especialmente na construção de estradas, ocupando também grande
129 Meio de transporte irregular ou adaptações de meios de transportes precárias para transportar pessoas.
130 Em nota essa imagem pode ser acessada no domínio: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=747750215268173&set=o.539968546039975&type=3&theater
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parte da região. Contudo, em Vilhena, é notório um discurso hegemônico de que é uma cidade
tipicamente sulista, na tentativa de “não deixar aparecer”, que é também povoada por muitos
nordestinos, o que no entanto, não poderíamos deixar de pontuar, uma vez que houve na
história e ainda há forte influência da cultura nordestina presente nas terras rondonienses,
inclusive em Vilhena.
No entanto, muitos que na região chegaram, levaram consigo as dificuldades
encontradas, muitas famílias migrantes de qualquer que seja a região oriunda, foram vítimas
do “descaso governamental” como relata Gomes (2000), houve muitas falhas no processo de
colonização e integração dos colonos ao clima tropical das florestas e aos perigos das
mesmas, além disso, a malária era muitas vezes incontrolável, e, inúmeras vidas não
resistiram à ela. Houve também a ausência de órgãos fiscalizadores, o que permitiu, levar ao
longo da história o desaparecimento de muitas de nossas matas e árvores nativas, sob um
desmatamento sem controle.
Fragmentos da História da Educação em Vilhena
Durante o período de colonização de Vilhena a educação brasileira vivia ainda em um
período de Ditadura Militar (1964-1985). Com o golpe militar de 1964 a educação e o
contexto social passaram por grandes transformações, trazendo grandes consequências e uma
intensa reestruturação da educação.
Diante do exposto, justifica-se a necessidade de registrar um momento tão
significativo para a Educação de Vilhena, assim como para com a História da Educação
Nacional.
Contudo, a educação para os filhos das famílias dos colonos que em Vilhena
chegavam, no momento de colonização, tornou-se uma grande preocupação no meio da
sociedade que se formava. Os olhares não estavam voltados somente para as terras, para o
cultivo ou para as linhas telegráficas a educação a influenciava na formação da infância, pois
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passava a fazer parte dos objetivos da nova sociedade que se estruturava, qual necessitava
formar cidadãos desejáveis para coordenar o futuro daquele lugar.
Com tal preocupação, se verifica que, o Instituto Estadual de Educação Wilson
Camargo foi a primeira escola de Vilhena. Criada pelo Decreto nº 353 de 10 de Agosto de
1960 e denominada primeiramente de Escola Isolada Wilson Camargo. No início funcionava
numa “casinha” rústica às margens do Rio Pires da Sá, oferecia somente até o terceiro ano e
eram apenas duas salas de madeira, com apenas dez alunos.
O caráter rudimentar da estrutura física da escola, sendo de madeira, ficando assim, à
mercê das mudanças climáticas. As chuvas ocorriam com frequência em Vilhena e pode-se
perceber que as paredes não eram vedadas para a proteção dos alunos, professor e materiais
pedagógicos.
Nos diversos relatos orais, percebeu-se a lembrança dos tempos difíceis e desse modo,
as frustrações, as incertezas, os desencontros, entre tantos outros sentimentos e experienciais
que marcaram o cotidiano desses homens e mulheres comuns que no lugar chegaram e se
confrontaram com o desconhecido, tendo que formular e reformular estratégias, incorporando
práticas, transformando o meio e adaptando-se a nova realidade a partir de uma perspectiva
coletiva. Neste cenário, entra em cena a escola com seus atores: alunos e professores e, desta
forma, entende-se que existe uma essência fundamental “nesta historicidade cotidiana,
indissociável da existência dos sujeitos que são os atores e autores de operações conjunturais”
(CERTEAU, 1998, p. 82).
Essa escola que entra cena, “pequenina”, criada pelo Decreto nº 353 de 10 de Agosto
de 1960, inicia suas atividades somente a partir de 1962, em uma sala da casa da então
diretora, na época, professora Noeme Barros Pereira. Anos depois, a pequena escola passou a
funcionar em uma casinha rústica, agora sob a responsabilidade do casal Osmar (diretor) e
Esmeralda (professora) em condições precárias como já referido anteriormente, com apenas
10 (dez) alunos, entre eles os filhos de Marciano Zonoece131 e da Senhora Zuleide Falcão.
131 Índio aculturado chegou na região em 1943 para zelar e operar o Posto Telegráfico deVilhena (aprendeu a função de telegrafista no Posto Telegráfico de UtiliaritÍ – atualDiamantino –MT.) (BRASIL, 2000).
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A escola era “o centro de tudo” no pequeno povoado de Vilhena, pois, até 1970132, nem
mesmo igreja havia na cidade, assim todos os eventos importantes eram realizados na
instituição escolar:
[...] as missas eram celebradas na escola. E até mesmo as festas e eventos políticos,inclusive a escolha do nosso primeiro prefeito distrital, Renato Coutinho dos Santos,em 1977, também aconteceu na escola. E nas quartas-feiras, os militares do 5ºBatalhão de Engenharia e Construção (5º BEC) vinham para a escola para hastear abandeira e cantar o hino nacional (JOSÉ, depoimento, 28/01/2015).
Não só as missas eram celebradas na escola, lembra a atual servidora da escola em seu
depoimento: “o padre Ângelo Spadari, chegou a dar aula na escola (ensino religioso), ele não
só rezava a missa aqui aos domingos, mas era legal, se nos faltávamos à missa, ele ia buscar
em casa, não podíamos faltar á igreja” (JOSÉ, depoimento, 28/01/2015).
Rezava-se muito, cantava-se o hino, hasteava-se a bandeira, havia muito civismo,
também tinha as datas comemorativas e tudo era feito com muito amor.
[...] como de costume chegava de manhã cedo se formava a fila, cantava-se o hino ese fazia a oração, todos os dias, e assim cada turma ia pra sua sala e aquele tempotambém devido a falta de estrutura da escola, as vezes até as series se misturavam,acontecia da primeira e segunda serie juntas, terceira e quarta (CONCEIÇÃO,Depoimento, 21/01/2015)
A escola era um campo aberto, em volta era só mato, assim o sino ficava no meio dopátio, em frente à escola, entre dois palanques de madeira, e era tocado todos osdias. Todas as segundas-feiras era hasteada a bandeira e a professora já combinava ahora de baixar e guardar. Lembro também quando passou por aqui o fogo simbólicoda paz e permaneceu na escola por três dias e de hora em hora um aluno ficavaguardando, quando era de noite os soldados do 5º BEC vinham para vigiar o fogosimbólico (JOSÉ, depoimento, 28/01/2015).
132 A Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, foi inaugurada em no dia 24/05/1970, em missasolene celebrada pelo Padre Ângelo Spadari, pioneiro no trabalho missionário na região.
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Durante a aula o silêncio e a disciplina eram muito exigidos, inclusive com castigos
para quem não respeitasse as regras, sob a metodologia de ensino tradicional, conforme
depoimentos analisados.
[...] era aula normal (com cartilha e atividade) tudo (a professora passava atividadepra casa) ela dava aula para a primeira e a segunda série tudo junto. Para a segundaela passava no quadro e para a primeira série era tudo no caderno. Ela passava nocaderno pra nós, quando entrou a terceira série que foi aumentando e já eram trêsturmas, a primeira a segunda e a terceira, era tudo junto, ela dividiu o quadro nomeio pra segunda e a terceira e a primeira série no caderno. Corrigia todo dia nossocaderno e tomava a tabuada todo o dia Ela nos colocava em fila e ia perguntando pracada um, perguntando sorteado e quando a gente não estudava que não sabia elacolocava nós de castigo para estudar, na hora do recreio, ninguém saia para o recreiotinha que estudar tabuada e, quando ela voltava nós tínhamos que falar a tabuadasem tomar fôlego, sabe ela ia perguntando e nós respondendo tudinho, sem dartempo até de contar no dedo. (JOSÉ, depoimento, 28/01/2015 )
Era um tempo assim, que a gente estudava bastante, aprendíamos e também existiamuita amizade entre os alunos e entre os professores e os professores tinham assimantigamente existia a palmatória e o chapéu de burro que era um chapéu que se vocêfizesse alguma coisa errada ou se você respondesse mal, fosse mal educado aprofessora colocava a gente lá na frente da lousa e colocava o chapéu na cabeça evocê ficava lá por vinte ou por quinze minutos pagando o castigo, hoje em dia seriapagando mico ne ou até mesmo seria bulling o que eu não acho que na época serviaporque pelo menos qualquer aluno se sentia com tanto medo de receber esse castigoque ficava comportado e respeitava o professor, respeitava a sala de aula, então eulembro que chequei a usar acho uma vez porque eu era terrível (CONCEIÇÃO,depoimento, 21/01/2015).
Os relatos orais são lembrados com saudosismo, também as atividades nas cartilhas, a
maneira como o professor trabalhava com aluno e com suas dificuldades, a escassez de
materiais e, a relação dos professores com a família, também revigoram na memória:
As atividades nos estudávamos com cartilhas, existia a cartilha Caminhos Suave,eram as cartilhas que nos estudávamos antigamente, eu me lembro muito daCaminho Suave que era uma cartilha que eu amava estudar nela aprendi a ler comela, então era assim era bem gostosa as atividades dela e a maneira como a genteaprendia a tabuada eu gostava muito da tabuada. Era assim eu me lembro até hoje asvezes as professoras pegavam quando a gente tinha muita dificuldade pra aprendera tabuada, ela pegava uma folha e ensinava nós a fazer os risquinhos para irsomando ou diminuindo. Então assim era bastante e atividade na sala de aula e a gente levava palitinho defósforo para somar, era um tempo gostoso, era uma coisa gostosa de aprender e, eu
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gostava muito não sei se os colegas, na época gostava, mas para mim era bastantegostoso (CONCEIÇÃO, depoimento, 21/01/2015).
A gente acaba assimilando muito do professor para a nossa vida, para o nossotrabalho, então tem vários professores, lembro do amor deles pela educação, lembroda atenção deles, do carinho deles com seus alunos e pela escola, pela própriaeducação e é isso que acaba motivando você as vezes a ir por esse carinho também elembro daqueles professores que eu pensava assim, que quando eu for professora eunão vou fazer isso com meus alunos, tenho boas lembranças de excelentesprofessores, porque na nossa época a escola apesar de ser pública a escola não tinhamaterial, era o aluno que tinha que comprar, hoje a educação está muito fácil, nanossa época a gente lutava para conseguir um livro, a escola era pública, mas omaterial não era público, depois que veio esse programa do livro nacional, hoje aescola tem recursos de sobra e está faltando profissional, na nossa época nóstínhamos o professor, o quadro, o giz e o aluno o caderno e quem podia comprava olivro que era muito caro (AZEVEDO, depoimento, 19/02/2015).
Os professores tinham muito mais ligações com os pais e sempre que os alunostinham algum problema na escola, os professores iam acompanhar a família parapoder dar orientações aos pais e, lógico os alunos prevendo que poderiam sercastigados pelos pais procuravam se comportar porque sabiam da aproximação dasprofessoras com os pais, na época todo se conhecia na cidade, era um tempobastante gostoso (CONCEIÇÃO, depoimento, 21/01/2015).
Ainda, são trazidos à memória as brincadeiras, o recreio e gestos de carinho feitos
pelos professores, bem como a disponibilidade dos mesmos para com a comunidade, até
mesmo para fazer o lanche das crianças.
Era tudo brincadeira - a professora brincava junto com nós de roda, de pega-pega, detudo ela brincava junto com nós. O lanche quando nós estávamos lá não tinha, nóstínhamos que levar de casa, quando teve a salinha de aula aqui aí a minha vó fazialeite, bolinho na hora do recreio e nós íamos lá buscar para lanchar. A escolafornecia os produtos e a minha avó fazia para nos (JOSÉ, depoimento, 28/01/2015).
Assim, o processo educativo nas primeiras décadas de constituição da cidade de
Vilhena se deu de forma lenta e gradual, dos escassos recursos de pessoal, infraestrutura a
formação de uma equipe mais qualificada para atender a demanda educativa.
No início, em 1974 quando eu assumi só tinha uma sala de aula, então nos juntamostodas de 1ª a 4ª série e numa sala só, depois apareceu a primeira professora foi a EliBitelo, assim nos dividimos, a Eli Bitelo já era professora aqui em Vilhena de uma
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escola rural ela dava aula em uma madeireira, veio pra Vilhena e assumiu a turma,nos deixamos duas turmas de manhã e duas turmas a tarde. Eu ficava com umaturma e ela à tarde, depois logo em seguida veio a Olga Galino, também assumiu epude me ausentar e ficar só na secretaria e na direção. Logo depois chegou a IdarciMaraskin a irmã dela também foi professora, a Nelci e logo em seguida já fomosconstruindo mais uma sala e já começamos a alugar ali por perto (ROCHA,depoimento, 27/01/2015).
Ainda no período em estudo, analisando o currículo escolar, percebe-se que a
introdução da Educação Moral e Cívica, juntamente com o catolicismo, preocupava-se em
manter a hegemonia e o controle, fazendo grandes críticas ao ensino laico.
O ensino de História nos anos iniciais era voltado para a Moral e Cívica, as memórias
históricas eram narradas através de contos, porém, a formação desses cidadãos provinha de
uma carga de educação civil, patriarca e histórica sem muitos questionamentos e com grande
patriotismo.
Além disto, as práticas transmitiam um sentimento patriarcal, amor à pátria e doação a
nação brasileira, através de desfiles cívicos, ritos e rituais frequentes no cotidiano da escola
que propagavam um forte patriotismo.
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Figura 03: Desfile cívico de 7 de Setembro de 1977 da Escola WilsonCamargo.
Fonte: Memórias Vilhenense (2007)133
Nos relatos da entrevistada Maria (2015) pode-se perceber como o patriotismo fazia
parte de sua mente e coração. Ela narra em seus depoimentos, que foram as aulas de Moral e
Cívica em sua infância que a despertou para uma vida dedicada a manter a “paz na
sociedade”.
A gente era criança gostava de brincar, os professores eram muitoqueridos a gente era muito unido brincava muito, estudava muito. Paranos na época era muito bom, muito divertido. As carteiras eram demadeira, os bancos eram feitas de tábua e emendados para guardar asmochilas, então, sentávamos três a quatro nas carteiras. O ensino erarígido, a palmatória, o castigo, o chapéu de burro na época, mas, voute dizer uma coisa: A palmatória poderia até ser um exagero na escola,o chapéu de burro, só que vou te dizer uma coisa essa época que agente estudava que tinha tudo isso os alunos tinham medo eles iampara a sala de aula respeitando os professores e muitas vezes elesdeixavam de fazer algo errado e de maltratar os professores para nãoter que ficar lá na frente com o chapéu de burro na cabeça ou qualqueroutra coisa. [...] eu acho que pelo menos na época que eu estudava euachava que colocava um certo tipo de respeito diante dos professores,diante das pessoas maiores, das pessoas mais velas as crianças tinhamrespeito. Eram umas brincadeiras mais saudáveis que tinham nasescolas, a gente respeitava os professores, os diretores, cada um sabiao seu devido lugar, o que hoje em dia já não existe mais. [...] Leveiumas palmadas quando eu precisei e não morri por causa disso,comecei a trabalhar com 12 anos de idade eu sei o valor de umserviço, eu sei o que custa o suor da gente para comprar alguma coisapara ter eu sei valorizar o que meus pais gastaram por mim. Coisa que
133 Em nota essa imagem pode ser acessada no domínio https://www.facebook.com/photo.php?fbid=703419339690272&set=o.539968546039975&type=3&theater
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um filho não sabe valorizar hoje em dia o sofrimento de um pai. Entãotudo isso deveria ser revisto. [...] por medo eles tinham que obedecer,por respeito aos mais velhos e se tornavam uma pessoas de bem [...].
Enfim, são tantas histórias que nos deparamos ao revisitar a História da Educação de
Vilhena, assim como conhecer as memórias de muitos sujeitos que compunham o cotidiano da
instituição, e, que compõem o processo educativo juntamente com a construção de uma
cidade. Assim, conhecer as práticas e as relações no espaço escolar “nos permite ver a escola
em toda a sua complexidade” (MONTEIRO; CANEN; FONTOURA, 2010, p. 04).
A escola, dessa forma, foi se desenvolvendo para atender as necessidades educativas
requeridas pelo intenso fluxo migratório da região, em especial, principalmente nas décadas
de 1960 a 1980, recorte de nossa pesquisa. Através dos depoimentos coletados nos parece
óbvio a importância da educação para o desenvolvimento da região, já que esta foi se
organizando política, econômica, administrativa e culturalmente, com a participação dos
migrantes que aqui chegavam trazendo na bagagem o sonho da construção de uma vida
melhor e que doaram suas “artes de fazer” (CERTEAU, 1998), se organizando de forma
colaborativa, com os recursos de que dispunham na época, para construir a escola, deixando
cada um, com sua singularidade, uma marca que permeia a construção de uma identidade
própria para a escola, assim como para a cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressalta-se que este trabalho a partir de uma perspectiva da Nova História Cultural,
preocupou-se em fazer o registro de uma versão da história capaz de atribuir significado
através das memórias dos sujeitos que a produziram, uma história em que o fazer humano
fosse primordial, direcionada para as coisas simples, do dia a dia, das alegrias, das lutas e
sofrimentos, na maioria das vezes não considerados pela História Oficial (Cf. ROHDEN,
2012).
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Nesse sentido, a partir do referencial teórico adotado, das fontes encontradas, dos
depoimentos dos migrantes entrevistados, nos foi possível o entendimento de uma construção
da história, narrada pelos sujeitos que a produziram.
A cidade Vilhena-RO, situada nos movimentos desta pesquisa, fazia parte do projeto
de colonização promovido pelo Estado, num momento em que se visava à ocupação dos
espaços ditos “vazios” da Amazônia. Além disso, o potencial desenvolvimento da região
deve-se a priori, pela vinda do Tenente Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, com seus
homens, que passaram pela região que seria construída Vilhena em 1909, com a missão de
estabelecer uma ligação entre a região Norte e as demais regiões brasileiras.
O que nos instigou diante das memórias de professores e alunos migrantes
entrevistados, foi o quanto a imagem do presente se sobrepõem às dificuldades e os
sofrimentos do passado, fazendo com que os momentos vividos e superados tenham seus
reflexos hoje no desenvolvimento da cidade, dando ênfase não as dificuldades, mas,
principalmente as conquistas do presente.
Os migrantes que chegaram em Vilhena, contavam com a promessa de uma terra
abundante em riquezas e oportunidades, como também, com a promessa encontrar a escola
para que os filhos pudessem estudar , uma vez, que acreditavam ser a educação a garantia de
um futuro melhor para seus filhos. Entretanto, a educação naquele momento inicial não
recebeu a merecida atenção por parte do Estado.
Somente no ano de 1960, que entra em cena a escola, “pequenina”, com muitas
carências de materiais e infraestrutura. A primeira escola “Wilson Camargo”, foi criada pelo
Decreto nº 353 de 10 de Agosto de 1960, iniciando suas atividades somente a partir de 1962.
Assim, as crianças que compunham o pequeno povoado, estudavam todas reunidas sob o
regime multisseriado, de maneira improvisada, apenas para garantir a continuidade de seus
estudos.
A educação nos primeiros anos não somente esbarrou nas dificuldades de
infraestrutura e pessoal, mas também na falta de pessoal, de apoio e de materiais pedagógicos.
Quanto à metodologia utilizada, foi possível perceber através dos relatos orais coletados as
marcas de um ensino onde as atividades estimulavam a memorização, a instrumentalização, o
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silêncio e os sentimentos de civismo, além da imposição religiosa, uma vez que a Igreja,
também exercia forte influência na educação ofertada pela escola.
Dessa forma, a escola se configurava num espaço onde uma produção cultural
especifica era criada, recriada e reinventada, a partir de uma dinâmica onde estratégias
modeladoras eram estabelecidas através das relações sociais construídas e, onde ao mesmo se
difundiam saberes e conhecimentos (Cf. ROHDEN, 2012).
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Fábio Santos; GUARNIERI, Ivanor Luiz Na Trilha de Marechal Rondon:origens históricas de Vilhena. UMIR. Vilhena/RO: 2012. Disponível em<http://www.gepec.unir.br/anais/htdocs/pdf/Ivanor%20Luiz%20Guarnieri.pdf>. Acesso em 19 de julho de 2014.
BRASIL, Pedro. Vilhena conta sua História. Vilhena: Gráfica Delta, 2000.
DE CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. v.1, 4ª ed. Petrópolis:Editora Vozes. Tradução de Ephraim Ferreira Alves, 1998.
GOMES, E. História e Geografia Rondônia. Vilhena: Gráfica e Editora Express, 2012.
MONTEIRO, F. M. A.; CANEN, A.;FONTOURA, H. A. Construindo pontes na formação docente: experiências que se articulam. Revista de Educação Pública. Cultura escolar e Formação de Professores. EdUFMT, vol. 01, n. 01, 2010.
ROHDEN, J. B. A reinvenção da escola: história, memórias e práticas educativas noperíodo de colonização de Sinop - MT (1973-1979). 2012, 196 f. Tese (Mestrado emEducação) – Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, MatoGrosso, 2012. Disponível em: <www.ie.ufmt.br/ppge/dissertacoes/index.php?op=download&id=410> Acesso: 14 de Fevereiro de 2015.
SILVA FILHO, Gerino Alves. VILHENA 100 ANOS DE HISTÓRIA, 2009. Disponível em<http://widget-f1.slide.com/ widgets /slideticker.swftype="application/x-shockwave-flash">.
THOMPSON, P. A voz do passado – História Oral. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
Depoimentos Orais:
GEPRAM. Depoimentos Orais pertencentes ao arquivo particular do Projeto de Pesquisa: “Derepente, Professor! Histórias de vida de Professores-Migrantes de Vilhena-RO: um olhar paraa constituição dos saberes e fazeres docentes”, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobreRelações Raciais e Migração da Universidade Federal de Rondônia. Vilhena, 2015.
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