CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016
Educação e Diversidade
ISSN 2179-068X
Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT
13 a 16 de setembro de 2016
DO SILENCIAMENTO À INTERAÇÃO SOCIAL: UMA SÍNTESE DA LÍNGUA BRASILEIRA
DE SINAIS
Maria do Socorro Castro Soares
SEDUC-MT
Resumo O ser humano enquanto ser social materializa uma interação com seus pares a partir de um código comunicacional. É comum se compreender que a oralidade se constitui, a partir dessa premissa, como elemento de fundamental importância no processo das relações sociais. Assim, em uma sociedade de pessoas ouvintes, se faz necessário uma reflexão no sentido da participação ativa de pessoas não ouvintes, que integram e convivem cotidianamente nesse universo social. Nessa perspectiva, esse trabalho, baseia-se na análise bibliográfica de caráter qualitativo e tem como objetivo conhecer as condições socioeducativas da pessoa surda em período anterior à efetivação da Língua Brasileira de Sinais. Justifica-se pela necessidade de fazer emergir os meandros de lutas e reivindicações que permearam os caminhos da população não ouvinte na construção do processo de reconhecimento institucional da língua de sinais no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Surdez, Educação, História
Introdução
Este trabalho que trás como título “Do silenciamento à interação social: uma síntese da
Língua Brasileira de Sinais” busca percorrer os caminhos que conduziram à evolução histórica do
processo que culminou com o estabelecimento oficial da Língua Brasileira de Sinais e as fases
metodológicas que conduziram esse processo.
Sem a pretensão de grande aprofundamento cronológico, procura-se trazer à tona a condição
social da pessoa surda em períodos anteriores à criação das primeiras escolas específicas para
surdos, passando pelo estabelecimento da Língua de Sinais, chegando à educação para pessoas
surdas no Brasil e a efetivação metodológica da Língua Brasileira de Sinais. Contudo, em razão da
natureza dessa comunicação, essas considerações não devem ser vistas como uma delimitação
cronológica rígida, uma vez que, os períodos históricos percorridos serão visitados de forma mais
aligeiradas.
O problema que se coloca está pautado na busca de respostas que atendam à curiosidade
leiga, no sentido de conhecer qual a trajetória percorrida pela educação para oportunizar à pessoa
surda a interatividade social, em uma sociedade majoritariamente ouvinte. Assim, pretende-se
compreender: Qual o lugar social destinado à pessoa surda antes do estabelecimento da Língua de
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Sinais? Quais caminhos foram percorridos e quais expectativas se guardavam na construção do
processo que levou à educação escolarizada das pessoas surdas? Qual o nível de envolvimento
social e educacional na escolarização de pessoas surdas no Brasil com a utilização da Língua
Brasileira de Sinais?
Nessa perspectiva tem-se como objetivo geral compreender a dinâmica histórica e social que
fundamentou o processo evolutivo para o estabelecimento legal da Língua Brasileira de Sinais.
Enquanto objetivos específicos espera-se conhecer as condições socioeducativas da pessoa surda
em período anterior ao estabelecimento da Língua de Sinais, compreender o processo que levou à
educação escolarizada das pessoas surdas e entender o processo de reconhecimento legal da
Língua Brasileira de Sinais.
Metodologicamente, este trabalho se apoia na pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo e
fundamenta-se em autores como: Inácio (2009); Berthier (1984); Perlin, Strobel (2008); Neves
(1981); Sacks (1998), entre outros. Apoia-se também em fontes como: artigos científicos, livros,
revistas e materiais acadêmicos.
O trabalho está sistematicamente disposto em dois tópicos. O primeiro intitulado “Linguagens
Silenciadas”, disserta a respeito da invisibilidade dada às pessoas não ouvintes, anterior à
sistematização da Língua de Sinais e o estereótipo de incapaz.
O segundo “Língua Brasileira de Sinais: um percurso histórico” discorre a respeito do
processo educativo brasileiro, que fundamentou a Língua Brasileira de Sinais como linguagem de
pessoas surdas.
LINGUAGENS SILENCIADAS
As transformações econômicas e sociais impostas pelo mundo capitalista têm implicado numa
constante atualização do modus vivendi da população mundial. A celeridade dessas mudanças,
embora se constitua em resultados coletivos, exige, a priori, uma qualificação que, antes de chegar
ao coletivo, perpassa a esfera individual. Em relação à educação, em que pese a legislação garantir
a acessibilidade às pessoas com deficiência auditiva, percebe-se algumas lacunas de caráter
didático-pedagógicos e, principalmente, logísticos no que tange ao processo educacional, seja
direcionado para a escolarização ou profissionalização.
O ser humano enquanto ser social materializa sua interação com seus pares a partir de um
código comunicacional. É comum compreender-se que a oralidade constitui-se, a partir dessa
premissa, como elemento de fundamental importância no processo das relações sociais. Assim, em
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uma sociedade de pessoas ouvintes, se faz necessário uma reflexão no sentido da participação
ativa de pessoas não ouvintes que integram e convivem cotidianamente nesse universo social.
Convém compreendermos que as formas de comunicação se dão de variadas formas, sem que isso
exclua ou deixe fora da dinâmica social aquelas pessoas que utilizam uma forma diferenciada de
comunicação.
Segundo Wederson Honorato Inácio:
A falta de uma linguagem, independente de como ela seja, acarreta em especial na criança, atraso em seu desenvolvimento cognitivo, de aprendizagem, dificuldades de interação com outros sujeitos no seu meio e, em consequência, sua capacidade de interação com outros pode ser comprometida. (INÁCIO, 2009, p.3)
Percebe-se, portanto que a interação entre pessoas se dá através de algum código de
linguagem, seja ela oral, gestual ou através de qualquer outro signo capaz de efetivar uma interação
social. Contudo, nem sempre, outras formas de comunicação que não fosse a oralizada foram
aceitas. Na antiguidade, por exemplo, o tratamento dado à pessoa com necessidade de audição era
o de exclusão e inutilidade social, como nos dão conta as considerações de Bethier, quando este
autor se refere à Esparta:
A infortunada criança era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lançada de um precipício para dentro das ondas. Era uma traição poupar uma criatura
de quem a nação nada poderia esperar. (BERTHIER, 1984, p.169)
Sendo a Cidade- Estado de Esparta eminentemente guerreira, onde a própria educação
passava pela preparação bélica, a condição de “incompletude humana”, era automaticamente
descartada, ou seja, aquilo que não servia ao Estado não deveria existir.
Perlin e Strobel, de forma clara pontuam uma escala cronológica da situação de pessoas
surdas no decorrer da história, e, considerando a importância e disposição didática transcreve-se
aqui. Em relação à Idade Antiga, as autoras afirmam que na Grécia:
[..] os surdos eram considerados inválidos e muito incômodo para a sociedade, por isto eram condenados à morte – lançados abaixo do topo de rochedos de Taygéte, nas águas de Barathere - e os sobreviventes viviam miseravelmente como escravos ou abandonados só. (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 87)
Em Roma: [...] não perdoavam os surdos porque achavam que eram pessoas castigadas ou enfeitiçadas, a questão era resolvida por abandono ou com a eliminação física – jogavam os surdos em rio Tibre. Só se salvavam aqueles que do rio conseguiam sobreviver ou aqueles cujos pais os escondiam, mas era muito raro – e também faziam os surdos de escravos obrigando-os a passar toda a vida dentro do moinho de trigo empurrando a manivela. (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 87)
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Já no Egito e na Pérsia, a imagem do surdo, no mesmo período histórico divergia de Grécia e
Roma, aqueles consideravam os surdos como:
[...] criaturas privilegiadas, enviados dos deuses, porque acreditavam que eles se comunicavam em segredo com os deuses. Havia um forte sentimento humanitário e respeito, protegiam e tributavam aos surdos a adoração, no entanto, os surdos tinham vida inativa e não eram educados. (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 89)
Em linhas gerais, durante a antiguidade clássica, o pensamento aristotélico prevaleceu.
Ou seja, a vinculação da fala à estruturação do pensamento. Se não fala, não estrutura
pensamentos, consequentemente, segundo essa teoria, a pessoa surda não seria um ser
político, pois:
É na Política que vai ser explicada a natureza da linguagem. O animal político (zôon politikón) liga-se necessariamente à faculdade humana de falar, pois sem linguagem não haveria sociedade política. (...) A natureza não faz nada em vão e, dentre os animais, o homem é o único que ela dotou de linguagem. Sem dúvida a voz (phoné) é uma indicação de prazer ou de dor, e também se encontra nos outros animais; o lógos, porém, tem por fim dizer o que é conveniente ou inconveniente e, conseqüentemente, o que é justo ou injusto. (NEVES, 1981, p. 58).
Na Idade Média, o pensamento em relação ao surdo não mudou muito em relação à
Idade antiga “[...] Não davam tratamento digno aos surdos (...). Os surdos eram sujeitos
estranhos e objetos de curiosidades da sociedade” (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 92).
Alguns esforços em relação à educação de pessoas surdas vinham de iniciativas
religiosas, contudo, eram restritos a um público de jovens e crianças oriundos de nobrezas
locais.
Em termos religiosos, no mesmo período, tem-se que:
Aos surdos eram proibido receberem a comunhão porque eram incapazes de confessar seus pecados, também haviam decretos bíblicos contra o casamento de duas pessoas surdas só sendo permitido aqueles que recebiam favor do Papa. (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 92)
Na Idade Moderna, com as transformações socioeconômicas impostas pelo momento
renascentista e a transição do pensamento teocentrista para o antropocentrista, aos poucos, o
olhar social em relação aos surdos foi tomando novos fundamentos. A negação do acesso à
salvação dada ao surdo - “...já que, segundo Paulo em sua Epístola aos Romanos, a fé provém
do ouvir a palavra de Cristo” (CAPOVILLA, 2000, p. 100) – deu lugar à possibilidade do mesmo
tornar-se objeto de evangelização e usufruir de uma educação formal.
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Diante dessa nova perspectiva, convém ressaltar, que desde o início da Alta Idade
Média algumas Ordens Monásticas (algumas beneditinas), além dos votos de castidade,
obediência e pobreza privilegiavam o voto do silêncio. Para que o silêncio não se interpusesse
à comunicação no monastério, sistemas gestuais de sinais passaram a fazer parte do dia a dia
dos monges, compreendendo-se a partir daí e, guardando-se as devidas proporções
metodológicas, um embrião da língua de sinais.
No século XVI o médico e filósofo Girolamo Cardano, através de pesquisas, percebeu
que os surdos poderiam ter acesso à língua falada por outros meios que não fossem
necessariamente a oralidade, como transcreve Oliver Sacks:
É possível dar a um surdo – mudo condições de ouvir pela leitura e de falar pela escrita [...], pois assim como diferentes sons são usados convencionalmente para significar coisas diferentes, também podem ter essa função as diversas figuras de objetos e palavras. [...] Caracteres escritos e idéias podem ser
conectados sem a intervenção de sons verdadeiros. (SACKS, 1998, p. 29)
Embora não se possa apontar grandes avanços no desenvolvimento da língua de sinais,
importa lembrar que no século XVIII, a Europa foi sacudida por uma série de transformações
socioculturais e políticas que inferiram na educação de surdos. No bojo do discurso
universalizante sobre educação, as manifestações burguesas hastearam suas bandeiras.
Desse ideário surgem educadores como Charles-Michel de l’Épée e Samuel Heinicke.
A base da abordagem oralista foi criada por Heinicke (1729-1790), conhecido como o
“pai do método alemão”, método pelo qual os surdos deveriam aprender através de exercícios
de oralidade, para que tivessem acesso ao mundo “letrado”. Entretanto, a comunicação através
de sinais não era bem-vinda, privilegiava-se o exercício da fala. Acreditava-se que o modelo
gestual implicaria prejuízo à língua oral majoritária.
Já Charles-Michel de l’Épée, em seu abrigo para surdos em Paris, apoiava-se em uma
metodologia gestual:
Sinais incorporados das linguagens usadas por surdos que ingressavam na instituição – para o ensino de várias disciplinas. Os “sinais metódicos”, como foram chamados, formavam-se a partir do entrelaçamento de itens lexicais (gestos) desses “dialetos surdos” com sinais criados e reapropriados por l’Épée. (NAKAGAWA, 2016, p. 16)
Vale ressaltar que os ensinamentos de l’Épée eram direcionados ao público das
camadas populares da sociedade parisiense. Tinha como objetivo principal a preparação
profissional e a inserção no mundo do trabalho. Essas ações didático pedagógicas se
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colocavam na contramão da instrução elitista, ministrada por preceptores ligados às ordens
monásticas nos séculos XVI e XVII. Às massas, a preparação para o trabalho, à elite a
preservação dos direitos nobiliárquicos dos herdeiros surdos-mudos. Contudo, não há como
negar a importância epistemológica promovida com tais metodologias.
O desenvolvimento urbano na contemporaneidade terminou por proporcionar uma
comunicação maior entre sujeitos surdos, o que fortaleceu a língua de sinais como marca
identitária dessas comunidades:
Em meados do séc. XIX havia mais de cento e cinquenta escolas na Europa e vinte e seis nos Estados Unidos que usavam a língua gestual. A educação de surdos estava em seu período de ouro. Os surdos tinham acesso à educação através da sua língua materna. Na Europa e na América cada vez mais alunos surdos completavam a educação básica. Foram lançados então os cursos secundários para surdos em Hartfort, Nova Iorque e Paris. Os alunos surdos tiveram pela primeira vez a possibilidade de continuarem os seus estudos, tornando-se muito deles professores de surdos. Em meados do século dezenove metade dos professores nas escolas americanas e francesas eram surdos. (COELHO; CABRAL; GOMES, 2004, p.168)
Em relação ao Brasil, a educação sistematizada para surdos teve início durante o
segundo Império:
Foi fundada a primeira escola para surdos no Rio de Janeiro – Brasil, o “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”,hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos”– INES, criada pela Lei nº 939 (ou 839?) no dia 26 de setembro. Foi nesta escola que surgiu, da mistura da língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Dezembro do mesmo ano, Eduardo Huet apresentou ao grupo de pessoas na presença do imperador D.Pedro II os resultados de seu trabalho causando boa impressão. (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 33)
Contudo, infere-se não ser o bastante apenas comunicar-se com a pessoa surda mas,
principalmente, comunicar-se de forma a proporcionar um desenvolvimento cognitivo que
propicie uma cumplicidade no favorecimento do ensino-aprendizagem, como sugere Márcia
Goldfeld:
[...] a importância da linguagem proporciona trocas culturais, de importância especial, pois o homem está inserido num contexto evidentemente social, evidenciando então que a linguagem é um fator não apenas linguístico mas também cultural, neste dizer: o sujeito social tem que estar interagindo, em primeiro plano culturalmente e em segundo linguisticamente para que seja percebido pelo seu meio e pelos seus pares.(GOLDFELD, 1997, p. 34)
Língua Brasileira de Sinais: um percurso histórico
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As necessidades de um mundo industrializado foram refletidas em todos os setores da
sociedade e em todos os continentes do globo terrestre. Em seu rastro vieram também
mudanças de mentalidade e novos posicionamentos sociais. Nesse contexto de
transformações de cunho cultural, político, histórico e social, as pessoas com deficiências
auditivas passaram, paulatinamente, a serem pensadas como integrantes de uma mesma
sociedade produtiva e consumidora.
Embora não se possa falar de grandes avanços, em relação ao Brasil, há que se
considerar que graças à organização de grupos ligados à reivindicações inclusivas, pode-se
falar em uma história da surdez no Brasil. Segundo Widel, as organizações de comunidades
surdas no Brasil foram iniciadas levando em conta, principalmente, o apoio mútuo através de
auxílios- doença, morte, desemprego, etc., além de atividades de lazer. (WIDELL,1992, p. 97)
Importa ressaltar que a educação para surdos no Brasil teve como fundamentação as
discussões realizadas na França, que refletindo em terras brasileiras sensibilizaram o
Imperador, D. Pedro II, que fundou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos – IISM, através da
Lei nº 839, de 26 de setembro de 1857.
Em um momento de transição histórica entre a debilidade do Império e os auspícios da
República, a educação escolarizada era vista sob a ótica do positivismo, onde o “templo de
civilização” era subentendido também como o “templo da disciplinarização” e da “ordem”.
Essas premissas passavam necessariamente pela preparação para o trabalho. Assim, em
relação ao currículo desenvolvido no Instituto Imperial, Stevens afirma que:
No IISM, o currículo escolar era o corrente nas escolas, ensino primário e ginasial, em sala composta por seis alunos. Destaque-se que, com os métodos especiais para obtenção da consciência da linguagem e do ritmo da fala, eram necessários, no mínimo, oito anos de educação. Havia, ainda, uma série de atividades extracurriculares, como as oficinas preparatórias para o mercado de trabalho, nas áreas de mecânica, alfaiataria, tornearia, carpintaria, artes gráficas. Algumas décadas após a fundação do IISM, quando as meninas já podiam fazer parte do alunado, havia as opções de costura, bordado, tapeçaria e trabalhos de arte. (STEVENS, 1968, p.84)
O Instituto Imperial, depois denominado de Instituto Nacional de Educação de Surdos, pode
ser considerado como elemento impulsionador no atendimento de pessoas surdas no Brasil.
Em 1825 foi instituído como estabelecimento profissionalizante; em 1951 foi criado um curso de
docência na área de surdez; em 1952 foi fundado o Jardim de Infância, seguido do
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estabelecimento do curso de Artes Plásticas; em 1957 criou-se o primeiro Centro de Logo
pedia, constituindo-se no primeiro do Brasil.
As atividades do INES foram ao longo da história contribuindo para uma melhor
qualidade de vida das pessoas surdas no Brasil. Uma das grandes contribuições que pode ser
apontada foi o de Estimulação Precoce para atendimento de crianças na faixa etária de zero a
três anos. Ou seja, o atendimento começava a pautar-se não mais apenas para crianças em
idade escolar, mas também na prevenção.
Contudo, em virtude da grande demanda, Na década de 1960, já ficava oneroso enviar
todas as crianças surdas do país ao INES, considerando-se que o Instituto atravessava
passava por uma crise econômica. Nesse aspecto, a criação do Instituto Pestalozzi e da
associação de Pais e Amigos dos excepcionais (APAE), em outros Estados da Federação,
passaram também a atender às pessoas surdas.
No início da década de 1990, o Instituto, através de Ato Ministerial, passou à condição
de Centro de Referência nacional na área de surdez, dando suporte a todo o país. Os
movimentos de mobilização de surdos no Brasil, tiveram na década de 1990 um período
marcado pelo fortalecimento de luta. O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como
primeira língua dos surtos, constituía-se em principal reivindicação.
Não há como falar em conquistas da comunidade surda brasileira sem deixar de enfatizar a
importância das Associações promovidas pelas comunidades surdas. A primeira Associação
brasileira de surdos no Brasil foi fundada em 1930, com egressos do Instituto Nacional de
educação Surda, porém não possuía estatuto que garantisse e fundamentasse legalmente seu
funcionamento. Com a ajuda da professora Ivete Vasconcelos, foi criada a segunda associação
em 1953.
O regresso de alguns alunos as suas cidades de origem proporcionava a criação de outras
associações, como foi o caso de, em 1954, da criação da Associação de Surdos-Mudos de São
Paulo e, em 1956, a terceira Associação de Surdos de Belo Horizonte. Embora se respeitando
as devidas proporções, essas associações têm mantido a identidade e a cultura surda no
Brasil.
Essas micro agremiações deram sustentação para se pensar em órgãos representativos de
maior extensão. Nessa perspectiva, a Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos foi fundada em 16 de maio de 1987, e a Confederação Brasileira de Surdos (CBS),
fundada em 2004. No contexto de fortalecimento das agremiações de surdos no Brasil tem-se
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também a criação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis),
fundada, por ouvintes, em 1987. Tem como objetivo disseminar a Libras Língua Brasileira de
Sinais pelo Brasil. A FENEIS, instituição governamental, sem fins lucrativos tem caráter
educacional, sociocultural e assistencial.
Como força agregadora, a Declaração de Salamanca1 ganhou força de implantação no ano
de 2000, trazendo como proposta, entre outros, os seguintes princípios:
- Independente das diferenças individuais, a educação é direito de todos;
-Toda criança que possui dificuldade de aprendizagem pode ser considerada com
necessidades educativas especiais;
- A escola deve adaptar–se às especificidades dos alunos, e não os alunos as especificidades
da escola;
- O ensino deve ser diversificado e realizado num espaço comum a todas as crianças
Embora permeada por um processo lento, a Língua Brasileira de Sinais foi finalmente
aprovada e reconhecida como segunda língua oficial no Brasil, através da Lei 10.436, em 24 de
abril de 2002. Os avanços não pararam por aí. O Decreto 5.626 regulamentou a LIBRAS como
disciplina curricular e, em 2007 a estrutura de língua foi aplicada à LIBRAS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que a linguagem enquanto símbolo de comunicação se coloca como elemento
fundamental de interação social. No que tange à comunidade surda há que se considerar que
os empecilhos de comunicação e reconhecimento fazem parte de uma rotina histórica na vida
das pessoas não ouvintes.
Em relação ao processo educacional as dificuldades se colocam de forma mais severas e
gritantes. Obstáculos se apresentam desde a própria comunicação entre professor e aluno até
às práticas pedagógicas que deveriam promover uma real inclusão. A facilitação de acesso à
escola, não infere na qualidade da educação que é dada ao aluno com deficiência auditiva.
1 Considerada um dos principais documentos mundiais que visam a inclusão social, ao lado da Convenção de Direitos da
Criança (1988) e da Declaração sobre Educação para Todos de 1990.
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Embora a resolução CNE/CEB n°2, de 11 de Setembro de 2001 (Conselho Nacional de
Educação, 2001) determine em seu Artigo 8º que as escolas da rede regular de ensino devem
prover na organização de suas classes comuns serviços de apoio pedagógico especializado
em educação especial; atuação de professores e intérpretes das linguagens e códigos
aplicáveis, disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à
comunicação, sabe-se que esses benefícios não são atendidos em sua totalidade e quando
alguns são disponibilizados, o são de forma deficitária.
Dentre aos empecilhos que se colocam na interação educacional, tem-se como
fundamental a comunicação. Sem a prática pedagógica que medie de forma compreensiva o
ensino-aprendizagem, qualquer tentativa não cumprirá o objetivo de escolarização. Isso leva a
pensar que se não houver o conhecimento e domínio da língua de sinais por parte dos
professores que atuam com alunos surdos, é muito pouco provável que o ensino-aprendizagem
se complete.
Considerando-se que a inclusão pressupõe uma convivência comum, e esse espaço
comum, no que tange à educação escolarizada, diz respeito à escola, entende-se ser
necessária uma formação específica também aos professores ouvintes que atuam em salas de
ensino regular. Nesse caso, é fundamental que os cursos de formação de professores, sem
exceção, ampliem suas cargas-horárias em suas grades curriculares e privilegiem conteúdos
mais aprofundados sobre o componente curricular de LIBRAS.
Entende-se também que a presença de um intérprete em sala de aula deve constituir-se
em condição primordial para assegurar a garantia da aprendizagem. Caso a escola não conte
com o atendimento de um profissional habilitado, cabe a qualquer membro da comunidade
escolar o empenho junto ao órgão educacional competente, no sentido de que esse direito do
aluno surdo seja respeitado. Portanto, a garantia dos direitos estabelecidos em Lei deve ser
responsabilidade de todos.
REFERÊNCIAS
BERTHIER, Ferdinand. Les Sourdes-muets avant et depuis l'abbé de l'Epée. In: LANE, Harlan
(Ed.). The deaf experience: classics in language and education. Cambridge, Massachusetts
e London: Harvard University Press, 1984.
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CAPOVILLA, Fernando. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à
comunicação total ao bilinguismo. Revista Brasileira de Educação Especial, São Paulo, v.6,
n.1, 2000. p. 99-116.
COELHO, Orquídea; CABRAL, Eduardo; GOMES, Maria do Céu. Formação de Surdos: ao
encontro da legitimidade perdida. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 22, 2004. p.
153-181.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva
sociointeracionista. São Paulo: Plexos, 1997.
INÁCIO, Wederson Honorato. A inclusão escolar do deficiente auditivo: contribuições para
o debate educacional. Disponível: www.crmariocovas.sp.gov.br. Acessado em: 10/06/2015.
NAKAGAWA, Eiji Ibanhes. Culturas Surda: o que se vê, o que se ouve. Lisboa, 2012. 132 f.
Dissertação de Mestrado (Cultura e Comunicação), Universidade de Lisboa.
NEVES, Maria Helena. A teoria linguistica em Aristóteles. Alfa – Revista de Linguística, São
José do Rio Preto, v.25, 1981. p. 57-67. Disponível em:
<http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3635/3404>. Acesso em 12 mai. 2012.
PERLIN, Gládis; STROBEL, Karin. Fundamentos da Educação de Surdos. 2008.
(Desenvolvimento de material didático ou instrucional - Curso de Letras - LIBRAS à distância)
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
STEVENS, Fred Warshofsky. Som e audição. Rio de Janeiro: livraria José Olympio editora, 1968. WIDELL, Joanna. As fases históricas da cultura surda. Revista GELES – Grupo de Estudos Sobre Linguagem, Educação e Surdez nº 6 – Ano 5 UFSC- Rio de Janeiro: Editora Babel, 1992.
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