CA
DE
RN
O D
E A
TIV
IDA
DE
S 0
4
E S C R AV I Z A Ccedil Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A
VAacuteRIASMINAS
e n c r u z i l h a d a d e h i s t oacute r i a s
1720
2020
Governador do Estado de Minas GeraisRomeu Zema Neto
Vice-Governador do Estado de Minas GeraisPaulo Eduardo Rocha Brant
Secretaacuterio de Estado de Cultura e TurismoLeocircnidas Joseacute de Oliveira
Secretaacuterio de Estado Adjunto de Cultura e TurismoBernardo Silviano Brandatildeo
Subsecretaacuterio de CulturaFaacutebio Caldeira de Castro e Silva
Superintendente de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisMilena Andrade Pedrosa
Diretor do Arquivo Puacuteblico MineiroThiago Veloso Vitral
Diretora de MuseusAna Maria Azeredo Furquim Werneck
Diretora do Livro Leitura Literatura e BibliotecasAlessandra Soraya Gino Lima
Coordenaccedilatildeo TeacutecnicaDenis Soares da Silva
ElaboraccedilatildeoDeacuteborah Soares da SilvaIsabella Caroline de SouzaRossiano Henrique Oliveira VilaccedilaYgor Gabriel Alves de Souza
Revisatildeo TextualFlaacutevia Alves Figueirecircdo Souza
Projeto GraacuteficoAlaor Souza Oliveira
Capa
Guarda do Congado paramentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em UberabaAcervo Arquivo Puacuteblico Mineiro1897 BR MGAPM MM-303
2 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A
5 APRESENTACcedilAtildeO
8 INTRODUCcedilAtildeO
11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES
43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES
45 BIBLIOGRAFIA
4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
APRESENTACcedilAtildeO
Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria
de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as
comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute
virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual
de Minas Gerais
O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros
viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a
temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos
A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras
do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual
organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja
virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no
que tange agrave disciplina de histoacuteria
A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em
sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos
principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado
para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel
explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos
manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre
com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar
a lerem tais documentos originais
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
Governador do Estado de Minas GeraisRomeu Zema Neto
Vice-Governador do Estado de Minas GeraisPaulo Eduardo Rocha Brant
Secretaacuterio de Estado de Cultura e TurismoLeocircnidas Joseacute de Oliveira
Secretaacuterio de Estado Adjunto de Cultura e TurismoBernardo Silviano Brandatildeo
Subsecretaacuterio de CulturaFaacutebio Caldeira de Castro e Silva
Superintendente de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisMilena Andrade Pedrosa
Diretor do Arquivo Puacuteblico MineiroThiago Veloso Vitral
Diretora de MuseusAna Maria Azeredo Furquim Werneck
Diretora do Livro Leitura Literatura e BibliotecasAlessandra Soraya Gino Lima
Coordenaccedilatildeo TeacutecnicaDenis Soares da Silva
ElaboraccedilatildeoDeacuteborah Soares da SilvaIsabella Caroline de SouzaRossiano Henrique Oliveira VilaccedilaYgor Gabriel Alves de Souza
Revisatildeo TextualFlaacutevia Alves Figueirecircdo Souza
Projeto GraacuteficoAlaor Souza Oliveira
Capa
Guarda do Congado paramentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em UberabaAcervo Arquivo Puacuteblico Mineiro1897 BR MGAPM MM-303
2 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A
5 APRESENTACcedilAtildeO
8 INTRODUCcedilAtildeO
11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES
43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES
45 BIBLIOGRAFIA
4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
APRESENTACcedilAtildeO
Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria
de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as
comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute
virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual
de Minas Gerais
O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros
viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a
temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos
A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras
do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual
organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja
virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no
que tange agrave disciplina de histoacuteria
A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em
sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos
principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado
para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel
explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos
manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre
com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar
a lerem tais documentos originais
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A
5 APRESENTACcedilAtildeO
8 INTRODUCcedilAtildeO
11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES
43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES
45 BIBLIOGRAFIA
4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
APRESENTACcedilAtildeO
Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria
de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as
comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute
virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual
de Minas Gerais
O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros
viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a
temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos
A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras
do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual
organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja
virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no
que tange agrave disciplina de histoacuteria
A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em
sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos
principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado
para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel
explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos
manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre
com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar
a lerem tais documentos originais
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
APRESENTACcedilAtildeO
Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria
de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as
comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute
virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual
de Minas Gerais
O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros
viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a
temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos
A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras
do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual
organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja
virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no
que tange agrave disciplina de histoacuteria
A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em
sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos
principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado
para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel
explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos
manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre
com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar
a lerem tais documentos originais
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
APRESENTACcedilAtildeO
Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria
de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as
comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute
virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual
de Minas Gerais
O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros
viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a
temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos
A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras
do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual
organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja
virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no
que tange agrave disciplina de histoacuteria
A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em
sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos
principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado
para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel
explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos
manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre
com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar
a lerem tais documentos originais
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos
adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades
planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do
conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado
Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra
com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de
atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos
especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia
complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado
Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir
para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as
comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos
e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente
Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS
NEGRA E INDIacuteGENA
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo
de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas
vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia
sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram
naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico
de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu
o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas
Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos
O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e
escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de
diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem
liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do
interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e
mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do
continente africano
Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca
impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem
culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas
Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de
Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl
Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em
sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do
Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa
o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da
convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e
africanos embora sempre sob comando e tutela
dos europeus Historiadores posteriores como
Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre
perpetuaram concepccedilotildees similares
Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do
seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste
com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos
povos originaacuterios da costa brasileira Dessa
influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro
como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo
ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo
ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras
QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas
escravizadas que fugiam para o interior e se
organizavam para resistir agrave sociedade escravista
Eram compostos majoritariamente de pessoas
negras mas tambeacutem haacute amplos registros de
indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas
convivendo nesses espaccedilos Podiam manter
relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno
poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas
comerciais e relaccedilotildees econocircmicas
Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte
francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter
ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam
a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes
dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira
foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas
passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar
em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em
elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo
e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os
mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo
dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional
por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita
(nascido no Serro Frio)
O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos
de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo
Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de
escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica
negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde
os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e
articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas
dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas
Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as
repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e
aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se
rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no
Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais
brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de
discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se
somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo
fim da opressatildeo escravista
Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam
para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase
intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo
que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da
mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela
direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak
entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes
sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os
ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo
de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo
criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao
fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem
residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e
religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente
da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus
Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o
governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se
que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho
assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo
ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica
de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana
como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita
histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a
aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em
todo o mundo
Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e
cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus
direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se
posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais
Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem
sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de
poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes
da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a
antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais
possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a
potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas
Gerais
diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante
da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade
do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo
Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada
e conseguiram impor as demandas haitianas aos
governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute
mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na
ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica
negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira
das independecircncias de colocircnias americanas natildeo
inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o
comando de Toussaint LrsquoOuverture
Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por
muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas
de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais
como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa
nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos
indiacutegenas de forma que neste material usamos
os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo
como forma de reconhecer e respeitar sua
soberania e legitimidade
BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos
indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste
de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o
sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados
por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em
comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse
nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa
forma sendo um nome generalizante dado pelos
colonizadores
AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira
falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos
inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas
do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma
pejorativa e nenhum povo realmente se chamava
dessa forma
CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da
interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como
os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma
satildeo cultos de enorme diversidade que variam de
acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma
instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram
uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais
entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente
as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do
Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura
uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida
surgida no seacuteculo XX
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES
bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-
dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas
Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-
volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens
possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em
alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte
siacutembolo
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo
das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou
com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista
em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a
ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes
os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui
transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de
portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de
acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil
O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-
boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos
originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a
esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos
e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu
sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses
Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos
davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por
parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-
mento de homens
O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo
e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos
povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus
servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere
na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas
pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos
XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista
vindo do continente africano
Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na
Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os
anos de 718 e 1492 consistindo em
um movimento de senhores cristatildeos
lutando contra os reinos muccedilulmanos
que existiram na regiatildeo por mais de 600
anos Dessa guerra nasceram os reinos
de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas
que mais tarde formariam a Espanha (em
1516)
Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no
seacuteculo XV exigindo que pessoas com-
provassem a ldquopureza de sanguerdquo para
assumir cargos oficiais no governo e no
exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se
as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia
natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que
eram judeus e muccedilulmanos convertidos
forccediladamente ao cristianismo
Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e
Espanha Embora judeus e muccedilulmanos
de fato fossem seguidores de outras
religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do
cristianismo aacuterabe que permaneceu na
regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-
mano que era tolerante tanto com estes
quando com judeus Mesmo assim inte-
grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a
se converterem ao cristianismo romano a
partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos
por pressatildeo da coroa de Castela que
estava em processo de unificar politica-
mente a regiatildeo
AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no
colonialismo e neocolonialismo que
consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de
uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute
enxergada como barbaacuterie portanto haacute
para o assimilacionista a necessidade de
acabar com a diversidade cultural e tornar
o outro ldquocivilizadordquo
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc
Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo
[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar
[fl 72]
de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava
as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de
Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas
(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia
na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando
especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a
puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo
A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-
sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os
movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares
Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para
aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para
a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares
que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem
melhores condiccedilotildees de vida
Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-
plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de
figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares
(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem
lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-
brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data
ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela
Princesa Isabel
CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa
ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a
denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e
sudeste brasileiro sofrendo as primeiras
accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-
nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo
RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente
ligada a uma percepccedilatildeo de que seres
humanos podem ser biologicamente
definidos de acordo com caracteriacutesticas
como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-
cas Tanto o pensamento racial quanto o
racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX
de forma que as discriminaccedilotildees existentes
anteriormente se davam atraveacutes de outras
categorias de pensamento - embora com
funcionamento similar
Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-
sileira existindo aproximadamente entre
1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de
Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil
pessoas sendo na verdade um complexo
de diversos assentamentos e habitaccedilotildees
Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no
Nordeste Palmares foi alvo de diversas
expediccedilotildees militares e repressotildees vio-
lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa
bandeirantes e escravistas da regiatildeo
Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo
negro no Brasil o Movimento Negro
Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo
tem lutado pela defesa do povo negro em
todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos
sociais e culturais
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]
SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado
[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR
REBELIAtildeO DE NEGROS 1822
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-
scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834
tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-
dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se
encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei
dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a
ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de
revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no
seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes
A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro
uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes
da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves
tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-
lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta
tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos
de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de
instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-
mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas
negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees
Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na
Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl
Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira
conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas
escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante
das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees
de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso
Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal
para atuar de forma imparcial ao interesse
dos locais O juiz de fora era literalmente
de fora da localidade para a qual foi
designado um agente fiscalizador dos
interesses da Coroa e das atividades do
poder local normalmente exercidos pela
Cacircmara
HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-
cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas
das Ameacutericas e Caribe significando
um temor generalizado de que pessoas
escravizadas e negras se organizas-
sem e fossem capazes de tomar o poder
como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a
haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que
uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em
desordem crise e caos social
Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo
uma das maiores no centro do continente
africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era
composta por diversos reinos como do
Congo Angola Matamba Benguela Dongo
e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje
em dia compreende os paiacuteses de Angola
Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo
Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi
governado por quatro diferentes regecircn-
cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao
trono em favor de seu filho que natildeo pos-
suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado
pela instabilidade poliacutetica e por diversas
rebeliotildees que ficaram conhecidas como
rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim
com o Golpe da Maioridade
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-
canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-
satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu
[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822
Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais
Antocircnio Paulino Limpo de Abreu
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo
grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos
na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute
passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera
no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali
mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas
como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo
caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de
aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-
dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo
dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever
patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente
A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse
modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o
cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater
as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos
entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes
usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a
livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas
ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda
de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo
No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-
mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das
terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas
AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir
iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-
mas de povoados incentivando assim o
contato com portugueses O objetivo do
aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos
indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-
os a se adaptarem a novos elementos
culturais religiosos e morais
Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo
administrativo ocupado por pessoas
que tutelavam aldeamentos e grupos
indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram
reconhecidos legalmente como cidadatildeos
plenos Entretanto ocupantes desse
cargo se aproveitavam para explorar e
enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que
envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846
Gustavo Adolfo da Silva
Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856
Luiz da Cunha Menezes
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO
1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM SG-19 P02
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do
vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia
Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo
os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-
cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees
de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas
aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias
brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX
A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-
dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa
devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da
regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do
assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento
revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos
e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos
esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-
lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo
Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os
indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de
vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-
ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo
condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa
aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento
patrocinadas pelo governo
Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para
a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho
dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-
ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio
governamental
Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz
pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo
XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os
Capuchinhos praticam a pobreza radical a
oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria
anunciando o Evangelho segundo os
escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram
parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo
de nativos nas Ameacutericas junto a ordens
monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos
e dominicanos que operavam com certa
autonomia em relaccedilatildeo ao Papa
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada
Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e
Rio Doce
Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878
Inventaacuterio
Dos objetos existentes no aldeamento
Capela e Sacristia
4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-
lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do
Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna
2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco
3 Um crucificado com pedestal idem idem
4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem
5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem
6 Seis jarros de porcelana fina
7 Seis ramos de flores superfinas
8 Um tapete de latilde
9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute
10 Duas mesas de jacarandaacute
11 Duas campainhas de metal
12 Trecircs sinos grandes com torres
Sacristia
1 Um caacutelice com patina de prata
2 Uma custoacutedia de metal fino
3 Uma acircmbula de prata
4 Dois relicaacuterios de metal
5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees
6 Um turiacutebulo com naveta de metal
7 Uma causela para hoacutestias de metal fino
[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado
9 Uma umbela de damasco de seda fino
10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com
ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis
11 Trinta opas de damasco de latilde
12 Duas capas de asperges de damasco de seda
13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho
14 Um veacuteu umeral de seda
15 Um frontal de altar de seda
16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra
roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda
17 Seis alvas de linho fino
18 Doze corporais de linho fino
19 Doze sanguiacuteneos de linho fino
20 Quatro cordotildees de linho fino
21 Trecircs sobrepelizes de linho fino
22 Seis manusteacutergios de linho fino
23 Seis toalhas de linho fino
24 Um missal novo
25 Um ritual romano
26 Uma caldeirinha com hysope de metal
27 Duas arandelas de metal fino para a capela
28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela
29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem
30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes
31 Um armaacuterio
32 Uma caixa grande para guardar os armamentos
33 Um siacuterio de 4 libras
34 Duas arrobas de velas de cera
35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees
Observaccedilotildees
A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-
da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO
MUNICIacutePIO DE CURVELO1871
ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V
30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-
tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema
escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes
da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia
proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o
sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871
ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do
escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde
O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento
seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico
de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees
do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de
ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-
dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes
fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas
sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-
umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande
sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais
Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-
tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo
questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram
progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a
criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-
fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas
ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra
por populaccedilotildees negras e indiacutegenas
31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor
Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia
O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira
32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM PP 112 CX 01
33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento
da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio
constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos
indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no
valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa
que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele
periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade
senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por
fugitivos
Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos
escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-
mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber
outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que
conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a
exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de
600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de
pessoas
Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas
escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras
cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-
tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel
tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas
distantes
ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi
influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e
vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi
instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-
zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro
A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo
ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi
adotado
SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem
uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico
34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma
bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no
ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil
e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela
sem entrar em mais detalhes
Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida
em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de
setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa
maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se
tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um
documento que comprovava o cumprimento da lei vigente
Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-
ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob
a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos
acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da
extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa
sociedade que os via como submissos e inferiores
Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871
que declarava livres os filhos de mulher
escrava nascidos no Brasil a partir da data
de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto
criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas
livres e fazia parte de uma tentativa de
aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes
TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO
Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus
Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso
36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04
37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do
Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade
negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-
cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde
houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica
portuguesa
Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-
cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar
reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos
sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de
santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia
Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na
cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees
culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada
pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-
zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e
santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam
como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para
construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria
A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com
seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida
agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do
cortejo
O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa
Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas
mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade
Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute
possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e
conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no
catolicismo negro e o senso de identi-
dade que conecta geraccedilotildees
CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que
fazem parte do cortejo Os congadeiros
fazem referecircncia aos antigos reinos do
Congo e Moccedilambique representando no
festejo os reis e a guarda real enquanto
entoam canccedilotildees que remetem ao passado
da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos
catoacutelicos
EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo
bandeiras utilizadas por grupos religi-
osos geralmente catoacutelicos em cortejos
e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos
feitos de modo artesanal e compostos por
inuacutemeros detalhes geralmente trazem em
destaque gravuras ou pinturas dos santos
de devoccedilatildeo de cada grupo
38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO
39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo
as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com
seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As
muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas
banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados
e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila
de um futuro melhor
Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da
Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam
para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do
quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-
ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus
descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada
de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil
sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas
continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais
como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias
culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-
dades negras como as benzedeiras
Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os
mastros erguidos em frente agrave igreja
ostentando bandeiras de santos No
centro temos outro estandarte (em
amarelo) representando Nossa Senhora
cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave
Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa
era uma das principais em torno da qual
se formavam irmandades de pessoas
negras em diversas cidades mineiras
BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees
central e sudeste do continente africano
de onde se originam centenas de liacutenguas
usadas ainda hoje As principais influecircn-
cias de idiomas Banto no Brasil vieram
atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola
e Moccedilambique
Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas
em Angola especialmente na regiatildeo de
Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas
palavras do portuguecircs brasileiro como
ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo
ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais
40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do
Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-
mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com
violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira
um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-
riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente
associadas ao Candombleacute
41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA
1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO
BR MGAPM JAO-1057(13)
42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou
das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar
que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-
vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a
mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e
estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos
ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como
objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica
e juriacutedicas
No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos
como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-
mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma
continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria
brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-
cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da
Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional
Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em
1987 a Assembleia Nacional Constituinte
tinha como finalidade elaborar uma nova
Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de
ditadura militar A Constituinte terminou
com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final
da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como
Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro
de 1988
Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com
o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees
indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-
mentos de apoio aos iacutendios espalhados
pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a
Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do
capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas
na Constituiccedilatildeo de 1988
43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees
a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida
b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios
ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido
a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se
refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil
c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo
ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais
a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees
b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico
c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial
44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores
ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas
a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade
b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees
ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo
(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do
Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)
ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil
a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850
b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra
c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil
ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo
a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas
b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos
45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA
BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp
brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020
AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez
2009
AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014
ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de
junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-
257 1997
ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-
Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999
BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino
Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005
CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo
Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988
CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal
de Cultura FAPESP 1992
CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012
DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade
escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017
DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral
de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo
ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011
FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia
J OlympioEdunb 1993
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1
46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S
ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011
GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984
KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015
KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019
LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011
MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria
indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259
MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist
[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017
MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos
v XI p 189-212 2005
MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018
MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)
Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005
PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan
jun 2010
PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria
dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430
PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98
janjun 2011
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do
seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008
RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei
Tempo v 23 p 1-20 2008
RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas
Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77
2011
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA
Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte
Autecircntica 2007 v 1 p 221-249
RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des
Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004
REALIZACcedilAtildeO
SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo
social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007
SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte
Editora UFMG 2001
YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e
Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20
Top Related