encruzilhada de histórias - Secretaria de Estado de ...

47
C ADERNO DE ATIVIDADES 04 ESCRAVIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS NEGRA E INDÍGENA VÁRIAS MINAS encruzilhada de histórias 1720 2020

Transcript of encruzilhada de histórias - Secretaria de Estado de ...

CA

DE

RN

O D

E A

TIV

IDA

DE

S 0

4

E S C R AV I Z A Ccedil Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A

VAacuteRIASMINAS

e n c r u z i l h a d a d e h i s t oacute r i a s

1720

2020

Governador do Estado de Minas GeraisRomeu Zema Neto

Vice-Governador do Estado de Minas GeraisPaulo Eduardo Rocha Brant

Secretaacuterio de Estado de Cultura e TurismoLeocircnidas Joseacute de Oliveira

Secretaacuterio de Estado Adjunto de Cultura e TurismoBernardo Silviano Brandatildeo

Subsecretaacuterio de CulturaFaacutebio Caldeira de Castro e Silva

Superintendente de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisMilena Andrade Pedrosa

Diretor do Arquivo Puacuteblico MineiroThiago Veloso Vitral

Diretora de MuseusAna Maria Azeredo Furquim Werneck

Diretora do Livro Leitura Literatura e BibliotecasAlessandra Soraya Gino Lima

Coordenaccedilatildeo TeacutecnicaDenis Soares da Silva

ElaboraccedilatildeoDeacuteborah Soares da SilvaIsabella Caroline de SouzaRossiano Henrique Oliveira VilaccedilaYgor Gabriel Alves de Souza

Revisatildeo TextualFlaacutevia Alves Figueirecircdo Souza

Projeto GraacuteficoAlaor Souza Oliveira

Capa

Guarda do Congado paramentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em UberabaAcervo Arquivo Puacuteblico Mineiro1897 BR MGAPM MM-303

2 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A

5 APRESENTACcedilAtildeO

8 INTRODUCcedilAtildeO

11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES

43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES

45 BIBLIOGRAFIA

4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

APRESENTACcedilAtildeO

Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria

de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as

comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute

virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual

de Minas Gerais

O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros

viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a

temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos

A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras

do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual

organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja

virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no

que tange agrave disciplina de histoacuteria

A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em

sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos

principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado

para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel

explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos

manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre

com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar

a lerem tais documentos originais

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

Governador do Estado de Minas GeraisRomeu Zema Neto

Vice-Governador do Estado de Minas GeraisPaulo Eduardo Rocha Brant

Secretaacuterio de Estado de Cultura e TurismoLeocircnidas Joseacute de Oliveira

Secretaacuterio de Estado Adjunto de Cultura e TurismoBernardo Silviano Brandatildeo

Subsecretaacuterio de CulturaFaacutebio Caldeira de Castro e Silva

Superintendente de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisMilena Andrade Pedrosa

Diretor do Arquivo Puacuteblico MineiroThiago Veloso Vitral

Diretora de MuseusAna Maria Azeredo Furquim Werneck

Diretora do Livro Leitura Literatura e BibliotecasAlessandra Soraya Gino Lima

Coordenaccedilatildeo TeacutecnicaDenis Soares da Silva

ElaboraccedilatildeoDeacuteborah Soares da SilvaIsabella Caroline de SouzaRossiano Henrique Oliveira VilaccedilaYgor Gabriel Alves de Souza

Revisatildeo TextualFlaacutevia Alves Figueirecircdo Souza

Projeto GraacuteficoAlaor Souza Oliveira

Capa

Guarda do Congado paramentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em UberabaAcervo Arquivo Puacuteblico Mineiro1897 BR MGAPM MM-303

2 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A

5 APRESENTACcedilAtildeO

8 INTRODUCcedilAtildeO

11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES

43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES

45 BIBLIOGRAFIA

4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

APRESENTACcedilAtildeO

Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria

de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as

comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute

virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual

de Minas Gerais

O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros

viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a

temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos

A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras

do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual

organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja

virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no

que tange agrave disciplina de histoacuteria

A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em

sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos

principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado

para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel

explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos

manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre

com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar

a lerem tais documentos originais

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

3 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

SUMAacuteRIOC A D E R N O D E A T I V I D A D E S | | E S C R A V I D Atilde O E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E I N D Iacute G E N A

5 APRESENTACcedilAtildeO

8 INTRODUCcedilAtildeO

11 ACERVO E TEMAS PARA ATIVIDADES

43 PROPOSTAS DE ATIVIDADES

45 BIBLIOGRAFIA

4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

APRESENTACcedilAtildeO

Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria

de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as

comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute

virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual

de Minas Gerais

O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros

viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a

temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos

A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras

do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual

organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja

virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no

que tange agrave disciplina de histoacuteria

A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em

sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos

principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado

para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel

explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos

manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre

com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar

a lerem tais documentos originais

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

4 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

APRESENTACcedilAtildeO

Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria

de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as

comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute

virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual

de Minas Gerais

O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros

viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a

temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos

A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras

do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual

organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja

virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no

que tange agrave disciplina de histoacuteria

A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em

sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos

principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado

para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel

explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos

manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre

com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar

a lerem tais documentos originais

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

5 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

APRESENTACcedilAtildeO

Realizada pela Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos Culturais da Secretaria

de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (SECULT) a exposiccedilatildeo Vaacuterias Minas encruzilhada de histoacuterias integra as

comemoraccedilotildees dos 300 anos da capitania de Minas Gerais Dividida cronologicamente e por eixos temaacuteticos a mostra ocorreraacute

virtualmente ao longo de 2020 explorando o acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro do Museu Mineiro e da Biblioteca Puacuteblica Estadual

de Minas Gerais

O conteuacutedo disponibilizado no site da SECULT e nas redes sociais seraacute composto por documentos fotografias livros

viacutedeos e peccedilas tridimensionais que foram fotografados e digitalizados A cada mecircs seratildeo divulgados materiais relacionados a

temas preacute-estabelecidos e que constroem uma histoacuteria de Minas Gerais em seus 300 anos

A fim de expandir o alcance da exposiccedilatildeo e contribuir com as atividades dos milhares de professores e professoras

do estado foi elaborado o presente Caderno de Atividades Dessa maneira a partir das obras que compotildeem a mostra virtual

organizou-se um conjunto de sugestotildees de atividades para serem desenvolvidas com os alunos seja de forma presencial seja

virtualmente buscando permitir ao professor que insira os conteuacutedos da mostra virtual no cotidiano das aulas sobretudo no

que tange agrave disciplina de histoacuteria

A proposta do caderno segue uma divisatildeo cuja ideia consiste em inicialmente introduzir um tema especiacutefico em

sintonia com os eixos da exposiccedilatildeo virtual Para isso foi elaborado um texto breve de contextualizaccedilatildeo histoacuterica acerca dos

principais eventos e conceitos que norteiam cada tema No segundo momento eacute apresentada parte do acervo selecionado

para a mostra sendo cada item acompanhado de um texto descritivo e tambeacutem de sua legenda teacutecnica Para que seja possiacutevel

explorar mais possibilidades das obras tambeacutem foram feitos recortes para aprofundamentos nos detalhes nos documentos

manuscritos por exemplo ampliou-se um trecho de destaque e inseriu-se a transcriccedilatildeo paleograacutefica da passagem sempre

com escrita atualizada mas mantendo a disposiccedilatildeo das linhas para que professores e alunos possam acompanhar e se desafiar

a lerem tais documentos originais

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

6 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Na terceira seccedilatildeo satildeo apresentadas sugestotildees de atividades que o professor pode realizar com os alunos

adaptando-as no que for necessaacuterio a cada situaccedilatildeo As propostas encontram-se em consonacircncia com as habilidades

planejadas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC estimulando a participaccedilatildeo ativa dos estudantes na construccedilatildeo do

conhecimento histoacuterico e articulando sempre que possiacutevel as realidades individuais com as narrativas sobre o passado

Para aleacutem das sugestotildees especiacuteficas tambeacutem foram incluiacutedos quadros ao lado da apresentaccedilatildeo de cada obra

com sugestotildees de temas que podem ser abordados inclusive de forma interdisciplinar Visando abrir possibilidades de

atividades e tornar o texto mais fluido tambeacutem foi elaborado um glossaacuterio agraves margens dos textos explicando termos

especiacuteficos cujo significado pode ser um desafio para os alunos Por fim o material apresenta uma lista de bibliografia

complementar que pode auxiliar o professor na busca de referecircncias e textos sobre o tema tratado

Assim os Cadernos de Atividades da exposiccedilatildeo ldquoVaacuterias Minas encruzilhada de histoacuteriasrdquo natildeo somente pretendem contribuir

para que o vasto conteuacutedo da mostra possa ser difundido e fazer parte do cotidiano de professores e alunos durante as

comemoraccedilotildees do tricentenaacuterio de Minas Gerais mas tambeacutem atuar como um guia para utilizaccedilatildeo de alguns documentos

e obras caros agrave histoacuteria mineira a ser empregado permanentemente

Equipe da Superintendecircncia de Bibliotecas Museus Arquivo Puacuteblico e Equipamentos CulturaisSecretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

7 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ESCRAVIDAtildeO E RESISTEcircNCIAS

NEGRA E INDIacuteGENA

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

8 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INTRODUCcedilAtildeO

O Brasil foi sem duacutevida um paiacutes moldado e marcado pelo processo

de colonizaccedilatildeo em que foi constituiacutedo Embora tenha sido muitas

vezes descrito como uma ldquonaccedilatildeo de trecircs raccedilasrdquo essa convivecircncia

sempre foi marcada pela violecircncia epidemias e guerras devastaram

naccedilotildees indiacutegenas desde o seacuteculo XVI combinadas com o traacutefico atlacircntico

de pessoas escravizadas entre os seacuteculos XVI e XIX que constituiu

o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria humana Minas

Gerais desde sua fundaccedilatildeo esteve no epicentro desses processos

O ouro descoberto por bandeirantes que buscavam aprisionar e

escravizar indiacutegenas foi explorado a partir da expulsatildeo e extermiacutenio de

diversos povos nativos Mesmo que os bandeirantes paulistas falassem

liacutenguas gerais Tupi aprendidas no litoral muitos idiomas dos nativos do

interior se perderam por completo O trabalho de colonizaccedilatildeo plantio e

mineraccedilatildeo intensificou o comeacutercio de pessoas escravizadas trazidas do

continente africano

Contudo a escravidatildeo a catequizaccedilatildeo forccedilada e as guerras nunca

impediram que africanos afro-brasileiros e indiacutegenas resistissem

culturalmente e politicamente atraveacutes dos seacuteculos da histoacuteria de Minas

Gerais Quilombos e rebeliotildees foram recorrentes praacuteticas tanto de

Naccedilatildeo de trecircs raccedilasConceito elaborado pelo historiador alematildeo Carl

Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) em

sua escrita da histoacuteria brasileira a serviccedilo do

Imperador Dom Pedro II Segundo essa narrativa

o Brasil seria uma naccedilatildeo formada a partir da

convivecircncia de trecircs ldquoraccedilasrdquo europeus indiacutegenas e

africanos embora sempre sob comando e tutela

dos europeus Historiadores posteriores como

Seacutergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

perpetuaram concepccedilotildees similares

Liacutenguas gerais TupiLiacutenguas faladas no Brasil ateacute meados do

seacuteculo XIX especialmente no Sul e Sudeste

com elementos das liacutenguas tupi-guarani dos

povos originaacuterios da costa brasileira Dessa

influecircncia vecircm palavras do portuguecircs brasileiro

como ldquocapivarardquo ldquocaipirardquo ldquocajurdquo ldquocapimrdquo ldquobeijurdquo

ldquomandiocardquo ldquojacareacuterdquo ldquojabuticabardquo ldquotaturdquo ldquotapiocardquo

ldquoxaraacuterdquo ldquocanoardquo e diversas outras

QuilombosComunidades autocircnomas de pessoas

escravizadas que fugiam para o interior e se

organizavam para resistir agrave sociedade escravista

Eram compostos majoritariamente de pessoas

negras mas tambeacutem haacute amplos registros de

indiacutegenas mesticcedilos e mesmo pessoas brancas

convivendo nesses espaccedilos Podiam manter

relaccedilotildees hostis com cidades e vilas do entorno

poreacutem haacute casos de relaccedilotildees paciacuteficas com trocas

comerciais e relaccedilotildees econocircmicas

Revoluccedilatildeo HaitianaRevoluccedilatildeo ocorrida entre 1791 e 1804 na parte

francesa da Ilha de Satildeo Domingos iniciada como

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

9 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

negros quanto de indiacutegenas mas mesmo quando estes escolhiam se converter

ao cristianismo ou aceitar a vida urbana como escolha estrateacutegica continuavam

a manter vivas as filosofias e concepccedilotildees de mundo de seus ancestrais Atraveacutes

dessas muacuteltiplas resistecircncias e experiecircncias de existir na sociedade mineira

foi possiacutevel que muitas praacuteticas religiosas tecnoloacutegicas agriacutecolas e filosoacuteficas

passassem atraveacutes dos seacuteculos chegando aos dias atuais Podemos pensar

em influecircncias africanas e indiacutegenas no cristianismo popular mineiro ou em

elementos culinaacuterios como a mandioca e batata nativas das ameacutericas ou o quiabo

e cafeacute trazidos do continente africano Na arte das esculturas e pinturas os

mestres Aleijadinho e Ataiacutede ambos de ascendecircncia negra mudaram a direccedilatildeo

dos cacircnones europeus Mesmo a muacutesica barroca tem sido tida por excepcional

por suas influecircncias africanas como atraveacutes do Maestro Lobo de Mesquita

(nascido no Serro Frio)

O seacuteculo XIX representou desafios ainda maiores para movimentos

de resistecircncia agrave escravidatildeo e agrave colonizaccedilatildeo nas Minas Gerais A Revoluccedilatildeo

Haitiana (1791-1804) comeccedilou o seacuteculo abalando os senhores e traficantes de

escravizados de todo o continente culminando na fundaccedilatildeo de uma repuacuteblica

negra independente no Caribe e na primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo Desde

os primoacuterdios do sistema escravista o Brasil tambeacutem foi palco de grandes e

articulados movimentos questionando a escravidatildeo e as instabilidades poliacuteticas

dos anos mil e novecentos foram a oportunidade para diversas delas

Por todo o Brasil grandes proprietaacuterios e o proacuteprio governo endureceram as

repressotildees a escravizados proibindo encontros festas a praacutetica de lutas e

aderindo sem hesitaccedilatildeo agraves piores torturas e execuccedilotildees para punir os que se

rebelassem Ainda assim os movimentos abolicionistas ganharam forccedilas no

Brasil independente contando com muito mais do que apenas intelectuais

brancos cedendo agrave pressatildeo do abolicionismo inglecircs Diversos ciacuterculos de

discussatildeo e articulaccedilotildees poliacuteticas foram protagonizados por pessoas negras se

somando agraves rebeliotildees daqueles ainda escravizados para pressionar a Coroa pelo

fim da opressatildeo escravista

Ao mesmo tempo os olhos do governo e das elites latifundiaacuterias se voltavam

para o ldquoSertatildeo Lesterdquo de Minas Gerais Por seacuteculos a regiatildeo fora mantida quase

intocada formando uma barreira para o contrabando de ouro e garantindo

que a produccedilatildeo escoasse para os portos do Rio de Janeiro Com o decliacutenio da

mineraccedilatildeo no entanto tanto a Coroa portuguesa sob Joatildeo VI quanto o governo

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

10 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

independente de Dom Pedro I passaram a incentivar a expansatildeo naquela

direccedilatildeo Laacute viviam diversos grupos indiacutegenas (Krenak Maxacali Gutkrak

entre outros) pejorativamente chamados de Botocudos ou Aimoreacutes

sendo declarada uma guerra ainda nos tempos coloniais para que os

ldquoiacutendios canibaisrdquo ou ldquobaacuterbarosrdquo do leste fossem exterminados A acusaccedilatildeo

de antropofagia tinha pouco fundamento aleacutem de um estereoacutetipo

criado no seacuteculo XVI assim como sua suposta ldquobarbaacuterierdquo se devia ao

fato de esses povos viverem ao seu proacuteprio modo seminocircmades sem

residecircncia fixa sem propriedade privada mantendo suas filosofias e

religiotildees originaacuterias e numa relaccedilatildeo com a natureza bastante diferente

da exploraccedilatildeo de recursos e extraccedilatildeo de riquezas nos moldes europeus

Mesmo quando as poliacuteticas de extermiacutenio foram abrandadas o

governo sempre pregou a assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas incentivava-se

que eles abandonassem seus modos de vida e aceitassem o trabalho

assalariado consumindo mercadorias industrializadas e se convertendo

ao cristianismo Quanto agraves populaccedilotildees negras uma verdadeira poliacutetica

de ldquoembranquecimentordquo foi a preferecircncia Religiotildees de matriz africana

como os Calundus e o Candombleacute foram perseguidas e ateacute na escrita

histoacuterica negou-se a importacircncia de movimentos negros para a

aboliccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil que foi o penuacuteltimo paiacutes a fazecirc-la em

todo o mundo

Apenas por meio de muitos movimentos de resistecircncia poliacutetica e

cultural foi possiacutevel que essas populaccedilotildees conquistassem seus

direitos atravessando os 300 anos da histoacuteria de Minas Gerais e se

posicionando como protagonistas nas lutas sociais ateacute os dias atuais

Graccedilas a essas resistecircncias negros e indiacutegenas escreveram e escrevem

sua proacutepria histoacuteria lutaram e lutam por sua presenccedila em lugares de

poder e produccedilatildeo de conhecimento Com o auxiacutelio de grandes nomes

da intelectualidade mineira negra e indiacutegena como por exemplo a

antropoacuteloga Leacutelia Gonzalez e o filoacutesofo Ailton Krenak eacute cada vez mais

possiacutevel pensar de forma completa a histoacuteria das resistecircncias e a

potecircncia das histoacuterias desses grupos ao longo dos 300 anos de Minas

Gerais

diversas rebeliotildees de pessoas escravizadas diante

da brutalidade da escravidatildeo e da instabilidade

do reino francecircs agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo

Francesa As lutas duraram mais de uma deacutecada

e conseguiram impor as demandas haitianas aos

governos revolucionaacuterios franceses resistindo ateacute

mesmo a uma invasatildeo das tropas napoleocircnicas na

ilha O Haiti foi fundado como a primeira repuacuteblica

negra das Ameacutericas sendo tambeacutem a primeira

das independecircncias de colocircnias americanas natildeo

inglesas e a primeira aboliccedilatildeo da escravidatildeo sob o

comando de Toussaint LrsquoOuverture

Grupos indiacutegenasA antropologia e outras ciecircncias perpetuaram por

muito tempo o haacutebito de chamar grupos indiacutegenas

de ldquotribosrdquo inferiorizando suas organizaccedilotildees sociais

como se fossem exoacuteticas ou primitivas Essa

nomenclatura natildeo eacute mais aceita pelos movimentos

indiacutegenas de forma que neste material usamos

os termos ldquopovos indiacutegenasrdquo ou ldquopovos originaacuteriosrdquo

como forma de reconhecer e respeitar sua

soberania e legitimidade

BotocudosNome dado pelos portugueses a diversos povos

indiacutegenas de liacutenguas Jecirc que viviam entre o leste

de Minas Gerais o interior do Espiacuterito Santo e o

sul da Bahia Referia-se aos discos labiais usados

por estes grupos chamados de ldquobotoquesrdquo em

comparaccedilatildeo agraves tampas de barris que tinham esse

nome Nenhum povo indiacutegena se denominou dessa

forma sendo um nome generalizante dado pelos

colonizadores

AimoreacutesNome dado por indiacutegenas da costa brasileira

falantes de liacutenguas do tronco Tupi-Guarani a grupos

inimigos do interior do paiacutes falantes de liacutenguas

do tronco Macro Jecirc O termo era usado de forma

pejorativa e nenhum povo realmente se chamava

dessa forma

CalundusAs religiotildees afro-brasileiras se formaram a partir da

interaccedilatildeo entre diversas religiotildees africanas como

os Jeje Nagocirc Bantu entre outros Dessa forma

satildeo cultos de enorme diversidade que variam de

acordo com o grupo regiatildeo e eacutepoca sem uma

instituiccedilatildeo centralizadora Os Calundus foram

uma dessas praacuteticas que existiu em Minas Gerais

entre os seacuteculos XVIII e XIX mas mas atualmente

as mais conhecidas satildeo as diversas linhagens do

Candombleacute Hoje a Umbanda tambeacutem configura

uma religiatildeo afro-brasileira bem estabelecida

surgida no seacuteculo XX

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

11 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

ACERVO amp TEMAS PARA ATIVIDADES

bull DICASbull Nas proacuteximas paacuteginas vocecirc encontraraacute anaacutelises de documentos custodia-

dos pelo Arquivo Puacuteblico Mineiro pela Biblioteca Puacuteblica Estadual de Minas

Gerais e pelo Museu Mineiro e sugestotildees de atividades para serem desen-

volvidas com os alunos Para obter melhor experiecircncia algumas imagens

possuem hiperlinks que direcionam para as imagens dos documentos em

alta resoluccedilatildeo As imagens com hiperlinks estatildeo indicadas com o seguinte

siacutembolo

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

12 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ALVARAacute REacuteGIO DE 4 DE ABRIL DE 1755 SOBRE CASAMENTO DE VASSALOS COM IacuteNDIAS1755ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-50 FLS 71-72

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

13 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Este Alvaraacute Reacutegio redigido em nome do Rei de Portugal em 1755 eacute um exemplo

das diversas maneiras como que o sistema colonial portuguecircs-brasileiro lidou

com os diferentes povos do territoacuterio Desde o fim da Guerra de Reconquista

em Portugal foram fortes as Leis de Pureza de Sangue que visavam impedir a

ascensatildeo social de pessoas descendentes de judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabes

os quais eram forccedilados a se converter ao catolicismo portuguecircs O Alvaraacute aqui

transcrito proiacutebe a discriminaccedilatildeo de pessoas descendentes de casamentos de

portugueses com indiacutegenas incentivando esses casamentos como forma de

acelerar a colonizaccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo de terras no Brasil

O incentivo ao casamento de homens portugueses com mulheres indiacutegenas sim-

boliza a poliacutetica adotada por diversos governos brasileiros para com os povos

originaacuterios o assimilacionismo Essa poliacutetica consistia no favorecimento a

esses casamentos como tentativa de apagar culturas nativas visando que filhos

e filhas dessas famiacutelias fossem educados preferencialmente ao modo europeu

sedentaacuterio cristatildeo e mercantilista ditado pelos pais de famiacutelia portugueses

Poliacuteticas como essa ao sugerirem a superioridade racial e cultural dos brancos

davam margem para a praacutetica de violecircncia sexual contra mulheres indiacutegenas por

parte dos colonos portugueses aleacutem de assassinatos escravidatildeo ou aprisiona-

mento de homens

O texto do rei portuguecircs deixa claro que o motivo dessa poliacutetica eacute a ocupaccedilatildeo

e povoamento de terras visando que essas deixassem de ser ocupadas pelos

povos originaacuterios e passassem a ser exploradas segundo os padrotildees europeus

servindo economicamente agrave Coroa portuguesa Essa decisatildeo tambeacutem se insere

na transiccedilatildeo das poliacuteticas de escravidatildeo indiacutegena que passam a ser combatidas

pela Coroa portuguesa de forma difusa em vaacuterios momentos entre os seacuteculos

XVI e XVIII agrave medida que se torna mais lucrativo o incentivo ao traacutefico escravista

vindo do continente africano

Guerra de ReconquistaUma seacuterie de guerras ocorridas na

Peniacutensula Ibeacuterica medieval entre os

anos de 718 e 1492 consistindo em

um movimento de senhores cristatildeos

lutando contra os reinos muccedilulmanos

que existiram na regiatildeo por mais de 600

anos Dessa guerra nasceram os reinos

de Portugal (em 1143) e as diversas Coroas

que mais tarde formariam a Espanha (em

1516)

Leis de Pureza de SangueLeis criadas em Portugal e Espanha no

seacuteculo XV exigindo que pessoas com-

provassem a ldquopureza de sanguerdquo para

assumir cargos oficiais no governo e no

exeacutercito A ldquopurezardquo seria comprovada se

as 5 geraccedilotildees passadas de sua famiacutelia

natildeo tivessem nenhum ldquocristatildeo-novordquo que

eram judeus e muccedilulmanos convertidos

forccediladamente ao cristianismo

Judeus muccedilulmanos e moccedilaacuterabesPopulaccedilotildees natildeo-catoacutelicas de Portugal e

Espanha Embora judeus e muccedilulmanos

de fato fossem seguidores de outras

religiotildees moccedilaacuterabes eram praticantes do

cristianismo aacuterabe que permaneceu na

regiatildeo convivendo com o domiacutenio muccedilul-

mano que era tolerante tanto com estes

quando com judeus Mesmo assim inte-

grantes dos trecircs grupos foram forccedilados a

se converterem ao cristianismo romano a

partir do seacuteculo XV pelos reinos ibeacutericos

por pressatildeo da coroa de Castela que

estava em processo de unificar politica-

mente a regiatildeo

AssimilacionismoPoliacutetica presente principalmente no

colonialismo e neocolonialismo que

consiste no predomiacutenio ou imposiccedilatildeo de

uma cultura sobre outras A diferenccedila eacute

enxergada como barbaacuterie portanto haacute

para o assimilacionista a necessidade de

acabar com a diversidade cultural e tornar

o outro ldquocivilizadordquo

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

14 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 71]Alvaraacute sobre poderem casar os vassalos de Sua Majestadedo Reino de Portugal e da Ameacuterica com as Iacutendias delase que por isso natildeo fiquem os ditos vassalos com infacircmia alguma etc

Eu El Rey Faccedilo saber aos que este meu Alvaraacute de lei virem que considerando o quanto conveacutem queos meus reais domiacutenios da Ameacuterica se povoem e que paraeste fim pode concorrer muito a comunicaccedilatildeo comos Iacutendios por meio de casamentos sou servido decla-rar que os meus vassalos deste reino e da Ameacutericaque casarem com as Iacutendias dela natildeo ficam com infacirc-mia alguma antes se faratildeo dignos da minha real aten-ccedilatildeo e que nas terras em que se estabelecerem seratildeo

[fl 71v]seratildeo preferidos para aqueles lugares e ocupaccedilotildeesque couberem na graduaccedilatildeo das suas pessoas e que seusfilhos e descendentes seratildeo haacutebeis e capazes dequalquer emprego honra ou dignidade sem quenecessitem de dispensa alguma em razatildeo destasalianccedilas em que seratildeo tambeacutem compreendidas as que jaacute se acharem feitas antes desta minhadeclaraccedilatildeo e outrossim proiacutebo que os ditos meusvassalos casados com Iacutendias ou seus descendentessejam tratados com o nome de Caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso e as pessoas dequalquer condiccedilatildeo ou qualidade que praticaremo contraacuterio sendo-lhes assim legitimamente provadoperante os ouvidores das comarcas em que assis-tirem seratildeo por sentenccedila destes sem apelaccedilatildeonem agravo mandados sair da dita Comar-ca dentro de um mecircs e ateacute mercecirc minha o quese executaraacute sem falta alguma tendo po-reacutem os ouvidores cuidado em examinar a quali-dade das provas e das pessoas que jurarem nestamateacuteria para que se natildeo faccedila violecircncia ouinjusticcedila com este pretexto tendo entendidoque soacute hatildeo de admitir queixa do injuriado e natildeo de outra pessoa o mesmo se praticaraacute a respei-to das Portuguesas que casarem com Iacutendios e a seusfilhos e descendentes e a todos concedo a mesmapreferecircncia para os ofiacutecios que houver nas terras emque viverem e quando suceda que os filhos ou descen-dentes destes matrimocircnios tenha algum requerimen-to perante mim me faratildeo saber esta qualidadepara em razatildeo dela mais particularmente os atender E ordeno que esta minha Real Resoluccedilatildeose observe geralmente em todos os meus domiacuteni-os da Ameacuterica Pelo que mando ao Vice-rei e Capitatildeo Ge-neral de mar e terra do estado do Brasil capi-tatildees generais e Governadores do Estado do Mara-nhaotilde e Paraacute e mais conquistas do Brasil capi-

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

15 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

tatildees mores delas chanceleres e desembargado-res das Relaccedilotildees da Bahia e Rio de Janeiro ouvido-res gerais das Comarcas juiacutezes de fora e ordinaacuteriose mais justiccedilas dos referidos Estados cumpram e guardem o presente Alvaraacute de Lei e o faccedilam cumprir e guardar na forma que nele se conteacutem o qual valeraacute como carta posto que seu efeito haja de durar

[fl 72]

de durar mais de um ano e se publicaraacute nas ditas comarcas e em minha chancelaria mor da cortee Reino onde se registraraacute como tambeacutem nas mais partes em que semelhantes Alvaraacutes se costumam registrar e o proacuteprio se lanccedilaraacute na Torredo Tombo Lisboa quatro de abril de 1755 Por Resoluccedilatildeo de digo 1755 Rei Marquecircs de Penalva Presidente Por Resoluccedilatildeo de Sua Majestade devinte e dois de Marccedilo de 1755 tomada em consulta do seu Conselho Ultramarino de 17 do dito mecircs eano o Secretaacuterio Joaquim Miguel Lopes de Lavreo fez escrever Registrado agrave folha 48 do Livro 12 de provisotildees da Secretaria do Conselho Ultramarino Lisboa dez de Abril de 1755 Joaquim Miguel Lopes de LavreFrancisco Luiacutes da Cunha e Ataiacutede Foi publicado este Alvaraacute de lei na chancelaria mor da Corte e Reino Lisboa dois de Abril de 1755 Dom Sebastiatildeo Maldonado Registrado na chancelaria mor da Corte e Reino no Livro das leis apaacutegina 83 Lisboa quatro de Abril de 1755 Rodrigo Xavier Alvares de Moura Theodoro de Cubilos Pereira o fez Foi impresso na chancelaria mor da Corte e Reino

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

16 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE DOM LOURENCcedilO DE ALMEIDA1730ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SC-32 FL 93V-94

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

17 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A carta de Dom Lourenccedilo de Almeida (nobre e militar portuguecircs que governava

as Minas Gerais entre 1721 e 1732) foi redigida na tentativa de pedir ao Rei de

Portugal a maior aplicaccedilatildeo de sentenccedilas de morte a pessoas negras indiacutegenas

(Carijoacutes) e mesticcedilas supondo que essa fosse uma forma de controlar a violecircncia

na receacutem-criada Capitania Suas demandas tecircm visiacutevel vieacutes racista associando

especificamente essas pessoas ao cometimento de crimes e colocando a

puniccedilatildeo como uacutenica soluccedilatildeo para a situaccedilatildeo

A carta argumenta usando o exemplo histoacuterico do Quilombo dos Palmares pos-

sivelmente imaginando que a situaccedilatildeo de descontrole pudesse evoluir ateacute que os

movimentos e quilombos mineiros se tornassem tatildeo grandes quanto Palmares

Embora a resistecircncia quilombola seja usada por Dom Lourenccedilo como razatildeo para

aumento da repressatildeo violenta os quilombos foram espaccedilos fundamentais para

a articulaccedilatildeo de movimentos negros e indiacutegenas muitas vezes sendo lugares

que permitiam convivecircncias e organizaccedilatildeo entre essas populaccedilotildees para obterem

melhores condiccedilotildees de vida

Natildeo agrave toa o Quilombo dos Palmares eacute lembrado por movimentos negros (a exem-

plo do MNU fundado em 1978) como siacutembolo da resistecircncia autocircnoma atraveacutes de

figuras como Dandara Ganga Zumba Aqualtune e o proacuteprio Zumbi dos Palmares

(incluiacutedo em 1997 no Livro dos Heroacuteis da Paacutetria) Esses movimentos tambeacutem

lutaram pela criaccedilatildeo do Dia da Consciecircncia Negra no dia 20 de novembro lem-

brando a morte de Zumbi e o protagonismo negro na resistecircncia ao inveacutes da data

ciacutevica do dia 13 de maio que comemorava desde 1890 a aboliccedilatildeo assinada pela

Princesa Isabel

CarijoacutesTermo que nas liacutenguas tupi significa

ldquodescendente dos anciatildeosrdquo (karaiacute-ioacute) Era a

denominaccedilatildeo de povos originaacuterios do sul e

sudeste brasileiro sofrendo as primeiras

accedilotildees de extermiacutenio e escravidatildeo na colo-

nizaccedilatildeo do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

RacistaA categoria de ldquoraccedilardquo estaacute intimamente

ligada a uma percepccedilatildeo de que seres

humanos podem ser biologicamente

definidos de acordo com caracteriacutesticas

como cor da pele e mediccedilotildees morfoloacutegi-

cas Tanto o pensamento racial quanto o

racismo soacute surgem a rigor no seacuteculo XIX

de forma que as discriminaccedilotildees existentes

anteriormente se davam atraveacutes de outras

categorias de pensamento - embora com

funcionamento similar

Quilombo dos PalmaresUm dos maiores quilombos da histoacuteria bra-

sileira existindo aproximadamente entre

1580 e 1710 no territoacuterio do atual estado de

Alagoas Chegou a ser lar de mais de 20 mil

pessoas sendo na verdade um complexo

de diversos assentamentos e habitaccedilotildees

Apoacutes o fim da ocupaccedilatildeo holandesa no

Nordeste Palmares foi alvo de diversas

expediccedilotildees militares e repressotildees vio-

lentas visando sua destruiccedilatildeo pela Coroa

bandeirantes e escravistas da regiatildeo

Movimento Negro Unificado (MNU)Organizaccedilatildeo pioneira na luta pelo povo

negro no Brasil o Movimento Negro

Unificado surgiu em 1978 e desde entatildeo

tem lutado pela defesa do povo negro em

todos os aspectos poliacuteticos econocircmicos

sociais e culturais

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

18 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[f 93v]

SenhorEm vaacuterias ocasiotildees pus na Real presenccedila de Vossa Majestades os muitos e contiacutenuosdelitos que se estatildeo fazendo nestas Minas por bastardos carijoacutes mulatos enegros porque como natildeo veem o exemplo de serem enforcados e a justiccedila quedeles se faz na Bahia natildeo lhe consta satildeo demasiadamente matadores porcuja razatildeo pedia a Vossa Majestade fosse servido dar aos ouvidores gerais das co-marcas a mesma jurisdiccedilatildeo que tem os do Rio de Janeiro de sentencia-rem agrave morte em junta com o Governador e mais ministros e esta mesmaconta tambeacutem a deu Vossa Majestade a cacircmara de Vila real e foi Vossa Majestadeservido que eu informasse sobre ela e dos ministros que podiam assistira esta junta o qe eu fiz em carta de 20 de Maio de 1726 Repre-sentando a Vossa majestade que podiam ser adjuntos os quatro min-istros dasquatro Comarcas e mais algum Ministro que se deixasse ficar nestas Min-as e tambeacutem pode ser o Provedor da fazenda real e como Vossa Majestade nova-mente foi servido mandar que no governo de Satildeo Paulo houvesse esta jun-ta para o ouvidor poder sentenciar agrave morte com adjuntos e executarem-se as sentenccedilas porque soacute assim se evitam a multidatildeo de delitos que secometem ponho na Real notiacutecia de Vossa Majestade o ser ainda mais pre-cisa nestas Minas esta Real ordem de Vossa Majestade porque nelas satildeomais contiacutenuos os delitos porque natildeo haacute tempo em que natildeo estejamas entradas cheias de negros ladrotildees e matadores e eacute preciso quese castiguem com pena de morte executando-se nestas Vilas paraexemplo dos mais negros porque natildeo havendo castigo podem ircrescendo em tatildeo grande nuacutemero que venham a dar o mesmo cuidado

[fl 94]que deram os Palmares em Pernambuco aleacutem das muitas mortes que fazem carijos mulatos e bastardos Vossa Majestade mandaraacute o que for servidoporque Sempre eacute o melhor Deus guarde muitos anos a Real pes-soa de Vossa Majestade como os seus vassalos havemos mister Vila Rica 7 de Maio de 1730Dom Lourenccedilo de Almeida

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

19 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE NEGRO QUE SE INTITULA REI DOS CONGOS E AS PROVIDEcircNCIAS MAIS CONVENIENTES A SEREM TOMADAS PARA CUIBIR

REBELIAtildeO DE NEGROS 1822

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM JGP 16 CX 01 DOC 28

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

20 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O magistrado e poliacutetico Antocircnio Paulino Limpo de Abreu autor do ofiacutecio tran-

scrito era o Juiz de Fora de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey agrave eacutepoca o qual em 1834

tornar-se-ia ainda Presidente da Proviacutencia de Minas Gerais Na carta fica evi-

dente seu desconforto quanto agraves mobilizaccedilotildees poliacuteticas e culturais negras se

encarregando de ldquoprovidecircnciasrdquo acerca de ldquoum negro que eacute ou se intitula Rei

dos Congosrdquo O magistrado menciona ainda a preocupaccedilatildeo constante com a

ldquorevoluccedilatildeo dos negros profetizada no Brasil por tantos escritoresrdquo um medo de

revoltas presente durante toda a duraccedilatildeo do regime escravista e reforccedilado no

seacuteculo XIX como um medo da ldquohaitianizaccedilatildeordquo do paiacutes

A imagem do Rei dos Congos eacute de grande importacircncia para o catolicismo negro

uma vez que a cristianizaccedilatildeo dos reis e rainhas da regiatildeo do Congo se deu antes

da proacutepria colonizaccedilatildeo no seacuteculo XIV com soberanos desafiando e resistindo agraves

tentativas de submissatildeo aos reis de Portugal A presenccedila de algueacutem se intitu-

lando Rei dos Congos na regiatildeo de Satildeo Joatildeo drsquoEl Rey eacute vista pelo autor da carta

tanto como uma resistecircncia cultural quanto poliacutetica temendo o uso dos siacutembolos

de poder africanos como forma de mobilizaccedilatildeo para a revolta num momento de

instabilidade poliacutetica do reino agraves veacutesperas da independecircncia A repressatildeo reco-

mendada pelo Juiz eacute dura sugerindo o impedimento de reuniotildees de pessoas

negras proibindo seu armamento e reforccedilando as puniccedilotildees

Os temores do Juiz em partes se cumpririam Em 13 de maio de 1833 na

Fazenda Campo Alegre (atual municiacutepio de Carrancas proacuteximo de Satildeo Joatildeo drsquoEl

Rey) estourou uma das maiores rebeliotildees de escravizados da histoacuteria mineira

conhecida como Revolta de Carrancas O crescimento do traacutefico de pessoas

escravizadas para o Brasil no seacuteculo XIX favoreceu a eclosatildeo de rebeliotildees diante

das instabilidades do Periacuteodo Regencial revelando a precariedade das condiccedilotildees

de vida e trabalho sob o regime escravista que ficava cada vez mais tenso

Juiz de ForaMagistrado nomeado pelo Rei de Portugal

para atuar de forma imparcial ao interesse

dos locais O juiz de fora era literalmente

de fora da localidade para a qual foi

designado um agente fiscalizador dos

interesses da Coroa e das atividades do

poder local normalmente exercidos pela

Cacircmara

HaitianizaccedilatildeoTermo muito utilizado em discursos poliacuteti-

cos do seacuteculo XIX em paiacuteses escravistas

das Ameacutericas e Caribe significando

um temor generalizado de que pessoas

escravizadas e negras se organizas-

sem e fossem capazes de tomar o poder

como ocorreu no Haiti na uacuteltima deacutecada

do seacuteculo XVIII Para estas pessoas a

haitianizaccedilatildeo significava tambeacutem que

uma revoluccedilatildeo negra resultaria apenas em

desordem crise e caos social

Regiatildeo do CongoRegiatildeo em torno da bacia do Rio Congo

uma das maiores no centro do continente

africano No seacuteculo XVI essa regiatildeo era

composta por diversos reinos como do

Congo Angola Matamba Benguela Dongo

e diversas outras formaccedilotildees poliacuteticas Hoje

em dia compreende os paiacuteses de Angola

Congo e Repuacuteblica Democraacutetica do Congo

Periacuteodo Regencialperiacuteodo de 1831 a 1840 em que o Brasil foi

governado por quatro diferentes regecircn-

cias apoacutes a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ao

trono em favor de seu filho que natildeo pos-

suiacutea idade para governar o paiacutes Marcado

pela instabilidade poliacutetica e por diversas

rebeliotildees que ficaram conhecidas como

rebeliotildees regenciais o periacuteodo teve fim

com o Golpe da Maioridade

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de geografia trabalhar a natildeo correspondecircncia dos reinos afri-

canos do seacuteculo XVI com os atuais paiacuteses do continente e compreender a atuaccedilatildeo das potecircncias europeias na divisatildeo geopoliacutetica e nos conflitos da contemporaneidade africana A atividade pode ser incrementada pensando as origens dos escravos fugi-dos do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido (documento analisado mais agrave frente)

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

21 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOIlustriacutessimo e Excelentiacutessimos SenhoresRecebi o Ofiacutecio de Vossas Excelecircncias em data de 25 do mecircs passado peloqual em resposta a um do Juiz Ordinaacuterio da Vila de Barbacename incumbem Vossas Excelecircncias do exame de umas Patentes que naquelaVila apareceram passadas nesta por um Negro que eacute ou se in-titula Rei dos Congos e me encarregam de dar todas as provi-decircncias que julgar convenientes sobre o exposto naquele Ofiacutecio doJuiz Ordinaacuterio Jaacute em 26 de Janeiro eu havia oficiado a este comuni-cando-lhe as minhas ideias sobre tal objeto e como a mateacuteria eacute so-bremaneira melindrosa permitam-me Vossas Excelecircncias que eu lhes exponha comtoda a submissatildeo a meu modo de pensar a semelhante respeitoConveacutem os melhores Publicistas que as Leis natildeo devem mencionar cri-mes que natildeo eacute de recear se cometam porque a simples menccedilatildeo delespode suscitar a ideia de os perpetrar Assim vemos que perguntadoSoacutelon por que razatildeo natildeo havia estabelecido penas contra os parricidasrespondeu que natildeo julgava que houvesse algueacutem capaz de cometer umcrime tatildeo enorme A revoluccedilatildeo dos Negros profetizada no Bra-sil por tantos Escritores ganhou eacute verdade muita forccedila tanto daConstituiccedilatildeo que eles interpretavam ser a sua alforria como da dema-siada filantropia com que os Deputados enunciavam no Congres-so as suas ideias acerca da liberdade ideias estas que os fingidos hu-manistas ou antes os inimigos do Brasil se apressavam em espa-lhar Eles esperavam que no dia do Natal ou a muito tardar no deReis despontasse a Aurora da sua liberdade e estas notiacute-cias quechegaram aos meus ouvidos me obrigaram a tomar aque-las medidasde Poliacutecia que entendi necessaacuterias sem contudo demon-strar o motivoverdadeiro que dirigia os meus movimentos Felizmente cessaram logo

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

22 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

os murmuacuterios que a assustavam e eu conheci que eles mais eram a expres-

satildeo de desejos do que a transpiraccedilatildeo de Planos Esta crise passou e eu

[fl 1v]me persuado que agora seraacute prejudicial trazer-lhes por qualquer modo agravelembranccedila uma coisa de que eles jaacute estatildeo desvanecidos por lhes falharna ocasiatildeo que a esperavam Antes entendo que este Juiz Ordinaacuterio bemcomo as mais Autoridades Constituiacutedas menos medroso e mais acauteladodeve prosseguir sem estrepito evitando a uniatildeo dos Negros proibindo osseus ajuntamentos tirando-lhes as armas e punindo sev-eramente os quemerecerem castigo O contraacuterio seraacute publicar um receio que eles pode-ram atribuir a nossa fraqueza e julgarem-no resultado da sua forccedila su-perior animando-os assim para um desacato que de certo ainda natildeo temconvencido Eacute o que se me oferece a representar a Vossas Excelecircncias que Mandan-do natildeo obstante o que Entenderem mais justo conheceratildeo na minhaobediecircncia o alto respeito e submissatildeo que me preso de tributar aVossas Excelecircncias Deus guarde a Vossas Excelecircncias muitos anos Vila de Satildeo Joatildeo drsquoElRei 14 de Fevereiro de 1822

Ilustriacutessimos e Excelentiacutessimos Senhores Presidente e Deputadosdo Governo Provisional da Proviacutencia de Minas Gerais

Antocircnio Paulino Limpo de Abreu

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

23 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

CARTAS SOBRE ALDEAMENTO E DOENCcedilAS NOS INDIacuteGENAS DO VALE DO RIO DOCE 1846-1856

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 14 CX 02 DOC 26

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

24 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Estas cartas sobre os aldeamentos na regiatildeo do Rio Doce na deacutecada de 1840 satildeo

grandes exemplos da dinacircmica de colonizaccedilatildeo da regiatildeo Como jaacute mencionamos

na introduccedilatildeo ao caderno a regiatildeo composta pelos vales do rio Doce e Mucuri soacute

passa a ser colonizada por luso-brasileiros com o decliacutenio da economia auriacutefera

no seacuteculo XIX havendo antes disso poucos contatos com os indiacutegenas que ali

mantinham seus modos de vida Joatildeo Rodrigues Cunha eacute referido nas cartas

como o responsaacutevel pelo empreendimento de abertura de estradas abrindo

caminhos para a exploraccedilatildeo e sendo tambeacutem responsaacutevel pelo processo de

aldeamento dos indiacutegenas O autor da carta elogia Joatildeo Rodrigues ldquoempreende-

dor ativo e verdadeiro patriotardquo deixando claro como a poliacutetica de assimilaccedilatildeo

dos indiacutegenas e abertura de estradas para a exploraccedilatildeo era vista como um dever

patrioacutetico na formaccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo independente

A segunda carta escrita dez anos depois daacute a dimensatildeo dos impactos desse

modelo de colonizaccedilatildeo assimilaccedilatildeo e contato Joatildeo Rodrigues tem agora o

cargo de Diretor dos Iacutendios e satildeo reportadas suas dificuldades para combater

as doenccedilas que se espalham pelos aldeamentos Desde o seacuteculo XVI os contatos

entre europeus e populaccedilotildees ameriacutendias foram marcados pelo contaacutegio agraves vezes

usado de forma intencional para devastar os povos originaacuterios e para garantir a

livre exploraccedilatildeo de suas terras Mesmo em casos natildeo intencionais em muitas

ocasiotildees esses contatos resultaram na morte dos anciatildees significando a perda

de histoacuterias e tradiccedilotildees orais importantiacutessimas para suas visotildees de mundo

No leste mineiro do seacuteculo XIX o resultado natildeo foi diferente com o empreendi-

mento da abertura de estradas e a chegada de colonos para a exploraccedilatildeo das

terras causando grandes perdas e dificuldades para diversos povos indiacutegenas

AldeamentoProcesso que tinha como objetivo reunir

iacutendios em aldeias que ficavam mais proacutexi-

mas de povoados incentivando assim o

contato com portugueses O objetivo do

aldeamento era facilitar a introduccedilatildeo dos

indiacutegenas na sociedade colonial forccedilando-

os a se adaptarem a novos elementos

culturais religiosos e morais

Diretor dos IacutendiosCriado em maio de 1757 foi um cargo

administrativo ocupado por pessoas

que tutelavam aldeamentos e grupos

indiacutegenas uma vez que estes natildeo eram

reconhecidos legalmente como cidadatildeos

plenos Entretanto ocupantes desse

cargo se aproveitavam para explorar e

enriquecer agrave custa dos povos originaacuterios

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de ciecircnciasbiologia trabalhar as consequecircncias sanitaacuterias que

envolveram e ainda envolvem o contato do ldquohomem brancordquo com as populaccedilotildees indiacute-genas Conversar sobre as doenccedilas que assolaram os povos indiacutegenas e que podem voltar a assolar com o aumento do desmatamento com o crescimento desordenado dos centros urbanos e buscar propor soluccedilotildees para esses problemas Propor um trabalho sobre doenccedilas endecircmicas da regiatildeo do aluno e doenccedilas que foram poten-cialmente importadas pelo processo colonizador

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

25 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJoatildeo Rodrigues Cunha residente nestaFreguesia empreendeu um caminho emmil oitocentos e quarenta e trecircs caminhode comunicaccedilatildeo desta Freguesia a sairna Ponte Nova o que concluiu com grandefadiga e grande parte da despesa a suacusta e logo que aqui chegou aldeou umgrande nuacutemero de Botocudos e os domes-ticou no Ribeiratildeo do Pega Bem e nesse mes-mo lugar fez grande roccedila para o futuro anono qual pretende continuar um ca-minho por ele jaacute principiado a sair em Joaneacutesia Este grande nuacutemero de Boto-cudos tem sido e eacute sustentado de todo opreciso e vestuaacuterio do mesmo modo a suacusta a vista disto se as Autoridadesterritoriais se aproveitarem deste homemeacute de esperar que se vejam grandes resul-tados de suas naturais fadigas e grandesdespesas que ateacute aqui tem feito soacute comvistas de melhorar as condiccedilotildees todasEste Homem empreendedor ativo e verda-deiro patriota faz-se digno da estimaccedilatildeode todos e por isso lhe passo o prezente Atestado em feacute de meu Cargo para fazer co-nhecido aonde quer que chegar Cuiate 1ordm deSetembro de 1846

Gustavo Adolfo da Silva

Certifico de Baixo de juramento queJoatildeo Rodrigues Cunha encarregado nacomissatildeo de Diretor dos Iacutendios por eletenho sido chamado continuamente paramedicar e tratar dos mesmos Iacutendios que con-tinuamente adoecem nos Aldeamentospor ele criados na circunferecircncia dasmargens deste Rio Cuieteacute e Pega-Bemo qual a sua custa os tem tratado ateacutemesmo com remeacutedios sem que paraeste fim tenha tido auxiacutelio da Fazendasoacute sim por humanidade e filantropiaa estes entes desgraccedilados O Referidoeacute verdade o que afirmo em feacutedo meu cargo Cuiateacute 2 de Se-tembro de 1856

Luiz da Cunha Menezes

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

26 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

INVENTAacuteRIO DA CAPELA E SACRISTIA DO ALDEAMENTO IMACULADA CONCEICcedilAtildeO DO ETUETO

1878ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM SG-19 P02

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

27 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto localizava-se na regiatildeo do

vale do Rio Doce tendo sido criado segundo os regulamentos da Assembleia

Legislativa mineira em 1872 A intenccedilatildeo da legislaccedilatildeo era ldquoassimilarrdquo agrave civilizaccedilatildeo

os indiacutegenas que pudessem ser explorados como matildeo de obra na regiatildeo colo-

cando-os sob tutela e controle de ordens religiosas enquanto permitia incursotildees

de extermiacutenio contra os grupos que recusassem a vida sedentaacuteria e cristatilde nas

aldeias Embora a escravidatildeo indiacutegena fosse proibida desde o seacuteculo XVII vaacuterias

brechas legislativas eram usadas para exploraacute-los atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX

A Aldeia do Etueto foi uma tentativa de congregar indiacutegenas dos povos ldquobotocu-

dosrdquo e Puri sob controle de frades capuchinhos mas o empreendimento fracassa

devido agrave corrupccedilatildeo de funcionaacuterios governamentais e aos conflitos armados da

regiatildeo O inventaacuterio de 1878 eacute feito para que sejam contabilizados os bens do

assentamento que estavam em processo de ser diluiacutedo A leitura do documento

revela a riqueza material das capelas contando com muacuteltiplas imagens de santos

e objetos cerimoniais de linho fino latilde porcelana prata e madeira de lei Todos

esses elementos reforccedilam o poder simboacutelico da religiatildeo para os projetos de ldquocivi-

lizaccedilatildeordquo indiacutegena mas tambeacutem revelam os contrastes do projeto de colonizaccedilatildeo

Aleacutem de enfrentarem doenccedilas e serem acometidos por conflitos armados os

indiacutegenas em aldeamentos muitas vezes eram forccedilados a viver em condiccedilotildees de

vida muito precaacuterias e pobres Os indiacutegenas da Aldeia do Etueto tiveram suas ter-

ras usurpadas por fazendeiros locais apoacutes a dissoluccedilatildeo do aldeamento natildeo tendo

condiccedilotildees de autossustento e natildeo sendo amparados pelas fracas leis de defesa

aos povos originaacuterios O mesmo ocorreu em diversas experiecircncias de aldeamento

patrocinadas pelo governo

Embora houvesse grande investimento para se equipar igrejas e capelas para

a conversatildeo funcionaacuterios e fazendeiros natildeo hesitavam em explorar o trabalho

dos nativos com a escravidatildeo ou espoliar seus bens materiais e as terras deix-

ando-os sem terra para cultivar sem recursos para se sustentarem e sem apoio

governamental

Frades CapuchinhosFrades de haacutebito marrom e de capuz

pequeno tiveram origem na Itaacutelia no seacuteculo

XVI Dissidecircncia da Ordem Franciscana os

Capuchinhos praticam a pobreza radical a

oraccedilatildeo contemplativa e a vida missionaacuteria

anunciando o Evangelho segundo os

escritos de Satildeo Francisco de Assis Foram

parte do grande projeto de cristianizaccedilatildeo

de nativos nas Ameacutericas junto a ordens

monaacutesticas como os jesuiacutetas franciscanos

e dominicanos que operavam com certa

autonomia em relaccedilatildeo ao Papa

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

28 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO[fl 1v] Aldeamento central indiacutegena da Imaculada

Conceiccedilatildeo do Etueto no Vale do Manhuaccedilu e

Rio Doce

Missatildeo aos 22 de janeiro de 1878

Inventaacuterio

Dos objetos existentes no aldeamento

Capela e Sacristia

4 Imagens de madeira sendo uma da Imacu-

lada Conceiccedilatildeo uma do Patriarca Satildeo Joseacute uma do

Patriarca Satildeo Francisco e outra da Matildee de SrsquoAna

2 Uma baqueta com 6 casticcedilais de metal branco

3 Um crucificado com pedestal idem idem

4 Uma lacircmpada com estante e corrente idem idem

5 Dois pares de galhetas com salvas idem idem

6 Seis jarros de porcelana fina

7 Seis ramos de flores superfinas

8 Um tapete de latilde

9 Dois genuflexoacuterios de jacarandaacute

10 Duas mesas de jacarandaacute

11 Duas campainhas de metal

12 Trecircs sinos grandes com torres

Sacristia

1 Um caacutelice com patina de prata

2 Uma custoacutedia de metal fino

3 Uma acircmbula de prata

4 Dois relicaacuterios de metal

5 Uma cruz com haste de metal fino para procissotildees

6 Um turiacutebulo com naveta de metal

7 Uma causela para hoacutestias de metal fino

[fl 2] 8 Um lavatoacuterio de Gota envernizado

9 Uma umbela de damasco de seda fino

10 Trecircs estandartes de seda sendo 1 da Imaculada Com

ceiccedilatildeo 1 de Satildeo Joseacute e outro de Satildeo Francisco de Assis

11 Trinta opas de damasco de latilde

12 Duas capas de asperges de damasco de seda

13 Duas dalmaacuteticas de damasco de seda branco e vermelho

14 Um veacuteu umeral de seda

15 Um frontal de altar de seda

16 Trecircs casulas sendo uma branca e vermelha outra

roxa e verde e outra preta todas de damasco de seda

17 Seis alvas de linho fino

18 Doze corporais de linho fino

19 Doze sanguiacuteneos de linho fino

20 Quatro cordotildees de linho fino

21 Trecircs sobrepelizes de linho fino

22 Seis manusteacutergios de linho fino

23 Seis toalhas de linho fino

24 Um missal novo

25 Um ritual romano

26 Uma caldeirinha com hysope de metal

27 Duas arandelas de metal fino para a capela

28 Trecircs sacras com quadros dobrados para a capela

29 Quatro quadros dourados contendo a Via Sacra idem

30 Uma mesa grande para vestirem os sacerdotes

31 Um armaacuterio

32 Uma caixa grande para guardar os armamentos

33 Um siacuterio de 4 libras

34 Duas arrobas de velas de cera

35 Dois kilos de incenso para as sagradas funccedilotildees

Observaccedilotildees

A capela eacute sofrivelmente pintada assoalhada forra-

da de taacutebuas e construiacuteda de madeira de lei

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20

29 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

OFIacuteCIO SOBRE UTILIZACcedilAtildeO DO TRABALHO DE COLONOS NA AGRICULTURA EM SUBSTITUICcedilAtildeO AO TRABALHO ESCRAVO NO

MUNICIacutePIO DE CURVELO1871

ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM SP-1379 P58-58V

30 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

O ofiacutecio acima redigido pelo Juiz Municipal de Curvelo em 1871 transmite mui-

tas das ideias recorrentes na sociedade brasileira diante da crise do sistema

escravista ao longo do seacuteculo XIX Embora o ano da carta ainda fosse antes

da aboliccedilatildeo definitiva da escravidatildeo a Lei Euseacutebio de Queiroz de 1850 jaacute havia

proibido o comeacutercio atlacircntico de pessoas escravizadas no Brasil apesar de o

sequestro de pessoas para a escravidatildeo ter continuado por meios ilegais 1871

ainda eacute o ano no qual eacute aprovada a Lei do Ventre Livre apontando que a era do

escravismo como sistema econocircmico chegaria a um fim cedo ou tarde

O juiz explicita que as soluccedilotildees para a ldquocrise que tem o paiacutesrdquo naquele momento

seria o investimento na induacutestria e no trabalho livre seguindo o modelo britacircnico

de desenvolvimento bem como o incentivo agrave colonizaccedilatildeo de terras As accedilotildees

do Impeacuterio brasileiro nesse sentido entretanto natildeo foram para a inclusatildeo de

ex-escravizados na sociedade A Lei de Terras de 1850 regulamentou a proprie-

dade privada no Brasil mas acabou dando grande parte da posse para grandes

fazendeiros da elite branca deixando pessoas negras indiacutegenas e quilombolas

sem acesso agrave produccedilatildeo agriacutecola proacutepria Como vimos na anaacutelise de outros doc-

umentos a ldquopromoccedilatildeo agrave colonizaccedilatildeordquo durante o seacuteculo XIX ainda levou grande

sofrimento a populaccedilotildees indiacutegenas no Sertatildeo Leste de Minas Gerais

Diversos governos brasileiros ainda buscaram o trabalho livre atraveacutes do incen-

tivo agrave imigraccedilatildeo de europeus especialmente italianos e alematildees natildeo resolvendo

questotildees como o desemprego e a falta de colocaccedilatildeo social das pessoas que eram

progressivamente libertadas da escravidatildeo Assim a tentativa de ldquosolucionar a

criserdquo do Brasil no seacuteculo XIX atraveacutes de modelos europeus de sociedade apro-

fundou diversas crises tanto na questatildeo do racismo e da integraccedilatildeo de pessoas

ex-escravizadas na sociedade quanto em questotildees fundiaacuterias e de acesso agrave terra

por populaccedilotildees negras e indiacutegenas

31 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTOJuiacutezo Municipal de Curvelo 13 de Abril de 1871Ilustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor

Tenho a honra de acusar o recebimento da circular de16 de Fevereiro uacuteltimo a que acompanhou coacutepia do avisodo Ministeacuterio da Agricultura comeacutercio e obras puacutebli-cas de 30 de Janeiro do correnteCerto de tudo quanto nessa Circular me recomendaVossa Excelecircncia esforccedilar-me-ei por incutir as ideacuteias salutaresde Vossa Excelecircncia nos acircnimos dos Fazendeiros mais importantesdeste Municiacutepio e procurarei convencecirc-los quanto eacute conve-niente a promoccedilatildeo da colonizaccedilatildeo a fim de se tirar aagricultura do estado de decadecircncia a que se vecirc ela ho-je infelizmente reduzida e de que soacute poderaacute ser levantadapelo concurso do trabalho livre estudo dos modernosmelhoramentos e aperfeiccediloamento do sistema de culturaA crise porque tem o paiacutes de passar pela solu-ccedilatildeo inevitaacutevel de proacutexima do tremendo problema do elemento servil reclama a cooperaccedilatildeo de todos e estouconvencido que soacute o trabalho livre o desenvolvimento da instruccedilatildeo primaacuteria e teacutecnica o abandono da caduca-soteria e uma franca dedicaccedilatildeo ao progresso industri-al e manufatureiro do seacuteculo a par de um aper-feiccediloado sistema de viaccedilatildeo poderatildeo erguer esta Pro-viacutencia essencialmente agriacutecola a altura a que temdireito pela uberdade de seu solo amenidadede seu clima abundacircncia de vias fluviais ateacute agora inuacuteteis e sobretudo inteligecircncia boa iacuten-dole e patriotismo de seus habitantesDeus Guarde Vossa ExcelecircnciaIlustriacutessimo e Excelentiacutessimo Senhor Doutor Antocircnio Luiacutes Afon-so de Carvalho DD Presidente destaProviacutencia

O Juiz MunicipalCandido Luiz Maria drsquoOliveira

32 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ANUacuteNCIO DE RECOMPENSA PELA CAPTURA DE ESCRAVO FUGIDOACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM PP 112 CX 01

33 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

A imagem retrata um anuacutencio do senhor de escravos Manoel do Nascimento

da Matta que procura trecircs de seus escravos que haviam fugido No anuacutencio

constam informaccedilotildees sobre a aparecircncia a origem e outras caracteriacutesticas dos

indiviacuteduos fugitivos e informaccedilotildees sobre o pagamento de uma recompensa no

valor de 100$000 reacuteis por cada escravo encontrado O valor dessa recompensa

que seria suficiente para comprar aproximadamente 8 sacas de cafeacute naquele

periacuteodo demonstra como a matildeo de obra escrava era lucrativa para a sociedade

senhorial sendo vantajoso o grande investimento em recompensas na busca por

fugitivos

Figurando entre as principais formas de resistecircncia encontradas pelos africanos

escravizados as fugas aconteciam tanto individualmente quanto mais rotineira-

mente em grupos que se fixavam em quilombos para se fortalecer e receber

outros fugitivos Os quilombos se constituiacuteam como refuacutegios para aqueles que

conseguiam escapar e se recusavam a viver sob a submissatildeo a violecircncia e a

exploraccedilatildeo da sociedade colonial havendo periacuteodos em que existiam cerca de

600 quilombos em Minas Gerais cada um abrigando centenas ou milhares de

pessoas

Eacute interessante notar que o anuacutencio que circulou em Minas Gerais fala de pessoas

escravizadas no Rio de Janeiro argumentando que estas podiam estar em outras

cidades (ou mesmo outras proviacutencias) se passando por libertos A fuga apresen-

tava vaacuterias opccedilotildees para a liberdade da pessoa ex-escravizada sendo possiacutevel

tanto a circulaccedilatildeo em sociedades quilombolas quanto em cidades e fazendas

distantes

ReacuteisPlural de Real a utilizaccedilatildeo da moeda foi

influenciada pelo domiacutenio portuguecircs e

vigorou ateacute o ano de 1833 quando foi

instituiacutedo o mil-reacuteis apoacutes uma reorgani-

zaccedilatildeo do sistema monetaacuterio brasileiro

A moeda permaneceu em circulaccedilatildeo

ateacute o ano de 1942 quando o Cruzeiro foi

adotado

SUGESTAtildeO DE ATIVIDADE INTERDISCIPLINARbull Junto ao professor de literatura ou produccedilatildeo de texto sugerir que os alunos criem

uma narrativa envolvendo um ou mais personagens descritos no anuacutencio depois da fuga Sem renunciar ao contexto histoacuterico

34 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CARTA DE LIBERDADE1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

35 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O documento acima intitulado ldquoCarta da Liberdaderdquo concede alforria para uma

bebecirc nascida de uma mulher escravizada na cidade de Piranga Minas Gerais no

ano de 1872 Ao produzir o documento o senhor aponta o nome ldquocorrdquo estado civil

e idade da matildee e da crianccedila apenas o sexo e o nome que intenciona dar a ela

sem entrar em mais detalhes

Eacute importante destacar que a carta escrita em maio daquele ano foi produzida

em um momento em que jaacute vigorava a Lei do Ventre Livre assinada no mecircs de

setembro do ano anterior apoacutes pressatildeo de movimentos abolicionistas Dessa

maneira eacute possiacutevel compreender que a liberdade concedida na carta natildeo se

tratava de um simples ato de bondade do senhor que a escreveu mas sim de um

documento que comprovava o cumprimento da lei vigente

Embora a Lei do Ventre Livre decretasse liberdade para bebecircs nascidos de famiacutel-

ias escravizadas a partir de 1871 a maior parte das crianccedilas acabava ficando sob

a tutela do mesmo senhor que escravizava sua famiacutelia e com o passar dos anos

acabava servindo a este como matildeo de obra barata principalmente em funccedilatildeo da

extrema dificuldade dos libertos em conseguir oportunidades melhores numa

sociedade que os via como submissos e inferiores

Lei do Ventre LivreLei assinada em 28 de setembro de 1871

que declarava livres os filhos de mulher

escrava nascidos no Brasil a partir da data

de aprovaccedilatildeo da lei Essa Lei portanto

criaria uma geraccedilatildeo inteira de pessoas

livres e fazia parte de uma tentativa de

aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo no paiacutes

TRANSCRICcedilAtildeO DO DOCUMENTO

Eu abaixo assinado Ricardino Pires Veloso deSaacute declaro que no dia 2 de Marccedilo do corrente ano nasceu deminha escrava de nome Carolina Crioula Solteira de idade28 anos uma crianccedila do sexo feminino cuja ainda natildeofoi batizada e tenciono a dar-lhe o nome de Mariae esta de cor parda a qual dou-lhe plena liberdadepara sempre natildeo havendo de minha parte constan-gimento algum E para firmeza do referido pa-pel com tiacutetulo de carta de liberdade mandei pas-sar em presenccedila das testemunhas comigo assina-das Cidade do Piranga 22 de Maio de 1872Ricardino Pires Veloso de SaacuteTestemunha Joseacute Duarte FirminoTestemunha Manoel Romatildeo de Jesus

Reconheccedilo verdadeira a firma supraPiranga 7 de Agosto de 1873 Eu JoseacuteDuarte Firmino Primeiro Tabeliatildeo oescrevi e assinei em puacuteblico e raso

36 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

GUARDA DE CONGADO PARAMENTADA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSAacuteRIO EM UBERABA1872ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIROBR MGAPM PP 112 CX 03 DOC 04

37 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

Celebradas no territoacuterio brasileiro desde meados do seacuteculo XVII as festas do

Congado surgiram como manifestaccedilotildees da identidade cultural da comunidade

negra Nessas festas se somavam elementos de religiotildees africanas o catoli-

cismo brasileiro e os catolicismos africanos como os do reino do Congo onde

houve grande adesatildeo agrave religiatildeo mesmo diante da resistecircncia agrave influecircncia poliacutetica

portuguesa

Inspiradas nas coroaccedilotildees dos reis Congos realizadas em territoacuterio afri-

cano a Congada conta a histoacuteria desses heroacuteis e manteacutem a tradiccedilatildeo de coroar

reis e rainhas negros durante a celebraccedilatildeo Apoacutes o coroamento os reis eleitos

sua guarda e os demais congadeiros saem em cortejo bradando estandartes de

santos catoacutelicos como Satildeo Benedito Nossa Senhora do Rosaacuterio e Santa Efigecircnia

Essa caracteriacutestica vista por portugueses como uma integraccedilatildeo dos negros na

cultura colonial era definitiva para que ao contraacuterio de outras manifestaccedilotildees

culturais africanas a Festa do Congado fosse aceita e ateacute mesmo estimulada

pela sociedade senhorial Aleacutem da celebraccedilatildeo cultural pessoas negras (escravi-

zadas ou livres) se juntavam em irmandades religiosas de devoccedilatildeo a santos e

santas Essas irmandades muito aleacutem de serem apenas religiosas serviam

como organizaccedilatildeo para accedilotildees de ajuda muacutetua financiamentos coletivos para

construccedilatildeo de igrejas funerais festas e um espaccedilo de sociabilidade proacutepria

A imagem acima retrata a guarda do congado paramentada para o cortejo com

seus adornos feitos com penas e fitas que compotildeem a funccedilatildeo miacutetica conferida

agrave guarda ou seja abrir o caminho para a chegada dos reis e para a passagem do

cortejo

O olhar detido da foto permite ver como a guarda de Congado da festa de Nossa

Senhora do Rosaacuterio em Uberaba congregava crianccedilas jovens adultos e pessoas

mais velhas na renovaccedilatildeo de valores culturais que celebram a ancestralidade

Aleacutem da expressatildeo religiosa e festiva eacute

possiacutevel ver a transmissatildeo de histoacuteria e

conhecimento atraveacutes dos seacuteculos no

catolicismo negro e o senso de identi-

dade que conecta geraccedilotildees

CongadeirosIntegrantes das Congadas satildeo aqueles que

fazem parte do cortejo Os congadeiros

fazem referecircncia aos antigos reinos do

Congo e Moccedilambique representando no

festejo os reis e a guarda real enquanto

entoam canccedilotildees que remetem ao passado

da populaccedilatildeo negra e a devoccedilatildeo a santos

catoacutelicos

EstandartesNo significado atribuiacutedo ao texto satildeo

bandeiras utilizadas por grupos religi-

osos geralmente catoacutelicos em cortejos

e alegorias de devoccedilatildeo Esses objetos

feitos de modo artesanal e compostos por

inuacutemeros detalhes geralmente trazem em

destaque gravuras ou pinturas dos santos

de devoccedilatildeo de cada grupo

38 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

CONGADORODELNEacuteGIO G NETO1970ACERVO MUSEU MINEIRO

39 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

O quadro representado na imagem retrata a guarda do Congado que vestindo

as cores que remetem aos seus santos de devoccedilatildeo vatildeo agrave frente do cortejo com

seus instrumentos musicais que trazem melodia ao canto dos congadeiros As

muacutesicas atualmente cantadas em portuguecircs com algumas palavras dos idiomas

banto trazem letras que relatam desde aspectos do dia a dia dos escravizados

e a afliccedilatildeo pelo aprisionamento de seu povo agrave redenccedilatildeo aos santos e esperanccedila

de um futuro melhor

Atraveacutes da anaacutelise do quadro eacute possiacutevel perceber que os participantes da

Congada satildeo majoritariamente negros enquanto os demais assistem e acenam

para a celebraccedilatildeo A proeminecircncia de pessoas negras no centro do congado do

quadro eacute marcante para a compreensatildeo das Festas do Congado Estas surgi-

ram como uma forma de resistecircncia cultural das populaccedilotildees africanas e seus

descendentes no territoacuterio brasileiro sobretudo nas Minas Gerais que na deacutecada

de 1870 abrigavam mais de 350 mil pessoas escravizadas frac14 do total do Brasil

sem contar a grande populaccedilatildeo de pessoas negras livres Natildeo agrave toa essas festas

continuam vivas no catolicismo popular dos mais diversos cantos de Minas Gerais

como celebraccedilotildees de comunidades majoritariamente negras As resistecircncias

culturais influenciaram tambeacutem praacuteticas largamente adotadas fora de comuni-

dades negras como as benzedeiras

Ao fundo do quadro eacute possiacutevel ver os

mastros erguidos em frente agrave igreja

ostentando bandeiras de santos No

centro temos outro estandarte (em

amarelo) representando Nossa Senhora

cercada de rosas indicando a devoccedilatildeo agrave

Nossa Senhora do Rosaacuterio Essa santa

era uma das principais em torno da qual

se formavam irmandades de pessoas

negras em diversas cidades mineiras

BantoTronco linguiacutestico originaacuterio das regiotildees

central e sudeste do continente africano

de onde se originam centenas de liacutenguas

usadas ainda hoje As principais influecircn-

cias de idiomas Banto no Brasil vieram

atraveacutes de povos dos atuais Congo Angola

e Moccedilambique

Quibundo Uma das liacutenguas Banto mais faladas

em Angola especialmente na regiatildeo de

Luanda ao norte do paiacutes Originou diversas

palavras do portuguecircs brasileiro como

ldquomolequerdquo ldquocafuneacuterdquo ldquocochilordquo ldquomuambardquo

ldquocachimbordquo ldquojiloacuterdquo e dezenas mais

40 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

No primeiro plano com rosaacuterios nos pescoccedilos estatildeo os que lideram a guarda do

Congado trajando azul e branco com saias vermelhas enquanto tocam instru-

mentos como o reco-reco o chocalho e o pandeiro (que dividem a cena com

violotildees e tambores) Alguns desses satildeo fortes na musicalidade afro-brasileira

um dos nomes do reco-reco eacute ldquomacumbardquo na liacutengua quimbundo nome que poste-

riormente passou a designar praacuteticas religiosas afro-brasileiras frequentemente

associadas ao Candombleacute

41 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

DELEGACcedilAtildeO DE IacuteNDIOS QUE PARTICIPOU DO 28ordm ANIVERSAacuteRIO DE BRASIacuteLIA

1988ACERVO ARQUIVO PUacuteBLICO MINEIRO

BR MGAPM JAO-1057(13)

42 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

Esta fotografia mostra uma delegaccedilatildeo de diversos povos indiacutegenas que participou

das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia em 1988 Eacute importante ressaltar

que esse foi um ano decisivo para o movimento indiacutegenas a Constituiccedilatildeo apro-

vada naquele ano com ampla articulaccedilatildeo de movimentos sociais foi a primeira a

mencionar o direito dos povos originaacuterios do Brasil a manterem sua autonomia e

estilos de vida Antes disso atraveacutes da Colocircnia Impeacuterio e periacuteodos republicanos

ou ditatoriais do Estado brasileiro foram unacircnimes em tratar esses povos como

objetos de catequizaccedilatildeo conversatildeo e assimilaccedilatildeo natildeo tendo autonomias poliacutetica

e juriacutedicas

No periacuteodo da Assembleia Constituinte houve grande mobilizaccedilatildeo de oacutergatildeos

como a Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas de forma que a conquista do reconheci-

mento e de direitos natildeo se deu como uma ldquoconcessatildeordquo mas sim como uma

continuidade das resistecircncias e mobilizaccedilotildees indiacutegenas atraveacutes da histoacuteria

brasileira culminando em momentos como esse A presenccedila indiacutegena foi mar-

cada inclusive pelo discurso do liacuteder indiacutegena mineiro Ailton Krenak diante da

Assembleia Constituinte em 1987 como porta-voz da mobilizaccedilatildeo nacional

Assembleia ConstitutinteInstalada no Congresso Nacional em

1987 a Assembleia Nacional Constituinte

tinha como finalidade elaborar uma nova

Constituiccedilatildeo para o Brasil apoacutes 21 anos de

ditadura militar A Constituinte terminou

com a votaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo do texto final

da Constituiccedilatildeo tambeacutem conhecida como

Constituiccedilatildeo Cidadatilde em 22 de setembro

de 1988

Uniatildeo das Naccedilotildees IndiacutegenasOrganizaccedilatildeo indiacutegena criada em 1979 com

o objetivo de unificar as reivindicaccedilotildees

indiacutegenas atraveacutes de alianccedilas com movi-

mentos de apoio aos iacutendios espalhados

pelo paiacutes A UNI foi atuante durante a

Constituinte e influenciou a elaboraccedilatildeo do

capiacutetulo referente aos direitos indiacutegenas

na Constituiccedilatildeo de 1988

43 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1A partir da leitura do Alvaraacute Reacutegio de 4 de abril de 1755 sobre casamento de vassalos com iacutendias aborde com os alunos os tipos de visotildees que os colonizadores tin-ham acerca dos povos indiacutegenas ao longo dos seacuteculos e trabalhe com eles os motivos e circunstacircncias que levaram agraves diversas mudanccedilas dessas visotildees

a) Trabalhe a adoccedilatildeo de poliacuteticas oficiais com relaccedilatildeo aos indiacutegenas desde o periacuteodo colonial e durante o Impeacuterio Como as poliacuteticas de assimi-laccedilatildeo dos povos indiacutegenas impactaram em seu modo de vida

b) Sabendo que o documento analisado tambeacutem tentou promover a transferecircncia do domiacutenio das terras indiacutegenas para os vassalos do rei trabalhe com os alunos as dificuldades enfrentadas ainda hoje pelos indiacutegenas brasileiros na defesa de suas terras Proponha pesquisas em sites e jornais para ajudaacute-los a compreender os desafios enfrentados pelos iacutendios

ATIVIDADE 2A criaccedilatildeo de Quilombos no Brasil pode ser datada desde o seacuteculo XVI Criados para serem inicialmente refuacutegios de africanos escravizados que fugiam do trabalho cativo acabaram se tornando siacutembo-los de resistecircncia ao sistema escravista em todo o paiacutes Na Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida haacute uma citaccedilatildeo ao Quilombo de Palmares e eacute possiacutevel com-preender que existe um receio de que os quilombos mineiros acabassem se tornando para a Coroa tatildeo problemaacuteticos quanto Palmares A partir da leitura da Carta de Dom Lourenccedilo de Almeida e do Anuacutencio de recompensa pela captura de escravo fugido

a) Converse com os alunos sobre o surgimento dos quilombos Quem eram aqueles que os con-struiacuteram quais os motivos que os levaram a se

refugiar da sociedade em que estavam inseridos e por que eles representavam perigo para a Coroa portuguesa e o Governo Colonial

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre o Quilombo de Palmares e sua importacircncia para as lutas pela liberdade e posteriormente para os movimentos de luta pela igualdade racial que surgiram no seacuteculo XX Converse sobre a importacircncia do resgate da memoacuteria de Palmares e de seus personagens para a representatividade da populaccedilatildeo negra na histoacuteria do Brasil

c) Peccedila que os alunos pesquisem sobre a existecircncia de quilombos no seacuteculo XXI e se possiacutevel promova uma roda de conversa presencial ou online com quilombolas para que os alunos compreendam os significados de se viver em um quilombo mais de anos 130 anos apoacutes o fim da escravidatildeo

ATIVIDADE 3A partir da leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre negro que se intitula ldquoRei dos Congosrdquo e as providecircncias mais convenientes a serem tomadas para coibir rebeliotildees de negros da foto da Guarda do Congado para-mentada na festa de Nossa Senhora do Rosaacuterio em Uberaba (MG) e do quadro Congado divida a sala em grupos e peccedila para que pesquisem sobre as festivi-dades religiosas de Minas Gerais

a) Busque compreender como a religiatildeo e a religi-osidade se tornaram uma forma de resistecircncia seus significados e tradiccedilotildees

b) A partir da reflexatildeo sobre a resistecircncia atraveacutes das atividades religiosas trabalhe com os alunos a importacircncia da toleracircncia religiosa dentro de uma sociedade democraacutetica e de um paiacutes laico

c) Procure trabalhar as permanecircncias das festivi-dades religiosas que remontam o periacuteodo colonial

44 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

e que ainda hoje satildeo celebradas Se possiacutevel tra-balhe com festas tiacutepicas da cidade e desenvolva um trabalho de pesquisa que envolva a histoacuteria e a memoacuteria dos moradores

ATIVIDADE 4A partir da leitura e anaacutelise das Cartas sobre aldea-mento e doenccedilas nos indiacutegenas do Rio Doce proacuteximo a Cuieteacute e do Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto eacute possiacutevel perceber a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do vale do Rio Doce e suas consequecircncias para as populaccedilotildees nativas

a) Apresente aos alunos o conceito de alteridade Leia as cartas e converse sobre a presenccedila ou ausecircncia de alteridade no discurso dos autores A visatildeo expressada por eles eacute capaz de enxergar o outro como semelhante ou haacute nela uma demon-straccedilatildeo de superioridade

b) O Inventaacuterio da Capela e Sacristia do Aldeamento da Imaculada Conceiccedilatildeo do Etueto demonstra a tentativa de incorporaccedilatildeo dos indiacutegenas agrave civili-zaccedilatildeo ocidental tambeacutem por meio da catequese e da instalaccedilatildeo da igreja catoacutelica nos aldeamentos Utilize a citaccedilatildeo a seguir para promover a dis-cussatildeo acerca das poliacuteticas de domiacutenio dos povos indiacutegenas atraveacutes da assimilaccedilatildeo e tentativas de aculturaccedilatildeo resultantes da catequizaccedilatildeo Se achar necessaacuterio decirc mais subsiacutedios aos alunos para melhor fundamentar as discussotildees

ldquoA situaccedilatildeo dos iacutendios em Minas Gerais no final do seacuteculo XIX ainda natildeo estava resolvida Uns acredi-tavam que era preciso incorporaacute-los agrave civilizaccedilatildeo outros que o melhor a fazer seria aniquilaacute-los para abrir novas frentes de expansatildeo econocircmica Buscando uma soluccedilatildeo para o difiacutecil problema a Assembleia Legislativa da proviacutencia promulgou a Lei n 1921 de 19 de julho de 1872 determinando a criaccedilatildeo de cinco aldeamentos centrais para os iacutendios que habitavam o territoacuterio mineiro A ideia era estabelececirc-los em aacutereas que possuiacutessem um grande nuacutemero de nativos ainda que de diversas etnias Imaginava o legislador ser possiacutevel juntar nesses estabelecimentos todos os iacutendios que estivessem numa dada regiatildeo Percebe-se que a prioridade era a conquista ou consolidaccedilatildeo de espaccedilo fiacutesico e natildeo a manutenccedilatildeo dos valores culturais indiacutegenas Pensava-se apenas em livrar determinadas aacutereas da presenccedila incocircmoda desses grupos amontoando-os em locais especiacuteficosrdquo

(Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Maacutercia Amantino Revista do

Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 128 juldez 2009)

ATIVIDADE 5 O Ofiacutecio sobre a utilizaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo e a Carta de Liberdade satildeo produtos de sua proacutepria eacutepoca e refletem as medidas tomadas pelo Estado e por particulares em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo no Brasil

a) Trabalhe com os alunos a cronologia das medi-das oficiais do Estado brasileiro para pocircr fim agrave escravidatildeo no paiacutes Qual o papel das rebeliotildees escravas dos movimentos abolicionistas e da pressatildeo internacional nas diversas leis que surgi-ram a partir de 1850

b) Apoacutes a leitura e anaacutelise do Ofiacutecio sobre a utili-zaccedilatildeo do trabalho de colonos na agricultura em substituiccedilatildeo ao trabalho escravo no municiacutepio de Curvelo converse com os alunos sobre as conse-quecircncias da substituiccedilatildeo da matildeo de obra escrava que se deu quase sempre pela matildeo de obra de imigrantes Trabalhe as consequecircncias causadas pela exclusatildeo de libertos como exemplificado pela Carta de Liberdade no acesso ao trabalho remu-nerado e principalmente no direito agrave terra

c) Por fim converse com os alunos sobre accedilotildees afirmativas e programas de distribuiccedilatildeo de renda Qual eacute a importacircncia desses tipos de medidas para a diminuiccedilatildeo da desigualdade social e de uma pos-siacutevel reparaccedilatildeo histoacuterica aos negros e negras do Brasil

ATIVIDADE 6A foto da Delegaccedilatildeo de iacutendios que participou das comemoraccedilotildees do 28ordm aniversaacuterio de Brasiacutelia repre-senta um marco na conquista de direitos dos povos indiacutegenas pois pela primeira vez eles foram ouvidos amplamente pelos legisladores e tiveram partici-paccedilatildeo na construccedilatildeo de seus direitos na Constituiccedilatildeo

a) Proponha aos alunos que pesquisem as visotildees do Estado acerca dos indiacutegenas atraveacutes das Constituiccedilotildees e peccedila para que eles discorram sobre os estereoacutetipos que podem ter sido reforccedila-dos pelas formas e visotildees que o Estado brasileiro tinha dos povos indiacutegenas

b) Peccedila que os alunos pesquisem sobre as populaccedilotildees indiacutegenas no seacuteculo XXI em especial no estado de Minas Gerais e promova uma roda de conversa presencial ou online com indiacutegenas sobre as dificuldades enfrentadas para a manuten-ccedilatildeo das aldeias de suas culturas e a constante necessidade de romper com os estereoacutetipos for-jados haacute seacuteculos

45 E S C R AV I Z ACcedil AtildeO E R E S I S T Ecirc N C I A S N E G R A E E S C R AVA

BIBLIOGRAFIA6ordm Encontro com o Folclore Cultura Popular Universidade Estadual de Campinas Disponiacutevel em httpswwwunicamp

brfolclorefolc6folclore2html Acesso em 26 de out de 2020

AMANTINO Maacutercia Entre o genociacutedio e a escravidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 45 n 2 p 120-133 juldez

2009

AMANTINO Maacutercia Sertotildees iacutendios e quilombolas Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 50 n1 p 92-109 janjun 2014

ANDRADE Marcos Ferreira de A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas a origem da-lei nefanda- (10 de

junho de 1835) Tempo v 23 p 264-289 2017

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees Escravas na Comarca de Ouro Preto Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 17 p 237-

257 1997

ANDRADE Marcos Ferreira de Rebeliotildees escravas na Comarca do Rio das Mortes Minas Gerais o caso Carrancas Afro-

Asia (UFBA) FFCHUFBA - Salvador v 21-22 p 45-82 1999

BARROS Cacircndida LESSA Antocircnio Luis Salim Estudo preliminar de um dicionaacuterio portuguecircs-tupi do periacuteodo pombalino

Revista de Estudos da Linguagem Belo Horizonte v 13 n 2 p 73-94 juldez 2005

CAMPOLINA Alda Maria Palhares MELO Claacuteudia Alves ANDRADE Mariza Guerra de Escravidatildeo em Minas Gerais Belo

Horizonte Arquivo Puacuteblico Mineiro 1988

CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal

de Cultura FAPESP 1992

CUNHA Manuela Carneiro da Iacutendios no Brasil histoacuteria direitos e cidadania Satildeo Paulo Claro Enigma 2012

DELFINO Leonara L Danccedilas dramaacuteticas no Atlacircntico os olhares estrangeiros sobre a festa do congado na sociedade

escravista Dimensotildees - Revista de Histoacuteria da UFES v 38 p 9-28 2017

DORES Marcus Viniacutecius Pereira das Os segredos do leacutexico lituacutergico glossaacuterio do Primeiro Inventaacuterio de bens da Catedral

de Mariana Satildeo Paulo NEHiLPFFLCHUSP no prelo

ESPIacuteNDOLA Haruf Salmen Extermiacutenio e servidatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 48-64 janjun 2011

FIGUEIREDO Luciano R A O avesso da memoacuteria cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no seacuteculo XVIII Brasiacutelia

J OlympioEdunb 1993

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly As margens da liberdade Estudo sobre a praacutetica de alforrias em Minas colonial e provincial 1

46 VAacute R I A S M I N A S E N C R U Z I L H A DA D E H I S TOacute R I A S

ed Belo Horizonte Fino TraccediloFAPEMIG 2011

GONZAacuteLEZ Leacutelia Racismo e Sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Anpocs p 223-244 1984

KRENAK Ailton Encontros Ailton Krenak Compilado por Seacutergio Cohn Satildeo Paulo Azougue Editorial 2015

KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019

LANGFUR Hal Mapeando a conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 32-48 janjun 2011

MATTOS Isabel Missagia de Educar para dominar Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 98-110 janjun 2011

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Poder local e ldquovoz do povordquo territorialidade e poliacutetica dos iacutendios nas repuacuteblicas de maioria

indiacutegena do Espiacuterito Santo 1760-1822 Tempo 2016 vol22 n40 pp239-259

MOREIRA Vacircnia Maria Losada Territorialidade casamentos mistos e poliacutetica entre iacutendios e portugueses Rev Bras Hist

[online] 2015 vol35 n70 pp17-39 Epub Jan 08 2016 ISSN 1806-9347 httpsdoiorg1015901806-93472015v35n70006

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Brasil escravista - o que natildeo deve ser dito Jundiaiacute Paco Editorial 2017

MOREL Marco A Revoluccedilatildeo do Haiti e o Impeacuterio do Brasil intermediaccedilotildees e rumores Anuario de Estudios Bolivarianos

v XI p 189-212 2005

MOREL Marco A saga dos Botocudos guerra imagem e resistecircncia indiacutegena Satildeo Paulo Hucitec 2018

MOREL Marco O abade Greacutegoire o Haiti e o Brasil repercussotildees no raiar do seacuteculo XIX Almanack Braziliense (Online)

Satildeo Paulo v 2 n2 p 1-20 2005

PAIVA Adriano Toledo Pegadas indiacutegenas no acervo do APM Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 46 n1 p 110-127 jan

jun 2010

PAIVA Adriano Toledo Um livro aberto da conquista Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n 1 p 160-181 janjun 2011

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os Botocudos e sua trajetoacuteria histoacuterica In CUNHA Manuela Carneiro da (org) Histoacuteria

dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura FAPESP 1992 p 413-430

PARAIacuteSO Maria Hilda Baqueiro Os kurukas no mercado colonial Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 n1 p 78-98

janjun 2011

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas expansionista Minas Mesticcedila a resistecircncia dos iacutendios em Minas Gerais do

seacuteculo do ouro Anais de Histoacuteria de Aleacutem-Mar v 9 p 79-103 2008

RESENDE M L C LANGFUR Harold Minas Gerais indiacutegena a resistecircncia dos iacutendios nos sertotildees e nas vilas de El-Rei

Tempo v 23 p 1-20 2008

RESENDE M L C ROCHA L C SALES C L PALMA P Estrada Real Um rsquolugar de memoacuteriarsquo dos povos indiacutegenas

Tempos Gerais (Satildeo Joatildeo del Rei) v 5 p 43-63 2014

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Amores proibidos amores possiacuteveis Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro v 47 p 64-77

2011

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Brasis coloniales iacutendios e mesticcedilos nas Minas Gerais Setecentistas In VILLALTA

Luiz Carlos RESENDE Maria Efigecircnia Lage (Org) Histoacuteria de Minas Gerais - As Minas Setecentistas Belo Horizonte

Autecircntica 2007 v 1 p 221-249

RESENDE Maria Leocircnia Chaves Minas Mesticcedila iacutendios coloniais em busca da liberdade no seacuteculo do ouro Cahiers des

Ameacuteriques Latines (Paris) FranccedilaParis v 44 p 61-76 2004

REALIZACcedilAtildeO

SOUZA Fernando Prestes de LIMA Priscila de Muacutesicos negros no Brasil colonial trajetoacuterias individuais e de ascensatildeo

social (segunda metade do seacuteculo XVIII e iniacutecio do XIX) Revista Vernaacuteculo v 19-20 p 30-66 2007

SOUZA Marina de Mello Reis negros no Brasil escravista histoacuteria da festa de coroaccedilatildeo de rei congo Belo Horizonte

Editora UFMG 2001

YOUSSEF Alain El Haitianismo em perspectiva comparativa Brasil e Cuba (seacutecs XVIII-XIX) In 4ordm Encontro Escravidatildeo e

Liberdade no Brasil Meridional Curitiba-PR Anais 2009 p 1-20