O Ensino Mdio no Plano Nacional de Educao 2011/2020: superando a dcada
perdida?
Accia Zeneida Kuenzer1
Resumo
Este artigo tem como objeto as propostas para o Ensino Mdio que devero sercontempladas no Plano Nacional de Educao, a partir da Conferncia Nacional deEducao 2010. Apoiado nos documentos produzidos pelo MEC, pelo CNE e pelasociedade civil, o texto analisa os dados referentes ao acesso e qualidade do EnsinoMdio no mbito do PNE 2001/2010. A partir desta anlise, o texto aponta para anecessidade de conferir materialidade ao discurso acerca da universalizao da EducaoBsica com qualidade social, para o que fundamental a institucionalizao do SistemaNacional de Educao como elemento articulador de um esforo coletivo tendo em vista aampliao do acesso e da qualidade do Ensino Mdio. O texto analisa a estagnaoocorrida na dcada 2001/2010 e aponta a inverso da dualidade estrutural, mediante adesqualificao da oferta de ensino mdio de educao geral para os que vivem dotrabalho. Ao longo da anlise, a autora enfatiza as metas que devero ser consideradas naelaborao do novo PNE, tendo em vista a qualidade e a universalizao do Ensino Mdio.
Palavras chave: ensino mdio; Plano Nacional de Educao; Educao Bsica.
1. Introduo
Ao redigir esse artigo, cuja finalidade contribuir com o debate sobre o ensino
mdio a ser realizado no processo de elaborao e acompanhamento do PNE 2011/2020,
uma questo de fundo, j apontada pelo Conselho Nacional de Educao no documento
elaborado para subsidiar o novo PNE, precisa ser explicitada: as limitaes da anlise,
decorrentes da ausncia de uma avaliao consistente do PNE 2001/2010i, uma vez que
este elidiu, em sua formulao, indicadores que permitissem acompanhar o
desenvolvimento no tocante s metas estabelecidas para o decnio. Ao mesmo tempo, a
2no explicitao dos mecanismos de financiamento, acabam por fazer do atual PNE antes
um rol de boas intenes do que um efetivo documento de planejamento a orientar
objetivamente as aes, a permitir o acompanhamento dos investimentos e a avaliao dos
resultados, em um processo de anlise crtica que deveria ter se desenvolvido no transcurso
do decnio.
Assim, fica limitada a anlise e a elaborao de proposies quando as metas no
so passveis de avaliao pela ausncia de indicadores e quando os parmetros relativos ao
financiamento no so claramente explicitados. Estes limites, contudo, seriam minimizados
se o Governo tivesse promovido uma criteriosa anlise da situao real da educao
brasileira discutindo-a com a sociedade civil, no apenas apresentando dados brutos, mas
sries histricas, matrculas por idade, distoro idade/srie, relao entre escolaridade,
formao profissional e emprego, entre outros, de modo a mostrar como de fato evoluiu o
acesso e a permanncia nos diferentes nveis, etapas e modalidades de ensino e suas
relaes com a ocupao e com o acesso cultura. A ausncia de explicitao destes dados
e do debate com a sociedade civil, por si s j revela os limites deste processo, que acaba se
transformando em formalidade. Cumpre destacar, ainda, que os dados disponveis so
descontinuados, dificultando sobremaneira a anlise dos indicadores que permitiriam um
diagnstico de qualidade, a partir do qual pudessem ser estabelecidas metas realistas para o
prximo decnio.
Evidentemente, a explicitao destes limites no pode ser entendida como negao
das positividades que o processo democrtico de construo de um Plano Nacional de
Educao pode trazer, em termos de negociao entre sociedade civil e Governo acerca das
metas que devem orientar as aes do Estado e seu acompanhamento e controle, no que
tange aos direitos fundamentais. Ao contrrio, esses limites devem orientar o debate acerca
1 Doutora em Educao pela PUC/SP, Professora Titular aposentada da UFPR, atuando do Programa de
Ps-graduao em Educao, Pesquisadora 1 B do Cnpq, na rea de Trabalho e [email protected]
3das formas de seu enfrentamento; da a razo de explicit-los. Contudo, necessrio indicar
que sob estes limites que o presente artigo se constri.
Explicitados os limites de mtodo, h que anotar os decorrentes do contedo: com
relao ao Ensino Mdio, com suas histricas mazelas, o que h de novo a pontuar para o
novo Plano seno o enfrentamento das dificuldades que vm sendo apontadas tanto pela
sociedade civil quanto pelo governo desde a dcada de 80?
Mais uma vez, portanto, h que retomar as clssicas teses, pinceladas com alguns
novos matizes que tornam a anlise desta etapa da Educao Bsica mais preocupante, com
o intuito de fortalecer as posies polticas comprometidas com a construo objetiva, e
no apenas formal, dos direitos daqueles que vivem do trabalho. Esta ltima afirmao
circunscreve a direo a ser dada ao texto: o ensino mdio pblico, uma vez que o ofertado
aos filhos da burguesia e da pequena burguesia pela iniciativa privada, atende aos interesses
de seu pblico-alvo, no se constituindo em motivo de preocupao.
Assim, o eixo a conduzir a anlise ser, mais uma vez, a universalizao de um
ensino mdio com qualidade social, tal como preconiza a legislao educacional vigente.
Para tanto, sero tratadas as seguintes dimenses: o ensino mdio como parte integrante da
educao bsica, o que remete constituio do Sistema Nacional de Educao; a
universalizao do acesso; a garantia da permanncia e do sucesso mediante polticas de
assistncia ao estudante; a construo da qualidade social, para o que concorre a concepo
pedaggica, a organizao curricular, os padres mnimos e a formao de professores.
2. O Ensino Mdio como etapa da Educao Bsica: o PNE como
mediao no mbito do Sistema Nacional de Educao
A primeira dimenso a apresentar, tendo em vista a elaborao do PNE 2011/2020,
o compromisso com a construo das condies objetivas, para alm do discurso, do
4Ensino Mdio como etapa efetivamente integrante da Educao Bsica, o que remete, no
s universalizao, mas ao tratamento integrado do percurso curricular a ser percorrido
da educao infantil ao ensino mdio, a partir da nova redao dada ao inciso I do artigo
208 da Constituio em vigor, pela Emenda Constitucional n 59/2009, que assegura que a
Educao Bsica obrigatria e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, devendo ser ofertada
inclusive para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria.
Embora j presente na LDB de 1996, esta concepo fica reforada, medida em
que passa a ser tratada como categoria central nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educao Bsica, constantes do Parecer 07/2010- CNE/CEB.
No mbito das concepes e polticas educacionais, h que considerar que a
concepo de Educao Bsica trazida pela nova LDB representa uma significativa
mudana em relao s legislaes anteriores, no sentido da democratizao da oferta de
educao pblica de qualidade para toda a populao, mas em particular para aqueles que
s tm na escola pblica o espao de acesso ao conhecimento e aprendizagem do
trabalho intelectual.
Superando a fragmentao das legislaes anteriores, que atribuam ao Estado
reduzido compromisso com a oferta pblica, a LDB de 1996 prope a Educao Bsica
como concepo que assegura a integrao entre as diferentes etapas e modalidades de
ensino, de modo a propiciar a todo e qualquer cidado, respeitando a diversidade, a
formao considerada como o mnimo necessrio participao na vida social e produtiva.
Suas finalidades esto definidas no art 22:
A educao bsica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe
a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
a concepo de educao bsica que assegura a organicidade da Educao
5Nacional, atravs do princpio da integrao:
- das etapas: a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio;
- das modalidades: educao profissional, educao do campo, educao
especial, educao de jovens e adultos, educao indgena.
Por compreender a educao como totalidade, j no primeiro captulo a LDB a
define em seu conceito mais amplo, admitindo que ela supera os limites da educao
escolar por ocorrer no interior das relaes sociais e produtivas; reconhece, pois, as
dimenses pedaggicas do conjunto dos processos que se desenvolvem em todos os
aspectos da vida social e produtiva. Esta concepo incorpora a categoria trabalho,
reconhecendo a sua dimenso educativa, ao tempo que reconhece a necessidade da
educao escolar vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social.
A incorporao de todas as modalidades de educao na concepo de educao
bsica, estabelecendo sua integrao e assegurando sua organicidade, decorre desta
concepo de educao como totalidade. Isto significa organizar a educao bsica como
um sistema que no admite formas paralelas que comprometam a assumida integrao
entre as etapas e modalidades de ensino oferecidas pela educao escolar e as demais aes
educativas que ocorrem no conjunto das prticas sociais. Pretende assegurar, desta forma,
tanto a organicidade interna educao bsica, quanto a organicidade externa, articulando,
pela mediao da educao, conhecimento, trabalho e cultura.
E, por conceber a Educao Bsica como condio de exerccio de cidadania, e
portanto como direito, prev a extenso de sua gratuidade, posto que dever do Estado para
com seus cidados. Com relao a este ponto h que registrar, no que diz respeito ao
Ensino Mdio, os avanos relativos democratizao do acesso trazidos pela Lei n.
12.061/2009, quando altera o inciso II do art. 4 e o inciso VI do artigo 10 da LDB: a
ampliao do compromisso do Estado, que era indicado como apenas a extenso
progressiva, para o atendimento de todos os interessados, sejam jovens ou adultos, na
6modalidade regular ou EJA, garantindo aos trabalhadores condies de acesso e
permanncia. Desta forma, a democratizao do acesso ganhou fora constitucional, pelo
menos para o Ensino Fundamental e Mdio.
Para assegurar a objetivao desta concepo, a Unio chama a si a coordenao da
Poltica Nacional de Educao, com a finalidade de assegurar a articulao dos diferentes
sistemas de ensino, seus nveis, etapas modalidades, posto que os recursos so finitos,
havendo que definir prioridades e responsabilidades. Neste contexto, o Plano Nacional de
Educao, quando resulta do amplo debate entre Governo e Sociedade Civil, expressa os
acordos possveis que mediam o enfrentamento das contradies que constituem o modo
de produo capitalista.
O Sistema Nacional de Educao, cuja sistematizao o eixo do PNE 2011/2020,
constitui-se no mecanismo articulador do novo pacto federativo que conduzir ao
atendimento das metas propostas para o decnio. Respeitando a autonomia das unidades
federadas, cabe ao Sistema Nacional de Educao gerenciar o regime de colaborao,
mediante aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esferas federativas, para que,
a partir de diretrizes e objetivos comuns, sejam atingidas as metas que assegurem o
desenvolvimento do ensino em seus diferentes nveis, etapas e modalidades, buscando
diminuir tanto quanto possvel, a desigualdade relativa democratizao do acesso com
qualidade, consideradas as diversidades e as diferenas regionais.
A organizao estratgica, portanto, do ponto de vista da gesto, est claramente
definida: consideradas as Polticas Nacionais de Educao, o PNE articula as instncias no
processo democrtico de definio de prioridades e metas, expressa os consensos possveis,
e o Sistema Nacional de Educao responsabiliza-se pelo seu desenvolvimento, sempre
com o controle da sociedade civil, que deve organizar-se para tal. Resta pr esta diretriz
estratgica em prtica e assegurar sua efetivao, para o que os controles pblicos e da
sociedade civil so essenciais.
7A anlise desenvolvida at aqui j delineia alguns pontos importantes que
devero pautar o debate no mbito do PNE 2011/2020 no que diz respeito ao Ensino
Mdio: definir metas e indicadores claros para esta etapa, as responsabilidades pela sua
execuo e as formas de acompanhamento e controle que devero ser realizadas no
perodo de implementao do Plano, prevendo fruns especficos peridicos, pelo menos a
cada trs anos, para reviso de rumos a partir de dados que explicitem claramente os
percentuais atingidos em relao ao proposto para o decnio. No obstante o PNE
proponha a realizao de um frum ao quinto ano, no caso especfico do Ensino Mdio,
dada a magnitude das aes que se fazem necessrias, h que considerar a realizao de
acompanhamento em perodos mais curtos, para que as correes de rumo possam ser
realizadas.
Estas providncias so fundamentais para que o novo PNE no repita o ocorrido
no decnio que se encerra, uma vez que a no definio de metas, indicadores, mecanismos
de financiamento e responsabilidades, a par da ausncia de dados que apresentem a
realidade de forma transparente, inviabilizam no s a avaliao conseqente do Plano
como tambm um adequado estabelecimento de metas realistas para o prximo decnio.
Enfatize-se que, em se tratando de Ensino Mdio como etapa da Educao Bsica
na perspectiva do direito educao, o que significa promover a sua democratizao, as
providncias acima elencadas, que implicam a institucionalizao do Sistema Nacional de
Educao, so mais dramticas, dado o reduzido percentual de jovens e adultos atendidos e
o nmero decrescente, ano a ano, de matrculas nesta etapa, o que ser objeto de anlise no
item a seguir. Isto significa que a promoo de efetivo avano na democratizao do acesso
e na ampliao da permanncia vai exigir um novo pacto federativo, cimentado por um
forte investimento, principalmente pelas esferas federal e estadual., mesmo que se
considere apenas a dimenso quantitativa.
Ou seja, passa a ser fundamental a realizao de um rigoroso diagnstico que
8permita identificar as necessidades educativas, contemplando as especificidades locais e
regionais, a diversidade sociocultural, o corpo de docentes e especialistas em educao, a
estrutura fsica e material, a disponibilidade de bibliotecas e laboratrios, as peculiaridades
da organizao social do trabalho, as diferentes faixas etrias a ser atendidas, entre outros
dados. O resultado desse diagnstico ser o ponto de partida para o estabelecimento de
prioridades e metas a serem compartilhadas entre as diferentes esferas de Governo de
modo a deflagrar um esforo concentrado tendo em vista a expanso do acesso e da
permanncia no Ensino Mdio, hoje de responsabilidade majoritria da esfera estadual.
Com relao concepo de Ensino Bsico, h uma nova dimenso a considerar,
j apontada no incio deste texto: o planejamento pedaggico, que dever contemplar,
diferentemente do realizado at o presente, as etapas compreendidas, no como
fragmentos que se sobrepe, mas em sua dimenso de totalidade, o que supe diretrizes
curriculares comuns e uma base nacional mnima.
No plano nacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao
Bsica, pautadas pelos princpios de organicidade, seqencialidade e articulao, constantes
do Parecer n. 07/2010/CNE/CEB, j homologadas pelo Ministro da Educao e
publicadas no D.O.U ( 09/07/2010, seo 1, p. 10) j cumprem esta funo, cabendo s
Unidades Federadas, com base neste Parecer, elaborar as suas prprias diretrizes, uma vez
que de sua competncia organizar, manter e desenvolver os seus sistemas de ensino,
definindo com os Municpios, as formas de colaborao que possibilitem a progressiva
extenso da oferta pblica e gratuita.
Algumas unidades federadas, antecipando-se s diretrizes nacionais, j iniciaram
este esforo, citando-se como exemplo o Paran e o Mato Grosso. Neste Estado, sob a
gesto da Secretaria de Educao e com a participao de docentes da Educao Bsica e
Superior, apoiados por especialistas nas reas de conhecimento e em pedagogia do
trabalho, foi elaborada uma proposta de organizao curricular que contempla o
9seqenciamento das etapas transversalizadas pelas reas de conhecimento, que explicitam
conhecimentos e capacidades desde o primeiro ciclo do Ensino Fundamental ao Ensino
Mdio, tratados mediante a articulao das disciplinas por rea e das reas entre si em eixos
temticos. O resultado deste trabalho coletivo foi submetido ampla discusso desde o
primeiro semestre de 2010, em seminrios por escola, por municpio, por regio e
finalmente no estado, sendo o documento final o resultado deste processo democrtico,
que contou com a participao do Sindicato dos Professores.
3. A ampliao do acesso com garantia de permanncia e de sucesso
Analisada a diretriz estratgica, enquanto metodologia, h que discuti-la do ponto
de vista do contedo, tratando especificamente do Ensino Mdio. Para faz-lo, sero
elencados alguns dados que permitam configurar a dimenso do esforo a ser desenvolvido
para a ampliao do acesso com garantia de permanncia e de sucesso, embora com os
limites impostos pela forma como os dados esto disponveis, j apontados na Introduo.
O ponto de partida para esta anlise a poltica que orienta a estruturao do novo
PNE no que diz respeito ao Ensino Mdio: a sua universalizao com qualidade social, por
meio de aes que visem a incluso de todos no processo educativo, com garantia de acesso,
permanncia e concluso de estudos com bom desempenho; respeito e atendimento
diversidade socioeconmica cultural, de gnero, tnica, racial e de acessibilidade, promovendo
igualdade de direitos; e o desenvolvimento da gesto democrtica. ( CONAE 2010, p. 63)
Os dados disponveis para o Ensino Mdio, embora descontinuados e com os
limites j apontados, apresentam um quadro preocupante, uma vez que apontam crescente
retrao quando comparados evoluo das matrculas ocorrida entre 1991 e 2001 e ao
movimento ocorrido no Ensino Fundamental entre 2000 e 2008..
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Assim que, se as matrculas no Ensino Mdio cresceram 32,1% entre 1996 e 2001,
passando de aproximadamente 5,7 milhes para 8,4 milhes, no quinqunio seguinte
cresceram apenas 5,6 %, passando a decrescer a partir de 2007, de modo a configurar
crescimento negativo de -8,4% de 2000 a 2008, segundo os dados do INEPii. Esta retrao
se acentua entre 2008 e 2009, atingindo um percentual de 3,2, sendo que em 2008 foram
8.369.389 matrculas contra 8.337.160 em 2009; ou seja, em apenas um ano, uma diferena
de 32.229 matrculas.
Os dados relativos matricula, contudo, precisam ser desagregados para permitir
uma melhor anlise, embora se disponha apenas de dados descontinuados. Das matriculas
em 2008, apenas 252.661 se localizaram no campo, ou seja, aproximadamente 3%. Dos
matriculados, apenas 48% tm entre 15 e 17 anos; esta taxa era de 45,3 em 2005. A
distoro idade srie cresceu de 0,38 para 0,54 entre 2000 e 2007.iii
Em 2006, do total dos matriculados no ensino mdio nesta faixa etria 58,4% eram
brancos e 37,4 % eram negros.
Em 2007, 41,3% das matrculas foram feitas no turno noturno; como
aproximadamente a metade dos matriculados tm 18 anos e mais, elas provavelmente
referem-se, em sua expressiva maioria, a alunos que trabalham ou procuram trabalhoiv.
Quanto ao vnculo administrativo, o esforo majoritariamente pblico estadual,
responsvel por aproximadamente 85,8% das matriculas m 2008, as quais, acrescidas s
federais, representam aproximadamente 87%; ressalte-se que estes percentuais tm se
mantido relativamente estveis nos ltimos anosv.
Os dados referentes ao fluxo, que indicam o grau de eficcia desta etapa de ensino,
mostram o crescimento da taxa de repetncia de 18,65 em 2000 para 22,6% em 2005; de
evaso, de 8,0% em 2000, para 10,0% em 2005; do tempo mdio de concluso de 3,7%
para 3.8% no mesmo perodovi.
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Os dados elencados, mesmo descontinuados e sem a necessria sistematizao
para conferir transparncia e permitir anlise qualificada, permitem inferir que, quanto
expanso do acesso, permanncia e sucesso, no houve mudanas significativas, mostrando
que, para o Ensino Mdio, o Plano Nacional de Educao 2000/2010 no aconteceu.
Quando so tomadas outras dimenses, como por exemplo, a infra-estrutura, as
concluses no so muito diferentes; no perodo de 2001 a 2007, passou-se de 46 para 47,4
as escolas que tinham biblioteca, telefone e copiadora. J com os computadores, houve
elevao do indicador; de 78,4 % das escolas que tinham este equipamento em 2000,
passou-se para 94,1 em 2007, porm apenas 70% delas fizeram uso pedaggico em 2007vii.
Registre-se, tambm, que no h informaes sobre o nmero e a qualidade destes
equipamentos, o que torna o dado pouco expressivo.
Um dado relevante, e que explica em grande parte a ineficcia do Plano, diz
respeito ao custo do aluno do Ensino Mdio. Enquanto na Organizao para a Cooperao
e Desenvolvimento Econmico - OCDE, em 2004, este custo equivalia a R$ 13.000,00, na
Argentina e no Chile a R$ 2.000,00; no Brasil em 2008 era de apenas R$1.500,00viii.
Reiteram-se, portanto, as indicaes j feitas anteriormente neste texto: os
problemas continuam os mesmos, a dcada foi pedida para o Ensino Mdio, e as solues
possveis passam pela construo da concepo da Educao Bsica no mbito do Sistema
Nacional de Educao, mediante um PNE que, definindo metas claras a partir de
diagnsticos consistentes, fontes e mecanismos de financiamento compatveis com a
dimenso do problema, seja o instrumento de articulao de um novo pacto federativo
pautado em um esforo expressivo que permita reverter este histrico quadro de
desrespeito aos direitos dos que vivem do trabalho. Isto porque os dados, embora no
permitam relaes consistentes, so suficientes para mostrar que a oferta
majoritariamente pblica, urbana e para os brancos, os indicadores de acesso, sucesso e
permanncia apresentem evoluo negativa, os fluxos apresentam represamento e a
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distoro idade/srie atinge a metade das matrculas. E, de quebra, pelo menos a metade
das matrculas noturna, atendendo alunos trabalhadores.
Com relao qualidade, os dados disponveis so os do ENEM e do IDEB, e,
embora possam ser discutveis do ponto de vista da concepo de avaliao adotada pelos
docentes e especialistas comprometidos com a qualidade da educao para os eu vivem do
trabalho, reforam os matizes da desqualificao da oferta e do descaso do setor pblico
com o Ensino Mdio, como j evidenciaram os dados acima analisados.
Os dados do ndice de Desenvolvimento da Educao Brasileira IDEB,
disponibilizados pelo INEPix, mostram que, em 2007, no Ensino Mdio, as escolas
privadas alcanaram mdia de 5,6, enquanto as escolas pblicas atingiram a mdia de 3,2; a
mdia nacional neste ano foi 3,5, atingindo 3,6 em 2009, para uma meta de 3,5. Se for
mantido o mesmo crescimento apresentado desde 2005 (0,1 a cada 2 anos), contrariamente
tendncia apresentada pelo Ensino Fundamental, a meta de 6 pontos em 2020,
considerado o parmetro da OCDE, no ser atingida. Em face da priorizao da
expanso e melhoria da qualidade do Ensino Fundamental pelo PNE 2000/2010, a
estagnao do Ensino Mdio tambm no que diz respeito qualidade, era previsvel.
J os dados do ENEM para o ano de 2009 mostram que os 1000 piores resultados
foram obtidos por escolas pblicas, sendo 97,8% estaduais. (ENEM 2009)
Estes dados, embora apresentem limites em face da concepo dos modelos de
avaliao utilizados, apontam a necessidade de discutir que qualidade se pretende para o
Ensino Mdio, na perspectiva dos que vivem do trabalho.
4. A qualidade social
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A discusso da qualidade social a ser buscada para o Ensino Mdio remete anlise
da concepo que se tem defendido para os que vivem do trabalho, tomando como
referncia a dualidade estrutural e seus impactos sobre esta etapa da educao bsica.
J se tratou, em outro texto, de elucidar que a superao da dualidade estrutural no
uma questo pedaggica, uma vez que socialmente determinada pela contradio entre
capital e trabalho. Ou seja, a diviso entre trabalho intelectual e trabalho prtico, que por
muito tempo justificou duas redes de ensino mdio, uma de educao geral para a
burguesia e outra profissional para os trabalhadores, tem sua origem na separao entre a
propriedade dos meios de produo e a propriedade do trabalho. Assim, a diviso tcnica
do trabalho a justificar dois percursos formativos no foi criada pelo modo
taylorista/fordista, to pouco ser superada pelos novos paradigmas de organizao do
trabalho, uma vez que decorre do processo de valorizao do capital.
desse processo de valorizao que resultam as necessidades de desenvolver
processos educativos, nas relaes sociais e nas escolas, que disciplinem os trabalhadores
operacionais e intelectuais para submeterem-se s diferentes formas de trabalho.
A origem da fragmentao do trabalho, portanto, no a diviso tcnica, mas sim a
necessidade de valorizao do capital, a partir da propriedade privada dos meios de
produo; o que vale dizer que, se a diviso entre teoria e prtica expressa a diviso entre
trabalho intelectual e manual como estratgia de subordinao tendo em vista a valorizao
do capital, esta ruptura s ser efetivamente superada em outro modo de produo.
Em conseqncia, a superao da dualidade no uma questo a ser resolvida
atravs da educao, mediante novas formas de articulao entre o geral e o especfico,
entre teoria e prtica, entre disciplinaridade e transdisciplinaridade; ou mediante uma nova
concepo de competncia que impacte as polticas e programas de formao de
professores. A dualidade s ser superada com a superao da contradio entre a
propriedade dos meios de produo e a propriedade da fora de trabalho.
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Embora, como em todo processo contraditrio, haja espao para processos
emancipatrios, preciso reafirmar que o estatuto da escola burguesa se constri,
historicamente, luz das demandas de valorizao do capital, para o que os processos de
capacitao ou disciplinamento da fora de trabalho so vitais.
Conclui-se, portanto, que as dificuldades que tm pautado os processos de
construo de uma proposta de qualidade para o ensino mdio integrado na perspectiva
dos que vivem do trabalho, no podem ser resolvidas por solues pedaggicas, uma vez
que a ruptura entre o geral e o profissional, entre o trabalho intelectual e a atividade prtica,
est na raiz da constituio do modo de produo capitalista.
Embora a dualidade estrutural seja instituda pela natureza do capitalismo, h,
contudo, mudanas na forma de objetivao desta categoria, em face das mudanas
ocorridas no mundo do trabalho a partir do novo regime de produo flexvel, que
impactam significativamente a concepo do Ensino Mdio para os jovens trabalhadores.
A hiptese com a qual a autora vem trabalhando nos ltimos anos, provocada pelas
pesquisas de Zibas (1993 e 2002) e por suas prprias investigaes (Kuenzer, 2006 e 2007)
a da inverso da proposta dual que, at os primeiros anos da dcada de 1990 apresentava
a escola mdia de educao geral para a burguesia e a escola profissional para os
trabalhadores. E, dadas as condies de precarizao que as escolas mdias pblicas que
atendem os que vivem do trabalho tm apresentado, a autora trabalha com a hiptese de
que a educao geral, antes reservada elite, quando disponibilizada aos trabalhadores,
banalizou-se e desqualificou-se.
Esse modelo comeou a ser invertido desde a metade dos anos 90, na esteira das
polticas do Banco Mundial para os pases pobres, que propunha a oferta de educao
geral para os jovens, que no deveriam se profissionalizar precocemente. Assim que, no
Brasil, o Decreto 2208/97 separou a educao profissional e tecnolgica do ensino mdio,
interrompendo uma trajetria histrica construda desde os anos 40 pelas Escolas Tcnicas
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Federais, que se caracterizavam por ofertar educao profissional pblica de qualidade e
com isso permitindo aos jovens o acesso ao emprego e ao ensino superior.
A pesquisa de Zibas realizada no Chile, que antes do Brasil j havia generalizado o
ensino mdio de educao geral a partir das orientaes do Banco Mundial, elucidativa
acerca do carter falacioso daquela proposta. Mostra a autora que, nestes dois pases,
embora por caminhos diferentes, o ensino mdio atingiu nveis semelhantes de
precarizao, sempre com prejuzo para os que vivem do trabalho: a nfase em educao
geral para as escolas pblicas pode significar, como parece ter acontecido no Chile, apenas
o barateamento e a desqualificao da educao da maioria. Do mesmo modo, uma
profissionalizao superficial ou estreita, como se deu no Brasil, principalmente na dcada
de 70, transforma-se, tambm, em mera fachada para o esvaziamento dos cursos quanto a
contedos significativos (Zibas, 1993, p. 29).
Este barateamento decorrente da adoo do modelo de ensino mdio de educao
geral no se deve a uma suposta natureza desqualificadora desta modalidade, mas forma
como ela se objetiva. Uma educao tcnico-cientfica de bom nvel no incompatvel
com a produo de alta tecnologia e com a insero do jovem em uma sociedade em
permanente transformao, afirma a autora. Mas exige elevado investimento; o
desenvolvimento de um currculo amplo e articulado de carter geral, exige professores
qualificados e bem pagos, espao fsico adequado, com biblioteca, laboratrios,
computadores, quadras esportivas e outros recursos. Este custo elevado, assumido pela
burguesia nas escolas privadas, incompatvel, contudo, com as possibilidades de
financiamento do setor pblico. O resultado um arremedo de educao, que antes de ser
geral e slida, apenas genrica e superficial, com prejuzos irreparveis para a classe
trabalhadora.
Com a mudana de governo em 2003, tendo assumido a Presidncia da Repblica
Luiz Incio Lula da Silva, o movimento de oposio ruptura entre educao geral e
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profissional levado a efeito pelo Decreto 2208/97 ganhou fora, at que, em 2004, o
Decreto 5154 restabeleceu a possibilidade da articulao mediante a modalidade ensino
mdio integrado, que passou a compor o texto da LDB por fora da Lei n. 11.741/2008.
A justificativa para esta proposio, reconhecida a centralidade da categoria
trabalho nos processos de formao humana, nas dimenses ontolgica, epistemolgica e
histrica, fundamenta-se na compreenso que a formao geral e a educao profissional,
desde que compreendidas enquanto articulao entre cincia, cultura e trabalho, na
perspectiva da politecnia, no se opem, mas contrariamente, se integram, e neste sentido,
asseguram melhor qualidade, principalmente para os que vivem do trabalho. Assim, desde
que observadas as finalidades da educao bsica, a integrao entre educao geral e
profissional pode ser tratada como uma modalidade do ensino mdio, a atender as
especificidades dos jovens que j trabalham.
A oferta da modalidade de educao profissional integrada ao ensino mdio,
contudo, ainda restrita, embora tenha sido ampliada significativamente com a expanso
dos Institutos Federais de Educao; do mesmo modo, os cursos tcnicos ofertados
mediante concomitncia interna ou externa pelas redes estadual e federal, regulares ou na
modalidade PROEJA. respondem por reduzido percentual de matrculas, em face do
elevado custo e tambm de seu carter seletivo.
De modo geral, para os jovens e adultos que vivem do trabalho, a modalidade mais
acessvel o ensino mdio de educao geral, em que as matrculas no turno noturno
respondem a aproximadamente 50 % do total, a distoro idade-srie elevada e os ndices
de evaso e repetncia se ampliam, em escolas cujas condies de trabalho pedaggico so
precarizadas, conforme se analisou anteriormente.
Ou seja, quando a modalidade de educao geral passou a ser disponibilizada para
os trabalhadores sob o discurso de sua democratizao, ela o foi na forma desqualificada.
17
A inverso da dualidade, portanto, a nova realidade da escola mdia para os
trabalhadores, que tm como alternativa a modalidade de educao geral. A educao
tecnolgica de qualidade ofertada pela rede pblica, de modo geral freqentada pelos
jovens de classe mdia, que nela vem uma alternativa de incluso no mundo do trabalho,
continuidade dos estudos em nvel superior e de ascenso social.
Resta verificar se a afirmativa do Banco Mundial, relativa ao carter democrtico da
educao geral, tal como se caracteriza na oferta para os que vivem do trabalho, se
confirma.
Para tanto, contribui o estudo realizado por Ribeiro e Neder (2009), que analisa a
desocupao entre os jovens pobres e no pobres, tomando como referncia desvantagens
relativas escolaridade.
O estudo foi realizado com jovens a partir dos 18 anos, para os quais a insero no
mundo do trabalho prevalece sobre a freqncia escola. Em 2006, segundo os dados da
Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), aproximadamente 52% dos jovens
inseridos na Populao Economicamente Ativa-PEA, no estudavam, percentual que cai
para 31% para os jovens de 17 anos. Para fins de estudo, os jovens foram separados entre
pobres e no pobres, e em faixas etrias. Merece destaque que os autores tomam a
categoria juventude de forma concreta, admitindo a sua imensa heterogeneidade em
decorrncia de vrios indicadores, contemplando, entre eles a precarizao cultural e
econmica; por isso, falam em juventudes. Consideram, contudo, a necessidade de
estudar a relao entre escolaridade e trabalho principalmente entre os mais fragilizados
economicamente, posto que demandam aes pblicas mais imediata. (Ribeiro e Neder,
2009, p. 478)
As concluses relativas s taxas de desocupao so as esperadas: entre os jovens
mais pobres, a taxa de desocupao maior. O que causa surpresa o que os dados
revelam a partir da relao entre anos de escolaridade e desocupao. (p. 485)
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No obstante as taxas de escolaridade entre os mais pobres terem aumentado como
resposta complexificao do trabalho e da elevao dos requisitos de escolaridade para
acesso a emprego, apontando como caracterstica deste segmento na atualidade a vivncia
com maior intensidade, da simultaneidade de vrias fases que marcam sua transio para a
vida adulta, (p. 493) ainda prevalece a sada antecipada da escola, como mostram os
indicadores apresentados no item anterior.
Ao tratar da relao entre escolaridade e desocupao, a hiptese que prevalece
que a baixa escolaridade um dos fatores que dificulta a insero no mundo do trabalho, a
par da diminuio dos postos de trabalho e da disponibilidade, no mercado de trabalho, de
trabalhadores desempregados mais velhos e experientes. Contudo, os resultados obtidos
pelo estudo mostram que a taxa de desocupao dos jovens mais pobres que tm entre 11 a
14 de estudos, o que corresponderia ao ensino mdio, pelo menos incompleto, no se
reduziu; ao contrrio, se elevou, mostrando que o esforo educacional deste segmento no
diminui suas dificuldades de obteno de ocupao. Assim, so os jovens pobres, mesmo
escolarizados, os que tm mais dificuldade de acesso a trabalho (Ribeiro e Neder, 2009, p.
505)
Apontam os autores algumas variveis que podem contribuir para as maiores taxas
de desocupao dos jovens pobres mais escolarizados: background familiar e qualidade da
educao. (Ribeiro e Neder, 2009, p.505)
Em que pese a necessidade da realizao de outros estudos para melhor
compreender essas relaes, entre eles a comparao da taxa de desocupao dos jovens
pobres que concluem o ensino mdio nas modalidades educao geral, educao
profissional integrada ao ensino mdio (regular e PROEJA), e ensino tcnico, as concluses
apresentadas pelo estudo permitem fortalecer o poder explicativo da hiptese que, se a
modalidade disponvel para os jovens trabalhadores o ensino mdio de educao geral,
preferencialmente noturno, de fato passa a ser essa a escola para os filhos dos outros,
19
revestida antes de carter certificatrio do que da qualidade social necessria para favorecer
uma incluso menos subordinada, como j apontamos em outros estudos. (Kuenzer, 2006
e 2007) Ou, como se indicou acima, quando se disponibiliza a verso mdia de educao
geral para os trabalhadores, isso se faz via oferta precarizada. Para os filhos da burguesia e
pequena burguesia, as escolas mdias de educao geral ofertadas pela iniciativa privada
atendem s suas demandas de acesso ao ensino superior; para os estratos mdios e para
parcela menos precarizada da classe trabalhadora, os cursos de educao profissional e
tecnolgica ofertados pelo setor pblico, embora de reduzida oferta, atendem necessidade
de insero no mercado de trabalho, com o que viabilizam seu acesso ao ensino superior,
na busca por ascenso social.
Desnuda-se, desta forma, o discurso do Banco Mundial nos anos 90, que impactou
significativamente a deciso acerca da ruptura entre educao profissional e tecnolgica e
educao geral, no Brasil e na Amrica Latina. (Zibas, 1993, Kuenzer, 1997)
Do ponto de vista do PNE 2011/2020, entendo que esta a questo crucial a ser
enfrentada: a mera ampliao do acesso em propostas que no atendem s necessidades de
participao social e produtiva dos que vivem do trabalho no suficiente, embora
tenhamos claro, como j explicitado, que esta ampliao urgente e necessria, com a
qualidade possvel. A busca de uma nova qualidade no pode justificar inrcia na expanso
da oferta. H metas, contudo, que precisam ser priorizadas, para cuja efetivao torna-se
necessrio vultoso financiamento, a ser equacionado por estratgias de colaborao no
mbito da institucionalizao do Sistema Nacional de Educao.
Dentre elas, a mais importante, a disponibilizao ampliada da oferta de educao
profissional integrada ao ensino mdio para os que vivem do trabalho, como estratgia de
enfrentamento dos efeitos perversos da dualidade invertida. Embora o Governo tenha
investido significativamente nesta ampliao, as vagas ainda so reduzidas.
20
Contudo, h ainda outro ponto a enfrentar, em que pese a seletividade que
continua caracterizando, por diversos mecanismos, entre eles a avaliao para ingresso e a
mera transposio da verso tradicional do ensino tcnico, que acaba por gerar ndices
elevados de evaso e repetncia, indicadores que se acentuam na verso PROEJA, onde a
evaso tem estado prxima de 50%: a ampliao da oferta da modalidade integrada no
resolve de todo o problema. H que construir uma proposta de ensino mdio integrado
que supere a mera justaposio dos componentes geral e especfico dos currculos, sem cair
no engodo de projetos com reduzida sistematizao do conhecimento a negar a
necessidade de formao terica para os trabalhadores, mediante uma rigorosa articulao
entre teoria e prtica a partir da prtica social e dos processos de trabalho. Ou seja, h que
investir, atravs do PNE, em um rigoroso trabalho de organizao curricular para esta
modalidade, o que se associa meta de qualificar os docentes, mediante formao inicial e
continuada, necessidade evidenciada por muitos docentes, inclusive com formao em
nvel de mestrado e doutorado, que tm reportado essa dificuldade em distintos espaos de
discusso e de pesquisa.
Parte desta dificuldade vem do fato que a formao em nvel de mestrado e
doutorado no contempla, para alm do estgio de docncia, efetiva formao para a
docncia em qualquer nvel ou etapa ou modalidade, mas principalmente em educao
profissional e tecnolgica, centrando-se em conhecimentos especficos das reas de estudo.
Portanto, a incluso de formao para a docncia em educao profissional e tecnolgica
uma meta tambm a ser considerada pelo PND, no mbito da ps-graduao stricto senso,
via oferta de formao pedaggica nos cursos especficos, ou como rea de concentrao e
linha de pesquisa nos cursos das reas de educao, ensino de cincias e interdisciplinar.
Por outro lado, a formao de professores para a modalidade integrada mediante
licenciatura no est devidamente equacionada, prevalecendo ainda a organizao
tradicional por disciplina na perspectiva acadmica. Portanto, outra meta importante, capaz
21
de impactar positivamente a qualidade do ensino mdio integrado a construo de uma
proposta de licenciatura para a educao profissional e tecnolgica que tome como eixo a
pedagogia do trabalho. Ressalte-se, por oportuno, a necessidade de reviso das diretrizes
curriculares para a formao de professores, que no atendem este tipo de formao.
Tratando-se de organizao curricular, embora com outro foco, os problemas so
os mesmos para o ensino mdio de educao geral, que, neste caso, tambm impactam
negativamente em muitos casos, a formao oferecida pela burguesia pelas instituies
privadas: propostas pedaggicas academicistas, caracterizadas ainda por uma concepo de
aprendizagem tipicamente taylorista/fordista, fracamente vinculada prtica social e
realidade do jovem na atualidade, centrada em disciplinas fragmentadas tratadas
formalmente, que articulam precariamente teoria e prtica e que, de modo geral no
promovem o que a finalidade do ensino mdio: o desenvolvimento da autonomia
intelectual, tica e esttica. Neste sentido, valem as observaes relativas necessidade de
uma nova organizao curricular acompanhada de programas de formao inicial e
continuada de professores, mais adequada nova realidade do jovem que vive em relaes
sociais e produtivas marcadas pela excluso, pela ausncia de projeto de futuro, pela
complexidade tecnolgica e dos meios de comunicao, pela flexibilidade, pela
instabilidade, pela intensificao e pelo estresse, para citar apenas as dimenses mais
evidentes.
H, pois, que investir na construo coletiva de uma nova proposta pedaggica que,
contemplando a diversidade, articule formao cientfica e scio-histrica formao
tecnolgica, promovendo autonomia intelectual e tica mediante o domnio terico-
metodolgico do conhecimento socialmente produzido e acumulado, de modo a preparar
os jovens para atender e superar as revolues na base tcnica de produo com seus
perversos impactos sobre a vida individual e coletiva. Seja mediante uma modalidade
politcnica ou profissional, esta proposta dever integrar, necessariamente, cincia,
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tecnologia, trabalho e cultura. Isto significa dizer que a unitariedade da escola mdia ser
assegurada pela garantia do acesso, da permanncia e do sucesso em escolas de qualidade,
independentemente da origem de classe de seus alunos; a modalidade, se integrada ou de
educao geral, desde que assegurada a qualidade, deve contemplar os interesses e
necessidades dos seus alunos.
H, contudo, que ressalvar a necessidade tanto de ampliar a oferta da modalidade
integrada quanto de investir maciamente na qualidade da modalidade de educao geral,
com a finalidade de reverter os efeitos perversos da dualidade invertida.
Para tanto, a discusso acerca da necessidade do estabelecimento de padres
mnimos de qualidade precisa avanar, de modo a subsidiar a formulao de metas relativas
infraestrutura fsica e pedaggica; temas antigos precisam ser retomados, tais como
construes escolares apropriadas ao ensino mdio, considerando as caractersticas das
juventudes que as freqentam; equipamentos, laboratrios, bibliotecas e outros espaos
culturais e desportivos precisam ser disponibilizados, pois no h como ter qualidade em
espaos precrios. Por outro lado, h novas dimenses a contemplar, com destaque para as
polticas de assistncia ao estudante e para a constituio de espaos e projetos pedaggicos
que atendam diversidade cultural, tnica e de gnero, que assegurem acessibilidade e que
sejam inclusivas; e que ofeream segurana.
Embora estas dimenses estivessem contempladas no PNE 2001/2010, no h
dados que permitam avaliar os investimentos nesta rea, em que pese a expressiva expanso
dos Institutos Federais de Educao, mas ainda insuficiente para o atendimento demanda.
Ao finalizar este item, no demais relembrar que a elaborao desta nova sntese
no um problema pedaggico, mas um problema poltico, uma vez que a dualidade
estrutural, como j se afirmou anteriormente, tem suas razes na forma de organizao da
sociedade, expressando as relaes entre capital e trabalho; em que pese os avanos que
possam ocorrer com a ampliao da oferta e com a melhoria da qualidade mediante
23
polticas pblicas, preciso compreender que no possvel superar a dualidade estrutural
a partir da escola, seno a partir de transformaes na sociedade.
neste contexto que o PNE, enquanto fruto da negociao de interesses
contraditrios, pode contribuir efetivamente para avanos na construo de uma sociedade
menos desigual, desde que no se constitua em mera formalidade. Esta afirmao
necessria porque todos os temas aqui elencados foram contemplados no PNE anterior e
constam do documento final da CONAE e dos subsdios apresentados pelo Conselho
Nacional de Educao, tendo em vista a proposio do PNE para o novo decnio.
4. Consideraes finais
A anlise levada a efeito neste texto leva a concluir que o grande desafio do PNE
2011/2020 conferir materialidade ao discurso da Educao Bsica como direito de todos
e responsabilidade do Estado, mediante a institucionalizao do Sistema Nacional de
Educao enquanto instncia integradora dos esforos pela democratizao da oferta de
Ensino Mdio com qualidade. Para tanto, o PNE dever definir claramente a diretriz
indicativa para os investimentos e para as aes, reposicionando, mediante a prtica
colaborativa entre os poderes pblicos, a ao pblica estatal, uma vez que h evidencias
empricas que comprovam que a pulverizao de recursos ou seu repasse para instituies
privadas responderem pelas obrigaes do Estado mediante programas pretensamente
afirmativos, no tem apresentado efetividade social, no sentido de impactar positivamente
os indicadores de escolaridade, emprego e renda.
Para que o PNE possa de fato cumprir suas finalidades, considera-se absolutamente
necessria, em se tratando de Ensino Mdio, a realizao de estudos e diagnsticos
consistentes, para o que o estabelecimento de uma base de dados devidamente tratados
para permitir o acompanhamento dos indicadores de acesso, permanncia e sucesso em
24
sries histricas, articulados a dados de emprego e renda, fundamental.
Do ponto de vista da qualidade, h necessidade de uma avaliao crtica dos
indicadores atuais produzidos pelas metodologias usadas no ENEM e na definio do
IDEB, com a finalidade de verificar se de fato apreendem a complexidade de realidades to
diversas, ou se, desconsiderando as diferenas, subsidiam a formulao de polticas e
programas que acentuam ainda mais as desigualdades.
Estas providncias se tornam indispensveis ao se pretender definir metas fsico-
financeiras com indicadores bem definidos que orientem a negociao de um pacto
federativo que realmente impacte o acesso com qualidade social no Ensino Mdio, em
contraposio dcada perdida. S assim ser possvel sociedade civil e ao prprio
Governo proceder a um acompanhamento criterioso dos resultados das polticas e dos
programas pblicos visando a qualificao do Ensino Mdio para os que vivem do
trabalho.
i A avaliao do Plano Nacional de Educao levada efeito por equipe da UFGO e outras Universidades,com apoio do Inep e da SEB/MEC, evidencia claramente estes limites.ii Dados da Sinopse Estatstica da Educao Bsica , INEP/MEC
iii Dados da Avaliao do Plano Nacional de Educao 2001-2008
iv Dados da Avaliao do Plano Nacional de Educao 2001-2008
v Dados do IBGE/PNAD, sistematizados pelo INEP/DTDIE
vi Dados da Avaliao do plano Nacional de Educao 2001-2008
vii Idem
viii Idem, p.
ix sistemaideb.inep.gov.br, consulta em 01/08/2010.
Referncias Bibliogrficas
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25
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KUENZER, A Z. Da dualidade assumida dualidade negada: o discurso daflexibilizao justifica a incluso excludente. Educao e Sociedade, n.100,2007..
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Documentos
MEC. Inep. Avaliao do Plano Nacional de Educao 2001/2008. 2009
CNE. Indicaes para subsidiar a construo do Plano Nacional deEducao 2011/2020, 2009.
CONAE 2010. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educao: oPlano Nacional de Educao, Diretrizes e Estratgias
Sites
www.inep.gov.brsistemaideb.inep.gov.br
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