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E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 9 3

3AR

TE:J

ANEY

COST

A

desconhecida. Dilma voltou a apanhardos agentes da repressão em Minas por-que havia a suspeita de que Estela teriaorganizado, no fim de 1969, um plano pa-ra dar fuga a Ângelo Pezzuti, ex-compa-nheiro da organização Colina, que haviasido preso na ex-Colônia Magalhães Pin-to, hoje Penitenciária de Neves. Os mili-tares haviam conseguido interceptar bi-lhetinhos trocados entre Estela (Stela nosbilhetes, codinome de Dilma) e Cabral(Ângelo), contendo inclusive o croqui domapa do presídio, desenhado à mão ((vveejjaarreepprroodduuççõõeess aaoo llaaddoo)).

Seja por discrição ou por precaução,Dilma sempre evitou falar sobre a tortu-ra. Não consta o depoimento dela nos ar-quivos do grupo Tortura Nunca Mais,nem no livro MMuullhheerreess qquuee ffoorraamm àà lluuttaaaarrmmaaddaa, de Luiz Maklouf, de 1998. Sómais tarde, em 2003, ele conseguiria queDilma contasse detalhes sobre a torturaque sofrera nas prisões do Rio e de SãoPaulo. Em 2005, trechos da entrevista fo-ram publicados. Naquela época, a entãoministra acabava de ser indicada paraocupar a Casa Civil.

O relato pessoal de Dilma, que agora setorna público, é anterior a isso. Data de 25de outubro de 2001, quando ela ainda erasecretária das Minas e Energia no RioGrande do Sul, filiada ao PDT e nem so-nhava em ocupar a cadeira da Presidên-cia da República. Diante do jovem filóso-fo Robson Sávio, que atuava na coordena-ção da Comissão Estadual de Indenizaçãoàs Vítimas de Tortura (Ceivt) do Conedh-MG, sem remuneração, Dilma reveloupormenores das sessões de humilhaçãosofridas em Minas. “O estresse é feroz,inimaginável. Descobri, pela primeiravez, que estava sozinha. Encarei a morte ea solidão. Lembro-me do medo quandominha pele tremeu. Tem um lado quemarca a gente pelo resto da vida”, disse.

HUMILDE Apesar de ser ainda apenas a se-cretária das Minas e Energia, a postura deDilma impressionou Robson: “A secretáriatinha fama de durona. Ela já chegou aocorredor com um jeito impositivo, firme,muito decidida. À medida que foi contan-do os fatos no seu depoimento, ela foi seemocionando. Nós interrompemos o de-poimento e ela deixou a sala com umapostura diferente em relação ao momentoem que entrou. Saiu cabisbaixa”, conta ele,

que teve três dias de prazo para colher se-te depoimentos na capital gaúcha. Na ava-liação de Robson, Dilma teve uma postu-ra humilde para a época ao concordar emprestar depoimento perante a comissão.“Com ou sem o depoimento dela, a comis-são iria aprovar a indenização de qualquerjeito, porque já tinha provas suficientes.Mas a gente insistia em colher os testemu-nhos, pois tinha a noção de estar fazendoalgo histórico”, afirma o filósofo.

SANDRA KIEFER

presidente Dilma Vana Rousseff foi tor-turada nos porões da ditadura em Juiz deFora, Zona da Mata mineira, e não apenasem São Paulo e no Rio de Janeiro, como sepensava até agora. Em Minas, ela foi colo-cada no pau de arara, apanhou de palma-tória, levou choques e socos que causa-ram problemas graves na sua arcada den-tária. É o que revelam documentos obti-dos com exclusividade pelo Estado de Mi-nas , que até então mofavam na últimasala do Conselho dos Direitos Humanosde Minas Gerais (Conedh-MG). As instala-ções do conselho ocupam o quinto andardo Edifício Maletta, no Centro de Belo Ho-rizonte. Um tanto decadente, sujeito a in-cêndios e infiltrações, o velho Maletta foireduto da militância estudantil nas déca-das de 1960 e 70.

Perdido entre caixas-arquivo de pape-lão, empilhadas até o teto, repousa o de-poimento pessoal de Dilma, o único quemereceu uma cópia xerox entre os maisde 700 processos de presos políticos mi-neiros analisados pelo Conedh-MG. Pelaprimeira vez na história, vem à tona otestemunho de Dilma relatando todo osofrimento vivido em Minas na pele damilitante política de codinomes Estela,Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana(menos conhecido, que ressurge nesteprocesso mineiro). Ela contava então com22 anos e militava no setor estudantil doComando de Libertação Nacional (Coli-na), que mais tarde se fundiria com aVanguarda Popular Revolucionária (VPR),dando origem à VAR-Palmares.

As terríveis sessões de tortura enfren-tadas pela então jovem estudante sub-versiva já foram ditas e repisadas ao lon-go dos últimos anos, mas os relatos sem-pre se referiam ao eixo Rio-São Paulo, en-volvendo a Operação Bandeirantes, a te-mida Oban de São Paulo, e a cargeragemna capital fluminense. Já o episódio datortura sofrida por Dilma em Minas, on-de, segundo ela própria, exerceu 90% desua militância durante a ditadura, tinhaficado no esquecimento. Até agora.

Com a palavra, a presidente: “Algumascaracterísticas da tortura. No início, nãotinha rotina. Não se distinguia se era diaou noite. Geralmente, o básico era o cho-que”. Ela continua: “(...) se o interrogató-rio é de longa duração, com interrogadorexperiente, ele te bota no pau de arara al-guns momentos e depois leva para o cho-que, uma dor que não deixa rastro, só temina. Muitas vezes usava palmatória;usaram em mim muita palmatória. EmSão Paulo, usaram pouco este ‘método’”.

BILHETES Dilma foi transferida em janeirode 1972 para Juiz de Fora, ficando presapossivelmente no quartel da Polícia doExército, a 4ª Companhia da PE. Nesseponto do depoimento, falham as memó-rias do cárcere de Dilma e ela crava ape-nas não ter sido levada ao Departamentode Ordem e Política Social (Dops) de BH.Como já era presa antiga, a militante de-veria ter ido a Juiz de Fora somente paraser ouvida pela auditoria da 4ª Circunscri-ção Judiciária Militar (CJM). Dilma pensouque, como havia ocorrido das outras ve-zes, estava vindo de São Paulo a Minas pa-ra a nova fase do julgamento no processomineiro. Chegando a Juiz de Fora, porém,ela afirma ter sido novamente torturadae submetida a péssimas condições carce-rárias, possivelmente por dois meses.

Nesse período, foi mantida na clandes-tinidade e jogada em uma cela, onde per-maneceu na maior parte do tempo sozi-nha e em outra na companhia de umaúnica presa, Terezinha, de identidade

Fac-símile de trechos

dos bilhetes e do

croqui do presídio

que foram

interceptados pela

repressão e

acabaram levando à

tortura de Dilma

LEIA TRECHOS DO DEPOIMENTO E AHISTÓRIA DE DILMA NOS CÁRCERESDE MINAS NAS PÁGINAS 4 A 7