ESTADO DE MATO GROSSODEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
COMARCA DE CÁCERES
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CÁCERES/MT.
Processo nº: 2/2008 – cód. nº. 72425Representado: Wanderlei Mendes da Silva Lara
WANDERLEI MENDES DA SILVA LARA, qualificado nos
autos de número em epígrafe, inconformado com a decisão de fls. 152/171, que lhe
aplicou a medida sócio-educativa de INTERNAÇÃO por prazo indeterminado com REAVALIAÇÃO PSICOSSOCIAL SEMESTRAL, por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO, nomeada por esse digno Juízo para
patrocinar a defesa do representado, por meio do Defensor Público que ao final
assina, no uso de suas atribuições legais, com endereço inserto no rodapé da
presente, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo
496 I, 513 CPC e artigo 198 da Lei 8.069/90, interpor
RECURSO DE APELAÇÃO
requerendo seja o presente recebido por esse digno Juízo e, caso mantida a decisão
guerreada, após cumpridas as formalidades legais, a remessa dos autos ao Egrégia
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.
Pede Deferimento.
Cáceres, 08 de abril de 2008.
MARCELLO AFFONSO BARRETO RAMIRESDefensor Público
Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005. Centro. Cáceres – MT
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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO
RAZÕES DO APELANTE
Colenda Câmara,
O Apelante responde ao presente procedimento de apuração
de ato infracional, ao final do qual, em memoriais, fls. 126/129, requereu o Ministério
Público a procedência da representação para condená-lo pela prática dos atos
infracionais de roubo qualificado (emprego de arma e concurso de pessoas) e furto
simples, sugerindo a aplicação de medida sócio-educativa de internação.
O Juízo a quo julgou a demanda parcialmente procedente,
reconhecendo ter o apelante violado o artigo 157, § 2º, incisos I e II do Código
Penal, porém absolvendo-o da acusação de ter transgredido o artigo 155, caput, do
Código Penal (artigo 189, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente),
aplicando-lhe a medida sócio-educativa de internação, por prazo indeterminado, com
reavaliação psicossocial a cada seis meses.
A despeito do costumeiro acerto que baliza as decisões do
Douto Prolator da respeitável sentença questionada, o Apelante tem razões para
não se conformar com o julgamento.
Por isso aqui estamos.
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NULIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DROGADITO DO APELANTE. JULGAMENTO DO FEITO ANTES DA APRESENTAÇÃO DO LAUDO DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA.
Às fls. 128/129, em defesa prévia, foi requerida a realização de
exame de dependência toxicológica, “a fim de se verificar o grau de dependência ou
até mesmo a existência de eventual causa excludente de culpabilidade (art. 45 da
Lei nº 11.343/06)”.
Às fls. 145/146, o respeitável Juízo a quo deferiu a realização
do aludido exame, não condicionando, contudo, o julgamento do feito ao aporte aos
autos do respectivo laudo técnico.
Com efeito, apresentados os memoriais finais, o apelante foi
julgado, sem qualquer notícia da realização do exame em testilha.
A decisão final, portanto, desdenhou a possibilidade
esclarecedora do parecer técnico, sobremaneira importante in casu, na medida em
que a situação de dependência toxicológica do apelante é clarividente (informada
pelo próprio recorrente às autoridades perante as quais esteve presente), facilmente
constatada por sua compleição física, típica dos usuários em estado avançado, e
retratada, infelizmente, pela certidão de fls. 119/124.
Data Venia, equivocou-se o juízo singular ao julgar o apelante
sem o resultado do exame de dependência toxicológica.
Verifique-se.
Antes de mais, cumpre-nos fixar algumas premissas jurídicas
acerca do conceito analítico de infração penal e, via de conseqüência, conforme
inteligência do artigo 103 do ECA, de ato infracional.
Segundo a doutrina amplamente predominante no Brasil e no
direito alienígena, à qual se filiam juristas do porte de Heleno Fragoso, Juarez
Tavares, José Henrique Pierangeli, Eugenio Raúl Zaffaroni, Jair Leonardo Lopes,
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Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, Rogério Greco, entre tantos outros
renomados doutrinadores, infração penal é conduta típica, antijurídica e culpável.
Por outros termos, segundo tal corrente, denominada
tripartida, são integrantes do conceito de infração penal três substratos, quais sejam,
a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade; faltante um deles, apenas, não há
infração penal.
Sabe-se que ato infracional é uma figura jurídica análoga à
infração penal, conforme a redação do já mencionado artigo 103 do ECA.
Forçosamente concluímos, destarte, que as condutas
imputadas aos adolescentes como atos infracionais devem ser igualmente típicas,
antijurídicas e culpáveis.
Nada obstante, desde já é bom que se diga, ainda que Vossas
Excelências adotem a denominada teoria bipartida, para a qual infração penal é fato
típico e antijurídico, relegando a culpabilidade a mera pressuposto da pena, ou
qualquer outra, mesmo assim, conforme explicitaremos ao depois, o equívoco do
juízo primeiro saltará aos olhos.
Feitas estas considerações primeiras, pois bem.
A sobrevinda internação do apelante nos força a questionar os
fundamentos jurídicos sobre os quais repousou, no processo, a própria estrutura
conceitual de ato infracional, principalmente, na perspectiva analítica, a participação
da culpabilidade nessa construção jurídica.
Ocorre que, como acima dissertado, para a doutrina
dominante, a tripartida, além do comportamento humano estar previsto como
infração penal, ser contrário ao ordenamento jurídico, deverá também ser culpável.
Em outros termos, após a análise do injusto penal (fato típico e
antijurídico) deve ser realizado, invariavelmente, um juízo de reprovação sobre o
agente, ou sobre a conduta do mesmo, analisando sua capacidade de se motivar de
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acordo com a norma, verificando, ainda, se dele era possível esperar
comportamento diverso.
Tal juízo de censura, como todas as outras normas que
compõem determinado ordenamento jurídico, é reflexo deontológico dos valores de
determinada sociedade.
Sim, não são as normas penais ou os doutrinadores quem
criaram a noção de culpabilidade, ela se encontra subjacente a qualquer relação
social, no âmbito axiológico, dos valores.
Quando um pai presencia ou descobre comportamento
inadequado dos filhos, além de considerar aquilo que se lhe apresenta
imediatamente, ou seja, o encaixe da conduta na lista das práticas inaceitáveis à
entidade familiar, buscará saber se os mesmos, por acaso, conseguem justificar o
comportamento questionado. Mas não é só!
Além do que no direito penal denominamos de tipicidade e
antijuridicidade, tanto o pai, o patrão, e o professor buscarão entender se os filhos,
os empregados ou os alunos compreendiam o caráter inconveniente do que faziam,
bem como se deles era possível exigir comportamento diverso.
É claro que na prática isso não se dá de forma tão explícita,
tão esquematizada, porém, sabemos que no Direito Penal é exatamente assim. A
norma, revestida pela imprescindível racionalidade e método, não retirou as regras
materiais do nada, pelo contrário, respeitadas as devidas proporções, foi saciar-se
justamente na fonte das relações sociais acima pontuadas.
Imaginem, a título de exemplo, que o pai chegou em casa e
descobriu que os seus dois filhos, de 16 e 12 anos, haviam entrado na piscina, o que
vai totalmente de encontro às regras domésticas por ele estatuídas, principalmente
por não haver adultos por perto.
Já enfurecido — porém, não desejando ser injusto —, o
genitor descobre que a mais nova das crianças pulou na piscina sem que ninguém
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soubesse, quase se afogando, só não ocorrendo o pior em razão da intervenção do
filho maior, que ouvindo os gritos do irmão menor, o salvou.
Certamente, com relação ao filho maior, não será o caso de
castigo em razão de ter entrado na piscina, pois possuía justificativa para tanto,
recebendo, quando muito, censura, não importa a natureza, por ter descuidado do
irmão mais novo.
Quanto a este último, aparentemente, receberá severos
castigos. Porém, para demonstrar o quão ficcional é a não-inclusão da culpabilidade
como elemento formador do delito, consideremos que o filho caçula só agiu daquela
forma em razão dos efeitos colaterais — alucinação — causados por uma ingestão
fortuita de um remédio fortíssimo.
O adolescente mais novo encontrava-se inteiramente impedido
de entender o caráter negativo do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, de forma que é intuitiva a não-configuração de desobediência das
ordens domésticas, de teimosia.
Assim, o pai, diante do que lhe afigurava ato de indisciplina,
constatando o efeito do remédio alucinógeno, ingerido acidentalmente, deixará de
aplicar a reprimenda. O pai terá certeza de que o seu filho nem chegou a lhe
desobedecer.
De outro giro, às condutas juvenis não se agregaram os
elementos indispensáveis para o castigo paterno previsto se caso realmente
tivessem entrado no local proibido apenas por diversão.
Apesar de parecer estarmos tratando de obviedades, é
impressionante observar que a decisão de fls. 145/146 dos autos de origem
expressa inteligência contrária.
Segundo ela, mesmo que se conclua pela incapacidade do
apelante — em razão da dependência toxicológica — de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, deve o adolescente
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receber a mesma medida de internação que um outro menor acusado de idêntico
ato infracional, mas que tenha agido, por exemplo, apenas sob o efeito da ambição,
degeneração moral, sentimentos pelos quais, diferentemente, a sociedade pode
esperar e exigir não sejam os seus jovens, em hipótese alguma, dominados.
Ao arrepio disso tudo, observando a fl. 168 da sentença
questionada, vemos que a decisão não tomou conhecimento de um milímetro sequer
da condição de drogadito do apelante, nem ao menos para adequar a aplicação da
medida de internação, por exemplo, conjugando-a com as medidas protetivas,
conforme possibilita o artigo 112 no seu inciso VII e § 3º — um desavisado leitor da
decisão final, que não conhecesse o processo, imaginaria que a dependência
toxicológica jamais fora mencionada nos autos.
No caso do apelante, é evidente que não pode haver a
aplicação de qualquer uma das medidas sócio-educativas do artigo 112 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, já que as mesmas pressupõem o reconhecimento de
que houve a prática de conduta análoga a crime, o que não ocorreu no caso
versando, pelas razões alcançadas através da seguinte comparação.
Retomando o exemplo acima, vamos supor que pular na
piscina fosse conduta incriminada pela norma penal e o caso acabasse sendo
levado ao Judiciário.
No caso do filho mais velho, o estudo da conduta é mais
simples, pois já na segunda fase analítica constataríamos que ele agiu em razão do
clássico estado de necessidade, quer dizer, não haveria delito se fosse um adulto,
também não haverá ato infracional tratando-se de adolescente.
Com relação à solução dada ao segundo filho — aqui reside o
que mais nos interessa — percebemos que a sua conduta atravessa a peneira da
tipicidade, da antijuridicidade, porém não da culpabilidade.
Para nós é intuitivo que o adolescente movido pelo efeito
colateral do remédio não terá sido desobediente em pular na piscina, ou seja, sobre
a sua conduta não haverá a necessária reprovação social que o conceito de crime, e
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conseqüentemente de ato infracional, necessita para sustentar-se.
Contudo, o magistrado singular, repita-se a despeito de seu
costumeiro acerto, parece entender que neste caso o adolescente que primeiro
entrou na piscina deveria ser considerado autor de ato infracional, recebendo,
inclusive, algumas das medidas sócio-educativas destinadas aos menores infratores,
não obstante tenha agido sob o pálio de uma excludente de culpabilidade.
Pelo que se vê, o entendimento do Juiz a quo é de que o
adolescente que comete determinada conduta típica, antijurídica, porém, como no
caso acima, praticada sob o efeito de embriaguez completa decorrente de caso
fortuito ou força maior, ou qualquer uma das outras causas excludentes de
culpabilidade, como doença mental ou desenvolvimento incompleto e retardado,
coação moral irresistível ou obediência hierárquica, pasmem, deve ser considerado
autor de ato infracional, a despeito, refrise-se, de a conduta, se houvesse sido
praticada por um adulto, nessas mesmas condições, não ser enquadrada pelo
ordenamento penal como crime ou, para alguns, merecedora, de sanção penal.
Não há sequer ineditismo no que aqui defendemos, conforme
se entrevê na primorosa dissertação de João Batista Costa Saraiva, em artigo
publicado no IBCcrim:
“Desta forma somente poderá ser sancionável o adolescente
em determinadas situações. Só receberá medida sócio-
educativa se autor de determinados atos. Quais? Quando
autor de ato infracional. E o que é ato infracional? A conduta
descrita na Lei (Penal) como crime e contravenção.
Não existe mais o vago e impreciso conceito de “desvio de
conduta”, tantas vezes invocado no anterior sistema, sob
arrimo na Doutrina da Situação Irregular para segregar
“menores” inconvenientes.
Desde o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente vige o princípio da legalidade ou da anterioridade penal. Aliás, desde o advento da Constituição Federal, que não
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recepcionou o Código de Menores de 1979. Ou seja, somente
haverá medida sócio-educativa se ao adolescente estiver
sendo atribuída a prática de uma conduta típica.
Ainda assim, para sofrer a ação estatal visando a sua sócio-educação haverá de esta conduta ser reprovável, ser
passível desta resposta sócio-educativa que o Estado,
sancionador pretende lhe impor, na medida em que o
Ministério Público, na Representação que oferece, deduz a
pretensão socioeducativa do Estado em face o adolescente ao
qual atribui a prática de ato infracional.
A conduta, pois, além de típica, há de ser antijurídica, ou seja,
que não tenha sido praticada sob o pálio de quaisquer das
justificadoras legais, as causas excludentes da ilicitude
previstas no art. 23 do Código Penal.
Se agiu o jovem em legítima defesa, ele, como o penalmente
imputável, terá de ser absolvido, mesmo tendo praticado um
fato típico. Será absolvido com fundamento no art. 189, III, da
ECA, ou seja, por não constituir o fato ato infracional.
Há que se ter mente o conceito de crime (ato típico, antijurídico e culpável). Não sendo antijurídico não será a conduta típica crime e, não sendo a conduta típica crime, também não será ato infracional.
Igualmente não haverá ato infracional, se sua conduta não for culpável, excluindo-se do conceito de culpabilidade o elemento biológico da imputabilidade penal, ou, como para alguns, o pressuposto da culpabilidade 1 . Aliás, parafraseando Egas Diniz Moniz de Aragão, em sede de estudo da culpabilidade ninguém lhe atravessa os umbrais sem receios.
Assim sendo, excluído o pressuposto da culpabilidade do ponto de vista da imputabilidade penal, os demais
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elementos da culpabilidade hão de ser considerados. Assim, há que se ter em vista, quando o Estado pretenda sancionar o adolescente com alguma medida sócio-educativa, sua potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, circunstâncias que levam à reprovabilidade da conduta.
Se a ação cometida pelo adolescente, embora típica e antijurídica, por ausência de elementos constitutivos do conceito de culpabilidade não for reprovável, assim como ao adulto não caberá a imposição de pena, ao adolescente não se lhe poderá impor medida socioeducativa.
Não haverá culpabilidade e, em conseqüência não haverá sanção socioeducativa, quando houver na conduta do adolescente erro inevitável sobre a ilicitude do fato (art. 21, do Código Penal); erro inevitável a respeito do fato que configuraria uma descriminante – descriminantes putativas (art. 20, § 1º, do Código Penal); obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico (art. 22, Segunda parte, do Código Penal) e ainda a inexigibilidade de conduta diversa na coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, do Código Penal)
Parece-nos que quando o magistrado, às fls. 145/146, alegou
que “o representado já é legalmente inimputável, não sendo necessário exame
médico para a referida constatação, tendo em vista o que preconiza o art. 104 da
ECA”, data venia, cometeu o equívoco de apreender apenas aquilo que
imediatamente o dispositivo legal se lhe apresentou.
Como bem demonstrado na lição doutrinária acima
colacionada, o dispositivo mencionado pelo Juiz a quo se refere ao aspecto biológico
da culpabilidade, mantendo-se íntegras as demais causas, sob pena de adentrarmos
num sonambulismo teórico infinito e inconseqüente, no qual, em razão de uma
interpretação extensiva e absurda da norma, considerar-se-ia infratores, por
exemplo, adolescentes acometidos por doença mental, nem sendo necessário
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exame para aferição da situação nosológica, uma vez que o adolescente “já é
legalmente inimputável, não sendo necessário exame médico para a referida
constatação” (fl. 145).
A nosso entender, isso vai de encontro à própria noção de
dignidade humana, pois coisifica a conduta do adolescente, reduzindo os valores
ligados a ele e à sua condição — no presente caso — de drogadito a valores
exclusivamente ficcionais.
Por outro lado, como inicialmente propusemos demonstrar,
acreditamos que os argumentos em prol da nulidade do processo, em razão de
desconsiderar a condição de drogadito do apelante, também são válidos ainda que
nos filiássemos à corrente bipartida, defendida, vale dizer, por doutrinadores de
expressividade, como Damásio de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto,
entre outros.
Basta readequarmos o raciocínio.
Segundo esta vertente doutrinária, a conclusão do exame
toxicológico em nada contribuiria à aferição do caráter infracional da conduta do
apelante, pois a dependência toxicológica, na medida em que repercute apenas na
culpabilidade, em nada afeta a essência do crime e, conseqüentemente, do ato
infracional, formados apenas pela tipicidade e pela antijuridicidade.
Todavia, sendo, para tais doutrinadores, a culpabilidade
pressuposto da pena, persistiria o contexto favorável a eventuais situações
absurdas, como as anteriormente previstas.
Diante de um caso em que reste comprovado que o
adolescente tenha cometido, por exemplo, um ato infracional análogo ao delito de
roubo, motivado pelas ameaças de terceira pessoa que mantinha seus pais sob a
mira de uma arma, o inimputável será apontado pelo Judiciário como um infrator, a
despeito de ninguém na sociedade ser capaz de reprovar a sua conduta.
Mas não é isso que mais nos interessa. O importante é
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perceber que lá na seara dos imputáveis, o acusado, nessas condições, se
reconhecido o caráter irresistível da coação moral, não receberá qualquer pena, ao
passo que o adolescente, consoante o entendimento de que “já é legalmente
inimputável” (fl. 145) receberá, inacreditavelmente, alguma das medidas sócio-
educativas do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Imaginem o absurdo de se buscar qual o índice de
recuperação que esse “menor infrator” merece. A julgar pelo caráter violento da
conduta, consoante o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
caminho mais plausível seria decretar-se a internação!
Destarte, parece-nos muito evidente que a presunção de
inimputabilidade que o ordenamento jurídico atribuiu ao adolescente refere-se
apenas ao critério etário, ou biológico — como se viu, qualquer raciocínio alternativo
deságua no absurdo.
O princípio da culpabilidade, sob qualquer ângulo, não foi
inventado, foi absorvido das próprias relações sociais, assumido pelo Direito Penal e
alteado como princípio fundamental. Não orienta apenas a conceituação do delito
(para os teóricos da corrente tripartida), mas também a fixação do preceito
secundário quando da criação de uma figura típica, a aplicação concreta da pena
etc.
A argumentação de que o Estatuto da Criança e do
Adolescente não contempla a aplicação das demais causas de exclusão de
culpabilidade não prospera, uma vez que também não as rechaça, não cabendo o
intérprete assim fazê-lo, e em se tratando de elemento direcionador da perspectiva
penal, temos fortes razões para acreditar que desse instituto jurídico, quando
transposto para a normatização menorista, só foi subtraído a opção relacionada à
idade.
Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente também
não é expresso quanto ao instituto da prescrição, sendo hoje ele de aplicabilidade
reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça e, inclusive, pelo Juízo a quo, sob
argumentos que, a nosso ver, são inteiramente aproveitáveis para justificar-se o
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alcance da causa de exclusão de culpabilidade prevista no artigo 45 da Lei nº.
11.343/06 ao julgamento do apelante:
[...] o ECA pode recorrer às leis penais quando necessitar e
enquadramento do ato infracional, em um dos tipos penais
descritos no Estatuto Repressivo. Assim sendo, creio que nos
feitos desta natureza há possibilidade de ser aplicado o
instituto a prescrição previsto no Código Penal, tendo em vista
a necessidade de interpretação sistêmica das normas Nesse
aspecto, ressalvo, desde já que este juízo é conhecedor de
respeitável vertente doutrinária e jurisprudencial que não
aceita a possibilidade de prescreverem as medidas sócio-
educativas, sob a alegação de que estas não teriam caráter
penal.
Entretanto, entendo que reside justamente aí a controvérsia,
na medida em que este Juízo entende que tais medidas,
embora não denominadas de penas, na verdade são de
natureza assemelhada, não parecendo razoável que em
relação a elas não fosse possível reconhecer a prescrição,
com evidente prejuízo para os menores de idade considerados
infratores, aos quais se daria tratamento mais rigoroso do que
o dispensado aos autores de delito que tivessem entre dezoito
e vinte e um anos de idade, ofendendo-se, em última instância
os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e isonomia.
[Representação 197/2005, julgada em 18/01/2008, Juízo da
Primeira Vara da Comarca de Cáceres, magistrado Luiz
Octávio Sabóia Ribeiro].
Nesse diapasão, vejamos o que ensina o culto Paulo Afonso
Garrido de Paula:
“embora com caráter diferente de simples prisão ou detenção,
as medidas restritivas de liberdade impostas ao menor não
perdem essa natureza, seja qualquer o nome que se lhes dê.
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É essencial, portanto, que se garantam ao menor certos direitos constitucionalmente previstos e aplicados aos adultos” (Direito e Justiça: apontamentos para um novo direito
das crianças e adolescentes, p. 37).
De qualquer modo, o ato infracional, ao contrário da
divergência existente na conotação penalizadora ou educativa das medidas
previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, obviamente tem
caráter extremamente negativo na vida do menor, o qual, se não fosse a idade, seria
um criminoso.
Ora, a sociedade não vira a costas para o dependente de
entorpecentes, para o doente que comete crimes para sustentar o vício, sendo que o
legislador, seguindo essa orientação, positivou a intenção de aplicar-lhe tratamento,
e não pena.
É o exame toxicológico que oferecerá ao magistrado a
possibilidade de concluir que o apelante, embora tenha praticado conduta típica e
antijurídica, cometeu o ato em situação que torna inapropriada a aplicação de
qualquer medida sócio-educativa.
Porque se o exame comprovasse a situação prevista no artigo
45 da Lei nº. 11.343/2006, estar-se-ia, na conceituação analítica de delito, e
conseqüentemente na de ato infracional, diante de situação totalmente assemelhada
àquela em que o adolescente incorre na conduta análoga a crime porque alguém
apontava uma arma contra a cabeça de um familiar, ou porque ingeriu
acidentalmente remédio alucinógeno.
Todas estas circunstâncias (respectivamente, previstas no
sobredito dispositivo legal e no artigo 22 e 28, inciso II do Código Penal) pertencem
ao mesmo campo, o da culpabilidade.
Ademais, o caráter imprescindível do exame de dependência
toxicológica, conforme prevê a norma, é ponto pacificado entre doutrina e a melhor
jurisprudência, mormente quando existem fortes elementos da condição de
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drogadito do agente.
Embora possa se afigurar demasiadamente longo para uma
citação, por reconhecer que o Judiciário não pode comportar-se como Pôncio Pilatos
diante dá flagelante condição dos viciados em entorpecentes, o trecho da decisão
seguinte, proveniente desse Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, de lavra
da Desembargadora Shelma Lombardi de Kato, merece ter os seus principais
trechos colacionados:
[...] Consta dos autos que no dia 14-8-2006, por volta das
15h, após forçar uma porta, o apelante adentrou à residência
da vítima Ilson Dantas Guimarães, sita na Rua Seriema, s/n°,
fundos ao Posto de Saúde do Parque Universitário, em
Rondonópolis, onde tentou subtrair um vaso sanitário, uma
pia, ambos da marca Belize, e uma torneira Ica para lavatório,
oportunidade em que foi preso e autuado em fragrante.
[...] Por sua vez, em que pese o apelante ter sido preso
em flagrante e ter confessado a autoria do delito, no caso em
comento, trata-se de réu pobre, com baixa escolaridade, comprovadamente drogadito e portador de antecedentes por delitos patrimoniais.
O próprio recorrente informou sobre esse fato à autoridade judiciária, sobre ser viciado em drogas de há muito tempo, sem que tal circunstância fosse levada em consideração. Todavia, o exame de dependência toxicológica, com parecer técnico de psiquiatra, é inafastável no caso concreto.
Com efeito, resplandece dos autos a condição do
apelante de usuário de entorpecente, dependente ou
drogadito, mesmo sem exame pericial que, através de dados
técnicos, traduza a correta avaliação, quanto ao grau de sua
dependência ou até mesmo eventualmente a sua
inimputabilidade penal.
Por inúmeras vezes tenho enfatizado nesta Câmara
Criminal, o descuido na 1ª instância quanto à necessidade do
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exame psiquiátrico para a correta avaliação da imputabilidade
penal do agente; por isso que não há culpabilidade sem ação
consciente e livre.
Daí o ensinamento doutrinário no sentido de que
imputabilidade é a capacidade de ser culpável e culpabilidade
é juízo de reprovação social que pode ser realizado ao
imputável, responsabilidade é decorrência da culpabilidade, ou
seja, trata-se de relação entre o autor e o Estado, que merece
ser punido por ter cometido um delito.
Constando dos autos que o apelante é dado ao consumo
de substância entorpecente; que o mesmo é de longa data
usuário de drogas; sendo tal fato do conhecimento de
testemunhas; tendo ele próprio feito tal declaração em juízo,
resultando dos autos histórico de que usa pasta base de
cocaína e, principalmente, de várias incidências em pequenos
delitos patrimoniais, o d. magistrado, à toda evidência, não
teria outro caminho senão o de determinar fosse o réu
submetido ao necessário exame pericial, o que deveria ter
feito, de ofício, antes de sentenciar o feito.
Em suma: O d. magistrado a quo, ao proferir a sentença,
desconsiderou a condição de drogadito do réu, confirmada não
só pelas declarações do mesmo, como também pela prova
testemunhal e pelo seu histórico de vida.
Portanto, não há como deixar de acolher-se, DE OFÍCIO,
a questão, uma vez que restou manifesta a nulidade da
decisão recorrida, por ausência do necessário e obrigatório
exame de dependência toxicológica para se aferir a
imputabilidade penal do recorrente à época dos fatos, sendo o
perfil ao apelante típico de dependente químico.
Nesse sentido dispunha o art. 19 da Lei nº 6.368/76 e seu
parágrafo único sobre a isenção da responsabilidade penal ou
redução dessa responsabilidade em função da dependência
toxicológica, qualquer que tenha sido a infração penal. Já o
art. 45 da vigente Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006
dispõe que:
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“É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou
sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de
droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que
tenha sido a infração penal, inteiramente incapaz de entender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.”
Por derradeiro, cumpre salientar que a realização do exame de dependência toxicológica é obrigatória, devendo o magistrado determiná-lo sempre que o réu se declare dependente de drogas, sob pena de descumprir dever constitucional e legal, ao suprimir do processo penal questão relevante, pertinente à ampla defesa, bem como ao direito de submeter-se o drogadito ao tratamento adequado. A propósito trago à baila julgado colhido da obra
“Nova Lei de Drogas Comentada”, editora Revista dos
Tribunais, p. 201, verbis: “A perícia deve ser realizada sempre
que o réu se declare dependente ou quando a tal respeito
houver fundadas suspeitas.” (RT 777/586 e 687/284).
No caso o réu não só se declarou dependente, como
afirmou que tentou furtar para adquirir a droga para o seu
consumo. Sua confissão está comprovada pelo seu histórico
de vida retratado nos autos.
Não fosse acolhida a nulidade ora suscitada, outros
lastimáveis equívocos permeiam a decisão apelada a qual
condenou o réu nas penas do art. 155, § 4º, I, c/c art. 14, II, do
CP, por fato tipificado na denúncia como tentativa de furto
qualificado por rompimento de obstáculo, e ainda por
estabelecer penas extremamente exacerbadas sem a correta
avaliação das circunstâncias judiciais, sobretudo a baixa
potencialidade ofensiva do crime em tese tentado.
Pelas expostas razões, de ofício, declaro a nulidade do
processo desde a fase do art. 499 do CPP, e por corolário da
sentença condenatória, para que o d. magistrado monocrático
submeta o réu a exame pericial toxicológico.
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À par disso tudo, mais ligeiramente se evidenciando a
pertinência da sobredita decisão com o caso sob apreciação, vejamos a ementa do
acórdão:
APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU CONDENADO POR INCURSO
NAS SANÇÕES DO ART. 155, § 4º, I E IV, C/C O ART. 14, II,
AMBOS DO CP, À PENA DE 03 ANOS E 04 MESES DE
RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO -
INCONFORMISMO DA DEFESA - NULIDADE DA
SENTENÇA, DE OFÍCIO, EM FACE DA PROVÁVEL
INIMPUTABILIDADE OU IMPUTABILIDADE RESTRITA DO
RÉU, COM FULCRO NA LEI DE DROGAS - NULIDADE DA
SENTENÇA POR DESCONSIDERAR A CONDIÇÃO DE
DROGADITO DO RÉU CONFIRMADA NOS AUTOS -
DECISÃO CONDENATÓRIA ANULADA. A falta de exame de
dependência toxicológica para se apurar a imputabilidade
penal do agente é causa de nulidade da sentença
condenatória, uma vez evidenciado nos autos a condição de
drogadito do réu e sua internação para o necessário
tratamento.
Imaginar que o exame de dependência toxicológica é
prescindível ao julgamento da conduta atribuída ao apelante, quando se sabe que o
mesmo reiteradamente responde por procedimentos nos quais tal circunstância é
confirmada pelo representado e testemunhas, é o mesmo que lavar as mãos diante
desse grave problema social.
Interna-se uma, duas, três vezes...até que o adolescente torna-se adulto e mude para a carceragem da cadeia local.
Aliás, como mencionado alhures, em se considerando que a
sentença, nem da forma irregular como foi prolatada, não conjugou a medida de
internação a qualquer outra medida protetiva que se auxilia o adolescente no
doloroso processo de desintoxicação, podemos dizer que o Judiciário, depois de
lavar as mãos, ainda deu à costas para a questão.
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Qual o resultado positivo, no que se refere à condição de
drogadito, das internações anteriores às quais foi o adolescente submetido?
Respondemos, com muita segurança: nenhuma!
Isso põe por terra o argumento estreito e pragmático de quem
poderia defender que, mesmo considerando a deficiência do sistema voltado a
recuperação dos adolescentes, é ele a única forma de conter a atuação dos
menores, bem como permitir a persistência na tentativa de tratamento.
Antes de tudo, é idéia que contraria a própria norma, uma vez
que o Estatuto da Criança e do Adolescente deixou suficientemente claro que o
artigo 112 só poderia ser aplicado aos adolescentes infratores.
Aos adolescentes que não são infratores, como no caso em
exame, mas que praticaram condutas típicas e antijurídicas, porém impulsionadas
pela dependência toxicológica, existe a previsão do artigo 98, o qual, de certa forma,
acreditamos manter correspondência com todos os dispositivos presentes no Código
Penal e nas leis extravagantes quanto à exclusão da culpabilidade.
Ou seja, não se quer tumultuar a atuação do Judiciário,
apenas contribuir para que ela seja mais humana, sem deixar de ser técnica e
razoável. No caso em exame, se não teríamos conduta criminosa acaso se tratasse
de um adulto, também não temos conduta infracional. Temos apenas conduta,
perfeitamente subsumida pelo artigo 98, inciso III.
Podemos apenas prever as condições do cumprimento da
medida sócio-educativa na Capital, porém, pelas inúmeras outras vezes em que o
apelante dela retornou, tudo será inútil, inexistindo, de outro lado, razões para
imaginarmos que um tratamento psicoativo, desde o momento em que se constatou
que o adolescente tinha a consciência obscurecida pela ação do entorpecente, não
apresentasse resultados satisfatórios.
E não se trata de abrandar as conseqüências para o apelante,
mas simplesmente de dar aplicabilidade ao artigo 101 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ou seja, submeter o drogadito a tratamento médico, psicológico, ou
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psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, além de inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômano,
tudo como preconiza o citado dispositivo, não em razão da prática de um ato
infracional, e sim pela situação de risco na qual o adolescente se encontra inserido.
Com efeito, e em suma, a sentença aqui combatida deve ser
anulada, sendo outra proferida apenas depois da juntada ao caderno processual do
laudo atinente a dependência toxicológica do apelante.
DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA APLICADA
Malgrado absolutamente confiantes no acolhimento da tese
supra, temos por necessário, em homenagem à ampla defesa, rebater a medida sócio-
educativa aplicada ao apelante, apresentando as seguintes considerações jurídicas, à
vista das quais Vossas Excelências comungarão do mesmo entendimento por este
subscritor defendido.
A nosso sentir, faz-se necessário que o Estado priorize as
medidas sócio-educativas em meio aberto, as quais têm efeitos mais positivos para
o autor de ato infracional e sua família.
Ademais, assaz necessário salientar que a medida sócio-
educativa de internação não pode ser aplicada como um castigo, sobretudo porque
é excepcional, entendimento sufragado por nossos Tribunais:
“As medidas socioeducativas do ECA não têm caráter punitivo
e apresentam como objetivo primordial a recuperação do
menor. - Diante desta imposição legal que tira da internação o
caráter punitivo e realça o objetivo social de recuperação, já é
tempo do Estado brasileiro, atento às diretrizes constitucionais
refletidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, mobilizar-
se num grande esforço no sentido de garantir ao menor infrator
todos os seus direitos, entre eles a assistência educacional,
médica, psicológica e psiquiátrica de que necessita para sua
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completa recuperação.” (Número do processo:
1.0433.04.139782-2/001(1) Precisão: 21%, Relator: SÉRGIO
BRAGA, Data do acordão: 19/12/2005, Data da publicação:
20/01/2006)
“A internação da criança e do adolescente é medida extrema,
recomendável somente quando desaconselhadas as medidas
menos rigorosas.” Grifou-se. 2
“A internação, no âmbito do procedimento especializado para a
apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes, é a
medida sócio-educativa mais grave e, por isso mesmo,
apresenta-se como exceção, onde a regra geral é o mínimo
afastamento do infrator do convívio familiar (art. 121, caput, da
Lei 8.069/90)” 3
“Ato infracional – ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO – Sentença
que impõe medida sócio-educativa consistente em LIBERDADE
ASSISTIDA por 12 meses – Recurso do Ministério Público,
objetivando aplicação da medida de internação – AUSÊNCIA DE
ANTECEDENTES E RESPALDO SÓCIOFAMILIAR ALIADOS AO EXERCÍCIO
DE ATIVIDADE LABORAL QUE INDICAM ACERTO DA DECISÃO APELADA
– Recurso não provido.” 4
Ainda, necessário se faz aqui a aplicação da Convenção sobre
os Direitos da Criança (1989) — ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1.990,
instrumento internacional recepcionado pela Carta Magna de 1988, art. 5º, parágrafo
2 STJ – 6a T. – RHC 7447 – Rel. Luiz Vicente Chernicchiaro – j. 28.05.1998 – DJU 29.06.1998, p. 3233 STJ – 6a T. – HC 8499 – Rel. Fernando Gonçalves – j. 16.04.1999 – DJU 17.05.1999, p. 2434 TJSP – Câm. Esp. – Acv 43.269-0 – Rel. Álvaro Lazzarini – j. 25.06.1998Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005.
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1º e 2º —, a qual dispõe que a internação do adolescente deve ser usada como a
última solução e por período breve. Verifiquemos:
AARTIGORTIGO 37 37 – O– OSS E ESTADOSSTADOS--PARTESPARTES ASSEGURARÃOASSEGURARÃO QUEQUE::
......
NNENHUMAENHUMA CRIANÇACRIANÇA SEJASEJA PRIVADAPRIVADA DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE DEDE FORMAFORMA ILEGALILEGAL OUOU ARBITRÁRIAARBITRÁRIA. A . A DETENÇÃODETENÇÃO, , AA RECLUSÃORECLUSÃO OUOU AA PRISÃOPRISÃO DEDE UMAUMA CRIANÇACRIANÇA, , SERÁSERÁ EFETUADAEFETUADA EMEM CONFORMIDADECONFORMIDADE COMCOM AA LEILEI EE APENASAPENAS COMOCOMO ÚLTIMOÚLTIMO RECURSORECURSO, , EE DURANTEDURANTE OO MAISMAIS BREVEBREVE PERÍODOPERÍODO DEDE TEMPOTEMPO QUEQUE FORFOR APROPRIADOAPROPRIADO..
TTODAODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA DADA LIBERDADELIBERDADE SEJASEJA TRATADATRATADA COMCOM HUMILDADEHUMILDADE EE OO RESPEITORESPEITO QUEQUE MERECEMERECE AA DIGNIDADEDIGNIDADE INERENTEINERENTE ÀÀ PESSOAPESSOA HUMANAHUMANA, , EE LEVANDOLEVANDO--SESE EMEM CONSIDERAÇÃOCONSIDERAÇÃO ASAS NECESSIDADESNECESSIDADES DEDE UMAUMA PESSOAPESSOA DEDE SUASUA IDADEIDADE. E. EMM ESPECIALESPECIAL,, TODATODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE FICARÁFICARÁ SEPARADASEPARADA DEDE ADULTOSADULTOS, , AA NÃONÃO SERSER QUEQUE TALTAL FATOFATO SEJASEJA CONSIDERADOCONSIDERADO CONTRÁRIOCONTRÁRIO AOSAOS MELHORESMELHORES INTERESSESINTERESSES DADA CRIANÇACRIANÇA, , EE TERÁTERÁ DIREITODIREITO AA MANTERMANTER CONTATOCONTATO COMCOM SUASUA FAMÍLIAFAMÍLIA PORPOR MEIOMEIO DEDE CORRESPONDÊNCIACORRESPONDÊNCIA OUOU DEDE VISITASVISITAS, , SALVOSALVO EMEM CIRCUNSTÂNCIASCIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAISEXCEPCIONAIS..
TTODAODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA SUASUA LIBERDADELIBERDADE TENHATENHA DIREITODIREITO AA RÁPIDORÁPIDO ACESSOACESSO AA ASSISTÊNCIAASSISTÊNCIA JURÍDICAJURÍDICA EE AA QUALQUERQUALQUER OUTRAOUTRA ASSISTÊNCIAASSISTÊNCIA ADEQUADAADEQUADA, , BEMBEM COMOCOMO DIREITODIREITO AA IMPUGNARIMPUGNAR AA LEGALIDADELEGALIDADE DADA PRIVAÇÃOPRIVAÇÃO DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE PERANTEPERANTE UMUM TRIBUNALTRIBUNAL OUOU OUTRAOUTRA AUTORIDADEAUTORIDADE COMPETENTECOMPETENTE, , INDEPENDENTEINDEPENDENTE EE IMPARCIALIMPARCIAL EE AA UMAUMA RÁPIDARÁPIDA DECISÃODECISÃO AA RESPEITORESPEITO DEDE TALTAL AÇÃOAÇÃO..
A despeito de todos os argumentos jurídicos acima
explicitados, o Juízo singular, totalmente divorciado do caráter pedagógico das
medidas sócio-educativas e dos princípios informadores da Lei 8.069/90,
notadamente da internação, quais sejam, brevidade, excepcionalidade e respeito à
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condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, aplicou a mais drástica
reprimenda ao apelante, no que discorda a defesa.
Faz-se mister, isto sim, que o aparelho Estatal possibilite a
ressocialização do apelante, profissionalizando-o, dando-lhe condições para que
possa viver como cidadão digno, o que, certamente, não ocorrerá com a sua
privação de liberdade em um estabelecimento inadequado, como o é o que
dispomos.
Com certeza, não será no conhecido ambiente carcerário, com
todas as promiscuidades imagináveis, que o apelante encontrará ambiente propício
ao seu bom desenvolvimento físico e moral.
Neste diapasão, é do conhecimento do Juízo primeiro o
envolvimento do apelante com o mundo das drogas, mas não na função de um
traficante, e sim na lastimável condição de usuário/viciado, a qual é a responsável
pela extensão da certidão de fls., composta, na sua grande maioria, de furtos,
realizados porque o drogadito em questão, pessoa de parcos recursos, não tem
condições financeiras de sustentar o seu vício.
Não fechemos os olhos! Sim, esta é a infeliz situação de vários
adolescentes de nosso país, aos quais nosso Estado — do bem-estar social, rsss!!!,
segundo o preâmbulo constitucional — teima em fechar os olhos, não lhes
proporcionando o que, de fato, necessitam, TRATAMENTO QUÍMICO (ao qual o
apelante tenciona se submeter), na medida em que, quando cometem atos
infracionais, na imensa maioria das vezes visando ao levantamento de dinheiro para
o sustento do vício, pois não recebem “mesadas” de seus humildes e, quase que
sempre, semi-analfabetos pais, lava as mãos jogando-os em um estabelecimento prisional — prisional, isto mesmo, não sejamos demagogos — inadequado.
Esta situação, definitivamente, tem que mudar.
Se o executivo e o legislativo, de mãos dadas, se mostram
incapazes de garantir comezinhos direitos constitucionais, o JUDICIÁRIO não pode,
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igualmente, lhes dar as mãos, como se nossa CONSTITUIÇÃO fosse uma promessa
ociosa, inútil ou indolente. Não!
O Poder Jurisdicional, isto sim, nos afigura como o derradeiro
caminho no recrudescimento da FORÇA NORMATIVA de nossa CARTA
FUNDAMENTAL, de modo a otimizar seus preceitos, máxime os relacionados aos
direitos fundamentais, humanos.
Não se pode olvidar, ainda, que o jovem em tela já esteve
outras vezes à disposição do Estado e este falhou em seu dever de ressocialização.
Destarte, há que se falar na co-responsabilidade do Estado
que falha na assistência que deveria prestar àqueles que se encontram ou se
encontraram segregados.
A propósito, a doutrina de Reinaldo Daniel Moreira, professor
de direito processual penal, ensina-nos:
“...Integra a co-culpabilidade aquela gama de conceitos jurídicos de fácil percepção de seus reflexos no âmbito social, mas que, qualquer pretensão à sua conceituação poderia ser tomada como tarefa frustrada, vez que hercúlea. Em tentativa de aproximação a seu sentido e alcance, poder-se-ia dizer, em princípio, consistir a co-culpabilidade na evidenciação e reconhecimento da parcela de responsabilidade atribuível à sociedade, diante da prática de infrações penais por indivíduos alijados no processo de inserção social, a que foram sonegadas mínimas perspectivas.
Nos apontamentos de Juarez Cirino dos Santos, a co-culpabilidade da sociedade organizada pode ser admitida como uma valoração compensatória
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da responsabilidade de indivíduos inferiorizados por condições sociais adversas. Assim, o corpo social deveria arcar, pelo menos em parte, com as conseqüências de sua falha em oferecer ao cidadão as condições e os pressupostos mínimos de dignidade. Na colocação de Nilo Batista, "em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu".
Segundo nos dão notícia Eugenio Raúl Zaffaroni, Alejandro Alagia, e Alejandro Slokar, a co-culpabilidade se funda na constatação de que, se nenhuma sociedade apresenta mobilidade vertical, a ponto de oportunizar a todos os seus integrantes o mesmo espaço social, o juízo de reprovação penal deve adequar-se, em cada caso, ao espaço social conferido ao indivíduo. Assim, os defensores da co-culpabilidade da
sociedade organizada apontam que não teria
pertinência que a sociedade, que delegou o jus
puniendi estatal, de forma cômoda, não
reconhecesse sua influência e parcela de
responsabilidade ao colocar o indivíduo em uma
conjuntura social adversa, sem maiores alternativas
e expectativas de desvio da criminalidade. Tal fator
teria por efeito uma redução do juízo de reprovação
incidente sobre o indivíduo, atenuando a correlata
reprimenda penal. Haveria um compartilhar de
responsabilidades entre o agente e a sociedade...” 5
5 Extraído do site: www.jus.com.br. Em 28/06/2006.Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005.
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Por tudo isso, a defesa do apelante pugna pela aplicação ao
mesmo das medidas sócio-educativas de liberdade assistida e de prestação de
serviços à comunidade c/c as medidas de proteção previstas nos incisos III e VI do
artigo 101 do ECA.
Todavia, caso Vossas Excelências não comunguem do
entendimento que acima restou consignado, passa-se, no tópico infra, a explanar a
seguinte mais uma tese subsidiária.
DA PERIODICIDADE DOS RELATÓRIOS PSICOSSOCIAIS
O art. 121, parágrafo 2º, ECA, dispõe que: “A medida não
comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante
decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.”
Portanto, a exegese do aludido dispositivo autoriza que os
relatórios psicossociais sejam elaborados em menos tempo, o que vai ao encontro
da política de proteção integral que perfilha o ECA e é salutar/eficaz no processo de
ressocialização do autor de ato infracional.
Além do mais, as medidas sócio-educativas apresentam
caráter pedagógico, destinadas a reeducar o autor de ato infracional, parâmetros de
onde os operadores do direito que militam na área não podem afastar-se.
Vale citar a majestosa doutrina do Professor João Batista da
Costa Saraiva, em sua Obra O Adolescente e Ato Infracional – Garantias
Processuais e Medidas Socioeducativas, Editora Livraria do Advogado, 1999, página
111, a respeito do prazo para elaboração das avaliações do adolescente, vejamos:
“Fica estabelecido ainda que, no máximo a cada seis meses, a
situação de cada internado deverá ser revista, devendo então a
Autoridade Judiciária, em decisão fundamentada, estabelecer a
necessidade ou não da manutenção do internamento.
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A propósito da avaliação em até seis meses, necessário se faz
destacar que este é o período máximo preconizado pela lei.
Nada obsta, ao contrário, se recomenda, que o Juízo
responsável pela execução da medida socioeducativa proceda
esta avaliação, ouvida a equipe técnica da unidade de
internamento, de seu próprio quadro do Juizado, o Ministério
Público e a Defesa, e promova esta avaliação com
periodicidade menor do que a semestral, oportunizando ao
adolescente, mediante cientificação pessoal, que este tenha
conhecimento das razões que lhe concederam ou lhe
denegaram a progressão da medida.
A experiência tem revelado que a periodicidade das avaliações,
mensais, bimensais ou trimestrais (como se tem utilizado no
Juizado Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo),
com retorno ao jovem internado das deliberações tomadas,
seja concluindo pela manutenção do internamento, seja
decidindo pela progressão, revela-se altamente pedagógico.
Nestas audiências de avaliação, realizada com todos os atores
do processo, geram-se documentos que são levados ao jovem,
onde é pontuada sua conduta institucional, seus progressos,
méritos ou não, possibilitando a este avaliar a si mesmo,
verificar onde foi considerado insuficiente, e deve melhorar,
bem como reforçar seus méritos e progressos, com excelentes
resultados.” (grifo nosso)
No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Mato Grosso já decidiu que:
“ATO INFRACIONAL – ADOLESCENTE – ATO INFRACIONAL – PREVISTO NO ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – CONFISSÃO – ROUBO COM EMPREGO
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DE ARMA – APLICAÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO – MEDIDA ADEQUADA – ELABORAÇÃO DE RELATÓRIOS PSICOSSOCIAIS TRIMESTRAIS – CARÁTER PEDAGÓGICO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Autoria e materialidade configuradas pela confirmação dos fatos em Juízo pelos adolescentes e o produto do roubo com eles encontrado.
O artigo 122, do ECA autoriza a medida de internação quando se tratar de ato infracional praticado com emprego de arma de fogo, não havendo que se falar em abrandamento da medida sócio-educativa aplicada, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente não fixa caráter punitivo mas sim, sócio-educativo.
Os relatórios psicossociais, elaborados em período trimestral, têm-se revelado pedagogicamente mais eficazes no processo de ressocialização do adolescente”
(TJMT. RAC nº 7227/2005, 6ª C.Civ., Rel. Juiz. Marcelo Souza de Barros, julg. em 20.4.2005, in www.tj.mt.gov.br)
EMENTA
ATOS INFRACIONAIS AMOLDADOS AOS ARTIGOS 121, CAPUT, 129, DO CÓDIGO PENAL – INTERNAÇÃO – REAVALIAÇÃO SEMESTRAL – REDUÇÃO PARA TRIMESTRAL. RECURSO PROVIDO.
No processo de ressocialização do adolescente infrator a reavaliação trimestral tem se revelado pedagogicamente
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mais eficaz.” (TJMT – RAC nº 31789/2005, 6ª C.Civ, REl. Dês. Juracy Persiani, julg. em 05-10-2005.
Grifo Nosso
Saliente-se, vez mais, que a medida sócio-educativa de
internação não pode ser aplicada como um castigo ao jovem em tela.
Por fim, pergunta-se: qual o prejuízo para o Estado no fato de
os relatórios serem realizados trimestralmente?
Nenhum! Inclusive, pensamos, não é outra a sua vontade,
porquanto consta da nossa Carta Política (artigo 227, par. 3º, V) e do Estatuto da
Criança e do Adolescente (artigo 121) que a internação se sujeita ao princípio da
Brevidade.
DOS REQUERIMENTOS FINAIS
Por todo o exposto, a defesa requer:
I) seja a sentença de primeiro grau anulada, a fim de que outra
seja proferida após o aporte aos autos do laudo do exame de dependência
toxicológica do apelante; subsidiariamente
II) seja reformada a sentença no sentido de aplicar ao apelante
medida diversa da internação, tal como a liberdade assistida c/c com as medidas de
proteção previstas nos III, IV, V, VI do artigo 101 do ECA; subsidiariamente
III) seja reformada a sentença, determinando-se a elaboração
trimestral dos relatórios psicossociais.
Pede Deferimento.
Cáceres/MT, 08 de abril de 2008.
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MARCELLO AFFONSO BARRETO RAMIRESDefensor Público
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