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ESTADO DE MATO GROSSO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO COMARCA DE CÁCERES EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CÁCERES/MT. Processo nº: 2/2008 – cód. nº. 72425 Representado: Wanderlei Mendes da Silva Lara WANDERLEI MENDES DA SILVA LARA, qualificado nos autos de número em epígrafe, inconformado com a decisão de fls. 152/171, que lhe aplicou a medida sócio-educativa de INTERNAÇÃO por prazo indeterminado com REAVALIAÇÃO PSICOSSOCIAL SEMESTRAL , por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO, nomeada por esse digno Juízo para patrocinar a defesa do representado, por meio do Defensor Público que ao final assina, no uso de suas atribuições legais, com endereço inserto no rodapé da presente, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 496 I, 513 CPC e artigo 198 da Lei 8.069/90, interpor RECURSO DE APELAÇÃO requerendo seja o presente recebido por esse digno Juízo e, caso mantida a decisão guerreada, após cumpridas as Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005. Centro. Cáceres – MT 1

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COMARCA DE CÁCERES

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CÁCERES/MT.

Processo nº: 2/2008 – cód. nº. 72425Representado: Wanderlei Mendes da Silva Lara

WANDERLEI MENDES DA SILVA LARA, qualificado nos

autos de número em epígrafe, inconformado com a decisão de fls. 152/171, que lhe

aplicou a medida sócio-educativa de INTERNAÇÃO por prazo indeterminado com REAVALIAÇÃO PSICOSSOCIAL SEMESTRAL, por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO, nomeada por esse digno Juízo para

patrocinar a defesa do representado, por meio do Defensor Público que ao final

assina, no uso de suas atribuições legais, com endereço inserto no rodapé da

presente, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo

496 I, 513 CPC e artigo 198 da Lei 8.069/90, interpor

RECURSO DE APELAÇÃO

requerendo seja o presente recebido por esse digno Juízo e, caso mantida a decisão

guerreada, após cumpridas as formalidades legais, a remessa dos autos ao Egrégia

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.

Pede Deferimento.

Cáceres, 08 de abril de 2008.

MARCELLO AFFONSO BARRETO RAMIRESDefensor Público

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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO

RAZÕES DO APELANTE

Colenda Câmara,

O Apelante responde ao presente procedimento de apuração

de ato infracional, ao final do qual, em memoriais, fls. 126/129, requereu o Ministério

Público a procedência da representação para condená-lo pela prática dos atos

infracionais de roubo qualificado (emprego de arma e concurso de pessoas) e furto

simples, sugerindo a aplicação de medida sócio-educativa de internação.

O Juízo a quo julgou a demanda parcialmente procedente,

reconhecendo ter o apelante violado o artigo 157, § 2º, incisos I e II do Código

Penal, porém absolvendo-o da acusação de ter transgredido o artigo 155, caput, do

Código Penal (artigo 189, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente),

aplicando-lhe a medida sócio-educativa de internação, por prazo indeterminado, com

reavaliação psicossocial a cada seis meses.

A despeito do costumeiro acerto que baliza as decisões do

Douto Prolator da respeitável sentença questionada, o Apelante tem razões para

não se conformar com o julgamento.

Por isso aqui estamos.

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NULIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DROGADITO DO APELANTE. JULGAMENTO DO FEITO ANTES DA APRESENTAÇÃO DO LAUDO DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA.

Às fls. 128/129, em defesa prévia, foi requerida a realização de

exame de dependência toxicológica, “a fim de se verificar o grau de dependência ou

até mesmo a existência de eventual causa excludente de culpabilidade (art. 45 da

Lei nº 11.343/06)”.

Às fls. 145/146, o respeitável Juízo a quo deferiu a realização

do aludido exame, não condicionando, contudo, o julgamento do feito ao aporte aos

autos do respectivo laudo técnico.

Com efeito, apresentados os memoriais finais, o apelante foi

julgado, sem qualquer notícia da realização do exame em testilha.

A decisão final, portanto, desdenhou a possibilidade

esclarecedora do parecer técnico, sobremaneira importante in casu, na medida em

que a situação de dependência toxicológica do apelante é clarividente (informada

pelo próprio recorrente às autoridades perante as quais esteve presente), facilmente

constatada por sua compleição física, típica dos usuários em estado avançado, e

retratada, infelizmente, pela certidão de fls. 119/124.

Data Venia, equivocou-se o juízo singular ao julgar o apelante

sem o resultado do exame de dependência toxicológica.

Verifique-se.

Antes de mais, cumpre-nos fixar algumas premissas jurídicas

acerca do conceito analítico de infração penal e, via de conseqüência, conforme

inteligência do artigo 103 do ECA, de ato infracional.

Segundo a doutrina amplamente predominante no Brasil e no

direito alienígena, à qual se filiam juristas do porte de Heleno Fragoso, Juarez

Tavares, José Henrique Pierangeli, Eugenio Raúl Zaffaroni, Jair Leonardo Lopes,

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Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, Rogério Greco, entre tantos outros

renomados doutrinadores, infração penal é conduta típica, antijurídica e culpável.

Por outros termos, segundo tal corrente, denominada

tripartida, são integrantes do conceito de infração penal três substratos, quais sejam,

a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade; faltante um deles, apenas, não há

infração penal.

Sabe-se que ato infracional é uma figura jurídica análoga à

infração penal, conforme a redação do já mencionado artigo 103 do ECA.

Forçosamente concluímos, destarte, que as condutas

imputadas aos adolescentes como atos infracionais devem ser igualmente típicas,

antijurídicas e culpáveis.

Nada obstante, desde já é bom que se diga, ainda que Vossas

Excelências adotem a denominada teoria bipartida, para a qual infração penal é fato

típico e antijurídico, relegando a culpabilidade a mera pressuposto da pena, ou

qualquer outra, mesmo assim, conforme explicitaremos ao depois, o equívoco do

juízo primeiro saltará aos olhos.

Feitas estas considerações primeiras, pois bem.

A sobrevinda internação do apelante nos força a questionar os

fundamentos jurídicos sobre os quais repousou, no processo, a própria estrutura

conceitual de ato infracional, principalmente, na perspectiva analítica, a participação

da culpabilidade nessa construção jurídica.

Ocorre que, como acima dissertado, para a doutrina

dominante, a tripartida, além do comportamento humano estar previsto como

infração penal, ser contrário ao ordenamento jurídico, deverá também ser culpável.

Em outros termos, após a análise do injusto penal (fato típico e

antijurídico) deve ser realizado, invariavelmente, um juízo de reprovação sobre o

agente, ou sobre a conduta do mesmo, analisando sua capacidade de se motivar de

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acordo com a norma, verificando, ainda, se dele era possível esperar

comportamento diverso.

Tal juízo de censura, como todas as outras normas que

compõem determinado ordenamento jurídico, é reflexo deontológico dos valores de

determinada sociedade.

Sim, não são as normas penais ou os doutrinadores quem

criaram a noção de culpabilidade, ela se encontra subjacente a qualquer relação

social, no âmbito axiológico, dos valores.

Quando um pai presencia ou descobre comportamento

inadequado dos filhos, além de considerar aquilo que se lhe apresenta

imediatamente, ou seja, o encaixe da conduta na lista das práticas inaceitáveis à

entidade familiar, buscará saber se os mesmos, por acaso, conseguem justificar o

comportamento questionado. Mas não é só!

Além do que no direito penal denominamos de tipicidade e

antijuridicidade, tanto o pai, o patrão, e o professor buscarão entender se os filhos,

os empregados ou os alunos compreendiam o caráter inconveniente do que faziam,

bem como se deles era possível exigir comportamento diverso.

É claro que na prática isso não se dá de forma tão explícita,

tão esquematizada, porém, sabemos que no Direito Penal é exatamente assim. A

norma, revestida pela imprescindível racionalidade e método, não retirou as regras

materiais do nada, pelo contrário, respeitadas as devidas proporções, foi saciar-se

justamente na fonte das relações sociais acima pontuadas.

Imaginem, a título de exemplo, que o pai chegou em casa e

descobriu que os seus dois filhos, de 16 e 12 anos, haviam entrado na piscina, o que

vai totalmente de encontro às regras domésticas por ele estatuídas, principalmente

por não haver adultos por perto.

Já enfurecido — porém, não desejando ser injusto —, o

genitor descobre que a mais nova das crianças pulou na piscina sem que ninguém

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soubesse, quase se afogando, só não ocorrendo o pior em razão da intervenção do

filho maior, que ouvindo os gritos do irmão menor, o salvou.

Certamente, com relação ao filho maior, não será o caso de

castigo em razão de ter entrado na piscina, pois possuía justificativa para tanto,

recebendo, quando muito, censura, não importa a natureza, por ter descuidado do

irmão mais novo.

Quanto a este último, aparentemente, receberá severos

castigos. Porém, para demonstrar o quão ficcional é a não-inclusão da culpabilidade

como elemento formador do delito, consideremos que o filho caçula só agiu daquela

forma em razão dos efeitos colaterais — alucinação — causados por uma ingestão

fortuita de um remédio fortíssimo.

O adolescente mais novo encontrava-se inteiramente impedido

de entender o caráter negativo do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, de forma que é intuitiva a não-configuração de desobediência das

ordens domésticas, de teimosia.

Assim, o pai, diante do que lhe afigurava ato de indisciplina,

constatando o efeito do remédio alucinógeno, ingerido acidentalmente, deixará de

aplicar a reprimenda. O pai terá certeza de que o seu filho nem chegou a lhe

desobedecer.

De outro giro, às condutas juvenis não se agregaram os

elementos indispensáveis para o castigo paterno previsto se caso realmente

tivessem entrado no local proibido apenas por diversão.

Apesar de parecer estarmos tratando de obviedades, é

impressionante observar que a decisão de fls. 145/146 dos autos de origem

expressa inteligência contrária.

Segundo ela, mesmo que se conclua pela incapacidade do

apelante — em razão da dependência toxicológica — de entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, deve o adolescente

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receber a mesma medida de internação que um outro menor acusado de idêntico

ato infracional, mas que tenha agido, por exemplo, apenas sob o efeito da ambição,

degeneração moral, sentimentos pelos quais, diferentemente, a sociedade pode

esperar e exigir não sejam os seus jovens, em hipótese alguma, dominados.

Ao arrepio disso tudo, observando a fl. 168 da sentença

questionada, vemos que a decisão não tomou conhecimento de um milímetro sequer

da condição de drogadito do apelante, nem ao menos para adequar a aplicação da

medida de internação, por exemplo, conjugando-a com as medidas protetivas,

conforme possibilita o artigo 112 no seu inciso VII e § 3º — um desavisado leitor da

decisão final, que não conhecesse o processo, imaginaria que a dependência

toxicológica jamais fora mencionada nos autos.

No caso do apelante, é evidente que não pode haver a

aplicação de qualquer uma das medidas sócio-educativas do artigo 112 do Estatuto

da Criança e do Adolescente, já que as mesmas pressupõem o reconhecimento de

que houve a prática de conduta análoga a crime, o que não ocorreu no caso

versando, pelas razões alcançadas através da seguinte comparação.

Retomando o exemplo acima, vamos supor que pular na

piscina fosse conduta incriminada pela norma penal e o caso acabasse sendo

levado ao Judiciário.

No caso do filho mais velho, o estudo da conduta é mais

simples, pois já na segunda fase analítica constataríamos que ele agiu em razão do

clássico estado de necessidade, quer dizer, não haveria delito se fosse um adulto,

também não haverá ato infracional tratando-se de adolescente.

Com relação à solução dada ao segundo filho — aqui reside o

que mais nos interessa — percebemos que a sua conduta atravessa a peneira da

tipicidade, da antijuridicidade, porém não da culpabilidade.

Para nós é intuitivo que o adolescente movido pelo efeito

colateral do remédio não terá sido desobediente em pular na piscina, ou seja, sobre

a sua conduta não haverá a necessária reprovação social que o conceito de crime, e

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conseqüentemente de ato infracional, necessita para sustentar-se.

Contudo, o magistrado singular, repita-se a despeito de seu

costumeiro acerto, parece entender que neste caso o adolescente que primeiro

entrou na piscina deveria ser considerado autor de ato infracional, recebendo,

inclusive, algumas das medidas sócio-educativas destinadas aos menores infratores,

não obstante tenha agido sob o pálio de uma excludente de culpabilidade.

Pelo que se vê, o entendimento do Juiz a quo é de que o

adolescente que comete determinada conduta típica, antijurídica, porém, como no

caso acima, praticada sob o efeito de embriaguez completa decorrente de caso

fortuito ou força maior, ou qualquer uma das outras causas excludentes de

culpabilidade, como doença mental ou desenvolvimento incompleto e retardado,

coação moral irresistível ou obediência hierárquica, pasmem, deve ser considerado

autor de ato infracional, a despeito, refrise-se, de a conduta, se houvesse sido

praticada por um adulto, nessas mesmas condições, não ser enquadrada pelo

ordenamento penal como crime ou, para alguns, merecedora, de sanção penal.

Não há sequer ineditismo no que aqui defendemos, conforme

se entrevê na primorosa dissertação de João Batista Costa Saraiva, em artigo

publicado no IBCcrim:

“Desta forma somente poderá ser sancionável o adolescente

em determinadas situações. Só receberá medida sócio-

educativa se autor de determinados atos. Quais? Quando

autor de ato infracional. E o que é ato infracional? A conduta

descrita na Lei (Penal) como crime e contravenção.

Não existe mais o vago e impreciso conceito de “desvio de

conduta”, tantas vezes invocado no anterior sistema, sob

arrimo na Doutrina da Situação Irregular para segregar

“menores” inconvenientes.

Desde o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente vige o princípio da legalidade ou da anterioridade penal. Aliás, desde o advento da Constituição Federal, que não

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recepcionou o Código de Menores de 1979. Ou seja, somente

haverá medida sócio-educativa se ao adolescente estiver

sendo atribuída a prática de uma conduta típica.

Ainda assim, para sofrer a ação estatal visando a sua sócio-educação haverá de esta conduta ser reprovável, ser

passível desta resposta sócio-educativa que o Estado,

sancionador pretende lhe impor, na medida em que o

Ministério Público, na Representação que oferece, deduz a

pretensão socioeducativa do Estado em face o adolescente ao

qual atribui a prática de ato infracional.

A conduta, pois, além de típica, há de ser antijurídica, ou seja,

que não tenha sido praticada sob o pálio de quaisquer das

justificadoras legais, as causas excludentes da ilicitude

previstas no art. 23 do Código Penal.

Se agiu o jovem em legítima defesa, ele, como o penalmente

imputável, terá de ser absolvido, mesmo tendo praticado um

fato típico. Será absolvido com fundamento no art. 189, III, da

ECA, ou seja, por não constituir o fato ato infracional.

Há que se ter mente o conceito de crime (ato típico, antijurídico e culpável). Não sendo antijurídico não será a conduta típica crime e, não sendo a conduta típica crime, também não será ato infracional.

Igualmente não haverá ato infracional, se sua conduta não for culpável, excluindo-se do conceito de culpabilidade o elemento biológico da imputabilidade penal, ou, como para alguns, o pressuposto da culpabilidade 1 . Aliás, parafraseando Egas Diniz Moniz de Aragão, em sede de estudo da culpabilidade ninguém lhe atravessa os umbrais sem receios.

Assim sendo, excluído o pressuposto da culpabilidade do ponto de vista da imputabilidade penal, os demais

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elementos da culpabilidade hão de ser considerados. Assim, há que se ter em vista, quando o Estado pretenda sancionar o adolescente com alguma medida sócio-educativa, sua potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, circunstâncias que levam à reprovabilidade da conduta.

Se a ação cometida pelo adolescente, embora típica e antijurídica, por ausência de elementos constitutivos do conceito de culpabilidade não for reprovável, assim como ao adulto não caberá a imposição de pena, ao adolescente não se lhe poderá impor medida socioeducativa.

Não haverá culpabilidade e, em conseqüência não haverá sanção socioeducativa, quando houver na conduta do adolescente erro inevitável sobre a ilicitude do fato (art. 21, do Código Penal); erro inevitável a respeito do fato que configuraria uma descriminante – descriminantes putativas (art. 20, § 1º, do Código Penal); obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico (art. 22, Segunda parte, do Código Penal) e ainda a inexigibilidade de conduta diversa na coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, do Código Penal)

Parece-nos que quando o magistrado, às fls. 145/146, alegou

que “o representado já é legalmente inimputável, não sendo necessário exame

médico para a referida constatação, tendo em vista o que preconiza o art. 104 da

ECA”, data venia, cometeu o equívoco de apreender apenas aquilo que

imediatamente o dispositivo legal se lhe apresentou.

Como bem demonstrado na lição doutrinária acima

colacionada, o dispositivo mencionado pelo Juiz a quo se refere ao aspecto biológico

da culpabilidade, mantendo-se íntegras as demais causas, sob pena de adentrarmos

num sonambulismo teórico infinito e inconseqüente, no qual, em razão de uma

interpretação extensiva e absurda da norma, considerar-se-ia infratores, por

exemplo, adolescentes acometidos por doença mental, nem sendo necessário

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exame para aferição da situação nosológica, uma vez que o adolescente “já é

legalmente inimputável, não sendo necessário exame médico para a referida

constatação” (fl. 145).

A nosso entender, isso vai de encontro à própria noção de

dignidade humana, pois coisifica a conduta do adolescente, reduzindo os valores

ligados a ele e à sua condição — no presente caso — de drogadito a valores

exclusivamente ficcionais.

Por outro lado, como inicialmente propusemos demonstrar,

acreditamos que os argumentos em prol da nulidade do processo, em razão de

desconsiderar a condição de drogadito do apelante, também são válidos ainda que

nos filiássemos à corrente bipartida, defendida, vale dizer, por doutrinadores de

expressividade, como Damásio de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto,

entre outros.

Basta readequarmos o raciocínio.

Segundo esta vertente doutrinária, a conclusão do exame

toxicológico em nada contribuiria à aferição do caráter infracional da conduta do

apelante, pois a dependência toxicológica, na medida em que repercute apenas na

culpabilidade, em nada afeta a essência do crime e, conseqüentemente, do ato

infracional, formados apenas pela tipicidade e pela antijuridicidade.

Todavia, sendo, para tais doutrinadores, a culpabilidade

pressuposto da pena, persistiria o contexto favorável a eventuais situações

absurdas, como as anteriormente previstas.

Diante de um caso em que reste comprovado que o

adolescente tenha cometido, por exemplo, um ato infracional análogo ao delito de

roubo, motivado pelas ameaças de terceira pessoa que mantinha seus pais sob a

mira de uma arma, o inimputável será apontado pelo Judiciário como um infrator, a

despeito de ninguém na sociedade ser capaz de reprovar a sua conduta.

Mas não é isso que mais nos interessa. O importante é

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perceber que lá na seara dos imputáveis, o acusado, nessas condições, se

reconhecido o caráter irresistível da coação moral, não receberá qualquer pena, ao

passo que o adolescente, consoante o entendimento de que “já é legalmente

inimputável” (fl. 145) receberá, inacreditavelmente, alguma das medidas sócio-

educativas do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Imaginem o absurdo de se buscar qual o índice de

recuperação que esse “menor infrator” merece. A julgar pelo caráter violento da

conduta, consoante o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o

caminho mais plausível seria decretar-se a internação!

Destarte, parece-nos muito evidente que a presunção de

inimputabilidade que o ordenamento jurídico atribuiu ao adolescente refere-se

apenas ao critério etário, ou biológico — como se viu, qualquer raciocínio alternativo

deságua no absurdo.

O princípio da culpabilidade, sob qualquer ângulo, não foi

inventado, foi absorvido das próprias relações sociais, assumido pelo Direito Penal e

alteado como princípio fundamental. Não orienta apenas a conceituação do delito

(para os teóricos da corrente tripartida), mas também a fixação do preceito

secundário quando da criação de uma figura típica, a aplicação concreta da pena

etc.

A argumentação de que o Estatuto da Criança e do

Adolescente não contempla a aplicação das demais causas de exclusão de

culpabilidade não prospera, uma vez que também não as rechaça, não cabendo o

intérprete assim fazê-lo, e em se tratando de elemento direcionador da perspectiva

penal, temos fortes razões para acreditar que desse instituto jurídico, quando

transposto para a normatização menorista, só foi subtraído a opção relacionada à

idade.

Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente também

não é expresso quanto ao instituto da prescrição, sendo hoje ele de aplicabilidade

reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça e, inclusive, pelo Juízo a quo, sob

argumentos que, a nosso ver, são inteiramente aproveitáveis para justificar-se o

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alcance da causa de exclusão de culpabilidade prevista no artigo 45 da Lei nº.

11.343/06 ao julgamento do apelante:

[...] o ECA pode recorrer às leis penais quando necessitar e

enquadramento do ato infracional, em um dos tipos penais

descritos no Estatuto Repressivo. Assim sendo, creio que nos

feitos desta natureza há possibilidade de ser aplicado o

instituto a prescrição previsto no Código Penal, tendo em vista

a necessidade de interpretação sistêmica das normas Nesse

aspecto, ressalvo, desde já que este juízo é conhecedor de

respeitável vertente doutrinária e jurisprudencial que não

aceita a possibilidade de prescreverem as medidas sócio-

educativas, sob a alegação de que estas não teriam caráter

penal.

Entretanto, entendo que reside justamente aí a controvérsia,

na medida em que este Juízo entende que tais medidas,

embora não denominadas de penas, na verdade são de

natureza assemelhada, não parecendo razoável que em

relação a elas não fosse possível reconhecer a prescrição,

com evidente prejuízo para os menores de idade considerados

infratores, aos quais se daria tratamento mais rigoroso do que

o dispensado aos autores de delito que tivessem entre dezoito

e vinte e um anos de idade, ofendendo-se, em última instância

os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e isonomia.

[Representação 197/2005, julgada em 18/01/2008, Juízo da

Primeira Vara da Comarca de Cáceres, magistrado Luiz

Octávio Sabóia Ribeiro].

Nesse diapasão, vejamos o que ensina o culto Paulo Afonso

Garrido de Paula:

“embora com caráter diferente de simples prisão ou detenção,

as medidas restritivas de liberdade impostas ao menor não

perdem essa natureza, seja qualquer o nome que se lhes dê.

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É essencial, portanto, que se garantam ao menor certos direitos constitucionalmente previstos e aplicados aos adultos” (Direito e Justiça: apontamentos para um novo direito

das crianças e adolescentes, p. 37).

De qualquer modo, o ato infracional, ao contrário da

divergência existente na conotação penalizadora ou educativa das medidas

previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, obviamente tem

caráter extremamente negativo na vida do menor, o qual, se não fosse a idade, seria

um criminoso.

Ora, a sociedade não vira a costas para o dependente de

entorpecentes, para o doente que comete crimes para sustentar o vício, sendo que o

legislador, seguindo essa orientação, positivou a intenção de aplicar-lhe tratamento,

e não pena.

É o exame toxicológico que oferecerá ao magistrado a

possibilidade de concluir que o apelante, embora tenha praticado conduta típica e

antijurídica, cometeu o ato em situação que torna inapropriada a aplicação de

qualquer medida sócio-educativa.

Porque se o exame comprovasse a situação prevista no artigo

45 da Lei nº. 11.343/2006, estar-se-ia, na conceituação analítica de delito, e

conseqüentemente na de ato infracional, diante de situação totalmente assemelhada

àquela em que o adolescente incorre na conduta análoga a crime porque alguém

apontava uma arma contra a cabeça de um familiar, ou porque ingeriu

acidentalmente remédio alucinógeno.

Todas estas circunstâncias (respectivamente, previstas no

sobredito dispositivo legal e no artigo 22 e 28, inciso II do Código Penal) pertencem

ao mesmo campo, o da culpabilidade.

Ademais, o caráter imprescindível do exame de dependência

toxicológica, conforme prevê a norma, é ponto pacificado entre doutrina e a melhor

jurisprudência, mormente quando existem fortes elementos da condição de

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drogadito do agente.

Embora possa se afigurar demasiadamente longo para uma

citação, por reconhecer que o Judiciário não pode comportar-se como Pôncio Pilatos

diante dá flagelante condição dos viciados em entorpecentes, o trecho da decisão

seguinte, proveniente desse Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, de lavra

da Desembargadora Shelma Lombardi de Kato, merece ter os seus principais

trechos colacionados:

[...] Consta dos autos que no dia 14-8-2006, por volta das

15h, após forçar uma porta, o apelante adentrou à residência

da vítima Ilson Dantas Guimarães, sita na Rua Seriema, s/n°,

fundos ao Posto de Saúde do Parque Universitário, em

Rondonópolis, onde tentou subtrair um vaso sanitário, uma

pia, ambos da marca Belize, e uma torneira Ica para lavatório,

oportunidade em que foi preso e autuado em fragrante.

[...] Por sua vez, em que pese o apelante ter sido preso

em flagrante e ter confessado a autoria do delito, no caso em

comento, trata-se de réu pobre, com baixa escolaridade, comprovadamente drogadito e portador de antecedentes por delitos patrimoniais.

O próprio recorrente informou sobre esse fato à autoridade judiciária, sobre ser viciado em drogas de há muito tempo, sem que tal circunstância fosse levada em consideração. Todavia, o exame de dependência toxicológica, com parecer técnico de psiquiatra, é inafastável no caso concreto.

Com efeito, resplandece dos autos a condição do

apelante de usuário de entorpecente, dependente ou

drogadito, mesmo sem exame pericial que, através de dados

técnicos, traduza a correta avaliação, quanto ao grau de sua

dependência ou até mesmo eventualmente a sua

inimputabilidade penal.

Por inúmeras vezes tenho enfatizado nesta Câmara

Criminal, o descuido na 1ª instância quanto à necessidade do

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exame psiquiátrico para a correta avaliação da imputabilidade

penal do agente; por isso que não há culpabilidade sem ação

consciente e livre.

Daí o ensinamento doutrinário no sentido de que

imputabilidade é a capacidade de ser culpável e culpabilidade

é juízo de reprovação social que pode ser realizado ao

imputável, responsabilidade é decorrência da culpabilidade, ou

seja, trata-se de relação entre o autor e o Estado, que merece

ser punido por ter cometido um delito.

Constando dos autos que o apelante é dado ao consumo

de substância entorpecente; que o mesmo é de longa data

usuário de drogas; sendo tal fato do conhecimento de

testemunhas; tendo ele próprio feito tal declaração em juízo,

resultando dos autos histórico de que usa pasta base de

cocaína e, principalmente, de várias incidências em pequenos

delitos patrimoniais, o d. magistrado, à toda evidência, não

teria outro caminho senão o de determinar fosse o réu

submetido ao necessário exame pericial, o que deveria ter

feito, de ofício, antes de sentenciar o feito.

Em suma: O d. magistrado a quo, ao proferir a sentença,

desconsiderou a condição de drogadito do réu, confirmada não

só pelas declarações do mesmo, como também pela prova

testemunhal e pelo seu histórico de vida.

Portanto, não há como deixar de acolher-se, DE OFÍCIO,

a questão, uma vez que restou manifesta a nulidade da

decisão recorrida, por ausência do necessário e obrigatório

exame de dependência toxicológica para se aferir a

imputabilidade penal do recorrente à época dos fatos, sendo o

perfil ao apelante típico de dependente químico.

Nesse sentido dispunha o art. 19 da Lei nº 6.368/76 e seu

parágrafo único sobre a isenção da responsabilidade penal ou

redução dessa responsabilidade em função da dependência

toxicológica, qualquer que tenha sido a infração penal. Já o

art. 45 da vigente Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006

dispõe que:

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“É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou

sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de

droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que

tenha sido a infração penal, inteiramente incapaz de entender

o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento.”

Por derradeiro, cumpre salientar que a realização do exame de dependência toxicológica é obrigatória, devendo o magistrado determiná-lo sempre que o réu se declare dependente de drogas, sob pena de descumprir dever constitucional e legal, ao suprimir do processo penal questão relevante, pertinente à ampla defesa, bem como ao direito de submeter-se o drogadito ao tratamento adequado. A propósito trago à baila julgado colhido da obra

“Nova Lei de Drogas Comentada”, editora Revista dos

Tribunais, p. 201, verbis: “A perícia deve ser realizada sempre

que o réu se declare dependente ou quando a tal respeito

houver fundadas suspeitas.” (RT 777/586 e 687/284).

No caso o réu não só se declarou dependente, como

afirmou que tentou furtar para adquirir a droga para o seu

consumo. Sua confissão está comprovada pelo seu histórico

de vida retratado nos autos.

Não fosse acolhida a nulidade ora suscitada, outros

lastimáveis equívocos permeiam a decisão apelada a qual

condenou o réu nas penas do art. 155, § 4º, I, c/c art. 14, II, do

CP, por fato tipificado na denúncia como tentativa de furto

qualificado por rompimento de obstáculo, e ainda por

estabelecer penas extremamente exacerbadas sem a correta

avaliação das circunstâncias judiciais, sobretudo a baixa

potencialidade ofensiva do crime em tese tentado.

Pelas expostas razões, de ofício, declaro a nulidade do

processo desde a fase do art. 499 do CPP, e por corolário da

sentença condenatória, para que o d. magistrado monocrático

submeta o réu a exame pericial toxicológico.

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À par disso tudo, mais ligeiramente se evidenciando a

pertinência da sobredita decisão com o caso sob apreciação, vejamos a ementa do

acórdão:

APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU CONDENADO POR INCURSO

NAS SANÇÕES DO ART. 155, § 4º, I E IV, C/C O ART. 14, II,

AMBOS DO CP, À PENA DE 03 ANOS E 04 MESES DE

RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO -

INCONFORMISMO DA DEFESA - NULIDADE DA

SENTENÇA, DE OFÍCIO, EM FACE DA PROVÁVEL

INIMPUTABILIDADE OU IMPUTABILIDADE RESTRITA DO

RÉU, COM FULCRO NA LEI DE DROGAS - NULIDADE DA

SENTENÇA POR DESCONSIDERAR A CONDIÇÃO DE

DROGADITO DO RÉU CONFIRMADA NOS AUTOS -

DECISÃO CONDENATÓRIA ANULADA. A falta de exame de

dependência toxicológica para se apurar a imputabilidade

penal do agente é causa de nulidade da sentença

condenatória, uma vez evidenciado nos autos a condição de

drogadito do réu e sua internação para o necessário

tratamento.

Imaginar que o exame de dependência toxicológica é

prescindível ao julgamento da conduta atribuída ao apelante, quando se sabe que o

mesmo reiteradamente responde por procedimentos nos quais tal circunstância é

confirmada pelo representado e testemunhas, é o mesmo que lavar as mãos diante

desse grave problema social.

Interna-se uma, duas, três vezes...até que o adolescente torna-se adulto e mude para a carceragem da cadeia local.

Aliás, como mencionado alhures, em se considerando que a

sentença, nem da forma irregular como foi prolatada, não conjugou a medida de

internação a qualquer outra medida protetiva que se auxilia o adolescente no

doloroso processo de desintoxicação, podemos dizer que o Judiciário, depois de

lavar as mãos, ainda deu à costas para a questão.

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Qual o resultado positivo, no que se refere à condição de

drogadito, das internações anteriores às quais foi o adolescente submetido?

Respondemos, com muita segurança: nenhuma!

Isso põe por terra o argumento estreito e pragmático de quem

poderia defender que, mesmo considerando a deficiência do sistema voltado a

recuperação dos adolescentes, é ele a única forma de conter a atuação dos

menores, bem como permitir a persistência na tentativa de tratamento.

Antes de tudo, é idéia que contraria a própria norma, uma vez

que o Estatuto da Criança e do Adolescente deixou suficientemente claro que o

artigo 112 só poderia ser aplicado aos adolescentes infratores.

Aos adolescentes que não são infratores, como no caso em

exame, mas que praticaram condutas típicas e antijurídicas, porém impulsionadas

pela dependência toxicológica, existe a previsão do artigo 98, o qual, de certa forma,

acreditamos manter correspondência com todos os dispositivos presentes no Código

Penal e nas leis extravagantes quanto à exclusão da culpabilidade.

Ou seja, não se quer tumultuar a atuação do Judiciário,

apenas contribuir para que ela seja mais humana, sem deixar de ser técnica e

razoável. No caso em exame, se não teríamos conduta criminosa acaso se tratasse

de um adulto, também não temos conduta infracional. Temos apenas conduta,

perfeitamente subsumida pelo artigo 98, inciso III.

Podemos apenas prever as condições do cumprimento da

medida sócio-educativa na Capital, porém, pelas inúmeras outras vezes em que o

apelante dela retornou, tudo será inútil, inexistindo, de outro lado, razões para

imaginarmos que um tratamento psicoativo, desde o momento em que se constatou

que o adolescente tinha a consciência obscurecida pela ação do entorpecente, não

apresentasse resultados satisfatórios.

E não se trata de abrandar as conseqüências para o apelante,

mas simplesmente de dar aplicabilidade ao artigo 101 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, ou seja, submeter o drogadito a tratamento médico, psicológico, ou

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psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, além de inclusão em programa

oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômano,

tudo como preconiza o citado dispositivo, não em razão da prática de um ato

infracional, e sim pela situação de risco na qual o adolescente se encontra inserido.

Com efeito, e em suma, a sentença aqui combatida deve ser

anulada, sendo outra proferida apenas depois da juntada ao caderno processual do

laudo atinente a dependência toxicológica do apelante.

DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA APLICADA

Malgrado absolutamente confiantes no acolhimento da tese

supra, temos por necessário, em homenagem à ampla defesa, rebater a medida sócio-

educativa aplicada ao apelante, apresentando as seguintes considerações jurídicas, à

vista das quais Vossas Excelências comungarão do mesmo entendimento por este

subscritor defendido.

A nosso sentir, faz-se necessário que o Estado priorize as

medidas sócio-educativas em meio aberto, as quais têm efeitos mais positivos para

o autor de ato infracional e sua família.

Ademais, assaz necessário salientar que a medida sócio-

educativa de internação não pode ser aplicada como um castigo, sobretudo porque

é excepcional, entendimento sufragado por nossos Tribunais:

“As medidas socioeducativas do ECA não têm caráter punitivo

e apresentam como objetivo primordial a recuperação do

menor. - Diante desta imposição legal que tira da internação o

caráter punitivo e realça o objetivo social de recuperação, já é

tempo do Estado brasileiro, atento às diretrizes constitucionais

refletidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, mobilizar-

se num grande esforço no sentido de garantir ao menor infrator

todos os seus direitos, entre eles a assistência educacional,

médica, psicológica e psiquiátrica de que necessita para sua

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completa recuperação.” (Número do processo:

1.0433.04.139782-2/001(1) Precisão: 21%, Relator: SÉRGIO

BRAGA, Data do acordão: 19/12/2005, Data da publicação:

20/01/2006)

“A internação da criança e do adolescente é medida extrema,

recomendável somente quando desaconselhadas as medidas

menos rigorosas.” Grifou-se. 2

“A internação, no âmbito do procedimento especializado para a

apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes, é a

medida sócio-educativa mais grave e, por isso mesmo,

apresenta-se como exceção, onde a regra geral é o mínimo

afastamento do infrator do convívio familiar (art. 121, caput, da

Lei 8.069/90)” 3

“Ato infracional – ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO – Sentença

que impõe medida sócio-educativa consistente em LIBERDADE

ASSISTIDA por 12 meses – Recurso do Ministério Público,

objetivando aplicação da medida de internação – AUSÊNCIA DE

ANTECEDENTES E RESPALDO SÓCIOFAMILIAR ALIADOS AO EXERCÍCIO

DE ATIVIDADE LABORAL QUE INDICAM ACERTO DA DECISÃO APELADA

– Recurso não provido.” 4

Ainda, necessário se faz aqui a aplicação da Convenção sobre

os Direitos da Criança (1989) — ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1.990,

instrumento internacional recepcionado pela Carta Magna de 1988, art. 5º, parágrafo

2 STJ – 6a T. – RHC 7447 – Rel. Luiz Vicente Chernicchiaro – j. 28.05.1998 – DJU 29.06.1998, p. 3233 STJ – 6a T. – HC 8499 – Rel. Fernando Gonçalves – j. 16.04.1999 – DJU 17.05.1999, p. 2434 TJSP – Câm. Esp. – Acv 43.269-0 – Rel. Álvaro Lazzarini – j. 25.06.1998Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005.

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1º e 2º —, a qual dispõe que a internação do adolescente deve ser usada como a

última solução e por período breve. Verifiquemos:

AARTIGORTIGO 37 37 – O– OSS E ESTADOSSTADOS--PARTESPARTES ASSEGURARÃOASSEGURARÃO QUEQUE::

......

NNENHUMAENHUMA CRIANÇACRIANÇA SEJASEJA PRIVADAPRIVADA DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE DEDE FORMAFORMA ILEGALILEGAL OUOU ARBITRÁRIAARBITRÁRIA. A . A DETENÇÃODETENÇÃO, , AA RECLUSÃORECLUSÃO OUOU AA PRISÃOPRISÃO DEDE UMAUMA CRIANÇACRIANÇA, , SERÁSERÁ EFETUADAEFETUADA EMEM CONFORMIDADECONFORMIDADE COMCOM AA LEILEI EE APENASAPENAS COMOCOMO ÚLTIMOÚLTIMO RECURSORECURSO, , EE DURANTEDURANTE OO MAISMAIS BREVEBREVE PERÍODOPERÍODO DEDE TEMPOTEMPO QUEQUE FORFOR APROPRIADOAPROPRIADO..

TTODAODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA DADA LIBERDADELIBERDADE SEJASEJA TRATADATRATADA COMCOM HUMILDADEHUMILDADE EE OO RESPEITORESPEITO QUEQUE MERECEMERECE AA DIGNIDADEDIGNIDADE INERENTEINERENTE ÀÀ PESSOAPESSOA HUMANAHUMANA, , EE LEVANDOLEVANDO--SESE EMEM CONSIDERAÇÃOCONSIDERAÇÃO ASAS NECESSIDADESNECESSIDADES DEDE UMAUMA PESSOAPESSOA DEDE SUASUA IDADEIDADE. E. EMM ESPECIALESPECIAL,, TODATODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE FICARÁFICARÁ SEPARADASEPARADA DEDE ADULTOSADULTOS, , AA NÃONÃO SERSER QUEQUE TALTAL FATOFATO SEJASEJA CONSIDERADOCONSIDERADO CONTRÁRIOCONTRÁRIO AOSAOS MELHORESMELHORES INTERESSESINTERESSES DADA CRIANÇACRIANÇA, , EE TERÁTERÁ DIREITODIREITO AA MANTERMANTER CONTATOCONTATO COMCOM SUASUA FAMÍLIAFAMÍLIA PORPOR MEIOMEIO DEDE CORRESPONDÊNCIACORRESPONDÊNCIA OUOU DEDE VISITASVISITAS, , SALVOSALVO EMEM CIRCUNSTÂNCIASCIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAISEXCEPCIONAIS..

TTODAODA CRIANÇACRIANÇA PRIVADAPRIVADA SUASUA LIBERDADELIBERDADE TENHATENHA DIREITODIREITO AA RÁPIDORÁPIDO ACESSOACESSO AA ASSISTÊNCIAASSISTÊNCIA JURÍDICAJURÍDICA EE AA QUALQUERQUALQUER OUTRAOUTRA ASSISTÊNCIAASSISTÊNCIA ADEQUADAADEQUADA, , BEMBEM COMOCOMO DIREITODIREITO AA IMPUGNARIMPUGNAR AA LEGALIDADELEGALIDADE DADA PRIVAÇÃOPRIVAÇÃO DEDE SUASUA LIBERDADELIBERDADE PERANTEPERANTE UMUM TRIBUNALTRIBUNAL OUOU OUTRAOUTRA AUTORIDADEAUTORIDADE COMPETENTECOMPETENTE, , INDEPENDENTEINDEPENDENTE EE IMPARCIALIMPARCIAL EE AA UMAUMA RÁPIDARÁPIDA DECISÃODECISÃO AA RESPEITORESPEITO DEDE TALTAL AÇÃOAÇÃO..

A despeito de todos os argumentos jurídicos acima

explicitados, o Juízo singular, totalmente divorciado do caráter pedagógico das

medidas sócio-educativas e dos princípios informadores da Lei 8.069/90,

notadamente da internação, quais sejam, brevidade, excepcionalidade e respeito à

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condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, aplicou a mais drástica

reprimenda ao apelante, no que discorda a defesa.

Faz-se mister, isto sim, que o aparelho Estatal possibilite a

ressocialização do apelante, profissionalizando-o, dando-lhe condições para que

possa viver como cidadão digno, o que, certamente, não ocorrerá com a sua

privação de liberdade em um estabelecimento inadequado, como o é o que

dispomos.

Com certeza, não será no conhecido ambiente carcerário, com

todas as promiscuidades imagináveis, que o apelante encontrará ambiente propício

ao seu bom desenvolvimento físico e moral.

Neste diapasão, é do conhecimento do Juízo primeiro o

envolvimento do apelante com o mundo das drogas, mas não na função de um

traficante, e sim na lastimável condição de usuário/viciado, a qual é a responsável

pela extensão da certidão de fls., composta, na sua grande maioria, de furtos,

realizados porque o drogadito em questão, pessoa de parcos recursos, não tem

condições financeiras de sustentar o seu vício.

Não fechemos os olhos! Sim, esta é a infeliz situação de vários

adolescentes de nosso país, aos quais nosso Estado — do bem-estar social, rsss!!!,

segundo o preâmbulo constitucional — teima em fechar os olhos, não lhes

proporcionando o que, de fato, necessitam, TRATAMENTO QUÍMICO (ao qual o

apelante tenciona se submeter), na medida em que, quando cometem atos

infracionais, na imensa maioria das vezes visando ao levantamento de dinheiro para

o sustento do vício, pois não recebem “mesadas” de seus humildes e, quase que

sempre, semi-analfabetos pais, lava as mãos jogando-os em um estabelecimento prisional — prisional, isto mesmo, não sejamos demagogos — inadequado.

Esta situação, definitivamente, tem que mudar.

Se o executivo e o legislativo, de mãos dadas, se mostram

incapazes de garantir comezinhos direitos constitucionais, o JUDICIÁRIO não pode,

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igualmente, lhes dar as mãos, como se nossa CONSTITUIÇÃO fosse uma promessa

ociosa, inútil ou indolente. Não!

O Poder Jurisdicional, isto sim, nos afigura como o derradeiro

caminho no recrudescimento da FORÇA NORMATIVA de nossa CARTA

FUNDAMENTAL, de modo a otimizar seus preceitos, máxime os relacionados aos

direitos fundamentais, humanos.

Não se pode olvidar, ainda, que o jovem em tela já esteve

outras vezes à disposição do Estado e este falhou em seu dever de ressocialização.

Destarte, há que se falar na co-responsabilidade do Estado

que falha na assistência que deveria prestar àqueles que se encontram ou se

encontraram segregados.

A propósito, a doutrina de Reinaldo Daniel Moreira, professor

de direito processual penal, ensina-nos:

“...Integra a co-culpabilidade aquela gama de conceitos jurídicos de fácil percepção de seus reflexos no âmbito social, mas que, qualquer pretensão à sua conceituação poderia ser tomada como tarefa frustrada, vez que hercúlea. Em tentativa de aproximação a seu sentido e alcance, poder-se-ia dizer, em princípio, consistir a co-culpabilidade na evidenciação e reconhecimento da parcela de responsabilidade atribuível à sociedade, diante da prática de infrações penais por indivíduos alijados no processo de inserção social, a que foram sonegadas mínimas perspectivas.

Nos apontamentos de Juarez Cirino dos Santos, a co-culpabilidade da sociedade organizada pode ser admitida como uma valoração compensatória

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da responsabilidade de indivíduos inferiorizados por condições sociais adversas. Assim, o corpo social deveria arcar, pelo menos em parte, com as conseqüências de sua falha em oferecer ao cidadão as condições e os pressupostos mínimos de dignidade. Na colocação de Nilo Batista, "em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu".

Segundo nos dão notícia Eugenio Raúl Zaffaroni, Alejandro Alagia, e Alejandro Slokar, a co-culpabilidade se funda na constatação de que, se nenhuma sociedade apresenta mobilidade vertical, a ponto de oportunizar a todos os seus integrantes o mesmo espaço social, o juízo de reprovação penal deve adequar-se, em cada caso, ao espaço social conferido ao indivíduo. Assim, os defensores da co-culpabilidade da

sociedade organizada apontam que não teria

pertinência que a sociedade, que delegou o jus

puniendi estatal, de forma cômoda, não

reconhecesse sua influência e parcela de

responsabilidade ao colocar o indivíduo em uma

conjuntura social adversa, sem maiores alternativas

e expectativas de desvio da criminalidade. Tal fator

teria por efeito uma redução do juízo de reprovação

incidente sobre o indivíduo, atenuando a correlata

reprimenda penal. Haveria um compartilhar de

responsabilidades entre o agente e a sociedade...” 5

5 Extraído do site: www.jus.com.br. Em 28/06/2006.Defensoria Pública de Cáceres. Rua Cel. Faria esq. Tiradentes, 382. Fone: (65) 223-7005.

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Por tudo isso, a defesa do apelante pugna pela aplicação ao

mesmo das medidas sócio-educativas de liberdade assistida e de prestação de

serviços à comunidade c/c as medidas de proteção previstas nos incisos III e VI do

artigo 101 do ECA.

Todavia, caso Vossas Excelências não comunguem do

entendimento que acima restou consignado, passa-se, no tópico infra, a explanar a

seguinte mais uma tese subsidiária.

DA PERIODICIDADE DOS RELATÓRIOS PSICOSSOCIAIS

O art. 121, parágrafo 2º, ECA, dispõe que: “A medida não

comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante

decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.”

Portanto, a exegese do aludido dispositivo autoriza que os

relatórios psicossociais sejam elaborados em menos tempo, o que vai ao encontro

da política de proteção integral que perfilha o ECA e é salutar/eficaz no processo de

ressocialização do autor de ato infracional.

Além do mais, as medidas sócio-educativas apresentam

caráter pedagógico, destinadas a reeducar o autor de ato infracional, parâmetros de

onde os operadores do direito que militam na área não podem afastar-se.

Vale citar a majestosa doutrina do Professor João Batista da

Costa Saraiva, em sua Obra O Adolescente e Ato Infracional – Garantias

Processuais e Medidas Socioeducativas, Editora Livraria do Advogado, 1999, página

111, a respeito do prazo para elaboração das avaliações do adolescente, vejamos:

“Fica estabelecido ainda que, no máximo a cada seis meses, a

situação de cada internado deverá ser revista, devendo então a

Autoridade Judiciária, em decisão fundamentada, estabelecer a

necessidade ou não da manutenção do internamento.

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A propósito da avaliação em até seis meses, necessário se faz

destacar que este é o período máximo preconizado pela lei.

Nada obsta, ao contrário, se recomenda, que o Juízo

responsável pela execução da medida socioeducativa proceda

esta avaliação, ouvida a equipe técnica da unidade de

internamento, de seu próprio quadro do Juizado, o Ministério

Público e a Defesa, e promova esta avaliação com

periodicidade menor do que a semestral, oportunizando ao

adolescente, mediante cientificação pessoal, que este tenha

conhecimento das razões que lhe concederam ou lhe

denegaram a progressão da medida.

A experiência tem revelado que a periodicidade das avaliações,

mensais, bimensais ou trimestrais (como se tem utilizado no

Juizado Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo),

com retorno ao jovem internado das deliberações tomadas,

seja concluindo pela manutenção do internamento, seja

decidindo pela progressão, revela-se altamente pedagógico.

Nestas audiências de avaliação, realizada com todos os atores

do processo, geram-se documentos que são levados ao jovem,

onde é pontuada sua conduta institucional, seus progressos,

méritos ou não, possibilitando a este avaliar a si mesmo,

verificar onde foi considerado insuficiente, e deve melhorar,

bem como reforçar seus méritos e progressos, com excelentes

resultados.” (grifo nosso)

No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de

Mato Grosso já decidiu que:

“ATO INFRACIONAL – ADOLESCENTE – ATO INFRACIONAL – PREVISTO NO ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – CONFISSÃO – ROUBO COM EMPREGO

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DE ARMA – APLICAÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO – MEDIDA ADEQUADA – ELABORAÇÃO DE RELATÓRIOS PSICOSSOCIAIS TRIMESTRAIS – CARÁTER PEDAGÓGICO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Autoria e materialidade configuradas pela confirmação dos fatos em Juízo pelos adolescentes e o produto do roubo com eles encontrado.

O artigo 122, do ECA autoriza a medida de internação quando se tratar de ato infracional praticado com emprego de arma de fogo, não havendo que se falar em abrandamento da medida sócio-educativa aplicada, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente não fixa caráter punitivo mas sim, sócio-educativo.

Os relatórios psicossociais, elaborados em período trimestral, têm-se revelado pedagogicamente mais eficazes no processo de ressocialização do adolescente”

(TJMT. RAC nº 7227/2005, 6ª C.Civ., Rel. Juiz. Marcelo Souza de Barros, julg. em 20.4.2005, in www.tj.mt.gov.br)

EMENTA

ATOS INFRACIONAIS AMOLDADOS AOS ARTIGOS 121, CAPUT, 129, DO CÓDIGO PENAL – INTERNAÇÃO – REAVALIAÇÃO SEMESTRAL – REDUÇÃO PARA TRIMESTRAL. RECURSO PROVIDO.

No processo de ressocialização do adolescente infrator a reavaliação trimestral tem se revelado pedagogicamente

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mais eficaz.” (TJMT – RAC nº 31789/2005, 6ª C.Civ, REl. Dês. Juracy Persiani, julg. em 05-10-2005.

Grifo Nosso

Saliente-se, vez mais, que a medida sócio-educativa de

internação não pode ser aplicada como um castigo ao jovem em tela.

Por fim, pergunta-se: qual o prejuízo para o Estado no fato de

os relatórios serem realizados trimestralmente?

Nenhum! Inclusive, pensamos, não é outra a sua vontade,

porquanto consta da nossa Carta Política (artigo 227, par. 3º, V) e do Estatuto da

Criança e do Adolescente (artigo 121) que a internação se sujeita ao princípio da

Brevidade.

DOS REQUERIMENTOS FINAIS

Por todo o exposto, a defesa requer:

I) seja a sentença de primeiro grau anulada, a fim de que outra

seja proferida após o aporte aos autos do laudo do exame de dependência

toxicológica do apelante; subsidiariamente

II) seja reformada a sentença no sentido de aplicar ao apelante

medida diversa da internação, tal como a liberdade assistida c/c com as medidas de

proteção previstas nos III, IV, V, VI do artigo 101 do ECA; subsidiariamente

III) seja reformada a sentença, determinando-se a elaboração

trimestral dos relatórios psicossociais.

Pede Deferimento.

Cáceres/MT, 08 de abril de 2008.

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MARCELLO AFFONSO BARRETO RAMIRESDefensor Público

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