INTRODUÇÃO
Os pacientes com doença auto-imune e aqueles que receberam transplantes de tecido ou de órgãos necessitam de tratamento com agentes imunossupressores. Os agentes imunossupressores vêm sendo utilizados há mais de 50 anos e começaram com os corticosteróides, os antimetabólitos e os agentes alquilantes. Esses primeiros fármacos ajudavam no tratamento de afecções anteriormente incuráveis, porém a sua falta de especificidade levou a numerosos efeitos adversos graves. No decorrer desses últimos 20 anos, o campo da imunossupressão passou a uti-lizar inibidores específicos da imunidade, que afetam vias imunológicas distintas. Essa mudança é importante, visto que propiciou uma maior eficácia e redução da toxicidade desses agentes, e visto que, com a descoberta dos mecanismos desses fármacos, foram adquiridos maiores conhecimentos sobre o modo de atuação do sistema imune.
nn Caso
A Sra. W tinha 59 anos de idade quando foi submetida a transplan-te de coração na primavera de 1990, devido à insuficiência car-díaca decorrente de insuficiência mitral crônica grave. O esquema imunossupressor inicial consistiu em ciclosporina, glicocorticóides e azatioprina. A evolução nos primeiros três meses após o trans-
plante foi excelente; entretanto, a Sra. W começou a ter anorexia, e o ecocardiograma revelou uma queda significativa da fração de ejeção cardíaca. A dose de glicocorticóide foi aumentada, houve melhora da fração de ejeção e ela recebeu alta.
Quatro meses após a cirurgia, a Sra. W é internada com disp-néia e fadiga. A biópsia do ventrículo direito demonstra evidências de rejeição aguda moderada, com áreas localizadas de infiltração linfocítica e necrose. A paciente é tratada com um ciclo de 10 dias de OKT3 (um anticorpo monoclonal contra as células T), que produz efeitos adversos, que consistem em febre, mialgias, náusea e diarréia. A paciente também se queixa: “Esse OKT3 me deixa sonolenta.” A Sra. W tem alta após a melhora de seu estado cardíaco. Entretanto, poucos meses depois, ela volta ao hospital com dispnéia e fadiga. Embora a biópsia do ventrículo direito não demonstre nenhuma evidência de rejeição, há, entretanto, suspeita da rejeição com base na sua história e sintomas. Efetua-se um teste para a presença de anticorpos anti-OKT3; como não se detecta nenhum anticorpo neutralizante, administra-se um segundo ciclo de OKT3, e os sintomas desaparecem.
Em dezembro de 2000, a Sra. W chega ao hospital para se submeter a seu exame anual regular. Está em boa saúde e toma um esquema imunossupressor basal de ciclosporina, azatioprina e glicocorticóides. Não há evidências de rejeição desde 1990. A angio-grafia coronária revela artérias coronárias perfeitamente normais, talvez como resultado da estrita manutenção dos níveis plasmáticos de lipídios exigida pelos médicos. Todavia, os níveis sangüíneos de uréia (BUN) e de creatinina estão elevados, indicando lesão dos
Farmacologia da Imunossupressão
44
Ehrin J. Armstrong e Lloyd B. Klickstein
IntroduçãoCasoFisiopatologia
TransplanteRejeição de Órgãos SólidosDoença Enxerto Versus Hospedeiro (DEVH)
Auto-ImunidadeClasses e Agentes Farmacológicos
Inibidores da Expressão GênicaGlicocorticóides
Agentes CitotóxicosAntimetabólitosAgentes Alquilantes
Inibidores Específicos da Sinalização dos LinfócitosCiclosporina e TacrolimoSirolimo
Inibição das CitocinasInibidores do TNF-�Inibidores da IL-1
Depleção de Células Imunes EspecíficasAnticorpos PoliclonaisAnticorpos MonoclonaisLFA-3
Inibição da Co-EstimulaçãoAbatacept
Bloqueio da Adesão CelularEfalizumabNatalizumab
Inibição da Ativação do ComplementoConclusão e Perspectivas FuturasLeituras Sugeridas
Farmacologia da Imunossupressão | 743
rins. Devido à sua doença renal, a dose de ciclosporina da Sra. W é diminuída, e ela começa a tomar sirolimo. No decorrer dos próximos dois anos, os níveis de creatinina permanecem estáveis, e ela pode aproveitar seu tempo com os netos.
QUESTÕESn 1. De que maneira cada um dos fármacos prescritos para a
Sra. W diminui a probabilidade de rejeição?n 2. Por que a Sra. W apresentou febre, mialgias, náusea e diarréia
após a administração de OKT3?n 3. Por que foi realizado um teste para anticorpos neutralizantes
antes de a Sra. W receber o segundo ciclo de OKT3?n 4. Qual a provável causa da doença renal da Sra. W? Por que a
dose de ciclosporina foi reduzida e foi acrescentado sirolimo ao esquema imunossupressor?
FISIOPATOLOGIA
TRANSPLANTEO primeiro transplante realizado com sucesso em seres huma-nos foi um transplante de rim entre gêmeos idênticos. Não foi utilizada nenhuma supressão, e ambos os gêmeos tiveram uma boa evolução. Na atualidade, a maior parte dos transplantes de órgãos é efetuada entre indivíduos não-aparentados. Os tecidos do doador e do receptor expressam moléculas MHC da classe I diferentes, e, por conseguinte, as células imunes do receptor reconhecem o tecido transplantado como estranho. Esse pro-cesso, denominado aloimunidade, ocorre quando o sistema imunológico do receptor ataca um órgão transplantado. No caso de um transplante de medula óssea ou de células-tronco, pode ocorrer doença enxerto versus hospedeiro (DEVH) quando os linfócitos do doador desencadeiam um ataque aos tecidos do receptor.
Rejeição de Órgãos SólidosA rejeição de transplantes de órgãos sólidos pode ser dividida em três fases, de acordo com o momento de início. Essas fases — rejeição hiperaguda, aguda e crônica — são causadas por diferentes mecanismos e, portanto, são tratadas de modo diferente. As três seções que se seguem examinam cada um desses processos, e o Quadro 44.1 fornece um resumo das diferenças.
Rejeição HiperagudaA rejeição hiperaguda é mediada por anticorpos pré-formados do receptor contra antígenos do doador. Como esses anticorpos estão presentes por ocasião do transplante do órgão, a rejeição hiperaguda ocorre quase imediatamente após reperfusão do órgão transplantado. Com efeito, o cirurgião pode observar as alterações no órgão dentro de poucos minutos após o restabe-lecimento do fluxo sangüíneo. A aparência rosada, sadia e normal do órgão transplantado torna-se rapidamente cianótica, mosqueada e flácida. Essa rápida alteração resulta da ativa-ção do complemento pela ligação dos anticorpos às células endoteliais do órgão transplantado, resultando em trombose e isquemia. Com mais freqüência, a rejeição hiperaguda é medi-ada por anticorpos do receptor que reagem com antígenos de grupo sangüíneo no órgão do doador (p. ex., doador de tipo AB para um receptor de tipo O). A tipagem sangüínea entre doador e receptor impede a ocorrência de rejeição hiperaguda; por con-seguinte, o tratamento farmacológico para rejeição hiperaguda tipicamente não é necessário. A rejeição hiperaguda também ocorre no xenotransplante (isto é, transplante de órgãos entre espécies, como coração de porco transplantado em receptor humano) devido à presença de anticorpos humanos pré-for-mados que reagem contra proteínas e carboidratos antigênicos expressos pela espécie doadora.
Rejeição AgudaA rejeição aguda possui componentes celulares e humorais. A rejeição celular aguda é mediada por células T citotóxicas e provoca lesão intersticial, bem como vascular. Essa resposta celular é observada, com mais freqüência, nos primeiros meses após o transplante. A imunossupressão das células T é alta-mente efetiva para prevenir ou limitar a ativação do sistema imunológico do receptor pelo órgão transplantado, impedindo, assim, a ocorrência de rejeição celular aguda. Na rejeição humoral aguda, as células B do receptor tornam-se sensibili-zadas aos antígenos do doador no órgão transplantado e pro-duzem anticorpos dirigidos contra esses aloantígenos depois de um período de 7 a 10 dias. Tipicamente, a resposta humoral é dirigida contra células endoteliais e, por esse motivo, é também conhecida como rejeição vascular aguda. À semelhança da rejeição celular aguda, a rejeição humoral aguda geralmente pode ser evitada pela imunossupressão do receptor após o trans-plante. Entretanto, mesmo com imunossupressão, podem ocor-rer episódios de rejeição aguda dentro de meses ou até mesmo anos após a realização do transplante.
QUADRO 44.1 Formas de Rejeição Imune
REJEIÇÃO HIPERAGUDA REJEIÇÃO AGUDA REJEIÇÃO CRÔNICA
Mecanismo Os anticorpos pré-formados do receptor reagem com antígenos do doador e ativam o complemento
Celular — Os antígenos do doador ativam as células T do receptorHumoral — O receptor produz uma resposta humoral contra os antígenos do doador
Desconhecido, porém acredita-se que seja causada pela inflamação crônica resultante da resposta das células T aos antígenos do doador
Tempo de evolução
Minutos a horas Semanas a meses Meses a anos
Forma de supressão
Tipagem sangüínea do doador e do receptor
Imunossupressão No momento atual, não pode ser suprimida
744 | Capítulo Quarenta e Quatro
Rejeição CrônicaAcredita-se que a rejeição crônica seja de natureza tanto humoral quanto celular. A rejeição crônica só ocorre dentro de meses ou anos após o transplante. Como tanto a rejeição hiperaguda quanto a rejeição aguda são geralmente bem contro-ladas através de tipagem do doador/receptor e terapia imunos-supressora, a rejeição crônica constitui, hoje em dia, a patologia mais comum e potencialmente fatal associada ao transplante de órgãos.
Acredita-se que a rejeição crônica resulte de inflamação crônica causada pela resposta das células T ativadas aos antí-genos do doador. As células T ativadas liberam citocinas, que recrutam macrófagos para o enxerto. Esses macrófagos indu-zem inflamação crônica, levando à proliferação da íntima da vasculatura e formação de cicatriz do tecido do enxerto. As alterações crônicas levam finalmente à falência irreversível do órgão. Outros fatores não imunes que contribuem podem incluir isquemia-lesão de reperfusão e infecção.
Na atualidade, não se dispõe de nenhum tratamento efetivo para eliminar a rejeição crônica. Entretanto, acredita-se que várias terapias experimentais tenham uma probabilidade razoá-vel de reduzir a rejeição crônica. A possibilidade de desenvol-vimento de tolerância através de eliminação da co-estimulação (ver adiante) é particularmente promissora.
Doença Enxerto Versus Hospedeiro (DEVH)A leucemia, a imunodeficiência primária e outras afecções podem ser tratadas com transplante de medula óssea ou de células-tronco periféricas. Nesse procedimento, a função hema-topoiética e a função imunológica são restauradas após erradi-cação da medula óssea do paciente com quimioterapia e/ou radioterapia agressivas. A DEVH constitui uma importante complicação do transplante de medula óssea ou de células-tron-co alogênicas. A DEVH é uma reação inflamatória aloimune desencadeada quando as células imunes transplantadas atacam as células do receptor. A gravidade da DEVH varia de leve a potencialmente fatal e acomete tipicamente a pele (exantema), o trato gastrintestinal (diarréia), os pulmões (pneumonite) e o fígado (doença venoclusiva). Com freqüência, é possível melho rar a DEVH através de remoção das células T da medula óssea do doador antes do transplante. A DEVH leve a moderada também pode ser benéfica quando as células imunes do doa-dor atacam células tumorais do receptor que sobreviveram à quimioterapia e radioterapia agressivas. (No caso da leucemia, esse processo é denominado efeito enxerto versus leucemia ou EVL.) Por conseguinte, embora a remoção das células T do doador do “enxerto” reduza o risco de DEVH, isso pode não constituir a melhor abordagem para os transplantes de medula óssea utilizados na terapia antineoplásica.
AUTO-IMUNIDADEOcorrem doenças auto-imunes quando o sistema imune do hospedeiro ataca seus próprios tecidos, considerando erronea-mente o antígeno próprio como estranho. O resultado típico consiste em inflamação crônica no(s) tecido(s) que expressa(m) o antígeno.
As doenças auto-imunes são mais comumente causadas por uma perda da autotolerância, tanto central quanto periférica. A tolerância central refere-se à deleção clonal específica de células T e B auto-reativas durante o seu desenvolvimento a partir de células precursoras no timo e na medula óssea. A
tolerância central assegura que não haverá desenvolvimento da maioria das células T e B auto-reativas imaturas em clones auto-reativos. Todavia, o timo e a medula óssea não expressam todos os antígenos do organismo; algumas proteínas são apenas expressas em tecidos específicos. Por esse motivo, a tolerância periférica também é importante. A tolerância periférica resulta da deleção de células T auto-reativas por apoptose mediada por ligante Fas-Fas, ativação das células T supressoras ou indução de anergia das células T, devido à apresentação de antígeno na ausência de co-estimulação.
Embora a perda da tolerância esteja na base de praticamente todas as doenças auto-imunes, o estímulo que leva a essa perda freqüentemente não é conhecido. Os fatores genéticos podem desempenhar algum papel, visto que a presença de certos subti-pos de MHC pode predispor as células T à perda de autotolerân-cia. Por exemplo, o antígeno leucocitário humano (HLA)-B27 está causalmente relacionado com muitas formas de espondilite auto-imune. Várias outras doenças auto-imunes estão ligadas a loci HLA específicos, sustentando uma associação, senão um papel causal, para a predisposição genética à auto-imunidade. O mimetismo molecular, através do qual epítopos de agen-tes infecciosos assemelham-se aos antígenos próprios, pode também levar a uma perda da tolerância, podendo constituir o mecanismo subjacente na glomerulonefrite pós-estreptocó-cica. Foram também sugeridos diversos outros processos pas-síveis de levar à auto-imunidade, incluindo falha da apoptose das células T, ativação de linfócitos policlonais e exposição a auto-antígenos crípticos. Os detalhes desses mecanismos estão além do propósito deste livro; entretanto, o resultado de cada um deles consiste em perda da tolerância.
Uma vez comprometida a autotolerância, a expressão espe-cífica da auto-imunidade pode assumir três formas gerais (Qua-dro 44.2). Em algumas doenças, a produção de auto-anticor-pos contra o antígeno específico provoca opsonização anticor-po-dependente das células no órgão-alvo, com citotoxicidade subseqüente. Um exemplo é a síndrome de Goodpasture, que resulta da produção de auto-anticorpos dirigidos contra o colá-geno do tipo IV na membrana basal dos glomérulos renais. Em algumas síndromes de vasculite auto-imunes, ocorre depósito de complexos de antígeno anticorpo nos vasos sangüíneos, cau-sando inflamação e lesão dos vasos. Dois exemplos de doenças por imunocomplexos são a crioglobulinemia essencial mista e o lúpus eritematoso sistêmico. Por fim, as doenças mediadas por células T são causadas por células T citotóxicas que reagem com um auto-antígeno específico, resultando em destruição do(s) tecido(s) que expressa(m) esse antígeno. Um exemplo é o diabetes melito tipo I, em que as células T citotóxicas reagem contra auto-antígenos nas células � do pâncreas.
A terapia farmacológica para as doenças auto-imunes ainda não se contrapõe à notável especificidade do processo bioló-gico agressor. Os agentes farmacológicos atualmente disponí-veis provocam, em sua maioria, imunossupressão generalizada e não são dirigidos contra a fisiopatologia específica. A melhor compreensão das vias moleculares que levam às doenças auto-imunes deverá revelar novos alvos farmacológicos que poderão ser utilizados para suprimir a resposta auto-imune específica antes do desenvolvimento da doença.
CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
A supressão farmacológica do sistema imune utiliza oito abor-dagens mecanísticas (Fig. 44.1):
Farmacologia da Imunossupressão | 745
1. Inibição da expressão gênica para modular respostas infla-matórias
2. Depleção das populações de linfócitos em expansão com agentes citotóxicos
3. Inibição da sinalização dos linfócitos para bloquear a ativa-ção e a expansão dos linfócitos
4. Neutralização das citocinas essenciais para mediar resposta imune
5. Depleção de células imunes específicas, habitualmente atra-vés de anticorpos específicos contra células
6. Bloqueio da co-estimulação para induzir anergia7. Bloqueio da adesão celular para impedir a migração e o
estabelecimento das células inflamatórias8. Inibição da imunidade inata, incluindo ativação do comple-
mento
INIBIDORES DA EXPRESSÃO GÊNICA
GlicocorticóidesOs glicocorticóides possuem efeitos antiinflamatórios amplos. A estreita relação entre o cortisol e o sistema imune é discutida no Cap. 27. Em resumo, os glicocorticóides são hormônios esteróides que exercem suas ações fisiológicas através de sua ligação ao receptor citosólico de glicocorticóides. O complexo glicocorticóide-receptor de glicocorticóides é transferido para o núcleo, onde se liga a elementos de resposta dos glicocor-ticóides (GRE) na região promotora de genes específicos, com
conseqüente supra-regulação ou infra-regulação da expressão gênica.
Os glicocorticóides exercem efeitos metabólicos importantes sobre praticamente todas as células do organismo e, em doses farmacológicas, suprimem a ativação e a função das células imunes inatas e adaptativas. Os glicocorticóides infra-regulam a expressão de numerosos mediadores inflamatórios, incluindo citocinas essenciais, como o TNF-�, a interleucina-1 (IL-1) e a IL-4. O papel dos glicocorticóides na supressão da biossíntese e sinalização dos eicosanóides é discutido no Cap. 41. O efeito global da administração de glicocorticóides é profundamente antiinflamatório e imunossupressor, explicando o uso desses fármacos no tratamento de numerosas doenças inflamatórias, como a artrite reumatóide e a rejeição de transplantes.
A administração a longo prazo de glicocorticóides possui efeitos adversos importantes. Em pacientes tratados com gli-cocorticóides, é necessário proceder a uma rigorosa monitora-ção à procura de diabetes, redução da resistência a infecções, osteoporose, cataratas, aumento do apetite levando a um ganho ponderal, hipertensão e suas seqüelas e mascaramento da inflamação. A interrupção abrupta do tratamento com gli-cocorticóides pode resultar em insuficiência supra-renal agu-da, visto que o hipotálamo e a hipófise necessitam de várias semanas a meses para o restabelecimento da produção ade-quada de ACTH. Durante esse período, a doença subjacente pode agravar-se, devido à desinibição do sistema imune. Para impedir estas últimas complicações, a dose de glicocorticóides deve ser reduzida lentamente no processo de interrupção do tratamento.
QUADRO 44.2 Exemplos Representativos de Doenças Auto-Imunes, Classificadas de Acordo com o Tipo de Lesão Tecidual
ANTICORPO CONTRA AUTO-ANTÍGENOS
SÍNDROME AUTO-ANTÍGENO CONSEQÜÊNCIA
Febre reumática aguda Antígenos da parede celular dos estreptococos que apresentam reação cruzada com o músculo cardíaco
Artrite, miocardite
Anemia hemolítica auto-imune Antígenos do grupo sangüíneo Rh Destruição dos eritrócitos
Síndrome de Goodpasture Colágeno tipo IV da membrana basal dos glomérulos renais
Glomerulonefrite, hemorragia pulmonar
Púrpura trombocitopênica imune GPIIb:IIIa plaquetária Sangramento excessivo
Pênfigo vulgar Caderina epidérmica Formação de vesículas na pele
DOENÇA POR IMUNOCOMPLEXOS
SÍNDROME AUTO-ANTÍGENO CONSEQÜÊNCIA
Crioglobulinemia essencial mista Complexos de fator reumatóide IgG Vasculite sistêmica
Lúpus eritematoso sistêmico DNA, histonas, ribossomos, snRNP, scRNP Glomerulonefrite, vasculite, artrite
DOENÇA MEDIADA POR CÉLULAS T
SÍNDROME AUTO-ANTÍGENO CONSEQÜÊNCIA
Encefalite auto-imune experimental, esclerose múltipla
Proteína básica da mielina, proteína proteolipídica, glicoproteína de mielina dos oligodendrócitos
Invasão do cérebro por células T CD4, vários déficits do SNC
Artrite reumatóide Desconhecido — possíveis antígenos articulares sinoviais
Inflamação e destruição das articulações
Diabetes melito tipo 1 Antígenos das células � do pâncreas Destruição das células �, diabetes melito insulino-dependente
Rh, fator Rhesus; DNA, ácido desoxirribonucléico; IgG, imunoglobulina G; SNC, sistema nervoso central; snRNP, ribonucleoproteína nuclear pequena; scRNP, ribonucleoproteína citoplasmática pequena.
746 | Capítulo Quarenta e Quatro
AGENTES CITOTÓXICOSOs agentes citotóxicos são utilizados para imunossupressão, bem como para quimioterapia antineoplásica. Duas classes de agen-tes citotóxicos, os antimetabólitos e os agentes alquilantes, são comumente utilizadas como imunossupressores. Os anti-metabólitos são análogos estruturais de metabólitos naturais, que inibem vias essenciais envolvendo esses metabólitos. Os agen-tes alquilantes interferem na replicação do DNA e na expressão gênica através de conjugação de grupos alquila no DNA. Tanto a quimioterapia antineoplásica quanto a imunossupressão têm por objetivo terapêutico a eliminação de células indesejáveis.
AntimetabólitosDurante muitos anos, os antimetabólitos constituíram a base do tratamento imunossupressor. Seu poderoso efeito sobre a imuni-
dade é acompanhado de numerosos efeitos adversos relacionados com a sua falta de especificidade. Os antimetabólitos mais anti-gos, como a azatioprina e o metotrexato, afetam todas as células que sofrem rápida divisão e podem exercer efeitos lesivos sobre a mucosa gastrintestinal e a medula óssea, bem como sobre seus alvos imunes. Os antimetabólitos mais recentes, como o micofeno-lato mofetila e a leflunomida, produzem menos efeitos adversos e podem ser utilizados terapeuticamente em doses mais baixas. O micofenolato mofetila também pode ser mais específico para as células imunes, reduzindo ainda mais a sua toxicidade. Tipica-mente, os antimetabólitos afetam tanto a imunidade celular quanto a humoral tornando os pacientes mais suscetíveis à infecções que só ocorreriam se apenas um desses sistemas fosse afetado.
Os antimetabólitos são amplamente utilizados no tratamento do câncer, e os princípios subjacentes de seus mecanismos estão descri-tos no Cap. 37. Os aspectos antiinflamatórios de seus mecanismos estão descritos de modo sucinto adiante, embora o Cap. 37 forneça uma descrição mais detalhada de seus mecanismos de ação.
AzatioprinaA azatioprina (AZA) foi o primeiro fármaco utilizado para supressão do sistema imune após transplante, que continua sendo a base para essa indicação. A AZA é um pró-fármaco do análogo de purina, a 6-mercaptopurina (6-MP), que é lenta-mente liberada à medida que a AZA reage de forma não-enzi-mática com compostos sulfidrílicos, como a glutationa (Fig. 44.2). A liberação lenta de 6-MP a partir da AZA favorece a imunossupressão, enquanto a própria 6-MP é mais útil como agente antineoplásico.
Apesar de a AZA prolongar efetivamente a sobrevida de enxertos de órgãos, esse fármaco é menos eficaz do que o micofenolato mofetil para melhorar a sobrevida a longo prazo de aloenxertos renais. A AZA também é utilizada como agente imunossupressor para pacientes com doença intestinal infla-matória.
MetotrexatoO metotrexato (MTX) é um análogo do folato utilizado desde a década de 1950 no tratamento de neoplasias malignas. Des-de essa época, o metotrexato também tornou-se um fármaco extremamente versátil no tratamento de uma ampla variedade de doenças imunologicamente mediadas, incluindo a artrite reumatóide e a psoríase. Além disso, o MTX é utilizado na prevenção da doença enxerto versus hospedeiro.
O MTX parece apresentar atividade antiinflamatória que independe de sua ação citotóxica. O mecanismo pelo qual o MTX exerce seu efeito antiinflamatório é incerto, mas não parece envolver a depleção dos reservatórios de folato, visto que a combinação de MTX e de folato é tão efetiva quanto o MTX como único fármaco no tratamento da artrite reumatóide. O MTX pode atuar como agente antiinflamatório através do aumento dos níveis de adenosina. A adenosina é um poderoso mediador antiinflamatório endógeno, que inibe a adesão dos neutrófilos, a fagocitose e a geração de superóxido.
Foi também constatado que o MTX provoca apoptose das células T CD4 e CD8 ativadas, mas não das células em repou-so. Outros agentes imunossupressores, incluindo 5-fluoruracila, 6-mercaptopurina e ácido micofenólico, também promovem a apoptose. O MTX pode ser um fármaco versátil, em virtu-de de seus efeitos antineutrófilo, anticélula T e anti-humorais combinados.
4
6
3
1
5
2
7
B7 CD28CD4
Expansão clonal das células
Citocinas
Receptor de citocinas
Célula T
TCR
MHC da classe II
Célula apresentadorade antígeno
Receptor desuperfície celular
Tecidos
Fig. 44.1 Visão geral dos mecanismos de imunossupressão farmacológica. Os mecanismos moleculares pelos quais as células imunes são ativadas e exercem sua função proporcionam oito principais pontos de intervenção farmacológica com agentes imunossupressores. O bloqueio da ativação das células T pode ser obtido através de (1) inibição da expressão gênica; (2) ataque seletivo de populações de linfócitos em expansão clonal; (3) inibição da sinalização intracelular; (4) neutralização das citocinas necessárias para a estimulação das células T; (5) depleção seletiva das células T (ou de outras células imunes); (6) inibição da co-estimulação por células apresentadoras de antígeno; e (7) inibição de interações linfócito–célula-alvo. A supressão das células imunes inatas e da ativação do complemento também pode bloquear a iniciação das respostas imunes (não mostrada).
Farmacologia da Imunossupressão | 747
Ácido Micofenólico e Micofenolato MofetilaO ácido micofenólico (MPA) é um inibidor da monofosfato de inosina desidrogenase (IMPDH), a enzima que limita a velo-cidade na formação de guanosina. Como o MPA possui baixa biodisponibilidade oral, é habitualmente administrado em sua forma de pró-fármaco, o micofenolato mofetila (MMF), cuja biodisponibilidade oral é muito maior (Fig. 44.3). O MMF está sendo cada vez mais utilizado no tratamento de doenças imu-
nologicamente mediadas, em virtude de sua alta especificidade e efeitos profundos sobre os linfócitos.
Tanto o MPA quanto o MMF atuam primariamente sobre os linfócitos. Dois fatores principais contribuem para essa espe-cificidade. Em primeiro lugar, conforme discutido no Cap. 37, os linfócitos dependem da via de novo de síntese de purinas, enquanto a maioria dos outros tecidos depende acentuadamente da via de recuperação. Como a IMPDH é necessária para a síntese de novo de nucleotídios de guanosina, mas não para via de recuperação, o MPA só afeta células como os linfócitos, que dependem da síntese de novo de purinas. Em segundo lugar, a IMPDH é expressa em duas isoformas, o tipo I e o tipo II. O MPA inibe preferencialmente a IMPDH do tipo II, a isoforma expressa principalmente nos linfócitos. Em seu conjunto, esses fatores conferem seletividade ao MPA e ao MMF contra as células T e B, com baixa toxicidade para outras células.
A inibição da IMPDH pela MPA diminui os níveis intra-celulares de guanosina e aumenta os níveis intracelulares de adenosina, com numerosos efeitos distais sobre a ativação e a atividade dos linfócitos. O MPA possui efeito citostático sobre os linfócitos, mas também pode induzir apoptose das células T ativadas, resultando na eliminação de linhagens reativas de células proliferativas. Como a guanosina é necessária para algumas reações de glicosilação, a redução dos nucleotídios de guanosina resulta em expressão diminuída de moléculas de adesão necessárias para o recrutamento de diversos tipos de células imunes para os locais de inflamação. Além disso, como a guanosina é um precursor da tetraidrobiopterina (BH4), que regula a óxido nítrico sintase induzível (iNOS), a redução dos níveis de guanosina determina uma produção diminuída de NO pelos neutrófilos. A NOS endotelial (eNOS), que controla o tônus vascular e que é regulada pelo Ca2+ e pela calmodulina, não é afetada por alterações nos níveis de guanosina, demons-trando mais uma vez a considerável especificidade do MPA.
Estudos clínicos que compararam o MMF com a AZA demonstraram ser o MMF mais eficaz na prevenção da rejei-ção aguda de transplantes de rim. Modelos animais mostraram que a rejeição crônica também é reduzida mais efetivamente em receptores tratados com MMF do que naqueles que receberam tratamento com AZA ou ciclosporina. A eficácia do MMF no tratamento da rejeição crônica pode estar relacionada com a inibição da proliferação dos linfócitos e das células musculares lisas que caracteriza a rejeição crônica.
O MMF também é eficaz no tratamento de doenças auto-imu-nes. Na artrite reumatóide, os níveis de fator reumatóide, imuno-globulinas e de células T são reduzidos mediante tratamento com MMF. O MMF é freqüentemente utilizado no tratamento inicial da nefrite do lúpus. Há também relatos isolados do tratamento bem-sucedido da miastenia grave, psoríase, anemia hemolítica auto-imune e doença intestinal inflamatória com o MMF.
LeflunomidaOs linfócitos ativados devem proliferar e também sintetizar grandes quantidades de citocinas e outras moléculas efetoras, e ambos os processos exigem um aumento na síntese de DNA e de RNA. Por conseguinte, os agentes que reduzem os níveis intracelulares de nucleotídios possuem efeitos sobre essas célu-las ativadas. A leflunomida é um inibidor da síntese de pirimidi-nas, que bloqueia especificamente a síntese de uridilato (UMP) através da inibição da diidroorotato desidrogenase (DHOD). A DHOD é uma enzima-chave na síntese de UMP (Fig. 44.4), que é essencial para a síntese de todas as pirimidinas. (Ver Cap. 37 para uma revisão da síntese das pirimidinas.) Experi-
N
HN
NH
N
S
N
N NH
N
S
O2NN
N
Azatioprina + Glutationa
Mercaptopurina
Fig. 44.3 Ácido micofenólico e micofenolato mofetila. O micofenolato mofetila (MMF) possui maior disponibilidade oral do que o ácido micofenólico (MPA). O micofenolato mofetila administrado por via oral é absorvido pela circulação, onde as esterases plasmáticas clivam rapidamente a ligação éster, produzindo ácido micofenólico. Ambos os agentes inibem a monofosfato de inosina desidrogenase tipo II (IMPDH II) uma enzima essencial para a síntese de novo da guanosina. Tipicamente, utiliza-se o MMF, em virtude de sua maior biodisponibilidade oral.
Esterases plasmáticas
O
O OH
O
O
O
N
O
O
O OH
O
OH
O
Micofenolato mofetila
Ácido micofenólico
Fig. 44.2 Formação da mercaptopurina a partir da azatioprina. A azatioprina é uma forma pró-fármaco do antimetabólito, a 6-mercaptopurina. A mercaptopurina é formada pela clivagem da azatioprina, em uma reação não-enzimática com a glutationa. Embora a mercaptopurina também possa ser utilizada diretamente como agente citotóxico, a azatioprina possui maior duração de ação e é mais imunossupressora do que a mercaptopurina.
748 | Capítulo Quarenta e Quatro
Fig. 44.4 Inibição da síntese de pirimidinas pela leflunomida. A síntese de novo de pirimidinas depende da oxidação do diidroorotato a orotato, uma reação catalisada pela diidroorotato desidrogenase. A leflunomida inibe a diidroorotato desidrogenase e, por conseguinte, inibe a síntese de pirimidinas. Como os linfócitos dependem da síntese de novo de pirimidinas para a replicação celular e a expansão clonal após a ativação das células imunes, a depleção do reservatório de pirimidinas inibe a expansão dos linfócitos. Experimentalmente, a leflunomida parece inibir preferencialmente a replicação das células B; a razão dessa ação preferencial não é conhecida.
Na atualidade, a leflunomida está aprovada para o tratamen-to da artrite reumatóide; todavia, o fármaco também possui eficácia significativa no tratamento de outras doenças imunes, incluindo granulomatose de Wegener, lúpus eritematoso sistê-mico e miastenia grave. A leflunomida prolonga a sobrevida do transplante de enxerto e limita a DEVH em modelos animais.
Os efeitos adversos mais significativos da leflunomida con-sistem em diarréia e alopécia reversível. A leflunomida sofre circulação êntero-hepática significativa, resultando em efeito farmacológico prolongado. Se houver necessidade de remover rapidamente a leflunomida do sistema de um paciente, pode-se administrar colestiramina. Através de sua ligação a ácidos bilia-res, a colestiramina interrompe a circulação êntero-hepática e produz uma “eliminação” da leflunomida.
Agentes AlquilantesCiclofosfamidaA ciclofosfamida (Cy) é um fármaco altamente tóxico que alquila o DNA. O mecanismo de ação e os usos da Cy são discutidos extensamente no Cap. 37, de modo que a discussão aqui irá limitar-se à utilidade do fármaco no tratamento de doenças do sistema imune. Como a Cy exerce um efeito sig-nificativo sobre a proliferação das células B mas pode intensi-ficar a resposta das células T, o uso da Cy em doenças imunes limita-se a distúrbios da imunidade humoral, particularmente o lúpus eritematoso sistêmico. Outra aplicação considerada da Cy consiste na supressão da formação de anticorpos contra xenotransplantes. Os efeitos adversos da Cy são graves e dis-seminados, incluindo leucopenia, cardiotoxicidade, alopécia e risco aumentado de câncer, devido à sua mutagenicidade. O risco de câncer vesical é particularmente notável, visto que a Cy produz um metabólito carcinogênico, a acroleína, que se concentra na urina. Quando se administra Cy em altas doses por infusão intravenosa, a acroleína pode ser detoxificada pela co-administração de mesna (um composto contendo sulfidrila que neutraliza a parte reativa da acroleína).
INIBIDORES ESPECÍFICOS DA SINALIZAÇÃO DOS LINFÓCITOS
Ciclosporina e TacrolimoA descoberta, em 1976, de que a ciclosporina (CsA, também designada como ciclosporina A) é um inibidor específico da imunidade mediada por células T permitiu o transplante dis-seminado de órgãos integrais. Com efeito, a CsA fez com que o transplante de coração se tornasse uma alternativa legítima no tratamento da insuficiência cardíaca de estágio terminal. A CsA é um decapeptídio isolado de um fungo do solo, Tolypo-cladium inflatum.
A CsA inibe a produção de IL-2 pelas células T ativadas. A IL-2 é uma citocina importante que atua de modo autócrino e parácrino, causando ativação e proliferação das células T (Fig. 44.5). As células T ativadas aumentam a sua produção de IL-2 através de uma via que começa com a desfosforilação de um fator de transcrição citoplasmático, o NFAT (fator nuclear de células T ativadas). O NFAT é desfosforilado pela fosfatase citoplasmática calcineurina. Com a sua desfosforilação, o NFAT é transferi-do para o núcleo, onde aumenta a transcrição do gene da IL-2. A CsA atua através de sua ligação à ciclofilina, e o complexo CsA-ciclofilina liga-se à calcineurina, inibindo a sua atividade de fosfatase. Ao inibir a desfosforilação do NFAT mediada pela cal-
NH
H2N
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N-Carbamoilaspartato
H+
H2O
Diidroorotato
Leflunomida
Orotato
Orotidilato
Uridilato(UMP)
NAD+
NADH
Diidroorotato desidrogenase
Orotato fosforribosiltransferase
Orotidilato descarboxilase
Diidroorotase
PRPP
PPi
H+
CO2
mentalmente, foi constatado que a leflunomida é mais efetiva na redução das populações de células B, porém foi também observado um efeito significativo sobre as células T.
Farmacologia da Imunossupressão | 749
cineurina, a CsA impede a translocação do NFAT para o núcleo e, dessa maneira, suprime a produção de IL-2.
A CsA foi aprovada para uso no transplante de órgãos, na psoríase e na artrite reumatóide. Em certas ocasiões, a CsA também é utilizada no tratamento de doenças auto-imunes raras que não respondem a outros agentes imunossupressores. Uma preparação oftálmica de CsA foi aprovada para o tratamento do ressecamento crônico dos olhos.
A utilidade da CsA é limitada pelos seus efeitos adversos graves, que consistem em nefrotoxicidade, hipertensão, hiper-lipidemia, neurotoxicidade e hepatotoxicidade. A nefrotoxici-dade da ciclosporina constitui o motivo provável da doença renal crônica da Sra. W. O mecanismo de toxicidade da CsA parece estar relacionado com a estimulação da produção do fator de crescimento transformador � (TGF-�). O TGF-� induz as células a aumentar a sua produção de matriz extracelular, resultando em fibrose intersticial.
O tacrolimo (também conhecido como FK506) é um agente imunossupressor mais potente do que a CsA; embora a sua estru-tura seja diferente daquela da CsA, o fármaco atua através de um mecanismo semelhante (Fig. 44.5). O tacrolimo é um trieno macrocíclico isolado da bactéria do solo Streptomyces tsukubaen-
sis. O tacrolimo atua através de sua ligação a proteínas de ligação de FK (FKBP), e o complexo tacrolimo-FKBP inibe a calcineuri-na. O tacrolimo inibe a produção de IL-3, IL-4, IFN-� e TFN-� in vitro e parece inibir a imunidade mediada por células sem supri-mir a função das células B ou das células natural killer (NK). O tacrolimo é, em geral, 50 a 100 vezes mais potente do que CsA, porém, à semelhança desta última, é também nefrotóxico.
O tacrolimo foi aprovado como agente imunossupressor para o transplante. Utiliza-se uma formulação tópica para o tra-tamento da dermatite atópica e outras doenças eczematosas.
SirolimoO sirolimo, também designado como rapamicina, é um trieno macrocíclico isolado da bactéria do solo Streptomyces hygros-copicus. Apesar de sua semelhança estrutural e de seu uso na prevenção e no tratamento da rejeição de órgãos, o tacrolimo e o sirolimo possuem diferentes mecanismos de ação. Ambos ligam-se à FKBP, porém o complexo sirolimo-FKBP não inibe a calcineurina; na verdade, bloqueia a sinalização do recep-tor de IL-2 necessária para a proliferação das células T (Fig. 44.6). O complexo sirolimo-FKBP liga-se ao alvo molecular da rapamicina (mTOR), uma serina-treonina-cinase que fosforila a p70 S6 cinase e a PHAS-1 (entre outros substratos), inibindo-o. A p70 S6 e a PHAS-1 regulam a tradução, a primeira através de fosforilação de proteínas (incluindo a proteína S6 ribossômi-ca), envolvida na síntese de proteínas, e a segunda, ao inibir a atividade de um fator (eiF4E) necessário para a tradução. Ao inibir a mTOR, o complexo sirolimo-FKBP inibe a síntese de proteínas e interrompe a divisão celular na fase G1 (Fig. 44.6). Os principais efeitos adversos do sirolimo consistem em hiper-lipidemia, leucopenia e trombocitopenia. Entretanto, é notável assinalar que a nefrotoxicidade associada à CsA e ao tacrolimo não é observada com o sirolimo. Esse aspecto foi o fundamento lógico que determinou o acréscimo do sirolimo ao esquema imunossupressor da Sra. W após a paciente ter desenvolvido nefrotoxicidade em conseqüência da ciclosporina.
Stents com eluição do sirolimo foram aprovados para uso no tratamento da coronariopatia. Nesse sistema peculiar de libe-ração de fármaco, o sirolimo sofre eluição dos stents durante a primeira semana após a sua colocação, inibindo localmente a proliferação das células musculares lisas da artéria coronária e reduzindo, assim, a taxa de reestenose no interior do stent que resulta da neoproliferação de células musculares lisas vas-culares na íntima.
INIBIÇÃO DAS CITOCINASAs citocinas são mediadores de sinalização críticos na função imune. As citocinas também são pleiotrópicas, isto é, exercem efeitos diferentes, dependendo da célula-alvo e do meio geral de citocinas. Por esse motivo, o uso farmacológico de citocinas ou de inibidores das citocinas pode ter efeitos imprevisíveis. A terapia com anticitocinas ainda está em seus primeiros pas-sos, e vários novos fármacos que inibem as citocinas pró-inflamatórias estão em fase de desenvolvimento.
Inibidores do TNF-�O fator de necrose tumoral � (TNF-�) é uma citocina de importância central em muitos aspectos da resposta inflamatória. Os macrófagos, os mastócitos e as células TH ativadas (par-ticularmente as células TH1) secretam o TNF-�. O TNF-� estimula a produção de metabólitos citotóxicos pelos macrófa-
P
FKBP
mRNA da IL-2
Gene da IL-2
Núcleo
Ciclosporina
Ciclofilina
Tacrolimo (FK506)
Calcineurina(inativa)
Calcineurina(ativa)
NFAT ativoNFAT inativo
Calmodulina
Ca2+
Fig. 44.5 Mecanismos de ação da ciclosporina e do tacrolimo. As ações da ciclosporina e do tacrolimo (também conhecidas como FK506) são mediadas pelo bloqueio da sinalização intracelular das células T. Na sinalização normal das células T (embaixo), a estimulação das células T aumenta o nível intracelular de cálcio, e o Ca2+/calmodulina ativa a desfosforilação mediada pela calcineurina do fator de transcrição citoplasmático, NFAT. O NFAT ativado é transferido para o núcleo, onde induz a transcrição do gene da IL-2. A ciclosporina e o tacrolimo atravessam a membrana plasmática e ligam-se às imunofilinas citoplasmáticas, a ciclofilina e a proteína de ligação de FK (FKBP), respectivamente (em cima). Ambos os complexos ciclosporina-ciclofilina e tacrolimo-FKBP ligam-se à calcineurina, impedindo que a atividade de fosfatase da calcineurina pelo Ca2+/calmodulina seja ativada.
750 | Capítulo Quarenta e Quatro
gos, aumentando, assim, a atividade de destruição fagocítica. O TNF-� também estimula a produção de proteínas de fase aguda, possui efeitos pirogênicos e promove a contenção local da resposta inflamatória. Alguns desses efeitos são indiretos e mediados por outras citocinas induzidas pelo TNF-�.
O TNF-� tem sido implicado em numerosas doenças auto-imunes. A artrite reumatóide, a psoríase e a doença de Crohn são três doenças em que a inibição do TNF-� possui eficácia terapêutica demonstrada. A artrite reumatóide ilustra o papel central do TNF-� na fisiopatologia das doenças auto-imunes (Fig. 44.7). Embora o estímulo inicial para a inflamação arti-cular ainda seja controvertido, acredita-se que os macrófagos na articulação acometida secretam TNF-�, que ativa as célu-las endoteliais, outros monócitos e os fibroblastos sinoviais. As células endoteliais ativadas supra-regulam a expressão de moléculas de adesão, resultando em recrutamento de células inflamatórias para a articulação. A ativação dos monócitos pos-sui um efeito de retroalimentação positiva sobre a ativação das células T e dos fibroblastos sinoviais. Os fibroblastos sinoviais ativados secretam interleucinas, que recrutam outras células inflamatórias. Com o decorrer do tempo, a membrana sinovial sofre hipertrofia, e forma-se um pano que leva à destruição do osso e da cartilagem na articulação, causando a deformidade característica e a dor da artrite reumatóide.
Foram aprovadas três formas de tratamento que interferem na atividade do TNF-�. O etanercept é um dímero receptor de
Sirolimo
p70 S6 cinase PHAS-1
FKBP
Receptor de IL-2IL-2
mTOR
Tradução de mRNA selecionados necessáriospara a progressão do ciclo celular
Fig. 44.6 Mecanismo da ação do sirolimo. A transdução de sinais do receptor do IL-2 envolve um conjunto complexo de interações proteína-proteína que levam a um aumento da tradução de mRNA selecionados que codificam proteínas necessárias para a proliferação das células T. Especificamente, a ativação do receptor de IL-2 dá início a uma cascata de sinalização intracelular que leva à fosforilação do alvo molecular da rapamicina (mTOR). A mTOR é uma cinase que fosforila e, portanto, regula a atividade da PHAS-1 e da p70 S6 cinase. A PHAS-1 inibe a atividade de um fator (eiF4E) necessário para a tradução, e a p70 S6 cinase fosforila proteínas envolvidas na síntese protéica (não ilustrada). O efeito final da ativação da mTOR consiste em aumento da síntese de proteínas, promovendo, assim, a transição da fase G1 para a fase S do ciclo celular. O sirolimo (também conhecido como rapamicina) atravessa a membrana plasmática e liga-se à proteína intracelular de ligação de FK (FKBP). O complexo sirolimo-FKBP inibe mTOR, resultando em inibição da tradução e provocando interrupção das células T na fase G1.
Fig. 44.7 Efeitos propostos do fator de necrose tumoral na artrite reumatóide. O fator de necrose tumoral (TNF) é secretado por macrófagos ativados na articulação acometida, onde essa citocina possui múltiplos efeitos pró-inflamatórios. Em primeiro lugar, o TNF ativa as células endoteliais a supra-regular a expressão de moléculas de adesão de superfície celular (ilustradas na forma de projeções sobre as células endoteliais) e a sofrer outras alterações fenotípicas que promovem a adesão e diapedese dos leucócitos. Em segundo lugar, o TNF possui um efeito de retroalimentação positiva sobre os monócitos e macrófagos adjacentes, promovendo a secreção de citocinas, como a IL-1. Por sua vez, a IL-1 ativa as células T (entre outras funções), e a combinação da IL-1 e do TNF estimula os fibroblastos sinoviais a aumentar a expressão das metaloproteases, da matriz, das prostaglandinas (particularmente PGE2) e das citocinas (como a IL-6), que degradam a cartilagem articular. Os fibroblastos sinoviais também secretam a IL-8, que promovem a diapedese dos neutrófilos.
TNF
Macrófago
Monócito/macrófago
Fibroblastosinovial
Célula T
IL-1
IL-8 Metaloproteases da matrizPGE2IL-6
Degradaçãoda cartilagem
Células endoteliais
Células endoteliais ativadas
Adesão e diapedesedos leucócitos
TNF solúvel; o infliximab é um anticorpo murino parcialmente humanizado dirigido contra o TNF-� humano; e o adalimu-mab é um anticorpo IgG1 totalmente humanizado, dirigido contra o TNF-� (Fig. 44.8). O certolizumab pegol, um frag-mento de anticorpo anti-TNF-� pegilado que carece da porção Fc do anticorpo, encontra-se atualmente em estudos clínicos de fase avançada.
Embora o TNF-� seja o alvo de todos esses agentes, o eta-nercept é ligeiramente menos específico, visto que se liga tanto ao TNF-� quanto ao TNF-�. O infliximab e o adalimumab são específicos para o TNF-� e não se ligam ao TNF-�. As porções do Fc do infliximab e do adalimumab também podem ter atividade específica em relação à fixação do complemento e ligação a receptores Fc nas células efetoras.
O etanercept está aprovado para uso na artrite reumatói-de, na artrite reumatóide juvenil, na psoríase em placas, na artrite psoriática e na espondilite anquilosante. O infliximab está aprovado para uso no tratamento da artrite reumatóide, doença de Crohn, colite ulcerativa e espondilite ancilosante. O adalimumab está aprovado para uso na artrite reumatóide e artrite psoriática.
É importante reconhecer que os altos níveis de TNF-� cons-tituem, provavelmente, marcadores de processos fisiopatoló-gicos subjacentes. O tratamento com etanercept, infliximab ou adalimumab melhora os sintomas da doença mas não reverte a fisiopatologia subjacente. Por conseguinte, a eficácia a lon-
Farmacologia da Imunossupressão | 751
com o tratamento com anti-TNF, embora ainda não se tenha estabelecido se essa relação é causal.
Inibidores da IL-1A interleucina-1 (IL-1) é uma citocina antiga, expressa tanto em vertebrados quanto em invertebrados, que atua como ponte entre a imunidade inata e a imunidade adaptativa. Existem duas formas de IL-1, a IL-1� e a IL-1�, que são codificadas em genes diferentes. A IL-1 é produzida, em sua maior parte, por células mononucleares ativadas. A IL-1 estimula a produção de IL-6, aumenta a expressão das moléculas de adesão e estimula a proliferação celular. A modulação da atividade da IL-1 in vivo é efetuada, em parte, por um antagonista do receptor de IL-1 endógeno (IL-1ra).
A anacinra, uma forma recombinante do IL-1ra, foi apro-vada para uso no tratamento da artrite reumatóide. A anacinra possui efeitos modestos sobre a dor e o edema, porém diminui de modo significativo as erosões ósseas, possivelmente em vir-tude de sua capacidade de diminuir a produção dos osteoclastos e bloquear a liberação de metaloproteinase pelas células sino-viais induzida pela IL-1. Diversas síndromes raras mediadas, em parte, por níveis elevados de IL-1, incluindo síndrome de Muckle-Wells e febre hiberniana, também têm sido tratadas efetivamente com anacinra. A anacinra pode causar neutropenia e aumentar a suscetibilidade a infecções.
DEPLEÇÃO DE CÉLULAS IMUNES ESPECÍFICASDiversos anticorpos causam depleção de células reativas do siste-ma imune e, conseqüentemente, proporcionam um tratamento efetivo para doenças auto-imunes, bem como para a rejeição de transplante. Quando o sistema imune adaptativo reage contra um antígeno, a resposta imunológica resultante inclui a expansão clonal de células especificamente reativas contra esse antígeno. O tratamento com anticorpos exógenos dirigidos contra molécu-las de superfície celular que estão expressas especificamente em células imunes reativas pode produzir depleção preferencial des-sas células reativas do sistema imune. Os anticorpos dirigidos contra receptores de superfície celular expressos especificamente em células imunes malignas são discutidos no Cap. 38.
Anticorpos PoliclonaisGlobulina AntitimócitoA globulina antitimócito (ATG) é uma preparação de anticor-pos induzidos pela injeção de timócitos humanos em coelhos. Os anticorpos de coelhos são policlonais e provavelmente dirigi-dos contra numerosos epítopos nas células T humanas. Como a ATG está dirigida essencialmente contra todas as células T, o tratamento com ATG resulta em ampla imunossupressão, que pode predispor a infecções. A ATG foi aprovada para uso no tratamento da rejeição aguda do transplante renal e é adminis-trada por via intravenosa durante uma a duas semanas.
O tratamento com ATG é freqüentemente complicado por febre e cefaléia como componentes proeminentes da síndrome de liberação de citocinas. Essa síndrome, que é comum a mui-tos fármacos de anticorpos dirigidos contra linfócitos, resulta da ativação das células T e da liberação de citocinas por essas células antes que as células T recobertas por anticorpos possam ser removidas por macrófagos. A síndrome de liberação de cito-cinas ocorre tipicamente após as primeiras doses do tratamento com ATG, e os sintomas desaparecem à medida que as células
Domínio extracelulardo receptor deTNF p75 humano
Região Fc daIgG1 humana
Etanercept
Infliximab
s ss s
CH2
CH3
CH2
CH3
s ss s
CH2
CL
VLCH1
VH
CH1
VH
CL
VL
CH3
CH2
CH3
MurinoHumano
Fig. 44.8 Agentes anti-TNF. A figura mostra a organização dos domínios moleculares do etanercept e do infliximab. O etanercept consiste no domínio extracelular do receptor de TNF humano fundido com a região Fc da IgG-1 humana. Esse receptor “chamariz” liga-se ao TNF-� e ao TNF-� na circulação, impedindo o acesso dessas citocinas aos tecidos-alvo. O infliximab é um anticorpo monoclonal parcialmente humanizado, dirigido contra o TNF-�. As regiões da cadeia pesada (VH) e da cadeia leve (VL) derivam de seqüências anti-humanas murinas, enquanto o restante do anticorpo (as regiões constantes, designadas como CH e CL) é composto de seqüências de anticorpo humano. Essa modificação do anticorpo anti-TNF-� monoclonal murino original diminui o desenvolvimento de anticorpos neutralizantes contra o infliximab. Recentemente, foi desenvolvido o adalimumab (não ilustrado), um anticorpo totalmente humanizado contra o TNF-� humano.
go prazo desses tratamentos pode ser limitada. Além disso, o etanercept, o infliximab e o adalimumab são proteínas e, por-tanto, devem ser administrados por via parenteral. Estão sendo pesquisados inibidores do TNF-� ativos por via oral, como a talidomida, bem como inibidores da enzima conversora do TNF-� (TACE).
Diversos efeitos adversos importantes precisam ser consi-derados quando se administram inibidores do TNF. Todos os pacientes devem ser submetidos a triagem para tuberculose antes de iniciar o tratamento, devido a um acentuado aumento no risco de reativação de tuberculose latente. Todo paciente que adquire uma infecção durante o seu tratamento com um inibidor do TNF-� deve ser submetido a avaliação e antibiotico-terapia agressiva. A vigilância epidemiológica também sugeriu que pode haver um risco aumentado de doença desmielinizante
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T vão sendo eliminadas. Entretanto, a administração de doses sucessivas de ATG pode ser complicada pelo desenvolvimento de anticorpos contra epítopos específicos de coelho nas imuno-globulinas administradas.
Anticorpos Monoclonais
OKT3O OKT3 (muromonab-CD3, anti-CD3) é um anticorpo mono-clonal murino dirigido contra a CD3 humana, uma das molécu-las de sinalização de superfície celular, importante para a ativação do receptor de células T. A CD3 é especificamente expressa nas células T (tanto nas células CD4 quanto nas células CD8). O tratamento com OKT3 causa depleção do reservatório disponível de células T através da ativação, mediada pelo anti-corpo, do complemento e depuração dos imunocomplexos. O OKT3 foi aprovado para uso no tratamento da rejeição aguda do transplante renal e é considerado como agente de segunda linha para uso quando a CsA e os glicocorticóides fracassam.
Como o OKT3 é dirigido contra todas as células T, o tra-tamento com esse anticorpo pode resultar em imunossupres-são profunda. Entretanto, essa imunossupressão é transitória, e observa-se uma normalização dos níveis de células T dentro de uma semana após a interrupção da terapia. Além disso, como o OKT3 liga-se à CD3, e esta última é importante na ativação das células T, a terapia com OKT3 algumas vezes pode ativar amplamente as células T, resultando na síndrome de liberação de citocinas. No caso descrito na introdução, a febre, a mial-gia, a náusea e a diarréia que ocorreram após a administração de OKT3, bem como a queixa da Sra. W de que “esse OKT3 me deixa sonolenta”, eram provavelmente manifestações da síndrome de liberação de citocinas.
Outra limitação é a de que o OKT3 é um anticorpo anti-humano murino. Como o anticorpo murino é estranho, o trata-mento com OKT3 pode induzir a produção de anticorpos contra regiões do OKT3 específicas do camundongo. Este foi o motivo pelo qual a Sra. W efetuou um teste para anticorpos anti-OKT3 quando retornou ao hospital, em dezembro de 1990. A presença de anticorpos OKT3 reduz a eficácia do fármaco ao seqües-trar o OKT3 antes que possa exercer seu efeito desejado. Para solucionar esse problema clínico, uma abordagem atual consiste em humanizar os anticorpos terapêuticos. Nessa abordagem, as porções do anticorpo não envolvidas na ligação ao antígeno são modificadas para as seqüências humanas correspondentes. Os anticorpos podem ser parcial ou totalmente humanizados, dependendo da extensão dessas mudanças. A humanização limita a probabilidade de produção de anticorpos humanos contra o anticorpo terapêutico, aumentando a eficiência clínica do anti-corpo e permitindo seu uso a longo prazo (ver Cap. 53).
mAb Anti-CD20O rituximab é um anticorpo anti-CD20 parcialmente humani-zado. A CD20 é expressa sobre a superfície de todas as células B maduras, e a administração de rituximab provoca depleção profunda das células B circulantes. Originalmente aprovado para o tratamento do linfoma não-Hodgkin CD20+ (ver Cap. 38), o rituximab também foi aprovado para uso no tratamento da artrite reumatóide refratária a inibidores do TNF-�.
mAb Anti-CD25O daclizumab e o basiliximab são anticorpos dirigidos contra a CD25, o receptor de IL-2 de alta afinidade. A IL-2 medeia as
etapas iniciais no processo de ativação das células T. Como a CD25 só é expressa em células T ativadas, o tratamento com anticorpos anti-CD25 é especificamente dirigido contra células T que foram ativadas por um estímulo MHC-antígeno.
O daclizumab é administrado profilaticamente no trans-plante renal para inibir a rejeição aguda do órgão. É também utilizado como componente de esquemas imunossupressores gerais após transplante de órgãos. Tipicamente, o daclizumab é administrado em um esquema de cinco doses, sendo a primeira administrada imediatamente após o transplante, e as outras qua-tro doses, a intervalos de duas semanas. Esse tipo de esquema de dosagem, em que o fármaco é administrado apenas por um curto período de tempo após o transplante, é designado como terapia de indução.
mAb Anti-CD52O campath-1 (CD52) é um antígeno expresso sobre a maioria dos linfócitos maduros e sobre alguns precursores dos linfócitos. Um anticorpo dirigido contra esse antígeno foi originalmente testado na artrite reumatóide, e foi constatado que ele provoca depleção prolongada e persistente de todas as células T, freqüente-mente com duração de ação que se estende por vários anos. A terapia com mAb anti-CD52 produziu alguma melhora nos sin-tomas da artrite; entretanto, a depleção persistente dos linfócitos e a preocupação quanto a infecções impossibilitaram o estudo subseqüente desse anticorpo em doenças auto-imunes. Com o nome genérico de alemtuzumab, o anti-CD52 foi recentemente aprovado como terapia adjuvante no tratamento da leucemia lin-focítica crônica de células B — uma doença em que a supressão persistente das células leucêmicas é desejável.
LFA-3O LFA-3 (também denominado CD58) é o contra-receptor de CD2, um antígeno expresso em altos níveis sobre a superfície das células T efetoras de memória. A interação da CD2 nas célu-las T com o LFA-3 nas células apresentadoras de antígeno pro-move a proliferação aumentada das células T e a intensificação da citotoxicidade dependente de células T. Como a população de células T efetoras de memória apresenta-se elevada em paci-entes com psoríase, foi testado um agente farmacológico para uso na psoríase capaz de romper a interação CD2-LFA-3.
O alefacept é uma proteína de fusão LFA-3/Fc que interrompe a sinalização de CD2-LFA-3 através de sua ligação à CD2 das células T, inibindo assim a ativação das células T. Além disso, a porção Fc do alefacept pode ativar as células NK para causar depleção das células T efetoras de memória do sistema imune. Na prática clínica, o alefacept diminui significativamente a gravidade da psoríase em placas crônicas. Como a CD2 é expressa em outras células imunes adaptativas, a administração de alefacept também provoca uma redução dependente da dose nas populações de célu-las T CD4 e CD8. Por conseguinte, o seu uso está contra-indica-do para pacientes com HIV, e os pacientes em uso de alefacept podem correr risco aumentado de infecções graves. A terapia com alefacept também pode estar associada a um risco aumentado de neoplasia maligna, primariamente câncer de pele.
INIBIÇÃO DA CO-ESTIMULAÇÃOA co-estimulação refere-se ao paradigma de que as células do sistema imune tipicamente necessitam de dois sinais para sua ativação (ver Cap. 40). Se o primeiro sinal for fornecido na ausência de um segundo sinal, a célula-alvo imune pode
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tornar-se anérgica, em lugar de ativada. Como a indução de anergia pode levar a uma aceitação prolongada de um enxerto de órgão ou limitar a extensão de uma doença auto-imune, a inibição da co-estimulação representa uma estratégia viável para imunossupressão. Vários agentes terapêuticos inibem a co-estimulação ao bloquear o segundo sinal necessário para a ativação celular, e um maior número desses agentes encontra-se em fase de desenvolvimento.
AbataceptO abatacept consiste em CTLA-4 fundido com uma região cons-tante da IgG1. O abatacept forma um complexo com moléculas B7 co-estimuladoras sobre a superfície das células apresentado-ras de antígeno. Quando a célula apresentadora de antígeno intera-ge com uma célula T, ocorre interação MHC-TCR (“sinal 1”), porém o complexo de B7 com o abatacept impede a liberação de um sinal co-estimulador (“sinal 2”), e as células T desenvolvem anergia ou sofrem apoptose. Através desse mecanismo, o trata-mento com abatacept parece ser efetivo para a infra-regulação de populações específicas de células T.
O abatacept foi aprovado para o tratamento da artrite reuma-tóide refratária ao metotrexato ou a inibidores do TNF-�. Na prática clínica, o abatacept melhora significativamente os sin-tomas da artrite reumatóide em pacientes que não conseguiram responder ao metotrexato ou a inibidores do TNF-�. Os princi-pais efeitos adversos do abatacept consistem em exacerbações da bronquite em pacientes com doença pulmonar obstrutiva preexistente e em aumento da suscetibilidade a infecções. O abatacept não deve ser administrado concomitantemente com inibidores do TNF-� ou com anacinra, visto que essa combina-ção traz um risco inaceitavelmente elevado de infecção.
O belatacept é um congênere estrutural estreito do abatacept que possui afinidade aumentada por B7-1 e B7-2. Em um estu-do clínico de grande porte, o belatacept foi tão efetivo quanto a ciclosporina na inibição da rejeição aguda em receptores de transplante renal. Na atualidade, o belatacept encontra-se em fase de pesquisa como agente imunossupressor para transplante de órgãos.
BLOQUEIO DA ADESÃO CELULARO recrutamento e o acúmulo de células inflamatórias nos locais de lesão constituem um elemento essencial da maio-ria das doenças auto-imunes; as únicas exceções a essa regra são doenças auto-imunes puramente humorais, como a mias-tenia grave. Os fármacos que inibem migração celular para os locais de inflamação também podem inibir a apresentação de antígenos e a citotoxicidade, proporcionando, assim, múltiplos mecanismos potenciais de ação benéfica.
EfalizumabA adesão e a migração das células T dependem da interação de integrinas de superfície celular com moléculas de adesão inter-celulares (ICAM). Todas as células expressam LFA-1 (CD11a/CD18), uma integrina que se liga à ICAM-1. O efalizumab é um anticorpo monoclonal dirigido contra LFA-1. Ao romper a inte-ração LFA-1–ICAM-1, o efalizumab limita a adesão, a ativação e a migração das células T para os locais de inflamação.
O efalizumab foi aprovado para o tratamento da psoríase em placas crônica. Os efeitos adversos importantes consistem em trombocitopenia imunologicamente mediada, anemia hemolí-tica imunologicamente mediada e taxa aumentada de infecção
e possível risco aumentado de neoplasia maligna. Ao contrário do alefacept, que parece causar depleção de uma população de células patogênicas, o efalizumab bloqueia a adesão e a migração das células T, sem erradicá-las. Por conseguinte, os sintomas da psoríase retornam prontamente após a interrupção de um ciclo de efalizumab, enquanto os pacientes podem man-ter uma melhora clínica durante muitos meses após um ciclo de 12 semanas de alefacept.
NatalizumabAs integrinas alfa-4 são críticas para adesão e o estabelecimento das células imunes. A integrina �4�1 medeia interações das célu-las imunes com células que expressam a molécula de adesão celular vascular 1 (VCAM-1), enquanto a integrina �4�7 medeia a ligação das células imunes a células que expressam a molécula de adesão celular de adressina da mucosa 1 (MAdCAM-1). O natalizumab é um anticorpo monoclonal dirigido contra a inte-grina �4, que inibe as interações das células imunes com células que expressam a VCAM-1 ou a MAdCAM-1.
O natalizumab foi aprovado para o tratamento da esclerose múltipla recidivante. Entretanto, durante a vigilância do fár-maco após a sua comercialização, vários pacientes tratados com natalizumab desenvolveram leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP), um distúrbio desmielinizante raro causado pela infecção pelo vírus JC. Esse achado determinou a retira-da voluntária do fármaco. Após investigação subseqüente pela FDA, foi decidido reiniciar os testes do natalizumab e acres-centar uma advertência na bula sobre a possível associação. O natalizumab foi subseqüentemente reaprovado para uso no tratamento da esclerose múltipla.
INIBIÇÃO DA ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTOO sistema complemento medeia diversas respostas imunes inatas (ver Cap. 40). O reconhecimento de proteínas ou carboidratos estranhos leva à ativação seqüencial de proteínas do comple-mento e à montagem final do complexo de ataque da mem-brana, uma estrutura multiprotéica capaz de provocar lise da célula. Os pacientes com hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) apresentam defeitos adquiridos nas proteínas regulado-ras do complemento, resultando em ativação inapropriada do complemento e lise dos eritrócitos mediada pelo complemento. O eculizumab é um anticorpo monoclonal humanizado dirigido contra a C5, uma proteína do complemento que medeia as etapas finais da ativação do complemento e que desencadeia o processo de montagem do complexo de ataque da membrana. Nos estudos clínicos realizados, o eculizumab diminuiu significativamente a hemoglobinúria e a necessidade de transfusões de hemácias em pacientes com HPN. No momento atual, estudos clínicos de fase III do eculizumab estão em andamento. As evidências genéticas indicam que a ativação do complemento pode desempenhar um papel etiológico na degeneração macular dependente da idade, sugerindo que inibidores da cascata do complemento poderiam constituir um tratamento local útil para essa doença.
n Conclusão e Perspectivas FuturasDispõe-se de várias abordagens para a supressão farmacológica da imunidade adaptativa, incluindo desde as abordagens de especificidade relativamente baixa, representadas pelos gli-cocorticóides e agentes citotóxicos, até as abordagens mais específicas, constituídas por inibidores de sinalização celu-lar e terapias com anticorpos. Os glicocorticóides induzem
754 | Capítulo Quarenta e Quatro
supressão profunda da resposta inflamatória do sistema imune, porém causam numerosos efeitos adversos. Estão sendo desen-volvidos moduladores dos receptores de glicocorticóides que retêm os efeitos antiinflamatórios dos glicocorticóides mas que apresentam menos efeitos adversos graves sobre o metabolis-mo e a homeostasia do mineral ósseo. Os agentes citotóxicos estão dirigidos contra a replicação do DNA; embora as células imunes sejam altamente suscetíveis a esses fármacos, outras células normais também exibem essa suscetibilidade, como as do epitélio gastrintestinal. O agente citotóxico micofeno-lato mofetila é altamente específico, visto que os linfócitos dependem da síntese de novo de purinas e visto que o ácido micofenólico é dirigido preferencialmente contra a isoenzima monofosfato de inosina desidrogenase expressa nos linfócitos. Os inibidores da sinalização dos linfócitos — como a ciclo-sporina, o tacrolimo e o sirolimo, cujos alvos consistem nas vias de transdução de sinais intracelulares necessárias para a ativação das células T — também são razoavelmente especí-ficos. Os inibidores das citocinas interrompem sinais solúveis que medeiam a ativação das células imunes. O etanercept, o infliximab e o adalimumab, que bloqueiam a atividade do TNF-�, são exemplos dessa classe de fármacos em rápida expansão. O conceito de prevenção da ativação das células imunes tam-bém se estendeu ao bloqueio da co-estimulação, representado pelo agente anti-reumático, o abatacept. A depleção específica das células T pode ser benéfica no transplante de órgãos: a globulina antitimócito, o OKT3 e o daclizumab são anticorpos
dirigidos contra epítopos específicos das células T. Dispõe-se de vários anticorpos terapêuticos que bloqueiam a adesão das células imunes e o seu estabelecimento, e um número maior desses agentes encontra-se em fase de desenvolvimento.
n Leituras SugeridasAllison A. Immunosuppressive drugs: the first 50 years and a glance
forward. Immunopharmacology 2000;47:63–83. (Revisão geral dos agentes imunossupressores.)
Allison A, Eugui E. Mycophenolate mofetil and its mechanisms of action. Immunopharmacology 2000;47:85–118. (Revisão do mico-fenolato mofetil.)
Costa MA, Simon DI. Molecular basis of restenosis and drug-eluting stents. Circulation 2005;111:2257–2273. (Sumário dos avanços em stents com revestimento farmacológico.)
Janeway CA, Travers P, Walport M, et al. Immunobiology: The Immune System in Health and Disease. 6th ed. New York: Garland Publishing; 2005. (Discussão de auto-imunidade e imunidade de transplante.)
Nucleotide biosynthesis. In: Berg JM, Tymoczko JL, Stryer L, eds. Biochemistry. 6th ed. New York: W. H. Freeman and Company; 2007. (Revisão da biossíntese de nucleotídeos.)
Olsen NJ, Stein CM. New drugs for rheumatoid arthritis. N Engl J Med 2004;350:2167–2179. (Revisão da terapia com citocinas na artrite reumatóide.)
Vincenti F, Larsen C, Durrbach A, et al. Costimulation with belata-cept in renal transplantation. N Engl J Med 2005;353:770–781. (Ensaio clínico que mostra que o belatacept não é inferior à ciclosporina.)
Farmacologia da Imunossupressão | 755
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Farmacologia da Imunossupressão | 757
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