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FACULDADE CSPER LBEROTNIA A CMARA BAITELLO
GOVERNANA CORPORATIVA E COMUNICAOORGANIZACIONAL: INTERFACES POSSVEIS
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Comunicao da FaculdadeCsper Lbero, para obteno do grau de Mestre emComunicao com concentrao na rea deComunicao na Contemporaneidade.Orientao: Prof. Dr. Cludio Novaes Pinto Coelho
So Paulo SP2007
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Baitello, Tnia A Cmara.Governana Corporativa e Comunicao Organizacional: interfaces possveis/Tnia A CmaraBaitello So Paulo, 2007, 170 p.
Bibliografia: p.
Orientador: Prof. Dr. Cludio Novaes Pinto Coelho.
Dissertao (Mestrado) Faculdade Csper Lbero, Programa de Ps-Graduao em Comunicaocom nfase em Comunicao na Contemporaneidade.
1. Comunicao Organizacional 2. Relaes Pblicas 3. Governana Corporativa 4.Administrao 5. Sociedade de Mercado. I. Coelho. Cludio Novaes Pinto. II. Faculdade CsperLbero. Programa de Ps-Graduao em Comunicao na Contemporaneidade. III. Ttulo.
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TNIA A CMARA BAITELLO
GOVERNANA CORPORATIVA E COMUNICAOORGANIZACIONAL: INTERFACES POSSVEIS
Dissertao submetida a comisso examinadoradesignada pelo curso de Ps Graduao emComunicao como requisito parcial para obteno dograu de Mestre em Comunicao pela FaculdadeCsper Lbero. Aprovada em 30 de Maio de 2007.
Assinatura:________________________________________Nome: Prof. Dr. Cludio Novaes Pinto CoelhoTitulao:Instituio:
Assinatura:________________________________________Nome: Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de FariasTitulao: Doutor em ComunicaoInstituio: Universidade de So Paulo
Assinatura:________________________________________Nome: Profa. Dra. Vera ChaiaTitulao:
Instituio:
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Chegar at aqui s foi possvel por contar com seu amor e apoio incondicional, me,
a Dna. Cida, exemplo fundamental de fora, tica e determinao.Por contar com sua figura, pai, Sr. Jos Cmara, que tendo me deixado to cedoesteve sempre junto comigo. Voc me ensinou a amar o trabalho, a amar as
pessoas, a ser idealista e acreditar num mundo mais justo e mais humano. Tal comoo Rui, meu pequeno grande irmo......sempre ao meu lado, ao lado de todos.
Ao Eduardo, meu marido, s minhas filhas, Bruna e Beatriz, tambm no podiadeixar de dedicar algo que me roubou deles tantas e tantas vezes. Agradeo a
compreenso, o carinho, o apoio operacional, enfim....o amor de famlia.Aos amigos inesquecveis: Jlio Csar Barbosa, Srgio Jos Andreucci Jr.,Tatiane
Moreira Rodrigues, Sandra Regina Medeiros Braga e Regina Lcia ZachariasAguiar.
Finalmente, dedico tudo a voc, Mnica, minha irm: um pequeno gesto diante detudo o que eu queria poder fazer por voc.
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Agradecimentos Faculdade Csper Lbero, agradeo a oportunidade.
Ao orientador Cludio Novaes Pinto Coelho, impossvel agradecer tudo: oprofissionalismo, o saber, a disponibilidade, a amizade sincera. Mais que agradecer,
registro aqui minha infinita admirao. orientadora Heloiza Mattos, que no pode me acompanhar at o final, por motivosmais do que justos: Hel, obrigada por no me deixar desistir, por acreditar em mim.
Em voc me espelho muito alm do intelectual: como no perder a alegria, comosobreviver aos momentos difceis, como tentar levar a vida com mais leveza.
Ao Prof. Dr. Sidney Ferreira Leite e Profa. Dra. Lucia Montezuma, mestresfundamentais.
s profissionais Cleide Rovai Castellan e Meire Fidlis, do Grupo Abril, que mereceberam para o estudo de caso e so companheiras na crena e na atitude tica edeterminada em Relaes Pblicas. Exemplos de profissionais.
Ao Prof. Ms. Srgio Jos Andreucci Jr., companheiro de Mestrado: terminamos.Obrigada pelo incentivo e apoio, em todas as horas.
Ao Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de Farias, agradeo pela inspirao e pordesmistificar para mim o universo acadmico.
Ao Prof. Ms. Jlio Csar Barbosa, meu companheiro de gesto na Coordenadoria deRelaes Pblicas da Faculdade Csper Lbero, por anos, agradeo o apoio de
todas as horas, profissionais, acadmicas e pessoais, para que eu pudesse terminareste trabalho.
A Deus, por no me deixar perder a f mesmo diante dos muitos obstculos e porpotencializar o meu talento com a sorte necessria ao sucesso de todos ns,simples e meros seres humanos.
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RESUMO
Este trabalho dedica-se a identificar as principais interfaces entre a comunicaoorganizacional e a temtica da Governana Corporativa, j que considera
Governana Corporativa como uma filosofia de gesto e, por isso, elementoincorporado cultura corporativa das organizaes. Adotando a metodologia deestudo de caso para a pesquisa emprica e baseando-se nos princpios deGovernana estabelecidos pelo IBGC (Instituto Brasileiro de GovernanaCorporativa) transparncia, equidade, prestao de contas e responsabilidadesocial corporativa o trabalho defende que os princpios e instrumentos deGovernana Corporativa somente efetivam-se pela comunicao e, em especial,atravs da gesto de Relaes Pblicas, especialidade da comunicao que tementre suas principais funes a de mediar o relacionamento entre as organizaes eseus stakeholders, administrando os conflitos de interesse inerentes a esserelacionamento e direcionando seus esforos de planejamento e ao para que
pblicos e organizaes encontrem a convergncia necessria para cumprir seusobjetivos estratgicos com base em uma atuao mais equilibrada e responsvel. Oestudo mostra, ainda, que Governana Corporativa mais uma das instituiescriadas pela sociedade de mercado para responder s externalidades negativascriadas pela prpria natureza do sistema capitalista, baseadas em demandas queque, incorporadas pelas organizaes, funcionam como mecanismos deperpetuidade do sistema. De forma mais especfica, o trabalho conclui identificandoas interfaces entre a gesto de Governana Corporativa, comunicaoorganizacional e Relaes Pblicas em duas frentes: estratgica, dado queGovernana fator de gerao de valor agregado de reputao; e funcional, ondeos mecanismos e instrumentos de Governana se efetivam atravs das tcnicas decomunicao dirigida. O estudo conclui, ainda, que a atuao dos profissionais decomunicao nos processos de gesto de Governana Corporativa soextremamente relevantes para que esta seja efetivada como filosofia de gesto, poisdepende de uma comunicao de conscientizao, de mediao, de efetivatransparncia, longe de qualquer tratamento mercadolgico da informao. Porm,isto depende de uma cultura corporativa mais slida e madura em termos doentendimento da comunicao como estratgia de relacionamento pois que, comoatividade-meio, subordina-se ao planejamento estratgico de negcios daorganizao e depende do melhor acesso alta gesto para cumprir sua funo.
Palavras-chave: 1. Comunicao Organizacional. 2. Relaes Pblicas. 3.Governana Corporativa. 4. Sociedade de Mercado.
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ABSTRACT
Este trabalho dedica-se a identificar as principais interfaces entre a comunicaoorganizacional e a temtica da Governana Corporativa, j que considera
Governana Corporativa como uma filosofia de gesto e, por isso, elementoincorporado cultura corporativa das organizaes. Adotando a metodologia deestudo de caso para a pesquisa emprica e baseando-se nos princpios deGovernana estabelecidos pelo IBGC (Instituto Brasileiro de GovernanaCorporativa) transparncia, equidade, prestao de contas e responsabilidadesocial corporativa o trabalho defende que os princpios e instrumentos deGovernana Corporativa somente efetivam-se pela comunicao e, em especial,atravs da gesto de relaes pblicas, especialidade da comunicao que tementre suas principais funes a de mediar o relacionamento entre as organizaes eseus stakeholders, administrando os conflitos de interesse inerentes a esserelacionamento e direcionando seus esforos de planejamento e ao para que
pblicos e organizaes encontrem a convergncia necessria para que asorganizaes contemporneas cumprir seus objetivos estratgicos com base emuma atuao mais equilibrada e responsvel. O estudo mostra, ainda, queGovernana Corporativa mais uma das instituies criadas pela sociedade demercado para responder s externalidades negativas criadas pela prpria naturezado sistema capitalista, movimentos esses que, incorporados pelas organizaes,funcionam como mecanismos de perpetuidade do sistema. Em mbito especfico, otrabalho conclui identificando as interfaces entre a gesto de GovernanaCorporativa e a comunicao organizacional em mbito estratgico, dado queGovernana fator de gerao de valor agregado de reputao, e tambmfuncional, atravs das tcnicas de comunicao dirigida; em outro mbito, maisabrangente, o estudo conclui que a atuao dos profissionais de comunicao nosprocessos de gesto de Governana Corporativa so extremamente relevantes paraque Governana Corporativa seja efetivada como filosofia de gesto, pois dependede uma comunicao de conscientizao, de mediao, de efetiva transparncia,longe de qualquer tratamento mercadolgico da informao. Porm, isto depende deuma cultura corporativa mais slida e madura em termos do entendimento dacomunicao como estratgia de relacionamento pois que, como atividade-meio,subordina-se ao planejamento estratgico de negcios da organizao e dependedo melhor acesso alta gesto para cumprir sua funo.
Palavras-chave: 1. Comunicao Organizacional. 2. Relaes Pblicas. 3.Governana Corporativa. 4. Sociedade de Mercado.
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SUMRIO
1. INTRODUO.......................................................................................... 11
2. CAPTULO I As organizaes e a Sociedade de Mercado.................... 19
2.1 Conceituando Organizao.............................................................. 20
2.2 Organizaes & Comunicao............................................................. 22
2.3 Capitalismo e Sociedade de Mercado................................................. 24
2.3.1 A Sociedade de Mercado..................................................... 25
2.4 Nem apocalpticos, nem integrados: o papel do comunicador............ 30
2.5 tica e Responsabilidade Social Corporativa: demandas sociais
incorporadas........................................................................................ 32
3. CAPTULO II Governana Corporativa................................................... 37
3.1 Contexto.............................................................................................. 38
3.1.1 Surgem as companhias de capital aberto........................... 39
3.1.2 O poder dos gerentes.......................................................... 41
3.1.3 Os anos 2000: a era dos escndalos corporativos.............. 45
3.2 Natureza e Conceitos........................................................................... 48
3.3 Objetivos e Princpios........................................................................... 58
3.4 A Governana Corporativa no Brasil nos ltimos 10 anos....................61
3.5 Governana Corporativa, gerao de valor agregado e reputao....... 69
3.6 Relaes com Investidores................................................................... 74
4. CAPTULO III Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas.......... 79
4.1 Cultura e Cultura Organizacional.......................................................... 80
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4.1.1 Cultura................................................................................... 80
4.1.2 Cultura Organizacional.......................................................... 82
4.2 Comunicao Organizacional e Cultura Corporativa........................... 84
4.2.1 As Organizaes................................................................... 85
4.2.2 Comunicao Organizacional............................................... 87
4.3 Relaes Pblicas: gesto dos relacionamentos e mediao de
conflitos................................................................................................. 91
5. CAPTULO IV Estudo de Caso: Grupo Abril.......................................... 97
5.1 Estudo de Caso: processos de Governana Corporativa no Grupo Abril
S/A....................................................................................................... 98
5.1.1 Grupo Abril.......................................................................... 99
5.1.2 Da inteno de abrir o capital venda de participao ao Grupo
Naspers.............................................................................. 102
5.1.3 Mapeamento de instrumentos e mecanismos de Governana
Corporativa no Grupo Abril................................................. 105
5.1.3.1 rgos de Gesto..................................................... 106
5.1.3.2 Quadros Analticos de comparao por Princpios de
GC............................................................................ 1085.1.3.3 Quadro Analtico de comparao por Mecanismos de
Gesto...................................................................... 111
5.2 Roteiro de Entrevistas......................................................................... 113
5.2.1 Metodologia de Coleta de Dados....................................... 113
5.3 Sumrio das Entrevistas.................................................................... 114
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6. CAPTTULO V Interfaces Estratgicas e Funcionais........................ 124
6.1 Consideraes Gerais.................................................................... 125
6.2 Interfaces Estratgicas................................................................... 130
6.3 Interfaces Funcionais...................................................................... 136
6.4 Concluso Final............................................................................... 139
7. Referncias............................................................................................. 141
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1. INTRODUO
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A origem desse trabalho remonta minha trajetria profissional que, com seu
aparente incio na Administrao, por circunstncias financeiras, culminou mesmo na
Comunicao Social, especialmente nas Relaes Pblicas.
No estudo da Administrao, suas teorias, pressupostos e conceitos, j se
identificam as interfaces freqentes e necessrias entre o mbito organizacional e a
comunicao, pois a administrao trata basicamente da gesto de recursos (fsicos,
financeiros, tecnolgicos e talentos humanos) atravs de pessoas mobilizadas em
torno da misso de uma organizao; portanto, no h administrao semcomunicao.
As organizaes contemporneas precisam desenvolver, manter e consolidar
relacionamentos numa era marcada por radicais transformaes dos paradigmas
scio-culturais, pela volatilidade econmica e por uma segmentao de pblicos
talvez sem paralelo na histria da comunicao.
Isto se d principalmente pela intensificao dos processos decorrentes da
globalizao,
um processo que, embora, se acelere hoje, deve ser entendido de uma formaampla e multifacetada. Ela vem se desenvolvendo desde o incio da vida social daespcie humana, ainda que de forma parcial, por meio da articulao de um nmerocada vez maior de formaes sociais.(...) Ela se realiza em todas as dimenses davida social (econmica, poltica, artstica, religiosa,ideolgica, etc.).(Domingues,1999:150)
E, ainda, no tocante s tecnologias de comunicao, que resultaram em
mudanas profundas nas relaes de poder da informao entre as organizaes e
seus pblicos de interesse, notadamente nos ltimos 15 anos.
Cada sociedade uma sociedade de informao e cada organizao ummecanismo de informao, assim como todo organismo um organismo deinformao. A informao necessria para organizar e fazer funcionar qualquer
coisa, da clula General Motors.( Bell, 1979 appud Martins e Silva, 2004:105).
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Historicamente, as organizaes privadas formaram-se a partir de duas razes
estruturais: o desenvolvimento das sociedades annimas, nos pases do Hemisfrio
Norte, cones representativos do capitalismo e, conseqentemente, com uma cultura
organizacional que obrigatoriamente teve que evoluir para a melhoria do
relacionamento e prestao de contas aos seus pblicos, devido ao carter aberto
de sua constituio; e, especificamente no Brasil, nosso objeto comparativo direto,
as organizaes privadas formaram-se a partir de estruturas familiares e, via de
regra, de carter patrimonialista e fechado, que s recentemente, devido aos fatores
comentados acima democratizao do acesso informao e o conseqente
aumento de poder dos pblicos tm procurado modificar sua postura de rigidez,
formalismo e distanciamento do universo social.
Porm, independente de seu processo de formao, as organizaes da
sociedade contempornea esto sujeitas a fortes e novas demandas sociais. Neste
contexto, as organizaes privadas, como sustentculos do capitalismo, no s
sentem e refletem tais demandas como, num mecanismo de perpetuidade
caracterstico do sucesso do sistema capitalista, personificam e direcionam essas
demandas que acabam por se traduzir como as principais transformaes do
sistema capitalista.
A esse respeito, ilustrativo citar Mattelart (2003), a respeito do processo de
globalizao e a transformao do papel das organizaes neste contexto:
No somente a empresa se converteu em um ator social de pleno direito,exprimindo-se cada vez mais em pblico e agindo politicamente sobre o conjunto dosproblemas da sociedade, mas, tambm, suas regras de funcionamento, sua escala devalores e suas maneiras de comunicar foram, progressivamente, impregnando todo ocorpo social. A lgica `gerencial` institui-se como norma de gesto das relaessociais. Estado, coletividade territoriais e associaes foram penetrados pelosesquemas de comunicao j experimentados por esse protagonista do mercado.
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Com a evoluo das organizaes globais, dentro do sistema capitalista que
hoje se reconhece na sociedade de mercado, a cada ano novos conceitos e
propostas surgem no cenrio organizacional, porm, dentre elas, muitas so
modismos descartveis e no representam tendncias duradouras. Porm, outras,
que surgem como resultado da interao entre Estado, organizaes e sociedade,
chegam para ficar e para modificar as relaes existentes at ento.
Dentre essas, uma merece ateno especial por seu potencial de apresentar
uma nova compreenso e possibilidades de atuao entre a administrao e acomunicao, especialmente atravs das Relaes Pblicas. a filosofia de
Governana Corporativa, surgida com este nome na Inglaterra, ao final dos anos
1980.
Assim, este trabalho estrutura-se a partir do que se considerou como
principais eixos de desenvolvimento temtico dessa pesquisa, identificados e
alinhados conforme sua contribuio para as questes centrais deste trabalho:
1. Posicionar Governana Corporativa como uma das demandas
incorporadas pelas organizaes contemporneas como
expresso da sociedade, absorvendo esta demanda como mais
um movimento estratgico de correo de desequilbrios e de
sustentao do capitalismo e da sociedade de mercado.
2. Compreender a atuao da comunicao nesse processo,
identificando as interfaces possveis e necessrias entre
Governana Corporativa e Comunicao e, especialmente,
posicionar as Relaes Pblicas como vetor estratgico de
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gerenciamento desta comunicao dado que as Relaes
Pblicas, em uma de suas principais funes, a de mediao,
atua no sentido de buscar o melhor entendimento entre os
objetivos das organizaes e seus stakeholders.
Para tanto, foi necessrio compreender, mesmo que brevemente, os
principais movimentos constitutivos e evolutivos das organizaes e da sociedade de
mercado que as suporta, passando pelos conceitos que fundamentam a filosofia e
as prticas de Governana Corporativa, at as caractersticas da comunicaoorganizacional e das relaes pblicas para, finalmente, identificar as interfaces
possveis.
O Captulo I dedica-se, ento, a contextualizar as organizaes na sociedade
de mercado, atributo do capitalismo contemporneo. Para isso, aborda as principais
transformaes geradas pelas prprias organizaes no processo de consolidao
da passagem do capitalismo tradicional (fordista) para o capitalismo flexvel (Harvey,
2005) e a sociedade de mercado (Polanyi, 1980).
Neste captulo, observa-se que mesmo considerando a lgica predominante
da sociedade de mercado em escala global no ps 1990, este cenrio traz em seu
escopo novas demandas institucionais e de regulao necessrias para que os
ajustes ao sistema sejam feitos pelas prprias organizaes, minimizando as
externalidades negativas1 (Kuttner, 1998), de forma a garantir no s a perpetuidade
das organizaes como, em escala mais fundamental, os pilares de continuidade do
prprio sistema capitalista.
1 Externalidades: custos ou benefcios sociais, como poluio ou sade pblica, que no se refletem
completamente no preo da transao comercial direta, ou seja, que no se encaixam, simplesmente, nas relaespuras de mercado.
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Assim, encontramos esses mecanismos de continuidade ou instituies, as
regras do jogo em uma sociedade, ou mais formalmente, as restries criadas para
moldar a interao humana e assim estruturar incentivos para aes de natureza
poltica, social ou econmica.(Nbrega, 2005:68)
O captulo posiciona Governana Corporativa como uma dessas instituies
e avana, ainda, nos desdobramentos em relao ao advento das plataformas de
tica e responsabilidade social corporativa como respostas s tenses do sistema
capitalista,considerando estas duas temticas como fatores fundamentais einerentes Governana Corporativa. Por fim, este captulo discute o segredo do
sucesso do capitalismo: a capacidade de se recriar atravs de mecanismos de
perpetuao, ajustados a cada momento histrico da sociedade, atenuando
externalidades negativas e consolidando as externalidades positivas e insere, nesta
discusso, o papel do comunicador como mediador no processo entre as
organizaes e a sociedade de mercado.
J o Captulo II destina-se a esmiuar a Governana Corporativa e
proporcionar ao leitor uma viso abrangente dessa instituio, desde o contexto
que tornou capaz o seu surgimento, passando por sua natureza e principais
conceitos, objetivos e princpios bsicos (estes, fundamentais para identificar as
interfaces possveis com a comunicao) e termina com um panorama da evoluo
de Governana Corporativa no Brasil, nos ltimos 10 anos, contando, inclusive,
como a comunicao usualmente trabalhada em Governana no campo das
Relaes com Investidores.
Este captulo traz, tambm, teorias e conceitos importantes para a
compreenso de como Governana Corporativa significa um dos novos
sustentculos para o discurso de perpetuidade do capitalismo, entre eles os
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conceitos de stokeholders e stakeholders, de instituies, teoria de agncia, teoria
dos incentivos, entre outros.
A abordagem da Comunicao Organizacional, como conceito e prtica, e
sua identificao com a cultura organizacional, bem como a anlise desse processo
a partir das estratgias e tcnicas das Relaes Pblicas, so os objetivos do
Captulo III. Afinal, a cultura organizacional carrega todo o depositrio de identidade
das organizaes que, trabalhada pela comunicao, subsidia os processos de
criao, manuteno e consolidao de imagem e reputao, essenciais noprocesso de Governana Corporativa. Aqui tambm se insere as Relaes Pblicas
e suas funes, com destaque para a atuao de Relaes Pblicas na gesto dos
relacionamentos com os pblicos de interesse e como mediadora de conflitos
organizacionais.
Para a identificar as interfaces possveis entre Governana Corporativa e
comunicao e a verificar as hipteses levantadas no projeto de pesquisa, adotou-se
a metodologia de Estudo de Caso, tendo como objeto o processo de implantao e
gerenciamento de Governana Corporativa no Grupo Abril, desde final de 2004,
antecipando a inteno de abertura de capital, processo este dirigido por
profissionais de Relaes Pblicas sendo que, um deles, com assento no Conselho
de Administrao da companhia, tornando relevante a escolha como objeto de
estudo. A anlise desse estudo encontra-se no Captulo IV.
Por fim, o Captulo V, identificadas as interfaces possveis entre Governana
Corporativa e comunicao, conclui defendendo a idia de que as Relaes
Pblicas, por suas funes estratgicas e ferramental especfico, a opo mais
adequada de gesto multidisciplinar dos processos de comunicao para que
Governana Corporativa cumpra seus objetivos com credibilidade, oferecendo s
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organizaes e ao mercado uma plataforma de atuao mais completa que a
tradicionalmente realizada por Relaes com Investidores.
Este trabalho objetiva, com isso, gerar uma contribuio efetiva para
estudiosos e profissionais das reas de Comunicao, Relaes Pblicas, Relaes
com Investidores e Administrao, para que todos possam atuar de forma mais
consistente em prol de uma melhor simetria de relaes entre as organizaes, seus
pblicos e a sociedade.
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2. Captulo I As Organizaes e a Sociedade de Mercado
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As organizaes tm sofrido grandes e profundas mudanas desde que a
Idade Moderna iniciou o processo de transformao das formas de organizao de
pessoas e coletividades e intensificou um movimento e uma lgica que, denominada
por capitalismo - sistema que se tornou hegemnico e dominante em termos de
proposta econmica em todo o mundo - chegou at o sculo XXI com uma srie de
dilemas existenciais que se refletem tambm nas demandas da comunicao
organizacional e, conseqentemente, na atuao do profissional de comunicao.
J no se trata mais de escolher entre apocalpticos e integrados
2
. precisopensar qual papel cabe ao comunicador na sociedade de mercado3 para que,
atravs de funes mediadoras, este profissional consiga trabalhar para um dado
equilbrio entre os atores sociais. Como sustenta Kuttner (1998), se somente uma
das pontas for preponderante, neste caso o que aprendemos a identificar como
mercado, teremos uma sociedade desequilibrada.
2.1 - Conceituando Organizao.
Segundo Philip Selzinick (apud Kunsch, 2005:33) aponta os conflitos de
abordagem conceitual que ainda cercam as definies de organizao:
A organizao simplesmente um instrumento tcnico, racional, utilizadopara canalizar a energia humana na busca de objetivos pr-fixados, cujasobrevivncia depende exclusivamente da sua capacidade de atingir os resultados ede adaptar-se s mudanas ambientais para evitar a obsolncia tcnica. umaferramenta e, como tal, gasta e acaba. A instituio, ao contrrio, um organismovivo, produto de necessidades e presses sociais, valorizada pelos seus membros epelo ambiente, portadora de identidade prpria, preocupada no somente com lucrosou resultados mas com a sua sobrevivncia e perenidade, e guiada por um claro
2 Ttulo da obra de Umberto Eco, publicada no Brasil em 1979 pela editora Perspectiva, denominando de apocalpticosaqueles que, principalmente via Escola de Frankfurt, colocam-se como essencialmente crticos cultura de massas e de
integrados aqueles que buscam nas teorias da comunicao a justificao e defesa do sistema.3 Segundo Polanyi (1980), a naturalizao da tica do mercado como regulador de todas as interaes sociais.
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sentido de misso. As pessoas constroem suas vidas em torno delas, identificam-secom elas e tornam-se dependentes delas.
E corporao? Este conceito pode comportar vrias interpretaes: em lngua
espanhola, aproxima-se de instituio; em ingls, o adjetivo corporate est ligado
aos fenmenos da vida empresarial e corporation refere-se a um tipo de sociedade
mercantil. Assim, a tendncia tem sido identificar corporativo com empresarial.
Porm, as corporaes tambm no so mais as mesmas: de estruturas
agigantadas, construdas para concentrar o maior ndice de atividades e, com isso, a
otimizao dos chamados custos operacionais, tal como foram concebidas a partir
da Ford Motor Company, nos anos 20, e ainda, na seqncia, sob modelos
similares na Europa e no Japo, as corporaes entram no sculo XXI com vrios
paradigmas quebrados, reconhecendo-se hoje no modelo Wal-Mart, ou seja, em
estruturas transnacionais baseadas na capilaridade em rede, com menor nmero de
funcionrios em tempo integral, distribudos por mltiplas bases, utilizao intensiva
da tecnologia, produo baseada em terceirizao e quarteirizao.
Com isso, dada a complexidade e risco de disperso desse formato,
necessitam aproximar-se do que as modernas teorias administrativas classificam de
organizaes, ou seja, organismos estruturais imbudos de valores e que mobilizam
seus pblicos consecuo de objetivos determinados, objetivos esses que sesituam tanto no campo mercadolgico quanto no social, retirando as organizaes
empresariais do isolacionismo que marcou a categoria praticamente at os anos 80.
O entendimento acima, e que traduzir o termo organizao para os fins
deste trabalho, assume o revisionismo de vrios autores da administrao e do
desenvolvimento organizacional, considerando que:
As organizaes constituem aglomerados humanos planejadosconscientemente, que passam por um processo de mudanas, se constroem e
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reconstroem sem cessar e visam obter determinados resultados. So inmeras asorganizaes, cada uma perseguindo os seus prprios objetivos, dotada decaractersticas prprias, com uma estrutura interna que lhes possibilita alcanar osobjetivos propostos, mas dependente, como um subsistema, de inmerasinterferncias do ambiente em geral, numa perspectiva sistmica. (Kunsch, 2005:27)
2.2 Organizaes e Comunicao
A intensificao do processo de industrializao e urbanizao ps Revoluo
Industrial, a diviso do trabalho e sua realizao por especializao, conforme
preconizado por boa parte das primeiras teorias administrativas, a reorganizao da
produo para a orientao de massa e o conseqente aumento da competitividade
na segunda metade do sculo XX e a transformao do modus operandido sistema
capitalista por meio do desenvolvimento globalizado da tecnologia de informao,
em propores antes nunca vistas, da dcada de 1990 em diante, podem ser
apontados como os principais fatores de mudana que, impactando o cenrio scio-
econmico, influenciaram tambm as principais mudanas estruturais nas
organizaes e, conseqentemente, as demandas de informao e necessidades de
comunicao com os pblicos.
Partindo das grandes linhas desenhadas acima, a comunicao evoluiu da
simples necessidade de compreenso e otimizao de processos operacionais para
as demandas da comunicao de marketing advindas do ps-guerra (produo em
massa, aumento da competitividade e necessidade de conhecimento das
preferncias de produto), e da para a era do aumento da demanda por informaes
sobre o negcio como um todo que, neste incio de sculo XXI, torna fundamental o
exerccio da comunicao nas organizaes, que devem ainda dar conta de sua
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insero social responsvel e, mais recentemente, implantar, compartilhar e
comunicar seus mecanismos de Governana Corporativa4, objeto deste trabalho.
Aps essa breve panormica histrica sobre os paralelos de evoluo da
comunicao organizacional e os principais movimentos estruturais das
organizaes e seus mercados, preciso tambm entender a tica da comunicao
organizacional como cincia que se vale de outras cincias para se desenvolver, tais
como a Sociologia, a Antropologia e a prpria Teoria Geral da Administrao.
hbrida por natureza. Nasceu e cresceu atravs da fragmentao. Como nos dizMunmby (2004):
O termo comunicao organizacional denota tanto um campo de estudosquanto um conjunto de fenmenos empricos. O primeiro amplamente uma sub-disciplina americana do campo de estudos da comunicao. O ltimo refere-se aprticas de comunicao complexas e variadas, de gente engajada emcomportamento coletivo, ordenado e orientado.
Para complicar um pouco mais, nasceu, como cincia, nos idos dos anos 50,
com carter instrumental, inicialmente ligada aos mecanismos de persuaso e
manipulao, seja da opinio pblica, seja de pblicos dirigidos.
Porm, medida que as organizaes evoluram e se tornaram mais
complexas, em estrutura e como sustentculo operacional da sociedade de
mercado, a comunicao organizacional transformou-se de funcional estratgica,
inserindo uma importante funo mediadora e se misturando ao prprio ambiente
social.
4 Governana corporativa so as prticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administrao,
Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar oacesso ao capital. A expresso designada para abranger os assuntos relativos ao poder de controle e direo de umaempresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exerccio e os diversos interesses que, de alguma forma, esto
ligados vida das sociedades comerciais. Extrado dosite do IBGC Instituto Brasileira de Governana Corporativa, em 08de Janeiro de 2004.
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Seu dilema atual adequar sua identidade e imagem aos novos tempos,
descolando-se daquela que praticamente nasceu da diviso racional do trabalho
para aquela que deve ser, ao mesmo tempo, fator estratgico para o negcio e
instrumento de conscientizao e informao dos pblicos, possibilidade esta que
nortear a concluso deste trabalho.
2.3 Capitalismo e Sociedade de Mercado
A defesa de idias acima contm, com certeza, elementos tradicionais do
discurso organizacional moderno e as principais justificativas para que qualquer
profissional envolvido com o estudo e a prtica da comunicao organizacional se
dedique a ir mais a fundo na compreenso das relaes da mesma com aquilo que
se convencionou chamar de mercado.
A comunicao organizacional tem relao direta com os elementos de
cultura organizacional (misso, viso, valores, objetivos estratgicos e processos
comunicados no discurso organizacional), que reflete, por sua vez, o caldo cultural
de sustentao do sistema econmico representativo da sociedade moderna: o
capitalismo, expresso que, sculos depois de sua origem, ainda causageneralizadas polmicas e lanando mo, inclusive, de processos de comunicao
institucional destinados melhoria de imagem, estabelece mecanismos sutis de
transformao atravs dos sinnimos sociedade de mercado, economia de
mercado e demais derivados.
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primeira vista, se no parecer ilgico, parece impossvel qualquer
contestao ou anlise mais profunda sobre o capitalismo vigente, tal como o
conhecemos hoje. Realmente, refletindo a partir de interessantes e instigantes
leituras sobre o assunto que percebemos os mecanismos de naturalizao do
processo de condicionamento das relaes sociais ao mercado, o papel fundamental
das organizaes para a perpetuidade do sistema e, conseqentemente, o papel da
comunicao organizacional.
Para o entendimento e a prtica da comunicao organizacionalcontempornea preciso, ento, inseri-la e compreend-la como parte fundamental
do sistema econmico vigente e suas particularidades.
2.3.1 - A Sociedade de Mercado
As dificuldades do capitalismo vo alm da problemtica semntica, embora
esta tambm seja significativa, conforme prope John Kenneth Galbraith, um dos
mais influentes pensadores americanos sobre economia e poltica no sculo XX que,
na obra A Economia das Fraudes Inocentes, analisou o papel das empresas na
sociedade da economia moderna e as conseqncias para o capitalismo dodeslocamento do centro de poder dos donos, os acionistas, para os administradores
profissionais.
Para tanto, o autor apoiou-se na argumentao de que academia e mercado,
cada um a seu modo, a partir de presses pecunirias e polticas e dos modismos
de cada poca, cultivam sua prpria verso da verdade, que no tem,
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necessariamente, relao alguma com a realidade e do origem a verdadeiros
mitos modernos, ou ao que chama de fraudes inocentes.
Galbraith, discutiu, justamente, as conexes histricas responsveis pelo
surgimento das expresses capitalismo mercantil, capitalismo industrial e capitalismo
financeiro, para chegar aos tempos atuais onde academia, mercado e seus
principais artfices sutilmente efetivaram uma mudana de nomenclatura: economia
de mercado ou sistema de mercado, expresses indolores que alm de passar ao
largo das percepes negativas da palavra capitalismo, contribuem para naturalizaro processo de domnio tcito do mercado sobre a ordem das coisas. o que o autor
classificou de primeira grande fraude.
Para alm da semntica, existem os dilemas essenciais do prprio
capitalismo, manifestos desde a conjugao de seu iderio por Adam Smith, cone
ideolgico do chamado liberalismo, teoria formada no sculo XVIII a partir do
desenvolvimento das foras produtivas da sociedade de ento e que se tornou o
esteio ideolgico da sociedade de mercado.
Para Smith, como base dessa teoria, o mercado o componente regulador da
sociedade, o ambiente onde o homem se reconhece; a necessidade e o interesse
regem as relaes entre os homens, dando origem ao homo economicus de
Frederick Taylor5, no incio do sculo XX.
Da por diante, a ideologia liberal e a tica protestante, unidas e fortalecidas
nos Estados Unidos da Amrica, exportaram para o mundo um modelo vencedor de
capitalismo, vigente at nossos dias e que se atualiza de variadas maneiras, posto
5
Engenheiro norte-americano que, no incio do sculo XX, criou a chamada Escola de Administrao Cientfica, nome querecebeu por causa da tentativa de aplicao dos mtodos da cincia aos problemas de administrao de empresas da poca. Ohomo economicus de Taylor pressupe que as pessoas so motivadas exclusivamente por interesses salariais e materiais. Paraconseguir o engajamento do operariado no sistema e sua participao no aumento de eficincia, criou os primeiros planos de
incentivos salariais e prmios de produo.
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que um sistema de acumulao de capital que necessita de um arcabouo
institucional regulamentao social e poltica para que sejam dadas as condies
de continuidade.
Ps Administrao Cientfica, o capitalismo viveu, at meados da dcada de
70, sob o signo do chamado fordismo.
A data inicial simblica do fordismo deve por certo ser 1914, quando HenryFord introduziu seu dia de oito horas e cinco dlares como recompensa para ostrabalhadores da linha automtica de montagem de carros que ele estabelecera noano anterior em Dearborn, Michigan.(...)O que havia de especial em Ford (e que, emltima anlise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua viso, seu
reconhecimento explcito de que produo em massa significava consumo de massa,um novo sistema de reproduo da fora de trabalho, uma nova poltica de controle egerncia do trabalho, uma nova esttica e uma nova psicologia, em suma, um novotipo de sociedade democrtica, racionalizada, modernista e populista. (Harvey,2005:121)
A sociedade capitalista do fordismo significou uma sociedade que vivia sob
um padro nico de produo, extremamente extensivo e homogneo, que afetou
toda a configurao da infra-estrutura social do sculo XX, notadamente at meados
da dcada de 1970. Um mercado orientado pela produo homognea o advento da
distribuio em escala mundial, trabalhadores orientados pela especialidade; uma
sociedade orientada pela regulamentao das relaes sociais e produtivas, um
Estado ainda subsidiador e formador das polticas de bem-estar social. Resposta,
sem dvida eficiente, para o ambiente mundial ps 2a. Grande Guerra.
Porm, extremamente rgido e concentrador, o fordismo gerou uma srie de
descontentamentos e controvrsias infraestruturais (mercados de trabalho
monopolizados com conseqente aprofundamento de desigualdades sociais,
presso pelos benefcios complementares do Estado, estrangulamento da
produtividade) que encontrou na grande recesso econmica de 1973, aprofundada
pelo choque do petrleo, o momento para mais um ciclo de renovao do sistema,
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significando o incio do que Harvey (2005) chama de perodo de acumulao flexvel,
ou capitalismo flexvel, pano de fundo para a acomodao ideal da expresso
sociedade de mercado.
A acumulao flexvel :
Marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apia naflexibilidade de processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos epadres de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produointeiramente novos, novas maneiras de fornecimento de servios financeiros, novosmercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovao comercial,tecnolgica e organizacional. (Harvey, 2005:140)
Tipicamente ps-moderno e fragmentado, o capitalismo flexvel desloca o
controle do Estado para o mercado, tanto representado nas corporaes como nas
entidades no governamentais de defesa do consumidor, por exemplo, diluindo as
instncias oficiais de regulao.
O Estado regulador e subsidiador substitudo pelo Estado empreendedor e
intensifica-se a privatizao dos benefcios sociais, levando o Estado ao afastamento
das polticas de bem-estar social; o mercado de trabalho troca a especializao pela
capacidade de ser multifuncional, multitarefa, multimercado. A homegeneidade d
lugar ao sem nmero de opes, variedades, multiplicidade de produtos, servios e
mercados regionais, integrados globalmente pela tecnologia que possibilita a
integrao de plataformas de trabalho e a movimentao do capital financeiro.
Por isso, ainda segundo Harvey:
A acumulao flexvel envolve rpidas mudanas dos padres dodesenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regies geogrficas,criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado setor deservios, bem como conjuntos industriais completamente novos em regies atento subdesenvolvidas (tais como a Terceira Itlia, Flandres, os vrios vales egargantas do silcio, para no falar da vasta profuso de atividades dos pases recm-industrializados). Ela tambm envolve um novo movimento que chamarei de
compresso do espao-tempo no mundo capitalista os horizontes temporais datomada de decises privada e pblica se estreitaram, enquanto a comunicao via
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satlite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusoimediata dessas decises num espao cada vez mais amplo e variado. (2005:140)
O capitalismo flexvel irmo do neoliberalismo que vigorou, ativamente, at
o incio do sculo XXI ou, mais precisamente, at a falncia de grandes corporaes
que personificavam o sucesso acrtico desse sistema, como Enron e WorldCom, e
at o ataque s torres gmeas do World Trade Center. Mais uma vez, o ambiente
criado por mais um inegvel ciclo de crescimento do capitalismo, o flexvel, levou ao
quase esgotamento dos sustentculos do sistema ao levar a extremos a filosofia
neoliberal.
Porm, preciso lembrar que as crticas sociedade de mercado tambm
no so movimentos to recentes. Karl Polaniy, logo no incio da dcada de 1980,
se props a entender o contexto e os problemas de uma poca onde a tica do
mercado a lgica de pensamento dominante.
Polanyi chama a ateno sobre o processo de naturalizao desta tica do
mercado em todas as esferas sociais e, inclusive, aborda a questo semntica da
sociedade de mercado e os tnues limites entre o pblico e o privado, em termos de
presena e ausncia do Estado na regulao das sociedades, centrando seu foco de
crtica justamente na propalada auto-regulao do mercado, um sistema capaz de
organizar a totalidade da vida econmica sem qualquer ajuda ou interferncia
externa (1980:59), somente possvel na chamada sociedade de mercado. Diz,
ainda, o autor:
No se compreendeu que a engrenagem de mercados num sistema auto-regulvel de tremendo poder no foi o resultado de qualquer tendncia inerente aosmercados em direo excrescncia e, sim, o efeito de estimulantes altamenteartificiais administrados ao corpo social, a fim de fazer frente a uma situao nomenos artificial da mquina. (1980:72)
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So as fraudes inocentes apontadas, recentemente, por Galbraith.
Vejamos:
Assim como o voto d autoridade ao cidado, na vida econmica a curva dedemanda confere autoridade ao consumidor. Nos dois casos, h uma dosesignificativa de fraude. Tanto no caso de eleitores como de consumidores , existe umformidvel e bem financiado controle da resposta do pblico. Isso se acentuou na erada propaganda e das modernas promoes de vendas. Eis uma fraude aceita,inclusive no ensino universitrio. (...) Acreditar numa economia de mercado em que oconsumidor soberano uma das formas de fraude mais difundidas. Que ningumtente vender sem administrao e controle do consumidor. (2004:28;30)
dessa dimenso que fala, reiterando a contemporaneidade das colocaes
dos autores acima, o editorial da revista Exame, um dos veculos mais
representativos do empresariado brasileiro:
As pessoas parecem no enxergar o capitalismo como um sistema que tenhaelevado a qualidade e a expectativa de vida ou que tenha distribudo a muitos bensantes reservados a poucos. Ainda se v o capitalismo como um mecanismo criadopara enriquecer os capitalistas. Rever conceitos distorcidos como esse premissapara que a sociedade encare o ganho coletivo como a soma de lucros individuais 6.
Se tentssemos criar citaes que espelhassem, em sua ntegra, as anlises
crticas de Polanyi e Galbraith, ou um texto que poderia ter sido criado no sculo
XVIII pelo prprio Adam Smith, talvez no consegussemos chegar a tanto.
2.4 Nem apocalpticos, nem integrados: o papel do comunicador
Porm, no se pretende, neste trabalho, colocar mais lenha na fogueira da
imagem do capitalismo ou, ainda, corroborar uma viso totalmente custica do
processo. preciso retomar o objetivo principal, de correlacionar a importncia, para
o produtor de comunicao, de estar aberto a leituras crticas do sistema em que
6Revista Exame, So Paulo, 6, Editorial.
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atua, em nome e para as organizaes modernas, como forma no s de
compreender melhor seu ambiente de atuao, mas tambm de ajudar a modific-lo
pelo seu trabalho.
O problema no reconhecer o poder do mercado, posto que est mais do
que reconhecido; o problema tambm no criticar o sistema capitalista
hegemnico, apresente-se este com que nome quiser, tendo em vista que no h
alternativa visvel, em longo prazo, para tal sistema, dada a absoluta falncia das
propostas alternativas; o problema encontrar alternativas viveis de atuao dentrodeste sistema, reconhecendo que se a lgica do mercado hoje regula a sociedade e
suas organizaes, pode caber ao comunicador um importante papel de
conscientizao e mediao entre as organizaes, seus pblicos e a sociedade.
Isto porque fica claro que a sociedade de mercado auto-regulvel produz,
continuamente, instituies, aes e modelos que agem ante os sinais de
esgotamento do sistema, justamente para que haja a perpetuao do mesmo.
neste sentido que podemos perceber que as contestaes cada vez mais intensas
em relao ao domnio da lgica do mercado, em todas as instncias sociais, e o
sentido de auto-preservao, tm provocado um mecanismo reverso nas instncias
que detm o poder de ditar os rumos deste sistema: organizaes, poderes pblicos
e a emergncia do chamado terceiro setor7.
7 A grosso modo, o terceiro setor constitudo por organizaes sem fins lucrativos e no governamentais, que
tm como objetivo gerar servios de carter pblico. O governo e seus rgos formam o primeiro setor e ainiciativa privada, o segundo setor.
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2.5 tica e Responsabilidade Social Corporativa: demandas sociais
incorporadas
tica e Responsabilidade Social Corporativa tambm podem ser
consideradas como instituies incorporadas pelo discurso vigente a partir de
legtimas demandas sociais.
do que tratam, por exemplo, autores como Robert Kuttner e Gilles
Lipovetsky.
Tal como Galbraith, estes autores reconhecem a situao desmedida em que
se encontra a sociedade contempornea devido ao esgotamento do tecido social e
suas instituies, justamente pela intensidade e abrangncia do poder do mercado
em todas as esferas de vida pblica e privada.
Porm, importante, no so contestadores do sistema, no querem a sua
extino. Apresentam quase que uma terceira via, tomando a liberdade de uso desta
expresso, surgida no contexto poltico da Inglaterra do sculo XX com o novo
trabalhismo de Tony Blair8, propondo formas alternativas de viso poltica ao
tradicional direita-esquerda.
Kuttner, Lipovetsky e Galbraith podem ser considerados autores que apontam
caminhos alternativos para a sociedade de mercado, identificando a necessidade de
ajustes em suas superestruturas e, assim, podem apontar para o profissional de
comunicao organizacional outros caminhos a trilhar ao se pensar o planejamento
estratgico de comunicao das organizaes.
8 Primeiro-ministro da Gr-Bretanha, eleito pela primeira vez em 1997. Ficou conhecido como o pai da proposta daTerceira Via, uma filosofia de governo que se baseia em princpios como: desregulao, descentralizao e reduode carga tributria.
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Kuttner, por exemplo, faz crticas contundentes ao comportamento desmedido
e, muitas vezes, desregrado, do sistema. Mas o faz, justamente, para apontar a
possibilidade de correo de rumos necessria preservao do modelo. O livro
adota a
hiptese de trabalho de que o sistema capitalista uma forma superior deorganizao econmica, mas que, mesmo numa economia de mercado, existemesferas da vida humana em que os mercados so imperfeitos, inapropriados ouinatingveis. Muitas formas de motivao humana no podem ser reduzidas a ummodelo mercadolgico do ser humano. (Kutnner, 1998:28)
O autor acredita na possibilidade de um equilbrio entre o mercado, o Estado
e a sociedade civil (Kutnner, 1998:28).
Sob um outro ngulo, mas com a mesma essncia, Lipovetsky (2004),
notadamente em Os tempos hipermodernos e Metamorfoses da cultura liberal,
reconhece o mercado como fundamento da modernidade, tal como a conhecemos.
Porm, na viso do autor, durante a maior parte do tempo histrico decorrido, o
mercado esteve sob alguma forma de controle. J naquilo que chama de
hipermodernidade, ou seja, o entendimento do autor sob o tempo da sociedade
contempornea, que j no comporta nem o termo ps-modernidade, de forma
indita, o mercado que controla a sociedade, que detm a supremacia e tal estado
de coisas insustentvel. Ou seja, o autor refere-se ao chamado esgotamento do
sistema.
Nas obras, Lipovestsky tambm pontua com caminhos alternativos,
chamando ateno para o que classifica de uma reao das organizaes,
notadamente as de mbito privado, no como aes essencialmente imbudas de
valor social, mas por sobrevivncia. uma resposta a um tempo que encontra
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ressonncia no comportamento da prpria sociedade, que ao reconhecer seu
comportamento hiperindividualista e hiperconsumista, por exemplo, e suas
conseqncias no meio orgnico e social, volta-se defesa das questes scio-
ambientais, preocupada agora com sustentabilidade e sobrevivncia.
Um bom exemplo das propostas alternativas do autor, est na clareza e
objetividade com que o mesmo expe a necessidade de, diante do dilema das
organizaes junto sociedade agora tecnologicamente globalizada, hierarquizar
os nveis de imperatividade tica, por exemplo, propondo o que chama de trsnveis de tica organizacional:
a facultativa, onde nem tudo que bom moralmente deve ser
obrigatrio para uma organizao;
a indeterminada, onde se levado a decidir remetendo a um
engajamento ou tica pessoal e, por isso, assume-se os riscos
inerentes s decises a elas correlatas;
e a tica absoluta, que se contrape ao facultativo por reconhecer que
existe, tambm, um nvel obrigatrio de comportamento tico,
incondicionvel e inviolvel, afeito ao mbito da moral, do respeito s
pessoas, da proteo vida e dignidade, por exemplo.
Notadamente aps os escndalos corporativos iniciados com Enron e
WorldCom e os atentados de 11 de setembro de 2001, o discurso do comportamento
tico, alimentado pela confuso conceitual, comprometeu-se bastante ao quase virar
sinnimo da chamada Responsabilidade Social Corporativa:
A evoluo do discurso um problema, diz a sociloga Rosa Maria Fischer,professora da Faculdade de Economia e Administrao da USP. Se, de um lado,propiciou que as empresas acordassem, de outro lado criou uma cortina de fumaaque dificulta enxergar a prtica real da responsabilidade. Segundo Ceclia Arruda,
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coordenadora do Centro de Estudos de tica nas Organizaes, da Fundao GetlioVargas, de So Paulo, existe hoje um discurso que impinge a tica como mercadoria,onde aes de responsabilidade social vm sendo usadas como esforo depropaganda, e as verbas normalmente saem do departamento de marketing. Oproblema surge quando se confundem essas aes, geralmente externas e marginais
ao negcio, com o que o cerne da atitude tica: o modo de enfrentar os dilemascotidianos. 9
importante, ento, conceituar Responsabilidade Social tambm como
filosofia de gesto e no como filantropia ou qualquer tipo de ao social de carter
mais mercadolgico ou com objetivos simples de exposio de marca, o que
diferencia prtica e conceito do chamado marketing social:
Responsabilidade Social Empresarial a forma de gesto que se define pelarelao tica e transparente da empresa com todos os pblicos com os quais ela serelaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatveis com odesenvolvimento da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para asgeraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a reduo dasdesigualdades sociais. 10
Note-se que o conceito acima incorpora Responsabilidade Social no s
como filosofia de gesto mas, tambm, como princpio de comunicao (relaotica e transparente com todos os pblicos), bem como forma de atuao poltica e
social das organizaes.
O fato que, retomando as primeiras colocaes deste captulo, o produtor
de comunicao no pode estar dissociado das grandes tenses contemporneas
entre o pblico e o privado; assim, preciso entender o papel do mercado na
sociedade contempornea e os caminhos alternativos que so propostos, em
diversas instncias, em outras reas do conhecimento, posto que a comunicao
no constri seu saber isoladamente; preciso conhecer com maior profundidade as
caractersticas e as demandas da sociedade de mercado e suas conseqncias;
preciso entender o novo, e ao mesmo tempo antigo, contexto poltico, econmico e
9Cohen, David. Os dilemas da tica. Revista Exame, So Paulo, 792, 07/05/2003.
10 Disponvel em www.ethos.org.br.
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social do capitalismo, agora tido como flexvel, que cria e recria contextos e
movimentos que se traduzem em instituies sociais capazes de perpetuar o
sistema ao assimilar e dar respostas s demandas mais crticas geradas pela ao
do prprio sistema.
Por trabalhar com projees futuras de expectativas e comportamentos que
expressem as organizaes, oriundas de qualquer setor, e seus pblicos, e
especialmente nos processos de formao da opinio pblica, a comunicao
possui extrema ligao com o contexto da sociedade de mercado.
O prprio pano de fundo de atuao, o mercado, ao levar a extremos sua
proposta, traz a necessidade de amplos ajustes estruturais no funcionamento do
sistema e, conseqentemente, no funcionamento e relacionamento das
organizaes que traduzem o sistema.
A comunicao organizacional, fortalecendo-se como cincia e como prtica,tem a um papel fundamental e, conseqentemente, um grande desafio: o de
conscientizar e articular os interesses primariamente conflitantes de todos os atores
sociais em prol de entendimentos comuns como parte fundamental do processo de
consolidao/reconsolidao estrutural do sistema, porm, atravs de um trabalho
que concilie os interesses das organizaes com o exerccio da tica e da cidadania.
No h como deixar de observar que num mundo de conscincias
relativizadas, isso no se configure como um imenso desafio.
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3. Captulo II Governana Corporativa
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3.1. Contexto
Neoliberalismo. Economia de Mercado. Capitalismo flexvel. tica
empresarial. Responsabilidade Social Corporativa. Fuses e Aquisies. Tomada
hostil de capital. Nova Economia. Globalizao. Governana Corporativa.
Relacionamento com pblicos de interesse. Stakeholders. Desenvolvimento social.
Interesse pblico x interesse privado. Maior ou menor interveno de governos na
sociedade e na economia.
Com certeza, uma rica plataforma de expresses vinculadas ao contexto
econmico contemporneo. Para o bem ou para o mal, expressam hoje, para a
maioria das pessoas, o cenrio do capitalismo ps-globalizao tecno-econmica,
notadamente aps os anos 90 do sculo XX.
Para entender uma dessas expresses, que se tornou significante e
significado - Governana Corporativa - preciso conhecer, mesmo que brevemente,
os principais movimentos que marcaram a histria de formao das organizaes
contemporneas e suas estruturas de gerenciamento, notadamente as companhias
de capital aberto que, mesmo longe de representar a totalidade da estrutura
societria das empresas brasileiras, representam hoje as principais organizaes
globais e, entre elas, muitas de origem brasileira que sinalizam para o ambiente
corporativo as prticas que se tornaro os principais modelos de gesto.
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3.1.2 - Surgem as companhias de capital aberto
Pode-se afirmar que as origens da empresa moderna remontam ao final do
sculo XIX, com o surgimento do modelo operacional das ferrovias. Entre 1850 e
1950, nos EUA, Gr-Bretanha, Japo e Alemanha, deu-se embora a partir de
diferentes estruturas o surgimento e a expanso de companhias gigantes, cuja
caracterstica bsica seria a alavancagem de capital externo em detrimento aos
recursos oriundos de seus proprietrios, dando origem separao entre
propriedade e gesto.
As ferrovias no foram apenas as grandes promotoras dos negciosmodernos; foram tambm o primeiro negcio moderno. (...) As ferrovias tampoucopoderiam ter deixado de ser as primeiras firmas a empregar grandes exrcitos degerentes em tempo integral. Transportar enormes quantidades de carga pelo passem que os trens se chocassem exigia muita administrao. Copiando inicialmente oexemplo britnico (onde as ferrovias eram em geral dirigidas por militaresreformados), as grandes estradas de ferro comearam a formar hierarquiassofisticadas, empregando 50 a 60 gerentes j em 1850, e muitas centenas maisdepois disso. Esses gerentes eram figuras novas numa sociedade agrcola: pessoasque no eram proprietrias da organizao em que trabalhavam, mas que mesmoassim dedicavam a elas toda a sua carreira. (....) Enquanto isso, as vorazesexigncias de capital por parte das ferrovias determinaram, mais do que qualqueroutro fator, a criao da moderna Bolsa de Valores de Nova York. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:97).
Com as ferrovias, deu-se o incio da expanso vertiginosa do mercado
moderno, pois seu modelo de investimento possibilitou o surgimento da
comunicao via telgrafo e telefone, a revoluo dos correios e abriu caminho para
o incio do varejo e a distribuio em escala. Na administrao, para acompanhar
essa movimentao e garantir produtividade indstria nascente, surgem, nas duas
primeiras dcadas do sculo XX, as teorias cientfica e clssica de Frederik Taylor e
Henry Fayol, subsidiando o surgimento da produo em srie do modelo Ford T, em
1914, por Henry Ford, este sim precursor do mercado de massa.
O sucesso de Ford no ocorreu somente por saber construir automveis maisrapidamente e sim tambm por haver juntado na mesma organizao a produo em
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massa e a distribuio em massa. Uma firma industrial integrada era capaz deencontrar economias de escala em todos os setores, desde as compras at apublicidade, a fim de manter uma infindvel produo de cigarros, fsforos, cereaispara o caf da manh, filmes, mquinas fotogrficas, sopas e leites enlatados eexpedi-la para todo o pas. O segredo era ser tanto quanto possvel proprietrio de
todas as fases do processo. (...) As companhias integradas, que em realidade noexistiam na dcada de 1860, dominavam as indstrias mais vitais dos Estados Unidosna virada do sculo. Tipicamente, como no caso da Ford, combinavam inovaotecnolgica com a agressividade no mercado. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:103).
At praticamente 1950, houve um grande perodo de consolidao entre as
empresas da poca, dando origem aos trustes e ao surgimento das chamadas
multinacionais, mesmo com um mercado acionrio que pode ser considerado,
tica de hoje, incipiente, mas responsvel pela viabilidade de aporte de recursos
para os novos modelos de negcio.
importante registrar tambm que o surgimento dessas grandes estruturas
organizacionais, companhias gigantes com alto poder de impacto no mercado de
trabalho e na sociedade, gerou, neste perodo, a necessidade inescapvel de
interao social das organizaes com seus pblicos, tendo em vista a presso de
movimentos organizados, tais como os sindicatos, imprensa e comunidade, em torno
do impacto j considervel dessas companhias na sociedade.
Durante este perodo, a formao do modelo empresarial e de mercado que
desaguaria na globalizao como a conhecemos hoje seguiu os mesmos moldes no
que at cerca de 1990 se configurava como os principais eixos de poder e de
mercado, formado por EUA, Gr-Bretanha, Alemanha e Japo.
Porm, deve-se notar que a consolidao da produo e do mercado dentro
do mesmo sistema, o capitalismo, se deu de maneira diferenciada entre estes pases
que formam, ainda hoje, mesmo com o advento da China, o grande conjunto de
influncia poltica e econmica mundial: os EUA, basicamente neoliberal, no sentido
de Estado mnimo e o mximo de poder iniciativa individual; a Gr-Bretanha, e sua
eterna luta em torno do poder perdido, a difcil arte de se libertar das estruturas do
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capitalismo industrial que ajudou a inventar; a Alemanha, e seus direcionamentos
paradigmticos para a construo do que se entende por sociedade de mercado e o
papel do governo e das companhias na sustentao do modelo de bem-estar social;
e o Japo, com a revoluo da especializao e suas incompatilibidades culturais
com a ntegra do modelo neoliberal vigente.
3.1.3 - O poder dos gerentes
O que ficou conhecida como a revoluo administrativa levada a cabo por
Alfred Sloan, que se tornou presidente da General Motors em 1923, ao criar as
unidades de negcio que se baseavam na descentralizao das atividades
operacionais ligadas por uma estratgia central de negcios dada pela corporao,
abriu caminho para a escalada de poder das gerncias.
Nas primeiras dcadas do sculo XX, iniciou-se uma conquista silenciosa: aseparao gradual entre propriedade e o controle. Sem dvida, os ladres nobresconservaram o domnio sobre as grandes decises estratgicas, mas no podiamcontrolar pessoalmente todos os detalhes de seus gigantescos imprios de negcios.(...) Gente como King, Gillete, Willian Wrigley, H.J. Heinz e John D. Rockefellercontrataram hordas de gerentes vestidos de ternos escuros a fim de organizar seuscaticos imprios. (...) Gradualmente, esses Homens da Companhia comearamigualmente a tomar as decises estratgicas. Todas as fuses exigiam do grupogerencial central a racionalizao da nova firma. Cada ladro nobre que morrialibertava-os um pouco mais. Cada emisso de aes dispersava a propriedade. (...)Esse era o pano de fundo da firma multidivisional da qual Alfred Sloan (1875-1966) foi
pioneiro na General Motors. (...) A estrutura multidivisional, que ia sendoprogressivamente adotada pelas principais corporaes americanas, inclusive aGeneral Eletric, a United States Rubber, a Standard Oil e U.S. Steel, era uminstrumento ideal para gerenciar o crescimento. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:146-148)
Modelo dominante em termos mundiais at a dcada de 1970, foi
fundamental para o movimento de internacionalizao das companhias atravs das
multinacionais, que levaram forte expanso dos conglomerados empresariais e
tambm mistificao do poder e competncia dos especialistas profissionais em
detrimento da experincia e tradio dos fundadores, e do conhecimento, relevncia
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e interesse dos acionistas, germinando posturas que contriburam significativamente
para os escndalos de gesto administrativa do incio do sculo XXI.
A despeito da Guerra Fria e da separao do mundo entre dois blocos
ideolgicos, os europeus, de maneira geral, inclusive na Europa oriental comunista,
aprendiam com os americanos. Por volta de 1970, mais da metade das 100 maiores
companhias industriais britnicas havia utilizado os servios da McKinsey para
reorganizar suas estruturas gerenciais. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:165).
Tambm as companhias nacionalizadas na Europa Oriental foram
consolidadas de forma a serem grandes o suficiente para gerar economias de
escala, mobilizar recursos e adotar as novas tecnologias, corroborando o modelo de
Alfred Sloan.
A questo entre a separao entre propriedade e controle nas organizaesmodernas foi acentuada em artigo clssico dos autores Berle e Means (1932),analisando o crescimento das empresas norte-americanas na dcada de 1920, com a
pulverizao do capital das organizaes e o controle disperso. Esse artigo ocupaposio de destaque no desenvolvimento da teoria das organizaes, que seaprofundou posteriormente com o desenvolvimento, por Jensen e Meckling (1976), dateoria da agncia, que trata dos conflitos quando um determinado agente age emnome de outro, o chamado principal, e os objetivos de ambos no coincidemintegralmente. (Machado Filho, 2006: 77-78)
Notadamente a partir do incio da dcada de 1980, as coisas comearam a
mudar. As enormes e complexas estruturas multinacionais diversificadas, que
fizeram o poder dos gerentes, j no mais suportavam os custos decorrentes de sua
operao e num cenrio econmico mundial adverso, passaram a ser cones de
inflexibilidade, de falta de agilidade.
O mundo estava mudando novamente. O modelo at ento vencedor das
multinacionais e as transformaes radicais em seu contexto de operaoocasionadas por mudanas sociais e inovaes tecnolgicas no bojo da tecno-
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globalizao que tanto as beneficiaram, ao propiciar seu crescimento exponencial e
a facilidade na movimentao do capital, tambm as prejudicaram, j que
possibilitaram que empresas menores e mais geis pudessem disputar o mercado
em condies de quase igualdade com a reduo das barreiras tarifrias, a
expanso da desregulamentao e a queda nos custos do transporte e das
comunicaes que marcaram a dcada de 1990.
A histria da empresa no ltimo quartel do sculo XX a de uma estrutura
em simplificao. Gradualmente, as companhias foram obrigadas a concentrarem-seem suas competncias essenciais. A exigncia que Ronald Coase fazia scompanhias a de que tinham de ser mais eficientes do que o mercado estavasendo testada ainda mais dolorosamente. Os gerentes das grandes companhiasgostavam de dizer que a nova tecnologia tornava mais eficiente juntar tudo em umanica empresa. Em certos casos, isso mostrou ser verdade. (...) Mas o mundo emgeral caminhava na direo oposta. (...) Uma quantidade maior de pessoas deixou asgrandes firmas para estabelecer-se por conta prpria: na Gr-Bretanha, por exemplo,o nmero de empresas cresceu em 50% entre 1980 e 1996. E medida que asgrandes companhias eram obrigadas a reconcentrar-se naquilo que eram capazes defazer mais barato ou melhor do que os de fora, descobriram que essas competnciasessenciais no estavam nas coisas tangveis, como o equipamento industrial, e simem valores intangveis: a cultura da descoberta na Glaxo Wellcome, por exemplo, ou
as tradies da engenharia na Mercedes-Benz. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:172-179)
Porm, esse movimento de simplificao estrutural dos grandes
conglomerados e a alterao profunda no modelo de negcios e mercado que se
deslocou da produo para os servios e deste para o capital intelectual, entre as
dcadas de 1970 a 1990 no enfraqueceu o mercado acionrio, pelo contrrio,
apenas modificou radicalmente a pulverizao e o controle das aes das
companhias.
Trs fatores foram fundamentais para o processo de simplificao das
estruturas organizacionais e acabaram por preparar o cenrio para a reviso do
papel regulador dos governos na esteira dos escndalos corporativos do ano 2000,
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preponderantes para que os mecanismos de governana corporativa ganhassem a
dimenso atual:
os japoneses, deslocando o sistema de produo para o just-in-time11
, um
dos cones do capitalismo flexvel e fator de corroso do poder dos
gerentes, ao dar voz ativa e poder de deciso aos escales operacionais;
Wall Strett e o surgimento de um mercado acionrio sofisticado e
sustentado pelos fundos de penso (entidades privadas de
complementao de aposentadoria) e grandes fundos de investimento
globais, acelerando o acesso e a pulverizao do capital; surgem as
tomadas hostis de capital, as aquisies alavancadas por troca de aes,
os programas de opo de aes (stock options) como forma de
participao nos lucros de presidentes, diretores e gerentes das
companhias, numa tentativa do mercado de controlar o poder dos
gerentes fazendo com que os mesmos se sentissem donos do negcio.
Porm, essa experincia foi pervertida mediante o uso excessivo de
opes para compra de aes, num esquema de enriquecimento rpido e
de privilgio de informaes que abalaram o mercado.
11OJust in Time surgiu no Japo, no princpio dos anos 50, sendo o seu desenvolvimento creditado Toyota
Motor Company, a qual procurava um sistema de gesto que pudesse coordenar a produo com a procuraespecfica de diferentes modelos de veculos com o mnimo atraso.Esta filosofia de produzir apenas o que omercado solicitava passou a ser adoptada pelos restantes fabricantes japoneses e, a partir dos anos 70, os veculospor eles produzidos assumiram uma posio bastante competitiva.Desta forma, o Just in Time tornou-se muitomais que uma tcnica de gesto da produo, sendo considerado como uma completa filosofia a qual inclui
aspectos de gesto de materiais, gesto da qualidade, organizao fsica dos meios produtivos, engenharia deproduto, organizao do trabalho e gesto de recursos humanos. O sistema caracterstico do Just in Time de"puxar" a produo a partir da procura, produzindo em cada momento somente os produtos necessrios, nas
quantidades necessrias e no momento necessrio, ficou conhecido como o mtodo Kanban. Disponvel em:http://www.cev.pt/servicos/Ginformacao/jit.htm.
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o Vale do Silcio12 e a miniaturizao da produo, que possibilitou a
consolidao da sociedade em rede13 e a democratizao da informao
via Internet e alterou a ideologia administrativa com suas estruturas
alternativas de organizao.
Em meados dos anos 1990, a nova configurao das companhias e do
mercado, agora em conexo global e em tempo real, trouxe novas dimenses para o
mundo do trabalho (enxugamento de estruturas, terceirizao, downsizing14, para o
mercado financeiro (deslocamento automtico de grandes fluxos de recursos
financeiros de um mercado para outro, sem compromisso com as conseqncias
locais/globais) e para as corporaes (acelerao dos processos de fuso e
aquisio, principalmente via troca de aes).
Essas mudanas comearam a suscitar indagaes sobre o relacionamentoentre a empresa e o Estado. Na altura do ano 2002, a atitude da sociedade emrelao ao setor empresarial parecia ter dois aspectos. Por um lado, os governoshaviam libertado a empresa, desregulamentando os mercados, afrouxando as
barreiras comerciais e privatizando companhias estatais. Por outro, a sociedade no somente o governo, mas um amplo espectro de grupos de presso procuravaformas de dirigir as empresas para objetivos sociais. (...) Enquanto isso, os governosda Gr-Bretanha e dos Estados Unidos comearam tambm a diluir uma daspremissas bsicas do capitalismo acionrio: a idia de que as empresas devem sergeridas em proveito de seus acionistas. Durante a dcada de 1980 cerca de metadedos 50 estados dos Estados Unidos introduziram leis que permitiam aos gerenteslevar em considerao outros grupos interessados, alm dos acionistas.(Micklethwait;Wooldridge, 2003:201-202)
12 Vale do Silcio como conhecido, na Califrnia EUA, o Silicon Valley, um conjunto de empresas
implantadas a partir da dcada de 1950 com o objetivo de inovar cientfica e tecnolgica, destacando-se naproduo de Chips, na eletrnica e informtica. Disponvel emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_do_Sil%C3%Adcio.13 Expresso cunhada pelo socilogo espanhol Manuel Castells, na dcada de 1980, na obra Sociedade em Rede- A Era da informao: Economia, sociedade e cultura". O autor mapeia um cenrio mediado pelas novastecnologias de informao e comunicao e analisa como estas interferem nas estruturas sociais.14
Nos anos 80, as grandes empresas cresceram de forma desordenada atravs da diversificao para novosnegcios. Criaram estruturas gigantescas para competir numa era em que a velocidade e a flexibilidade so os
dois requisitos-chave. Por isso, nos anos 90 foram foradas a reestruturar-se, um processo designado downsizing(um termo importado da informtica). Aplicado gesto significa a reduo radical do tamanho da empresa,
geralmente atravs do delayering (reduo dos nveis hierrquicos) ou da venda de negcios no estratgicos. Asempresas ganham flexibilidade e perdem burocracia e ficam mais prximas do mercado e dos clientes.
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3.1.4 - Os anos 2000: a era dos escndalos corporativos
Durante mais de um sculo, considerando-se o incio da formao das
empresas modernas, as empresas se tornaram grandes conglomerados globais,
conquistando mercados e naes; mesmo com a reviso das estruturas
organizacionais gigantes e complexas entre as dcadas de 1980/1990, as
companhias consolidaram seu poder de atuao em nvel mundial atravs do
mercado de capitais e das possibilidades da tecno-globalizao. At o incio dos
anos 2000, eram percebidas como cones inabalveis do sucesso capitalista. Mas....
Em dezembro de 2001, o mundo, ainda abalado pelos atentados terroristasocorridos em 11 de setembro, foi surpreendido por outro evento com proporesglobais: a descoberta de manipulaes contbeis em uma das empresas maisconceituadas dos Estados Unidos: a Enron. Essa descoberta deu incio a um efeitodomin, com a constatao de prticas de manipulao em vrias outras empresas,no s norte-americanas, mas no resto do mundo, resultando em uma crise deconfiana em nveis inditos desde a quebra da bolsa norte-americana em 1929. (...)A cada dia se constatava que o mercado aparentemente eficiente da maior economiado mundo era extremamente vulnervel. O grau de confiana nas informaesfornecidas aos investidores se tornou preocupante para o mundo inteiro.(Borgerth,2007:XV)
Os escndalos corporativos que vieram na esteira do caso Enron so
considerados, por alguns historiadores e tambm por vrios estudiosos da
economia, como o verdadeiro marco que d incio ao sculo XXI. Na esteira do caso
Enron, a Arthur Andersen, tradicional empresa de auditoria com 89 anos de atuao
e que validava os balanos da companhia, desapareceu em apenas 3 meses.
Outros casos similares se seguiram: a WorldCom, at julho de 2002, com o
pedido de falncia, era conhecida como a segunda maior empresa de telefonia de
longa distncia nos Estados Unidos, alm de ocorrncias de menor impacto, porm,
derivadas da mesma situao de graves ocorrncias no controle contbil e
assimetria de informao aos mercados e aos stakeholders, com outras companhias
de imagem at ento quase inabalveis, como Merck (2001), Xerox (2002), Bristol-
Myers Squibb (2002) e ainda a quebra da gigante Parmalat (2003).
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Tal como no ideograma chins, toda crise representa uma oportunidade. A
srie de escndalos corporativos que abalou os mercados no incio da dcada de
2000, ao demonstrar a fragilidade e a assimetria no poder de informao das
organizaes em relao aos seus stakeholders, fez com que os Estados e seus
rgos reguladores retomassem um papel mais ativo no controle das corporaes,
ratificando que os mercados no podem simplesmente ser deixados auto-
regulao, dado o conflito de interesses inerente aos que detm o capital, aos que
controlam o poder de gesto e os pblicos que so direta e indiretamente afetados
pelas corporaes. A principal medida, adota nos EUA, teve repercusso a nvel
global, dado o nvel de internacionalizao das companhias e dos mercados:
Nesse contexto, uma srie de medidas regulatrias foi introduzida ao longode 2002, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo, inclusive no Brasil. Dentreestas medidas, destaca-se a Lei Sarbanes-Oxley, de 30 de julho de 2002. O grandeobjetivo da Lei Sarbanes-Oxley restaurar o equilbrio dos mercados por meio demecanismos que assegurem a responsabilidade da alta administrao de umaempresa sobre a confiabilidade da informao por ela fornecida.(Borgerth, 2007: XVI)
Os pressupostos da Lei Sarbanes-Oxley e as conseqncias sofridas por todo
o mercado com a quebra de confiana dos investidores e da opinio pblica nas
informaes geradas pelas corporaes, com a conseqente queda do valor de
mercado de muitas companhias, levou o prprio mercado, mais uma vez, a criar e
recriar mecanismos e instituies, como a Governana Corporativa, para resgatar
sua credibilidade e imagem na sociedade e, com isso, garantir rentabilidade e
sustentabilidade adequadas ao perfil das corporaes do sculo XXI.
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3.2 Natureza e Conceitos
Tal como vimos na primeira parte desse captulo, a necessidade de
estabelecer polticas e instrumentos de regulao e controle das atividades de
gesto das organizaes privadas passou a existir principalmente aps a separao
entre o capital e o controle das companhias e se acentuaram medida que as
estruturas organizacionais e de capital se tornaram mais complexas.
O economista Malson da Nbrega resume o advento das firmas primeiras
instituies jurdicas criadas para acomodar as necessidades dos mercados do incio
do sculo XX e o advento da corporao:
A inveno da firma criou uma fico, a pessoa jurdica, separada da pessoafsica. Ela seria fundamental para viabilizar as operaes da era capitalista, queexigiam recursos acima das possibilidades dos empreendedores.
(...) A corporao surgiu no incio do sculo XIX nos pases desenvolvidos,nos quais foram aprovadas leis que regulamentavam sua criao e seufuncionamento. Depois, o conceito se generalizou. (...) Para movimentar capitais emgrande volume, a forma corporativa oferece muitos benefcios. Alm de osinvestidores no correrem o risco de perder mais do que investiram, as aes da
corporao podem ser transferidas sem necessidade de sua reorganizao legal. Oconceito de pessoa jurdica permite empresa autonomia para iniciar aes legais,mover e sofrer processos, realizar contratos, etc. o que protege a pessoa fsica dosinvestidores. Finalmente, a durao da corporao no est limitada pela durao daparticipao de qualquer um de seus investidores.
A partir do incio do sculo XX, as corporaes adquiriram maior importncia,trazendo benefcios e desvantagens. Por um lado viabilizaram grandesempreendimentos. Por outro, favoreceram a criao de conglomerados cujadimenso pode levar ao domnio dos mercados e ferir a livre concorrncia. Seugigantismo criou o ambiente para fraudes em vrios momentos, como os queocorreram recentemente nos Estados Unidos envolvendo a Enron, WorldCom eoutras empresas. (Nbrega, 2005:151-152)
Governana Corporativa, mais do que um conjunto de normas e
procedimentos, pode ser considerada como uma filosofia de gesto. Sua natureza
est intrinsecamente ligada s finalidades das organizaes e a incorporar
instrumentos que faam a gesto trabalhar por uma melhor simetria de informaes
e pela minimizao dos conflitos de interesse entre seus pblicos constituintes.
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Para cumprir os objetivos deste trabalho, preciso analisar Governana
Corporativa sob duas dimenses. Uma, de percepo inquestionvel: a que se
refere ao mbito administrativo e de gesto com os acionistas e investidores, os
chamados stokeholders, detentores do capital. A outra, aquela que extrapola esse
limite justamente por consider-la filosofia de gesto e, como tal, parte fundamental
da cultura corporativa e, por isso, se inter-relaciona com a comunicao no que se
refere ao mbito de informao, relacionamento e mediao de conflitos entre a
organizao e os pblicos direta ou indiretamente afetados pela atuao da mesma,
os stakeholders.
Assim, o Instituto Brasileiro de Governana Corporativa (IBGC) define
governana corporativa do seguinte modo:
o sistema pelo qual as sociedades so dirigidas e monitoradas, envolvendoos relacionamentos entre acionistas/cotistas, Conselhos de Administrao, diretoria,auditoria independente e Conselho Fiscal. As boas prticas de governanacorporativa tm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao
capital e contribuir para sua perenidade. Fonte: IBGC (Instituto Brasileiro deGovernana Corporativa) 15
Lido de forma simples, governana corporativa relaciona-se tica da lgica
econmica. Assim, alguns estudiosos defendem que governana corporativa nada
mais do que uma reao literal das organizaes aos problemas de agency, ou os
conflitos de interesse resultantes do afastamento dos acionistas da administrao
cotidiana das empresas. (Borgerth, 2007:67). dessa maneira que pensa, por
exemplo, Alexandre de Miceli da Silveira em seu estudo denominado Governana
Corporativa e Estrutura de Propriedade:
A discusso sobre a necessidade de aprimoramento da governanacorporativa nas empresas surgiu como resposta a diversos registros de expropriaoda riqueza dos acionistas por parte dos gestores em empresas com estrutura depropriedade pulverizadas e dos acionistas minoritrios por acionistas controladoresem empresas com estrutura de propriedade concentrada. Esses registros decorremdo problema de agncia dos gestores, que ocorre quando os gestores tomam
15 Disponvel em: http://www.ibgc.org.br.
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decises com o intuito de maximizar sua utilidade pessoal e no a riqueza de todosos acionistas, motivo pelo qual so contratados. (Silveira, 2006:45)
Outros do governana corporativa, atravs do mesmo conceito, umadimenso mais abrangente:
J existe consenso sobre o fato de que quanto maior o valor da empresamais facilmente se exercem a cidadania e o envolvimento dos stakeholders (pblicosde interesse). H quem resuma tudo isso numa frase: criar um ambiente de controledentro de um modelo balanceado de distribuio de poder.
um engano imaginar que praticar boa governana implica quase quesomente acatar regulamentos. Governana tem tudo a ver tambm com a qualidadede atitude e escala de valores no mais puro sentido humano. Da algunsconsiderarem que a boa governana depende de alinhar o pensamento entreacionistas, controladores e stakeholders. (Steinberg, 2003:18)
Essa tambm parece ser a viso da Comisso de Valores Mobilirios (CVM),
que em sua cartilha publicada em 2002, define Governana Corporativa como um
conjunto de prticas que otimizam o desempenho de uma companhia protegendo
todas as partes interessadas, sejam elas investidores, empregados ou credores.
(Borgerth,2007:69)Tais diferenas de percepo sobre a natureza da governana corporativa,
com ardorosos defensores de ambas as partes, encerram tambm as diferentes
vises de tericos e estudiosos do mercado sobre o papel das organizaes
privadas na sociedade, em abordagens que convergem para o reconhecimento de
que h uma dimenso tica a ser respeitada na gesto das organizaes e sua
relao com a sociedade e divergem radicalmente em relao s formas como isso
pode se dar.
Entretanto, o consenso desfaz-se quando se aprofunda o enfoque sobre anatureza dessa dimenso tica
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