Download - Idade alterada - Comunicação e Direitos · quiseram falar com O POVO durante as viagens da equipe. ... gostar de mulher/...E quem quiser acompanhar o safadão, preste logo atenção,

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Page 1: Idade alterada - Comunicação e Direitos · quiseram falar com O POVO durante as viagens da equipe. ... gostar de mulher/...E quem quiser acompanhar o safadão, preste logo atenção,

4 FORTALEZA-CE, DOMINGO, 17 de dezembro de 2006

BR116Poucos camioneirosquiseram falar comO POVO durante asviagens da equipe.Em Penaforte, umdeles disse que aexploração sexualinfanto-juvenil éidêntica ou pior nosdemais Estados. Citou Maranhão,Pará, Pernambuco,Paraíba, onde meninas de 12anos ou menos seexibem por algunstrocados. “Do Ceará, Penaforte éo pior local”. Casado, pai de duas filhas e um filho, 25 anos deestrada, pediu paranão ser identificado. (CR)

PENAFORTE

DOCUMENTO BR

BR116O homem mortoem Penaforte, doisdias antes da visitado O POVO àcidade, era conhecido como“Zé Pão”. Levousete tiros. Váriaspessoas queestavam nasproximidades doposto fiscal viramsua morte. Um dosmeninos contou:“Foi no rosto, nabarriga, três nascostas, perto damão”. Zé Pãoestava trabalhandocomo mecânico naCidade, mas teriasido presidiário. Erade GovernadorValadares(MG).Segundo os PMs dacidade, o caso teriasido vingança.

NO DESTACAMENTO daPM de Penaforte, os policiais

dormem atrás das grades. Duas celas sãoadaptadas como alojamento para quem es-

tá no revezamento de serviço. A unidade nãotem computador nem telefone. Para ligar, sódo ore-lhão em frente ao destacamento. Acidade não tem nem sinal de celular. A principalforma de comunicação é pelo sistema de rádio,ligado à 3ª Companhia do 2º Batalhão, deBrejo Santo, a quem o destacamento é sub-

jugado. Dois dias antes da visita do OPOVO, um homem havia sido assas-

sinado a tiros em frente aoposto da Sefaz. (CR)

Cláudio Ribeiro e Demitri Túlioda Redação

N a esquina da avenidaAntonia Matias com aBR-116, a placa convi-da o forasteiro a entrar

e se sentir “Bem Vindo” à quen-te Penaforte. Mas a maioria dosque chegam estão apressados enão passam da sala de visitasonde funciona o posto de fisca-lização da Secretaria da Fazen-da do Estado (Sefaz). É o últimoponto de apoio no Ceará antesdo vizinho Pernambuco. Lá, di-ferente do restante do municí-pio (de pouco mais de 7.500 ha-bitantes), tudo funciona dia enoite. Ali, o tempo é aceleradopelo entra-e-sai de centenas decaminhões de cargas que che-gam e vão pra todas as partesdo Brasil. Segundo quem é dacidade, são mais de 1.500 pesso-as com trabalho direto ou indi-reto no local. Inclusive as meni-nas e meretrizes a cortejar via-jantes. Todas, pelas contas in-formais, seriam mais de 100.

É no pátio-estacionamentoe nos arredores do posto da Se-faz que as cenas vão se dese-nhando. Como cicerones, cri-anças biscateiras e descoladas.“Profissionais” autônomos, de8, 10, 12 anos, pouco mais oupouco menos, dispostos a lavarpneus, boléias e gaiolas. Tam-bém a intermediar rendez-vous passageiro com essa ouaquela zinha decotada, perfu-mada e resolvida. Em bandos,adultas ou meninas, fazem en-xame no furdunço.

Iluminação amarelada, ca-minhões estacionados, moto-ristas, policiais e metralhado-ras, cinturão de puteiros, baresinferninhos, barracas de ven-der coco verde gelado, chur-rasquinho, chá, café, bolo mole,e um pipoqueiro. Forró nas al-turas e uma letra de arrancarrisinhos e sugerir coisas. “Le-vante o dedo quem gostar derapariga/Levante o dedo quemgostar de mulher/...E quem

quiser acompanhar o safadão,preste logo atenção, e vamos lápara o cabaré...”

“Quibas”, jeitosas da sedeou putas de fora. Tem para ostrês gostos. Alex (nome fictí-cio), 12 anos de idade, boa partedeles se virando - dia e noite -no posto da Sefaz admira-se:“Quibas? São as matutas quedescem dos sítios pra cá. Matu-tinhas, doidinhas. Quer con-versar com quem?”.

Alex e Alan (outro loirinhomirrado e falante) vão dandoos toques. “Fulana? Só aindanão f... voando” (risos). Chamaela aqui. Bonita, arisca, 14 anos,Carliana é gêmea de Dalila. Es-tá jurada de peia pelas outras epelo patrão informal, dono dabarraca dos cocos. “Desapare-ceu com R$ 75,00 do apuradodas vendas e fuxicou mentirada vida das outras. Tão putas”.

O Conselho Tutelar confir-ma, as duas fazem programa eAlex experimenta aquele coti-

diano há tempos. Ele mesmo jáhavia revelado: mora com a avóque já foi dona de um bar-pros-tíbulo e não quer saber de esco-la (sonha em ser vaqueiro e ga-nhar dinheiro). A mãe vive emMinas Gerais, com um homemque não é seu pai, e trabalhanão sabe em que. Na última vezque apareceu por lá lhe deuuma bicicleta. “Aproveitei queela estava por aqui e fiz elacomprar. É difícil ela voltar”.

O meio de vida da avó fe-chou. A tia de Alex abriu outronegócio e ,em julho desse ano,o Ministério Público flagroupor lá duas adolescentes de Ja-ti. Uma de 16 e outra de 17 anosde idade. As duas foram alicia-das por uma mulher. “No de-poimento, uma disse que aamiga teve relações sexuaiscom o caminhoneiro na camada dona do bar. Foi preso oproprietário e a agenciadora”,conta Rodrigo Fernandes, 22,conselheiro tutelar.

O convite para um progra-ma por R$ 50,00, feito peloforasteiro, foi uma tentação.Mas teria que ser sem camisin-ha. Na boléia mesmo, em frenteao posto fiscal de Penaforte, naBR-116. Ou em algum muquifopor ali. Sem camisinha era a ex-igência. Apesar da experiêncianaquela vida (começara a fazerprogramas aos 16 anos), elatitubeou. O normal seria por R$10,00, no máximo R$ 20,00.Confidenciou a uma amiga,outras, todas foram contra. Elaouviu, ouviu, até decidir quefaria de qualquer jeito. Correriao risco pelo dinheiro, que jun-tava para a criação das duas fil-has. Deitou-se, fez o serviçocombinado. Quando recebeu opagamento, ouviu o que maistemia: “Esses 50 reais não vãopagar nem a primeira caixa

dos remédios que você vaiprecisar tomar”. À época, elasó tinha 19 anos. No final doano passado, morreu por causada Aids aos 23.

A história foi contada ao OPOVO por uma amiga dela.“Na época todo mundo avisoupra ela não ir, mas ela insistiu.Disse que seria só uma vez. Eladescobriu a doença um anodepois que esse cara apare-ceu”. O desconhecido nuncamais foi visto. Ainda em vida,já com os sintomas, a garotateria passado até a pedir es-molas. Porque já não podiamais trabalhar. As filhas tin-ham pais diferentes, tambémcamioneiros, e ficaram com aavó. A garota morreu no hos-pital de Jati, cidade vizinha. Osnomes dessa história forampreservados. (CR)

Idade alterada

O fantasma da Aids

>> ADOLESCENTE em Penaforte: mais de 100 meninas e meretrizes a cortejar os visitantes. Abaixo e na página seguinte, fotos do pátio da Sefaz no último ponto de apoio aos camioneiros no Ceará

Logo que ela passou, ostraços infantis do rosto chama-ram atenção. Embora o corpo jánão fosse de menina. Depois daabordagem para a entrevista,ela garantia: “Fiz 18 este ano”.Conversa vai, conversa vem, nodia seguinte a confirmação:Paula não tinha 18. Completousó 16 em junho passado. Confir-mação dada pelo ConselhoTutelar da cidade.

Os programas sexuais, ela fazdesde os 12, em frente ao pátiode caminhões do posto fiscal dePenaforte. Paula já passou porquatro notificações do Consel-ho Tutelar.

A poucos metros do local daconversa, dois dias antes haviammatado um com sete tiros. Medo,Paula (nome fictício) disse quesempre teve. Cobra R$ 10,00 paratransar, por ali mesmo ou em al-gum quartinho que lhe deixementrar com o camioneiro.

Sempre deixam. (CR)

LEIA A ÍNTEGRA no O POVO On-line (www.opovo.com.br)

O POVO - Você é de onde?Paula - De São Paulo.

OP - Chegou aqui quando?Paula -Tô aqui faz uns seisanos. Desde que eu tinha uns 12anos.

OP - Quanto você cobra por umprograma?Paula -Dez reais.

OP - Você sobe nos caminhõesou vai para os quartos?Paula -Tanto faz.

OP - Quantos programas pornoite?Paula - Quatro, três.

OP - Passa alguém fiscalizando apresença de vocês por aqui?Paula - Quando eu era demenor, andava escondida poraqui. Teve vez que eles já meviram, me levaram e me acon-selharam. Aí pronto. Eu tinha17 anos. Eles sabem lá, já temmeus dados. Por isso que agoraeu ando por aqui normal.