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ALESSANDRA FRIZZO DA SILVA
INDICATIVOS DE RESILIÊNCIA NA TRAJETÓRIA DAS FAMÍLIAS DE
CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí - SC Centro de Ciências da Saúde, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho. Orientadora: Profª Dra Ingrid Elsen
Itajaí, SC
2006
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ALESSANDRA FRIZZO DA SILVA
INDICATIVOS DE RESILIÊNCIA NA TRAJETÓRIA DAS FAMÍLIAS DE
CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS
Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho e aprovada pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí – SC, Centro de Ciências da Saúde.
Área de Concentração: Saúde da Família
Itajaí, novembro de 2006. __________________________
Profª Ingrid Elsen Orientadora
______________________________
Prof ª Drª Stella Maris Brum Lopes UNIVALLI – Itajaí - SC Examinador Interna
____________________________________________
Prof ª Drª Mara Regina Santos da Silva Fundação Federal do Rio Grande – Rio Grande - RS Examinador Externa
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
S586i Silva, Alessandra Frizzo da
Indicativos de resiliência na trajetória das famílias de crianças com necessidades especiais / Alessandra Frizzo da Silva. – Itajaí, SC : Universidade do Vale do Itajaí, 2007.
106 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí. – Curso de Pós Graduação Stricto Sensu em Saúde e Gestão do Trabalho, 2007
1. Resiliência 2. Criança com necessidades especiais II. Título.
CDU: 159.92 Responsável pela catalogação:
Bibliotecária – Fernanda Ribeiro Paz CRB 10 / 1720
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AGRADECIMENTOS
Ao meu querido marido André, incansável em seu apoio,
compreensão e paciência. Seu incentivo foi imprescindível para
que eu pudesse chegar à conclusão deste curso. Amo muito você.
A minha irmã Letícia, pelo apoio, pelas correções e ajuda
na tradução dos textos. Muito Obrigada.
Aos primos Débora e Alessandro, pelo acolhimento e
incentivo. Devo muito a vocês.
À professora Ingrid, por compartilhar sua sabedoria para
que eu conseguisse chegar até aqui.
Às parceiras e colegas Sandra e Carmen, pela persistência
das intermináveis viagens e compartilhamento das angústias,
incertezas e, também, dos momentos de alegria. Sucesso para
todas.
Às famílias que participaram deste trabalho, pelos seus
ensinamentos e lições de vida, pela persistência e luta pelo
melhor para seus filhos. Minha eterna admiração.
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Dedico este trabalho aos meus pais Eloy e Cecília,
pela dedicação e o cuidado que nos proporcionam; pela
educação fundamentada no carinho e responsabilidade, pelos
ensinamentos de que uma família unida supera todos os
obstáculos e o que vale é o amor incondicional.
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RESUMO
Movimentos em prol dos direitos das pessoas com necessidades especiais têm ocorrido em diversos países, inclusive no Brasil, onde vários decretos, visando a uma vida mais digna, tanto para eles, como para suas famílias, têm sido promulgados. O direito à saúde significa que inclusive as pessoas com necessidades especiais e suas famílias tenham acesso a atendimento e tratamento adequados. Apesar dos avanços obtidos em termos humanitários e tecnológicos, as famílias de crianças com necessidades especiais ainda enfrentam uma realidade bastante difícil. Este estudo tem por objetivo identificar, na trajetória de vida dessas famílias, aspectos relacionados à resiliência. O referencial teórico fundamenta-se no conceito da resiliência, que aborda a capacidade de regeneração das famílias ante a adversidade. A pesquisa é do tipo exploratório e foi realizada com duas famílias, cujos filhos com idade de 2 á 4 anos são acometidos por necessidade especial. Os dados foram coletados a partir de visitas domiciliares quinzenais, por meio de entrevistas com membros durante, cinco meses . As informações foram registradas em diário de campo. A análise dos dados constatou da busca, nos relatos das famílias, de indicação de resiliência em suas trajetórias. O processo de pesquisa obedece aos aspectos éticos exigidos pela Resolução 196/96 (Diretrizes e Normas Regulamentadas de Pesquisa em Seres Humanos) e pela comissão de ética da Univali. Os resultados indicam que a doença causadora da necessidade especial leva à situação de estresse que se desdobra ao longo da vida familiar, ocasionando para as famílias um processo de ajustamento/desajustamento; adaptação e readaptação constantes. A avaliação da gravidade da situação feita pela família, os padrões de funcionamento que estabelecem o processo de enfrentamento e de tomada de decisão, bem como os recursos disponíveis na comunidade e existentes no contexto familiar são fundamentais no encaminhamento do processo de adaptação. Como indicativos de resiliência nestes processos emergem como prioridade a coesão, flexibilidade e a espiritualidade.. Palavras-chave: família; resiliência; criança com necessidades especiais.
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ABSTRACT
Movements on behalf of the rights of people with special needs have been taking place in various countries, including Brazil, where a number of decrees have been promulgated, aimed at giving these people and their families a more dignified life. The right to health means that everybody, including people with special needs and their families, have access to adequate healthcare and treatment. Despite the advances achieved in humanitarian and technological terms, the families of children with special needs still face a very harsh reality. This study seeks to identify aspects related to resilience, over the course of these families’ lives. The theoretical framework is based on the concept of resilience, which refers to the family’s’ capacity for regeneration, when faced with hardships. This is an exploratory study, focusing on two families with children with special needs, aged between 2 and 4 years. The data were collected through fortnightly interviews in the home, over a five month period. The information was recorded in a field journal. The reports given by the families were analyzed for signs of resilience. The research process complies with the ethical aspects outlined by Resolution 196/96 (Regulated Guidelines and Norms for Research involving Human Beings) and the ethical board of Univali. The results indicate that illnesses which create the special need leads to a situation of stress continues throughout the history of the family, forcing families to undergo a process of adjustment/maladjustment, and continual adaptation and readaptation. The family’s assessment of the seriousness of the situation, the coping patterns they establish, the process of confronting and making decisions, and the resources available in the community, and in the family context, are an essential part of this adaptation process. Signs of resilience in these processes include: sticking together within the family, flexibility and spirituality, among others. Key words: Key-words: family; resilience; children with special needs.
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LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1 - Número de pessoas deficientes distribuídas de acordo com o tipo de deficiência e sexo, conforme Censo Demográfico realizado no Brasil, no ano de 2.000..............22
Figura 1 - Modelo de Resiliência de Tensão Familiar – Fase de Ajustamento de McCubbin 37
Figura 2 – Adaptação do Modelo de Resiliência de Tensão Familiar..................................... 39
Figura 3 – Genetograma Família Silva.................................................................................... 59
Figura 4 – Ecomapa Família Silva .......................................................................................... 60
Figura 5 – Representação gráfica do ecomapa Família Souza ................................................ 67
Figura 6 – Genetograma Família Souza .................................................................................. 68
Figura 7 – Fase de Ajustamento e seus Componentes ........................................................... 71
Figura 8 – Ajuste e Adaptação ................................................................................................ 79
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................10
2 OBJETIVOS ..............................................................................................................................14 2.1 Objetivo Geral .....................................................................................................................14 2.2 Objetivos Específicos ..........................................................................................................14
3 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................15 3.1 Aspectos Histórico das Pessoas com Necessidades Especiais ..........................................15 3.2 Movimentos Mundiais em prol das PNEs.........................................................................17 3.3 Conceituações e Dados........................................................................................................21 3.4 Legislação sobre o Tema.....................................................................................................22 3.5 As Famílias de Portadores de Necessidades Especiais ....................................................25
3.5.1 Reintegração e Reconhecimento..................................................................................28 3.6 Estudos Relacionados a Resiliência ...................................................................................30
4 REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................................33 4.1 Resiliência e Família ..........................................................................................................33
5 METODOLOGIA .....................................................................................................................47 5.1 Participantes da Pesquisa ...................................................................................................48 5.2 Critérios de Seleção das Famílias .....................................................................................48 5.3 Coleta de Dados ...................................................................................................................48 5.4 Análise dos Dados................................................................................................................51 5.5 Aspectos Éticos ....................................................................................................................52
6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS...............................................................................53 6.1 Trajetória da Família Silva ................................................................................................53 6.2 Trajetória da Família Souza ..............................................................................................61
7 UMA LEITURA DA FAMÍLIA SILVA A LUZ DO MODELO DE RESILIÊNCIA DE TENSÃO FAMILIAR, AJUSTE E ADAPTAÇÃO DE McCUBBIN; McCUBBIN.....69 8 REPENSANDO A RESILIÊNCIA NO MODELO McCUBBIN A LUZ DAS TRAJETÓRIAS DAS FAMÍLIAS SILVA E SOUZA E A REALIDADE DA INTEGRALIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE ...............................................................93 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................98
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................101
APÊNDICES..............................................................................................................................107
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1 INTRODUÇÃO
Conforme dados do IBGE, existem no Brasil 34.580.721 pessoas com alguma
deficiência física ou mental, representando 15.5% da população total. Esses números
incluem,também, pessoas incapazes de ouvir, enxergar e andar (IBGE, 2000).
Apesar da existência de leis que garantem às pessoas com necessidades especiais
(PNE) direito ao tratamento e à inclusão social, esses direitos nem sempre são desfrutados
pelos deficientes e seus familiares. As famílias de crianças especiais, comumente, enfrentam
não só dificuldades de inserção social, mas também de ter acesso a benefícios básicos, como
educação, por exemplo. Muitas vezes, para proteger seus filhos de especulações e da
curiosidade alheia, as famílias acabam por isolar-se, desistindo de tratamentos que necessitam
do deslocamento a um centro de saúde especializado, ou mesmo de levá-los à escola.
O preconceito e a exclusão social são realidades vivenciadas na rotina das famílias de
PNEs. Essas imposições sociais preconceituosas acabam deixando a família insegura e com
receios perante a sociedade onde vivem. Nesse sentido, a orientação profissional torna-se
indispensável, pois pode contribuir para a superação de constrangimentos relacionados à
deficiência do filho. Conforme Amaral (1994), a matéria-prima do preconceito é o
desconhecimento. A desinformação a respeito da deficiência é notável na sociedade como um
todo e em cada indivíduo que dela faz parte. Portanto, a necessidade de integração social das
pessoas com necessidades especiais como estratégia de desmistificação de uma sociedade
exclusivista é premente. Recentemente no Brasil, indícios de inclusão social de PNE têm sido
percebidos, através da inserção das crianças com necessidades especiais nas escolas regulares,
e também no incentivo às empresas em disponibilizar empregos às PNE.
De acordo com Sassaki (2003), a idéia de integração surgiu para se contrapor à prática
da exclusão social a que foram submetidas as pessoas deficientes por vários séculos. Isso
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ocorria em seu sentido total, ou seja, as PNE eram completamente excluídas da sociedade,
pois eram consideradas inválidas e incapazes de trabalhar. Essas características eram
atribuídas, indistintamente, a todos que tivessem qualquer tipo de deficiência.
Com a evolução da humanidade e os avanços da tecnologia e da ciência, uma
realidade diferente está surgindo. Começa a existir uma maior preocupação com as pessoas
com necessidades especiais (PNE) , tanto do ponto de vista terapêutico como de inclusão
social. Isso pode ser constatado na Constituição Federal, que através do estabelecimento da
Lei 7.853 em 1989, Art. 1o, assegura o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das
PNEs e sua efetiva integração social (BRASIL, 1989).
Apesar do grande número de PNEs, os profissionais da saúde ainda encontram
inúmeras dificuldades no cuidado destas pessoas. Esse “despreparo” pode estar relacionado ao
fato das PNEs terem sido socialmente marginalizadas ao longo do tempo. Por serem
“diferentes” daquilo que se tinha pré-estabelecido como convencional, a sociedade os
considerava inativos, e por isso, deveriam ficar isolados em suas residências.
Existem ainda outros fatores agravantes que contribuem para a falta de assistência aos
PNEs. A dificuldade das universidades em abordar essa questão, por exemplo, acaba gerando
pouco conhecimento sobre a excepcionalidade, formando profissionais pouco comprometidos
com a causa e não qualificados o suficiente para cuidar de um assunto de tão ampla
magnitude. A necessidade de interação entre as equipes de saúde e os serviços de atendimento
são pontos-chave no tratamento adequado das PNEs e suas famílias, demonstrando, portanto,
a necessidade de uma melhor capacitação dos profissionais dessa área. Infelizmente, o
nascimento de uma PNE acaba trazendo graves implicações no ambiente familiar e na própria
sociedade. Freqüentemente, além da necessidade de uma adaptação familiar à nova realidade,
faz-se necessário uma reestruturação da área física da residência, sendo neste momento
indispensável uma orientação profissional qualificada nessa nova etapa.
Por outro lado, todo casal tem a expectativa que seu filho esteja dentro dos padrões
tidos como convencionais: saudável, com plenas condições de crescer e tornar-se
independente. Quando a família depara-se com o diagnóstico de necessidades especiais e
percebe que deverá adaptar-se a uma realidade irreversível, que envolve toda dinâmica
familiar, acaba tendo que revisar antigos desejos, expectativas, planos e sonhos, para que
novas prioridades sejam estabelecidas (COLMAGO; BIASOLI-ALVES, 2003). A
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incompreensão, o sentimento de culpa e a não aceitação inconsciente acabam gerando
conflitos e questionamentos, tais como: Como aconteceu? Por que aconteceu? De quem é a
culpa? Essas famílias, na busca da adequação à sua nova condição, necessitam de apoio que
pode vir tanto do meio familiar interno, como das pessoas de seu convívio social. Quando os
familiares conseguem superar os desafios impostos pelo surgimento da deficiência e se
adaptarem a um estilo de vida diferente do até então compartilhado, essas famílias podem ser
consideradas resilientes.
Uma crise pode ser um despertar, um incentivo à união familiar, pois estratégias para
resolver o problema passam a ser discutidas em família. Essa nova situação pode tornar-se
uma oportunidade para a reavaliação de valores familiares, estimulando a união e o
investimento em relações que venham realmente acrescentar algo para seu convívio. Em
conseqüência disso, a família passa a ser amparada por pessoas que possam vir a cooperar na
superação da crise ou mesmo na adaptação a um novo estilo de vida. Os personagens que
fazem parte dessa nova fase costumam ser familiares, comunidade e profissionais da saúde. É
importante observar que, muitas vezes, em situações de crise, a relação familiar torna-se mais
unida e afetuosa, pois na tentativa de amenizar as dificuldades, os integrantes da família
tentam dar o que têm de melhor.
Segundo Walsh (1998, p.401), famílias que adotam esse tipo de conduta, demonstram
características de resiliência:
Ser resiliente é mais do que sobreviver, ou seja, os sobreviventes não são necessariamente resilientes, pois, muitas vezes recuperam-se da crise, mas permanecem com a culpa e a raiva. Ao contrário, a qualidade de ser resiliente capacita as pessoas a lidar com suas dores, tomar conta de suas vidas e seguir em frente, vivendo e amando plenamente.
Enquanto profissional da saúde, acompanho famílias de crianças com necessidades
especiais, além de possuir uma PNE em minha própria família. Isso faz com que eu esteja
consciente das dificuldades e lutas das famílias na busca do melhor para seus filhos. Também
tenho constatado muitas conquistas nessa área, bem como o desenvolvimento de estratégias
que garantem uma melhor qualidade de vida. Os profissionais de saúde eximem um papel
fundamental no acompanhamento e preparo dos indivíduos e das família tanto no momento
do diagnóstico, bem como no acompanhamento e preparo das famílias para a compreensão
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do processo da adaptação a sua situação de ter uma criança com necessidades especiais e
fatores associados ao cuidado de seu familiar.
Considerando as reflexões aqui desenvolvidas, pretende-se encontrar resposta à
seguinte indagação: Quais são os indicativos de resiliência que as famílias de pessoas
portadoras de necessidades especiais apresentam em suas trajetórias de vida?
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2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar, na trajetória de vida das famílias de crianças com necessidades especiais,
indicativos de resiliência familial.
2.2 Objetivos Específicos
- Conhecer a trajetória de vida de famílias de crianças com necessidades especiais e
sua interface com a saúde e a doença.
- Identificar as dificuldades enfrentadas pelas famílias em sua trajetória.
- Descrever as estratégias utilizadas pelas famílias no enfrentamento das dificuldades.
- Identificar o apoio que as famílias encontraram em suas trajetórias.
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3 REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Aspectos Históricos das Pessoas com Necessidades Especiais
A história revela que o processo de exclusão social de pessoas com necessidade
especial é tão antigo quanto a socialização do homem. Essas pessoas, ignoradas, sem
atendimento e sem direitos, foram alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas por
parte da sociedade. No passado, o indivíduo com algum comprometimento era banido da
sociedade pela morte ou maus-tratos. Atualmente, esse tipo de eliminação não é mais aceito,
no entanto, formas mais sutis de exclusão ainda são observadas tanto na sociedade quanto em
instituições como cadeias, asilos e outras, que foram criadas com o objetivo de segregar o
“diferente” da sociedade (PRADO; MARAGOSTEGA, 2001). Segundo Montoan (1997),
enquanto a pessoa está adequada às normas ela é socialmente aceita. Basta, no entanto, que
ela cometa qualquer infração ou adquira qualquer traço de anormalidade para que seja
denunciada como desviante.
A exclusão familiar e social dos portadores de alguma deficiência ou má-formação
congênita foi identificada já na Antigüidade Clássica. Na Grécia, a organização sócio cultural
de Esparta buscava a perfeição física e mental, e as crianças portadoras de deficiência física
ou mental eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono.
Não existia, portanto, nenhum processo de interação com tais indivíduos (PESSOTI, 1984).
Na Europa da Idade Média, juntamente com a divulgação do Cristianismo, foram
difundidas as leis da Igreja, “leis divinas”, em que as bases das relações eram teológicas. As
dicotomias Deus e diabo, céu e inferno, guiaram os pensamentos e valores desse período
histórico. Qualquer pessoa que contrariasse as leis da Igreja era exterminada. Nesse período,
viveu-se a inquisição religiosa, em que os pecadores, considerados “hereges,” eram
queimados em fogueira. Os deficientes mentais, os adivinhas e as bruxas eram vistos como
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pessoas tomadas pelo demônio, que acabavam sendo submetidas à Inquisição (ALVES et al,
1997).
No final do século XIV, com o advento do Renascentismo, que buscava a valorização
do homem e o desenvolvimento do humanismo associado ao naturalismo, pesquisas
inovadoras trouxeram avanços no campo da reabilitação de deficientes físicos e de linguagem
dos surdos-mudos, provocando, na sociedade, uma nova visão dos deficientes. Inúmeros
hospitais, também chamados de hospícios, foram construídos pela nobreza. Porém, ainda
possuíam a função de não somente abrigar e alimentar o cristão enfermo, mas também de
afastá-lo do convívio social, livrar-se do inútil, incômodo ou anti-social (PESSOTI, 1984).
Neste mesmo período, foi criada, na Inglaterra, pelo rei Henrique VIII, a Lei dos
Pobres, que obrigava os súditos a contribuírem com a chamada “taxa de caridade”, cuja
função era auxiliar os pobres, velhos e deficientes. A implementação dessa lei foi um marco
no campo dos direitos e deveres dos deficientes na Europa (CARMO, 1994).
Na Antigüidade, personalidades importantes, mesmo sendo portadores de alguma
deficiência, marcaram época com benfeitorias renomadas até os dias de hoje. Entre eles, estão
Luis de Camões, poeta português, que perdeu um dos seus olhos em luta contra os
marroquinos; Galileu Galilei, matemático e astrônomo inventor do telescópio, que ficou cego
nos últimos quatro anos de sua vida; Beethoven, um dos maiores gênios da música erudita,
que perdeu totalmente a audição nos últimos anos de sua vida, e mesmo assim, conseguiu
compor suas obras mais famosas. No Brasil, o “Aleijadinho”, considerado um dos maiores
escultores brasileiros, foi vítima de uma tromboangite obliterante, caracterizada por
ulcerações nas mãos. Seu trabalho era realizado com as ferramentas amarradas em suas mãos,
uma vez que faltavam-lhe alguns dedos e outros encontravam-se imobilizados (CARMO,
1994).
Na Idade Moderna, com o desenvolvimento do capitalismo e da industrialização,
desenvolveu-se a doutrina do trabalho como valor maior. O ser humano passou a ser
valorizado pela sua capacidade de produção. Portanto, foram rejeitados pela sociedade os
“inválidos”, ou seja, os deficientes físicos e mentais, os idosos, os loucos e os mendigos.
Conforme preceitos da época, esses não produziam e não contribuíam com impostos, apenas
consumiam, e portanto, foram classificados como economicamente improdutivos
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Na Idade Contemporânea, o comportamento da sociedade frente aos deficientes vem
se modificando lentamente e ganha impulso com a luta dos movimentos sociais. Movimentos
internacionais vem reivindicando políticas que propiciem novas oportunidades, tanto de
trabalho como educacionais, priorizando a integração social das PNEs (PESSOTI, 1984). A
primeira conquista nesse sentido, ocorreu nos Estados Unidos, em 10 de dezembro de 1948,
quando a Assembléia das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, garantindo a proteção do ser humano pelas suas características de humanidade e não
somente como uma ferramenta de produção. Entre outros, assegura o direito de não ser
discriminado, à educação, ao trabalho e à segurança social. Em 20 de dezembro de 1971, a
Assembléia das Nações Unidas proclamou os direitos das pessoas mentalmente retardadas
(deficientes mentais). Em 9 de dezembro de 1975, a mesma assembléia promulgou a
declaração dos direitos das pessoas deficientes e definiu o termo deficiente como qualquer
pessoa que, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, for incapaz de se adequar
por si própria, total ou parcialmente, às necessidades de uma vida individual ou social normal.
Nas décadas de 70 e 80, surgem movimentos em prol da valorização da humanização
em diferentes partes do mundo. O homem passa a ser visto como uma entidade com direito a
uma vida digna, saúde e educação. Ao mesmo tempo, o deficiente passa a ser considerado
alguém capaz de contribuir com sociedade através de seu trabalho, garantindo, dessa forma,
sua cidadania.
No Brasil, os reflexos desses movimentos podem ser evidenciados em conquistas
como a queda da ditadura, a eleição para presidente da república pelo voto do povo e a
promulgação da nova Carta Constitucional em 1988. Esta Carta Constitucional afirma que
todos os cidadãos são iguais, ou seja, a lei é a mesma para todos. A Constituição ainda
instituiu o direito de todo cidadão à saúde, preconizando os direitos dos deficientes e os
deveres do Estado para com os mesmos (BRASIL, 1998).
3.2 Movimentos Mundiais em prol das PNEs
Apesar dos avanços do ponto de vista humanitário e social vivenciados por diferentes
países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, no final da década de 90, ainda existem
inúmeras dificuldades a serem superadas no que diz respeito às PNEs. A falta de participação
dos países nas decisões em prol das necessidades especiais dessas pessoas, tanto para fins de
legislação como para conquista de sua cidadania como membro competente da sociedade,
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ainda é evidente. A Carta ao Terceiro Milênio, escrita em 9 de setembro de 1999, na
Assembléia Governamental de Londres, na Inglaterra, tece considerações importantes sobre a
questão da integração social das PNEs. Nela consta que “o progresso científico e social no
século 20 aumentou a compreensão sobre o valor único e inviolável de cada vida”. Contudo, a
ignorância, o preconceito, a superstição e o medo ainda predominam em grande parte do
tratamento dado pela sociedade à excepcionalidade. Estatisticamente, pelo menos 10% de
qualquer sociedade nasce com, ou adquire uma deficiência; e, aproximadamente, uma em
cada quatro famílias possui uma PNE. Portanto, é necessário que se admita a deficiência
como uma parte integrante da variada condição humana.
A Carta do Terceiro Milênio também afirma ser indispensável que deficientes e suas
famílias tenham acesso a serviços de reabilitação necessários à otimização do seu bem-estar
mental, físico e funcional, assegurando, dessa forma, a possibilidade de uma vida
independente e digna. A mesma carta ainda preconiza que “todas as nações devem ter
programas contínuos e de âmbito nacional para reduzir ou prevenir qualquer risco que possa
causar impedimento, deficiência ou incapacidade, bem como programas de respaldo precoce
para crianças e adultos que se tornam deficientes”. No entanto, apesar de todos esses
progressos no sentido de garantir os direitos das PNEs, ainda vivenciamos uma realidade
carente no que diz respeito a programas assistenciais a famílias de PNEs. No Brasil estão
sendo desenvolvidas políticas assistencialistas, que priorizam o atendimento às PNE,
acompanhamento à sua família, como os centros de referência para o atendimento e
reabilitação das pessoas com necessidades especiais disponíveis em hospitais de referencia.
Contudo, a demanda ainda é maior que a disponibilidade de atendimento, por isso as famílias
podem esperar meses ou até anos para conseguirem um atendimento eficiente.
Movimentos nacionais como internacionais vêm lutando por um consenso em
políticas de integração e de educação inclusivista. A Conferência Mundial de Educação
Especial, que contou com a participação de 88 países e 25 organizações internacionais, em
assembléia geral na cidade de Salamanca, Espanha, em junho de 1994, foi um marco histórico
nessa questão. Desse movimento, surgiu a “Declaração de Salamanca”, que determinou
pontos importantes e motivou reflexões sobre o processo de transformação da realidade. A
declaração preconiza que “toda criança tem direito fundamental à educação e a ela deve ser
dada a oportunidade de atingir e manter um nível adequado de aprendizagem. Toda criança
possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas.
Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser
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implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e
necessidades. Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, que deveria acomodá-los dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de
satisfazer a tais necessidades. Escolas regulares que possuem tal orientação inclusiva
constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para
todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e
aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema
educacional” (UNESCO, 1994).
A carta prossegue:
- Nós, em assembléia, congregamos todos os governos e demandamos que eles: - atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus
sistemas educacionais, no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais;
- adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma;
- desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva;
- estabeleçam mecanismos participativos e descentralizadores para planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais;
- encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais;
- invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva:
- garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação;
- incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas.
Essa declaração fortalece a inclusão escolar, porém, o problema da marginalização,
que ocorre antes mesmo da escolarização, que se inicia no nascimento ou se adquire
posteriormente, permanece no ambiente escolar. A marginalização ocorre em qualquer
estrutura familiar ou classe social, sendo agravada nos menos favorecidos cultural e
financeiramente.
Ocorreram ainda outros movimentos importantes com a participação das pessoas com
necessidades especiais e órgãos sociais que apóiam a causa. Foram realizados movimentos
internacionais para chamar a atenção das sociedades que encontram dificuldade para a
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inserção e aceitação das pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho e na
participação social. Mesmo com um percentual alto de pessoas acometidas por alguma
necessidade especial, seu espaço na sociedade continua limitado. Entre estes são citados a
Declaração Washington, elaborada pelos líderes do Movimento de Direitos das Pessoas com
Deficiência e de Vida Independente dos 50 países participantes da Conferência de Cúpula
"Perspectivas Globais sobre Vida Independente para o Próximo Milênio", realizada no
período de 21 a 25 de setembro de 1999, em Washington, EUA, onde foi discutida a filosofia
de vida independente em seu contexto mundial, defendendo melhorias na acessibilidade as
estruturas arquitetônicas, bem como a inclusão de alunos e professores com necessidades
especiais nas universidades.
Também a Declaração de Sapporo, aprovada em 18 de outubro de 2002 na 6ª
Assembléia Mundial da Disabled Peoples’ International - DPI em Sapporo, Japão,
representando 109 países, que teve como principais temas as questões de violência, educação
inclusivista, políticas mundiais e direitos humanos.
Por sua vez, os participantes da Primeira Conferência da Rede Ibero-Americana de
Organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunidos em
Caracas, Venezuela, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2002, assinaram a declaração de
Caracas e se comprometeram a construir a Rede Ibero-Americana de Organizações Não-
Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias como uma instância que
promova, organize e coordene ações para a defesa dos direitos humanos e liberdades
fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias, promovendo a organização e o
fortalecimento dos movimentos associativos de âmbito nacional e sua composição mais ampla
e participativa possível, constituindo-se, dessa forma, em um interlocutor válido perante
organismos governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais.
O ano de 2004 foi declarado como o Ano das Pessoas com Deficiência , almejando a
vigência efetiva das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com
Deficiência e o cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência
Finalmente, sugerem aos governos dos países latino-americanos que nomeiem, como
representante de Estado junto ao Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação por Razões de Deficiência, uma pessoa que esteja diretamente vinculada aos
21
movimentos associativos no âmbito da deficiência e tenha demonstrado compromisso com as
pessoas com deficiência e que suas famílias ou que represente um organismo governamental
que atenda aos problemas de deficiência. Concluem proclamando sua adesão à iniciativa do
governo do México, que em Assembléia Geral das Nações Unidas, propôs a Convenção
Internacional pelos Direitos Humanos e pelo Respeito à Dignidade das Pessoas com
Deficiência.
3.3 Conceituações e Dados
No Brasil, o novo Código Civil regulamenta, em seu artigo 3°, do Decreto 3.298 de
1999, a lei 7.853/1.989, que considera deficiência a perda ou anormalidade de uma estrutura
ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de
atividades dentro do considerado normal para o ser humano. A deficiência permanente é
aquela que não permite recuperação, ou alteração em que, apesar do aparecimento de novos
tratamentos, já transcorreu tempo suficiente para sua consolidação. A incapacidade, por sua
vez, é considerada a redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com a
necessidade de equipamentos, meios ou recursos especiais para que as pessoa portadora de
deficiência receba ou transmita informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao
desempenho de funções ou atividades.
Existem, na literatura, vários conceitos caracterizando um PNE. O Ministério da Saúde
define PNE como todo indivíduo em que os desvios da normalidade de ordem física, mental,
sensorial, comportamental e de crescimento são tão acentuados, que o impede de se beneficiar
de programas rotineiros de assistência. Mugayar (2000) afirma, de forma mais abrangente,
que PNE é todo indivíduo que apresenta determinados desvios nos padrões de normalidade,
identificáveis ou não, e que necessita de atenção e abordagem especiais por um determinado
período de sua vida ou indefinidamente. Por outro lado, para Araújo (1994), o que define PNE
não é a falta de um membro, nem visão, ou audição reduzida, mas, sim, o grau de dificuldade
no relacionamento e integração na sociedade.
No Brasil, de acordo com Censo Demográfico, realizado no ano de 2000, existem mais
de 34 milhões de deficientes, conforme quadro abaixo:
22
Quadro 1 - Número de pessoas deficientes distribuídas de acordo com o tipo de deficiência e sexo,
conforme Censo Demográfico realizado no Brasil, no ano de 2.000.
Tipo de
deficiência
Visual Motora Auditiva Mental Física Total
Homem 7.259.074 3.295.071 3.018.218 1.545.462 861.196 15.979.021
Mulher 9.385.768 4.644.713 2.716.881 1.299.474 554.864 18.601.700
Total 16.644.842 7.939.784 5.735.099 2.844.936 1.416.060 34.580.721
Fonte: IBGE - Censo Demográfico, 2000.
O censo indica um número maior de deficiências do que de deficientes, uma vez que
as pessoas incluídas em mais de um tipo de deficiência foram contadas apenas uma vez.
3.4 Legislação sobre o Tema
Inspiradas nas experiências concretizadas na Europa e Estados Unidos, foram
iniciadas, no Brasil do século XIX, organizações de serviços para atendimento de deficientes
auditivos, visuais, mentais e físicos (MAZZOTA, 1996). Durante um século, essas iniciativas
caracterizam-se como particularmente isoladas, refletindo o interesse de apenas alguns
educadores (LOPES e MARQUEZAN, 2000).
A partir da década de 50, foram instituídos no Brasil programas de educação
direcionados para portadores de deficiência. Os programas foram inspirados em modelos
europeus, como o internato e escolas especiais; e americanos, inserção de classes especiais na
escola comum. Esses movimentos, organizados por pais de PNEs, obtiveram progressos
relativos no que diz respeito à legislação, suporte financeiro e na melhoria dos serviços
indispensáveis a seus filhos (LOPES e MARQUEZAM, 2000).
A proteção de PNEs passou a integrar as normas constitucionais brasileiras apenas
recentemente. Na Constituição Federal de 1988, em conseqüência da pressão social, foram
criados dispositivos legais em áreas como educação, trabalho, assistência social e
acessibilidade física, garantindo, dessa forma, a inclusão social destas pessoas. A partir da Lei
7.853, “ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais de deficientes e sua efetiva integração social nos termos desta lei”.
23
No que se refere ao direito à saúde, está estabelecido, na Constituição de 1988, que “a
saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado”, o que pode ser verificado nos seguintes
artigos:
Artigo 23 –“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência”.
Os artigos 203 e 204 tratam do atendimento com dignidade e integralidade aos PNEs e
suas famílias, independente de sua condição social ou cultural, permitindo que tenham direito
à aposentadoria, com recebimento de benefícios, caso suas limitações os tornem incapazes de
garantir seu sustento.
Artigo 203 – “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente
de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária”.
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Artigo 204 “- Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”.
O direito ao trabalho compreende o direito à própria sobrevivência, sustento de sua
família, bem como ao favorecimento da convivência social, dignidade e realização pessoal e
concretiza-se no artigo 37, inciso VIII, abaixo descritos.
Artigo 37 –“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
poderes União, Estados, Distrito Federal e Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
24
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.
Para que as PNEs possam trabalhar e ter uma vida independente, é fundamental a
garantia de meios de locomoção adequados e estrutura física que facilitem seu livre
deslocamento. Segundo Araújo (2000), o direito ao trabalho também pressupõe condições de
transporte. O transporte não é apenas utilizado para o deslocamento ao trabalho, mas para
lazer, atividades de tratamento médico e escolar, que são elementos indispensáveis para a
integração social, que é prevista no artigo 227.
Artigo – 22, Parágrafo 1 “O Estado promoverá programas de assistência integral à
saúde da criança e do adolescente, admitindo a participação de entidades não
governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:
II - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do
adolescente portador de deficiência, mediante ao treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.
Parágrafo 2 - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos
edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir
acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência”.
As PNEs encontram, nas barreiras arquitetônicas (ausência de rampas e elevadores,
portas estreitas, entre outros) obstáculos para sua integração. O direito à eliminação das
barreiras arquitetônicas é citado no seguinte artigo da nossa Carta Magna:
Artigo 244 – “A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso
público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso
adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 227, parágrafo 2”.
O artigo 208, III, da Constituição Brasileira determina: “atendimento educacional
especializado aos alunos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”
A educação especial, tradicionalmente direcionada para pessoas com deficiência,
condutas atípicas (psicoses, hiperatividade) e superdotação, segue também os pressupostos
25
formulados pela lei de Diretrizes e Bases da Educação da Criança e do Adolescente. No
decorrer da década de 1990, as novas diretrizes para a educação especial deram um novo
sentido para a educação geral, buscando estratégias e métodos que respondessem às
necessidades das crianças com necessidades especiais na rede regular de ensino. Dessa forma,
ficou prevista em lei a obrigação da escola em receber tal clientela, com penalidade para
quem descumprir a mesma (RISOLIDÁRIA, 2005).
No ano 2002, o presidente da República regulamentou duas leis fundamentais: a de
número 10.048, de 8 de novembro, e a 10.098, de 19 de dezembro. Essas leis estabelecem
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, proporcionando aos
portadores de deficiência sua independência de locomoção, tanto para o trabalho como para o
lazer, facilitando sua integração social. O decreto possui 72 artigos que asseguram as
condições de acessibilidade arquitetônicas, urbanísticas, de transporte, de comunicação e
informação. Além disso, incorpora a importância do respaldo profissional e técnico aos
deficientes e suas famílias, pois é recurso que garante a interface entre o indivíduo e seu
ambiente. O alfabeto composto de letras imantadas (com imã) para pessoas com dificuldades
motoras é um exemplo de ajuda técnica aplicada ao ambiente escolar (RISOLIDÁRIA, 2005).
Conforme mencionado anteriormente, a legislação brasileira apresenta grandes
avanços ao dispor sobre a inclusão social de PNEs. No entanto, ainda há muito que se
percorrer para que as leis sejam realmente implementadas. Suas aplicações enfrentam
barreiras decorrentes de uma história de preconceitos, equívocos e dúvidas sobre a real
capacidade dessas pessoas.
3.5 As Famílias de Pessoas com Necessidades Especiais
O nascimento de uma criança com necessidades especiais, ou mesmo o surgimento
posterior de um deficiente na família, altera consideravelmente a rotina no lar. Os familiares,
principalmente os pais, começam a questionar-se, tentando encontrar uma explicação para a
nova realidade. A partir desse momento, inicia-se um processo de busca e respostas. Instala-se
a insegurança, o complexo de culpa, o medo do futuro, a rejeição e a revolta, fragilizando,
dessa forma, a dinâmica familiar.
Em nossa sociedade, a responsabilidade dos seres humanos de sexos opostos é de
atraírem-se fisicamente e assim desenvolverem laços afetivos. Para que se estabeleça um
26
relacionamento de interesse comum entre ambos, conseqüentemente surge a geração de novos
seres para dar continuidade à civilização humana, visto que o cartão de visita de uma família
são seus integrantes ou seja seus filhos. “A criança sinaliza para a sociedade a qualidade ao
desempenho que esse homem e essa mulher mostram enquanto pais e se eles estão cumprindo
adequadamente o papel que a história e a sociedade lhes conferiu” (GUAZZELLI;
STEWIEN; PEREIRA, 2003, p.200 ).
A expectativa de um novo integrante da família gera, inevitavelmente, inúmeras
curiosidades: Como será a criança, será parecida com o pai ou com a mãe? Será clara ou
morena? Será menina ou menino? Comumente, as maiores preocupação dizem respeito à
saúde do bebê, ou seja, todos esperam que ele nasça dentro do que se tem convencionalmente
estabelecido como normal. Portanto, o nascimento de uma criança com necessidades especiais
acaba tendo, no primeiro momento, um impacto muito forte na família, podendo, muitas
vezes, causar uma instabilidade no contexto familiar. O momento do diagnóstico inicial é
considerado o mais difícil para as famílias de PNEs, e a forma como é recebido e aceito
depende, principalmente, do quão estruturada é a família (TAVEIRA, 1995).
Inicialmente, é comum a manifestação de sentimentos de luto e revolta. Esses
sentimentos são conseqüentes a perda do filho idealizado e ganho de um novo integrante,
cujas perspectivas de comportamento e desenvolvimento são desconhecidas. A partir do
conturbado diagnóstico, inicia-se uma fase de transição, período em ocorre a superação e
aceitação do filho com necessidades especiais. Nessa fase, é indispensável o apoio entre o
casal, para que juntos consigam se adaptar a essa nova realidade (CASARIN, 1999).
Quando a família tem um membro com necessidades especiais, inicia-se um grande
dilema, o de sua inserção na sociedade vigente. Uma sociedade capitalista, industrial em que
se valoriza o ser humano pela sua capacidade de produção e sua estética, uma sociedade
incapaz de receber uma pessoa com qualidades, mas anormalidades físicas, pois nem sua
estrutura arquitetônica dos prédios, ruas, meios de transporte não permitem. Mesmo que a
existência de pessoas com necessidades especiais vem acompanhando a humanidade, por
muito tempo essa realidade foi ignorada e inaceitável para a sociedade por vários séculos.
Isso justifica o medo das famílias, a insegurança de como será o futuro de seu filho. Do
nascimento à aceitação, a família passa por fases que permeiam esse processo de adaptação
que são, segundo Whaley, Wong (1999): a fase do choque negação; fase ao ajusto e a fase da
reintegração.
27
A negação é um amortecimento necessário para evitar a desintegração, sendo uma
resposta considerada normal em relação às perdas. Já é esperado que os membros da família
apresentem várias formas de negação adaptativa, quando percebem o impacto do diagnóstico
sobre suas vidas. Este choque da negação pode durar dias ou meses. Exemplos de negação:
consultas médicas muito rápida, recusar-se a acreditar nos testes e diagnósticos, demorar em
concordar com o tratamento (WHALEY & WONG, 1999).
Ainda entendendo as fases deste processo adaptativo, o ajuste sucede gradualmente ao
choque, sendo, geralmente, caracterizado por uma admissão aberta de que a condição existe.
Este estágio manifesta-se por várias respostas, das quais as mais universais são a culpa e a
raiva. A culpa origina-se de uma necessidade humana de encontrar causas racionais para os
eventos. Freqüentemente, a culpa provém de uma falsa suposição de que a incapacidade é
uma conseqüência de fracasso pessoal ou uma atitude errada, como beber álcool, usar drogas,
fumar, não comer corretamente, ou não fazer algo corretamente durante a gravidez ou ao
nascimento. A culpa também pode estar relacionada a pensamentos do desejar a morte da
criança, principalmente quando as demandas de cuidado parecem excessivas e intermináveis,
e podem estar associadas a crenças religiosas, seja como punição ou uma prova de fé.
Também pode ocorrer a interpretação de uma doença grave como retribuição por um mau
comportamento passado (WHALEY & WONG, 1999).
Outra reação comum entre os familiares é a raiva. A raiva direcionada para dentro
pode ser evidente como autocensura ou comportamento punitivo, como negligenciar a própria
saúde ou degradar-se verbalmente. A raiva direcionada para fora pode manifestar-se em
argumentos abertos ou isolados de comunicação e pode ser evidente na relação da pessoa com
qualquer indivíduo, como o cônjuge, a criança e os irmãos. A raiva em relação à criança
doente pode ser evidente na diminuição das visitas, recusa em acreditar no grau de doença da
criança, ou incapacidade de proporcionar conforto. Um dos alvos mais comuns da raiva dos
pais é um dos membros da equipe.
Várias reações entre familiares, principalmente os pais, são típicas. Diminuição da
auto-estima, poisos pais percebem um defeito em seu filho como um defeito em si próprios, e
metas de vida podem ser alteradas de forma abrupta e dramática. Vergonha, pois os familiares
prevêem a rejeição social, pena ou ridículo e perda do relacionamento e prestígio social e
podem sofrer isolamento social. Depressão, pois os pais apresentam sentimentos crônicos de
sofrimento. Para alguns pais, o retardo mental simboliza a morte da criança e, portanto,
28
precipita uma reação de luto. Ambivalência, na qual a experiência simultânea de amor e ódio,
normalmente apresentada pelos pais em relação a seus filhos, tende a ser muito intensificada.
Durante o período de ajuste, quatro tipos de reações dos pais à criança podem
influenciar a resposta final desta ao distúrbio, são elas: superproteção, quando os pais temem
desenvolver qualquer nova habilidade, evitem toda a disciplina e atendam a todos os desejos
da criança, de forma a evitar a frustração; rejeição, quando os pais isolam-se emocionalmente
da criança, mas geralmente fornecem cuidados físicos adequados ou constantemente
censuram e repreendem a criança: negação, quando os pais agem como se o distúrbio não
existisse ou tentam fazer a criança compensá-los; aceitação gradual, quando os pais impõem
restrições necessárias e realistas à criança, incentivam atividades de autocuidado e estimulam
capacidades físicas e sociais razoáveis (WHALEY ; WONG, 1999).
3.5.1 Reintegração e Reconhecimento
Esta fase de ajuste envolve a reintegração da vida familiar e social com a incapacidade
na perspectiva apropriada, na qual a família amplia suas atividades para incluir relações fora
de casa com a criança, como um membro aceitável e participante do grupo. Uma grande parte
da fase de ajuste é de luto por uma perda. As famílias necessitam de apoio de profissionais em
muitos momentos de suas vidas. Mediante o diagnóstico do filho portador de necessidades
especiais, o estresse conjugal freqüentemente aumenta, sendo importante esta compreensão
(WHALEY & WONG, 1999).
O próximo passo é a busca pela reabilitação de seu filho, bem como combate à
discriminação e isolamento social. Os aspectos limitantes da deficiência raramente são
esclarecidos ou informados aos familiares. No inicio de sua trajetória, desconhecem as
possibilidades de desenvolvimento, as formas de superação das dificuldades, os locais de
orientação familiar, os recursos de estimulação precoce e os centros de educação e terapia. Na
fase de descobrimento das limitações de seus filhos e no enfrentamento dessa realidade,
tornam-se famílias com necessidades especiais, precisando de orientação e acesso a grupos de
apoio, indispensáveis na integração ou inclusão de seu filho com a comunidade (MACIEL,
2000).
Uma família com necessidades diferentes e especiais necessita de orientações, tanto
emocional como técnicas para facilitar a interação familiar, ou seja, essa família necessita de
29
reabilitação. Conforme Silva (2000), é de extrema importância o trabalho com as famílias das
pessoas com necessidades especiais, facilitando, dessa forma, a adaptação dos pais à situação
de seu filho e possibilitando um convívio seguro com ele. Portanto, a busca de informações
dentro de uma família de criança com necessidades especiais é de grande valia na elaboração
de programas de orientação, fundamentados nas suas reais necessidades.
Ao fazer referência ao termo família, deve-se levar em consideração toda uma
estrutura que compõem o universo familiar. Esse universo é envolto em crenças, valores e
práticas diferenciadas, que orientam para as soluções dos problemas. Entre várias
conceituações existentes para o termo família, o grupo de assistência, pesquisa e educação na
área da família (GAPEFAM) a define como:
uma unidade dinâmica constituída por pessoas que se percebem como família, que convivem por determinado espaço de tempo, com uma estrutura e organização para atingir objetivos comuns e construindo uma história de vida. Os membros da família estão unidos por laços consangüíneos, de adoção, interesse e/ ou afetividade. Têm identidade própria, possuem e transmitem crenças, valores e conhecimentos comuns, influenciados por sua cultura e nível socioeconômico. A família tem direitos e responsabilidades, vive em um determinado ambiente em interação com outras pessoas e famílias, em diversos níveis de aproximação, define objetivos e promove meios para o crescimento, desenvolvimento, saúde e bem estar de seus membros (apud PENNA, 1992, p.92).
Segundo Osório (1996), a expressão família é passível apenas de descrição e não de
definição, mesmo assim, propõe que certas funções realizadas pela família a caracterizam
como elemento central na manutenção da espécie humana e de seus processos evolutivos. Ela
é uma unidade básica da interação social, que assume muitas funções e tem responsabilidades
com seus integrantes. A sua manutenção e sobrevivência garantem a evolução do cotidiano,
sendo de importância vital para o processo de viver.
As famílias, embora possam apresentar-se sob formas bastante heterogêneas,
desenvolvem vínculos afetivos pela convivência e afinidade, traçando objetivos a serem
alcançados em conjunto. Szymanski (2001) afirma que a família é uma associação de pessoas
que escolhe conviver por razões afetivas e assumem um compromisso de cuidado mútuo.
Uma família cuidadora, composta por um integrante PNE, é a primeira integradora do
filho com necessidades especiais na sociedade e terá de aprender a conviver com ele e
também a ensinar-lhe as primeiras lições de vida. Magalhães (1997) declara que é
30
principalmente a família quem propicia possibilidades ao portador de necessidades educativas
especiais de aprender a amar, formar sua personalidade única e desenvolver auto-imagem. O
sistema de relações familiares é que deve possibilitar o desenvolvimento de cada um dos seus
integrantes no sentido de exercer suas funções de pai, mãe e irmãos.
Passando o impacto da descoberta, a família precisa se reintegrar à nova fase de
proteção aos seus membros e se fortalecer para educar seu novo integrante. Essa adaptação
deve ser constante e em cada etapa do desenvolvimento do filho(a). O que normalmente
acontece é que a mãe é quem assume os cuidados e modifica a rotina para cuidar de seu filho.
É a mãe da criança portadora que está mais fortemente vinculada ao processo terapêutica e assim, a reação mãe-criança e seus complexos aspectos são bastante relevantes. As expectativas das mães em relação à gravidez são influenciadas por questões sociais, afetivas e psíquicas. Nossa sociedade conferiu à criança o papel de elemento aglutinador do modelo familiar vigente (ÁRIES, 1978; CASEY, 1992, p. 200).
3.6 Estudos Relacionados à Resiliência
Os estudos relacionados à resiliência familiar surgiram da preocupação em elucidar a
forma como as famílias enfrentam situações de estresse e dificuldades provocadas tanto por
fatores externos como por fatores internos. As pesquisas em torno deste tema surgiram com
maior intensidade no final da década de 80. Essas abordaram, entre outros aspectos, o
enfrentamento e superação das crises desencadeadas em famílias com integrantes portadores
de doenças crônicas e deficiências, bem como em famílias imigrantes refugiadas e famílias
afro-americanas pobres, residentes em locais considerados de risco. Mais recentemente,
famílias com problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool e drogas, além de
violência doméstica, também têm sido tema de estudo (SOUZA, 2003).
Os primeiros estudos publicados sobre resiliência, no âmbito da psicologia, datam da
década de 70. Gayton et al. (1977) avaliou o impacto emocional que uma criança portadora de
fibrose cística gerou na sua família. Ao contrário do que se esperava, os resultados dessa
pesquisa não demonstraram indícios significativos que comprovassem um impacto
psicológico negativo, demonstrando, desde então, características de resiliência familiar.
A trajetória das famílias resilientes vem despertando o interesse dos profissionais da
área da saúde, como psicólogos e enfermeiros, entre outros. A compreensão do amplo
31
espectro de características que definem uma família resiliente pode ter uma contribuição
valiosa no campo da promoção da saúde. Com o objetivo de contribuir para elucidação da
resiliência familiar, Franco (2002) realizou um estudo com um grupo de 50 mães de crianças
que apresentavam deficiências diversas. Para tanto, foram levadas em consideração variáveis
tanto ambientais (família) como individuais (a criança) e preconizou-se a identificação das
metas utilizadas pelas diferentes famílias em resposta à dificuldades, bem como a maneira
como reorganizavam suas emoções e relacionamentos. Os resultados obtidos salientaram a
importância de uma organização familiar, para que, dessa forma, consigam administrar os
sentimentos, emoções, ansiedade, depressão, bem como os cuidados especiais demandados
por essas famílias. A reestruturação do casal e da dinâmica familiar é importante e emerge
como fator primordial de resiliência. Da mesma forma, a coesão é indispensável para o
enfrentamento das dificuldades. Por fim, o autor destaca a preocupação com o futuro de um
movimento resiliente fundamental, no sentido de subsidiar a reidealização ou reorganização
das perspectivas de vida dessas crianças.
McCubbin & McCubbin (1993) compararam famílias com diferentes níveis culturais
no que se refere ao processo de enfrentamento da tensão provocada pela doença. Esse
processo está esquematizado no modelo de resiliência de tensão familiar, ajustamento e
adaptação. Com o objetivo de elucidar o porquê de algumas famílias recuperarem do estresse
e outras continuarem vulneráveis ou se deteriorarem, foram avaliadas famílias no período de
pré-crise e pós-crise. Os resultados dessa pesquisa permitiram identificar que aspectos como
tipos de famílias, padrões, processos, propriedades do sistema, estratégias de avaliação e
solução do problema, significado e transações com a comunidade influenciam na superação
da crise. Esse modelo procura guiar os profissionais da saúde, determinando as medidas que
devem ser tomadas pelos mesmos a fim de auxiliar diferentes famílias com diferentes
problemáticas.
O modelo proposto possui duas fases especificas: a de ajustamento e a de adaptação.
Cada uma delas tem componentes que influenciam no processo. Na fase do ajustamento
destacam-se fatores como a tensão, vulnerabilidade, resistência, avaliação e estratégia de
enfrentamento. Na fase de adaptação, emergem os padrões de funcionamento e a avaliação da
crise. Além disso, as famílias também desenvolvem forças e capacidades para promoverem o
desenvolvimento dos integrantes, buscando, dessa forma, proteger a unidade familiar de
maiores danos durante os tempos de transição e mudanças.
32
Outras pesquisas apontam questões como baixa renda familiar e nível sócio-
econômico, como situações adversas e de risco para a construção da resiliência. Yunes
(2000), em uma pesquisa realizada com famílias de baixa renda, evidenciou dois pontos
importantes: a) ao fazer referência a famílias de baixa renda, trabalhadores sociais de
diferentes áreas denotam uma tendência a lhes atribuir a condição de “não-resiliência” a
priori. Isso sugere a inspiração ideológica do conceito de resiliência quando aplicado a
pessoas ou famílias em situação de pobreza; b) os potenciais critérios ou indicadores de
resiliência em família mostraram-se problemáticos para representar os modos de
enfrentamento de dificuldades das famílias na condição de pobreza. Na realidade, as famílias
estudadas mostraram que “enfrentaram e enfrentam as adversidades da pobreza” à sua
maneira e no seu estilo de “ser família”. Portanto, o dinamismo e a complexidade de fatores
relacionais, sociais e históricos que permeiam os processos familiares bloqueiam o
enquadramento de toda essa diversidade dentro de um mesmo quadro de universalidade
conceitual para ser categorizado sob o nome “resiliência em famílias pobres”.
Outra pesquisa importante nesse projeto que aborda as trajetórias resilientes é a
pesquisa de Silva (2003), a qual teve como objetivo avaliar a influencia da sensibilidade
materna e do suporte social da mãe na construção de uma trajetória resiliente em crianças
expostas a condição de risco psicossocial, durante os seus primeiros 18 meses de idade. Esse
estudo, realizado em Québec, no Canadá, envolveu 161 famílias que participavam do
programa de pesquisa Etre Parent, consideradas de baixa renda. Essa pesquisadora concluiu
que a sensibilidade materna e o suporte social, juntos, podem ter criado as condições que
favorecem à emergência de resultados desenvolvimentais normativos. Observou-se que
mesmo as crianças que nos primeiros meses de vida tenham convivido em condições adversas
consideradas em situação de risco como: idade da mãe engravidar pela primeira vez; renda
familiar; grau de escolaridade; condições desempregada, manifestaram todos os indicadores
de que seu desenvolvimento mental era normativo. Ficou demonstrado, também, que o
aumento nos índices de risco psicossocial afeta negativamente os processos proximais e as
características das crianças. Assim, quanto mais altos os níveis de risco psicossocial, menores
são os níveis de sensibilidade materna, e conseqüentemente, vão sendo reduzidas as
possibilidades de a criança seguir uma trajetória desenvolvimental normativa (SILVA, 2003).
33
4 REFERENCIAL TEORICO
4.1 Resiliência e Família
A palavra resiliência pode ter diferentes significados nos idiomas, e portanto, nas
culturas norte-americana e portuguesa. Conforme dicionários da língua portuguesa, resiliência
pode ser definida como resistência ao choque (FERREIRA, 1999, p.1751) ou capacidade de
se recobrar ou de se adaptar facilmente a má sorte ou às mudanças, capacidade de rápida
recuperação. Capacidade que os corpos têm de retomar à forma original após terem sido
submetidos a uma deformação elástica (HOUAISS). No inglês, a palavra resiliência é definida
como habilidade de voltar rapidamente para seu estado usual de saúde ou espírito depois de
passar por doenças e dificuldades: resiliência de caráter; ou ainda como a habilidade de uma
substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade
(LONGMAN, 1995).
O termo resiliência originou-se das ciências Física e Engenharia. Seu precursor foi o
cientista inglês Thomas Young que, em 1807, estudando a tensão e compressão de barras e
buscando a relação entre a força que era aplicada num corpo e a deformação que ela produzia,
introduziu o módulo da elasticidade. Young também foi pioneiro na análise do estresse
produzido pelo impacto, tendo elaborado um método para o cálculo dessas forças. Neste
sentido, a resiliência refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer
deformações plásticas ou permanentes (SILVA, 1972).
Na área da saúde, a resiliência é abordada com o intuito de entender as reações dos
seres humanos frente às adversidades, bem como sua capacidade de recuperação e
regeneração. Em se tratando do desenvolvimento humano, a ênfase desta reflexão está na
importância de promover o potencial de todos, em vez de destacar somente o evento danoso.
A resiliência - mais estudada na infância - tenta entender como crianças, adolescentes e
34
adultos que, apesar de viverem em condições de pobreza, violência familiar, doença mental
ou em meio a uma catástrofe natural, são capazes de sobrevier e superar essas adversidades
(LUTHAR, 2000 apud INFANTE, 2005).
Tavares (2001) discute a origem do termo resiliência sob três pontos de vista: físico,
médico e psicológico. No primeiro, a resiliência é tida como a qualidade de resistência de um
material, quando submetido a uma força externa, como tensão ou pressão, a qual lhe permite
voltar, sempre que é forçado ou violentado, à sua forma ou posição inicial. Por exemplo, uma
barra de ferro, uma mola elástica. Do ponto de vista médico, tem-se como resiliência a
capacidade de um indivíduo de resistir a uma doença ou infecção por condições próprias ou
com auxílio de medicamentos. Quando a abordagem é psicológica, resiliência refere-se à
capacidade das pessoas, individualmente ou em grupo, em resistirem à situações adversas sem
perderem o equilíbrio inicial, ou seja, a capacidade de acomodar-se e reequilibrar-se
constantemente.
Na física, a resiliência dos materiais que é medida por meio de fórmulas matemáticas
especificas e visíveis. Mas quando a matéria é humana, como operar? Yunes e Szymanski
(2001) alegam que o fenômeno resiliência vem sendo estudado pela psicologia há cerca de
trinta anos, mas somente nos últimos anos os congressos internacionais têm discutido esse
construto e sua forma de aplicação. Os autores também alegam que a definição, do ponto de
vista psicológico, não é clara como na física pois:
Utilizando-se de uma metáfora, pode-se relacionar a tensão/pressão com deformações reversíveis da matéria física com a adaptação/ajustamento do individuo as situações de risco/estresse/experiências adversas vivenciadas pelo mesmo. No entanto, levando em consideração as dificuldades em esclarecer o que é considerado risco e adversidade, bem como adaptação e ajustamento, essas comparações são consideradas bastante problemáticas (YUNES & SZYMANSKI, 2001, p.16).
As pesquisas sobre a resiliência familiar referem-se ao termo resiliência como
adaptação e flexibilidade. Flach (1991) apud Souza (2004) definiu resiliência como o
resultado de um comportamento adaptativo somado à mudança e ao crescimento, isto é, à
capacidade de transformação da família perante as crises. O autor caracteriza uma família
resiliente como sendo aquela que manifesta flexibilidade, permitindo a independência e a
identidade própria de seus integrantes. Essas famílias, para suportar as tensões da vida
35
cotidiana, desenvolvem o equilíbrio, o que faz com que seus integrantes enfrentem o estresse
diário com coesão e solidariedade.
Quando uma família recebe o diagnóstico de seu filho como uma PNE, o primeiro
impacto comumente caracteriza-se por angústia, sofrimento e, em algumas situações,
desestruturação familiar. No entanto, percebe-se que após o impacto da descoberta, muitas
famílias iniciam uma trajetória na busca da reorganização familiar e enfrentamento desta
realidade, envolvendo todos os seus integrantes e também as redes de apoio, como a rede
social e de profissionais da saúde. Nessa trajetória, essas famílias passam a englobar
determinadas características, que podem conferir as mesmas o título de famílias resilientes.
Embora existam variações no que diz respeito aos conceitos de família resiliente, o
que se tem estabelecido é que a qualidade de ser resiliente é resultado das experiências vividas
e das adversidades enfrentadas ao longo de um ciclo vital. A resiliência capacita a família
para reagir de forma positiva à situações potencialmente provocadoras de crise, fortalecendo a
estrutura familiar, seu crescimento e a sua capacidade de transformação (WALSH, 2005).
McCubbin (1993) definem a resiliência como padrões positivos de comportamento e
competência funcional que os indivíduos e a unidade familiar demonstram sob circunstâncias
estressantes ou adversas. Esses padrões positivos conferem à família habilidade para
recuperar-se e resgatar sua integridade, restaurando, portanto, o bem-estar e a unidade
familiar.
McCubbin (1993) descreve o modelo de resiliência de tensão familiar, ajuste e
adaptação, baseado em pesquisas enfocadas na teoria do estresse e adaptação familiar. Essas
pesquisas avaliaram famílias em ambos os períodos pré e pós-crise e tiveram como objetivo
explicar por que algumas famílias, que se encontravam sob as mesmas condições,
recuperavam-se do estresse, enquanto outras permaneciam vulneráveis à crise e
desestruturação. De acordo com o modelo proposto, McCubbin considera que a resiliência
familiar possui duas fases: o ajustamento e adaptação.
O ajustamento ocorre durante o enfrentamento de uma situação de estresse e,
dependendo da forma como a família administra a tensão nervosa inicial, poderá ter um bom
ou mau ajustamento. O ajustamento normalmente depende de fatores como: 1- elemento
estressor; 2- vulnerabilidade familiar, resultante do acúmulo de outros estressores, demandas e
transações do ciclo vital familiar; 3- padrões de funcionamento familiar - tipologia familiar;
36
4- recursos de resistência da família, formados pela qualidade de comunicação e suporte
mútuo; 5- avaliação do estressor, constituída pela definição compartilhada do problema pela
família; 6- capacidade de solução do problema e estratégias de enfrentamento familiar, que
poderá resultar em um bom ajustamento ou mau ajustamento. Ver figura 1 (McCUBBIN,
1993, p.27, tradução nossa).
37
Figura 1 – Modelo de Resiliência de Tensão Familiar – Fase de Ajustamento de McCubbin
Fonte: McCUBBIN, 1993 adaptado.
38
A fase seguinte, ou seja, de adaptação, ocorre quando os esforços para superação da
crise durante o ajustamento não foram suficientes e constata-se, portanto, a necessidade de
uma reorganização dos padrões familiares vigentes. Nessa fase, as famílias buscam restaurar a
harmonia e equilíbrio em questões referentes aos relacionamentos interpessoais, bem-estar,
espiritualidade, estrutura e relacionamento com a comunidade. Neste momento, o estressor
que deu início à fase de ajustamento fica em segundo plano, pois a família prioriza a
resolução da crise em si. O sucesso da adaptação familiar depende de fatores como:
1- demanda de estressores que deram 2-origem à crise; 3- padrões de funcionamento,
habilidade de enfrentamento e transformação familiar; 4- disponibilidade de recursos,
potencial para o enfrentamento utilizando os recursos pessoais e do sistema familiar; 5-
suporte social, instituições que promovam respaldo nas situações de crise (amigos, serviços de
saúde e comunidade); 6- capacidade de avaliação da crise provocada pela doença, bem como
capacidade de administrar as demandas; 7- avaliação da organização e padrões de
funcionamento para dar significado à doença e as mudanças resultantes no sistema familiar;
8- capacidade de resolução e enfrentamento do problema; 9- bom ajustamento; 10- mau
ajustamento.
39
Figura 2 – Adaptação do Modelo de Resiliência de Tensão Familiar
Fonte: McCUBBIN & McCUBBIN (1993)
40
O modelo proposto por McCubbin demonstra que a família está sempre em
movimento, ou seja, a solução de um problema pode não significar a resolução da crise como
um todo, pois novas demandas de estressores poderão surgir e, portanto, serão necessários
novos ajustes e adaptações. A resiliência envolve muitos processos interativos ao longo do
ciclo vital. Desde a postura da família frente à situação ameaçadora da crise, até estratégias
variadas para o enfrentamento de estresses emergentes no período imediato pós-crise ou em
longo prazo. Segundo Souza (2004), uma família é intitulada como resiliente quando é capaz
de cumprir com sucesso funções como formação e manutenção da unidade, suporte
econômico, cuidado, educação, socialização e proteção aos integrantes vulneráveis, de forma
que seus componentes e outros sistemas sociais se beneficiem.
O domínio da arte do possível é um carimbo oficial da resiliência. Implica na tomada
de decisão frente a uma situação difícil, na concentração de energias para a escolha do melhor
caminho para amenizar o sofrimento. Na perspectiva da área da saúde, o estudo da resiliência
proporciona para se ir além da identificação dos fatores de risco, indo ao encontro de fatores
pessoais e contextuais que possam ser utilizados para responder às adversidades. Prioriza o
potencial para a produção de saúde e não apenas tratar dos transtornos e as disfunções, como é
freqüentemente observado em instituições que seguem um modelo assistencial
hospitalocentrico de saúde, representando, portanto, uma mudança de paradigmas na área da
saúde. Esse modelo também representa a possibilidade de ampliar a compreensão do processo
saúde - doença centrado prioritariamente no indivíduo, passando a ser levado em consideração
a realidade social, cultural, política e econômica em que a família está inserida (SILVA,
2003). Rutter (1993), aponta a resiliência como um fenômeno que se constrói não somente a
partir das características pessoais do sujeito, mas também depende do ambiente e das relações
que o mesmo compartilha.
A resiliência familiar caracteriza-se pela capacidade de superação das adversidades
causadas por uma situação que afeta a integridade e o funcionamento familiar, ocasionando,
muitas vezes, distúrbios emocionais entre seus integrantes. A forma como reagem ao
inesperado varia muito entre as famílias e comumente está relacionada às condições culturais,
sociais, religiosas, bem como emocionais de cada família. Dependendo do quão estruturada é
a família submetida à crise, essa pode desenvolver habilidades antes não observadas, as quais
cooperam para a superação das dificuldades (PATTERSON, 2002).
41
Hawley e De Haan (1996, p. 293) contribuem para o entendimento do conceito de
resiliência, quando descrevem que:
resiliência como a trajetória da família no sentido de sua adaptação e prosperidade diante de situações de estresse, tanto no presente como ao longo do tempo. Famílias resilientes respondem positivamente a estas condições de uma maneira singular, dependendo do contexto, do nível de desenvolvimento, dos fatores de risco, de proteção e de experiências compartilhadas.
Walsh (1998) acredita que, ao contrário do rótulo de família repleta de problemas, que
tem sido estabelecido, a família, na verdade, tem sido submetida a uma série de desafios, e
não a danos materiais e psicológicos. Com o objetivo de compreender os processos-chave que
fundamentam a habilidade da família em resolver as crises ou estresse prolongado, a mesma
autora elaborou um mapa orientador, no qual distribui os processos-chave da resiliência em
sistemas, classificando-os em: sistema de crenças (capacidade de extrair o significado da
adversidade, espiritualidade, fé, oração, otimismo); padrões de organização (flexibilidade,
coesão, recursos sociais e econômicos) e processos de comunicação (clareza, expressão de
sentimentos e colaboração na solução do problema).
Walsh (1998) defende ainda uma abordagem denominada “funcionamento familiar
efetivo”. Esse processo-chave é um dos instrumentos que poderá facilitar a avaliação das
famílias em sua trajetória de resiliência, pois é fundamentado na caracterização do
comportamento familiar perante a adversidade. No entanto, deve-se ter o cuidado de observar
se tais critérios são suficientes para caracterizar famílias resilientes.
Fatores como a crença; capacidade de colaborar; a confiança em si e nos outros;
capacidade de comunicação e expressão; habilidade na resolução de conflitos; capacidade de
assumir compromissos e participação; emoções ligadas à esperança e ao otimismo; o humor; a
flexibilidade e a capacidade de auto-reflexão reforçam a resiliência na família (WALSH,
2005). Os domínios propostos por esta autora serão descritos na seqüência deste trabalho.
A crença possui um papel fundamental na dinâmica de famílias resilientes. Recursos
espirituais, como a fé profunda, rituais, cerimônias e práticas como oração e meditação têm
sido apontados como fonte para a resiliência. Tradições culturais e religiosas, bem como
esperanças e sonhos para o futuro podem fazer a diferença no enfrentamento da crise, pois
42
podem abrandar os momentos de dificuldade através do fortalecimento, conforto e orientação
(WALSH, 2005).
As crenças dominantes em um sistema familiar e sua cultura influenciam
intensamente a maneira como a família enfrenta as adversidades. As famílias desenvolvem
crenças ancoradas em valores culturais, posição social e experiências ao longo do tempo. Na
medida que ciclo de vida familiar e social se desenvolve, estas crenças podem ser reafirmadas
e alteradas. A identidade e as crenças de cada família podem ser percebidas pela forma como
comemoram datas especiais, no hábito de reunir ou não a família durante as refeições, entre
outras (WALSH, 2005).
Além da crença, a percepção do sentido do positivo das situações difíceis é de extrema
importância no desenvolvimento da resiliência. O ato de parar para pensar no sentido da
adversidade, pode contribuir em muito, para a amenização da crise. Nesse momento, a família
compartilha pensamentos e sentimentos, dando um novo significado para a adversidade, que
passa a ser enfrentada por meio da colaboração mútua. Essa conduta torna as famílias
resilientes mais receptivas para aceitar as mudanças demandadas pelos novos desafios.
Quando a crise é encarada como um desafio a ser compartilhado, os relacionamentos tornam-
se fortalecidos. As relações passam a ser fundamentadas em laços de confiança, o que
promove um ambiente seguro, em que os integrantes da família percebem que podem contar
uns com os outros (WALSH, 2005).
Na perspectiva positiva, a perseverança, a coragem, a esperança, o otimismo e o
domínio ativo são essenciais para resistir a adversidades, bem como se recuperar delas. Essas
virtudes são muitas vezes sustentadas pelo relacionamento da família com a comunidade em
vários grupos, tais como: culturais, religiosos, étnicos e de auto-ajuda. Esse pontos de apoio,
aliado a necessidade de superação da crise, conferem à família características de resiliência, o
que permite a seus integrantes o enfrentamento da crise como um desafio. As pessoas
resilientes encaram a crise de maneira ativa e decidida, e ao vencê-la, emergem ainda mais
fortes (WALSH, 2005).
É muito comum que em situações que coloquem em risco a estrutura familiar, tais
como uma doença crônica, perda de uma pessoa importante, nascimento de um filho
deficiente, entre outros, os integrantes da família procurem achar um culpado para a situação
estabelecida. Essas atitudes normalmente variam, conforme a cultura e crenças destas
43
famílias. Algumas responsabilizam pessoas de fora, como profissionais da saúde, enquanto
outras se assumem como vítima de um mundo perigoso e hostil. Outras, ainda, acreditam que
a situação é uma questão de má sorte. Por outro lado, famílias com características de
resiliência acreditam ser um desperdício de tempo e energia se preocupar com lamentações,
retribuições ou velhas feridas. Pelo contrário, examinam a experiência e tentam extrair dela
lições valiosas para direcionar o caminho a ser percorrido. Essas famílias aceitam o que
aconteceu e quaisquer cicatrizes que persistam, mas ao mesmo tempo, buscam subsídios para
viver melhor, bem como procuram compartilhar com outras famílias as experiências
adquiridas ao longo de sua jornada (WALSH, 2005).
A resiliência é uma característica construída ao longo do tempo, que normalmente
resulta da bagagem adquirida pelo enfrentamento de situações difíceis. Freqüentemente, a
família não tem a explicações imediatas para o que aconteceu e não consegue dar um
significado para a situação. Entretanto, ao longo da caminhada, conforme as adversidades vão
sendo superadas, o sentido vai sendo percebido. É comum as famílias assumirem que se
tornaram melhores após sofrimento e na aceitação daquilo que não pode ser mudado
(WALSH, 2005). Os integrantes da família podem não conseguir controlar o resultado de
todas as situações, mas podem fazer escolhas e encontrar maneiras significativas de participar
ativamente do processo de desdobramento dos eventos. Podem ser encorajados a descobrir
aspectos nos quais podem contribuir. Por exemplo, quando a morte é iminente e não restam
mais opções ou tratamento, os membros da família podem escolher ativamente maneiras de
participar do cuidado, do alívio do sofrimento e da preparação à morte. Dessas maneiras,
podem extrair o máximo do tempo que ainda têm juntos e encontrar conforto em amar um ou
outro, mesmo diante da perda (WALSH, 2005).
Os Padrões organizacionais familiares fundamentam integração da unidade familiar.
Estes padrões definem os relacionamentos e o comportamento e são mantidos por normas
externas e internas, reforçadas por sistemas culturais e de crenças familiares. Características
como coerência, flexibilidade e recursos sociais e econômicos determinam a forma como cada
família se organiza para superar a crise (WALSH, 2005).
Em se tratando dos padrões organizacionais que fundamentam a habilidade em
superar a crise, a coerência, definida como uma orientação global para a vida vista como
compreensível, administrável e significativa, é indispensável. O senso de coerência permite
44
que o processo de resolução dos problemas se torne ordenado, previsível e realizável
(WALSH, 2005).
A flexibilidade refere-se à forma de organização da rotina familiar para alcançar a
estabilidade e confiabilidade, sendo responsabilidade de todos os integrantes a manutenção
das mesmas. Ela proporciona adaptação às mudanças, bem como às situações de crise ou
estresse enfrentadas durante o ciclo vital, possibilitando a manutenção do equilíbrio e
maleabilidade no ajuste a novas demandas (WALSH, 2005). O equilíbrio dinâmico entre a
estabilidade e a mudança mantém a estrutura familiar coesa, e, ao mesmo tempo, permite
mudanças em resposta aos desafios (McCUBBIN, 1993).
Um relacionamento familiar flexível consiste em lideranças mais igualitárias, com
uma abordagem democrática na tomada de decisão. As negociações são abertas e incluem
ativamente todos os integrantes da família. As funções podem ser compartilhadas e a
mudança é fluida quanto necessária. As regras são apropriadas à idade e podem ser
modificadas com o passar do tempo.(WALSH, 2005)
Os padrões organizacionais podem contribuir em muitos aspectos para um bom
convívio entre os familiares. Famílias organizadas, cujos integrantes são unidos e ao mesmo
tempo sabem respeitar os limites e as hierarquias estabelecidas, possuem uma probabilidade
maior de obter sucesso no enfrentamento das dificuldades, pois o respeito, o apoio mútuo e a
colaboração fortalecem a resiliência. Da mesma forma, famílias bem estruturadas preconizam
a distribuição de tarefas, sendo indispensável a colaboração de todos os integrantes na
amenização da sobrecarga de atividades, bem como na provisão de conforto (WALSH, 2005).
O estabelecimento de liderança e hierarquia familiar é indispensável para o amparo e
orientação dos integrantes. Os limites geracionais são regras que diferenciam os direitos e
obrigações de pais e filhos e mantêm a organização hierárquica nas famílias. Os limites
devem ser estabelecidos pelos pais ou cuidadores adultos e devem reforçar a liderança e
autoridade dos pais no que diz respeito a questões como educação e disciplina Eles ainda
protegem a intimidade do relacionamento do casal contra a invasão dos filhos ou da família
ampliada.
Os recursos sociais e econômicos são reflexos da organização familiar que interferem
na superação das adversidades. Walsh, que convive no contexto da realidade americana,
coloca que é indispensável que a família nuclear obtenha independência financeira, para que,
45
dessa forma, possa delimitar fronteiras com a família de origem. Os pais são responsáveis
pela segurança financeira e cuidado de seus filhos. A sociedade capitalista vigente dita que as
famílias possuam uma renda relativamente elevada a fim de sustentar educação, alimentação,
vestuário e moradia. No entanto, um certo equilíbrio deve ser mantido, pois o contato entre
pai e filho é indispensável para que valores como união e identidade da família sejam
estabelecidos ou preservados (WALSH, 2005). Mediante a realidade brasileira, as
dificuldades são diferentes da americana, principalmente no âmbito financeiro e social.
Os vínculos com o mundo social também são de vital importância para a resiliência
familiar. Quando a família não consegue resolver os problemas sozinha, o apoio da família
ampliada, como amigos, vizinhos, serviços comunitários e ou terapia/aconselhamento são
extremamente importantes na superação da crise. Inversamente, o isolamento familiar e a falta
de apoio social contribuem para a disfunção em situação de estresse (WALSH, 2005).
Em se tratando dos processos de comunicação, a facilidade e a clareza de
comunicação são vitais para um bom funcionamento familiar. A comunicação pode ser
definida como troca de informações para a resolução de problemas sócio-emocionais. Como a
comunicação facilita todo o funcionamento familiar, os esforços de intervenção para
fortalecer a resiliência familiar concentram-se em aumentar a competência dos membros da
família para expressarem-se e reagirem às necessidades e preocupações, bem como para
negociar a mudança do sistema e satisfazer novas demandas em situação de crise. Três
aspectos importantes da comunicação são fundamentais para a resiliência familiar: clareza,
expressão emocional aberta e resolução colaborativa dos problemas (WALSH, 2005).
A clareza das regras familiares organiza as interações e define os relacionamentos
(MINUCHIN, 1974). Ela é essencial para um funcionamento familiar eficaz. As informações
devem ser partilhadas com todos os integrantes da família, e também estes devem buscar
informações com profissionais na comunidade e outros meios. É importante que, em situações
de estresse, as opções estratégicas possíveis de enfrentamento sejam clarificadas (WALSH,
2005). As experiências de crise tornam-se mais compreensíveis e administráveis, quando as
informações e as percepções são compartilhadas e quando os significados dos eventos e suas
implicações para a vida dos membros da família são discutidos aberta e amplamente
(WALSH, 2005).
46
Expressão sentimental se reflete em confiança mútua, empatia e tolerância perante às
diferenças. Ela permite que as pessoas da família compartilhem uma gama extensiva de
sentimentos, que podem ser despertados pelas crises e tensões crônicas (WALSH, 2005).
Dividir sentimentos a fim de confortar um ao outro em momentos de crise fortalece as
relações e ameniza as dificuldades (WALSH, 2005).
A solução dos problemas e conflitos familiares requer troca de idéias, reciprocidade,
negociação e tomada de atitude. No entanto, os problemas não são os únicos que devem ser
compartilhados, os sucessos também o devem. Compartilhar os sucessos estimula a confiança
da família no enfrentamento de desafios maiores, além de deixar claro que as vitórias são
palpáveis (WALSH, 2005).
47
5 METODOLOGIA
Esta pesquisa trata-se de um estudo exploratório, que segundo Gil (1999) tem como
finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias. Envolve levantamento
bibliográfico sobre o tema e entrevistas com pessoas que tiveram experiência com o tema aqui
abordado. “Pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão
geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (p.43).
A modalidade de entrevista escolhida é a da “entrevista semi-estruturada” por
valorizar a presença do investigador e, também, oferecer perspectivas possíveis para o
informante alcançar a liberdade e espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação.
Neste trabalho,foram realizadas entrevistas com famílias em suas residências, em datas pré-
determinadas, utilizando-se de gravações magnéticas com posterior transcrição das fitas. Para
Minayo (1994), na entrevista intencional o pesquisador recebe informações por meio da fala
dos atores sociais.
O significado da palavra entrevista é constituído a partir de duas palavras, entre e
vista. A palavra entre indica a relação de lugar ou estado no espaço que separa duas pessoas
ou objetos, enquanto que a palavra vista refere-se ao ato de ver, ter a preocupação de algo
(RICHARDSON, 1999).
Através da entrevista é permitido estabelecer uma relação estreita entre as pessoas . É
um modo de comunicação no qual determinada informação é transmitida de uma pessoa para
outra. O processo de comunicação pode ser unilateral, mas freqüentemente, é produzido em
ambos sentidos:
E R
48
E - representa o emissor que é a primeira pessoa; e o R – representa o receptor ou seja
a segunda pessoa. Por definição temos a entrevista como comunicação bilateral.
A entrevista foi escolhida como técnica de pesquisa, por conseguir atingir esta
comunicação bilateral entre a pesquisadora e os membros das famílias abordadas, contando,
também, com a observação como instrumento metodológico.
A observação desempenhou papel imprescindível na fase de coleta de dados nada
mais que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários sobre o
cotidiano (GIL, 1999).
5.1 Participantes da Pesquisa
Duas famílias que possuem, entre seus integrantes, crianças com necessidade especial
participaram deste estudo. Optou-se pela escolha de famílias com crianças com idade de 2-
4anos, com a mesma patologia (meningomielocele e hidrocefalia) e de sexos diferentes. Para
localização das famílias fomos até a Escola de Educação Especial Raio de Sol do município
de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, a qual é mantida pela APAE (Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais). Utilizou-se o critério de que a criança não necessitaria estar
freqüentado esta escola, que foi utilizada, apenas, como forma de rastreamento das famílias ,
pois nesta localidade o único local em que se tem o cadastro das famílias com crianças com
necessidades especiais é na referida escola. As famílias foram selecionadas após a aprovação
do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIVALI.
5.2 Critérios de Seleção das Famílias
a) Duas famílias de crianças com necessidades especiais.
b) Sexos diferentes.
c) Idade de 2 a 4 anos.
5.3 Coleta de Dados
As famílias foram acompanhadas durante quatro meses através de visitas domiciliares
quinzenais. A primeira entrevista foi realizada com a presença de todos os membros da
família, porém nas visitas seguintes a mesma incluiu, apenas, as pessoas que estavam
disponíveis. Foram observados eventos no próprio contexto em que se dão as relações intra e
49
extra familiares e, a partir disso, foi dada uma atenção especial às interações entre as famílias
e os serviços de saúde.
No momento das entrevistas foram buscados: 1- momentos importantes da trajetória
familiar relatados, e sua influência no funcionamento da família; 2- crises vivenciadas ao
longo da trajetória, os fatores que desencadearam e de que forma abalaram as estruturas
familiares; 3- estratégias utilizadas para o enfrentamento das adversidades; 4- apoio
encontrado pelas famílias nas redes sociais como a comunidade local e profissionais da saúde;
5- dificuldades apontadas na convivência familiar com a criança que apresenta necessidades
especiais. Através da visita domiciliar pretendeu-se compreender as relações entre as pessoas
que convivem em família e suas relações intra e extra familiar na localidade onde residem.
O processo de visita domiciliar possibilitou o acompanhamento da família por um
período de quatro meses, oportunizando à pesquisadora identificar como os indivíduos se
expressam, suas formas de trabalho e como enfrentam as situações cotidianas da vida. O
objetivo foi de acompanhar no domicilio, fazer parte de suas relações, observando as redes
de apoio da família e a forma como é construída a teia de ligação entre o meio intra e extra
familiar.
As relações humanas são estabelecidas através de redes, que fortalecem a sociedade
em que convivem, estando incluídos nela, os serviços de saúde, os relacionamentos sociais
com a vizinhança, a religiosidade, os amigos e parentes. Estas redes se interligam através de
teias construídas pela família com base em sua cultura e suas necessidades. Neste estudo,
averiguamos como são construídas e fortalecidas estas teias nas famílias com crianças com
necessidades especiais.
Para atingir nossa proposta de trabalho foi necessário nos reportarmos à realidade das
famílias pesquisadas e estabelecermos contato e conquistarmos a confiança para assim,
podermos participar de sua convivência e entender suas formas de enfrentamento nas
situações de adversidades e o significado desta situação para a família. Por essa razão,
optamos pela visita domiciliar com entrevistas semi-estruturadas para que pudéssemos ter
uma visão mais ampla do viver em família na coleta de informações.
Foi ainda utilizado o genetograma e o ecomapa das famílias para compreender as
reações e os acontecimentos na trajetória da família nuclear, uma vez que os antecedentes e os
laços familiares influenciam na cultura e no relacionamento intra e extra familiar.
50
As visitas domiciliares foram previamente agendas com as famílias, seguindo um
roteiro pré-estabelecido. O primeiro contato foi feito via telefone para agendar o horário e
data da visita. As visitas iniciaram em janeiro/2006, foram quinzenais tendo e terminaram
em maio/2006. Segue abaixo a intenção de roteiro.
1ª Visita – Apresentação da pesquisadora à família e a apresentação do projeto. Este
foi o momento para conhecer a família e seus antecedentes, a história familiar para dar início
ao genograma. Também, foi informado à família sobre o termo de consentimento livre e
esclarecido do participante. Inicialmente, foi lido o termo e explicado que seria garantido o
anonimato dos participantes, e que a pesquisa tinha, apenas, finalidade acadêmica, deixando
claro que estariam livres para desistir de participar do trabalho, se assim fosse sua vontade.
2ª Visita – Abordou-se a descoberta do diagnóstico da criança; como foi a gestação;
como a família recebeu a notícia; qual significado foi atribuído a essa situação; como foi a
aceitação de seu membro pela família e de que forma estão superando as dificuldades
causadas pelas limitações de seu integrante.
3ª Visita – Foram Investigadas a espiritualidade da família,e a importância da mesma
na vida familiar; questionou-se sobre a participação de alguma religião.Foi, ainda, investigado
como se deu a inserção social da família e sua participação na comunidade;a adaptação
familiar; a distribuição de tarefas cotidianas, como por exemplo, quem cuida da criança; se
ocorreram mudanças na rotina familiar após o descobrimento das limitações de seu integrante;
a origem dos recursos financeiros e se os mesmos são suficientes para o sustento da família.
4ª Visita –Buscou-se identificar sobre as redes de apoio utilizadas pela família; como é
a convivência com os vizinhos, amigos, parentes; quais as formas de atendimento pela rede
de saúde; se receberam visitas da equipe e orientações para melhor cuidar e se adaptar às
necessidades de seu membro e se as orientações foram claras para toda família.
5ª Visita – Foram registrados os momentos importantes na trajetória da família e qual
o significado atribuído a estes momentos; quais as dificuldades encontradas e quais as
estratégias utilizadas para o enfrentamento das mesmas.
6ª Visita – Averiguou-se de que forma agiram frente às adversidades, como nas crises
familiares, e quais os apoios encontrados pela família nas diferentes situações vivenciadas.
51
7ª Visita – Buscou-se saber da família quais suas perspectivas frente à realidade que
os cerca; quais as preocupações e como está sendo feita a inserção na sociedade em que
vivem.
8ª Visita – Finalmente, discutiu-se sobre como a família está compartilhando sua
experiência com outras famílias, ou se estão omitindo a sua situação da sociedade e quais as
dificuldades que encontram em sua inserção social.
Foram, ainda, feitos agradecimentos pela participação da pesquisa e promessa de
apresentação dos resultados, após a apresentação e conclusão do trabalho.
Ao total foram realizadas 8 visitas domiciliares, 5 telefonemas para família Souza e 4
para família Silva, e recebido um telefonema da família Silva para o convite da festa de seu
aniversário.
Na coleta de dados foi dado ênfase a cinco aspectos da história familiar: o período de
gestação até o nascimento; a descoberta da deficiência; o cotidiano da vida familiar na fase
de expansão; as fontes de preocupação da família e sua forma de enfrentamento; a rede formal
e informal da família e o tipo de suporte recebido.
Após as visitas domiciliares, os registros foram feitos em um diário de campo onde
também constou a observação feita, nossos sentimentos, angústias e também nossas dúvidas.
O registro foi realizado no mesmo dia da visita para que não se perdesse nenhuma informação
importante.
As entrevistas foram gravadas em fitas magnéticas, com a autorização da família e,
posteriormente, foram transcritas.
5.4 Análise dos Dados
A análise dos dados deu-se a partir do material obtido nas entrevistas, observação dos
momentos das visitas e da convivência com as famílias escolhidas e foi ocorrendo de forma
simultânea à coleta de dados
Na análise dos dados constam os indicativos de Resiliência baseados no Modelo de
Resiliência de Tensão Familiar, Ajuste e Adaptação proposto por McCubbin e McCubbin
52
(1996), especificando as fases das trajetórias das famílias. Também foram utilizados os
processos-chave criados por Walsh (1998), que têm como finalidade compreender as
habilidades da famílias em resistir e reagir positivamente frente às situações de crise e estresse
prolongados.
5.5 Aspectos Éticos
A pesquisa obedeceu aos princípios constantes na Resolução 196, de 10 de outubro de
1996, das Diretrizes e Normas que Regulamentam a Pesquisa em Seres Humanos e das
normas da Comissão de Ética da Univali. As famílias foram contatadas somente após o
parecer positivo da referida comissão. O termo de consentimento previamente elaborado e
aprovado foi lido para as famílias, as quais concordaram em participar do estudo. Foram
garantidos, a todos os participantes, o anonimato e o direito a desistirem do estudo a qualquer
momento.
53
6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
As histórias de vida das duas famílias são apresentadas a seguir. Estas histórias são
baseadas nos relatos das famílias feitas durante as visitas domiciliares. Para preservar o
anonimato de ambas famílias, nomes fictícios foram utilizados.
6.1 Trajetórias da Família Silva
O primeiro contato com a família Silva foi via telefone. A conversa foi com a mãe, e a
primeira visita foi agendada para 14 de janeiro de 2006. Posteriormente, outros 8 encontros
foram realizados, sendo 4 destes somente com a mãe e a criança e 3 com toda família.
A família reside em um município da região noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul, em um bairro de classe média baixa, afastado do centro da cidade, onde antigamente
existia uma Cohab (Companhia de Habitação Popular). Esse bairro é constituído de casas e
apartamentos padronizados. O acesso às casas é por ruas asfaltadas, e as residências são
cercadas possuem pátios e gramados. A família reside em uma casa ligada imediatamente a
outra ,ou seja, separada, apenas, por uma parede. A casa tem 3 dormitórios, sendo um destes
com divisórias de cortinas, uma sala, cozinha e um banheiro. A casa é limpa, organizada,
tem luz, água e é equipada com eletrodomésticos (TV, computador).
A família é constituída pelo pai (José), que é policial civil; pela mãe (Maria), que é
funcionária pública (professora); por Paulo, de 14 anos, que estuda em escola pública e é filho
de outro relacionamento de Maria; e Ana, de três anos, que possui necessidades especiais e é
filha do referido casal, que vive junto há 8 anos:
“Estávamos juntos há algum tempo e queríamos um filho; eu tive uma gravidez
tranqüila até as 35 semanas, quando descobrimos que nossa filha não era norma” (Maria).
54
A notícia que sua filha teria problemas sérios e corria risco de vida teve um impacto
grande na família:
“No dia anterior havíamos montado todo quarto de nosso bebê, pintado as paredes;
não tínhamos coragem de entrar na casa” (José).
A família, imediatamente, procurou esclarecer o diagnóstico com outros médicos, bem
como buscou um hospital que tivesse UTI neonatal e pediátrica. Conforme as orientações do
neurologista, a criança necessitaria de cirurgia logo após o nascimento para correção da
hidrocefalia e permaneceria internada. Quando Ana nasceu, além da hidrocefalia, também foi
diagnosticado meningomielocele (conseqüência de um distúrbio no fechamento caudal do
tubo neural, que em 80% dos casos, afeta a região lombar):
“Fiquei acordada todo tempo da cesariana conversando com a equipe; falei sobre o
problema da hidrocefalia e eles me esclareceram algumas dúvida. Apesar de lido bastante
sobre o assunto, quando ela nasceu escutei o choro dela, mas não me mostraram, disseram
que primeiro iriam examina; logo me mostraram; ela já de roupinha. No momento chorei de
felicidade e vi que sua cabecinha também não era tão aumentada” (Maria).
A mãe só ficou sabendo que sua filha, além da hidrocefalia tinha meningomielocele,
quando já estava no quarto. Não reagiu mal, apenas se preocupou pela cirurgia. Fora o
marido José que não havia visto a filha; estava mais abalado, pois foi notificado pelo médico:
“Tinha muito medo que ela morresse, o médico me disse tanta coisa que não
conseguia parar de pensar nos riscos” (José).
Ana foi submetida a 2 cirurgias: a primeira, da coluna e depois, para a introdução de
válvula cerebral (derivação ventricular periférica). Teve muitos processos infecciosos, quando
estava na UTI, e o prognóstico, segundo o neurologista, era sempre desfavorável. Ela ficou
100 dias hospitalizada:
“Tivemos muito apoio da equipe de apoio do hospital e dos nossos amigos e
parentes” (Maria).
“Quando saiu do hospital já fizeram o teste da orelhinha para testar a acuidade
auditiva, de visão, já estava fazendo fisioterapia e fora encaminhada ao neuropediatra,
devendo retornar em 30 dias depois” (Maria).
55
A família foi encaminhada para um centro de reabilitação em Porto Alegre que fica há
680 Km do município onde moram. O acompanhamento foi feito por um ortopedista e um
urologista. Inicialmente, a mãe viajava com freqüência para o tratamento; atualmente, as
viagens são semestrais:
“Iniciamos uma nova etapa de nossa vida, quando retornamos para nossa casa.
Estávamos felizes com nossa filha, mas necessitaríamos de modificações em nossa rotina,
José que viajava com freqüência em função de sua profissão, conseguiu permissão para não
viajar mais. Meu filho, Paulo, teve de participar mais nas rotinas domésticas e ajudar a
cuidar da irmã” (Maria).
A família também teve as despesas aumentadas: gastos com medicação de uso
contínuo, fraldas, alimentação, viagens. Maria, como professora, lecionava 40 horas
semanais; só após 1 ano, conseguiu redução de carga horária devido à lei que beneficia mãe
de pessoas com necessidades especiais:
“Doeu muito ter de me afastar da sala de aula e ir para a parte administrativa da
escola, mas sabia que essa era a única forma de conseguir a redução de carga horária, e
precisava de mais tempo com minha filha” (Maria).
Hoje a família considera que já retornaram as suas atividades sociais habituais.
Sempre foram muito religiosos. Em todas as situações comentadas pela família se percebe a fé
presente através de correntes de orações e práticas de rituais católicos.
Ana, que inicialmente foi diagnosticada como anencéfala, hoje freqüenta creche
normal e consegue se locomover sem auxílio de outras. Ainda não caminha, mas há
expectativas de que através do tratamento que vem sendo realizado, possa desenvolver esta
habilidade.
Os familiares de José e Maria não residem no mesmo município, mas mesmo
distantes, participam ativamente dos momentos importantes da família, como comemoração
de aniversários e outras datas marcantes:
“Os aniversários de Ana sempre são bem comemorados, a família toda participa, vêm
os tios, avós, trazem presente; ela fica muito contente” (José).
56
Apesar da boa evolução da criança, a família não esconde as preocupações
relacionadas ao seu futuro bem como ao fato de estarem superprotegendo a mesma:
“Na creche, como já freqüenta há tempo ela faz o que quer lá. Os professores
deixam. O pediatra diz que devemos dar tudo o que ela quiser para comer, e assim ela vai
indo conquistando todo mundo. Na creche os coleguinhas cuidam dela e ela se beneficia com
isso. Meu medo é quando ela tiver que mudar de escola e conviver com crianças que não a
conhecem. Eu estou cobrando dos professores para que tratem ela com o mesmo atendimento
que dão as outras crianças, pois ela precisa ter limites” (Maria).
A família não recebe benefícios especiais para cuidados devido à saúde da criança. Os
pais são funcionários públicos e possuem plano de saúde. Eles estão tentando receber do
estado a medicação de uso contínuo, mas até o momento ainda não conseguiram. Apesar de
morarem a uma quadra do posto de saúde, que tem implantado o Programa da Saúde da
Família, não recebem atendimento por não fazerem parte da área delimitada. Afirmam nunca
receberem visitas ou orientações da equipe de saúde local, sendo sua referência o hospital de
Porto Alegre.
Em todas as visitas realizadas, observou-se uma forte união entre os membros dessa
família. O amor existente entre eles é demonstrado através de lealdade e compromisso com os
sentimentos de uns com os outros. Hoje, Ana tem 3 anos, é uma garota esperta, participativa,
conversa, desenha, dança, canta e começa a firmar as pernas.
Dificuldades encontradas pela família
- Hospitalização de Maria e Ana em um município que fica 300 km onde não tinham
conhecidos;
- Período de hospitalização de Ana; as pioras do quadro clínico quando fazia
hipertemia, e também havia necessidade de suporte de oxigênio. O afastamento da
mãe e criança do pai e filho mais velho;
- Não poder contar com a família ampliada, pois todos residem em outras
localidades;
- Dificuldades financeiras, devido ao aumento das despesas com o tratamento da
criança;
57
- Realização da sondagem vesical. Pai e Mãe demonstravam medo, insegurança e
dificuldade de aceitação deste procedimento, que precisaria tornar-se uma rotina na
vida da criança;
- Insegurança com relação ao futuro de sua filha com seu desenvolvimento
intelectual, e surgimento de outros problemas de saúde;
- Dificuldade para adaptação de a necessidade de tratamento contínuo da criança. A
casa tem muitos degraus, o banheiro é pequeno; “se ela tiver de usar cadeira de
rodas, não vamos poder continuar morando aqui” (Maria);
- Manutenção do tratamento no centro de reabilitação em Porto Alegre.
Estratégias utilizadas pela família
- Espiritualidade e fé. A família é católica e em várias situações apontaram a
importância da fé em suas vidas e manifestaram sentirem-se fortalecidos através
dela:
“Tivemos muito apoio de nossa comunidade com correntes de oração. (José) Rezamos
muito pela nossa filha sempre” (Maria).
- Coesão familiar – a família procura estar junto sempre que podem, fazem as
refeições juntos, dividem as tarefas domésticas para diminuir a sobrecarga da mãe.
O pai também auxilia no cuidado de Ana, levando-a à creche e à fisioterapia,
sempre que pode.
- Opção da família em adaptar-se à nova condição de vida, recusando a proposta da
mãe de Maria de irem morar junto dela para que pudesse auxiliar no cuidado da
criança.
- Maria assumiu seu trabalho, começou a lecionar novamente, inicialmente, em outro
município.
- Ana com 4 meses foi para creche com crianças consideradas “normais”.
- Após 1 ano de trabalho, a mãe conseguiu redução de carga horária em seu trabalho.
58
- Ana, freqüenta a escola de educação especial para fazer estimulação, faz
fisioterapia, fonoaudiologia e acompanhamento psicológico para estimulação de
seu desenvolvimento.
- Tentativas de conseguir a medicação através da Secretaria de Saúde, que ainda não
tem resposta.
- Participação da família no tratamento, principalmente da mãe estabelecendo
vínculo com os profissionais de saúde que auxiliam Ana.
Apoio
- Dos colegas de trabalho para com José, que auxiliaram quando sua filha estava
hospitalizada, permitindo que o mesmo se ausentasse do trabalho. Além disso, José
conseguiu uma autorização para não viajar com tanta freqüência;
- Da família ampliada, tanto paterna quanto materna, que se revezaram para ajudar
enquanto Ana estava internada;
- Da comunidade religiosa de sua localidade;
- Dos profissionais de saúde durante a hospitalização: enfermeiros, assistente social,
fisioterapeuta, pediatra. Além desses, contam com o apoio dos profissionais da
escola de educação especial, onde Ana fazia fisioterapia e, atualmente, recebe
outras estimulações;
- Os médicos do centro de tratamento de Porto Alegre: ortopedista, urologista e
neuropediatra mostraram à família que se a estimulação fosse precoce e o
tratamento seguido com rigor, sua filha poderia ter um bom desenvolvimento.
59 GENETOGRAMA
Legenda: homem mulher
Figura 3 – Genetograma Família Silva
60
ECOMAPA
Família Silva
Trabalho
Família de José Família da
Maria Serviço Social
do município
Centro de Tratamento para
crianças em
Escola
Serviço Saúde
Local
Escola de Educação Especial Raio de
Sol
Creche
infantil Secretaria de
Saúde Municipal
José 34
Maria 35
3 a
14
Religiosidade
Igreja
Relação muito forte Relação distante Relação reciprocidade
Figura 4 – Ecomapa Família Silva
61
6.2 Trajetória da Família Souza
O primeiro contato com a família Souza foi por telefone, sendo a visita agendada para
o dia 17 de janeiro de 2006. Foram realizadas 8 visitas: cinco com a avó (Benta) e seus
netos, duas com toda a família e uma apenas com o pai da criança (nomes fictícios).
Na primeira visita, à família Souza, sinais de dificuldade financeira tornam-se,
imediatamente, evidentes. As condições da moradia, bem como o número de crianças que ali
habitavam impressionava . A chegada de uma pessoa estranha mobilizou a atenção de todos
daquela família, que ficou apreensiva por imaginar que se tratava de alguém relacionado à
justiça. A apreensão e o sentimento de desconfiança se desfizeram, somente, no momento em
que receberam minhas explicações a respeito das intenções da visita.
A residência, propriedade dos avós (Sr. Francisco e D. Benta) é uma casa de alvenaria
composta de 3 dormitórios grandes, duas salas amplas, cozinha, uma varanda grande e um
banheiro. O quintal da casa surpreendeu, pois além de conter outra casa pequena, é amplo,
com vários balanços, gangorras e árvores; um verdadeiro parque, construído pelo avô e por
João (pai das crianças). Os ambientes internos e externos da casa estavam limpos, os móveis
antigos, com poucos eletrodomésticos. Nos quartos, além de bicamas, havia colchões no
chão. A casa da família foi adaptada com pequenas rampas para que Pedro possa movimentar-
se.
O local onde residem é afastado do centro da cidade, mas é de fácil acesso, com ruas
calçadas. É um bairro de médio porte, próximo à periferia da cidade, havendo muitas casas
próximo à moradia de D. Benta e Sr Francisco. A comunidade é bem organizada, tem centro
comunitário e a igreja.
Na casa, moram 13 pessoas: os avós, João e seus 7 filhos, além da filha adotiva de D.
Benta e Seu Francisco, e dois netos, filhos de outra filha. A renda familiar vem da
aposentadoria do avô que é R$ 700,00, do benefício de saúde de Pedro e dos “bicos” que João
faz:
“A Sra. vê, né vizinha, não há dinheiro que chegue com toda essa criançada; é roupa,
é material escolar, é comida; agora que eu podia descansar que estou aposentado, continuo
fazendo “ bico”( trabalho esporádico) para conseguir mais dinheiro” (avô).
62
Quando Pedro nasceu, há 3 anos, João e Eva (mãe falecida de Pedro) moravam nos
fundos da casa do pai de João: “Nos construímos um puxado pra eles, porque com toda essas
crianças e eles sempre brigando e bebendo, tinha que ajuda” (avó).
Eva, mãe de Pedro, além dos filhos com João, tinha mais uma filha de um outro
relacionamento. O casal tinha problemas de relacionamento, quando bebiam. Eva era
alcoolista, e em muitas brigas, havia agressão física.
Pedro (3 anos) nasceu de parto normal e Eva teve sangramento intenso após o parto.
A criança nasceu com hidrocefalia e meningomielocele e teve de ser levada a Porto Alegre
para submeter-se às cirurgias. A estada em Porto Alegre foi acompanhada somente pela mãe;
o pai não pôde estar junto por falta de lugar na ambulância:
“Me deu um desespero, quando o médico me disse que meu filho era doente, ia ter
que fazer cirurgia da cabeça e das costas, nunca ia caminhar e talvez não ia nem ficar bom”
(João).
Pedro fez cirurgia de colocação de derivação ventricular periférica (válvula) e na
coluna, permanecendo hospitalizado durante 30 dias. A mãe acompanhou a criança neste
período em Porto Alegre. Em função das dificuldades financeiras, as visitas do pai para ver o
filho e levar algum respaldo financeiro para a mãe dependiam de caronas, portanto eram
esporádicas. Durante o período em que a criança ficou internada na UTI, a mãe hospedou-se
em um albergue próximo ao hospital, permanecendo esta temporada sem ingerir bebidas
alcoólicas. Eva acompanhou Pedro ao longo de seu primeiro ano de vida; era ela quem o
conduzia para as consultas em Porto Alegre, bem como para a escola da APAE. No entanto,
Eva continuava ingerindo álcool e as brigas entre o casal tornaram-se freqüentes.
“Às vezes nós tinha que ir lá na casa tirar as crianças e separar a briga; até faca uma
vez tivemo que tira deles. Eu sempre pedia pra eles não brigarem na frente dos inocentes dos
fios deles” (avó).
Eva e João não tinham trabalho fixo; faziam serviços gerais esporádicos. Eva, aos 34
anos de idade, faleceu de infarto agudo do miocárdio, deixando Pedro (1ano de idade) e mais
7 filhos:
“Foi muito triste vê aquelas crianças ao redor da mãe morta, chorando pedindo que
ela voltasse. Apesar do jeito louco dela ela queria bem as crianças e sempre dizia que não
63
queria que tirassem os ´fios´ dela, e que se acontece alguma coisa não era para o João dar as
crianças” (avó).
O avô contou: “Com a morte de Eva, o filho mais velho, a filha e ele foram conversar
com a avó Benta para ela cuidar deles, tomar conta das crianças e não entregaram para o
juizado de menore; a avó disse que era difícil, mas que os inocentes não tinham culpa.” (avô)
D. Benta lembra que “quando a filha de João que tinha 7 anos (Lis), me pediu para
ficar com Pedro e não dar ele, que ela ia cuidar do irmão; e até hoje é a que mais ajuda a
cuida dele, só que ela tem que estuda” (avó).
Os avós assumiram os cuidados dos filhos de João, que permanece ingerindo bebidas
alcoólicas freqüentemente. Além da renda fixa, oriunda da aposentadoria do avô, recebem
ajuda financeira do filho mais velho que possui mais recursos e também adotou uma das
crianças. A avó assumiu, principalmente, os cuidados com Pedro. É ela quem o leva para as
consultas em Porto Alegre. Pedro ainda será submetido a mais uma cirurgia, para correção de
pé torto congênito, e correção da cirurgia de coluna. Atualmente, Pedro freqüenta a escola
especial Raio de Sol três vezes por semana, onde tem aulas de estimulação e fisioterapia:
“Tenho uma enteada que adotamos faz muitos anos; ela ajuda um pouco, e as netas
maiores já ajudam na limpeza da casa, lavam roupas, varrem as calçadas e o pátio, ajudam
no cuidado de Pedro. Eu já sou velha tenho muita dor nas costas para carregar ele, mas
sempre levo ele na escola e quando tem que ir a Porto Alegre é eu que vou.” (avó)
“Os médico disseram que ele precisa fazer exercícios na água, mas já faz 1 ano que
tamo na fila de espera e não conseguimos o benefício pra pegar o transporte para escola e os
remédios que ele usa” (D. Benta).
O posto de saúde mais próximo fica a 4 quadras; aproximadamente 500m da
residência da família. No entanto, a família não recebe nenhum respaldo oriundo dos
profissionais desse posto, sendo sua única referência, os profissionais da saúde de Porto
Alegre e da APAE.
Pedro está sempre junto da avó. Ele desenvolveu habilidade para locomover-se
sozinho, arrastando-se sentado no chão. Os desvios nos membros inferiores predispõem ao
surgimento de lesões decorrentes do atrito dos pés com o chão áspero. Para evitar essas
lesões, ele está sempre com os pés protegidos. Pedro é uma criança muito comunicativa e
64
carinhosa, gosta de desenhar e conversar. Ele mesmo relata que vai a APAE de ônibus e gosta
de passear. Ele ainda não controla os esfíncteres e usa fraldas de tecido.A avó relata que
gosta muito dele. Ela sabe que ele é especial e, portanto, fará tudo para que nas suas
limitações ele fique bem:
“Vamo faze tudo para ajuda ele; ele é muito esperto e carinhoso, as outras crianças
conseguem se virar sozinha, mas ele ainda depende de nós” (avó).
O avô demonstra muita preocupação em relação à responsabilidade com as crianças.
Ele faz questão de contar que todos estudam, no entanto alega que a manutenção financeira da
família é difícil: “Essas crianças são nossa família; como que vamo abandona elas? e o meu
fio também é uma boa pessoa, mas os tempos tá difícil, ninguém consegue emprego” ( avô).
D. Benta e Sr. Francisco possuem, além de João, outros dois filhos, que residem nas
proximidades. O filho mais velho tem 3 crianças e é o que possui uma situação financeira
mais estável. Sua fonte de renda é uma fábrica de telas. Além de contribuir financeiramente
para o sustento da família de seu irmão João, ele ainda adotou um dos filhos de João e Eva. A
outra filha reside ao lado da casa dos pais; é casada e tem cinco filhos. Além das dificuldades
financeiras, enfrenta conflitos diários entre seu marido alcoólatra e seus filhos. Em função de
desentendimentos constantes, seus dois filhos mais velhos foram morar com os avós (D.
Benta e Sr. Francisco):
“Nós temo uma boa vizinhança; eles ajudam muito, dão comida, ajudam a cuidar das
crianças, doam roupas e calçados; são eles que nós ajudam, porque a prefeitura, o Conselho
Tutelar, o Juiz só prometem, fazem a gente de palhaço, correndo pra lá com monte de papel e
não consegue nada” (avó).
Seu Francisco relata que foi em busca de ajuda na Secretaria de Ação Social do
município, no entanto não teve sucesso. A fila era enorme, e quando chegou a vez dele
receber os alimentos, restavam apenas 2 latas de azeite e um pacote de arroz:
“Vizinha, isso é uma humilhação; fiquei a manhã inteira de pé com 68 anos, gastei
duas passagem para conseguir uma micharia” (avó).
A família relata que tentaram de várias formas conseguir ajuda da Secretaria de Saúde,
porém só conseguiram auxílio para as passagens para Porto Alegre e alguns exames que
Pedro necessitava fazer.
65
Apesar de todas as dificuldades relatadas pela família Souza, Pedro desfruta de
atenção e cuidados especiais. Ele demonstra boa aparência, peso adequado, desenvolvimento
intelectual de acordo com a idade. Pedro é muito estimulado pelos irmãos, que o integram em
suas brincadeiras. O pai demonstra afeto pela criança, mas admite que o hábito de beber
atrapalha sua vida. Segundo ele, gostaria de parar de ingerir bebidas alcoólicas e conseguir
um emprego, no entanto, até agora não conseguiu. Os avós, atualmente, têm a guarda das
crianças e, apesar de todas as dificuldades, procuram manter a família unida.
Durante as visitas, a família Souza sempre relatou conflitos vivenciados, mas também
demonstrou interesse em resolver os problemas e garantir uma vida melhor para as crianças.
Dificuldades encontradas pela família Souza
- Dificuldades financeiras, pois a família é muito grande e a renda insuficiente;
- Alcoolismo do pai e da mãe, desentendimentos freqüentes;
- Morte prematura da mãe, deixando as crianças sem amparo e emocionalmente
abaladas;
- Idade avançada da avó que tem problemas na coluna, resultando em dificuldade
para “carregar” a criança;
- Falta do apoio do serviço de saúde local no tratamento da criança, dificuldade de
agendamento hidroterápico e mesmo para fazer fisioterapia;
- Tratamento em cidade distante exige afastamento da avó de sua residência, além
da dificuldade em se localizar em outra cidade;
- O transporte para a escola especial é pago, pois não possuem automóvel e a
distância é muito grande para ser percorrida a pé;
- Relacionamento difícil na família da filha do Sr.Francisco e D. Benta, o que
resultou em mais dois netos habitando a casa dos avós;
- Falta de apoio da Secretaria de Ação Social do município, no fornecimento de
alimentos e material escolar;
66
Estratégias utilizadas
- A mãe, quando viva, mantinha o tratamento da criança em um centro de referência;
- Os avós acolheram a família do filho para que pudessem ajudar na educação dos
netos;
- Com a morte prematura da mãe, os avós assumiram a guarda das crianças;
- O pai das crianças procura emprego. O avô, além da aposentadoria, continua
trabalhando para aumentar a renda familiar;
- A avó assumiu o cuidado com o neto e se responsabilizou pelo tratamento;
- Os netos ajudam nas atividades domésticas: os maiores, limpam a casa e lavam as
roupas; e as menores, brincam com Pedro;
- Os avós colocaram todas as crianças na escola;
- Busca de auxílio saúde no Ministério Público;
Apoio encontrado pela família
- A família de João e Eva contaram com o auxílio dos avós, Francisco e Benta, no
cuidado e suporte financeiro;
- Com a morte da mãe, as crianças tiveram os avós para protegê-las;
- A comunidade local e os vizinhos ajudam com doações de alimentos, materiais
escolares, roupas, calçados;
- O tio mais velho ajuda financeiramente e cuida de uma das crianças;
- A APAE auxilia no tratamento e cuidados a Pedro;
- O hospital de referência em Porto Alegre, do qual recebem ajuda profissional, bem
como orientações referentes aos cuidados especiais que devem ser dispensados a
Pedro.
67
Auxílio financeiro
para tratamento e
exames
Ministério Público
Promotoria
Centro Social
Urbano de Saúde
Ajudam no
cuidado com as
crianças
Vizinhos
próximos
Igreja Assembléia
de Deus
Escola de ensino
regular do bairro
em que residem
Escola de
Educação
Especial – Raio de
Sol - APAE
Aulas de
estimulação
1x por semana
Fisioterapia
2x por semana
Hospital Santo
Antônio
Porto Alegre
Serviço de
reabilitação
Orientação no
tratamento
Informação
sobre a
patologia
Cirurgias para
correção
Secretaria
Municipal de
Saúde
Medicamentos
Ambulância
Serviço de
transporte
Família Materna
Conselho
Tutelar
65 68
1718
19
35 32
8a11a 2a7a 6a 3a
12
Residência
mesma residência
Legenda da intensidade das relações:
Muito forte
Forte
Fraca
ECOMAPA
Figura 5 – Representação gráfica do ecomapa Família Souza
68 GENETOGRAMA
65 68
C 39d
36a
18 6a
1a
17a
Moram na mesma
residência
f 13ae15a g 2a
adotada
Comerciante
ajuda os pais
Vô dificuldade
visual1940
1966
1990 1990 2002
36 36
1969
alcoolotraCâncer de cólo
1969
9a1418
Moram com os avós
paternos
1987 1987 1988 1991 1996 1999
1937
Artrite reumatóide
Rita
2a8a
35 32
1970
11a
1994 1998 1999 2000
2002
alcoolotra1973x2004
desempregado
12a
1993
7a 6a
2003
3a
Foi adotada
pelo filho
mais velho
Moram com
a tia
Legenda:
Figura 6 – Genetograma Família Souza
homem mulher
relacionamento forte
relacionamento conflituoso
relacionamento amigável
criança com necessidade especial
69
7 UMA LEITURA DA FAMÍLIA SILVA À LUZ DO MODELO DE RESILIÊNCIA DE
TENSÃO FAMILIAR, AJUSTAMENTO E ADAPTAÇÃO DE McCUBBIN;
McCUBBIN
Muitas famílias já nascem com rótulos tais como: famílias “normais”, as que se
enquadram nos padrões de nossa sociedade, e famílias “desajustadas”, quando, por algum
motivo, apresentam conflitos internos e/ou externos, levando à separação, divórcio ou
problemas com os filhos, entre outros. Embora pouco explorado o tema, há muitas famílias
que são consideradas “fortes”, por serem unidas, quando entre os membros existem
sentimentos de união, amor, responsabilidade, fator primordial para o ser humano crescer e se
desenvolver. Percebe-se que a família ao enfrentar uma crise prioriza o resgate do indivíduo
como um ser único e importante para o grupo.
No conceito de resiliência familiar, Walsh (1998) se refere aos processos de
enfrentamento e adaptação na família como funcional em uma situação de crise. A maneira
como uma família enfrenta e lida com uma experiência difícil, resiste ao estresse, se
reorganiza de modo eficiente e segue a vida, influenciará, segundo a autora, à adaptação
imediata e a longo prazo de todos os membros da família e a própria sobrevivência e o bem-
estar do grupo familiar.
A família que será descrita neste capitulo tem uma criança com necessidades especiais
e após receber o diagnóstico médico enfrentou crises e passou por várias fases como a de
ajustamento seguida da fase de adaptação.
Na análise dos dados foi utilizado o Modelo de Resiliência de Tensão Familiar,
Ajuste, Adaptação fundamentado no modelo duplo ABCX (McCuBBIN & PATERSON,
1981, 1983) o qual a se origina no trabalho de Reuben Hill (1949, 1958 apud McCUBBIN,
1993, p.23). Este modelo demonstra a tensão ocasionada pela crise, a vulnerabilidade da
70
família e a utilização da resistência como recurso, proporcionando condições para a avaliação
da situação, e por fim, como esta família conseguiu resolver ou não a crise. Neste momento,
será apresentada em detalhes apenas a família Silva.
No contexto do cuidado com a Saúde, o Modelo de Resiliência (McCUBBIN &
McCUBBIN, 1987, 1989) ajuda os profissionais da saúde a avaliar o funcionamento familiar,
intervindo em seu sistema para facilitar igualmente seu ajuste e adaptação, na maioria das
vezes, nas situações de doença. O Modelo de Resiliência tenta guiar os profissionais da saúde
determinando que tipo de famílias, capacidades e forças são necessários para auxiliar melhor
na administração da doença na família (McCUBBIN & McCUBBIN, 1993).
O sistema familiar e seu funcionamento envolvem processos complexos de indivíduos
interagindo, personalidades e características de grupos familiares, os quais influenciam uns
aos outros para demonstrar o curso de mudança familiar. Estas mudanças podem conduzir à
boa adaptação, significando que a família tem poderes de estabilidade e consegue promover o
desenvolvimento individual de seus membros, alcançando o senso de coerência, quando
enfrenta a doença, necessitando de mudanças nas rotinas de funcionamento da família
McCubbin & McCubbin (1993).
A seguir, será apresentado o modelo de Resiliência de Tensão Familiar, Ajuste e
Adaptação proposto por McCubbin & McCubbin (1996), traduzido para o português e
adaptado à situação vivenciada pela família Silva. As letras do esquema original foram
substituídas por números.
Ajustamento e seus Componentes
A fase de ajustamento e seus componentes, conforme experenciados pela família
Silva, encontra-se sistematizada na figura 7.
71
Figura 7 – Fase de Ajustamento e seus Componentes
Fonte: McCUBBIN & McCUBBIN (1993)
Má ajustamento
72
O momento da descoberta do diagnóstico foi marcado por muitos sentimentos, pois a
gravidez havia sido planejada, o pré-natal foi realizado corretamente, e não houve nenhuma
intercorrência no período da gestação. Entretanto, no dia em que realizaram a ecografia para
saber o sexo do bebê, o médico radiologista disse para a família reunida: “sua filha não tem
cérebro e deve ser tirada o quanto antes”. Neste momento, emergiu a crise da família devido
à noticia:
“José e eu ficamos desesperados e começamos a reza; fomos ao santuário e
decidimos juntos que mesmo que fosse um pedacinho de vida, nós queríamos para nós; a
gente ia trazer para casa para cuidar” (Maria).
Após passado o impacto inicial da descoberta, a família se recompôs e programou
estratégias para enfrentar a situação. Inicialmente, procuraram o médico obstetra para maiores
esclarecimento, logo após foram encaminhados ao neurologista, quando realizaram novos
exames e tiveram o diagnóstico que a filha tinha hidrocefalia e deveriam procurar um
hospital que tivesse UTI neonatal para realização do parto.
Segundo a figura 7, a tensão nervosa (1) ocasiona mudanças no sistema familiar que
pode afetar o funcionamento da família. Além das condições de saúde, afeta também o
relacionamento conjugal, a relação dos pais com os filhos e as metas programadas pela
família. A severidade da tensão nervosa é determinada pelo grau de tensão que ameaça a
estabilidade do grupo familiar, e também pela procura de recursos e capacidade da família. A
tensão nervosa poderia ameaçar a integridade da família (McCUBBIN, 1993). Para a família
Silva, a tensão nervosa se deu pelo diagnóstico de má formação cerebral da criança e a
necessidade de procurar um hospital com equipe especializada, uma vez que não existia na
localidade onde residiam.
Após a descoberta de que tinha algo errado com o bebê, a família procurou outros
médicos e fez novos exames, descobrindo, então, que sua filha tinha cérebro, mas também
tinha hidrocefalia. Neste momento, a família recuperou as esperanças, procurou informações
sobre a patologia e se preparou emocionalmente para a chegada da criança:
“Fui à biblioteca da universidade e retirei todos os livros que falavam sobre
hidrocefalia e suas complicações. Tive que esperar nove dias para fazer a cesariana. Neste
73
tempo, dediquei a me preparar bem como a meu marido e meu filho. Quando cheguei do
hospital, sabia tudo sobre hidrocefalia” (Mãe de Ana).
Na fase de ajustamento inicial, a família buscou forças na oração, além da busca
através de outros recursos como informação e opinião de outros profissionais da saúde. A
família Silva se via como uma família unida, com forte compromisso de cuidados, mas
tiveram que ser flexíveis no funcionamento familiar frente à nova situação. Com a
necessidade de deslocamento a outra cidade para submeter-se a cesariana, porque a criança
necessitaria permanecer na UTI neonatal para a cirurgia, o filho mais velho e o marido
acompanharam a mãe. O marido se licenciou do emprego. Os pais conversaram com a
professora na escola sobre a situação do filho, uma vez que julgaram importante manterem-se
unidos naquele momento. Eles demonstraram vontade de compartilhar tarefas e
responsabilidades. A família concordou em fazer sacrifícios pessoais para ajustar-se à nova
situação.
Retornando a figura 7, observamos que a vulnerabilidade familiar (2) é a condição
organizacional interpessoal frágil do sistema familiar. Esta condição percorre altos e baixos e
é determinada por acúmulos ou quantidades de demanda (McCUBBIN, 1993, p.86). A família
Silva havia se preparado para receber seu novo integrante e sabiam que a criança necessitaria
de cirurgia, colocação de válvula cerebral (DVP) e que ficaria hospitalizada na UTI. Contudo,
após o nascimento, foi também diagnosticado meningomielocele, surgindo um novo fato para
a família. O neurologista conversou primeiramente com o pai da criança, enfatizando que as
chances de sobrevivência da criança eram poucas:
“Naquele momento eu estava só com Paulo no imenso corredor; parecia que o
médico dizia que minha filha tinha morrido, não sabia o que diria a minha mulher; levou
algum tempo para conseguir assimilar tudo o que o médico disse”. (José)
Este foi um momento de vulnerabilidade do pai, aumento da tensão e também aumento
de fatores estressantes como uma cirurgia a mais na criança, o prognóstico desfavorável dado
pelo médico e o medo da reação da mãe quando descobrisse. Estes estressores abalaram as
estruturas familiares vivenciadas no momento.
Esta situação gerou um clima de tensão, pois a família e os amigos que estavam fora
do centro obstétrico junto com o pai, já sabiam do problema da criança e a mãe, que estava
chegando no quarto, após a cesariana, estava feliz, pois tinha corrido tudo bem. Ela já estava
74
preparada para o afastamento de sua filha, pois os médicos haviam explicado antes do parto
que ela deveria permanecer na UTI:
“Ela é muito bonita, a cabeça não é grande, pude pegar ela no colo e colocar no
seio” (Maria).
Os outros membros da família se reuniram com o médico para contar a mãe o novo
problema. O neurologista foi quem deu a notícia à mãe. Disse que a criança havia nascido
com meningomielocele além da hidrocefalia, e que sua situação era grave e que se
sobrevivesse teria, provavelmente, muitas seqüelas. A mãe reagiu bem frente à nova
realidade:
“Eu tinha visto minha filha, pegado ela no colo;ela já estava vestida; eu não vi nada
na coluna, mas ao ver aquele rosto rosado e aqueles olhos que me fitaram tão firme, isso me
fortaleceu” (Maria).
Conforme a figura 7 Tipos familiares (3) e padrões estabelecidos de funcionamento
familiar percebe-se que a tipologia de uma família é definida por um conjunto de atributos
que explicam como o sistema familiar opera ou se comporta. O tipo familiar são os padrões
previsíveis e discerníveis do funcionamento familiar. Segundo McCubbin (1993) em uma
situação de doença severa as famílias equilibradas que utilizam padrões de coesão e
adaptabilidade parecem ter resultados mais positivos.
Percebe-se pelos relatos que apesar da presença de estressores a família consegue se
recompor e ter esperanças de que a filha resistirá às cirurgias e que ficará bem. Esta força é o
que moveu a família, proporcionando flexibilidade para aceitar e procurar o melhor
tratamento possível à criança:
“Nós ficamos arrasados; Maria foi forte e me deu muita força para acreditar que
tudo não estava terminado, que era apenas o começo. Estavam junto da família amigos e
parentes que se revezam para fazer companhia ” (José).
“Foi muito importante o apoio dos amigos e parentes, pois como a internação seria
prolongada, não poderia deixar meu filho perder o ano na escola; os amigos se
prontificaram a levá-lo para casa e cuidar dele para nós. Foram 100 dias de internação”
(Maria).
75
Durante a internação hospitalar, inicialmente os pais permaneceram juntos, e a criança
teve altos e baixos, submetendo-se a duas cirurgias: a primeira, na coluna para correção da
meningomielocele; e a segunda, para colocação de válvula DVP (derivação ventricular
periférica):
“O que nos deixava mais aflitos era a falta de esperança do neurologista; ele nos
dizia que nossa filha seria retardada, que nunca caminharia, e que, provavelmente, não
sobreviveria. Mas a equipe de enfermagem e a equipe de apoio: a psicóloga e assistente
social nos davam força. A enfermeira nos estimulava a ficar perto e sempre dizia que
conhecera muitas crianças que hoje eram adultas com o mesmo problema de nossa filha”
(Maria).
Desta forma a família conseguiu fazer um ajustamento inicial para ficar perto de sua
filha e manter a esperança. O pai retornou ao serviço após 30 dias, e a mãe permaneceu
sempre com a criança. Nos finais de semana, o pai e o filho iam ao hospital visitá-las.
A figura 7 mostra os recursos utilizados pela família e, dentre eles, temos a
Resistência Familiar (4) - envolvendo capacidade e forças .Os recursos de resistência
familiar são descritos como habilidades, capacidades de uma família para dirigir e administrar
a tensão e suas demandas, impedindo que a situação ocasione uma crise ou rompimento nos
padrões de funcionamento estabelecidos pela família. A meta de ajuste é administrar a tensão
sem introduzir maiores e duradouras mudanças nos padrões de funcionamento estabelecido
pela família. Recursos ou forças se tornam parte da capacidade familiar em resistir a uma
crise e promover ajuste familiar. Os recursos familiares críticos são a estabilidade econômica,
coesão, flexibilidade, resistência, convicções espirituais compartilhadas, comunicação aberta,
tradição, celebração, rotinas e organização como mostra McCubbin (1993 apud CURAN,
1983; OLSON et al., 1983; McCUBBIN et al., 1988). A fé e a religiosidade sempre estiveram
presentes nas orações da família, tanto que a menina recebeu o nome de uma santa pela qual
tinham especial devoção:
“Foram feitas muitas correntes de orações pela nossa filha; isso nos fortalecia” (Pai
José).
“Acredito em Deus; acho que até aquele ultrasson foi uma luz para que desse tempo
de fazer algo pela nossa filha; rezamos muito em família” (Maria).
76
Observa-se nesta família uma forma de ajustamento temporário, pois ainda não sabiam
como seria, quando retornassem ao lar. O pai, como funcionário público, voltou ao seu
serviço, pois estavam cientes de que as despesas estavam aumentando. O filho retornou à
escola, e a mãe contou com a ajuda de membros de sua família ampliada, bem como do
marido:
“Tínhamos muita preocupação, pois sabíamos que nossas despesas estavam
aumentando; tive de ficar no hospital e as viagens do marido e do filho também geraram
gastos,e eu não poderia trabalhar.Essa era uma preocupação” (Maria).
Contudo, a família se manteve unida, buscando dar força uns aos outros para melhor
se ajustarem a essa situação de hospitalização.
Avaliação Familiar da doença como estressor e sua severidade (5). A avaliação
familiar de uma tensão pode oscilar de interpretação até como incontrolável e promovendo a
desintegração familiar (McCUBBIN; McCUBBIN, 1993 apud McCUBBIN & PATTERSON,
1983b; McCUBBIN, 1988, p.30).
A família Silva estava convicta de que deveria permanecer unida e lutando com todas
as forças pela recuperação de sua filha:
“Enquanto ela estiver nos dando força, com o seu olhar e seus pequenos gestos, com
os movimentos que ela faz em meio a todos aqueles fios que estão ligados, estaremos lutando
com ela” (Maria).
A família teve que fazer mudanças emergenciais em sua rotina familiar: a mãe se
afastou do lar e ficou com a criança no hospital; o pai teve que assumir todas as rotinas de
casa com o filho mais velho. Nesse momento, estava ocorrendo apenas ajustamento e não
uma adaptação definitiva, conforme os autores citados anteriormente.
Outra categoria, segundo a figura 7, refere-se à Resolução do Problema Familiar
(6). A família recorre à habilidade para organizar as tensões de forma manejáveis, identificar
cursos alternativos de ação para lidar com cada componente, inicia passos para solucionar os
problemas, assim como relações interpessoais, desenvolve e cultiva padrões de comunicação
necessárias para resolução do problema (McCUBBIN, 1993).
77
Na fase de hospitalização, a família Silva teve que resolver muitos problemas
decorrentes da patologia da criança e de organização familiar. Buscaram conhecimentos sobre
a doença e como deveriam proceder, optaram pela troca de neurologista, uma vez que o
médico cirurgião afastou-se do caso por problemas de natureza pessoal. Neste período, a
família menciona o apoio da equipe de enfermagem e do pediatra que acompanhou a criança:
“Após 100 dias de hospitalização foi dado alta a nossa filha e fomos a Porto Alegre
para o Centro de Reabilitação, para avaliação com ortopedista e urologista. Pela primeira
vez, escutamos do médico que nossa filha tinha chances de caminhar e poderia ter
desenvolvimento da inteligência normal” (Maria).
Nesta situação, as estratégias familiares projetaram um comportamento para fortalecer
a família como um todo, manter a estabilidade emocional e o bem estar de seus membros,
iniciando, assim, esforços para solucionar os sofrimentos familiares criados pela situação:
“Retornamos para casa com Ana e muita esperança, sabendo que teríamos um longo
e difícil caminho para percorrer, mas estávamos com ela” (Jose).
A família contou com o apoio da família extensa e da comunidade onde moram. A
família, mesmo distante fisicamente, os apóia constantemente.
Até este momento a família Silva estava lutando pela sobrevivência da filha que
esteve hospitalizada por mais de 100 dias. Contudo, agora estavam de volta a casa e eram três
para cuidar: o pai, a mãe e o irmão. As despesas aumentaram e, no momento, apenas o marido
estava trabalhando:
“Minha mãe, que mora em outra localidade, queria que eu fosse morar com ela para
me ajudar a cuidar da minha filha. Mas decidimos que enfrentaríamos nossos problemas
sozinhos, em família” (Maria).
Segundo a literatura, uma crise familiar denota uma demanda por mudanças básicas
nos padrões de funcionamento familiar para restabelecer sua estabilidade. Este movimento,
nos padrões de funcionamento do sistema familiar marca o começo da fase de adaptação do
Modelo de Resiliência (McCUBBIN, 1993).
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Adaptação Familiar
A fase de adaptação da família Silva, baseada no Modelo Resiliência de Tensão
Familiar, Ajuste e Adaptação de McCubbin (1993) encontra-se representado na figura 8. A
família Silva, quando retornou ao lar, se deparou com algumas dificuldades que acabaram
gerando nova crise em seu funcionamento. Perceberam que os ajustes iniciais não tinham sido
suficientes e que deveriam estabelecer novas estratégias, mais eficazes para a adaptação da
família.
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Figura 8 – Ajuste e Adaptação
Fonte: McCUBBIN (1993)
Má ajustamento (10)
80
A família precisou realizar vários ajustes em sua rotina familiar e nos padrões de
funcionamento para o enfrentamento do problema de saúde de sua filha. Ao se depararem
com a crise, perceberam a necessidade de novas mudanças para continuarem com um
funcionamento eficaz. Algumas mudanças foram instituídas: 1.a mãe teria que voltar ao
trabalho, para ajudar financeiramente e também para melhorar a sua auto-estima; 2. o pai
viajava muito, agora, porém, permaneceria na cidade; 3. o filho mais velho teria que ajudar
nas tarefas domésticas e também no cuidado a criança; 4. Ana começaria a freqüentar a
creche, a fazer fisioterapia e estimulação na escola de educação especial.
Houve nova tensão principalmente, quando optaram por colocar a criança em uma
creche onde passaria o dia:
“Fui chamada para assumir um concurso do magistério estadual que havia realizado
e tive que assumir em uma cidade que fica a 6 km daqui. Eram 40 horas semanais. Foi uma
decisão difícil, mas eu tinha que assumir até pelo financeiro, mas me doía muito deixar Ana
na creche” (Maria).
A família optou por colocar a criança em uma creche convencional, sabendo das
dificuldades que poderiam enfrentar. Conversaram com a diretora e explicaram a situação, e a
mesma incentivou que a mantivessem na escolinha:
“A diretora me disse que não teria problema, que elas cuidariam, ela tinha apenas 4
meses” (Maria).
Inicia-se, então, a fase de adaptação familiar, segundo descreve o Modelo de
Resiliência, que focaliza mudança e adaptação familiar com o passar do tempo. No momento
em que o problema se torna uma crise familiar, é indicado o começo da fase de Adaptação. O
nível de adaptação familiar é determinado por vários componentes influenciados
reciprocamente: a quantidade de demanda no sistema familiar criado pela doença, muda o
ciclo de vida familiar (1) e as tensões não resolvidas interagem com o nível regenerativo da
família resiliente, gerando uma crise inicial(2); a resiliência é determinada em parte pelos
padrões recentemente instituídos para funcionamento familiar(3). Estes componentes
interagem com os recursos da família como forças e capacidades que são apoiadas pela
família(4); e o apoio social com amigos e a comunidade(5). Uma avaliação situacional é feita
pela relação percebida entre os recursos familiares e as demandas da situação(6). Esta
81
avaliação da situação de crise familiar interage com a avaliação do esquema familiar(7) para
alcançar a congruência. Esta interação cria um significado familiar que é atribuído à doença e
às mudanças causadas por ela. Os recursos e componentes de avaliação interagem com a
resolução do problema familiar(8) para facilitar a adaptação à situação de crise, resultando na
boa adaptação da família (McCUBBIN, 1993, p.33, tradução nossa).
A figura 8 mostra a quantidade de demanda sobre a família (1). As pesquisas
realizadas por McCubbin enfatizam que experiências de quantidade de demanda são fatores
que deveriam ser levados em conta como parte do processo de avaliação. Isto é
particularmente importante para ser feito em caso de doença prolongada, tal como cuidados
físicos com uma criança ou com membros com inaptidão ou doenças crônicas.
Para os autores, há seis categorias amplas de estresse e tensão e tendências que
contribuem para a qualidade da adaptação familiar na doença:
1. A doença e sofrimento relacionados ao longo do tempo;
2. Transições normativas individuais e na família como um todo;
3. Tensões familiares anteriores acumuladas ao longo do tempo.
4. Demandas situacionais e dificuldades contextuais;
5. As conseqüências decorrentes dos esforços familiar no enfrentamento;
6 - Ambigüidade intrafamiliar e social, que provê diretrizes inadequadas, para as
famílias atuarem frente a situação de doença e crise.
A doença e sofrimento. Com o passar do tempo, ocorre um aumento do sofrimento
causado pela doença. Quando a família tem uma experiência de doença que induz a uma crise
familiar como, por exemplo, criança com um defeito de nascimento, tendo um membro
adolescente com um dano na coluna, ou um adulto enfrentando uma doença, a família
também experimenta sofrimentos específicos associados com a doença que intensificam as
dificuldades enfrentadas pela família (McCUBBIN, 1993).
A família Silva vinha acumulando sofrimento por saber que a filha poderia não
caminhar e ter seu desenvolvimento mental comprometido:
82
“Enquanto são bebê tudo bem; carregamos no colo, ninguém percebe a diferença;
nesta fase, todas as crianças são iguais; agora quando começa o desenvolvimento e você
percebe que sua criança não terá o mesmo desenvolvimento que seus colegas, isso dá uma
dorzinha, mas logo passa, pois penso nas conquistas que terá” (Maria).
A família enfrenta crises emocionais e a mãe acaba por sentir-se sobrecarregada, pois
é ela quem acompanha a criança ao médico, psicóloga , fisioterapia, estimulação na Escola de
Educação Especial e a leva para creche e para o acompanhamento no centro de reabilitação
em Porto Alegre. A mãe justifica que seja ela a pessoa encarregada de tais encargos pelo
fato da facilidade que tem quanto aos horários e ao maior vínculo com os profissionais que
tratam da criança:
“Não gosto de me queixar, mas às vezes me sinto cansada; no início levava a cada 15
dias para Porto Alegre, depois a cada 2 meses e hoje a cada 6 meses. Só que tem a
fisioterapia 3 vezes por semana, a fono, a psicóloga, enfim é uma jornada tripla” (Maria).
As dificuldades podem se refletir como fardos adicionais ao sistema familiar, devido à
sobrecarga de alguns integrantes como os pais, por exemplo, que têm a responsabilidade sobre
a educação e o bem – estar de seus filhos.
Transições normativas – As famílias não são grupos sociais estáticos; passam por
transições previsíveis como resultados de crescimento normal e desenvolvimento de seus
jovens membros. A família ainda deve ter a preocupação de encaminhar seus filhos para que
possam ter uma vida independente no futuro. Essa é uma preocupação explícita nos relatos da
família Silva:
“Tentamos fazer com que as coisas pareçam o mais normal possível, por isso
colocamos nossa filha em uma creche normal para que ela já comece se preparar para as
dificuldades que poderá encontrar no futuro” (Maria).
Tensões familiares acumuladas – Tensões anteriores se tornam objetivo para
intervenção de profissionais por duas razões: primeiro, a situação de doença pode mascarar
dificuldades familiares (tensões anteriores); segundo, tensões anteriores podem mascarar o
sofrimento na crise de doença, que também exige atenção (McCUBBIN, 1993).
O filho mais velho de Maria é do primeiro relacionamento, mas a relação dele com o
seu atual marido é boa. Porém, a mãe enfatiza a preocupação com o marido devido à criança
83
ser sua primeira filha biológica. Por mais que os médicos incentivem uma nova gravidez, a
família ainda está apreensiva:
“Eu já tenho em filho, mas para ele essa é a sua primeira experiência como pai,
tenho medo de suas frustrações, apesar dele ser um pai maravilhoso que cuida muito de sua
filha” (Maria).
- Demanda de situação e dificuldades contextuais – Quando a família precisa cuidar
de seu membro, que exige cuidados especiais, ou mesmo que depende de equipamentos de
suporte para manutenção da vida, essa situação gera conflitos familiares na tentativa de
adaptação para essa situação (McCUBBIN, 1993).
No retorno da criança ao lar, a família Silva se deparou com uma situação que não
estava habituada, pois sua filha necessitava de cuidados diferenciados e uso de medicação
contínua, além de reabilitação física. A família enfrentou dificuldades até conseguir se adaptar
à nova rotina e entender que, para o bom funcionamento familiar, todos deveriam ajudar:
“Nós tínhamos de acordar antes da 6h da manhã para organizar as coisas e às 7:30
ela já devia estar na fisioterapia. A alimentação devia ir pronta para creche. Foi uma época
difícil” (José).
Conseqüência dos esforços familiares para enfrentar. São as tensões e esforços
violentos que emergem de comportamentos específicos ou estratégias que uma família pode
ter usado na fase de ajuste, tal como aumento de rigidez ou supressão da raiva, ou mesmo os
esforços atuais para o enfrentamento da situação (McCUBBIN; McCUBBIN, 1989 apud
McCUBBIN & PATTESON, 1993a; McCUBBIN, 1996).
No retorno ao lar, a mãe estava sobrecarregada por tudo que havia passado e também
por tudo que ainda deveria enfrentar. A possibilidade de trabalhar, fazer o que gostava foi
uma forma de melhorar sua auto-estima e cuidar-se como pessoa:
“Sempre adorei dar aula; os alunos me energizam, vejo outras realidade; às vezes, até
mais difícil que a minha. Foi coisa de ‘Deus’ ter voltado à sala de aula”(Maria).
“Senti muito medo e angústia nestes 100 dias que minha mãe e irmã estavam fora,
tinha medo de perder as duas”… (Paulo)
84
Ambigüidade intrafamiliar e social Toda situação de crise tem certa quantidade de
ambigüidade e incerteza. Qualquer mudança na demanda para a adaptação familiar, como no
caso de cuidado a longo prazo de um membro da família doente em estado terminável ou
crônico, tem um elemento de incerteza porque as necessidades familiares alteram sua
estrutura, regras, papéis e responsabilidades (McCUBBIN, 1993).
Compete à sociedade oferecer diretrizes de apoio à família, para a promoção da saúde
e também atender às necessidades da mesma. Em nossa realidade, o papel da sociedade deixa
muito a desejar quando se trata da promoção da saúde principalmente neste caso mais
especifico a reabilitação das pessoas com necessidades especiais, pois a família Silva, mesmo
tendo um bom convênio de saúde, não encontra atendimento adequado às necessidades de sua
filha, tendo que pagar para que possa ter, ao menos, a fisioterapia que é primordial para seu
desenvolvimento:
“Ainda não estamos na fase mais crítica que deveremos enfrentar futuramente, se a
minha filha não caminhar. Hoje ela é pequena, é fácil de transportar, mas se depender de
usar cadeira de rodas, quero ver as dificuldades, pois nem minha casa é adequada. Sem
contar com a discriminação que já sentimos hoje, principalmente quando olham para ela e a
chamam de coitadinha ou pobrezinha. Fico mortificada, quando isso acontece” (Maria).
Na ausência das diretrizes de adaptação familiar são freqüentes os processos de
tentativa-e-erro, com efeitos colaterais potencialmente danosos e demandas adicionais no
sistema familiar. Para McCubbin (1993) se a cultura ou a comunidade pudesse proporcionar a
família soluções adequadas, a habilidade da família para administrar a acumulação de
demandas também seria aumentada; se a comunidade é omissa ou insuficiente em suas
diretrizes ou apoio, é provável que a família enfrente lutas adicionais em seus esforços para
adaptar-se a uma crise de doença.
Padrões de funcionamento familiar (3) “O termo resiliência familiar refere-se aos
processos de enfrentamento e adaptação na família como uma unidade funcional” (WALSH,
2005, p.14).Segundo a literatura, os tipos familiares são definidos como um conjunto de
atributos básicos sobre o sistema familiar que caracteriza e explica como opera e se comporta
(McCUBBIN & McCUBBIN, 1996). A criação das tipologias familiares permite que se
possam examinar propriedades de combinação dos sistemas familiares e de identificar como
os mesmos familiares respondem à tensão.
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Famílias equilibradas têm níveis adequados de coesão e adaptabilidade. São capazes
de se adaptar, mais adequadamente, à tensão nervosa e às transições durante o ciclo de vida
devido às suas habilidades para mudar estas dimensões com respeito à tensão, e se ocupar do
uso de habilidades de comunicação mais positiva para permitir os membros das famílias
serem independentes, e, contudo ligados aos seus familiares (McCUBBIN, 1993, p.128,
tradução nossa).
Todas as famílias, independente de sua forma, precisam desenvolver uma estrutura
flexível, porém estável, para um bom funcionamento. É importante que as rotinas e regras
sejam mantidas, como as refeições feitas em conjunto, a comemoração de datas festivas,
reunião familiar no final de semana, entre outras. Essas atitudes fortalecem a coesão familiar,
pois os membros estabelecem vínculos e responsabilidade com a família, e a tem como um
porto seguro (WALSH, 2005).
As crenças e os rituais têm igualmente importância fundamental na família, pois dão
continuidade através do tempo, e são consideradas interações facilitadoras entre os membros e
as gerações, principalmente na transição de um ciclo para outro e nas transformações devido a
perdas ou mudanças inesperadas, por permitirem a conclusão de um ciclo e a evolução para
outro (WALSH, 2005).
A família Silva teve de instituir novos padrões de funcionamento, modificar suas
rotinas e também enfrentar o aumento de responsabilidade com seu integrante que possui
necessidades especiais. As principais mudanças na família Silva ocorreram com a saída da
mãe para trabalhar em outro município, tendo que deixar sua filha na creche o dia todo:
“Sentia uma dor, quando a deixava na porta da creche”. (Maria)
Outra mudança foi a presença do pai diariamente em casa. Anteriormente trabalhava
na polícia e viajava com freqüência, ficando muitos dias afastado de casa. Hoje, permanece
na cidade a maior parte do tempo:
“É importante nos mantermos unidos nesta fase de nossa vida, por isso pedi ao chefe
para ficar por aqui” (José).
O filho mais velho também teve novas responsabilidades com as tarefas domésticas e
no cuidado com a irmã:
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“Quando tá chovendo eu fico com ela em casa, pois temos medo que ela fique
gripada” (Filho).
Os rituais de ir à Igreja e fazer orações são muito fortes na família:
“Freqüentamos sempre a igreja; acho que foi o primeiro lugar público, além do
hospital, que levamos nossa filha” (Maria).
Para proporcionar um tratamento eficaz para Ana é necessário que a levem a um
centro de referência, onde realiza consultas médicas, faz os exames e recebem orientações
para proceder em casa. Com o passar do tempo e desenvolvimento da menina, são
necessários novas mudanças, como novos remédios, equipamentos (ortese) usados para que
possa ficar em pé, e também o procedimento da sondagem vesical:
“Para mim, passar a sonda na minha filha foi um dos piores momentos da minha
vida, até conseguir me acostumar, e perceber o quanto era importante este procedimento:
teve muito choro” (Maria).
Com o passar do tempo, a família vem passando por novas provações e cada etapa
exige novas adaptações, contudo a família permanece unida e fortalecida, pois acreditam que
estão fazendo o melhor por seus filhos. Para Harwley e De Haan (1996, p. 293):
Resiliência familiar descreve o caminho que uma família segue como ela se adapta e prospera diante do estresse, no presente e ao longo do tempo. Famílias resilientes respondem positivamente a essas condições de maneira única, dependendo do contexto, nível de desenvolvimento, da combinação interativa de fatores de risco e protetores e da percepção compartilhada da família.
Recursos Familiares (4) – Forças e Capacidades No modelo de resiliência de tensão
familiar, ajuste e adaptação, figura 8, a capacidade é definida como um potencial que a
família tem face a todas as demandas que enfrenta. Os recursos utilizados podem ser divididos
em pessoais e do sistema familiar.
Os recursos pessoais dependem de cada integrante, qual seja a inteligência que pode
facilitar a compreensão da situação; a educação e treinamento para execução de tarefas;
personalidade e senso de humor; saúde física e emocional; senso de domínio na vida pessoal e
auto-estima, entre outros:
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A família por sua vez é um conjunto de integrantes sendo que cada um tem suas características pessoais e suas formas de agir frente às situações de vida; cada um com sua força espiritual e interior e o conjunto das forças dará o corpo de uma família e as suas potencialidades. Para os autores os recursos familiares mais citados quando se trata das forças familiares são a “coesão” como vínculo emocional entre os membros da família e a adaptabilidade, isto é a capacidade da família para reconhecer obstáculos e buscar novos curso e ações (WALSH, 2005, p.82).
A família Silva, que tem uma criança com necessidades especiais, percebe que outros,
geralmente, a julgam diferente, havendo um pré-julgamento da sociedade e muitas vezes da
própria família em saber o porquê foram contemplados com essa anormalidade. Muitas vezes,
os integrantes da família acabam se fechando para entender a situação que estão enfrentando e
montar estratégias de enfrentamento em conjunto.
A família estudada sente uma forte coesão entre seus membros. Apesar dos pais terem
idealizado uma criança e ela ter nascido diferente, lutam com todas as forças para a
recuperação de sua filha, respeitando as suas limitações.
Os recursos mais utilizados pela família Silva são: a integração, a busca de
informação sobre o diagnóstico, a relação de confiança com os profissionais que tratam a
criança, e a religiosidade.
Como mostra a figura 8, o Suporte Social (5) e recursos da comunidade incluem todas
as pessoas e instituições que a família pode contar para enfrentar uma situação de estresse.
Recursos e suporte incluem os amigos e uma variedade de serviços, como saúde, serviços
comunitários, escolas, igrejas e empregadores. No âmbito social podem ser vistas, também, as
políticas de governo que apoiam as famílias com recursos comunitários (McCUBBIN, 1993).
Pelos relatos da família, percebe-se a deficiência da rede pública local de saúde, pois o
único apoio encontrado foi a ajuda financeira para o custeio das viagens a Porto Alegre. A
melhor referência da família são os profissionais de saúde do Hospital de Porto Alegre, de
quem recebem orientações e acompanhamento. Eles têm fortes relações com os professores
da creche, com os profissionais que acompanham a criança: a psicóloga, fonoaudióloga,
fisioterapeuta e também com a comunidade do bairro onde residem.
A família ampliada dos Silva, morando distante, os apóiam, embora a família do
marido tenha mais dificuldade em aceitar a situação:
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“Na minha família, a aceitação foi melhor e o apoio também; minha sogra é pessoa
muito boa, tenta aceitar, mas está sempre preocupada com as pernas de minha filha. A
primeira pergunta é sempre se ela já está firmando as pernas” (Maria).
A avaliação Situacional Familiar – (6) a adequação ou inadequação do grupo
familiar na administração da situação, serve como base adicional para o enfrentamento e
mudanças dos padrões de funcionamento familiar. No caso da família em estudo, a busca pelo
tratamento, mesmo exigindo custos elevados e deslocamento da mãe e da criança do
município, a participação do pai e do filho mais velho nas rotinas de cuidado com a filha
como a alimentação, o banho, a troca de fraldas, as divisões das tarefas domésticas são ações
que demonstram a boa adaptação familiar frente à realidade, pois conseguem enfrentar com
positividade introduzindo mudanças e se esforçando para viver em harmonia.
Avaliação familiar – Esquema e Significado (7): o processo é difícil e exige que a
família compartilhe as decisões e opte pelo melhor para sua convivência, facilitando, assim, a
congruência que só será alcançada com perseverança, paciência, negociação, compreensão e
compromisso compartilhado entre os membros.
Para alcançar melhor adaptação, a família necessitou abrir mão de algumas prioridades
instituídas antes de ter Ana. Uma delas foi conseguir a redução de carga horária em seu
serviço e precisou deixar a sala de aula que tanto gostava e fazer trabalhos administrativos.
Além disso, precisou deixar sua especialização de lado, enquanto o pai abriu mão das viagens
e o filho se privou de bens materiais:
“Tem momentos que é difícil; o pior foi quando não pude mais dar aula tive de ir
para a parte administrativa da escola pela minha redução de carga horária.Foi horrível;
sempre gostei muito das relações que se estabelece dentro da sala de aula com as crianças,
via outras realidades; isso me fortalecia. Mas hoje estou satisfeita no cargo que atuo. Temos
um objetivo concreto que é conseguir dar educação adequada para nossos filhos para que
possam ser alguém na vida e sejam capazes de enfrentar os obstáculos que a vida nos
coloca” (Maria).
Resolvendo o problema (8) - O processo de adquirir recursos para conhecer as
demandas induzidas pela doença é um aspecto crítico de tensão familiar, ajuste e adaptação
necessários em relação à situação vivenciada. O Modelo de Resiliência de tensão familiar,
ajuste e adaptação (figura 8) caracteriza o sistema familiar como uma rede de recursos e
89
trocas, onde acontecem a redução e o controle do problema. Os membros da família tentam
reduzir ou administrar as demandas que atingem o sistema familiar como um todo, procuram
recursos para continuar e administrar a situação. Na família Silva percebemos a utilização e
troca de recursos para a adaptar-se em sua nova condição, como, por exemplo, a sua
religiosidade.
Por outro lado, a coesão familiar – mesmo tendo que reestruturar a rotina familiar, a
família Silva optou por enfrentarem juntos a situação e manter-se unidos. Cada membro tem
suas atribuições dentro da rotina familiar, muitas vezes abrindo mão de suas prioridades para
contribuir para o bom funcionamento do grupo familiar.
Com relação aos profissionais de saúde (8) – mantêm como referência os do hospital
de Porto Alegre e fazem o acompanhamento no município em que residem.Por sua vez, no
trabalho, por serem funcionários públicos, podem proporcionar um bom convênio de saúde,
porém a renda familiar não é considerada adequada à situação.
McCubbin em seu trabalho com famílias enfrentando crise devido a doenças,
identificou quatro principais pontos que envolvem os modos que facilitam a adaptação:
� Ação direta para eliminar ou reduzir o número e intensidade de demandas
criadas pela doença;
� Ação direta para adquirir recursos adicionais não disponíveis para avaliação
familiar;
� Administração da tensão emocional frente às tensões contínuas;
� Avaliação do nível familiar para criar, formar e avaliar significados
relacionados a uma situação para fazê-la mais construtivo, manejável e
aceitável.
Com nascimento de Ana, a família, inicialmente, fez ajustes em sua estrutura para
conseguir adaptar-se à nova situação. Enfrentou a situação, inicialmente, com muitas
dificuldades, mas de forma realista, aceitando o que não poderia ser mudado, buscando
proporcionar melhores condições de vida aos filhos. A preocupação com a inserção social da
filha já é percebida desde o início, e os pais optam por uma creche, onde estaria em contato
90
com outras crianças e professores. Decidiram expor Ana a uma sociedade ainda com
preconceitos face a tudo que é diferente:
“Muitas vezes, deixei ela e saia chorando, angustiada com o que estava fazendo, mas
nós acreditamos que essa era a melhor forma de educá-la. Hoje, me sinto feliz, pois o
relacionamento dela com as outras crianças é muito bom e assim como seu desenvolvimento,
sua força de vontade para fazer as atividades e a aceitação do tratamento”.
A estratégia que a família encontrou para resolver seus problemas foi através do
consenso entre os membros, buscando sempre o melhor tratamento médico e também
participando do mesmo. Além disso, procuram sempre por novas informações sobre a
patologia e mantêm um bom relacionamento com os profissionais, mesmo com a pouca ajuda
da rede básica da saúde de sua localidade, o tratamento e orientação. A família procurou
proporcionar as condições para que fossem realizadas as seções de fisioterapia,
fonoaudióloga, psicóloga e a aquisição de medicamentos que são caros e de uso contínuo,
gerando muitos gastos à família.
Esta fase de adaptação não pode ser definida como o final dos problemas da família
Silva, pois a cada nova situação poderão surgir outros desafios, e a família está ciente de que
ainda terá outras dificuldades, contudo demonstra disposição para enfrentar e manter a união
familiar.
O processo de Adaptação Familiar como o nome indica é um processo no qual as
famílias vão em busca de respostas diretas. As demandas excessivas de uma tensão utilizam
recursos e concluem que são necessárias mudanças sistêmicas para restabelecer a estabilidade
funcional e melhorar a satisfação familiar. Uma vez que são instituídas mudanças como novos
padrões familiares em nível de avaliação da situação vivenciada, o esforço da família para
aceitar e afirmar as mudanças facilitam a boa adaptação com o passar do tempo (McCUBBIN
& PATTERSON, 1983b; McCUBBIN & McCUBBIN, 1996). Por outro lado, as famílias
podem não alcançar um nível satisfatório de adaptação (má adaptação), e voltam a uma
situação de crise, e então, deverão encontrar um novo modo para se adaptar (McCUBBIN,
1993, p.57).
A sinergia na família é uma habilidade que contribui para alcançar um estilo de vida
mais adequado. Não é atingido pelo esforço de apenas um dos membros, mas sim, é
alcançado pela interdependência e mutualidade na família. Como as famílias trabalham para
91
sincronizar as suas avaliações, necessidades e recursos, eles são afinados um ao outro
tornando, o grupo mais harmonioso em seu funcionamento.
Hoje, a Família Silva considera-se fortalecida e percebe que suas estratégias estão
dando certo, mas também estão cientes de que novas crises poderão vir. Podemos considerar
que estão tendo uma boa adaptação, mediante a situação (figura 8 item 9):
“Estamos felizes com as conquistas de nossa filha em seu desenvolvimento e
conseguimos nos organizar para que não haja sobrecarga de apenas uma pessoa” (Maria).
A adaptação da família frente à nova condição de vida de sua filha com necessidades
especiais envolve o entrelaçamento dos 3 primeiros domínios dos processos de resiliência
familiar – sistema de crença, processo de comunicação e processos organizacionais.
Comparando-se a trajetória da vida da Família Silva com os processos chaves descritos por
Walsh (2005) para identificação e fortalecimento da resiliência nos três domínios: Sistemas de
crença familiar; Padrões Organizacionais; e Processos de Comunicação, podemos fazer várias
afirmações. Primeiro, percebe-se a presença dos três domínios nas ações e reações da família,
frente às situações de crise e a persistência e a luta pela sobrevivência da filha, mesmo ciente
de que ela teria algumas incapacidades e seria dependente da família para o seu
desenvolvimento. Constatou-se, ainda, a esperança e a perseverança na busca pelo tratamento;
a vibração da família frente às conquistas da criança; a flexibilidade para as mudanças dos
padrões antes estipulados pela família; o apoio mútuo nos momentos de desânimo e medo de
que algo poderia dar errado; a participação da comunidade, principalmente na fé; as correntes
de orações, além da comunicação aberta e clara na família, sem mascarar a realidade,
compartilhando momentos de alegria e tristeza, procurando sempre soluções para os
problemas que vão surgindo no decorrer da trajetória, seja para o tratamento médico ou nas
rotinas domésticas. Montar estratégias para o melhor funcionamento familiar, igualmente se
concretiza nesta família.
Nos processos chaves da Resiliência, segundo Walsh (2005), os sistemas de crença
são considerados a alma da resiliência. As crenças estão no âmago de quem somos e da
maneira como entendemos e extraímos sentidos da nossa experiência. Nossas crenças básicas,
sejam elas seculares ou sagradas, nos ancoram na enormidade perturbadora do grande
desconhecido que chamamos de realidade.
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Os processos chaves nos ajudam a compreender os problemas e as ações da família
no enfrentamento de suas crises. Da mesma forma, possibilitam os profissionais auxiliar as
famílias no processo de ser resiliente, incentivando a perseverança e estimulando a união dos
integrantes da família em seus momentos difíceis e na resolução dos problemas.
93
8 REPENSANDO A RESILIÊNCIA NO MODELO McCUBBIN A LUZ DAS
TRAJETÓRIAS DAS FAMÍLIAS SILVA E SOUZA E A REALIDADE DA
INTEGRALIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Duas famílias com crianças tendo o mesmo diagnóstico, necessidades semelhantes,
porém seguindo trajetórias diferentes. Entre as necessidades mais sentidas pelas famílias estão
as de comunicação franca no momento da descoberta do diagnóstico; orientação sobre como
deveriam proceder com seu filho; de consolo, por terem perdido o “filho idealizado”; amparo
no momento difícil em que “perdem o chão” enfim, traçar um caminho a ser seguido em
busca do melhor tratamento para seus filhos.
Consideramos que as necessidades das famílias deveriam ser trabalhadas em conjunto
família e equipe multiprofissional (médico, enfermeiros, fisioterapeuta, assistente social, entre
outros), nas unidades de saúde, tanto hospitalares como da rede básica de saúde dentro de uma
abordagem holística, proporcionando condições às famílias de um tratamento adequado a seus
filhos bem como sua inserção na sociedade. Esta visão da integralidade da assistência
reconhece as pessoas como um todo e tem por finalidade um atendimento amplo, centrado em
suas necessidades, da criança e da família. Integralidade, universalidade e equidade são
princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo preconiza a lei 8080/90: “entende-se
por integralidade da assistência um conjunto articulado, constituído de ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis
de complexidade do sistema”. A integralidade é prioridade no Movimento de Reforma
Sanitária desde os meados de 1980, na luta que culminou com a Constituição de 1998,
garantindo a saúde como um direito de todos.
Na assistência à pessoa hospitalizada, o cuidado integral exige a articulação de
profissionais de áreas diversificadas, ou seja, da equipe multidisciplinar que depende da
conjugação do trabalho de vários profissionais e setores. O cuidado recebido pelo paciente é
94
somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se articulando e se
completando entre vários cuidadores que produzem o dia-a-dia do hospital (CECILIO;
MERHY, 2003). Desta forma, as famílias deste estudo que vivenciaram o diagnóstico de má
formação em seus filhos requerem atendimento especializado com neurologistas, cirurgiões,
pediatras, equipe de enfermagem, assistente social, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta.
Para tal, é importante que se estabeleça um vínculo entre equipe multiprofissional e a família,
a fim de garantir a integralidade da assistência.
Na localidade onde residem estas famílias (Santo Ângelo – RS) apesar do hospital ser
de médio porte e considerado regional, não oferecia condições para o tratamento exigido pelas
crianças, como UTI neonatal e cirurgia pediátrica, sendo, em ambos os casos, as famílias
encaminhadas a centros de referencia. A família Silva, que possuía convênio de saúde
privado, teve encaminhamento para a realização do parto em um hospital com o suporte
necessário para o tratamento de sua filha. Por sua vez, a família Souza, usuária do Sistema
Único de Saúde que realizou o pré-natal na rede básica de saúde, não teve condições de
descobrir o diagnóstico precocemente. O nascimento do filho ocorreu no hospital local, sendo
a criança encaminhada com urgência a um centro de referencia em Porto Alegre, a 690 km da
localidade, precisando enfrentar maiores riscos no transporte do bebê.
Quando se pensa no hospital fazendo parte do sistema de saúde, uma instituição onde
circulam pessoas portadoras das mais variadas patologias em momentos diferentes de suas
vidas, a integralidade do cuidado e do atendimento deve ser trabalhada também, no momento
da alta hospitalar. Cada paciente e família devem ser pensados como únicos em suas
necessidades, devendo ser encaminhados para outros serviços para continuidade do
tratamento, não apenas de forma burocrática, cumprindo o papel de contra-referência, mas
pela constituição ativa da linha de continuidade do cuidado necessário a situação específica
(CECILIO; MERHY, 2003).
Esta contra-referência nem sempre é efetiva. Ambas as famílias, Silva e Souza,
relatam dificuldades, quando retornaram a sua localidade após a alta hospitalar, e buscaram a
rede básica de saúde para a manutenção do tratamento. Atualmente, a família Silva consegue
manter escola, fisioterapia, psicóloga, fonoaudióloga através do convênio de saúde privado,
pagando pelos atendimentos. Já a família Souza, usuária do Sistema Único de Saúde, conta
com o atendimento disponível pela rede básica, que consiste na fisioterapia, e freqüenta a
escola de Educação Especial da APAE, duas vezes por semana. Percebemos a diferença na
95
manutenção do tratamento das famílias, demonstrando que ainda há uma longa caminhada
para se alcançar a integralidade em saúde para todos.
A comunicação da equipe multiprofissional de saúde com a família torna-se de
extrema importância no momento de comunicar o diagnóstico desfavorável de saúde e no
acompanhamento do tratamento. Esta relação deve ser caracterizada pelo estabelecimento de
vínculo o qual requer o estabelecimento de relações próximas e claras.
A família precisa vincular-se ao profissional da área de saúde para que este possa
transmitir-lhe o diagnóstico. Deve-se oferecer um número suficiente de informações que
possibilitem ao indivíduo compreender as peculiaridades da deficiência. No diagnóstico são
necessários elementos que permitam sua melhor aceitação e, consequentemente, a terapia
realizada (ROCHA, 1999).
Por sua vez, o modelo de Resiliência, tensão familiar, ajuste e adaptação de McCubbin
em situação de doença propõe, inicialmente, o ajuste no funcionamento a situações de tensão
ocasionadas pela doença. Neste estudo, o primeiro momento gerador de tensão familiar foi o
momento do diagnóstico para as famílias, quando tiveram curto espaço de tempo para se
organizarem e atender à demanda de estressores decorrentes da descoberta do problema de
saúde. A família precisa buscar forças para prosseguir a partir do seu próprio grupo, das
pessoas próximas, amigos, parentes e da equipe de saúde. Isto permitirá avaliar sua situação e,
consequentemente, resolver o problema, utilizando os recursos disponíveis tanto no sistema
familiar como no social. Contudo, nem sempre os ajustes realizados nesta primeira fase de
adaptação são suficientes, podendo necessitar de outros ajustes ao longo da trajetória familiar.
Duas fases de resposta familiar para os casos de enfrentamento de situações estressantes – ajuste familiar e adaptação familiar são descritos no modelo de Resiliência familiar. Famílias frequentemente encontram casos, tais como uma doença aguda em um membro que causam um impacto temporário na unidade familiar. Quando maiores sofrimentos são vivenciados na família poderá exigir adaptações ocasionando mudanças nos padrões de funcionamento familiar. (McCUBBIN, 1993, p. 48).
Nas situações de doença na família, a equipe de saúde possui um papel fundamental na
resposta frente ao problema, detém informações que poderão auxiliar a capacitar a família a
atender às necessidades de seu integrante, prestando, assim, a assistência integral.
96
Saúde pode ser definida como Resiliência familiar, ou habilidade da família para responder e eventualmente adaptar-se as situações de crise encontradas durante o ciclo de vida familiar. Isto não significa que o trajeto familiar de adaptação procede em um curso tranqüilo, poderá seguir um ‘curso de montanha-russa’ de adaptação. (McCUBBIN, 1993, p. 48).
O modelo da resiliência aplicada na saúde por ocasião de uma situação estressante
proporcionada pelo diagnóstico de saúde desfavorável, caracteriza-se pela relação de ajuda, a
qual a família necessita do profissional para auxiliá-la na resolução da situação. Para o
profissional, existe a expectativa de um atuar de forma competente e útil, compreensivo e
acolhedor, ao sofrimento alheio (SALZBERGER-WITENBERG, 1973). A família, por sua
vez, tem esperanças de que o profissional seja responsável pela diminuição do sofrimento e
da angústia, assim como desejam ser acolhidas e amparadas (TETELHOM e Colaboradores,
1993).
O esclarecimento adequado da patologia, seguido do encaminhamento com suporte
tecnológico e assistencial para o tratamento, resultará numa melhor adequação da família ao
acompanhamento de seu familiar. Este movimento de esclarecimento e apoio à família deverá
ocorrer num período de tempo, muitas vezes, prolongado de acordo com as condições do
integrante acometido. O apoio da equipe de saúde favorece à regeneração familiar frente à
adversidade, e implica no preparo para atuar no cuidado ao seu integrante, promovendo,
assim, o processo de resiliência no sistema e fortalecendo sua capacidade de ser flexível para
as mudanças necessárias na rotina familiar.
Para McCubbin, sua experiência com o Modelo de Resiliência aplicado a famílias que
vivenciaram problemas de saúde, ressalta a importância das relações entre a família e os
profissionais de saúde envolvidos no tratamento, sendo que as duas instituições devem formar
um time para alcançar êxito no tratamento. Os benefícios do apoio familiar, cuidado
profissional e orientações recebidas formam uma base contínua para efetividade do tratamento
(McCUBBIN,1993).
Finalizando, no modelo atual de saúde, que preconiza a integralidade como uma de
suas bases, a resiliência como capacidade de indivíduos e famílias de se adequarem e
superarem as adversidades possibilita que se busquem soluções eficazes para os problemas de
saúde enfrentados. Neste contexto, o sistema de saúde servirá como recurso utilizado pelas
famílias para sua reestruturação frente à situação das necessidades especiais de seus filhos,
97
requerendo serviços de alta complexidade com tecnologias avançadas para as cirurgias e
exames especializados. Além disso, o apoio da rede básica é fundamental para a manutenção
do tratamento e acompanhamento familiar e individual.
Considerando-se a resiliência como uma capacidade das pessoas de interagir com os
problemas e buscar soluções para os mesmos, será necessário, também, capacitar o sistema de
saúde para proporcionar à população informações e atendimentos específicos. O atendimento
será eficaz, quando ocorrer comunicação entre os níveis primários, secundários e terciários
para a promoção e condições de continuidade das ações, objetivando um fim comum, que é o
bem estar do usuário e sua família.
Tendo em vista o modelo de referência e contra-referencia instituído pelo Sistema
Único de Saúde, e os avanços dos meios de comunicação existentes, o contato entre os
Centros de Tratamentos de referência e as secretaria de saúde deveria transformar-se em
rotina. Quando ocorrer essa comunicação direta, a saúde local estará preparada para receber o
usuário e sua família e, assim, terá condições de proporcionar acompanhamento no
tratamento, sendo assim também uma referencia para ambos. Contudo, para que haja esta
comunicação, é necessária vontade política, organização na articulação das informações entre
os Centros de tratamentos de referência e os de saúde local.
98
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As inquietações que deram origem a este trabalho partiram das muitas adversidades
que as famílias de crianças com necessidades especiais enfrentam em seu dia-a-dia, bem
como das relações construídas para melhor se adaptarem à situação, visto que, no momento
em que se deparam com essa nova realidade, as rotinas familiares sofrem modificações e,
muitas vezes, no primeiro momento da descoberta acarretam a desestruturação no ambiente
familiar, independente de sua condição sócio-econômica. Neste contexto muitas famílias
buscam um ponto de equilíbrio e apoio para prosseguirem e retomarem sua rotina mediante a
adoção de novos recursos familiares e sociais. Em contrapartida, outras famílias negam a
presença de membros com condições especiais, banindo-os de sua convivência, por não
conseguirem admitir as imperfeições da natureza humana, e ainda carregam estigma de que
pessoas com necessidades especiais são um castigo.
Neste estudo,a resiliência é vista como capacidade dos sujeitos/ famílias de
enfrentarem as adversidades e conseguirem se adaptar, mostrando um caminho a ser
percorrido pelos profissionais da área da saúde, no sentido de apóia-los em sua trajetória.
Na área de saúde, a resiliência é um marco conceitual que proporciona aos
profissionais que trabalham diretamente com as famílias explorar as potencialidades e
capacidades dos indivíduos/grupos enquanto seres humanos carregados de emoções e
enfrentando situações difíceis. Este é um caminho que revitaliza a esperança: a “quebra de
tabus” de que as pessoas já nascem com seus destinos determinados. A realidade nos mostra,
muitas vezes,o contrário desta afirmação, ao apresentar famílias submetidas à situação de
pobreza, enfrentando problemas de saúde, ou situações catastróficas, e frente às dificuldades
conseguem manter suas famílias unidas, superando as adversidades e sentindo-se fortalecidas.
99
Neste estudo em que procuramos sobre indicativos de resiliência nas trajetórias de
vida de 2 famílias das famílias com crianças que apresentam necessidades especiais alguns
aspectos importantes foram evidenciado:
- A coesão familiar - é vista como vínculo emocional entre os membros da família
(WALSH, 2005). Ambas as famílias cultivam afeto entre seus integrantes, sendo demonstrado
pela perseverança em se mostrarem unidos e participando na resolução dos problemas.
- Flexibilidade – são padrões significativos para administrar e adaptar-se à tensão da
doença (McCUBBIN, 1993). Mediante a nova situação imposta para natureza humana, as
famílias tiveram de ser maleáveis e abertas às mudanças. Flexibilidade. A família de Ana
Silva teve de se adequar à nova realidade, adaptar as rotinas de funcionamento familiar e
conseguir uma renda familiar maior. Para isso, a mãe necessitou trabalhar em outra
localidade. E na família Souza,com a morte da mãe de Pedro, os avós paternos assumiram a
guarda das crianças, sendo flexíveis e se adequando para melhor viverem como família.
- Valorização de Espiritualidade – Demonstrado através da cultivação de rituais e
participação da comunidade. A família Silva era católica praticante e aponta a fé como um
suporte para conseguir enfrentar as adversidades. Já a família Souza, apontou na participação
da comunidade evangélica como um fator importante em sua trajetória.
- Recursos sociais – Frente à realidade, as famílias precisaram recorrer à rede de saúde
para proporcionar um tratamento adequado a seus filhos. Ambas as crianças necessitaram dos
serviços de alta complexidade e também da rede básica, sendo evidenciado, maior
dificuldade,no atendimento na rede local de saúde desvinculada da terciária, mantida como
referência pelas famílias.
Nossa sociedade impõe barreiras na inserção às pessoas com necessidades especiais.
Além do preconceito existente, ainda encontramos barreiras arquitetônicas, os meios de
transporte inadequados, a dificuldade de trabalho, entre outros fatores que dificultam a sua
inserção social. Contudo, a primeira porta de entrada das crianças com condições especiais
são os centros de saúde, pois é onde o diagnóstico inicial é realizado, e onde a família busca
recursos para conseguir se ajustar e adaptar-se à situação que está vivenciando. Portanto, é
necessário o preparo dos profissionais enquanto equipe multiprofissional de saúde para
proporcionar a estas pessoas a melhor condição de vida para seus integrantes e para o próprio
grupo familiar.
100
A resiliência aponta ferramentas importantes para a resolução dos problemas,
ajustamento e adaptação frente a adversidade. As famílias com crianças com necessidades
especiais vivenciam, diariamente, mudanças em suas rotinas familiares em virtude da
instabilidade de saúde de seu filho. É indispensável que estas famílias encontrem apoio social
para se adequarem a sua nova condição.
A família tem seu papel frente às adversidades, contudo a sociedade também tem suas
responsabilidades e como tal, não se não se pode omitir este realidade, transferindo toda
responsabilidade para as famílias.
Mesmo tendo uma sociedade democrática e uma Constituição garantindo direito à
saúde para todos os cidadãos e a integralidade como um de seus princípios, ainda estamos
distante desta realidade, pois as diferenças sociais estão escancaradas em nosso dia-a-dia,
como foi demonstrado neste estudo, isto é, na diferença entre as trajetórias de vida das
famílias: quando se tem um convênio de saúde privado e quando se é usuário do sistema
único de saúde.
Os profissionais de saúde eximem um papel fundamental na capacitação das famílias
para o convivência com seus filhos que apresentam condições especiais. É necessário que haja
uma interação entre a família e os profissionais, respeitando-se os valores cultivados pelas
famílias, ocorrendo a aproximação da realidade vivenciada dos usuários e dos serviços de
saúde.
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107
APÊNDICES
108
APÊNDICE 1
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO (INSTITUIÇÃO)
Estamos realizando uma pesquisa intitulada : “Indicativo de Resiliência na Trajetória das
Famílias de Crianças com Necessidades Especiais”, este estudo será no município de Santo
Ângelo – RS com famílias que possuem membros com necessidades especiais freqüentadoras
da Escola de Educação Especial Raio de Sol, com as quais pretendemos trabalhar, vindo
solicitar sua valiosa colaboração, no sentido de indicar as famílias a partir dos critérios
estabelecido no estudo bem como permitir a consulta aos prontuários na instituição,
pretendemos coletar os dados no período de janeiro a abril de 2006.
Informamos que todos os participantes serão esclarecidos sobre o projeto de pesquisa
(tema, objetivos, metodologia, cronograma), e que o consentimento informado dos sujeitos
sociais e dos representantes legais da instituição envolvida são documentos que dão
autonomia ao participante de fazer parte ou não, assim como desistir da mesma no momento
em que desejarem.
A pesquisa obedecerá as normas éticas, legais de acordo legais preconizadas pelo
Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Saúde e Conselho de Ética da Univali. Caso a
Instituição esteja de acordo solicitamos a assinatura do responsável de instituição
______________________________
Pesquisadora mestranda Alessandra Frizzo da Silva Corem 89667, e-mail
[email protected] . Fone:(055) 33140509
Orientadora Dra Prof. Ingrid Elsen docente do Mestrado Profissionalizante em Saúde
e Gestão do Trabalho Área de concentração Saúde da Família. E-mail [email protected].
Fone (47) 3417932.
109
APÊNDICE 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
DO PARTICIPANTE
NomeSr(a)__________________________________________________________________
Idade _________________
Endereço ___________________________________________________________________
Profissão ___________________________________ RG: ____________________________
Foi informado detalhadamente sobre a pesquisa intitulada “Indicativo de Resiliência na
Trajetória das Famílias de Crianças com Necessidades Especiais”O(a) Sr.(a) foi plenamente
esclarecido de que ao responder as questões que compõe esta pesquisa estará participando de um
estudo de cunho acadêmico, que tem como objetivo: Identificar nas trajetórias de vida com portadores
de necessidades especiais indicativos de resiliência.
Embora o(a) Sr(a) venha aceitar a participação nesta pesquisa, está garantido que o(a) Sr(a9
poderá desistir a qualquer momento, inclusive sem nenhum motivo, bastando para isso informar de sua
desistência, da maneira mais conveniente. Foi esclarecido ainda que, por ser uma participação
voluntária e sem interesse financeiro, o(a) Sr(a) não terá direito a nenhuma remuneração. A
participação na pesquisa não incorrerá em riscos ou prejuízos de qualquer natureza.
Os dados referentes ao Sr(a) serão sigilosos e privados, sendo que o(a) Sr(a) poderá solicitar
informações durante todas as fases da pesquisa, inclusive após a publicação da mesma.
A coleta de dados para a pesquisa será desenvolvida através de entrevistas e com a família e
observações nas visitas domiciliares, garantindo-se privacidade e a confidência das informações, a
mesma será realizada pela mestranda Alessandra Frizzo da Silva, sob a supervisão/orientação da Profª
Ingrid Elsen.
Santo Ângelo (RS) ___________ de ____________ 2005.
Assinatura (de acordo) ______________________________
Participante do estudo
________________________________
Participante do estudo
Pesquisadora mestranda Alessandra Frizzo da Silva Corem 89667, e-mail
[email protected] .br . Fone:(055) 33140509
Orientadora Dra Prof. Ingrid Elsen docente do Mestrado Profissionalizante em Gestão do
Trabalho área de concentração Saúde da Família. E-mail [email protected]. Fone (47) 3417932.
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UNIVALI – UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - SC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM SAÚDE
E GESTÃO DO TRABALHO
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE
ALESSANDRA FRIZZO DA SILVA
INDICATIVOS DE RESILIÊNCIA NA TRAJETÓRIA DAS FAMÍLIAS DE
CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS
Itajaí, SC
2006
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