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Informativo STF Mensal nº 67
Março de 2017
Compilação dos Informativos nos 856 a 859
O Informativo STF Mensal apresenta todos os resumos de julgamentos divulgados pelo Informativo STF concluídos no mês a que se refere e é organizado por ramos do Direito e por assuntos.
SUMÁRIO Direito Administrativo
Agentes Públicos
TCU: multa e prescrição da pretensão punitiva
Contratação Temporária
Contratação temporária e autorização legislativa genérica
Servidores Públicos
Responsabilidade subsidiária da Administração e encargos trabalhistas não adimplidos - 4
Abono de permanência e posse no TST
Cumulação de proventos, pensões e cargos públicos inacumuláveis em atividade
Direito Civil
Posse
Esbulho e terra indígena
Direito Constitucional
Competência Legislativa
Competência legislativa dos Municípios e Direito Ambiental
Controle de Constitucionalidade
Bolsas de estudo e dedução do ICMS
Guerra fiscal e modulação de efeitos
Medida provisória: emenda parlamentar e “contrabando legislativo”
Direitos e Garantias Fundamentais
Reclamação: direito à informação e sessões secretas do STM
Extradição
Extradição e perda de nacionalidade brasileira Precatórios
Precatórios e sociedade de economia mista
Direito Penal
Cumprimento da Pena
Tráfico de drogas e fixação de regime inicial
Pena
Tráfico de drogas e imediações de estabelecimento prisional
Tipicidade
Queixa-crime e individualização da conduta
Impossibilidade de trancamento de ação penal via “habeas corpus”
Direito Processual Civil
Prisão Civil
Prisão civil por descumprimento de prestação alimentícia e dívida pretérita
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Direito Processual Penal
Ação Penal
Crime de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação e viabilidade da denúncia - 2
Recebimento da denúncia: corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Recebimento da denúncia: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa
Recebimento da denúncia: fraude à licitação e peculato
Intimação
Tramitação em tribunal superior e intimação de defensoria pública estadual
Nulidades
Defesa prévia e prerrogativa de foro - 2
Provas
Desarquivamento de inquérito e excludente de ilicitude - 4
Requisito de Admissibilidade Recursal
Interposição de recurso via “e-mail”
Tramitação em Tribunais
Habeas corpus e julgamento monocrático em tribunais
Direito do Trabalho
FGTS
FGTS e prescrição trintenária - 4
Direito Tributário
Contribuições Sociais
Incidência do ICMS na base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS - 2
Contribuição social e ganhos habituais
Imunidade Tributária
Componentes eletrônicos que acompanham livro e imunidade tributária - 5
Limitação ao Poder de Tributar
Contribuição social do empregador rural sobre a receita da comercialização da produção
DIREITO ADMINISTRATIVO
Agentes Públicos
TCU: multa e prescrição da pretensão punitiva A Primeira Turma, por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança impetrado contra
decisão do TCU, que aplicou multa ao impetrante, em decorrência de processo administrativo
instaurado para verificar a regularidade da aplicação de recursos federais na implementação e
operacionalização dos assentamentos de reforma agrária Itamarati I e II, localizados em Ponta
Porã/MS.
Na impetração, alegava-se a ocorrência de prescrição. O impetrante, que à época da aludida
implementação era superintendente regional do INCRA, foi exonerado do cargo em 2003, e a
auditoria para apuração de irregularidades iniciou-se em 2007. Em 2008, o impetrante foi notificado
para apresentar justificativa, e, em 2012, foi prolatada a decisão apontada como ato coator.
Inicialmente, a Turma assinalou que a lei orgânica do TCU, ao prever a competência do órgão
para aplicar multa pela prática de infrações submetidas à sua esfera de apuração, deixou de
estabelecer prazo para exercício do poder punitivo. Entretanto, isso não significa hipótese de
imprescritibilidade. No caso, incide a prescrição quinquenal, prevista na Lei 9.873/1999, que regula
a prescrição relativa à ação punitiva pela Administração Pública Federal Direta e Indireta. Embora se
refira a poder de polícia, a lei aplica-se à competência sancionadora da União em geral.
Estabelecido o prazo quinquenal, o Colegiado entendeu que, no caso, imputava-se ao
impetrante ação omissiva, na medida em que não implementou o plano de assentamento, conforme
sua incumbência, quando era superintendente. Assim, enquanto ele permaneceu no cargo, perdurou a
omissão. No momento em que ele deixou a superintendência, iniciou-se o fluxo do prazo
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prescricional. Entretanto, a partir daquele marco temporal, não decorreram cinco anos até que a
Administração iniciasse o procedimento que culminou na punição aplicada.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a segurança.
MS 32201/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 21.3.2017. (MS-32201)
(Informativo 858, 1ª Turma)
Contratação Temporária
Contratação temporária e autorização legislativa genérica São inconstitucionais, por violarem o artigo 37, IX (1), da CF, a autorização legislativa genérica
para contratação temporária e a permissão de prorrogação indefinida do prazo de contratações
temporárias.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para
declarar a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 264 (2) e da expressão "prazos estes somente
prorrogáveis se o interesse público, justificadamente, assim o exigir ou até a nomeação por concurso
público", constante da parte final do § 1º (3) do mesmo artigo, todos da LC 4/1990 do Estado de Mato
Grosso.
Em seguida, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade
para autorizar a manutenção dos atuais contratos de trabalho pelo prazo máximo de um ano, a contar da
data da publicação da ata deste julgamento. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Cármen
Lúcia (Presidente), que não modulavam os efeitos da decisão. O ministro Marco Aurélio frisava que, toda
vez que o STF agasalhasse situações inconstitucionais, ele não só estimularia os legislativos a disporem
de forma contrária à Constituição, como também acabaria tornando-a um documento simplesmente
flexível. A ministra Cármen Lúcia pontuava que a norma estaria em vigor há mais de 25 anos e não seria
possível existir situação de urgência que durasse por todo esse período.
(1) CF/1988, art. 37, IX: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ... IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de excepcional interesse público”.
(2) Lei Complementar 4/1990, art. 264, VI: “Art. 264. Consideram-se como de necessidade temporária de excepcional
interesse público as contratações que visem a: ... VI – atender a outras situações motivadamente de urgência”.
(3) Lei Complementar 4/1990, art. 264, § 1º: “§ 1º As contratações de que trata este artigo terão dotação específica e não poderão ultrapassar o prazo de 06 (seis) meses, exceto nas hipóteses dos incisos II, IV e VI, cujo prazo máximo será de 12(doze)
meses, e inciso V, cujo prazo máximo será de 24 (vinte e quatro) meses, prazos estes somente prorrogáveis se o interesse público,
justificadamente, assim o exigir ou até a nomeação por concurso público”.
ADI 3662/MT, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23.3.2017. (ADI-3662)
(Informativo 858, Plenário)
Servidores Públicos
Responsabilidade subsidiária da Administração e encargos trabalhistas não adimplidos - 4 O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, conheceu em parte e, na parte conhecida, deu
provimento a recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade subsidiária da Administração Pública
por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. Na origem, o
Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a responsabilidade subsidiária de entidade da Administração
Pública tomadora de serviços terceirizados pelo pagamento de verbas trabalhistas não adimplidas pela empresa
contratante. Isso ocorreu em razão da existência de culpa “in vigilando” do órgão público, caracterizada pela
falta de acompanhamento e fiscalização da execução de contrato de prestação de serviços, em conformidade
com a nova redação dos itens IV e V do Enunciado 331 da Súmula do TST (1). A recorrente alegava, em suma,
que o acórdão recorrido, ao condenar subsidiariamente o ente público, com base no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal (CF), teria desobedecido ao conteúdo da decisão proferida no julgamento da ADC 16/DF
(DJE de 9.9.2011) e, consequentemente, ao disposto no art. 102, § 2º, da CF. Afirmava, ainda, que o acórdão
recorrido teria declarado a inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, embora a norma tenha sido
declarada constitucional no julgamento da ADC 16/DF. Sustentava violação dos arts. 5º, II, e 37, “caput”, da
CF, por ter o TST inserido no item IV do Enunciado 331 da sua Súmula obrigação frontalmente contrária ao
previsto no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações. Defendia, por fim, que a culpa “in vigilando” deveria ser provada
pela parte interessada, e não ser presumida — v. Informativos 852, 853 e 854.
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Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Dias
Toffoli, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia (Presidente) e Alexandre de Moraes. Entendeu que uma interpretação
conforme do art. 71 da Lei 8.666/1993, com o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da
Administração Pública, infirma a decisão tomada no julgamento da ADC 16/DF (DJE de 9.9.2011),
nulificando, por conseguinte, a coisa julgada formada sobre a declaração de constitucionalidade do dispositivo
legal. Observou que, com o advento da Lei 9.032/1995, o legislador buscou excluir a responsabilidade
subsidiária da Administração, exatamente para evitar o descumprimento do disposto no art. 71 da Lei
8.666/1993, declarado constitucional pela Corte. Anotou que a imputação da culpa “in vigilando” ou “in
elegendo” à Administração Pública, por suposta deficiência na fiscalização da fiel observância das normas
trabalhistas pela empresa contratada, somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação
da ausência de fiscalização. Nesse ponto, asseverou que a alegada ausência de comprovação em juízo da
efetiva fiscalização do contrato não substitui a necessidade de prova taxativa do nexo de causalidade entre a
conduta da Administração e o dano sofrido. Ao final, pontuou que a Lei 9.032/1995 (art. 4º), que alterou o
disposto no § 2º do art. 71 da Lei 8.666/1993, restringiu a solidariedade entre contratante e contratado apenas
quanto aos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei
8.212/1991.
O ministro Alexandre de Moraes considerou inexistente a possibilidade de a Administração Pública vir a
responder por verbas trabalhistas de terceiros a partir de mera presunção, hipótese admitida apenas quando
houver prova inequívoca de falha na fiscalização do contrato. Ponderou que o § 6º do art. 37 da CF prevê a
responsabilidade civil objetiva do Estado como exceção. Em seu entendimento, elastecer a responsabilidade do
poder público em contratos de terceirização parece ser um convite para que se faça o mesmo em outras
dinâmicas de colaboração com a iniciativa privada, como as concessões de serviços públicos. Asseverou que a
consolidação da responsabilidade do Estado por débitos trabalhistas de terceiros, alavancada pela premissa de
inversão do ônus da prova em favor do trabalhador, acabaria por apresentar risco de desestimulo à colaboração
da iniciativa privada com a Administração Pública, estratégia essencial para a modernização do Estado.
Vencida a ministra Rosa Weber (relatora), acompanhada pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso,
Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Concluíam: a) pela
impossibilidade de transferência automática para a Administração Pública da responsabilidade subsidiária pelo
descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada; b) pela viabilidade de responsabilização
do ente público em caso de culpa comprovada em fiscalizar o cumprimento dessas obrigações; e c) competir à
Administração Pública comprovar que fiscalizou adequadamente o cumprimento das obrigações trabalhistas
pelo contratado.
Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese da repercussão geral em assentada posterior.
1. Enunciado 331 da Súmula do TST: “IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação
processual e conste também do título executivo judicial; e V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta
respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das
obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da
prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações
trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em
30.3.2017. (RE-760931)
(Informativo 859, Plenário)
Abono de permanência e posse no TST A Primeira Turma, em julgamento conjunto, concedeu a ordem em mandados de segurança impetrados
contra decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), na qual foram definidas as balizas para o pagamento de
abono de permanência no âmbito do Judiciário federal.
No ato impugnado, determinou-se que os tribunais federais observassem o requisito do tempo mínimo de
cinco anos no cargo, de carreira ou isolado, para o implemento do benefício, nos termos do art. 40, § 19, da
Constituição Federal (CF).
No caso, a impetrante tomou posse como ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) após o
exercício da função de juíza de Tribunal Regional do Trabalho (TRT) até 2014, onde recebia, além do subsídio
correspondente, o valor de 11% relativo ao abono de permanência. Sustentava que deveria continuar a
percebê-lo, na condição de ocupante de cargo no Judiciário.
A Turma asseverou que a decisão do TCU teve efeito concreto, não foi um pronunciamento genérico,
tampouco uma simples recomendação.
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O Colegiado entendeu que o TCU conferiu interpretação restritiva ao § 19 do art. 40 da CF, confundindo
o direito à aposentadoria no novo cargo com o direito ao abono.
Por fim, ponderou que, se a impetrante viesse a se desligar do cargo de ministra, ainda assim
permaneceria com o direito a aposentar-se como juíza.
MS 33424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28.3.2017. (MS-33424)
MS 33456/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28.3.2017. (MS-33456) (Informativo 859, 1ª Turma)
Cumulação de proventos, pensões e cargos públicos inacumuláveis em atividade A Primeira Turma concedeu mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da
União (TCU), que determinou à impetrada optar por uma das duas pensões que recebe em decorrência de
aposentadorias de seu falecido esposo — servidor público civil aposentado pelo SNI e militar reformado do
Exército —, ao fundamento de que a cumulação seria ilegal.
Inicialmente, afastou a preliminar de decadência. O acordão impugnado foi publicado em 3.3.2004, ao
passo que o “mandamus” somente foi protocolado em 13.10.2004, mais de 120 dias após a ciência do ato
impugnado, o que resultaria na perda do direito de ajuizar a ação mandamental.
O Colegiado, entretanto, asseverou que o fato de a impetrante haver sido favorecida por decisão liminar
deferida em 10.11.2004 — portanto, há mais de doze anos — justifica avançar na análise da impetração.
Ressaltou a necessidade de encontrar solução alternativa que leve em consideração a eficiência
processual e a primazia da decisão de mérito, normas fundamentais já incorporadas na estrutura do novo CPC
(1 e 2).
Ademais, citou precedentes da Corte no sentido da superação de óbices processuais, quando necessária
para adentrar no exame das questões de mérito. Apontou, ainda, precedente no sentido da obrigatoriedade da
observância do princípio da segurança jurídica, diante da concessão de medidas liminares em processos cujos
méritos são definitivamente julgados depois de passados muitos anos.
No mérito, a Turma anotou que o art. 11 (3) da Emenda Constitucional 20/1998 vedou expressamente a
concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis previsto no art. 40 da
Constituição Federal (CF). Registrou, no entanto, não haver qualquer referência à concessão de proventos
militares, os quais são tratados nos arts. 42 e 142 do texto constitucional.
Ressaltou que, por cumular a percepção de pensão civil com pensão militar, a impetrante está enquadrada
em situação não alcançada pela proibição da referida emenda. Por fim, o Colegiado apontou precedentes nesse
sentido (4).
1 . CPC/2015: “Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa.”
2 . CPC/2015: “Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a
publicidade e a eficiência.”
3 . EC 20/1998: “Art. 11 A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e
aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por
concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a
percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em
qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.”
4 . AI 375011/RS (DJU de 28.10.2004); RE 298694/SP (DJU de 23.4.2004); MS 22357/DF (DJU de 5.11.2004); MS
25192/DF (DJU de 6.5.2005); MS 24958/DF (DJU de 1º.4.2005); AI 801096 AgR-EDv/DF (DJE de 30.6.2015).
MS 25097/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28.3.2017. (MS-25097) (Informativo 859, 2ª Turma)
DIREITO CIVIL
Posse
Esbulho e terra indígena A Segunda Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, não acolheu embargos de declaração em
que se discutiam eventual esbulho e a natureza indígena de área não ocupada por índios em 5.10.1988 (marco
demarcatório temporal, segundo entendimento firmado no julgamento da Pet 3.388/RR, DJE de 1º.7.2010).
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As embargantes alegavam que o Enunciado 650 da Súmula do STF (1) não seria aplicável ao caso e que
a apreciação do recurso extraordinário da parte embargada demandaria o reexame de fatos e provas.
O Colegiado ressaltou não desconhecer o fato de que a orientação constante do Enunciado 650 da
Súmula do STF foi firmada em hipóteses em que a União postulava o reconhecimento da propriedade de áreas
ocupadas, no passado, por aldeamentos indígenas extintos. No entanto, o referido enunciado foi citado como
mero reforço argumentativo ao entendimento defendido no acórdão embargado, não havendo qualquer
omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada no ponto.
Além disso, a Turma manteve o entendimento no sentido de ser possível a formulação, a partir dos fatos
expressamente indicados no acórdão recorrido, de um juízo seguro a respeito do tema constitucional discutido
no recurso extraordinário.
Salientou que o julgado embargado, à luz das premissas fáticas assentadas pelo Tribunal de origem,
apreciou de forma clara e exaustiva o preenchimento do requisito do marco temporal estabelecido na Pet
3.388/RR, bem como a ocorrência de renitente esbulho por parte de não índios.
Vencidos os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que acolhiam os embargos de declaração.
Para eles, haveria elementos fundantes desse julgado que somente poderiam ser superados com o revolvimento
de fatos e provas.
(1) Enunciado 650 da Súmula do STF: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de
aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.”
ARE 803462 AgR-ED/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Celso de Mello,
julgamento em 21.3.2017. (ARE-803462)
(Informativo 858, 2ª Turma)
DIREITO CONSTITUCIONAL
Competência Legislativa
Competência legislativa dos Municípios e Direito Ambiental Os Municípios podem legislar sobre Direito Ambiental, desde que o façam fundamentadamente.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental.
A Turma afirmou que os Municípios podem adotar legislação ambiental mais restritiva em relação
aos Estados-Membros e à União. No entanto, é necessário que a norma tenha a devida motivação.
ARE 748206 AgR/SC, rel Min. Celso de Mello, julgamento em 14.3.2017. (ARE-748206)
(Informativo 857, 2ª Turma)
Controle de Constitucionalidade
Bolsas de estudo e dedução do ICMS O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente ação direta para declarar a
inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 11.743/2002 do Estado do Rio Grande do Sul, conferindo à decisão
efeitos “ex nunc”, a partir da publicação da ata deste julgamento. A lei impugnada assegura às empresas
patrocinadoras de bolsas de estudo para professores que ingressam em curso superior a possibilidade
de exigir dos beneficiários serviços para implementação de projetos de alfabetização ou aperfeiçoamento
de empregados dessas empresas, bem como outras atividades compatíveis com a sua formação
profissional. O art. 3º da lei impugnada autoriza o Poder Executivo a conceder à empresa patrocinadora
incentivo equivalente a 50% do valor da bolsa, a ser deduzido do ICMS.
De um lado, a Corte entendeu que o princípio federativo reclama o abandono de qualquer leitura
inflacionada centralizadora das competências normativas da União, bem como sugere novas searas
normativas que possam ser trilhadas pelos Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal. A
“prospective overruling”, antídoto ao engessamento do pensamento jurídico, possibilita ao STF rever sua
postura em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, viabilizando o
prestígio das iniciativas regionais e locais, ressalvadas as hipóteses de ofensa expressa e inequívoca a
norma da Constituição. Dessa forma, a competência legislativa de Estado-Membro para dispor sobre
educação e ensino, prevista no art. 24, IX, da CF, autoriza a fixação, por lei local, da possibilidade de
concessão de bolsas de estudo a professores em aprimoramento do sistema regional de ensino.
Por outro lado, considerou que o pacto federativo reclama, para preservação do equilíbrio horizontal
na tributação, a prévia deliberação dos Estados-Membros para concessão de benefícios fiscais
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relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF e como disciplinado pela LC
24/1975, recepcionada pela atual ordem constitucional. Por esse motivo, o art. 3º da Lei 11.743/2002
padece de inconstitucionalidade. Ao conceder benefício fiscal de ICMS sem a antecedente deliberação
dos Estados-Membros e do Distrito Federal, caracteriza-se hipótese típica de exoneração conducente à
guerra fiscal, em desarmonia com a Constituição.
Vencido, em parte, o ministro Marco Aurélio, que julgava improcedente o pedido. Para o
magistrado, não se trataria, no caso concreto, de guerra fiscal, por não ter havido implemento de um
benefício fiscal propriamente dito, mas simples contrapartida para as empresas que resolvessem adentrar
esse campo e financiar o aprimoramento da classe dos professores.
ADI 2663/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 8.3.2017. (ADI-2663)
(Informativo 856, Plenário) 1ª Parte: 2ª Parte:
Guerra fiscal e modulação de efeitos O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar, com
efeitos “ex nunc”, a inconstitucionalidade da Lei 15.054/2006 do Estado do Paraná. A norma restabelece
benefícios fiscais relativos ao ICMS, cancelados no âmbito dos programas “Bom Emprego”, “Paraná
Mais Emprego” e “Desenvolvimento Econômico, Tecnológico e Social do Paraná” (PRODEPAR).
O Colegiado afastou as preliminares de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, de
ofensa ao princípio da isonomia e de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Adotou,
contudo, o fundamento da guerra fiscal, em virtude da “causa petendi” aberta. No caso, ao ampliar
benefício fiscal no âmbito do ICMS de maneira unilateral, a lei impugnada incidiu em
inconstitucionalidade.
No que se refere à modulação de efeitos da decisão, a Corte registrou que a sua jurisprudência não a
tem admitido em casos de leis estaduais que instituem benefícios sem o prévio convênio exigido pelo art.
155, § 2º, XII, da CF, o que consistiria em incentivo à guerra fiscal.
Ressaltou, entretanto, que, nas hipóteses de a lei haver vigorado por muitos anos, a não modulação
apenaria as empresas que a tivessem cumprido. Por essa razão, o entendimento do Tribunal evoluiu no
sentido de permitir a modulação a fim de que a declaração de inconstitucionalidade produza efeitos “ex
nunc”.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgava a ação improcedente.
ADI 3796/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 8.3.2017. (ADI-3796)
(Informativo 856, Plenário)
Medida provisória: emenda parlamentar e “contrabando legislativo” O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em
face dos arts. 113 a 126 da Lei 12.249/2010, incluídos por emenda parlamentar em projeto de
conversão de medida provisória em lei.
Os dispositivos impugnados: a) alteram os limites das unidades de conservação federais
Floresta Nacional do Bom Futuro, Parque Nacional Mapinguari e Estação Ecológica de Cuniã; b)
autorizam a União a doar ao Estado de Rondônia imóveis rurais de sua propriedade inseridos na área
desafetada da Floresta Nacional do Bom Futuro, sob condição de que em parte dela sejam criadas
uma área de proteção ambiental e uma floresta estadual; c) determinam sejam doadas ao Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pelos órgãos e pelas entidades federais
que as detenham, as terras da União contidas nos novos limites do Parque Nacional Mapinguari e da
Estação Ecológica de Cuniã; e d) declaram de utilidade pública, para fins de desapropriação pelo
ICMBio, os imóveis rurais privados existentes nas áreas de ampliação do Parque Nacional
Mapinguari e da Estação Ecológica de Cuniã.
Porém, a medida provisória que originou a lei em questão contemplava, originalmente, matérias
distintas das tratadas nos citados artigos.
O Colegiado reportou-se ao decidido na ADI 5.127/DF (DJE de 11.5.2016), no sentido de ser
incompatível com a Constituição CF apresentar emendas sem relação de pertinência temática com a
medida provisória submetida à apreciação.
Asseverou que a prática de inserção, mediante emenda parlamentar, no processo legislativo de
conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da
medida provisória viola a Constituição, notadamente o princípio democrático e o devido processo
legislativo (CF, arts. 1º, “caput” e parágrafo único, 2º, “caput”, e 5º, “caput” e LIV).
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Entretanto, nos termos do citado precedente, deliberou pela manutenção dos atos normativos
atacados, por conta do princípio da segurança jurídica. Naquele caso, o Plenário manteve hígidas todas as
leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do julgamento, ocorrido em 15.10.2015.
A ministra Rosa Weber (relatora), com ressalva de seu entendimento pessoal, endossou a orientação
quanto aos efeitos prospectivos daquela decisão.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgava a ação procedente.
ADI 5012/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 16.3.2017. (ADI-5012)
(Informativo 857, Plenário)
Direitos e Garantias Fundamentais
Reclamação: direito à informação e sessões secretas do STM O Tribunal julgou procedente reclamação ajuizada contra ato do Superior Tribunal Militar (STM),
para determinar à autoridade reclamada dê fiel e integral cumprimento à ordem concedida no julgamento
do RMS 23.036/RJ (acórdão publicado no DJ de 25.8.2006).
No referido julgado, a concessão da ordem foi para que os impetrantes tivessem acesso a registro
documentais de sessões do STM ocorridas na década de 1970. Não obstante, feito um novo requerimento,
o STM o deferira somente ao que se refere às sessões públicas.
Inicialmente, o Colegiado observou que a decisão proferida no julgamento do citado RMS
23.036/RJ não limitou o acesso dos então impetrantes a documentos e arquivos fonográficos relacionados
apenas às sessões públicas dos julgamentos do STM. Naquela ocasião, pelo contrário, a Corte assentou
não haver campo para a discricionariedade da Administração em restringir o amplo acesso que os então
recorrentes deveriam ter aos documentos gerados a partir dos julgamentos ocorridos no período em
referência. Conferiu, assim, induvidosa amplitude àquela decisão e concluiu que o ato impugnado estava
em evidente descompasso com a ordem constitucional vigente, que erigiu o direito à informação ao
“status” de direito fundamental.
Por esse motivo, é injustificável a resistência do STM de se opor ao cumprimento da decisão pelo
STF, que taxativamente afastou os obstáculos erigidos para impedir fossem trazidos à lume a
integralidade dos atos processuais lá praticados, seja na dimensão oral ou escrita, cujo conhecimento
cidadãos brasileiros requereram, para fins de pesquisa histórica e resguardo da memória nacional.
Asseverou que o direito à informação, a busca pelo conhecimento da verdade sobre sua história,
sobre os fatos ocorridos em período avassalador do sentimento nacional e do espírito democrático que
exsurgia, assim como sobre suas razões, integra o patrimônio jurídico de todo e qualquer cidadão e
constitui dever do Estado assegurar os meios para o seu exercício.
Dessa forma, o Plenário concluiu que a autoridade reclamada deve permitir o acesso do reclamante
aos documentos descritos no requerimento administrativo objeto da impetração em questão, ressalvados
apenas aqueles indispensáveis ao resguardo de interesse público legítimo e à defesa da intimidade e
aqueles cujo sigilo se imponha para proteção da sociedade e do Estado, o que há de ser motivado de
forma explicita e pormenorizada pelo reclamado, a fim de sujeitar esse exame administrativo ao controle
judicial.
Rcl 11949/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 15.3.2017. (Rcl-11949)
(Informativo 857, Plenário)
Extradição
Extradição e perda de nacionalidade brasileira A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente pedido formulado em extradição ajuizada pelo
Governo dos Estados Unidos da América para assentar a possibilidade de entrega da extraditanda,
brasileira nata naturalizada americana, acusada da suposta prática de homicídio doloso contra seu marido
naquele país.
Inicialmente, a Turma relembrou que a perda da nacionalidade brasileira da extraditanda, decretada
pelo Ministério da Justiça, teria sido validada no julgamento do Mandado de Segurança 33864/DF (DJE
de 9.12.2016).
Asseverou que, na ocasião, a Turma, por maioria, firmou entendimento no sentido de que a
Constituição Federal (CF), ao tratar da perda da nacionalidade brasileira, estabeleceu duas hipóteses: a) o
cancelamento judicial da naturalização, em virtude da prática de ato nocivo ao interesse nacional, o que
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somente alcança brasileiros naturalizados (art. 12, § 4º, I); e b) a aquisição voluntária de outra
nacionalidade secundária, o que alcança, indistintamente, brasileiros natos e naturalizados. Nesta última
hipótese — a de aquisição de outra nacionalidade —, não se perde a nacionalidade brasileira em duas
situações que constituem exceção à regra: a) tratar-se não de aquisição de outra nacionalidade, mas do
mero reconhecimento de outra nacionalidade originária, considerada a natureza declaratória deste
reconhecimento (art. 12, § 4º, II, “a”); e b) ter sido a outra nacionalidade imposta pelo Estado estrangeiro
como condição de permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, II,
“b”). Entretanto, a situação da então impetrante não se enquadra em nenhuma dessas exceções, porque ela
já detinha, desde muito antes de 1999, quando requereu a naturalização, o denominado “green card”, cuja
natureza jurídica é a de visto de permanência e que confere, nos Estados Unidos da América, os direitos
que alega ter pretendido adquirir com a naturalização: a permanência em solo norte-americano e a
possibilidade de trabalhar naquele país. Em razão disso, desnecessária a obtenção da nacionalidade
norte-americana para os fins que constitucionalmente revelam exceção à regra da perda da
nacionalidade brasileira (CF, art. 12, II, § 4º, “a” e “b”). Ao contrário, a extraditanda pretendeu integrar-se
àquela comunidade nacional, o que justamente constitui a razão central do critério adotado pelo constituinte
originário para a perda da nacionalidade brasileira, critério este não excepcionado pela Emenda
Constitucional 3/1994, que introduziu as exceções previstas nas alíneas “a” e “b” do § 4º do inciso II do
art. 12 da CF.
Em seguida, a Turma considerou preenchidos todos os requisitos previstos na Lei 6.815/1980 e no
Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e os Estados Unidos. Também não vislumbrou nenhum dos
óbices fixados no art. 77 da Lei 6.815/1980 ao deferimento do pedido: a) a extraditanda não é nacional
brasileira; b) sua extradição foi requerida por Estado que mantém Tratado de Extradição com o Brasil; c)
a pena máxima prevista para os crimes comuns — pelo qual responde — é superior a um ano de privação
de liberdade (art. III do Tratado de Extradição); d) a prisão foi decretada por juízo regularmente
instituído; e) o Brasil não é competente para o julgamento do crime; e f) o crime não tem conotação
política.
No que concerne à alegação de não ter sido apresentada tradução juramentada em língua portuguesa
dos documentos que instruem o pedido, o Colegiado entendeu que a expressão “tradução oficial”,
utilizada pelo art. 80 do Estatuto do Estrangeiro, refere-se à tradução cuja autenticidade é certificada pelas
autoridades do Estado requerente e cujo encaminhamento se dá por órgãos oficiais, o que confere a
mencionada autenticidade, nos termos do art. IX do Tratado e da jurisprudência desta Corte (Ext
1100/República do Chile, DJE de 3.10.2008; Ext 1171/República da Argentina, DJE de 25.6.2010).
Observou que, no caso, a tradução foi certificada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos
da América, e os documentos encaminhados a esta Corte pelo Ministério da Justiça e pela via
diplomática, não havendo falar-se em defeito de tradução.
Por fim, a Turma salientou não ser possível prosperar a cooperação quando houver o risco de
imposição ao extraditando de penas não admitidas no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, pode o
Estado que coopera em matéria penal exigir o compromisso formal de que tais penas não serão
eventualmente aplicadas ao extraditando entregue ao Estado requerente.
Dessa forma, deferiu o pedido de extradição e condicionou a entrega ao Estado requerente ao
compromisso formal de: a) não aplicar penas interditadas pelo direito brasileiro, em especial a de morte
ou prisão perpétua (CF, art. 5º, XLVII, “a” e “b”); b) observar o tempo máximo de cumprimento de pena
previsto no ordenamento jurídico brasileiro de trinta anos (CP, art. 75); e c) detrair da pena o tempo que a
extraditanda permaneceu presa para fins de extradição no Brasil.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que indeferia o pedido, ao fundamento de persistir a condição de
brasileira nata da extraditanda.
Ext 1462/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 28.3.2017. (Ext-1462) (Informativo 859, 1ª Turma)
Precatórios
Precatórios e sociedade de economia mista É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço
público próprio do Estado e de natureza não concorrencial.
Com essa orientação, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de
descumprimento de preceito fundamental para cassar decisões proferidas pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 22ª Região. As deliberações resultaram em bloqueio, penhora e liberação de valores oriundos
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da conta única do Estado do Piauí para pagamento de verbas trabalhistas de empregados da Empresa de
Gestão de Recursos do Estado do Piauí S/A (EMGERPI), estatal que compõe a administração indireta do
ente federativo estadual.
Inicialmente, o Tribunal, também por maioria, converteu a apreciação do referendo da cautelar em
julgamento de mérito, em respeito à economia processual e por estar a ação devidamente instruída.
Considerou, ainda, ser cabível a ADPF, por estarem preenchidos os requisitos do art. 102, § 1º, da CF e
da Lei 9.882/1999. Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, que entendia inadequada a arguição,
não referendava a liminar nem convertia o referendo da cautelar em julgamento de mérito.
Em seguida, o Plenário asseverou que não se sujeitam ao regime de precatório apenas as entidades
jurídicas que atuam em mercado sujeito à concorrência, permitem a acumulação ou a distribuição de
lucros. Essas se submetem ao regime de execução comum das empresas controladas pelo setor privado.
Observou que a EMGERPI, instituída pela LC 83/2007, é sociedade de economia mista voltada à
capacitação e redistribuição de servidores para órgãos e entidades da Administração Pública estadual.
Tem como finalidade prioritária gerenciar recursos humanos da Administração Pública estadual, na
medida em que seu objeto social é capacitar, aperfeiçoar, absorver, redistribuir e ceder pessoal para
órgãos e entidades da Administração Pública do Piauí. Assim, não está configurada atividade econômica
exercida em regime de concorrência capaz de excluir a empresa do regime constitucional dos precatórios.
Acrescentou que o Estado do Piauí detém mais de 99% do capital votante da sociedade, que é
mantida por meio de recursos financeiros previamente detalhados na Lei Orçamentária Anual piauiense
(Lei 6.576/2014), repassados pelo Estado do Piauí e oriundos da conta única do ente mantenedor.
Tendo isso em conta, o Colegiado concluiu que as decisões impugnadas estão em confronto com o
regime de precatórios estabelecido no art. 100 da CF, não sendo o caso, ademais, de violação à ordem
cronológica de pagamento dos precatórios nem de alocação no orçamento da entidade de dotação
destinada ao pagamento da dívida. Registrou que as decisões impugnadas estão fundamentadas na
inaplicabilidade do regime de precatórios às execuções das decisões judiciais contrárias à EMGERPI,
ainda que as disponibilidades financeiras da empresa estivessem na conta única do Tesouro estadual.
Além disso, foram violados os princípios constitucionais da atividade financeira estatal, em especial
o da legalidade orçamentária (CF, art. 167, VI). Consignou que as ordens de bloqueio, penhora e
liberação de valores da conta única do Estado de forma indiscriminada, fundadas em direitos subjetivos
individuais, poderiam significar retardo/descontinuidade de políticas públicas ou desvio da forma
legalmente prevista para a utilização de recursos públicos.
Por fim, considerou que o bloqueio indiscriminado de provisões, da forma apontada pelo
requerente, além de desvirtuar a vontade do legislador estadual e violar os aludidos princípios
constitucionais do sistema financeiro e orçamentário, constitui interferência indevida, em ofensa aos
princípios da independência e da harmonia entre os Poderes (CF, art. 2º).
Vencido, quanto ao mérito, o ministro Marco Aurélio, que não acolhia o pedido formalizado, por
entender que, por se tratar de execução contra pessoa jurídica de direito privado, não caberia a utilização
de um instrumental próprio à Fazenda.
ADPF 387/PI, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23.3.2017. (ADPF-387) (Informativo 858, Plenário)
DIREITO PENAL
Cumprimento da Pena
Tráfico de drogas e fixação de regime inicial A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia a
alteração do regime prisional imposto ao paciente condenado pela prática do crime de tráfico de drogas
— disposto no art. 33 da Lei 11.343/2006 (1) — a pena em regime inicial fechado, por força de decisão
exarada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No caso, o STJ deu parcial provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público para
determinar o regime prisional fechado para o cumprimento inicial da pena.
A Turma asseverou que o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda
a 8 anos, tem o direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto, segundo o art. 33, § 2º, “b”, do
CP (2), caso as circunstâncias judiciais do art. 59 (3) do mesmo diploma lhe sejam favoráveis.
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Ademais, pontuou não haver fundamentação idônea necessária para a imposição de regime de
cumprimento de pena mais gravoso – Enunciados 718 (4) e 719 (5) da Súmula do Supremo Tribunal
Federal.
Por fim, salientou que não cabe ao STJ revolver fatos e provas para, analisando a quantidade e a
qualidade de droga, impor ao réu regime prisional mais gravoso.
Vencido o ministro Edson Fachin, que indeferia a ordem. Para ele, a fixação de regime mais
gravoso pelo STJ estaria devidamente justificada, pois, no julgamento da apelação, a pena-base ficou
acima do mínimo legal, por ter sido considerada como desfavorável a circunstância do art. 42 da Lei
11.343/2006 (6).
1. Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”
2. CP/1940: “Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em
regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (...) § 2º – As penas privativas de liberdade
deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as
hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (...) b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e
não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;”
3. CP/1940: “Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena
aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da
pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”
4. Enunciado 718 da Súmula do STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação
idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.”
5. Enunciado 719 da Súmula do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir
exige motivação idônea.”
6. Lei 11.343/2006: “Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do
Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.”
HC 140441/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28.3.2017. (HC-140441)
(Informativo 859, 2ª Turma)
Pena
Tráfico de drogas e imediações de estabelecimento prisional A Segunda Turma denegou a ordem de “habeas corpus” em que se pretendia afastar a aplicação da causa
de aumento prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006 (1) em condenação por tráfico de drogas realizado nas
imediações de estabelecimento prisional.
No caso, o STJ deu provimento a recurso especial, interposto pelo Ministério Público, para determinar a
incidência da mencionada causa de aumento.
A defesa insurgia-se contra a não aplicação o Enunciado 7 da Súmula do STJ (2). Além disso, alegava
não ter sido demonstrado que o paciente comercializava qualquer tipo de entorpecente com frequentadores do
estabelecimento prisional.
A Turma asseverou que a jurisprudência do STF está sedimentada na impossibilidade do uso de “habeas
corpus” para reexame dos pressupostos de admissibilidade de recurso interposto no STJ. A suposta contradição
seria adequadamente solucionada em embargos de declaração dirigidos ao STJ, e não em “habeas corpus”
diretamente ao STF.
Ademais, salientou que a aplicação da referida causa de aumento se justifica quando constatada a
comercialização de drogas nas imediações de estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente infrator
visa ou não aos frequentadores daquele local.
(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter
em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a
dois terços, se: III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares,
de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se
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realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;”
(2) Enunciado 7 da Súmula do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
HC 138944/SC, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 21.3.2017. (HC-138944)
(Informativo 858, 2ª Turma)
Tipicidade
Queixa-crime e individualização da conduta A Primeira Turma determinou o desmembramento de queixa-crime em relação ao querelado não detentor
de foro por prerrogativa de função. Quanto aos demais querelados, rejeitou, por maioria, a inicial acusatória.
No caso, a queixa-crime foi oferecida por deputado federal, em face de radialista e sócios-proprietários
de empresa de radiodifusão sonora, pela prática dos crimes de calúnia, difamação e injúria (CP, arts. 138, 139 e
140, § 3º).
O Colegiado registrou que o querelante não individualizou, minimamente, as condutas dos querelados
detentores de prerrogativa de foro e lhes imputou fatos criminosos em razão da mera condição de
sócios-proprietários do veículo de comunicação social por meio do qual o radialista teria proferido
as supostas ofensas à honra do peticionário.
Nesse contexto, pontuou que a mera posição hierárquica dos acusados na titularidade da empresa de
comunicação, sem a descrição da ação e sem elementos que evidenciem a vontade e consciência de praticar o
crime imputado, inviabiliza o prosseguimento da ação penal, por manifesta ausência de justa causa.
Ademais, ressaltou que os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV) impõem que a inicial acusatória tenha como fundamentos elementos
probatórios mínimos que demonstrem a materialidade do fato delituoso e os indícios suficientes de autoria.
Vencido, no mérito, o ministro Marco Aurélio. Para ele, a peça primeira da ação penal privada atenderia
aos arts. 41 e 395, II e III, do CPP. Ponderava que, considerado o pano de fundo — uma disputa política no
Estado do Pará —, os detentores da prerrogativa de serem julgados pelo STF seriam os autores intelectuais, e o
radialista teria atuado a partir de orientação dos dois.
Pet 5660/PA, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.3.2017. (Pet-5660)
(Informativo 857, 1ª Turma)
Impossibilidade de trancamento de ação penal via “habeas corpus” A Primeira Turma, por maioria, indeferiu “habeas corpus” impetrado em favor de denunciado pela
prática do crime de estupro de vulnerável (Código Penal, art. 217-A).
No caso, o paciente, aos dezoito anos de idade, manteve relação sexual com a vítima, de treze anos de
idade. Na impetração, sustentava-se ausência de justa causa pela atipicidade da conduta, pois a conjunção
carnal teria sido consentida pela vítima, em razão de relacionamento afetivo com o paciente.
O Colegiado reafirmou entendimento segundo o qual, sendo a vítima menor de quatorze anos, o estupro é
presumido, embora se trate de dois jovens, com idades próximas, em relacionamento afetivo. A ministra Rosa
Weber destacou, ainda, o fato de o paciente estar solto.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que concedia a ordem para trancar a ação penal. Afirmava
não existir crime presumido e considerava que a condição de vítima não se verificaria quando, nos dias atuais,
menor de quatorze anos aquiesce em manter relação sexual.
HC 122945/BA, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento
em 21.3.2017. (HC-122945)
(Informativo 858, 1ª Turma)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Prisão Civil
Prisão civil por descumprimento de prestação alimentícia e dívida pretérita A Primeira Turma concedeu “habeas corpus” para afastar a custódia do paciente, preso em virtude
de não ter efetuado o pagamento de prestação alimentícia.
O Colegiado ressaltou que a prisão foi determinada em virtude de débito referente ao período
compreendido entre 2006 e 2010.
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Concluiu que a prisão por dívida é pertinente apenas no caso de descumprimento inescusável de
prestação alimentícia, não sendo cabível quando se referir à execução de débito passado.
HC 121426/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.3.2017. (MS-121426)
(Informativo 857, 1ª Turma)
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Ação Penal
Crime de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação e viabilidade da denúncia - 2 A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, rejeitou denúncia oferecida em face de deputado
federal pela suposta prática dos crimes previstos no art. 89 da Lei 8.666/1993 (“Art. 89. Dispensar ou
inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à
dispensa ou à inexigibilidade”) e no art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 (“XIII - Nomear, admitir ou
designar servidor, contra expressa disposição de lei”), por condutas supostamente praticadas enquanto
ocupava o cargo de prefeito municipal.
Para a acusação, teria havido irregularidades na contratação de Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP) por ente municipal, com a verdadeira finalidade de admissão direta de
servidores sem a observância da regra constitucional do concurso público. A defesa alega, em suma, a
atipicidade da conduta imputada ao acusado — v. Informativo 855.
O Colegiado reconheceu, de início, a ocorrência da prescrição quanto ao crime definido no art. 1º,
XIII, do Decreto-Lei 201/1967, referente à suposta contratação de pessoal sem observância da regra do
concurso público.
No tocante ao crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993, consignou que a dispensa ou
inexigibilidade é incriminada, de acordo com o tipo penal, quando o fato não se enquadra nas hipóteses
legais de dispensa ou de inexigibilidade (Lei 8.666/1993, arts. 24 e 25), ou as formalidades pertinentes à
dispensa ou à inexigibilidade não são observadas (Lei 8.666/1993, art. 26).
Ressaltou, ademais, que o tipo penal do art. 89 da Lei de Licitações prevê crime formal, que
dispensa o resultado danoso para o erário. Nesses termos, a não exigência de prejuízo patrimonial, para a
consumação do delito, não afasta a necessidade de que, para adequação da conduta à norma penal, sua
prática revele desvalor maior para o ordenamento jurídico do que a observância parcial ou imperfeita de
normas procedimentais. Assim, se, por um lado, o ilícito administrativo se aperfeiçoa com o simples atuar
do administrador público, que não esteja estritamente em consonância com o princípio da legalidade; por
outro, a prática de um delito penal exige uma conduta planejada e voltada finalisticamente a executar a
conduta criminosa, com o fim de obter um proveito criminoso de qualquer natureza.
Diante das peculiaridades que envolvem a distinção entre, de um lado, o ilícito cível e
administrativo e, de outro lado, com maior desvalor jurídico, o ilícito penal, há a necessidade de
sistematizar critérios para análise da ocorrência ou não do tipo versado no art. 89 da Lei 8.666/1993.
Busca-se, com isso, reduzir o elevado grau de abstração da conduta prevista no tipo penal e, por
consequência, atender aos princípios da “ultima ratio”, da fragmentariedade e da lesividade.
Entendeu que podem ser estabelecidos três critérios para a verificação judicial da viabilidade da denúncia
que trate da prática do crime disposto no art. 89 da Lei 8.666/1993. Esses critérios permitem que se diferencie,
com segurança, a conduta criminosa definida no art. 89 da Lei 8.666/1993 das irregularidades ou ilícitos
administrativos e de improbidade, intencionais ou negligentes.
O primeiro critério consiste na existência de parecer jurídico lavrado idoneamente pelo órgão
competente. Nesses termos, o parecer do corpo jurídico, quando lavrado de maneira idônea, sem indício de que
constitua etapa da suposta empreitada criminosa, confere embasamento jurídico ao ato, até mesmo quanto à
observância das formalidades do procedimento. O parecer jurídico favorável à inexigibilidade impede a
tipificação criminosa da conduta, precisamente por afastar, desde que inexistentes outros indícios em contrário,
a clara ciência da ilicitude da inexigibilidade, e determina o erro do agente quanto ao elemento do tipo, qual
seja, a circunstância “fora das hipóteses legais” (CP, art. 20).
No tocante a esse aspecto, sustentou que, no caso, a procuradoria-geral do Município foi consultada,
quanto à necessidade de realização de licitação, anteriormente à assinatura do termo de parceria entre o
município e a OSCIP. A existência de parecer do órgão jurídico especializado, no sentido da licitude da
dispensa ou da inexigibilidade da licitação, constitui óbice ao enquadramento típico da conduta do
administrador público que, com base nele, assinou o termo contratual no exercício de sua função, salvo
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indicação de dolo de beneficiar a si mesmo ou ao contratado e/ou narrativa mínima da existência de união de
desígnios entre os acusados, para realização comum da prática delitiva.
O segundo critério a ser observado corresponde à indicação, na denúncia, da especial finalidade de lesar o
erário ou promover enriquecimento ilícito dos acusados. Para tanto, o crime definido no art. 89 da Lei
8.666/1993, de natureza formal, independe da prova do resultado danoso. Porém, para que a conduta do
administrador seja criminosa, é exigível que a denúncia narre a finalidade do agente de lesar o erário, de obter
vantagem indevida ou de beneficiar patrimonialmente o particular contratado, ferindo com isso a razão
essencial da licitação (a impessoalidade da contratação).
Sobre esse critério, asseverou que a denúncia não mencionou a existência de indício de que o acusado
teria agido com o fim de obter algum proveito ilícito ou de beneficiar a OSCIP contratada, em detrimento do
erário. Ponderou, ainda, que o tipo previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993 tem como destinatário o administrador
e adjudicatários desonestos, e não os supostamente inábeis. A intenção de ignorar os pressupostos para a
contratação direta ou a simulação da presença desses são elementos do tipo, que não se perfaz a título de
negligência, imprudência ou imperícia — caracterizadores de atuar culposo.
Como último critério, destacou a necessária descrição do vínculo subjetivo entre os agentes. Assim, a
imputação do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/1993 a uma pluralidade de agentes demanda a descrição
indiciária da existência de vínculo subjetivo entre os participantes para a obtenção do resultado criminoso, não
bastando a mera narrativa de ato administrativo formal eivado de irregularidade. Em outros termos, deve-se
perquirir se a denúncia, ao narrar a prática de crime em concurso de agentes, indica a presença dos elementos
configuradores da união de desígnios entre as condutas dos acusados, voltadas à prática criminosa comum.
Quanto a esse ponto, afirmou que, na espécie, a investigação não reuniu indícios mínimos da existência
de vínculo subjetivo entre os acusados, voltado à obtenção de proveito criminoso.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que recebia a denúncia. Para ele, o tipo penal previsto no art. 89 da
Lei 8.666/1993 é estritamente formal, dispensando o dolo específico, bem como a existência de prejuízo para a
Administração Pública. Ademais, observou que a denúncia apresentada pela acusação, embora sintética, teria
atendido aos requisitos legais.
Inq 3674/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 7.3.2017. (Inq-3674)
(Informativo 856, 1ª Turma)
Recebimento da denúncia: corrupção passiva e lavagem de dinheiro A Segunda Turma, por maioria, recebeu em parte denúncia oferecida contra senador e dois de seus
assessores pela prática do crime de corrupção passiva, previsto no art. 317, “caput” e § 1º, do CP [“Art.
317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em
consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de
ofício ou o pratica infringindo dever funcional”], e pelo delito de lavagem de dinheiro, disposto no
art. 1º, “caput” e § 4º, da Lei 9.613/1998.
No caso, de acordo com a inicial acusatória, o parlamentar, com auxílio de seus assessores, teria
solicitado e recebido vantagem indevida em vultosa quantia, em razão de sua função pública, para a sua
campanha ao Senado Federal em 2010.
O montante seria oriundo do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro estabelecido na Diretoria
de Abastecimento de empresa petroleira estatal, na época ocupada por pessoa que solicitava e recebia
quantias ilícitas de empresas em decorrência da celebração irregular de contratos com a estatal e da
obtenção de benefícios indevidos no âmbito das contratações. Parte dessas quantias ilícitas era repassada
a agentes políticos por esse diretor a fim de assegurar sua permanência no cargo e a manutenção do
esquema criminoso.
Desse modo, o repasse de propina ao senador teve por finalidade a manutenção do diretor no cargo,
fosse pela não interferência nessa nomeação e no funcionamento do esquema criminoso, fosse pelo apoio
político, para sua sustentação, por parte do parlamentar, forte candidato à reeleição e nome de relevo de
partido político, agremiação partidária da base do Governo Federal e uma das responsáveis pela Diretoria
de Abastecimento da estatal.
A propina foi paga sob o disfarce de doações eleitorais “oficiais” realizadas por empresa
empreiteira, que fazia parte do esquema criminoso em questão, em favor do diretório estadual do partido
do parlamentar.
15
A Turma afirmou que, nesse momento processual de recebimento da denúncia, compete ao julgador
tão somente analisar a existência de suporte probatório mínimo a embasar a peça acusatória e atestar a
presença dos requisitos necessários para o recebimento, ou não, da denúncia (CPP, arts. 41, 395 e 397;
Lei 8.038/1990, arts. 1º a 12).
Ressaltou que, na espécie, a exordial acusatória atende aos requisitos do art. 41 do CPP. Observou
que a denúncia narra a prática pelos acusados, em tese, dos crimes de corrupção passiva majorada (CP,
art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º) e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, “caput” e § 4º),
condutas relacionadas ao suposto recebimento pelo senador, com auxílio direto de dois de seus
assessores, de vantagem indevida paga no âmbito de esquema criminoso arquitetado em torno da
Diretoria de Abastecimento da estatal.
Assentou constar da denúncia descrição compreensível das condutas imputadas aos acusados, com
indicação das circunstâncias de tempo, lugar e modo, sem qualquer prejuízo ao exercício de defesa. Aliás,
o direito à defesa foi exercido de forma ampla pelos denunciados, que se contrapuseram, em suas
respostas, aos fatos e à capitulação indicada pelo órgão acusatório.
Ao lado disso, não é necessário que a denúncia descreva minuciosamente as ações ilícitas, mesmo
porque isso equivaleria a exercício de antecipação do que será apurado na fase instrutória, sob o crivo do
contraditório. O que se exige é uma descrição lógica e coerente que possibilite ao acusado compreender a
imputação e exercer seu direito de defesa.
Com relação à materialidade e aos indícios de autoria — pressupostos básicos ao recebimento de
qualquer denúncia —, é possível atestá-los, em especial pelo substrato indiciário.
O Colegiado frisou que os indícios demonstram que o recebimento dos valores espúrios teria
ocorrido de forma dissimulada, por intermédio de duas doações eleitorais oficiais realizadas pela
empreiteira ao diretório estadual do partido do senador e, posteriormente, repassadas pela agremiação
partidária ao parlamentar.
Consignou que os elementos colhidos durante a investigação também indicam a possibilidade do
cometimento do delito de lavagem de dinheiro, com a ocultação e dissimulação da origem dos valores
desviados de contratos da estatal, mediante a utilização de mecanismos para dificultar a identificação do
denunciado como destinatário final das quantias supostamente destinadas à sua campanha. A
operacionalização desses pagamentos teria sido efetuada por doleiro, que administrava uma verdadeira
estrutura criminosa especializada em branqueamento de capitais, conforme narrado por colaborador, que,
em síntese, revela pagamentos realizados por empreiteiras, a título de propina, tanto em espécie como por
meio de emissão de notas com base em contratos fictícios de prestação de serviços ou, ainda, depósitos no
exterior.
Reiterou que, nesta fase, não se exige juízo de certeza. Desse modo, o material indiciário mostra-se
suficiente ao recebimento da denúncia, motivo por que não procedem as teses defensivas suscitadas
contra a peça acusatória, que descreve a ocorrência de crimes antecedentes (contra a Administração
Pública), bem como indica com clareza a ação e intenção dos denunciados de ocultar os valores recebidos
por intermédio de organização criminosa, que se subsumem ao tipo penal descrito no art. 1º, V e § 4°, da
Lei 9.613/1998, na redação anterior à Lei 12.683/2012, em vista de os fatos terem ocorrido em 2010.
Enfatizou, por outro lado, que deveria ser excluída da denúncia a causa de aumento do art. 327, § 2º,
do CP (“A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo
forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da
administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder
público”), por ser incabível pelo mero exercício de mandato popular. Para isso, a situação exigiria uma
imposição hierárquica que não foi demonstrada nos autos.
Sublinhou que, ao contrário do que sustentado pelas defesas, a denúncia não está amparada apenas
em depoimentos prestados em colaboração premiada, mas em outros indícios que reforçam as declarações
prestadas pelos colaboradores e bastam nesse momento de cognição sumária, tais como: dados
telefônicos, informações policiais e documentos.
Vencidos, em parte, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que rejeitavam a denúncia em
relação aos assessores, nos termos do art. 395, III, do CPP (“A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”). Pontuavam não ter a denúncia demonstrado
minimamente que os assessores sabiam da suposta corrupção passiva.
Além disso, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, com fundamento no art. 6º da Lei
8.038/1990, julgavam improcedente a imputação de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, “caput”
e § 4º) deduzida contra todos os denunciados. Sustentavam que, conforme narrado pelo “parquet”, o
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crime de lavagem de dinheiro estaria resumido a uma doação eleitoral, a qual constituiria simples
consumação na modalidade receber ou exaurimento na modalidade solicitar do crime de corrupção
passiva. Portanto, estaria ausente a autonomia de condutas a justificar o concurso material de crimes e
evidente o excesso de acusação.
Inq 3982/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 7.3.2017. (Inq-3982)
(Informativo 856, 2ª Turma)
Recebimento da denúncia: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa A Segunda Turma recebeu em parte a denúncia contra deputado federal e outros pela suposta prática dos
crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Não a acolheu em
relação a acusado que já responde, no Inq 4.112/DF, pelos mesmos fatos quanto ao último crime. Além disso,
rejeitou a denúncia contra duas acusadas por falta de justa causa (CPP, art. 395, III).
No caso, de acordo com a inicial acusatória, o denunciado deputado federal teria solicitado, aceitado
promessa e recebido, por intermédio e em unidade de desígnios com os outros acusados, vantagem pecuniária
indevida em vultosa quantia, para se omitir no cumprimento do seu dever parlamentar de fiscalização da
administração pública federal, o que teria viabilizado o funcionamento de organização criminosa voltada para a
prática dos crimes de peculato, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro no âmbito de empresa estatal
de distribuição de petróleo.
Inicialmente, a Turma rejeitou as preliminares suscitadas. Indeferiu o pedido de reabertura de prazo para
aditamento da defesa; considerou que a manifestação da Procuradoria-Geral da República às respostas
apresentadas pelos acusados à denúncia, após o transcurso do prazo de cinco dias, não gera nulidade; afastou a
alegação de vício em interceptações telefônicas realizadas no âmbito de procedimento que tramitou perante o
juízo da 13ª Vara Federal; observou que o afastamento dos sigilos bancário e fiscal dos acusados, bem como as
buscas em endereços a eles vinculados não estariam maculados; ponderou que o fato de o Procurador-Geral da
República não ter denunciado nestes autos crimes de corrupção ativa não acarreta a inépcia da denúncia com
relação aos delitos de corrupção passiva.
O Colegiado negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que deferiu o
desmembramento do processo. Consignou que o desmembramento não acarreta inépcia da denúncia ou ofensa
aos princípios da indivisibilidade, da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal.
Frisou que a denúncia relata, de forma pormenorizada, os fatos supostamente delituosos e suas
circunstâncias e explana, de modo compreensível e individualizado, a conduta criminosa, em tese, adotada
pelos envolvidos, nos termos do que determina o art. 41 do CPP. Dessa forma, não há qualquer prejuízo ao
exercício do direito de defesa. Explicou que o que a lei impõe é uma descrição lógica e coerente, a fim de
permitir aos acusados a compreensão das imputações e o exercício amplo do contraditório, o que se verifica na
espécie.
Enfatizou que, ao menos para esta fase processual, há elementos nos autos que demonstram, de forma
individualizada, o possível envolvimento do parlamentar e de outros dois acusados na prática de crimes de
corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º) no âmbito da estatal, com subsequente execução, em tese, de atos de
lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, § 4º), para a ocultação e dissimulação da origem e natureza dos
valores indevidos recebidos por eles.
A acusação também procede, nesta fase, quanto aos indícios de que o deputado e outro cometeram, em
tese, o crime de integrar organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 2º, § 3º e 4º, II). Esses denunciados
associaram-se a diversas outras pessoas para a prática permanente e reiterada de crimes de corrupção passiva,
no âmbito da estatal, e de lavagem de dinheiro.
A Turma ressaltou que a imputação dos crimes de corrupção passiva a duas acusadas é particularmente
frágil, porquanto a exordial acusatória não sustenta terem elas ciência dos atos de corrupção em tese praticados,
nem demonstra, sequer de forma indiciária, qualquer liame subjetivo entre elas e os demais denunciados. Na
mesma linha, não há como atribuir às denunciadas a prática de lavagem de dinheiro, se a acusação não alega
terem elas conhecimento da origem ilícita dos valores em espécie supostamente recebidos nem indica a
destinação por elas dada ao numerário.
Por fim, asseverou que a denúncia não está amparada apenas em depoimentos prestados em colaboração
premiada. Há inúmeros outros indícios que reforçam as declarações prestadas pelos colaboradores, tais como,
dados telemáticos e bancários, depoimentos, informações policiais e documentos, o que é bastante neste
momento de cognição sumária, quando não se exige juízo de certeza acerca de culpa.
Inq 3990/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 14.3.2017. (Inq-3990)
(Informativo 857, 2ª Turma)
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Recebimento da denúncia: fraude à licitação e peculato A Primeira Turma, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra deputado federal pelos crimes de
dispensa indevida de licitação e modificação ilegal de contrato administrativo, previstos nos arts. 89 (1) e 92 (2)
da Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações). Em seguida, o órgão fracionário, por maioria, acolheu a denúncia
quanto ao delito de peculato, na modalidade desvio, previsto no art. 312, § 1º (3), do Código Penal (CP).
No caso, segundo a inicial acusatória, o parlamentar, então secretário de Estado, junto com outros
acusados, teria — ao deflagrar processo administrativo que deu origem à contratação direta de determinada
construtora — concorrido para a dispensa de licitação relativa à reforma de ginásio municipal, sob a
justificativa de suposta situação de emergência.
Além disso, o acusado teria participado da celebração de termo aditivo para reforma e ampliação das
instalações do ginásio, cujo valor em percentual estaria acima do permitido, bem como da elaboração de
parecer jurídico que teria embasado a referida modificação contratual, o que afrontaria o art. 65, § 1º (4) da Lei
de Licitações.
A denúncia narra, ainda, que o deputado teria autorizado o pagamento antecipado, sem antes ter
observado a efetiva realização das obras, concorrendo assim diretamente para o desvio dos recursos públicos
destinados à reforma do ginásio.
Preliminarmente, a Turma afastou a alegação de “bis in idem”. Afirmou que as condutas de dispensar
licitação fora das hipóteses legais e de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa constituem
crime único.
No que se refere à dispensa de licitação, assentou, indiciariamente, que não ficou demonstrada
situação de emergência ou de urgência.
Rejeitou a assertiva de que o tipo do art. 89 da Lei de Licitações seria inconstitucional. Consignou que o
controle de constitucionalidade de tipos penais sob o parâmetro da ofensa ao princípio da proporcionalidade na
fixação do “quantum” abstrato da pena deve ser excepcional e comedido e, no caso, não ficou demonstrado.
Quanto ao delito do art. 92 da Lei 8.666/1993, ressaltou que o quadro indiciário aponta que o aditivo
contratual extrapolou as meras alterações qualitativas no contrato. Dessa forma, ficou descaracterizado o objeto
do contrato. Ademais, os limites legais de alteração aparentemente foram descumpridos, em afronta ao § 1º do
art. 65 da Lei 8.666/1993, o qual estabelece escala máxima de 50% para os acréscimos contratuais.
O fato de a dispensa de licitação e de o aditamento do contrato terem sido precedidos de parecer jurídico
não é bastante para afastar o dolo, caso outros elementos externos indiciem a possibilidade de desvio de
finalidade, ou de conluio entre o gestor e o responsável pelo parecer.
A Turma destacou a presença dos requisitos do art. 41 do CPP para o recebimento da denúncia, até
mesmo para o suposto crime de peculato. Sublinhou que há, no inquérito, elementos que indicam a necessidade
da abertura da ação penal também em relação ao suposto desvio de verbas públicas.
Vencida, em parte, a ministra Rosa Weber (relatora), que não recebia a denúncia quanto ao delito de
peculato. Pontuava a violação do princípio do contraditório porque a defesa não teve acesso aos dados
pertinentes à quebra do sigilo bancário da empresa lesada pela subtração dos recursos.
1. Lei 8.666/1993, art. 89: “Art.89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar
as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.”.
2. Lei 8.666/1993, art. 92: “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive
prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com
preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro
anos, e multa”. 3. Código Penal, art. 312, § 1º: “Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de
dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a
qualidade de funcionário”.
4. Lei 8.666/1993, art. 65, § 1º: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos
ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do
contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos”.
Inq 3621/MA, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, 28.3.2017.
(Inq-3621) (Informativo 859, 1ª Turma)
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Intimação
Tramitação em tribunal superior e intimação de defensoria pública estadual A Primeira Turma, por maioria, não admitiu a impetração de “habeas corpus” em que discutida
a possibilidade de atuação de Defensoria Pública estadual perante o STJ.
No caso, Defensoria Pública estadual interpôs, em favor do paciente, agravo em face da não
admissão de recurso especial perante o STJ. Ocorre que a Defensoria Pública da União, e não a
estadual, foi intimada da decisão proferida no agravo, o que, segundo a defesa, implicou o trânsito
em julgado do pronunciamento e a subsequente expedição de mandado de prisão contra o paciente.
O Colegiado entendeu ser inadequada a via eleita por se tratar de “habeas corpus” substitu tivo
de agravo regimental, uma vez que foi impetrado contra decisão monocrática de ministro do STJ.
Asseverou que, consoante a jurisprudência desta Corte, a intimação há de ser feita à DPU, já
organizada e no desempenho regular de suas atividades perante os tribunais superiores.
Ademais, salientou que a DPU foi estruturada sob o pálio dos princípios da unidade e da
indivisibilidade para dar suporte às Defensorias Públicas estaduais e fazer as vezes daquelas de
Estados-Membros longínquos, que não podem exercer o múnus a cada recurso endereçado aos
tribunais superiores.
Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia a ordem. Para ele, haveria de presumir -se que,
tendo a Defensoria Pública estadual interposto o recurso especial, ela estaria acompanhando -o e que
a falta de representação em Brasília não poderia motivar o direcionamento da intimação à DPU.
HC 118294/AP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento
em 7.3.2017. (HC-118294)
(Informativo 856, 1ª Turma)
Nulidades
Defesa prévia e prerrogativa de foro - 2 A Primeira Turma, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de deferir “habeas
corpus” de ofício para trancar ação penal por ausência de justa causa e inépcia da denúncia.
Na ação penal, discutia-se nulidade processual em face do recebimento de denúncia sem defesa
prévia e da não observância da prerrogativa de foro conferida a prefeitos (CF, art. 29, X).
No caso, foi ajuizada ação penal contra o então prefeito, hoje deputado federal, e outros, pela
suposta prática do delito de fraude em licitação pública, previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993 e,
também, pelo crime de responsabilidade, disposto no art. 1º do Decreto-Lei 201/1967.
O juízo de origem recebeu, primeiramente, a denúncia quanto ao crime definido no art. 90 da
Lei 8.666/1993 e determinou a notificação dos acusados para apresentarem defesa escrita contra o
crime de responsabilidade, nos termos do art. 2º, I, do Decreto-Lei 201/1967 — v. Informativo 854.
A Turma afirmou que o prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida.
Desse modo, os procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o
tribunal de justiça (CF, art. 29, X). Observou, também, que não houve submissão das investigações
ao controle jurisdicional da autoridade competente. Além disso, a denúncia, ao arrepio da legalidade,
fundou-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento
de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a
conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade.
Ressaltou que os indícios que serviram de fundamento à denúncia não lograram indicar, nem
mesmo minimamente, a participação ou o conhecimento dos fatos supostamente ilícitos pelo acusado
detentor da prerrogativa de foro perante a Suprema Corte. Também não foi observada a ritualística
procedimental prevista no Código de Processo Penal para a instauração do inquérito policial. Assim,
a ausência de liame subjetivo entre o então prefeito e os supostos beneficiários dos recursos
públicos, somada à existência de parecer jurídico favorável à homologação da licitação e às
indicações de que, no curso da execução do contrato, a própria Administração Pública recusou o
pagamento de notas fiscais emitidas pelo suposto beneficiário sem comprovação da entrega dos bens
nelas listados, são circunstâncias que ilidem o dolo e a participação do prefeito na prática criminosa.
Sublinhou que o prefeito foi incluído entre os acusados, unicamente, em razão da função
pública hierarquicamente superior à dos demais envolvidos, sem indicação mínima de sua
19
participação em prática ilícita, o que evidencia, por conseguinte, violação à responsabilidade penal
subjetiva, em contraposição à objetiva, cuja demonstração repele a responsabilidade presumida.
Portanto, o recebimento da denúncia quanto ao crime licitatório não observou o direito de resposta
preliminar do acusado, previsto em procedimento especial, que prevalece sobre o comum.
Consectariamente, reconheceu a extinção da punibilidade do crime definido no art. 90 da Lei
8.666/1993, pois a decisão válida de recebimento da denúncia data de 30.1.2014, quando o delito
licitatório já havia sido alcançado pela prescrição, ocorrida em 3.8.2013, considerada a pena máxima
em abstrato.
A Turma determinou a remessa dos autos ao juízo de origem, para as providências cabíveis
quanto aos demais acusados.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que não acolhia a questão de ordem. Pontuava que o
momento processual para examinar a justa causa seria o do recebimento da denúncia, já ocorrido no
juízo de origem. Segundo o ministro, as alegações apresentadas na defesa prévia confundem-se com
o mérito, sendo descabido apreciá-las nessa fase.
AP 912/PB, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 7.3.2017. (AP-912)
(Informativo 856, 1ª Turma)
Provas
Desarquivamento de inquérito e excludente de ilicitude - 4 O arquivamento de inquérito policial por excludente de ilicitude realizado com base em provas
fraudadas não faz coisa julgada material.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus”.
No caso, após o arquivamento do inquérito, o Ministério Público reinquiriu testemunhas e
concluiu que as declarações prestadas naquele inquérito teriam sido alteradas por autoridade policial.
Diante dessas novas provas, o “Parquet" ofereceu denúncia contra os pacientes — v. Informativos
446, 512 e 597.
O Tribunal entendeu possível a reabertura das investigações, nos termos do art. 18 do CPP (1),
ante os novos elementos de convicção colhidos pelo Ministério Público.
Asseverou que o arquivamento do inquérito não faz coisa julgada, desde que não tenha sido por
atipicidade do fato ou por preclusão.
Vencidos os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que deferiam a ordem.
Frisavam que o arquivamento com base em excludente de ilicitude faz coisa julgada material, o que
impediria o desarquivamento do inquérito policial, mesmo com novas provas.
(1) CPP, art. 18: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a
autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.
HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 23.3.2017. (HC-87395)
(Informativo 858, Plenário)
Requisito de Admissibilidade Recursal
Interposição de recurso via “e-mail” A Primeira Turma denegou “habeas corpus” em que se discutia a possibilidade de manejo de
peça recursal exclusivamente por meio de correio eletrônico.
No caso, foi inadmitido recurso especial em razão da intempestividade, por impossibilidade de
apresentação da peça via “e-mail”.
O Colegiado consignou que a Lei 9.800/1999, ao permitir que as partes utilizem o sistema de
transmissão de dados e imagens do tipo fac-símile ou outro semelhante para a prática de atos
processuais que dependam de petição escrita, não autoriza a adoção do “e -mail”.
Ressaltou, ainda, que a excepcionalidade prevista na lei à interposição direta de recurso não
dispensa a apresentação subsequente do documento original.
HC 121225/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.3.2017. (MS-121225)
(Informativo 857, 1ª Turma)
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Tramitação em Tribunais
Habeas corpus e julgamento monocrático em tribunais A Primeira Turma deferiu a ordem de “habeas corpus” para determinar ao STJ a análise, por órgão
colegiado, do tema de fundo de “habeas corpus” lá impetrado.
No caso, o relator do processo no STJ, em decisão monocrática, não conheceu do pedido por considerar
que a impetração foi utilizada como substitutiva de recurso ordinário.
A impetrante sustentava a inconstitucionalidade do art. 34, XVIII, do Regimento Interno do STJ. Tal
dispositivo possibilita ao relator, monocraticamente, negar seguimento aos pedidos ou recursos evidentemente
intempestivos, incabíveis, improcedentes, contrários a súmula, ou quando o Tribunal for manifestamente
incompetente para apreciar o pleito formulado.
A Turma asseverou que reiterados pronunciamentos do STF são no sentido de incumbir não ao relator no
âmbito do STJ, mas a este último, como colegiado, julgar o “habeas corpus”.
Ressaltou, ainda, que a situação está a merecer a glosa, sob pena de os 27 Tribunais de Justiça e os 5
Tribunais Regionais Federais virem a proceder de idêntica forma, esvaziando o sentido da impetração.
HC 120496/MS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.3.2017. (HC-120496)
(Informativo 857, 1ª Turma)
DIREITO DO TRABALHO
FGTS
FGTS e prescrição trintenária - 4 O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso
extraordinário interposto em face de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que havia
considerado ser de trinta anos o prazo para exigir judicialmente dos empregadores e tomadores de
serviços o depósito de valores relativos ao FGTS, ainda que depois da Constituição em vigor — v.
Informativo 634.
O Colegiado declarou, ainda, a inconstitucionalidade do art. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e do
art. 55 do Decreto 99.684/1990, com eficácia “ex nunc”, de modo a alcançar apenas os processos
ajuizados posteriormente à data deste julgamento (Lei 9.868/1999, art. 27).
Destacou que o tema, quanto ao prazo prescricional, deveria ser revisto à luz da ordem
constitucional vigente, com o exame das consequências da constitucionalização do instituto levado a
efeito apenas com a promulgação da nova Carta. Nesse contexto, observou que o art. 7º, XXIX, da
CF contém determinação expressa acerca do prazo de prescrição referente à propositura de ações
atinentes a “créditos resultantes das relações de trabalho”.
Apontou que a aplicabilidade daquele dispositivo constitucional à cobrança judicial dos valores
devidos ao FGTS foi reconhecida pelo TST, ao editar o Enunciado 362 1.
No entanto, frisou que o entendimento da Corte trabalhista de ser aplicável apenas parte do
dispositivo constitucional é, além de contraditório, dissonante do postulado hermenêutico da máxima
eficácia das normas constitucionais. Sinalizou que o prazo deve ser o de cinco anos, previsto no
inciso XXIX do art. 7º da CF. Em seguida, ponderou que, por mais de vinte anos, tanto o STF quanto
o TST mantiveram posicionamento de que o prazo prescricional do FGTS é de trinta anos.
Aludiu à possibilidade de se modularem os efeitos em sede de controle incidental. Por fim,
assinalou que, no caso, o princípio da segurança jurídica recomendaria fosse mitigado o princípio da
nulidade da lei inconstitucional, com a consequente modulação de efeitos da decisão. Assim, seria
possível resguardar as legítimas expectativas dos trabalhadores brasileiros, que se pautavam em
manifestações, até então inequívocas, do tribunal competente para dizer a última palavra sobre a
interpretação da Constituição e da corte responsável pela uniformização da legislação trabalhista.
Ressaltou que essa tese foi acolhida pelo Plenário do STF no julgamento do ARE 709.212/DF
(DJE de 18.2.2015) efetuado sob a sistemática da repercussão geral. Na ocasião, os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade foram modulados, de modo que a nova orientação
jurisprudencial valeria apenas para as ações propostas a partir da data daquele julgamento.
21
Vencido o ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Afirmava que, observado
o biênio, seria possível pleitear, na inicial da reclamação trabalhista, as parcelas dos úl timos cinco
anos.
1. Enunciado 362/TST: “É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o
FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho”.
RE 522897/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16.3.2017. (RE-522897)
(Informativo 857, Plenário)
DIREITO TRIBUTÁRIO
Contribuições Sociais
Incidência do ICMS na base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS - 2 O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não compõe a base de cálculo
para a incidência da contribuição para o PIS e da COFINS. Com essa orientação, o Tribunal, por
maioria, deu provimento a recurso extraordinário no qual se discutia a possibilidade de inclusão do
montante do ICMS gerado na circulação de mercadoria ou prestação de serviço no conceito de
faturamento para fins de incidência da contribuição para o PIS e da COFINS — v. Informativo 856.
Prevaleceu o voto da ministra Cármen Lúcia (Presidente e relatora). Consignou que a inclusão
do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições sociais leva ao inaceitável entendimento de
que os sujeitos passivos desses tributos faturariam ICMS, o que não ocorre. Assim, enquanto o
montante de ICMS circula por suas contabilidades, os sujeitos passivos das contribuições apenas
obtêm ingresso de caixa de valores que não lhes pertencem. Em outras palavras, o montante de
ICMS, nessas situações, não se incorpora ao patrimônio dos sujeitos passivos das contribuições, até
porque tais valores são destinados aos cofres públicos dos Estados-Membros ou do Distrito Federal.
Ponderou, igualmente, que a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de
faturamento (nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa. Por essa razão, não pode
compor a base de cálculo da contribuição para o PIS ou da COFINS.
Asseverou que tanto a análise jurídica quanto a contábil do ICMS — ambas pautadas em sua
não cumulatividade, principal característica desse tributo — revelam não ser possível incluir o ICMS
na base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, nem também excluí-lo totalmente. Isso
porque, enquanto parte do montante do ICMS é entregue diretamente ao Estado, parte dele mantém-se no
patrimônio do contribuinte até a realização de nova operação. A análise jurídica do princípio da não
cumulatividade aplicado ao ICMS, entretanto, leva em consideração apenas o conteúdo normativo do
art. 155, § 2º, I, da CF1.
Sobre esse aspecto, também com fundamento na doutrina, pontuou que a Constituição, no
tocante à compensação, consagrou a ideia de que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte a
título de ICMS é o resultado de uma subtração em que o minuendo é o montante de imposto devido e
o subtraendo é o montante de imposto anteriormente cobrado ou cobrável. O realizador da operação
ou prestação tem o direito constitucional subjetivo de abater do montante do ICMS a recolher os
valores cobrados, a esse título, nas operações ou prestações anteriores. O contribuinte, se for o caso,
apenas recolhe aos cofres públicos a diferença resultante dessa operação matemática.
Assim, nem todo montante de ICMS é recolhido pelos contribuintes posicionados no meio da
cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na fatura é
aproveitada pelo contribuinte para compensar com o montante do imposto gerado na operação
anterior. Em algum momento, ainda que não exatamente o mesmo, ele será recolhido e, por isso, não
constitui receita do contribuinte. Logo, ainda que contabilmente escriturado, não guarda expressa
definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo da contribuição
para o PIS e da COFINS, pois o valor do ICMS tem como destino fiscal a Fazenda Pública.
Ademais, por ser inviável a apuração do ICMS, considerando-se cada mercadoria ou serviço e a
correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil ou escritural do imposto. Nesse
sentido, o montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, com base no total de créditos
decorrentes de aquisições e no total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços. Em
suma, o princípio da não cumulatividade operacionaliza-se por meio da compensação entre débitos e
créditos na escrituração fiscal.
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Para a relatora, o regime da não cumulatividade impõe concluir que, embora se tenha a
escrituração da parcela do ICMS ainda a se compensar, o montante integral não se inclui na
definição de faturamento adotada pelo Supremo Tribunal Federal, motivo por que ele não pode
compor a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS.
Enfatizou que, embora o ICMS incida sobre todo o valor da operação, o regime de
compensação importa na possibilidade de, em algum momento da cadeia de operações, haver saldo a
pagar do tributo, se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida desse
aumento do valor. Em outras palavras, o valor do ICMS é indeterminável até se efetivar a operação
subsequente. Afasta-se, pois, da composição do custo e deve, por conseguinte, ser excluído da base
de cálculo das mencionadas contribuições.
Por fim, verificou que o recolhimento do ICMS na condição de substituto tributário (Lei
9.718/1998, art. 3º, § 2º, I, “in fine”) importa transferência integral às Fazendas Públicas estaduais
do montante recolhido, sem a necessidade de compensação e, portanto, de identificação de saldo a
pagar, pois não há recolhimentos posteriores pelos demais contribuintes substituídos.
Se a norma exclui o ICMS transferido integralmente para os Estados-Membros da base de
cálculo das mencionadas contribuições sociais, também deve ser excluída a transferência parcial
decorrente do regime de não cumulatividade.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que
negavam provimento ao recurso.
1. CF, art. 155, § 2º, I: “Art. 155...§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não cumulativo,
compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
RE 574706/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 15.3.2017. (RE-574706)
(Informativo 857, Plenário, Repercussão Geral)
1ª Parte : 2ª Parte : 3ª Parte : 4ª Parte :
Contribuição social e ganhos habituais A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer
anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998.
Com essa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia
o alcance da expressão “folha de salários” para fins de incidência da contribuição social.
De início, o Plenário observou que o conflito de interesses analisado envolvia período anterior
e posterior à Emenda Constitucional 20/1998, que modificou o art. 195 da Constituição Federal (CF)
e passou a prever que a contribuição incide sobre “folha de salários e demais rendimentos do
trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem
vínculo empregatício”.
Registrou que, no caso, a última cláusula não tem pertinência, pois o pedido se referia a valores
pagos aos segurados empregados.
Asseverou que, antes mesmo da Emenda Constitucional 20/1998, o art. 201, § 4º, da CF previa
que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito
de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da
lei”. Esse dispositivo não está ligado apenas à contribuição do empregado, haja vista a inexistência
de qualquer cláusula que assim o restrinja, ou seja, encerra alusão à contribuição previdenciária.
Tendo isso em conta, o Colegiado concluiu que cabe proceder à interpretação sistemática dos
diversos preceitos da CF. Dessa forma, se, de um lado, o art. 195, I, da CF disciplinava, antes da
Emenda Constitucional 20/1998, que o cálculo da contribuição era devido pelos empregadores a
partir da folha de salários; de outro, estes últimos, os salários, vieram a ser revelados, quanto ao
alcance, pelo citado § 4º (atual § 11) do art. 201 da CF. Pelo disposto, remeteu-se à remuneração
percebida pelo empregado, ou seja, às parcelas diversas satisfeitas pelo tomador dos serviços,
exigindo-se, apenas, a habitualidade.
RE 565160/SC, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29.3.2017. (RE-565160)
(Informativo 859, Plenário)
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Imunidades Tributárias
Componentes eletrônicos que acompanham livro e imunidade tributária - 5 A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal (CF), aplica-se ao
livro eletrônico (“e-book”), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.
A imunidade tributária da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF alcança componentes
eletrônicos destinados exclusivamente a integrar unidade didática com fascículos.
Com base nessas orientações, o Plenário, em conclusão, negou provimento a dois recursos
extraordinários, julgados em conjunto, nos quais discutido o alcance da imunidade prevista no art. 150,
VI, “d”, da CF, de modo a abarcar tanto componentes eletrônicos que acompanham e complementam
material didático impresso, utilizados em curso prático de montagem de computadores, quanto livros
eletrônicos — v. Informativo 753.
Em relação ao RE 330.817/RJ, o Tribunal assentou que o art. 150, VI, “d”, da CF não se refere
apenas ao método gutenberguiano de produção de livros e que o vocábulo “papel” não é essencial ao
conceito desse bem final. Consignou que o suporte das publicações é apenas o continente (“corpus
mechanicum”) que abrange o conteúdo (“corpus misticum”) das obras e, portanto, não é o essencial ou o
condicionante para o gozo da imunidade. Asseverou que os diversos tipos de suporte (tangível ou
intangível) que um livro pode ter apontam para a direção de que eles somente podem ser considerados
como elemento acidental no conceito de livro. Ressaltou que o livro não precisa ter o formato de códice
para ser considerado como tal. Reputou, de igual modo, dispensável, para o enquadramento do livro na
imunidade em questão, que seu destinatário (consumidor) tenha necessariamente que passar sua visão
pelo texto e decifrar os signos da escrita. Dessa forma, a imunidade alcança o denominado “audio book”,
ou audiolivro (livros gravados em áudio, seja no suporte CD-Rom, seja em qualquer outro). Essa
conclusão é harmônica com a teleologia da norma e está intimamente ligada à liberdade de ser informado,
à democratização e à difusão da cultura, bem como à livre formação da opinião pública.
Acrescentou que, relativamente aos livros eletrônicos, sua maior capacidade de interação com o
leitor/usuário (a partir de uma máquina), em comparação com os livros contidos nos códices, não cria
empecilho para o reconhecimento da imunidade tributária ao bem final. O aumento da interação parece
estar associado ao processo evolutivo da cultura escrita, ou seja, atualmente os livros eletrônicos
permitem uma busca quase que imediata de qualquer palavra no texto escrito e, até mesmo, o aumento ou
redução do tamanho de sua fonte. É possível, ainda, o compartilhamento de seu conteúdo com uma
infinidade de leitores, com um simples toque de botão (e acesso à internet). Portanto, é inegável a maior
facilidade de transporte e armazenamento do “e-book”.
O avanço na cultura escrita apontou para o advento de novas tecnologias relativas ao suporte dos
livros, como o papel eletrônico (“e-paper”) e o aparelho eletrônico (como o “e-reader”) especializados na
leitura de obras digitais, os quais têm justamente a intenção de imitar a leitura em papel físico. Eles estão
igualmente abrangidos pela imunidade em discussão, por equipararem-se aos tradicionais corpos
mecânicos dos livros físicos, mesmo que acompanhados de funcionalidades acessórias ou rudimentares,
como acesso à internet para “download” de livros digitais, dicionários, possibilidade de alteração de tipo e
tamanho da fonte, marcadores, espaçamento, iluminação do texto etc.
O argumento de que a vontade do legislador histórico foi restringir a imunidade ao livro editado em
papel não se sustenta em face da própria interpretação histórica e teleológica do instituto. Ainda que se
partisse da premissa de que o objetivo do legislador constituinte de 1988 tivesse sido restringir a
imunidade, seria de se invocar, ainda, a interpretação evolutiva, método interpretativo específico das
normas constitucionais. Os fundamentos racionais que levaram à edição do art. 150, VI, “d”, da CF
continuam a existir mesmo quando levados em consideração os livros eletrônicos, inequívocas
manifestações do avanço tecnológico que a cultura escrita tem experimentado. Consoante a interpretação
evolutiva da norma, eles estão inseridos no âmbito dessa imunidade tributária.
Em suma, o Plenário entendeu que a imunidade de que trata o art. 150, VI, “d”, da CF alcança o
livro digital (“e-book”). De igual modo, as mudanças históricas e os fatores políticos e sociais da
atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental,
justificam a equiparação do “papel”, numa visão panorâmica da realidade e da norma, aos suportes
utilizados para a publicação dos livros. Nesse contexto moderno, portanto, a teleologia da regra de
imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (“e-readers”) confeccionados
exclusivamente para esse fim, ainda que eventualmente equipados com funcionalidades acessórias ou
rudimentares que auxiliam a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do
tipo e tamanho da fonte e outros. Apesar de não se confundirem com os livros digitais propriamente ditos,
24
esses aparelhos funcionam como o papel dos livros tradicionais impressos, e o propósito seria justamente
mimetizá-lo. Estão enquadrados, portanto, no conceito de suporte abrangido pela norma imunizante.
Entretanto, esse entendimento não é aplicável aos aparelhos multifuncionais, como “tablets”,
“smartphones” e “laptops”, os quais são muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de
livros digitais. No caso concreto, o CD-Rom é apenas um corpo mecânico ou suporte e aquilo que está
nele fixado (seu conteúdo textual) é o livro, ambos abarcados pela imunidade do citado dispositivo
constitucional.
Nessa mesma linha foi a conclusão do julgamento do RE 595.676/RJ, nos termos do voto do
ministro Marco Aurélio (relator). Em aditamento ao voto proferido na sessão do dia 6.8.2014, o ministro
Marco Aurélio consignou que, tratando-se de apreciação de recurso sob o ângulo da repercussão geral,
implicando a observância da extensão do pronunciamento por juízes e tribunais do País, cabe ressaltar
que a imunidade não alcança a aquisição dos elementos eletrônicos se verificado — em um primeiro
momento, pelas autoridades fiscais competentes, e, se instaurado litígio, pelas instâncias judiciais
ordinárias, soberanas no exame das provas — o dissimulado propósito final de produção de bens para
consumo próprio ou ulterior comercialização.
RE 330817/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 8.3.2017. (RE-330817)
RE 595676/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.3.2017. (RE-595676)
(Informativo 856, Plenário, Repercussão Geral)
Limitação ao Poder de Tributar
Contribuição social do empregador rural sobre a receita da comercialização da produção É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física,
instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua
produção.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em
que se discutia a constitucionalidade do art. 25 da Lei 8.212/1991, com a redação dada pelo art. 1º da Lei
10.256/2001, que reintroduziu, após a Emenda Constitucional 20/1998, a contribuição a ser recolhida pelo
empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção,
mantendo a alíquota e a base de cálculo instituídas por leis ordinárias declaradas inconstitucionais em
controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Colegiado observou que a Lei 9.528/1997 incluiu no “caput” do art. 25 da Lei 8.212/1991 a
contribuição do empregador rural pessoa física, cuja base de cálculo é a receita bruta proveniente da
comercialização da produção. Como a receita bruta não figurava no elenco do art. 195, I, da Constituição
Federal (CF) como uma base de cálculo possível para a incidência de contribuições sociais, o STF, em
dois precedentes, concluiu pela inconstitucionalidade do emprego dessa base de cálculo, a qual somente
poderia ser instituída por lei complementar, nos termos do art. 195, § 4º, da CF.
Entretanto, com a Emenda Constitucional 20/1998, que incluiu a receita ao lado do faturamento
como uma materialidade passível de ser tributada para fins de financiamento da seguridade social (CF,
art. 195, I), passou a ser possível a instituição de contribuição patronal do empregador rural pessoa física
com base na receita bruta proveniente da comercialização da produção. Assim, a Lei 10.256/2001
reincluiu a figura do empregador rural pessoa física na disciplina já existente e em vigor para o segurado
especial — produtor rural que não tem empregados.
A Corte ressaltou que a norma impugnada, ao incluir um novo sujeito passivo no dispositivo de uma
lei que já existia e já definia claramente os elementos do fato gerador, a base de cálculo e a alíquota,
violou o princípio da legalidade.
Ademais, ao dar tratamento diferenciado para o produtor rural, o empregador rural pessoa física e o
empregador urbano pessoa física, a lei em questão não ofendeu o princípio da isonomia, pois, se assim
fosse, em nenhuma hipótese seria possível desonerar a folha de salários como política tributária.
Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e
Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso.
Pontuavam que o art. 1º da Lei 10.256/2001, ao recolocar o empregador rural pessoa física na
condição de contribuinte do tributo, sem dispor expressamente sobre os demais elementos da regra-matriz
de incidência tributária, de modo a aproveitar do binômio base de cálculo/fato gerador e da alíquota já
prevista para a figura do segurado especial, teria vulnerado a CF.
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Não seria possível conceber técnica legislativa que permitisse o aproveitamento das alíquotas e
bases de cálculo de contribuição social com inconstitucionalidade reconhecida pelo STF.
Consignavam que a Emenda Constitucional 20/1998 em nada teria alterado essa conclusão, pois
inviável reputar a validade de uma norma legal anteriormente considerada inconstitucional, em
decorrência de uma alteração formal da CF.
Além disso, haveria inconstitucionalidade material da norma impugnada também por patente
violação ao princípio da isonomia, em virtude de injustificado tratamento diferenciado conferido aos
empregadores pessoa física, a depender da ambiência do labor, se urbano ou rural.
Frisavam que também procederia a afirmação de que o empregador rural pessoa física seria
duplamente tributado, em razão da incidência simultânea de contribuições sociais, o que atrairia a
vedação ao “bis in idem”.
RE 718874/RS, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
em 29 e 30.3.2017. (RE-718874) (Informativo 859, Plenário) 1ª Parte : 2ª Parte: 3ª Parte:
Supremo Tribunal Federal Secretaria de Documentação - SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados - CJCD
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