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4 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 22 a 28 de setembro de 2008

CARMO GALLO NETTO

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consumo dos produtosnaturais que contêmsubstâncias com poten-cial farmacêutico ou me-dicinal nem sempre éacessível. Por outro la-

do, suas extrações esbarram muitasvezes em problemas práticos e de cus-to. Ademais, o emprego mais generali-zado dessas substâncias exige produ-ção em escala que, por sua vez, impõeeficiência e rapidez.

Constatações como essas levaramo professor Carlos Roque Duarte Cor-reia a manter grupo de pesquisa comenfoque em sínteses de substâncias or-gânicas naturais, com potencial de apli-cação nas áreas medicinal, farma-cológica ou funcional.

Nessas pesquisas, desenvolvidas noLaboratório de Sínteses de SubstânciasOrgânicas (LASSO), no Instituto deQuímica (IQ), trabalham atualmente 14estudantes de pós-graduação – 11mestrandos e doutorandos e três pós-doutorandos, um pesquisador colabora-dor e seis alunos de iniciação cientifica,alguns deles se dedicando ao estudo dassínteses da substância natural resvera-trol e análogos. É disso que fala comentusiasmo o professor Roque, que teveparte do trabalho publicado recente-mente na revista Tetrahedron Letters.

Segundo o docente, por meio de umprocesso de síntese, que corresponde auma arquitetura ou engenharia molecu-lar, montam-se moléculas, colocandocada parte no devido lugar, com vistasà maior atividade desejada em relaçãoà ação prevista e ao máximo de efici-ência em tempo e custo no processo deobtenção. “A introdução de grupos emmoléculas permite a obtenção de outrascom propriedades potencializadas ou atéausentes quando comparadas às subs-tâncias naturais a que se assemelham.Introduzindo determinado grupo emuma molécula, se consegue muitas ve-zes dar nova função a ela. Desenvolve-mos em nosso laboratório metodologiaspara isso”, esclarece o docente.

Como exemplo, o professor menci-ona o DMU-212, que é sintético, se-melhante à substância natural resvera-trol, mas que apresenta algumas van-tagens sobre a mesma. O resveratroltem uma ampla gama de atividadesfarmacológicas interessantes in vitro ein vivo, ou seja, em células isoladas eno organismo vivo. Já o DMU-212 sótem atividade in vivo. Acredita-se quecom o metabolismo ele produz deriva-dos do resverterol, daí a explicação denão funcionar in vitro, o que chamou aatenção do pesquisador.

Algumas vezes, diz Roque, “as mo-léculas já foram produzidas em outroslaboratórios, mas nós utilizamos umprotocolo de preparação diferente, queobjetiva sempre maior eficiência em re-lação aos métodos de obtenção descri-tos. Nossos alunos são estimulados adesenvolver metodologias melhores,que permitem produzir substâncias porprocessos menos longos, que possibi-litam maior controle e rendimento glo-bal. Essa é uma das funções do nossolaboratório. Trabalhando processos oudesenvolvendo novas moléculas, osalunos adquirem conhecimentos quesão levados para as indústrias farma-cêutica e química”.

Esclarecendo, diz que, no caso deuma molécula, eficiente em uma de-terminada ação, mas que apresenta si-multaneamente toxidade, podem-sefazer modificações estruturais de ma-neira a potencializar a ação e diminuiro efeito danoso. Para tanto, com vistasa um objetivo bem-definido, há neces-sidade de conhecimento químicoaprofundado e habilidade no laborató-rio. Isso tem acontecido com o resve-ratrol, molécula sobejamente conheci-da e que tem despertado grande inte-resse por causa da diversidade de ati-vidades que a levam a ser consideradaa molécula da longevidade.

O

Tudo começou com aspesquisas iniciais de alunos dedoutorado que tentavamreproduzir uma reação descritana literatura e que não vingouporque não conduziu aosrendimentos esperados. Sob aorientação de Roque,alternativas foram testadas. O

Pesquisadores do IQ buscam síntesede substâncias com potencial medicinal

Tem sido cada vez mais comum a identifi-cação de substâncias a que são atribuídasqualidades funcionais ou curativas, o que levapesquisadores a estudar seu real efeito e pro-cessos de síntese de forma a permitir sua utili-zação farmacêutica ou medicinal. O resveratrolé uma dessas substâncias que parecemmiraculosas, devido à variedade de proprieda-des e da importância dos efeitos que lhe sãoassociados. Ele é significativamente abundan-te no vinho tinto e, segundo pesquisas maisrecentes, no suco de uva. Sua ação benéficase revelou diante da constatação de que mes-mo povos que adotam uma alimentação muitorica em gorduras apresentam menor índice demortes por doenças cardíacas do que os deoutros países ocidentais. É o que acontecia naFrança. O “paradoxo francês”, como passou aser chamado, foi resolvido quando se desco-briu que os franceses tomavam vinho tinto dia-riamente durante as refeições.

Experimentos que se seguiram apontam oresveratrol como a molécula da longevidade.Possui forte ação antioxidante, capaz de neu-tralizar radicais livres presentes no organismo,especialmente inibindo a formação do coles-terol “ruim” e aumentando os níveis decolesterol “bom”. Sua ação anti-radicais livresimpede a oxidação do colágeno, que dá sus-tentação à pele e inibe a formação de rugas,retardando o envelhecimento.

Essa pequena molécula não-tóxica, bemtolerada pelo organismo, manifesta atividadecontra vários tipos de câncer – constituindo umdos mais eficazes agentes químicos preventi-vos –, apresenta atividade antiviral, protegecontra desordens inflamatórias, infarto domiocárdio e doenças cardíacas, e ajuda o con-trole do diabetes. A atividade de aumento dalongevidade parece estar associada a uma si-mulação, pelo resveratrol, de uma dieta de bai-xas calorias.

Essa diversidade de propriedades levoutambém ao estudo de análogos sintéticos doresveratrol, vários dos quais se mostraram po-tencialmente mais ativos. É o caso do étertrimetílico do resveratrol, do DMU-212, que apre-senta maior atividade do que a substância deorigem frente a várias linhagens de células can-cerosas humanas, com destacada atividadequímioprotetora, constituindo-se num agenteanticâncer superior ao resveratrol.

Vinho tinto e suco deuva contêm resveratrol

grupo apostou na que semostrou mais promissora. Elanão foi descoberta pela equipe,estava descrita na literatura,mas fora até então muito poucoexplorada. Ele conta:“Percebemos o potencial queela tinha e a melhoramos.Aperfeiçoada a metodologia,

começamos a aplicá-la emdiversas sínteses. A idéianasceu da necessidade deresolver um problemaespecífico, que as metodologiastradicionais não permitiamresolver de forma satisfatória.Um contínuo aperfeiçoamentoda metodologia nos permite hoje

a síntese de uma série decompostos. De uma forma ou deoutra, esse processo de catálisehomogênea é utilizado porquase todos os membros donosso grupo”.

O pesquisador esclarece queessa linha de pesquisa não seesgota, já que um achado leva a

outro. A mesma rota permite asíntese de outros derivadosoxigenados além do resveratol,que é considerado um polifenol,como compostos com maishidroxilas, análogos com gruposamina, com enxofre, com flúor,bastando que a rota sofra asdevidas adaptações.

A idéia das pesquisas surgiu diante da constatação de queo resveratrol vinha chamando a atenção – evidenciada pelasrecorrentes matérias publicadas em jornais e revistas e na pró-pria literatura, destacando seus mais variados efeitos para asaúde humana - e ainda de que a indústria tinha interesse emobtê-lo em quantidade. Isolá-lo do vinho ou de produtos natu-rais esbarrava na pequena quantidade, além do que o proces-so extrativo é custoso, laborioso e leva ao produto acompa-nhado de outros compostos, o que torna difícil obter a subs-tância na forma pura.

Acontece que já se conheciam processos sintéticos paraobtenção do resveratrol. Então, qual seria a novidade? Roqueexplica que a inovação está na forma muito direta e controladadesenvolvida no seu grupo de pesquisa: “Muitas das síntesesempregadas no resveratrol fornecem misturas de produtos ouconstituem processos mais longos. A metodologia desenvolvi-da no laboratório de sínteses de substâncias orgânicas se mos-trava perfeitamente adequada para a sua preparação e permi-tia obtê-lo de maneira direta e barata. Passei a idéia para adoutoranda Angélica Venturini Moro, que a desenvolveu emcolaboração com o graduando de iniciação cientifica FlávioSêga Pereira Cardoso e deu tudo muito certo. Produzimos oresveratrol em três etapas, de maneira limpa, com controle erendimento elevados”.

Outro resultado que interessou o pesquisador e o deixoumuito confiante foi a obtenção em uma única etapa e com gran-de rendimento do DMU-212, derivado sintético do resveratrol.A obtenção deste e de outros análogos levou à constataçãoque estes, em vários casos, se mostram mais ativos ou de

empregos mais interessantes que o próprio resveratrol.O pesquisador adotou a linha de pesquisa motivado na ob-

tenção de forma sintética de moléculas que revelam múltiplosefeitos benéficos à saúde, com potencial enorme na geração depatentes de fármacos ou medicamentos. E declara, entusias-mado: “Ficamos muito contentes por ter dado tão certo. Na rea-lidade os resultados suplantaram as nossas expectativas, poisalém de preparar o resveratrol em boa quantidade fizemos umasíntese curta, com total controle e ótimo rendimento. Produzi-mos também produtos derivados que, pelo indício que temos,apresentam propriedades semelhantes, pois vários deles já sãoutilizados nos EUA como suplementos alimentares na forma depílulas. Agora estamos em vias de produção em escala maiordessas várias substâncias para demonstrar a viabilidade dosprocessos, depois do que os patentearemos”.

O professor esclarece que para os derivados também foramusadas metodologias muito enxutas, em que se utilizam uma ouduas etapas envolvendo matérias-primas baratas, facilmenteadquiridas, pois rotineiramente utilizadas pelas indústrias quími-cas e farmacêuticas.

O resveratrol é produzido hoje principalmente pelo processo defermentação. Os processos de síntese ainda não têm sido utiliza-dos porque as rotas disponíveis levam a misturas e não são tãoeficientes. Muitas etapas levam a misturas de separação difícil ecara, o que o processo ora proposto elimina. Este foi a desafio. Ro-que entende que, com o aumento da demanda, a indústria co-meça a pensar na produção sintética, mas as rotas de que dis-põe não são apropriadas para a produção em escala. “Entende-mos que a nossa rota venha a resolver o problema”.

A inovação

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O professor Carlos Roque Duarte Correia (à direita), coordenador das pesquisas, e os alunos Angélica Venturini Moro e Flávio Sêga Pereira Cardoso: campo promissor

Foto: Antonio Scarpinetti

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