Universidade de Brasília
Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações
VI Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações
Monografia Final de Curso
JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO
PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE OUTORGAS
PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS E REDES DE
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL
Brasília – DF
2008
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 1
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
REITOR
Timothy Martin Mulholand
VICE-REITOR
Edgar Nobuo Mamiya
DECANO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Márcio Martins Pimentel
CENTRO DE POLÍTICAS, DIREITO, ECONOMIA E TECNOLOGIAS DAS COMUNICAÇÕES
DIRETOR
Murilo César Ramos
COORDENADORES DE ÁREA
(Comunicação) Murilo César Ramos
(Direito) Márcio Iorio Aranha e Ana Frazão
(Economia) Paulo Coutinho, André Rossi e Bernardo Mueller
(Engenharia) Humberto Abdalla Jr.
(Coordenação Administrativa) Luís Fernando Ramos Molinaro
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 2
JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO
Proposta de modelo convergente de outorgas para exploração
de serviços e redes de telecomunicações no Brasil
Monografia apresentada ao VI Curso de Especializaçãoem Regulação de Telecomunicações da Universidadede Brasília como requisito parcial à obtenção do graude Especialista em Regulação de Telecomunicações.
Orientador: Prof. Dr. José Leite Pereira Filho
Brasília – DF
2008
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 3
JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO
Proposta de modelo convergente de outorgas para exploração
de serviços e redes de telecomunicações no Brasil
Monografia final de Curso aprovada pela Banca Examinadora:
________________________________________Prof. Dr. José Leite Pereira Filho
Universidade de BrasíliaOrientador
________________________________________Engº. Jarbas José Valente
Superintendente de Serviços Privados, Anatel
________________________________________Prof. Bernardo Felipe Estellita Lins (MSc)
Universidade de Brasília
Brasília – DF2008
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 4
Ao meu pai (in memoriam).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Agência Nacional de
Telecomunicações pela consideração que tem dispensado à Câmara dos Deputados ao
viabilizar a participação de servidores da Casa no Curso de Especialização em
Regulação de Telecomunicações promovido pela Agência e ministrado pela
Universidade de Brasília. Da mesma forma, gostaria de estender minha gratidão à
Presidência da Câmara pela designação de meu nome para participar deste curso.
Gostaria ainda de destacar o apoio que me foi dado pelos colegas da
Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados que souberam compreender as
limitações impostas ao meu trabalho durante o transcorrer do curso, suprindo minhas
ausências em um período legislativo especialmente atribulado.
Em especial, não posso deixar de agradecer ao meu orientador,
Professor José Leite, que, mesmo diante dos compromissos e obrigações profissionais
inerentes ao cargo que exerce, desdobrou-se em contribuir para esta monografia, com a
apresentação de sempre bem-vindas sugestões no intuito de enriquecê-la. Estendo os
agradecimentos aos membros da banca examinadora, Jarbas José Valente e Bernardo
Felipe Estellita Lins, pela atenção que dedicaram a este trabalho.
Agradeço ainda o inestimável apoio de todas as pessoas que
colaboraram na elaboração desta monografia, em especial o Sr. Ara Apkar Minassian,
da Anatel, pelo fornecimento de dados e documentos que contribuíram
significativamente para o aprimoramento do trabalho.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 6
RESUMO
A abertura dos mercados de telecomunicações e o fenômeno da convergência tecnológica, ao mesmotempo em que proporcionaram imensos benefícios para o usuário dos serviços, também introduziramquestões desafiadoras para os reguladores. A opção por regimes de licenciamento neutros tem sido umadas alternativas adotadas por diversos países para lidar com esse ambiente de inovação. Neste trabalho,discutimos a viabilidade da instituição de um modelo de outorgas convergentes no Brasil em substituiçãoao sistema tradicional em vigor, baseado em tecnologias específicas. Para tanto, introduzimos algumasquestões indispensáveis para o entendimento do assunto, tais como: quais as finalidades da outorgaconvergente? Quais as suas vantagens e desvantagens? Como fazer a transição para o sistemaconvergente sem beneficiar ou prejudicar indevidamente operadoras estabelecidas e entrantes? Olicenciamento convergente é compatível com obrigações de acesso universal? Ele é autonomamentecapaz de aperfeiçoar o ambiente de competição? Quais são os limites da sua eficácia? Qual a implicaçãoda convergência regulatória sobre os direitos de uso de espectro de radiofreqüências? Eles podem sercompletamente desregulamentados? Qual a viabilidade da adoção da licença convergente no Brasil? Emque termos esse modelo poderia ser instituído no País? Ao analisá-las, chegamos à conclusão de que, àluz das experiências internacionais acumuladas sobre o assunto e das restrições impostas peloordenamento constitucional e legal brasileiro, é possível implantar um regime de licenciamento híbridono País, composto por licenças orientadas a tecnologias específicas e outorgas abrangentes,tecnologicamente neutras e aplicáveis a classes de serviços. Para tanto, propomos mudanças regulatóriasde exclusiva competência da Anatel, preservando-se o arcabouço legal e os contratos de concessão emvigor. Concluímos ainda que a manutenção do adequado balanço entre certeza regulatória e estímulo aodesenvolvimento de tecnologias e serviços inovadores demanda uma migração suave entre sistemas delicenciamento, de modo a preservar o interesse dos investidores e, ao mesmo tempo, potencializar osbenefícios proporcionados pela convergência. Para alcançar esse objetivo, é necessário aperfeiçoar nãosomente o regime de outorgas, mas também outros elementos cruciais do arcabouço regulatório, como adefinição dos serviços e seus respectivos regulamentos. Apresentamos ainda nossas considerações sobreas dificuldades que deverão ser contornadas para a aplicação do modelo híbrido de outorgas e asperspectivas de sucesso do modelo proposto. Por fim, sugerimos tópicos a serem abordados em trabalhosfuturos no sentido de promover a revisão dos serviços e regulamentos vigentes.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 7
ABSTRACT
The opening of the telecommunications markets and the phenomenon of technological convergence, atthe same time have provided immense benefits for the end-users, have also given rise to challengingquestions for regulators. The option for neutral licensing regimes has been one of the alternatives adoptedby several countries to cope with this scenario of innovation. In this work, the aim is to discuss theviability of using the model of converged licensing in Brazil to substitute the traditional system, based onspecific technologies. For such a task, some major questions have been put and discussed: which are thegoals of the converged licensing framework? Which are its advantages and disadvantages? How thetransition for the converged system can be done without causing unfair benefits or damages to incumbentsand incoming operators? Is the converged licensing compatible with universal access obligations? Is itcapable to improve the competition environment autonomously? Which are the limits of its effectiveness?What are the implications of the regulatory convergence on the spectrum usage rights? Can this use becompletely deregulated? Is the adoption of the converged licensing in Brazil viable, and in which terms?In analyzing these questions, we concluded that, enlightened by international experiences on one handand on the other considering restrictions imposed by Brazilian constitutional and legal system, it ispossible to introduce a hybrid licensing regime in Brazil, composed by technology-oriented specificlicences and wide-scope technology-neutral licenses, applicable to classes of services. Therefore, weproposed regulatory changes over which Anatel has exclusive competence, and that preserves the legalframework and the granting of contracts in force. We concluded that the necessary preservation of theappropriated balance between regulatory certainty and incentive to the development of innovativetechnologies and services demands a gradual migration between licensing systems, in a way thatpreserves investors' interests and, at the same time, potentialyzes the benefits of convergence. To reachthis aim, it is necessary to improve not only the licensing regime, but also other crucial elements of theregulatory framework, as the definitions of the services and their respective rules. We also presented ourconsiderations about the challenges that should be faced to accomplish the application of the hybridlicensing model and the perspectives of success of the proposed system. Finally, we suggested topics tobe addressed in future works to study the review of services and its regulations.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 8
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................ 05RESUMO.................................................................................................................06ABSTRACT............................................................................................................ 07SUMÁRIO...............................................................................................................08INTRODUÇÃO.......................................................................................................111. LICENCIAMENTO E CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA........................... 13
1.1 Conceitos básicos..................................................................................... 131.2 Impacto da convergência sobre o licenciamento de serviços...................20
2. ASPECTOS GERAIS DO LICENCIAMENTO DE SERVIÇOS.......................282.1 Histórico do licenciamento.......................................................................282.2 Finalidades do licenciamento................................................................... 312.3 Licenciamento no âmbito da Organização Mundial do Comércio...........372.4 Tendências do processo de licenciamento............................................... 38
2.4.1 Neutralidade tecnológica............................................................. 382.4.2 Flexibilização dos direitos de uso de espectro.............................392.4.3 Relaxamento de obrigações e taxas de licenciamento................. 392.4.4 Aderência a obrigações regulatórias............................................ 412.4.5 Simplificação de trâmites administrativos...................................412.4.6 Separação entre as regulações de telecomunicações e conteúdo 432.4.7 Regulação baseada na análise de poder de mercado....................43
3. MODELOS DE LICENCIAMENTO..................................................................453.1 Licenciamento baseado em serviços ou tecnologias................................ 453.2 Licenciamento baseado em classificações genéricas (classes)................ 473.3 Classificação única ou autorização geral................................................. 52
3.3.1 O regime de autorização geral da União Européia...................... 533.4 Modelo híbrido (múltiplas licenças convergentes).................................. 61
4. LICENCIAMENTO CONVERGENTE..............................................................634.1 Benefícios e desvantagens do modelo convergente de outorga............... 634.2 Eficácia do regime convergente............................................................... 674.3 Transferência de modelos de licenciamento............................................ 704.4 Transição entre regimes........................................................................... 72
5. USO DE ESPECTRO NO AMBIENTE DE CONVERGÊNCIA.......................805.1 Restrições à neutralidade tecnológica no gerenciamento de espectro......815.2 Tecnologias sem fio inovadoras...............................................................825.3 Aspectos do gerenciamento de espectro...................................................835.4 Vantagens e desvantagens do licenciamento de espectro........................ 85
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 9
5.5 Experiências internacionais......................................................................866. MODELO BRASILEIRO DE LICENCIAMENTO........................................... 89
6.1 Análise do modelo vigente.......................................................................896.2 Barreiras à implantação de modelo de licenciamento convergente......... 92
6.2.1 Lei Geral de Telecomunicações ..................................................926.2.2. Contratos de concessão...............................................................956.2.3 Lei do Cabo..................................................................................956.2.4 Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia............... 986.2.5 Constituição Federal.................................................................... 109
7. PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE OUTORGAS.....................1107.1 Premissas do modelo proposto.................................................................1117.2 Descrição do modelo................................................................................1147.3 Dificuldades de implantação do modelo convergente..............................123
7.3.1 Reação à redução das taxas administrativas................................ 1247.3.2 Reformulação de regulamentos e da estrutura da Agência..........1247.3.3 Capacidade decisória do regulador.............................................. 1257.3.4 Reação dos agentes econômicos.................................................. 126
7.4 Mapeamento de serviços.......................................................................... 1307.5 Evolução do modelo proposto..................................................................134
8 – CONCLUSÕES................................................................................................. 136GLOSSÁRIO...........................................................................................................144REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 147
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 10
TABELASTabela 2.1 Aspectos multidimensionais dos regimes de licenciamento..................29Tabela 4.1 Regimes de licenciamento convergentes............................................... 63Tabela 6.1 Diferenças regulatórias entre serviços de TV por assinatura.................96Tabela 6.2 Comparativo: Diretiva Autorização x Regulamento do SCM............... 107Tabela 7.1 Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel............. 125Tabela 7.2 Períodos efetivos dos mandatos dos conselheiros da Anatel.................126Tabela 7.3 Serviços de telecomunicações em vigor................................................ 131Tabela 7.4 Serviços de telecomunicações – revisão inicial.....................................133Tabela 7.5 Serviços de telecomunicações – revisão futura..................................... 135
FIGURASFigura 1.1 Dimensões do fenômeno da convergência tecnológica..........................17Figura 1.2 Evolução nos mercados promovida pela convergência..........................19Figura 2.1 Simplificação dos requisitos administrativos de licenciamento.............42Figura 6.1 Elementos da cadeia de valor dos serviços de telecomunicações.......... 89Figura 6.2 Regulamentação dos serviços de TV por assinatura.............................. 96Figura 6.3 Proposta da Anatel para agregação dos serviços de TV por assinatura. 97Figura 7.1 Diagrama em blocos do modelo proposto..............................................116Figura 7.2 Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel..............125Figura 7.3 Evolução do número de conselheiros da Anatel.................................... 126Figura 7.4 Etapas de implementação do modelo proposto...................................... 129
GLOSSÁRIOGlossário de Siglas.................................................................................................. 144
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 11
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, muitos países optaram pelo aperfeiçoamento de
seus regimes de licenciamento no intuito de adequá-los ao fenômeno da convergência
tecnológica. No entanto, a migração entre modelos de outorga não se trata de tarefa
trivial, sobretudo em nações emergentes, que são permanentemente demandadas a
sinalizar aos agentes externos a estabilidade de seus marcos regulatórios. Por esse
motivo, os processos de reforma dos sistemas de licenciamento são usualmente
implementados de forma suave, de modo a preservar o adequado equilíbrio entre certeza
regulatória e estímulo ao desenvolvimento de novos serviços.
O Brasil encontra-se diante desse desafio. Ao mesmo tempo em que
determinados agentes de mercado requerem do Poder Público dinamismo para implantar
mudanças imediatas no modelo de outorgas, o legado institucional impede o Estado de
adotar medidas que alterem abruptamente o sistema regulatório.
Diante desse quadro, no presente trabalho, buscamos apresentar uma
proposta de alteração no modelo de licenciamento brasileiro que, dentro de certos
limites, seja capaz de compatibilizar as demandas e interesses dos diversos atores do
mercado de telecomunicações – consumidores, reguladores e operadores.
No capítulo inicial, introduzimos conceitos básicos que serão
referenciados ao longo do trabalho, em especial ‘licenciamento’, ‘convergência’ e
‘neutralidade tecnológica’. A partir daí, examinamos aspectos do cenário de
convergência tecnológica e seus efeitos sobre o ambiente regulatório no Brasil e no
mundo.
No segundo capítulo, apresentamos breve histórico sobre o processo
de licenciamento para prestação de serviços de telecomunicações e uma análise sobre os
fundamentos e finalidades dos regimes de outorga. Descrevemos ainda as principais
tendências internacionais de aperfeiçoamento nas regras de licenciamento.
Em prosseguimento, o terceiro capítulo trata dos sistemas de outorga
de maior expressão em operação no mundo, com ênfase para o modelo tradicional,
baseado em tecnologias e redes específicas, e o regime de autorização geral adotado
pela União Européia.
O quarto capítulo aborda os benefícios e desvantagens dos modelos de
licenciamento convergentes, além dos resultados alcançados pelos sistemas
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 12
convergentes em operação no mundo, especialmente na Europa. O capítulo introduz
ainda questões relevantes relativas à transição entre regimes e à viabilidade de
transferência de modelos entre países.
No quinto capítulo, analisamos a problemática do tratamento de
recursos escassos no ambiente de convergência regulatória, e as formas com que os
países lidam com a matéria. Em adição, procedemos ao exame dos impactos das novas
tecnologias sem fio sobre o gerenciamento de espectro e os regimes de licenciamento.
No sexto capítulo, descrevemos o modelo de outorga de exploração de
serviços e redes de telecomunicações em vigor no País, e examinamos as restrições
constitucionais, legais, regulamentares, contratuais e institucionais à implantação de um
modelo integralmente convergente. O capítulo descreve o Serviço de Comunicação
Multimídia, apontando elementos referentes à sua gênese, restrições de abrangência e
perspectivas de consolidação desse serviço como instrumento de licenciamento
convergente.
No sétimo capítulo, com base nas experiências internacionais sobre a
matéria e nas metodologias recomendadas pela literatura especializada, arquitetamos
proposta de modelo híbrido de outorgas convergentes a ser adotado no País. São
identificadas as similaridades entre a conjuntura regulatória do Brasil e a de países que
enfrentaram obstáculos na transição rumo à implantação do regime convergente. A
proposta elaborada é acompanhada das premissas que a fundamentam, com destaque
para a principal delas, que consiste na preservação do arcabouço legal vigente e dos
contratos de concessão em vigor. Finda a análise, mapeamos os serviços existentes que
seriam incorporados por outorgas convergentes no modelo proposto e aqueles que
continuariam a ser prestados mediante outorgas específicas.
Na conclusão, apresentamos as considerações finais sobre o tema em
exame, incluindo as tendências mundiais de licenciamento e as perspectivas da
implantação do sistema convergente no Brasil nos moldes propostos no trabalho, bem
como os benefícios proporcionados por ele para os atores envolvidos, principalmente
operadoras e consumidores.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 13
1 – LICENCIAMENTO E CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA
Uma das principais tendências regulatórias no setor de
telecomunicações observada nos últimos anos consiste na gradual substituição dos
modelos de licenciamento tradicionais, vinculados a serviços, redes ou tecnologias
específicas, por regimes simplificados e tecnologicamente neutros.
Sob essa nova perspectiva, para prestar quaisquer serviços sob as mais
distintas plataformas, os operadores são submetidos a procedimentos sumários, no
intuito de reduzir barreiras à entrada no mercado e, conseqüentemente, contribuir para a
construção de um ambiente de maior competição.
Embora à primeira vista a evolução rumo a sistemas de licenciamento
convergentes possa parecer uma decisão governamental de cunho meramente
administrativo, ela implica significativas transformações de ordem regulatória.
Conforme assinala Walden (2005), o licenciamento é um aspecto chave da regulação de
telecomunicações, haja vista ser freqüentemente empregado como ferramenta para
moldar a estrutura de mercados e auxiliar na condução de políticas públicas para o setor.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que pode ser usado para garantir exclusividade na
prestação de serviços, o modelo de outorga também pode contribuir decisivamente para
a abertura de mercados. Além disso, outras variáveis também podem ser controladas
mediante licenciamento, tais como o ritmo da expansão da infra-estrutura, a diversidade
de serviços à disposição dos consumidores e os preços cobrados dos usuários.
Preliminarmente ao exame mais acurado de questões pertinentes ao
regime de licenciamento convergente, apresentaremos alguns conceitos e terminologias
que serão referenciados com freqüência ao longo deste trabalho.
1.1 Conceitos básicos
Licença, outorga, autorização, concessão e permissão
Segundo Flanagan (2005), na perspectiva etimológica, o termo
“licença” deriva do latim “licere”, cujo significado é “permitir”. Sob esse prisma, o
conceito de licença está vinculado à permissão que é concedida ao particular para dispor
de um direito. Na prática, porém, os regimes regulatórios praticados no mundo podem
também atribuir à licença características de caráter contratual entre o Estado e o
particular. Hatfield et Lie (2004a) compartilham dessa visão, ao descrevê-la como a
autorização governamental concedida a uma pessoa física ou jurídica para prover
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 14
serviços ou operar redes de telecomunicações, prestando-se ainda como código
regulatório definidor dos termos e condições sob as quais ela deve operar, dentre os
quais se incluem os direitos e obrigações do provedor.
Embora em muitos países as expressões “franquia”, “concessão”,
“permissão”, “autorização” e “outorga” sejam utilizadas para expressar esse mesmo
conceito, a rigor, elas podem possuir significados distintos. Enquanto a “licença” não
implica necessariamente o estabelecimento de um arranjo mercantil entre a instituição
licenciada e o ente estatal que a emite, em contraste, “concessão” ou “franquia”
geralmente refere-se a um acordo comercial estabelecido entre o governo (no caso da
concessão) ou a operadora nacional (no caso da franquia) e uma entidade privada para
construir e operar uma infra-estrutura (Hatfield et Lie, 2004a). O objetivo usual desse
arranjo é atrair investimentos privados na forma de financiamento, tecnologia e
profissionais qualificados.
Em geral, os governos recorrem a concessões ou franquias quando o
ordenamento jurídico impede que o setor privado seja proprietário ou opere redes de
telecomunicações diretamente, ou quando há necessidade de incentivar a iniciativa
privada para promover a expansão de redes em regiões de baixa rentabilidade. É o caso
dos contratos de concessão firmados no Brasil entre a Agência Nacional de
Telecomunicações – Anatel – e as prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado –
STFC –, em que as companhias detêm o direito de exploração das redes estatais de
telefonia fixa em contrapartida, entre outras obrigações, ao cumprimento de metas de
universalização.
Em que pese a sua vasta utilização na literatura, os termos “licença” e
“outorga” não são claramente conceituados na legislação brasileira de
telecomunicações. Quanto às licenças, a Lei Geral de Telecomunicações – LGT –, no
caput do seu art. 162, apenas dispõe que “A operação de estação transmissora de
radiocomunicação está sujeita à licença de funcionamento prévia e à fiscalização
permanente, nos termos da regulamentação”. Com relação à outorga, o termo é
utilizado na LGT para designar o instrumento que assegura ao interessado o direito de
concessão ou permissão para prestação de serviços de telecomunicações, ou mesmo
autorização para uso de radiofreqüências.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 15
Por sua vez, os conceitos de “concessão”, “permissão” e “autorização”
são expressamente discriminados no parágrafo único do art. 83, no parágrafo único do
art. 118 e no § 1° do art. 131 da LGT, respectivamente:
Lei n° 9.472/97:
”Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de suaprestação, mediante contrato, por prazo determinado, no regimepúblico, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais,remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outrasreceitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigaçõese pelos prejuízos que causar.”
“Permissão de serviço de telecomunicações é o ato administrativopelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço detelecomunicações no regime público e em caráter transitório, até queseja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado.”
“Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativovinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidadede serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condiçõesobjetivas e subjetivas necessárias.”
A “consignação” de uma radiofreqüência, faixa ou canal de
radiofreqüências é definida no inciso XII do art. 4° do Regulamento de Uso do Espectro
de Radiofreqüências como:
Anexo à Resolução n° 259, de 19 de abril de 2001, da Anatel:
“o procedimento administrativo da Agência que vincula o uso de umaradiofreqüência, faixa ou canal de radiofreqüências, sob condiçõesespecíficas, a uma estação de radiocomunicações”.
Cabe ressaltar que a maioria dos doutrinadores brasileiros salienta a
natureza sui generis dos conceitos de concessão, permissão e autorização estatuídos pela
LGT. Di Pietro (2005) assinala que eles se afastam da conceituação tradicional do
direito administrativo brasileiro e do sistema constitucional. Primeiramente, porque a
Lei Geral estabelece uma gradação entre esses institutos em função do grau de
participação ou de controle do Poder Público na execução do serviço delegado ao
particular, em contraste com a doutrina. Em segundo lugar, porque a doutrina clássica
atribui à autorização as características de unilateralidade, discricionariedade e
precariedade, incompatíveis com o disposto na LGT, que a define como ato
administrativo vinculado. Por esse motivo, ao comentar a definição de autorização
estabelecida pela LGT, Di Pietro (2005, p.153) destaca que:
“a doutrina do direito administrativo brasileiro é praticamente unânime em distinguirautorização e licença pela discricionariedade da primeira e pela vinculação dasegunda. No caso de que se trata, tem-se que entender que o vocábulo autorização,na Lei n° 9.472, foi utilizado indevidamente, no lugar de licença”.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 16
Considerando que as expressões “licença” e “outorga” não são
claramente definidas na legislação brasileira de telecomunicações, doravante neste
trabalho os empregaremos em seu sentido mais amplo, isto é, para designar a permissão
conferida pelo Poder Público ao particular para prover serviços ou operar redes de
telecomunicações.
Convergência tecnológica
O Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das
Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação
e às suas Implicações na Regulamentação, publicado em 1997 pela Comissão
Européia1, caracteriza convergência como:
“a capacidade de diferentes plataformas de rede servirem de veículo a serviçosessencialmente semelhantes, ou a junção de dispositivos do consumidor como otelefone, a televisão e o computador pessoal”.
Segundo Pereira Filho (2005b, p.5), a conceituação de convergência
se funda em dois elementos principais. O primeiro deles é o da substitutibilidade
percebida pelo usuário, que deriva da capacidade de que as novas tecnologias dispõem
de “oferecer os mesmos serviços através de múltiplas plataformas”. Esse é caso da
comunicação de voz, que pode ser provida tanto por intermédio de telefonia fixa quanto
móvel, entre outras plataformas. O segundo é o da integração, que pressupõe a
“possibilidade de oferecer serviços mais atraentes pela integração de serviços
anteriormente distintos”, a exemplo do computador pessoal com acesso à banda larga,
que dispõe do potencial de servir de suporte para comunicação de voz, vídeo, áudio e
dados.
Narayan et alii (2004) apontam como os principais fatores
tecnológicos que estimulam a convergência: a) o expressivo desenvolvimento das
tecnologias sem fio, que têm permitido o aumento da banda útil de radiofreqüências
para aplicações de comunicações; b) desenvolvimento de tecnologias e aplicativos
multimídia avançados que estão sendo incorporados às redes e equipamentos de
comunicações; c) desenvolvimento de plataformas tecnológicas abertas, que ampliam o
universo de produtos e serviços colocados à disposição do usuário; d) substituição das
redes comutadas a circuito por redes a pacotes, consolidada principalmente sob a forma 1 COMISSÃO EUROPÉIA. Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das Telecomunicações,dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 17
do crescimento do uso da tecnologia IP2; d) desenvolvimento de equipamentos
terminais de múltiplo uso, e e) possibilidade de uso de uma mesma rede para
provimento de uma grande variedade de serviços.
Embora não haja definição universal do que seja convergência, é
unânime a concepção de que se trata de fenômeno que não pode ser analisado somente a
partir da sua vertente tecnológica, pois traz consigo implicações de natureza regulatória
e de mercado, que se encontram entrelaçadas. Ademais, é possível vislumbrá-la sob as
diversas dimensões da cadeia produtiva do mercado de telecomunicações, incluindo o
provimento de serviços, a industrialização de equipamentos terminais e a operação das
redes de distribuição de sinais, conforme ilustrado no diagrama na figura 1.1.
Provedores de Serviços
Radiodifusão
Telefonia móvelTV a cabo
Telefonia fixa
Energia elétrica
Equipamentos terminais
Telefone celular
Televisão
Computador Telefone fixo
Set-top box
Estratégia de mercado
Fusões/ incorporação
Operação integrada
PacoteTarifa plana
Infra-estrutura de distribuição
Cabo de energia
Fibra ótica
Cabo coaxial
Par trançadoSatélite
Microondas
Figura 1.1 – Dimensões do fenômeno da convergência tecnológicaFonte: adaptado de Narayan et alii (2004)
Regulamentação. Lisboa: Anacom, 1997. p.9. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=2788&contentId=13608 (Consultado em 04.10.2007).2 Acrônimo de Internet Protocol.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 18
No que concerne aos equipamentos terminais, a convergência pode ser
ilustrada pela proliferação de aparelhos capazes de executar funções que anteriormente
demandavam dispositivos específicos. É o caso dos telefones celulares que permitem,
além da comunicação de voz, a recepção de programações de TV e a comunicação pela
Internet. A mesma tendência tem sido observada nas infra-estruturas de distribuição,
com a rápida migração para redes baseadas no protocolo IP, que permitem o tráfego de
conteúdos de naturezas diversas.
Em contraste, as infra-estruturas de acesso – a chamada última milha –
se diversificaram. Enquanto as redes de acesso em meio guiado mais populares
empregam tecnologias como o DSL3, o modem-cabo e o FTTH4, as soluções sem fio
oferecem várias outras opções de comunicação. A conseqüência desse cenário é que
grande parte dos usuários já dispõem de alternativas para a tecnologia de última milha
no provimento dos serviços de banda larga, comunicação de voz e televisão por
assinatura.
Em relação à evolução dos mercados, a convergência promoveu
drásticas transformações ao permitir que segmentos específicos que não competiam
entre si pudessem ser integrados. Esse movimento decorreu, dentre outros motivos, do
fenômeno da substituição fixo-móvel, que induziu as operadoras de telefonia fixa a
buscar novos nichos de mercado, como a comunicação de longa distância, provimento
de banda larga e oferta de conteúdos audiovisuais.
Dessa forma, a necessidade de diversificação de mercado e de atração
de novos clientes atuam como fatores que incentivam e realimentam a convergência,
sobretudo porque o usuário passou a ter expectativa crescente de contar com serviços
integrados. Assim, criou-se ambiente propício tanto para o crescimento de ofertas de
pacotes “triple-play”5 quanto para a aceleração do processo de fusões e aquisições de
provedores de serviços, operadores de infra-estrutura e fabricantes de equipamentos,
que até há alguns anos pertenciam a grupos empresariais distintos. Essas mudanças
foram sintetizadas no diagrama ilustrado na figura 1.2, que assinala que a estrutura
3 Acrônimo de Digital Subscriber Line, que representa a família de tecnologias que permitem atransmissão digital de dados através da rede de telefonia fixa.4 Acrônimo de Fiber-to-the-Home, tecnologia de última milha de serviços de comunicação de dadosatravés de fibras ópticas.5 Conceito que remete à prática de mercado de ofertar ao consumidor, em um mesmo pacote comercial, osserviços de telefonia, acesso de banda larga à Internet e televisão por assinatura.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 19
vertical dos mercados do final do século XX migrou para o ambiente horizontalizado de
convergência no novo milênio.
Figura 1.2 – Evolução nos mercados promovida pela convergênciaFonte: adaptado de Pereira Filho (2006) e Singh (2007)
Sob o prisma da regulação, um das principais implicações da
convergência consiste na gradual submissão da prestação dos serviços de
telecomunicações a regimes de licenciamento simplificados, conforme será explorado
posteriormente neste trabalho.
Por sua vez, do ponto de vista do consumidor, o editorial publicado
pelo jornal The New York Times, em 13 de agosto de 2006, refletiu com clareza e
concisão o sentimento do novo usuário dos serviços de comunicação eletrônica perante
a convergência: “A televisão se desintegrou. Tudo que restou foi o telespectador”.
Neutralidade tecnológica
Segundo Narayan et alii (2004), entende-se como neutralidade
tecnológica a capacidade de que o operador de telecomunicações dispõe para escolher a
tecnologia, a infra-estrutura e os equipamentos que serão empregados por ele e por seus
usuários na prestação de determinado serviço.
Conquanto seja usual a associação entre neutralidade tecnológica e
neutralidade de serviços, tais conceitos não se confundem. Um caso típico de
Serviço
Rede
Acesso
Terminal
TV acabo
Telefonia fixa
Telefoniamóvel
Radio-difusão
Serviço
Rede
Acesso
Terminal
Aplicações multimídia (e-mail, TV, web, voz)
Redes da nova geração (NGN)
Híbridos (fixo-móvel, celular-TV, 3G-Wimax, PDA)
TV aCabo
xDSL2G 3G4G
Radiodifusão
ServiçoFixo
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 20
neutralidade tecnológica sem neutralidade de serviços ocorre quando o regulador
expede uma licença para exploração de serviço móvel – que se trata de um serviço
específico – mas não impõe a tecnologia para a sua prestação, facultando ao operador o
uso de GSM e CDMA6.
Por outro lado, um exemplo de licenciamento neutro dos pontos de
vista tecnológico e de serviços se dá quando o regulador é instado a aplicar recursos de
universalização em projetos de comunicação de voz, vídeo e dados em banda larga e,
para tanto, não estabelece nem a tecnologia nem a arquitetura a serem empregadas.
Portanto, caberá à operadora a escolha da solução mais eficiente, que poderá recair
dentre as várias alternativas tecnológicas disponíveis – telefonia móvel celular, sistema
VSAT7, fibra óptica, fio de cobre ou mesmo uma combinação de soluções.
1.2 Impacto da convergência sobre o licenciamento de serviços
Até o final do século XX, os serviços de telecomunicações eram
preponderantemente definidos a partir das redes de transporte especializadas que os
suportavam com exclusividade. A definição do serviço de telefonia fixa no Brasil,
estabelecida pelo inciso XXIII do art. 3° do Regulamento do STFC, expressa com
precisão essa realidade, ao vinculá-lo com a tecnologia empregada para prestá-lo:
Anexo ao Regulamento n° 426, de 9 de dezembro de 2005, da Anatel:
“XXIII - Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso dopúblico em geral (STFC): serviço de telecomunicações que, por meiode transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicaçãoentre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia;”
Porém, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, qualquer tipo
de informação – seja ela voz, imagem, vídeo, texto, dados ou qualquer forma de
expressão – tornou-se passível de codificação binária. Como conseqüência dessa
situação, qualquer rede digital de comunicação tornou-se apta a transportá-la. Essa
tendência conduziu à gradual desvinculação dos serviços de telecomunicações de suas
redes correspondentes.
Essa transformação, ao mesmo tempo em que potencializa benefícios
para consumidores e operadoras, também representa significativo desafio para os
reguladores, em virtude da tensão criada entre promover o desenvolvimento de novas
tecnologias e a necessidade de solucionar os conflitos gerados por elas. Por um lado, dar 6 Acrônimos de Global System for Mobile Communications e Code Division Multiple Access,respectivamente.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 21
condições para a açodada entrada no mercado de tecnologias ainda não maduras pode
dar margem à prestação de serviços inadequados ou que frustrem a expectativa dos
consumidores. Pelo outro, restringir a sua expansão pode desestimular a inovação e
prejudicar a diversidade de serviços e a competição.
Diante do dinamismo das mudanças tecnológicas, os elaboradores de
políticas públicas são constantemente instados a promover evoluções nas práticas de
licenciamento para que a regulação não se torne um obstáculo para o desenvolvimento
do setor, visto que a preservação de requisitos desnecessários, onerosos e complexos
pode levar à subutilização do potencial das redes. Segundo Narayan et alii (2004), é
crescente a percepção de que a classificação de licenças com base em tecnologias
específicas pode impedir a alocação eficiente de recursos, inibindo a introdução de
novas soluções para prestar serviços idênticos ou similares aos já existentes. Em
princípio, ao limitar a entrada no mercado com fundamento em artifícios meramente
administrativos, o regulador estará contrariando seu objetivo mais usual, que consiste
em criar condições para ofertas de serviços ao consumidor de boa qualidade e a preços
módicos, mediante o uso de redes modernas e em ambiente competitivo.
A reação a dilemas como esse já se manifesta de forma proeminente
nas nações desenvolvidas. Considerando não haver mais justificativas técnicas para
diferenciar serviços com base na rede que transporta os sinais, muitos países
aperfeiçoaram seus marcos regulatórios no intento de acompanhar a convergência
tecnológica. Nesse sentido, abandonaram os regimes de outorgas definidas a partir do
conteúdo acessado ou do tipo de infra-estrutura empregada e passaram a adotar modelos
convergentes – assunto que será objeto de exame detalhado no próximo capítulo deste
trabalho.
Não obstante a miríade de soluções encontradas para adaptação a esse
novo cenário, muitas questões ainda permanecem em aberto. Uma inovação que tem
merecido especial atenção dos responsáveis pela elaboração de políticas regulatórias diz
respeito à regulamentação do VoIP8, tecnologia com potencial de alterar drasticamente
o status quo da indústria global de comunicação. Levando em consideração que as redes
de banda larga permitem o compartilhamento de diferentes aplicações, os operadores de
7 Acrônimo de Very Small Aperture Terminal.8 Acrônimo de Voice over Internet Protocol, ou Voz sobre Protocolo da Internet, que consiste noroteamento da comunicação de voz através de redes de computadores mediante o uso do protocolo detransmissão de dados da Internet.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 22
VoIP dispõem da capacidade de oferecer serviços de voz ao usuário final a preços muito
mais acessíveis do que companhias telefônicas tradicionais. Essa situação tem gerado
um contencioso que acaba por desaguar no debate sobre a definição da natureza do
VoIP como serviço de informação ou de telecomunicações, sobretudo porque muitos
países – como é caso dos Estados Unidos – regulam esses segmentos de forma
completamente distinta.
Para enfrentar essa situação, é possível adotar diversas estratégias. No
Canadá, foi obedecido o princípio da neutralidade tecnológica, de modo que, a partir de
2005, a telefonia VoIP foi classificada como funcionalmente equivalente a outros
serviços de telecomunicações de voz e, dessa forma, submetida a regulação similar,
inclusive no que concerne à contribuição para o fundo de universalização (de La Torre
et Maddens, 2004).
No Japão, conforme assinalam Cohen et alii (2006), os provedores de
VoIP são submetidos a regulação mínima. Caso o operador ofereça qualidade de serviço
igual ou superior à do serviço de telefonia fixa, ele poderá utilizar o plano de numeração
da rede pública. Os preços não são regulados, e os provedores são obrigados a pagar
tarifas de acesso caso terminem chamadas na rede pública.
Na mesma linha, nos Estados Unidos, a tendência é de não impor
regulações rígidas ao serviço. Não obstante o debate sobre o assunto ainda encontrar-se
em curso naquele país, mesmo onde os serviços de VoIP fazem troca de tráfego com a
rede pública, há regulação apenas em relação a chamadas de emergência e interceptação
legal de comunicação.
Cohen et alii (2006) esclarecem ainda que, embora as formas de lidar
com a regulação do VoIP sejam as mais variadas, a experiência empírica demonstra que
a abordagem que proporciona menores benefícios é aquela que mantém o VoIP à
margem da legalidade, haja vista limitarem os resultados alcançados pelos tecnologia.
Além de tolher o desenvolvimento de uma tecnologia que tem se revelado eficiente, a
sua proibição implica fiscalização custosa por parte do órgão regulador. Além disso, a
existência de um mercado “cinza” acaba por favorecer empresas que operam
ilicitamente, haja vista não serem obrigadas a recolher taxas, impostos e contribuições
para fundos de universalização, como o são as companhias legalmente autorizadas.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 23
Outro conflito recente decorrente do desenvolvimento das tecnologias
IP aflorou quando algumas operadoras de banda larga passaram a demandar o direito de
sobretaxar as provedoras de aplicações na Internet que demandam condições especiais
de banda, qualidade de serviço e tempo de resposta. Embora se possa vislumbrar
fundamento nos argumentos apresentados pelas prestadoras de banda larga, ao acatar
suas demandas, o regulador pode limitar a inovação e a competição, sobretudo se a
operadora construir redes paralelas concorrentes e der tratamento diferenciado a elas.
Nos Estados Unidos, o relatório publicado em 6 de setembro de 2007 pelo
Departamento de Justiça que recomenda à Federal Communication Commission – FCC
– o estabelecimento de limites à neutralidade de redes9 revela que o debate sobre o
assunto ainda se encontra em estágio de maturação.
Dorward et Rogers (2004) salientam que a forma de licenciamento dos
serviços que empregam a tecnologia Wimax – World Interoperability for Microwave
Access Forum – padrão WLAN10 IEEE11 802.16 – soma-se a outras questões críticas
ainda não solucionadas pelos reguladores. Com o desenvolvimento da característica de
mobilidade para essa plataforma, bem como dos protocolos de comunicação de voz e
dados sobre ela, as operadoras que desembolsaram vultosos volumes de recursos para
prestar serviços da terceira geração de comunicação móvel – 3G – se vêem ameaçadas
pela concorrência do Wimax. Ainda não há posição consensual entre os reguladores a
respeito da conveniência ou não do estabelecimento de instrumentos de proteção às
companhias de 3G, seja mediante cobrança de altas taxas de entrada para operadoras
que usem Wimax ou por meio de restrições à mobilidade para os serviços prestados
com essa tecnologia.
Outro ponto ainda em aberto diz respeito à necessidade de
licenciamento dos serviços que utilizem tecnologias baseadas no padrão IEEE 802.11(b)
– mais conhecidas como WiFi12 –, como é o caso dos hotspots públicos que oferecem
comunicação por meio dela. Em países como o Brasil e os Estados Unidos, o WiFi pode
9 DEPARTMENT OF JUSTICE – USA. Department of Justice comments on “network neutrality” infederal communications commission proceeding. Washington-DC: DoJ, 2007. [on line] Disponível naInternet via WWW. URL: http://www.usdoj.gov/atr/public/press_releases/2007/225782.pdf. (Consultadoem 16.10.2007).10 Acrônimo de Wireless Local Area Network.11Acrônimo de Institute of Electrical and Electronic Engineers.12Acrônimo de Wireless Fidelity.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 24
ser operado de forma não licenciada nas faixas de 2,4 GHz e 5 GHz13. Em 2003, a
União Européia adotou recomendação que instava os países membros a facilitar o uso
de WLANs públicas como forma de expandir o acesso em banda larga. Nesse sentido,
na França, os provedores de acesso WLAN públicos nas freqüências de 2,4 GHz e 5
GHz não estão sujeitos a licenciamento, bastando que encaminhem uma declaração ao
regulador para que possam operar (de La Torre et Maddens, 2004). Alguns países
adotaram uma postura ainda mais liberalizante em relação à matéria: em Cingapura, a
operação dos serviços que empregavam a faixa de 2,4 MHz foi deslocada para outras
bandas no intuito de facilitar o uso não licenciado do WiFi.
Outro aspecto relevante diz respeito ao uso de recursos de numeração.
Embora muitos países já tenham adotado regulamentação que assegura ao usuário o
direito à portabilidade, grande parte deles ainda não a adequou para o ambiente de
convergência de serviços, permitindo apenas a migração de códigos numéricos entre
redes de mesma natureza. Nos Estados Unidos, o conceito de portabilidade é
abrangente, pois prevê que um número telefônico originalmente pertencente à rede fixa
possa ser transferido para uma prestadora móvel, e vice-versa. Em nações como o
Brasil, em que a diferença entre a tarifação de ligações efetuadas para redes fixas e
móveis é relativamente alta, justifica-se a adoção do sistema de portabilidade restrita,
sob o argumento de que o usuário tem o direito de conhecer previamente o tipo de
serviço – e, conseqüentemente, o custo aproximado da ligação – provido pela rede do
usuário para o qual a ligação se destina.
Nesse contexto, merece destaque a iniciativa de países como Austrália
e Coréia do Sul, que já deflagraram projetos piloto de sistemas ENUM14 – protocolo de
mapeamento entre números telefônicos da rede pública para nomes de domínio em
ambiente IP (de La Torre et Maddens, 2004). O sucesso de experiências desse gênero
pode se constituir em embrião para a interoperabilidade e convergência numérica
generalizada entre serviços.
No Brasil, o anacronismo das licenças baseadas em tecnologias
específicas aflora freqüentemente na atividade regulatória em situações cotidianas, que
expressam a necessidade de aperfeiçoamento de mudanças no regime adotado pelo País.
Em passado recente, a Anatel deparou com um caso simples, mas que descreve com 13 No Brasil, embora as freqüências sejam não licenciadas, há o requisito de obtenção de autorização paraprestar o serviço – por exemplo, o Serviço de Comunicação Multimídia.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 25
precisão esse cenário. Uma operadora de serviço de TV por assinatura que emprega a
tecnologia MMDS15 para a transmissão de suas programações ofertava pacotes a seus
usuários com qualidade satisfatória. Ocorre que a construção de altos prédios ao redor
das residências de alguns assinantes passou a criar problemas de recepção de sinal. A
solução adotada pela operadora foi a captação dos sinais transmitidos via microondas
através de uma “antena coletiva”, para posterior retransmissão para essa pequena
parcela de usuários por meio guiado. Como a “distribuição de sinais de vídeo e/ou
áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos” é caracterizada pela
legislação brasileira16 como serviço de TV a cabo, a prestadora foi obrigada a abster-se
de continuar a oferecer a referida solução para seus clientes, visto que detinha outorga
apenas para prestação de serviços de MMDS – e não de TV a Cabo.
Ainda em relação ao ambiente regulatório brasileiro, muitas outras
questões, ainda mais desafiadoras, instigam a busca por soluções capazes de aperfeiçoar
o marco regulamentar em vigor. Nesse contexto, alguns temas relacionados à TV digital
merecem especial destaque. O Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre –
SBTVD-T –, na forma em que foi concebido17, prevê a consignação de canais de seis
MHz de largura para cada emissora, bem como a opção da multiprogramação, que
permite a transmissão de programas distintos e simultâneos na mesma banda de
espectro. Porém, o próprio Ministério das Comunicações admite que, em razão de
embaraços de ordem legal e constitucional, as atuais outorgatárias do serviço de
radiodifusão de sons e imagens não estão habilitadas a fazer uso do recurso da
multiprogramação, mesmo que isso represente uso ineficiente do espectro. Caso a
emissora desenvolva plano de negócios que se aproveite dessa subutilização do espectro
mediante oferta remunerada de conteúdo por evento (“pay per view”), o ordenamento
jurídico a bloqueará, visto que o canal foi atribuído a ela apenas para transmissão de
audiovisual de forma livre e gratuita, sendo vedado, portanto, o seu uso para venda de
serviços a assinantes. Dessa forma, mesmo dispondo-se de solução técnica viável,
demanda do consumidor pelo serviço, modelo de negócios consistente e disposição em
promover o uso eficiente do espectro, do ponto de vista da regulação não será possível
prestar o serviço.
14Acrônimo de Telephone Number Mapping.15 Acrônimo de Multichannel Multipoint Distribution Service.16 Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995, mais conhecida como “Lei do Cabo”.17 As diretrizes do SBTVD-T foram estabelecidas no Decreto Presidencial nº 5.820, de 29.06.2006.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 26
A vedação ao uso generalizado da tecnologia VoIP sobre as redes de
banda larga de propriedade das operadoras de telefonia fixa é outra questão que
demanda atenção do regulador. Por um lado, é possível argumentar que o surgimento de
novas tecnologias se constituiria em risco natural de mercado para as concessionárias,
não cabendo à Anatel o estabelecimento de medidas para protegê-las. Nesse contexto, a
manutenção de barreiras supostamente artificiais à prestação do STFC mediante uso do
VoIP afigura-se como elemento dos mais relevantes nesse debate sobre a
regulamentação do emprego dessa tecnologia.
A Agência tem se mostrado especialmente cautelosa em relação à
matéria, sobretudo porque as concessionárias estão submetidas a condições especiais de
prestação de serviço, contando com obrigações de continuidade e universalização que
não podem ser desconsideradas. Sendo assim, o estabelecimento de critérios que
garantam a adequada remuneração das redes empregadas pelos operadores de VoIP
também afloram como componentes cruciais nessa análise.
A integração tecnológica dos serviços de telefonia fixa e móvel
constitui-se em outro tema que desperta interesse dos especialistas em regulação de
telecomunicações. No Brasil, esse assunto é de especial relevância porque se tratam de
serviços que podem ser prestados sob regimes jurídicos distintos, o que dificulta
enormemente a agregação entre eles, ao menos sob o prisma regulatório.
É possível vislumbrar ainda diversos outros desafios para os
reguladores decorrentes da convergência. Dentre eles, Bogdan-Martin et alii (2004)
apontam a flexibilização no gerenciamento de espectro, a redefinição das taxas de
licenciamento, o estabelecimento de normas que assegurem condições para justa
competição e a modernização das políticas públicas de universalização.
Infere-se, portanto, que a regulamentação brasileira – assim como a da
maioria dos países – ainda não está suficientemente preparada para adequar-se ao
fenômeno da convergência. Levando em consideração a imprevisibilidade dos avanços
tecnológicos, e que os reguladores não dispõem, em regra, da agilidade necessária para
acompanhar a velocidade das inovações técnicas e de mercado, vem se tornando mais
clara a percepção de que a regulação deve ser flexibilizada e tornada mais leve e neutra
do ponto de vista tecnológico.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 27
Embora pareça ser evidente a tendência de flexibilização do processo
de licenciamento, a questão que se coloca é qual o tipo de arcabouço mais adequado
para a realidade brasileira. A calibração correta entre relaxamento de barreiras à entrada
de novos operadores e preservação de instrumentos de controle e monitoração sobre os
mercados revela-se hoje como um dos principais desafios dos responsáveis pela
regulação do setor.
Ademais, o processo de migração em direção a regimes de
licenciamento inovadores conduz a riscos e incertezas que nem sempre são passíveis de
respostas conclusivas e imediatas. O real impacto dos modelos convergentes de outorga
sobre a complexidade da regulamentação, a qualidade dos serviços, a diversidade de
operadores, o custo das tarifas para o consumidor, o processo de fiscalização e o
desenvolvimento de novas tecnologias e aplicações ainda representa um questão que
permanece em constante exame pelos especialistas em regulação no Brasil e no mundo.
Por fim, é oportuno salientar que a convergência demanda não
somente a reforma do modelo de licenciamento, mas também do conjunto completo de
práticas e princípios regulatórios, conforme abordaremos posteriormente neste trabalho.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 28
2 – ASPECTOS GERAIS DO LICENCIAMENTO DE
SERVIÇOS
2.1 Histórico do licenciamento
No início do século XX, a monopolização dos serviços de
telecomunicações nos Estados Unidos por empresas privadas foi acompanhada pela
criação de órgãos reguladores com o objetivo de proteger o interesse público, focados
sobretudo na prevenção da cobrança de tarifas abusivas e das condutas consideradas
injustamente discriminatórias.
Enquanto isso, em muitos outros países, a prestação de serviços era
atribuída a operadoras estatais. De acordo com Narayan et alii (2004), essas entidades
operavam os serviços sem necessidade de autorização legal bem delimitada, ou sob o
abrigo de uma única licença que integrava todos os serviços prestados. Nesse caso, à
medida que novas tecnologias eram desenvolvidas e ofertadas ao público – como é o
caso dos serviços de dados e fax –, o operador monopolista as provia mediante essa
licença. Sob esse prisma, o propalado conceito de outorga convergente não é uma
novidade. A diferença é que o atual ambiente regulatório se encontra em estágio de
competição de mercado, o que traz ingredientes radicalmente diferentes em relação ao
regime de licenciamento unificado aplicado no passado.
Com o processo de privatização iniciado no final do século XX, foi
necessário introduzir instrumentos para controlar a entrada de operadoras privadas no
mercado, impor obrigações regulatórias e conferir segurança jurídica tanto para o
governo quanto para o setor privado. Esse objetivo foi concretizado por intermédio do
estabelecimento de um rol de direitos e obrigações entre Poder Concedente e empresas
prestadoras, que se aplicavam especificamente ao serviço objeto da licença.
Intven et alii (2007) esclarecem que, nesse contexto, uma experiência
pioneira foi realizada no Reino Unido, em 1984, com a privatização da British
Telecommunications – BT. O processo de evolução do regime de licenciamento ocorreu
em momento em que ainda havia escassa cultura das novas práticas regulatórias tanto
naquele País quanto no restante mundo. Na ocasião, a licença concedida para a BT foi
preparada na forma de um extenso código regulatório, que continha diversos aspectos
relacionados à operação da operadora, bem como assegurava a ela uma gama de direitos
exclusivos. Esse modelo foi preservado mesmo após a abertura do mercado para novas
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 29
operadoras. Com base na experiência britânica, outros países europeus adotaram
sistemas de licenciamento similares.
Esse tipo de regime estabelecia que cada serviço fosse submetido a
condições específicas. Em algumas situações, a licença determinava até mesmo a
tecnologia a ser empregada pelo operador. Esse foi o caso do serviço de telefonia móvel
de segunda geração prestado em muitos países europeus, onde o padrão GSM foi
adotado com o intento de integração e de proteção ao desenvolvimento tecnológico na
região. O Brasil acompanhou essa tendência de pulverização de serviços, prática que se
perpetua até os dias de hoje, haja vista a existência de trinta e nove tipos distintos de
outorgas de telecomunicações, conforme abordaremos no capítulo 7 deste trabalho.
O licenciamento baseado em serviços específicos foi uma resposta
lógica para o estado da arte da tecnologia ao final do século passado, visto que as
diferentes redes eram tecnicamente limitadas ao tipo de serviço que cada uma podia
prover. Portanto, nesse período, uma das principais características dos regimes de
licenciamento era sua natureza multidimensional, visto que as outorgas eram específicas
em relação ao serviço prestado, tecnologia empregada, área geográfica de cobertura,
demarcação temporal da sua duração e abrangência espacial do serviço, conforme
disposto na tabela 2.1.
Tabela 2.1 – Aspectos multidimensionais dos regimes de licenciamento ao finaldo século XX (fonte: adaptado de Doyle (2004))
Dimensão Exemplos de classificação
De serviço Telefonia pública de voz, dados, radiodifusão
Tecnológica Celular, WLL18, satélite
Geográfica Local, regional, nacional, internacional
Temporal Duração variável para as licenças
Espacial Terrestre, marítimo, aeronáutico
No que diz respeito à União Européia, esse momento correspondeu à
primeira fase do recente desenvolvimento das políticas de telecomunicações naquela
região, que abrangeu o período de 1987 a 1993. Os principais objetivos almejados pelos
Estados-Membros eram a liberalização da indústria de equipamentos e a abertura de
alguns mercados à competição. Não obstante, os órgãos governamentais ainda se
18 Acrônimo de Wireless Local Loop.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 30
mostravam preocupados em estabelecer salvaguardas que assegurassem a rentabilidade
das operadoras incumbentes, visto que, até então, a infra-estrutura era considerada um
monopólio natural.
No estágio seguinte, entre 1993 e 2003, iniciou-se o processo de
ampla liberalização dos mercados e de harmonização regional das legislações nacionais.
Em adição, conforme ressalta Couto (2007), uma das grandes preocupações da
Comissão Européia passou a ser a garantia do acesso da rede das operadoras
incumbentes aos novos entrantes em condições razoáveis. O principal marco desse
período foi a aprovação do novo ordenamento regulatório para o setor – o chamado
“Pacote 1998”.
Segundo Buckingham et Willians (2005), o resultado das medidas
implantadas foi decepcionante. As metas impostas não alcançaram o sucesso esperado
em razão de que as normas fixadas pelo Pacote 1998 não eram suficientemente claras,
dando margem a interpretações distintas entre os países-membros. Um dos preceitos
fundamentais que constavam dessas regras se fundava na atribuição de licenças
individuais apenas em casos excepcionais. Na prática, porém, em muitos países essa
orientação foi desvirtuada. Enquanto em Portugal a expedição das licenças dependia de
avaliação discricionária do Poder Público sobre a capacidade técnica da prestadora, na
Dinamarca a licença para operação de redes e serviços demandava simples
requerimento contendo a descrição da rede ou serviço a ser ofertado.
Adicionalmente, além de haver um grande número de tipos de
outorgas, para cada nova atividade surgida havia a necessidade da instituição de uma
nova modalidade de licença. Outro aspecto negativo observado diz respeito às sanções
aplicáveis às operadoras em caso de descumprimento das obrigações previstas nas
licenças, posto que, em algumas nações, havia registro de casos de revogação de
outorgas mesmo quando os vícios detectados eram passíveis de correção.
A revisão das práticas regulatórias na Europa foi novamente
comandada pelo Reino Unido, que popularizou o conceito de autorização de classe,
aplicável a todos os provedores que prestassem um mesmo serviço. A experiência
britânica encorajou a Comissão Européia a reformar, a partir de 1999, o arcabouço
regulatório vigente, processo que culminou com a aprovação do “Pacote 2002”,
composto pela Diretiva 2002/21/CE – a Diretiva Quadro – e por quatro outras que
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 31
orbitam em torno dela, quais sejam as Diretivas Autorização, Acesso, Serviço Universal
e Privacidade nas Comunicações Eletrônicas (Medeiros, 2004).
A partir de 2003, com a entrada em vigor dessas Diretivas, iniciou-se
a terceira fase dessa evolução. Embora a primeira proposta discutida previsse a criação
de sistema em que a autorização expedida por um Estado-Membro pudesse ser
estendida a qualquer nação da Comunidade, o risco de esvaziamento de poderes das
autoridades regulatórias nacionais impediu a adoção desse esquema.
Além de tentar corrigir as deficiências verificadas no marco anterior e
ajustar a regulação ao fenômeno da convergência tecnológica, o novo arcabouço
também buscou enfatizar a aplicação de regras de competição ex-post, contrariamente
ao que vinha sendo praticado até então. Segundo Buckingham et Willians (2005), a
idéia era criar uma “saída estratégica” para a atividade regulatória nos mercados em que
a competição estivesse suficientemente madura.
Nos últimos anos, com a liberalização dos mercados e a consolidação
da competição, diversas nações abandonaram a rigidez dos sistemas de licenciamento,
em consonância com as diretrizes adotadas pela União Européia. Contribui para essa
evolução o fato de que, ao final da década de 1990, a Internet e as tecnologias sem fio se
comportaram como precursoras do processo de convergência que colocou em xeque a
eficácia das políticas de licenciamento multidimensionais, visto que as plataformas
tecnológicas passaram a dispor da capacidade de oferecer múltiplos serviços, alargando
o potencial de competição.
Em resposta a esse cenário, os modelos de outorgas específicas estão
sendo paulatinamente substituídos por regimes convergentes, no intuito de facilitar a
entrada no mercado de novos operadores. De acordo com Tamayo (2003), embora de
maneira tímida, o Brasil acompanhou esse movimento ao instituir, em 2001, o Serviço
de Comunicação Multimídia – SCM –, que agregou 15 categorias de serviços em uma
única classificação. A experiência brasileira e as de alguns outros países serão
detalhadas em capítulos posteriores deste trabalho.
2.2 Finalidades do licenciamento
Ao longo dos anos, as operadoras de telecomunicações – em
particular, aquelas que constroem ou são proprietárias de redes, ofertam serviços sobre
elas ou empregam recursos de espectro – têm sido submetidas a rigoroso controle pelos
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 32
governos. Em virtude das preciosas ferramentas que oferece, o processo de
licenciamento é utilizado pelos reguladores para perseguir vasta gama de objetivos.
Detalharemos algumas dessas finalidades a seguir.
Instrumento para assegurar certeza regulatória na privatização de
operadoras estatais de telecomunicações
Desde o início do processo de privatização de operadoras estatais de
telecomunicações iniciado na década de 1980, o licenciamento foi fortemente
empregado com o objetivo de especificar os direitos e obrigações atinentes ao
provimento de serviços e operação de redes transferidas para o controle da iniciativa
privada. Em linhas gerais, a outorga descreve o que o investidor está adquirindo, bem
como as expectativas concretas do governo em relação ao provedor e ao investidor.
Essa abordagem permitiu sinalizar claramente aos atores envolvidos
nessa transição – consumidores, investidores e governo – as regras futuras na prestação
dos serviços. Dessa maneira, os termos das licenças estabeleciam, entre outros aspectos,
as condições de interconexão, compartilhamento de infra-estrutura, fórmulas de cálculo
de tarifas e seus índices de reajuste, possibilidade de entrada em outros mercados,
definição de instrumentos de salvaguarda contra práticas anticompetitivas, padrões de
qualidade técnica esperada do serviço, prazos e requisitos para renovação de contratos,
restrições à participação de capital estrangeiro na composição societária das prestadoras,
direitos de exclusividade concedidos à operadora e obrigações de universalização e
modernização de rede. Nesse contexto, as licenças, ao lado de um arcabouço legal
devidamente estruturado, tem por objetivo proporcionar um ambiente de máxima
certeza regulatória (Hatfield et Lie, 2004a).
Regulação da provisão de serviços públicos essenciais,
universalização de serviços e expansão das redes de telecomunicações
Em muitos países, os serviços de telecomunicações – ou ao menos
uma parcela deles – são considerados serviços públicos essenciais. Tanto em nações
desenvolvidas quanto emergentes, o licenciamento é empregado como instrumento
primordial para a promoção da universalização dos serviços e para a expansão das infra-
estruturas de telecomunicações em áreas rurais ou deficientemente servidas. Esse
objetivo pode ser alcançado por meio de tratamento favorecido para os provedores dos
serviços prestados nessas localidades. Na prática, isso pode ser implementado mediante
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 33
concessão de exclusividade por determinado período, bem como do direito de também
prover serviços mais rentáveis em mercados de concorrência restrita, como telefonia
móvel.
De acordo com Hatfield et Lie (2004b), um exemplo recente dessa
estratégia ocorreu na Venezuela, onde as licenças para as principais operadoras de
telefonia móvel – CANTV e Telcel – previam somente a cobertura das quarenta maiores
cidades do país. Em meados da década passada, as localidades rurais venezuelanas
praticamente não eram atendidas pelo serviço; porém, em 1997, o país licitou licenças
para provimento de telefonia residencial básica em comunidades rurais, incluindo
localidades com menos de cinco mil habitantes. Segundo as regras do processo de
licenciamento, os vencedores do certame também adquiririam direito a prestar telefonia
móvel, paging, serviços de valor adicionado, comunicação via satélite, localização de
veículos e telemedicina. Em resposta a essa ação planejada, os serviços de
comunicações foram expandidos de modo a cobrir mais de setenta e cinco por cento da
população rural.
Outra maneira de atingir metas de universalização consiste em
demandar que o provedor de serviços em áreas mais rentáveis seja obrigado a também
prestá-los em zonas de baixa lucratividade. No Brasil, o processo de privatização das
operadoras de telefonia fixa realizado em 1998 previu que as incumbentes fossem
obrigadas a instalar acessos individuais e públicos em regiões de baixa densidade
populacional.
Uma alternativa viável para assegurar a sustentabilidade dos serviços
providos em localidades de pouca rentabilidade consiste em reduzir as barreiras para sua
prestação, tais como a diminuição das contribuições para fundos de universalização e
pesquisa, taxas administrativas, taxas de importação de equipamentos e demais tributos
incidentes sobre eles, em comparação com atividades similares executadas em regiões
de apelo comercial privilegiado. Em determinadas circunstâncias, também é possível
suavizar as exigências dos padrões de qualidade recomendados pelo regulador, bem
como reduzir os lances mínimos para adquirir o direito de uso de radiofreqüências
associadas ao serviços.
O regulador pode se utilizar também do recurso do estabelecimento de
tarifas assimétricas de terminação entre operadoras, via subsídios cruzados. Nessa
hipótese, os preços de serviços em áreas rentáveis são mantidos em um patamar superior
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 34
ao seu custo econômico para que esse excedente seja empregado para financiar serviços
precificados abaixo do custo em zonas naturalmente deficitárias. Porém, na opinião de
especialistas como Hatfield et Lie (2004a), essa distorção deliberada de preços não deve
ser preservada em um mercado aberto e competitivo.
Em contraste a essa solução, nos últimos vinte anos fortaleceu-se a
tendência pela criação de mecanismos competitivamente neutros baseados em subsídios
explícitos, tais como os fundos de universalização compostos pela contribuição de um
variado leque de prestadoras, que permitem a consecução de objetivos sociais sem
restringir a entrada no mercado. Assim, a população pode se beneficiar das vantagens de
um mercado competitivo sem perder os benefícios sociais dos subsídios.
Embora a operacionalização dos objetivos de universalização seja
considerada uma das justificativas para manutenção de rígidos regimes de
licenciamento, a União Européia recentemente adotou modelo que contraria esse
argumento. O sistema de autorização geral em vigor nos seus Estados-Membros,
embora preveja o cumprimento de obrigações de universalização, em regra não
demanda a criação de complexos instrumentos de controle sobre as prestadoras.
Limitação da duplicação ineficiente de infra-estrutura
Segundo Toscano (2005a), muitos órgãos reguladores submetem a
construção e operação de infra-estruturas a vigoroso escrutínio com o objetivo de evitar
duplicação ineficiente de redes e perdas de grandes investimentos. Assim, caso uma
companhia deseje construir uma nova rede para ofertar serviços de telecomunicações,
deverá obter licença junto ao regulador para construí-la, operá-la e prover o serviço.
Porém, com o desenvolvimento das tecnologias e dos mercados,
especialistas em regulação têm questionado essa metodologia. Fortaleceu-se, assim, a
tese de que as eficiências dinâmicas associadas com um mercado aberto e competitivo
mais do que compensa a eficiência estática proporcionada por políticas restritivas de
licenciamento, conforme defende Mattos (2001).
Controle sobre o uso de recursos escassos
A mais trivial das finalidades do licenciamento consiste na alocação
eficiente de recursos escassos, tais como espectro de radiofreqüências, numeração e
direitos de passagem. Porém, cabe a ressalva de que o licenciamento não é única forma
de alocar recursos finitos, haja vista que, em certas situações, o uso de espectro não
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 35
licenciado pode se constituir em alternativa viável para o regulador. Essa opção tornou-
se mais factível após o desenvolvimento de tecnologias sem fio de faixa larga que
permitem o emprego compartilhado de freqüências sem necessidade de recorrer a
mecanismos de licenciamento que garantam direitos exclusivos sobre determinadas
bandas de freqüência. Esse assunto será abordado em capítulo posterior deste trabalho.
Instrumento de arrecadação
As licenças compõem importante fonte de captação de recursos para
os governos, sobretudo quando são vinculadas à concessão de exclusividade para
prestação de serviços. No entanto, é oportuno assinalar que a arrecadação de recursos
nem sempre é uma finalidade essencial do regime de licenciamento. Flanagan (2005)
assinala que, enquanto no Reino Unido foram arrecadados cerca de 22 bilhões de libras
no leilão de freqüências da 3G, na Finlândia não houve ingresso de recursos ao Tesouro
local para a consignação das mesmas freqüências. Levando em consideração a natureza
pública do espectro, o regulador finlandês argumentou que os valores advindos de um
eventual leilão seriam, em última instância, repassados para o consumidor final dos
serviços. Por esse motivo, optou por um processo de seleção objetivo, mas que não
envolvesse o pagamento de taxas de entrada.
Estabelecimento dos prazos de duração do direito de prestação do
serviço ou de uso de radiofreqüências
O período de duração de uma licença influi decisivamente no nível de
interesse de investidores, mormente quando o empreendimento demanda custos de
capital recuperáveis a longo termo, como é o caso da 3G. Por esse motivo, em muitas
situações, o prazo de validade da autorização é fixado no próprio instrumento de
licenciamento, bem como as condições de sua renovação. Porém, há também casos em
que esses parâmetros são estabelecidos em lei ou qualquer outro tipo de instrumento
regulamentar.
No caso brasileiro, há a particularidade de que os serviços prestados
em regime privado são outorgados com prazo indeterminado, embora o Poder Público
detenha o direito de rever os termos e condições da autorização com o objetivo de
refletir o desenvolvimento das tecnologias e de mercado, bem como das políticas
governamentais. Entretanto, para o caso de outorgas que demandem espectro, o art. 167
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 36
da LGT determina que a autorização de uso de radiofreqüências tem prazo de vigência
máximo vinte anos, prorrogável uma única vez por igual período.
Cumpre destacar a importância da existência de dispositivos nas
licenças ou nos regulamentos que estabeleçam com precisão os critérios para renovação
das outorgas, de modo a evitar ações excessivamente discricionárias por parte do
regulador. Hatfield et Lie (2004b) salientam que o Código Francês de
Telecomunicações e Correios determina as hipóteses de não renovação da licença, que
se restringem à necessidade de preservação da ordem pública e do uso adequado do
espectro, demonstração de incapacidade técnica ou financeira insanável da operadora e
incorrência em algum dos ilícitos considerados graves que são enumerados no próprio
Código.
Regulação da estrutura de mercado
Em países que optaram pela atração de grandes capitais no processo
de desestatização das operadoras de telecomunicações, foi necessário oferecer aos
potenciais investidores condições de licenciamento que lhes garantissem o retorno da
aplicação de seus recursos, em contrapartida à assunção de compromissos de expansão
da cobertura do serviço prestado e de modernização da infra-estrutura.
Esse objetivo foi alcançado, via de regra, moldando-se a estrutura de
mercado de modo a assegurar à incumbente o monopólio na prestação de serviços por
prazos determinados, apesar dos reflexos negativos sobre a eficiência econômica que
são intrínsecos aos arranjos monopolistas, conforme largamente explorado na literatura
econômica (Mankiw, 1999).
Mais recentemente, o regime de licenciamento também tem sido
usado para regular a estrutura de mercado, porém com o propósito inverso de
desenvolver um ambiente de competição. Nesse sentido, ele pode dispor sobre direitos
de interconexão para operadoras entrantes e compartilhamento de infra-estrutura das
incumbentes a preços razoáveis, baseados em custos e ofertados de forma não
discriminatória.
Instituição de instrumentos de proteção ao consumidor e ao cidadão
De acordo com Hatfield et Lie (2004a), as licenças podem ser
utilizadas para consolidar mecanismos de proteção ao consumidor, mediante
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 37
determinação de padrões de qualidade, limites de radiação eletromagnética e serviços de
oferta obrigatória, tais como os de emergência e de acesso ao código de assinantes.
No entanto, em muitos países, essas obrigações são estabelecidas em
lei e detalhadas em regulamentação, e, portanto, apartadas das licenças. À medida que
os instrumentos regulamentares crescem em importância, reduz-se o poder das licenças.
O exemplo dos serviços de informação nos Estados Unidos dá uma noção dessa
tendência: embora os provedores de Internet sejam considerados “desregulados”,
estando habilitados a operar sem necessidade de licenciamento, notificação ou registro,
a FCC determina que certos provedores de VoIP atendam os regulamentos aplicáveis a
chamadas para código de emergência.
Padronização de redes, serviços e equipamentos terminais
O licenciamento para uso de equipamentos foi originalmente
empregado para assegurar a interoperabilidade entre redes, assim como obrigar as
operadoras a manter suas redes tecnologicamente atualizadas. Entretanto, com o
acirramento da competição, o usuário passou a dispor da prerrogativa de migrar de
prestadora, de modo que o uso de redes ou equipamentos obsoletos tornam a companhia
mais vulnerável à concorrência. Esse cenário demandou mudança de postura dos
reguladores, que deixaram de focar seus controles no micro-gerenciamento das escolhas
das prestadoras mediante licenciamento de equipamentos.
2.3 Licenciamento no âmbito da Organização Mundial do
Comércio
Em relação à aplicabilidade de tratados internacionais de âmbito
global aos processos de licenciamento, as principais referências são o Reference Paper19
e o General Agreement on Trade in Services – GATS, bem como seu Anexo sobre
Telecomunicações.
De acordo com Buckingham et Willians (2005), o Reference Paper é
breve e abstrato, limitando-se a descrever um reduzido número de princípios gerais de
ampla interpretação. Cabe salientar que, embora a legislação brasileira seja
essencialmente aderente a esse instrumento, o País ainda não é signatário do acordo.
19 Acordo internacional assinado em fevereiro de 1997 em continuidade às negociações da RodadaUruguai do GATS/OMC que tinham por objetivo fixar princípios regulatórios e concorrenciais para osserviços de telecomunicações. Encontra-se disponível via WWW na URL:http://www.wto.org/english/tratop_e/serv_e/telecom_e/tel23_e.htm.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 38
O art. 4º do Reference Paper obriga seus signatários a tornar públicos
os critérios, termos e condições de licenciamento, bem como determina o
estabelecimento de prazos razoáveis para apreciação de requerimentos de outorgas.
Estatui ainda que os casos de negação de licença sejam devidamente motivados. Em
adição, o art. 6° delineia os critérios para uso de recursos escassos, determinando que
espectro, numeração e direitos de passagem sejam alocados de maneira objetiva,
tempestiva, transparente e não-discriminatória.
Embora não haja previsão de criação de um regime de licenciamento
de âmbito internacional, autores como Tang (2007) entendem que o Reference Paper
deva ser aperfeiçoado com o intuito de prever mecanismos de reconhecimento global de
licenças.
Por sua vez, o GATS e seu Anexo sobre Telecomunicações, no que
tange ao regime de licenciamento dos serviços de telecomunicações, determinam a
aplicação do princípio de tratamento da nação mais favorecida20. Além disso, a exemplo
do Reference Paper, estabelecem que os procedimentos e critérios de outorga devem ser
transparentes. Por fim, determinam que os requisitos para licenciamento não devem se
constituir em barreiras desnecessárias para o comércio.
Em resumo, os acordos mencionados, embora prevejam normas para o
licenciamento de serviços de telecomunicações, tratam do assunto de maneira
superficial, não estabelecendo compromissos rígidos para seus signatários.
2.4 Tendências do processo de licenciamento
O desenvolvimento tecnológico e a evolução dos mercados
promoveram sensíveis transformações nos processos de licenciamento. A seguir,
apontaremos as principais tendências internacionais em relação ao assunto.
2.4.1 – Neutralidade tecnológica
Com o fenômeno da convergência e o surgimento de tecnologias
como o VoIP, as fronteiras entre os serviços tradicionais de voz e dados se
entrelaçaram. Da mesma forma, o desenvolvimento de tecnologias sem fio fixas que
20 De acordo com o artigo XV do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (General Agreement onTrade in Service – GATS), concluído em dezembro de 1997, na OMC, o princípio de nação maisfavorecida estabelece que cada Membro deve conceder “aos serviços e prestadores de serviços dequalquer outro Membro, tratamento não menos favorável do que aquele concedido a serviços eprestadores de serviços similares de qualquer outro país”.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 39
oferecem mobilidade restrita, como o WLL, reduziram as diferenças entre os serviços
de telefonia fixa e móvel. Com base nesses argumentos, muitos países migraram para
regimes de licenciamento neutros do ponto de vista tecnológico, como os Estados-
Membros da União Européia, Austrália, Bangladesh e Malásia. Essa abordagem
constitui-se em alternativa para mitigar as inconsistências dos modelos tradicionais
baseados em classificações por serviços específicos.
Conforme salientam Narayan et alii (2004), a migração para regimes
neutros também decorreu da percepção dos reguladores de que esse modelo provê
flexibilidade e previsibilidade regulatórias suficientes para suportar evoluções
tecnológicas e de mercado. Entre os benefícios proporcionados por esse regime,
Toscano (2005b) destaca o estímulo à provisão de novos serviços, à inovação e à
concorrência entre diferentes métodos de acesso – também conhecida por competição
baseada em facilidades –, apontada pela Comunidade Européia como a melhor forma de
induzir a redução de preços e o aumento da diversidade de serviços em médio e longo
prazo.
Cumpre ressaltar que a adoção de outorgas tecnologicamente neutras
usualmente está associada à assunção de sistemas de licenciamento convergentes,
assunto que será abordado nos próximos capítulos.
2.4.2 – Flexibilização dos direitos de uso de espectro
A rápida evolução das tecnologias sem fio tem permitido a gradual
adoção de regimes flexíveis no que concerne ao gerenciamento de espectro. Esse
assunto será explorado em capítulo específico deste trabalho.
2.4.3 – Relaxamento de obrigações e taxas de licenciamento
Embora seja possível desenvolver políticas públicas a partir dos
regimes de licenciamento, dado o extenso rol de alternativas à disposição dos
reguladores para controlar o comportamento dos agentes de mercado, a necessidade da
imposição de rigorosos requisitos de licenciamento tem sido questionada.
A fixação de obrigações em demasia pode acabar por surtir efeitos
inversos aos almejados originalmente pelo regulador. Em caso de significativas
mudanças tecnológicas, mercadológicas ou de políticas públicas, essas obrigações
podem se tornar obsoletas, causando problemas tanto para o regulador quanto para o
setor privado. A experiência brasileira com o Plano Geral de Metas de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 40
Universalização21 – PGMU – de 2006 expressa essa dificuldade. Quando foi
originalmente planejado, o PGMU/06 previa a obrigatoriedade da instalação de Postos
de Serviços de Telecomunicações – PST – em localidades de baixa densidade
populacional. Porém, hoje há a percepção entre regulador e entes regulados de que essa
meta, nos limites em que foi imposta, não mais se ajusta com perfeição aos interesses
dos consumidores, embora tenha sido prevista com essa finalidade.
Além disso, quando o regulador tenta criar expectativas irreais das
rendas potencialmente auferíveis pelo detentor da licença, o resultado costuma se
refletir na dificuldade em atrair o interesse de potenciais entrantes. Isso ocorreu na
Europa entre 1999 e 2001, no processo de licenciamento da 3G. No primeiro leilão,
realizado no Reino Unido, foram fixadas altas taxas de licenciamento e metas
exageradamente ambiciosas de cobertura. O resultado final foi que algumas licenças ou
não foram distribuídas ou foram abandonadas. Na Alemanha, por sua vez, verificou-se
novo fracasso. Essa situação levou países como a França a conceder abatimentos nos
lances mínimos e reduzir as metas de cobertura22.
No que diz respeito à cobrança de taxas de licenciamento, a tendência
é de que a evolução em direção a regimes convergentes não encoraje o aumento de
tributos incidentes sobre as operadoras. Muitos formuladores de políticas têm
concretizado esse objetivo mediante a criação de licenças de classe ou categorias de
autorização automática que estão sujeitas a pequenas taxas de licenciamento, ou até
mesmo a isenção delas.
Dorward et Rogers (2004) argumentam que essa medida proporciona
benefícios sociais e econômicos, haja vista estimular a reaplicação do capital gerado
pelas operadoras em investimentos em infra-estrutura e inovações no próprio setor de
telecomunicações. Em oposição a essa tendência, no Brasil ocorre significativa fuga de
recursos para outros segmentos econômicos: segundo dados da Anatel23, dos 2,4 bilhões
arrecadados pelo Fistel – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – em 2006,
apenas cerca de 230 milhões foram destinados à Agência.
21 Aprovado pelo Decreto Presidencial n° 4.769, de 27 de junho de 2003.22 De acordo com Dorward et Rogers (2004), em 2000, a taxa inicial mínima paga por licença no ReinoUnido e na Alemanha foram, respectivamente, de 6,3 e 7,6 bilhões de euros, enquanto que, na França,esse valor foi de apenas 570 milhões de euros, em 2001.23 Dados disponíveis no sítio da Agência via WWW nas URL:http://www.anatel.gov.br/hotsites/relatorio_anual_2006/cap_09.htm ehttp://www.anatel.gov.br/hotsites/relatorio_anual_2006/cap_05.htm.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 41
Ademais, caso o governo opte pela utilização do instrumento da
licença como forma de implementar objetivos de universalização, a fixação de taxas
elevadas pode colocar em risco a habilidade dos operadores em atingi-los. Em adição, a
cobrança de baixos valores para as outorgas estimula a entrada no mercado e fomenta a
competição, tendendo a aumentar a oferta de serviços e reduzir os preços para o usuário
final.
A Diretiva Autorização da União Européia – Diretiva 2002/20/CE, de
7 de março de 2002 – reflete a tendência do que é considerada a prática mais adequada
para a questão. Ela prevê que os governos locais apliquem taxas reduzidas, calculadas
de modo a apenas permitir a recuperação dos custos administrativos relacionados à
manutenção das atividades do regulador. Porém, em certas circunstâncias, o emprego
dessa diretriz justifica a adoção de medidas compensatórias para empresas que pagaram,
no passado, taxas substanciais por suas licenças.
2.4.4 – Aderência a obrigações regulatórias
A adoção de sistemas de licenciamento convergentes não implica o
abandono a regras e condições de prestação de serviço. Pelo contrário, uma das
premissas dos modernos modelos regulatórios consiste em transferir parte dos
conteúdos das licenças para regulamentos e códigos.
Da mesma forma, os regimes convergentes não asseguram indistinção
absoluta entre os operadores. As Diretivas européias são claras no sentido de submeter
todos os prestadores de serviços de comunicação eletrônica ao mesmo instrumento de
autorização geral, porém os regulamentos também garantem tratamento diferenciado
para empresas que detenham poder de mercado significativo – PMS –, conforme será
abordado a seguir neste capítulo. Segundo Narayan et alii (2004), a Índia seguiu
orientação similar, ao determinar obrigações específicas para operadores com PMS.
2.4.5 – Simplificação de trâmites administrativos
De acordo com de La Torre et Rush (2006), a migração para regimes
de licenciamento neutros está associada à simplificação dos procedimentos de entrada
no mercado.
Conforme ilustrado na figura 2.1, o processo mais complexo é o
tradicional, em que cada solicitação de outorga é considerada individualmente, enquanto
que o mais simples é o de livre entrada, em que não há necessidade de licença para
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 42
operar o serviço. Em posição intermediária, está o licenciamento em classes, que prevê
processo de aprovação único para um amplo conjunto de serviços, bem como a
aplicação de direitos e obrigações comuns a todos os operadores pertencentes à classe.
Por sua vez, a principal diferença entre registro e notificação é que,
enquanto a notificação automaticamente habilita o operador a prestar o serviço,
independentemente do assentimento do regulador, com o registro isso não acontece.
Quando o registro é requerido, para iniciar a operação, o proponente deve aguardar seu
reconhecimento pelo regulador de que foi aceito, visto que pode haver rejeição pelas
razões estabelecidas previamente na regulamentação. Além disso, nesse caso, o
licenciamento envolve procedimentos mais complexos, que demandam identificação
mais acurada sobre o provedor e os serviços que almeja prestar ou as redes que deseja
operar. No caso da notificação, a instituição a submete ao regulador previamente ao
início de sua operação. Juntamente com ela, devem ser apresentadas informações
básicas, como dados mínimos de identificação da companhia, a área de cobertura e as
facilidades que a empresa pretende prover ou explorar.
A distinção empregada no Japão entre notificação e registro evidencia,
na prática, a diferença de uso desses instrumentos. Em regra, proponentes à provisão de
serviços e redes de telecomunicações devem encaminhar notificação ao Ministro de
Assuntos Internos e Comunicações. Porém, se a instalação de facilidades exceder os
limites previstos nos padrões especificados pelo Ministério, a companhia deverá obter
registro junto à pasta.
Em geral, a decisão sobre o uso dos mecanismos de notificação ou
registro depende do grau de supervisão que o regulador deseja exercer sobre as
empresas e a entrada no mercado. Embora não seja tão oneroso quanto o regime de
licenças individuais, o processo de registro pode ser burocrático e moroso. Segundo
Flanagan (2005), anteriormente à vigência do atual quadro regulatório, o Reino Unido
possuía vinte e três tipos de licenças de classe, algumas das quais compostas por mais
de cem páginas de termos e condições a serem cumpridas pelo operador, não obstante as
cláusulas existentes fossem uniformes para todas as prestadoras.
Figura 2.1 – Simplificação dos requisitos administrativos de licenciamento
Licençaindividual
Licença declasse Registro Notificação Livre
entrada
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 43
Os países adotaram diferentes combinações dos métodos indicados na
figura 2.1 – inclusive soluções híbridas –, de acordo com o grau de controle considerado
necessário para cada serviço. Enquanto Malásia e Cingapura implantaram sistemas
baseados em classes, outras nações adotaram modelos baseados em licenças que
abrangem a totalidade ou um grande número de serviços. Com relação à livre entrada,
as situações também são diversas. No Brasil, os serviços de valor adicionado não são
considerados serviços de telecomunicações e, como tal, são prestados sem necessidade
de licenciamento perante as autoridades locais. Nos Estados Unidos, o acesso à Internet,
o VoIP e outros serviços baseados no protocolo IP são classificados como serviços de
informação, de modo que suas prestadoras não precisam de licenciamento para operar.
2.4.6 – Separação entre as regulações de telecomunicações e
conteúdo
Outra tendência verificada em diversos modelos de licenciamento
emergentes consiste na separação entre as regulações das atividades de programação e
de distribuição de audiovisual. Na União Européia, enquanto que estas são englobadas
no escopo dos serviços de comunicação eletrônica regulados pelas Diretivas do “Pacote
2002”, aquelas são tratadas pela Diretiva Televisão Sem Fronteiras – a Diretiva
89/552/EEC (Flanagan, 2005) –, alterada recentemente pela Comunidade.
2.4.7 – Regulação diferenciada para operadoras que detenham
PMS
Reconhecendo que a competição no setor de telecomunicações não
será alcançada e preservada ao longo do tempo somente com a remoção de barreiras à
entrada nos mercados, diversos países alteraram seus ordenamentos regulatórios de
modo a estabelecer regras específicas para operadores que detenham PMS.
A ênfase no controle sobre mercados relevantes revela que o poder
das grandes operadoras e o legado institucional ainda requerem ação estatal
intervencionista mínima que imponha obrigações assimétricas entre as prestadoras. Na
União Européia, as Diretivas locais demandam que os reguladores conduzam análises
em mercados suscetíveis à regulação ex-ante e proponham medidas caso concluam não
haver efetiva competição24.
24 Esse assunto voltará a ser discutido no capítulo 7.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 44
Porém, sob a perspectiva da análise da concorrência, uma
conseqüência da convergência consiste no aumento da dificuldade do Poder Público em
reconhecer a abrangência dos mercados relevantes. Isso porque a acelerada
aproximação entre os segmentos de audiovisual, informática e telecomunicações tende a
tornar os serviços substituíveis. Essa situação torna complexo e dinâmico o trabalho das
instituições públicas responsáveis pelo combate de práticas anticoncorrenciais.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 45
3 – MODELOS DE LICENCIAMENTO
Embora as práticas adotadas em cada país apresentem suas
especificidades, é possível identificar alguns tipos principais de regimes de
licenciamento. Cumpre salientar que, embora possuam características distintas entre si,
esses modelos não são mutuamente exclusivos. Sendo assim, há sistemas híbridos –
como é o caso do modelo brasileiro, que será analisado em capítulo posterior neste
trabalho – que combinam aspectos de dois ou mais dos regimes apresentados a seguir.
3.1 Licenciamento baseado em serviços ou tecnologias
A classificação baseada em tipo de serviço, facilidade ou tecnologia é
considerada a mais tradicional. O apogeu desse regime ocorreu na década de 1990,
quando o desenvolvimento de tecnologias como a Internet, em paralelo com a
introdução da competição no setor de telecomunicações, levou reguladores a licenciar
os serviços emergentes separadamente da telefonia fixa.
De acordo com Hatfield et Lie (2004b), à época, os governos
passaram a observar que certas obrigações deveriam ser aplicáveis a alguns serviços e
não a outros, mesmo que providos a partir de uma mesma infra-estrutura.
Exemplificando, verificou-se a necessidade de fixar requisitos de interconexão para os
provedores de telefonia fixa, mas não para serviços de dados. Essa situação demandou a
classificação diferenciada desses serviços. A disseminação desse recurso fez com que,
com o passar dos anos, para cada nova modalidade de serviço surgida fosse criada uma
categoria adicional de licença, gerando uma miscelânea de licenças baseadas em
tecnologias específicas.
Com o avanço das tecnologias móveis, esse movimento de
diversificação levou muitos países inclusive a expedir outorgas específicas baseadas em
sistemas como AMPS, GSM, CDMA ou DECT25. Essa, porém, não foi uma prática
unânime entre os países. Nos Estados Unidos, o Personal Communications Service –
PCS –, criado para estimular a expansão da telefonia móvel, abrangeu uma ampla
quantidade de serviços de comunicação móveis, portáveis e ancilares que podem se
conectar a uma grande variedade de redes.
25 Acrônimos de Advanced Mobile Phone System, Global System for Mobile Communications, CodeDivision Multiple Access e Digital Enhanced Cordless Telecommunications, respectivamente.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 46
Segundo Toscano (2005a), embora o regime tradicional confira ao
regulador a prerrogativa de influenciar diversas condições de mercado, ele é de difícil
gerenciamento em ambientes de inovação tecnológica, expansão acelerada de redes,
competição acirrada e crescente convergência, visto que torna difícil e conflituosa a
acomodação de novos serviços. Essa é a realidade que se observa hoje em vários países
em relação à tecnologia VoIP.
Apesar da dificuldade em compatibilizar as características do regime
baseado em serviços e tecnologias específicas aos desafios proporcionados pela
convergência, muitos países ainda o preservam. Ele é normalmente aplicado quando o
mercado não está suficientemente competitivo ou quando ainda não há ambiente
regulatório suficientemente consolidado e estável.
Assim, Intven et alii (2007) assinalam que licenças individuais
continuam a ter grande importância em economias emergentes, onde a percepção de
risco pelos investidores é alta. Nessa situação, mesmo que o regulador considere que o
emprego de um regime de licenciamento mais flexível pode ser mais eficiente do ponto
de vista econômico, a manutenção do modelo tradicional por muitas vezes se faz
mandatória. Esse comportamento é previsto na teoria econômica por autores como Levy
et Spiller (1995), que argumentam que a conquista da credibilidade dos investidores
pelos governos pode requerer o comprometimento da eficiência econômica do sistema
regulatório.
Por esse motivo, nessas circunstâncias, são utilizadas licenças
individuais que especificam com exatidão os direitos e deveres da operadora e do Poder
Público. Além disso, o processo de seleção da operadora habilitada a prestar o serviço
objeto da licença demanda a execução de procedimentos administrativos relativamente
complexos, como a demonstração de capacidade financeira e técnica para prover o
serviço ou construir a rede, o que exige do regulador acompanhamento mais próximo
junto aos entes regulados.
Esse fenômeno foi observado no Brasil na década passada, quando
ocorreu o processo de desestatização das operadoras de telefonia fixa praticamente em
paralelo com a criação do novo arcabouço regulatório para o setor, estabelecido pela
LGT. Consoante Hatfield et Lie (2004b), em 2003, a situação se repetiu no Paquistão
com o fim do monopólio estatal na provisão de telefonia básica e a instituição de
sistema de classificação por serviços específicos.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 47
Convém ressaltar que, embora seja inegável a tendência pela adoção
de regimes de licenciamento convergentes, muitos países ainda vêem no modelo
tradicional uma ferramenta indispensável para induzir a expansão do acesso das
tecnologias da informação e comunicação pela população, mediante a aplicação de
regras diferenciadas entre os operadores. Contudo, a experiência da União Européia
demonstra que esse objetivo pode ser alcançado mesmo sem a preservação do sistema
tradicional de licenciamento.
A tendência geral parece ser a de que, com o amadurecimento dos
mercados nos países emergentes, o modelo baseado em licenças específicas seja
gradualmente substituído por outorgas convergentes. Essas outorgas, contudo,
estabeleceriam condições especiais para serviços que: a) exijam investimentos de larga
escala; b) demandem o uso de recursos escassos, ou c) forem necessários para o
atendimento de interesses de segurança nacional. Nos dois últimos casos, mesmo em
países desenvolvidos, as licenças individuais continuam a ser largamente empregadas,
conforme salientam Hatfield et Lie (2004b).
3.2 Licenciamento baseado em classificações genéricas (classes)
As licenças baseadas em classes distinguem-se pelo agrupamento de
serviços distintos de acordo com um conjunto de características comuns. A cada grupo
são aplicadas condições regulatórias semelhantes. O regulador publica os critérios de
elegibilidade e condições gerais aplicáveis ao grupo, e aqueles que se encaixarem nesses
requisitos estão automaticamente autorizados a realizar a atividade, sem margem para
discricionariedade por parte do Poder Público, de modo que não há submissão a
escrutínio individual (Hatfield et Lie, 2004b). Cabe ressaltar que, na prática, a maioria
dos países que emprega esse regime também faz uso de licenças individuais, para casos
específicos.
À medida que os mercados se tornam mais maduros, as licenças de
classe incrementam sua importância. Diminuem-se, assim, a exigência de cumprimentos
administrativos pelas operadoras e a intervenção do regulador nos mercados,
priorizando-se os instrumentos de regulação ex-post e a auto-regulação. Nesse regime,
as formalidades exigidas variam de acordo com o país, mas, na maioria deles, é prevista
a necessidade de registro ou notificação perante o regulador.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 48
A forma mais corriqueira de determinação de classe se faz mediante a
distinção entre operadores baseados em infra-estrutura (facilidades) e operadores que
façam uso dela para provimento de serviços, de modo a estabelecer-se uma separação
por camadas. Esse tipo de arcabouço foi adotado na Malásia, em Cingapura e na
Austrália. No intuito de evitar a duplicação ineficiente de infra-estrutura, o regulador
exerce maior supervisão sobre os operadores de rede, exigindo licenças individuais
nessa hipótese. Por sua vez, os provedores de serviços são submetidos, em regra, a
licenciamento de classe.
Porém, essa regra não é unânime; enquanto na Austrália somente
alguns operadores baseados em infra-estrutura demandam licenciamento individual, em
Cingapura, há serviços não baseados em facilidades que também são sujeitos a
licenciamento individual26.
Outro exemplo de formação de classe pode ocorrer quando um mesmo
serviço é passível de prestação mediante diferentes tipos de licenças, em razão do
emprego de tecnologias distintas, como acontece com o serviço de TV por assinatura no
Brasil. Nesse caso, em tese, todas as outorgas podem ser aglutinadas em apenas uma
classe.
A seguir, abordaremos alguns casos de licenciamento baseados em
classes.
Malásia
Em 1999, o Malaysia’s Communications and Multimedia Act – CMA
– foi aprovado com o objetivo de acomodar o fenômeno da convergência aos processos
de licenciamento de redes e serviços de comunicações na Malásia (Intven et alii, 2007).
O regime adotado introduziu um sistema neutro dos pontos de vista de serviço e de
tecnologias, em substituição à classificação anterior, baseada em serviços específicos. O
resultado da nova regulação foi que, ao final da migração, em 2002, um total de
cinqüenta e seis categorias de serviços e vinte e quatro de facilidades licenciadas foi
reorganizado em apenas quatro categorias genéricas:
26 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 49
• provedores de facilidades de rede (Network Facilities Providers –
NFP), que incluem proprietários de cabos de fibra ótica, estações terrestres de satélite,
linhas de comunicação, equipamentos de radiocomunicação e transmissão, estações
base de comunicação móvel e equipamentos e torres de radiodifusão;
• provedores de serviços de rede (Network Service Providers – NSP),
abrangendo companhias que ofertam conectividade básica e banda para suportar grande
variedade de aplicações e conectar redes distintas. Inclui ainda serviço celular,
distribuição de radiodifusão e serviços móveis por satélites;
• provedores de serviços de aplicação (Application Service Providers
– ASP), que englobam funções particulares tais como serviços de voz, dados, comércio
eletrônico, acesso à Internet, telefonia IP e outros serviços de comunicação; e
• provedores de serviços de conteúdo (Content Service Providers –
CSP), que se constituem em subconjunto do grupo anterior, incluindo serviços
tradicionais de radiodifusão e outros tais como serviços de conteúdo de Internet,
serviços de informação e de notícias em tempo real.
Em cada uma dessas categorias, há subdivisão em serviços
individuais, de classe e isentos de licenciamento. As licenças individuais são aplicadas
quando um grau elevado de controle regulatório é considerado necessário, como no caso
do provimento de facilidades de rede que demandam recursos escassos. Outras razões
para impor supervisão mais rígida são o interesse em evitar a duplicação ineficiente de
redes, a proteção de investimentos de grande monta e motivos de segurança nacional.
As licenças individuais são válidas por cinco a dez anos, sendo expedidas após
aprovação ministerial. Por sua vez, as licenças de classe são sujeitas a condições
regulatórias mais brandas do que as individuais, exigem registro junto às autoridades
locais, e o prazo de vigência é de apenas um ano.
A filosofia do modelo malaio se baseia na separação de redes e de
serviços. Teoricamente, uma companhia de TV a cabo poderia ser provedora de
telefonia de voz sobre sua própria rede, e uma operadora de telefonia poderia prover
serviços de conteúdo sem necessidade de nova outorga. No entanto, conforme salientam
de La Torre et Maddens (2004), há instrumentos legais adicionais que restringem essa
flexibilidade.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 50
Outro ponto que merece destaque é que, apesar de a idéia de
separação entre infra-estrutura e serviços ser relativamente inovadora, para o caso de
empresas verticalmente integradas, no regime anterior só havia necessidade de uma
licença para operar, enquanto que, no novo regime, poderão ser necessárias até quatro.
Porém, um provedor de Mobile Virtual Network Operator – MVNO27 – precisará
apenas de uma licença ASP, empregando redes e serviços de operadores que detenham
licenças NSP e NFP.
Austrália
De acordo com Hatfield et Lie (2004b), na Austrália, a classificação
de licenças é baseada na propriedade da infra-estrutura. O Telecommunications Act de
1997 estabeleceu, como entidades reguladas, as transportadoras (“carriers”) e as
provedoras de serviços. As transportadoras são proprietárias de infra-estruturas
específicas e unidades de redes, e são submetidas a licenças individuais expedidas pela
Australian Communications Authority – ACA –, desde que haja oferta de serviços de
telecomunicações para o público. Elas são submetidas a obrigações de universalização e
pagamento de taxas anuais de licenciamento, entre outras. Quando não há oferta de
serviços ao público, não há necessidade de licença de transporte.
Por sua vez, as provedoras de serviço não são sujeitas a licenciamento
individual, embora devam obedecer a regras estabelecidas no Telecommunications Act.
Elas se subdividem em provedoras de serviços de transporte e provedoras de serviço de
conteúdo. Ambas as categorias utilizam a infra-estrutura de rede de uma transportadora,
mas as primeiras ofertam serviços de telecomunicações, e as últimas, conteúdo,
incluindo TV paga.
Cingapura
Em Cingapura, a regulação diferencia operadores de acordo com a
natureza de sua operação. Nesse sentido, há duas classes de licenciados: operadores
baseados em facilidades (Facilities Based Operators – FBO) e em serviços (Service
Based Operators – SBO). Segundo Toscano (2005a), as operações baseadas em
facilidades se referem à preparação de redes, sistemas e facilidades para oferta de
serviços de telecomunicações a terceiros, que podem ser outros operadores licenciados,
clientes específicos ou o público em geral.
27 Consiste na prestação do serviço móvel pessoal mediante uso da rede de terceiros.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 51
Caso deseje alugar elementos de rede de um FBO – como a
capacidade de transmissão – para prover serviços próprios de telecomunicações ou
revendê-los a terceiros, a empresa deve obter uma licença SBO. Os FBO são sempre
submetidos a licenciamento individual, enquanto que os SBO, em certos casos, podem
estar sujeitos a licença de classe. Em geral, operadores que instalam e operam qualquer
tipo de infra-estrutura de rede são obrigados a requerer licenças FBO. Porém, serviços
sem fio são licenciados em separado, devido a políticas de gerenciamento de espectro.
Licenças SBO individuais são requeridas para serviços tais como revenda de circuitos
dedicados e acesso à Internet, entre outros. Licenças de classe SBO abrangem revenda
simples de telefonia pública, serviços de call-back internacional e serviços de voz e
dados baseados em Internet, por exemplo. Esses licenciados podem oferecer serviços
sem a necessidade de autorização específica, embora estejam sujeitos ao cumprimento
de regulamentos e padrões.
ECTEL
Conforme assinala Toscano (2005a), o regime de licenciamento
adotado pela Autoridade Leste-Caribenha de Telecomunicações – Eastern Caribbean
Telecommunications Authority – ECTEL – determina que a outorga seja expedida em
função do serviço provido, e não da tecnologia empregada. Exemplificando, não há
licença específica para VSAT, pois a outorga a ser emitida dependerá se a prestadora
operará uma rede pública ou privada, e não da tecnologia usada.
A classificação adotada emprega quatro categorias de licenças:
individuais, de classe, ancilares e especiais. As licenças individuais são geralmente
orientadas a infra-estrutura, sendo utilizadas para oferecer serviços celulares, serviços
que requeiram espectro, serviços de telefonia fixa, serviços de cabo submarino, serviços
públicos de pager, operações de rede de Internet, serviços de radiodifusão de sons e
imagens, serviços de rádio comunitária e serviços de televisão por assinatura sem fio.
Por sua vez, licenças de classe são utilizadas para serviços de acesso à
Internet, serviços de valor adicionado, redes e serviços privados, revenda internacional
de voz, serviços móveis terrestres, serviços móveis marítimos, serviços móveis
aeronáuticos, serviços de radioamador e de rádio cidadão. A licença de uso de
radiofreqüências é considerada ancilar, sendo obtida em conjunto com uma individual
ou de classe. Por último, as licenças especiais são reservadas para casos excepcionais.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 52
3.3 Classificação única ou autorização geral
Um número crescente de países evoluiu ainda mais em direção à
simplificação do processo de licenciamento com o objetivo de acomodá-lo à
convergência tecnológica. Reconhecendo que até mesmo sistemas de licenciamento em
classe podem impedir o uso eficiente da tecnologia e a provisão de novos serviços, essas
nações adotaram modelos de outorga baseados em classificação única. A Comunidade
Européia, ao criar o regime de autorização geral aplicável a todos os serviços e redes de
comunicação eletrônica, deu um passo significativo nessa direção. No mesmo intento, a
Índia está gradualmente movendo seu ordenamento regulatório de um regime de
licenciamento individual, calcado em serviços específicos, para um sistema unificado.
De acordo com Intven et alii (2007), as principais vantagens das
autorizações gerais consistem na eliminação de tratamentos individuais diferenciados
entre provedores de serviços, na consistência com princípios de neutralidade
tecnológica e com políticas de abertura de mercados, na simplificação do processo de
licenciamento, na redução de custos administrativos e de regulação e no aumento da
transparência. Além disso, o regime permite a incorporação de aperfeiçoamentos à
regulação em resposta a mudanças tecnológicas e de mercado sem necessidade da
assinatura de aditivos a termos contratuais individuais.
Embora um dos pilares do licenciamento único seja a neutralidade, em
virtude da existência de recursos escassos, sobretudo o espectro de radiofreqüências, os
reguladores não dispõem de capacidade ilimitada para liberar a entrada de novas
operadoras no mercado. A União Européia enfrenta esse problema conferindo
tratamento específico para a alocação de freqüências, de modo que os serviços que
façam uso de espectro são submetidos a licenciamento em duas etapas: na primeira,
aplicam-se as regras já estabelecidas pertinentes a espectro, enquanto que, na segunda, a
prestadora se submete às normas dos demais serviços não baseados em recursos
escassos. Assim, preserva-se praticamente intacto o caráter de neutralidade do regime
de autorização geral adotado (Hatfield et Lie, 2004b).
Na Argentina, o Decreto 465/2000 instituiu regime unificado de
licenciamento de serviços de telecomunicações que habilita a prestação de toda espécie
de serviço, seja ele fixo ou móvel, prestado em meio confinado ou não, de abrangência
nacional ou internacional e com ou sem emprego de infra-estrutura própria. No entanto,
se o serviço demandar o uso de radiofreqüências, o operador deverá obter a
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 53
correspondente outorga junto a Autoridad de Aplicación. Para operar, a proponente
precisa informar o regulador sobre o tipo de serviço a ser provido, a área de prestação e
a classe de usuários alvo da prestação.
No Peru, também encontra-se em operação sistema de licenciamento
unificado que permite a provisão de qualquer serviço de telecomunicações. O modelo
foi construído com base na Lei nº 28.737, de 18 de maio de 2006 – conhecida como Lei
de Concessão Única. De acordo com os artigos 47 e 63 dessa Lei, a concessão única
outorga o direito de prestação de todos os serviços públicos de telecomunicações,
incluindo telefonia fixa e móvel e televisão a cabo. Os detentores de contratos firmados
anteriormente à sua promulgação podem optar pela adaptação dos respectivos
instrumentos de outorga aos termos da concessão única. Por sua vez, a prestação de
serviços de valor adicionado requer simples registro perante o Ministério de Transportes
e Comunicações.
3.3.1 O regime de autorização geral da União Européia
Até o final da década de 1980, o marco legal europeu era focado no
processo de transição do regime monopolista para o concorrencial. Com o fenômeno da
convergência, a União Européia adaptou seu arcabouço regulatório para responder às
demandas de um mercado cada vez mais dinâmico e imprevisível, caracterizado pela
diversidade de operadores. O novo marco foi construído com os objetivos de
harmonizar a legislação na Comunidade Européia, estabelecer ambiente flexível e
desregulamentar a prestação dos serviços.
Dentre os principais aperfeiçoamentos introduzidos pelo novo
ordenamento jurídico, está a instituição do regime de autorização geral, estabelecido
pela Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002 – a Diretiva Autorização. Conforme
já abordado, ela encontra-se inserida no esforço de reforma do setor de
telecomunicações empreendido na União Européia a partir de 1999, e que culminou, em
2002, com a aprovação do novo marco regulamentar para as comunicações eletrônicas –
o chamado “Pacote Regulatório”, ou “Pacote 2002”. Esse pacote, que entrou em vigor
em 25 de julho de 2003, foi consolidado na Diretiva 2002/21/CE – a Diretiva Quadro –
e nas quatro Diretivas a ela vinculadas – as Diretivas Autorização, Acesso, Serviço
Universal e Privacidade nas Comunicações Eletrônicas (Medeiros, 2004). A Diretiva
Quadro contém princípios gerais e orientações aplicáveis às políticas de regulação de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 54
serviços e redes de comunicação eletrônica, e consiste na coluna cervical do novo
ambiente.
Por sua vez, a Diretiva Autorização contém regras específicas
aplicáveis à autorização para prestação de serviços e operação de redes de
telecomunicações nos países membros. Ela introduziu regime de autorização geral, em
superação aos modelos de outorga baseados em licenças individuais ou de classe. Além
disso, tem o propósito de reduzir os custos administrativos para os operadores, evoluir
em direção à integração de serviços e redes na região, melhorar o funcionamento do
mercado interno à Comunidade e garantir os direitos básicos do usuário.
O conjunto de Diretivas enfatizou ainda a adoção de normas com foco
na neutralidade tecnológica e na progressiva acomodação à convergência de redes e
serviços de comunicações, ao estabelecer um regime de outorga que prevê tratamento
isonômico para serviços similares, independentemente da plataforma.
Também avançou sensivelmente em direção à simplificação das regras
e condições de autorização, garantindo a sujeição da oferta de redes e serviços a
restrições mínimas, notadamente em relação à manutenção da ordem, segurança e saúde
públicas. O objetivo da medida é estimular novos serviços e redes, bem como permitir
que os operadores e usuários se beneficiem dos ganhos de escala proporcionados pela
expansão dos mercados.
Para tanto, aboliu a necessidade da emissão de ato administrativo
habilitante – ou seja, de uma licença – pela autoridade reguladora nacional para a
operação de redes e serviços de comunicações. De acordo com a Diretiva Autorização,
para iniciar suas atividades, basta que a prestadora de serviços de telecomunicações –
ou, mais apropriadamente, de serviços de comunicação eletrônica – encaminhe
notificação ao regulador, não sendo necessária decisão ou ato prévio da autoridade.
Nessa notificação, o operador deve detalhar as principais características da rede ou do
serviço que será prestado. As exceções envolvem os serviços que demandem atribuição
de recursos escassos, em especial espectro e numeração. Ao serem notificados, os
reguladores devem emitir uma autorização geral, com o intento de facilitar a negociação
da interligação de redes.
As condições gerais para execução do serviço são fixadas previamente
em regulamentos, e não nos instrumentos de outorga. Baseado em critérios de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 55
razoabilidade e proporcionalidade, o regulador pode promover alterações nas normas
vigentes, desde que notifique os interessados com a devida antecedência, os quais terão
o direito de manifestar sobre elas.
Os aspectos mais relevantes relacionados à Diretiva Autorização são
examinados a seguir.
Conceito jurídico de autorização geral
A definição de autorização geral foi estabelecida pela alínea ´a´ do
parágrafo 2 do art. 2° da Diretiva, e dispõe que:
Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia
“Autorização geral significa o quadro regulamentar estabelecido pelosEstados-Membros que garante os direitos relacionados com a oferta deserviços ou redes de comunicações eletrônicas, e que fixa obrigaçõessetoriais específicas que podem ser aplicadas a todos os gêneros ou agêneros específicos de serviços e redes de comunicações eletrônicas,em conformidade com a presente diretiva”.
Embora a designação oficial remeta à expressão “autorização geral”, é
comum vê-la referenciada na literatura e na mídia como “licença única”, termo
considerado duplamente errôneo por Couto (2007). Primeiramente, porque o regime não
é propriamente de licença, visto que não há submissão prévia da requisição de prestação
do serviço ao regulador, o que se constitui na característica mais inovadora instituída
pela Diretiva. Em segundo lugar, porque a autorização não pode ser considerada única.
A título de ilustração, caso um operador deseje prestar os serviços de telefonia fixa local
e de IPTV28, ele deve notificar o regulador em separado sobre cada um deles. A
autoridade, por sua vez, também deverá expedir autorizações distintas, cada qual com a
descrição dos direitos e obrigações relacionados aos serviços em questão.
Condições de prestação dos serviços
No que diz respeito às condições gerais de prestação dos serviços, o
regime tem escopo minimalista. Segundo de La Torre et alii (2007), sob a perspectiva
dos direitos derivados da autorização geral, são concedidas prerrogativas mínimas à
operadora, entre elas a de prover serviços e redes de comunicação eletrônica, a de
negociar interconexão com outros provedores europeus, a de exercer direitos de
passagem e a de receber recursos destinados aos provedores de serviço universal, para o
caso de operadores de redes e serviços públicos.
28 Acrônimo de Internet Protocol Television.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 56
As condições a que podem estar submetidas as operadoras aderentes
ao regime são classificadas em três categorias. Na primeira, incluem-se as oriundas de
instrumentos legais aplicáveis a todos os segmentos econômicos. Na segunda, estão as
condições específicas sobre serviços e redes de telecomunicações que demandam
recursos de espectro e de numeração. Na terceira categoria, estão englobadas as
condições que podem ser impostas a todas as operadoras aderentes ao regime de
autorização geral.
Estas últimas são listadas de forma exaustiva na Parte A do Anexo à
Diretiva Autorização, e restringem-se às seguintes: contribuição para o financiamento
de serviços universais; pagamento de taxas administrativas; interoperabilidade de
serviços e interconexão de redes; obediência aos planos nacionais de numeração;
adaptação às regulamentações de planejamento urbano; oferta de co-locação e
compartilhamento de infra-estruturas; obrigações de transporte (“must-carry”) em
conformidade com a Diretiva de Acesso Universal – Diretiva 2002/22/CE –; proteção
de dados pessoais e privacidade; regras de proteção ao consumidor específicas para
comunicação eletrônica; restrições à transmissão de conteúdos nocivos e ilegais; dever
de informar a prestação do serviço ou operação da rede por meio de procedimento de
notificação; permissão de escuta autorizada se solicitado por autoridades competentes;
compromisso de uso para serviços de emergência em casos de desastres de grandes
proporções; limitação à geração de campos eletromagnéticos, compatível com a
legislação da Comunidade; obrigações de acesso; manutenção da integridade de redes
públicas; segurança de redes públicas contra acessos não autorizados; condições de uso
de radiofreqüências, não necessariamente com a garantia de direito exclusivo de uso, e
medidas impostas para assegurar o cumprimento dos padrões da Diretiva Quadro.
A imposição de condições suplementares só se justifica em caso de
segurança nacional ou quando demandar o uso de radiofreqüências ou numeração. Essa
característica permite que mercados emergentes, como o de VoIP, não se sujeite a
obrigações inapropriadas.
É importante ressaltar que, consoante o disposto no parágrafo 1 do art.
6° da Diretiva Autorização, uma ou mais das condições previstas na Parte A do Anexo
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 57
poderão ser aplicáveis ao serviço ou rede em causa. Portanto, sobre cada serviço ou rede
recaem obrigações distintas29.
No que tange às sanções imputáveis às operadoras, a Diretiva
determina que elas sejam proporcionais à infração cometida, de modo que a suspensão
ou revogação do direito sobre a autorização só possa ser aplicada em casos
excepcionais, e como última alternativa.
O regime instituído também pretende evitar a cobrança de elevadas
taxas recorrentes incidentes sobre a operação de redes e prestação de serviços de
comunicações. Essa prática, que era usual em muitas nações, desencorajava a entrada de
novas empresas no mercado. Assim, a Diretiva dispõe que as taxas devem ser utilizadas
exclusivamente para cobrir os custos administrativos de manutenção das atividades dos
reguladores. Determina ainda que o gerenciamento das taxas cobradas seja transparente,
de maneira que os recursos arrecadados e as despesas administrativas realizadas sejam
publicados anualmente.
As taxas administrativas podem ser fixas ou cobradas com base no
faturamento da companhia, enquanto que as vinculadas ao uso de espectro podem ser
pagas em uma ou mais parcelas, devendo financiar as atividades do regulador que não
possam ser cobertas pelas taxas administrativas. A Diretiva estabelece que as taxas
sejam cobradas de maneira a assegurar o uso eficiente de radiofreqüências, números e
direitos de passagem, devendo ser devidamente justificadas, não discriminatórias e
proporcionais.
Direitos de uso de espectro
Conforme já mencionado, os serviços de comunicação eletrônica que
demandarem uso de radiofreqüências são submetidos a regramentos especiais. Não
obstante, a Parte B do Anexo da Diretiva Autorização determina as condições que
podem ser associadas aos direitos de utilização de espectro, as quais abrangem duração,
pagamento de taxas de utilização e conformidade com padrões técnicos para evitar
interferência, entre outras.
As Diretivas dispõem ainda que os reguladores somente poderão
limitar o número de provedores em virtude da escassez de recursos, sobretudo espectro.
29 A implementação prática desse dispositivo será abordada posteriormente neste capítulo, no casoespecífico da regulamentação britânica.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 58
Nesse aspecto, o regime de autorização geral aproxima o modelo europeu do praticado
nos Estados Unidos e no Canadá, onde praticamente não há requisitos para o
provimento de serviços de telecomunicações, consoante salientam Intven et alii (2007).
De acordo com Medeiros (2004), o novo arcabouço europeu também
inovou significativamente ao prever a possibilidade de transferência de direitos de uso
de radiofreqüência. De acordo com o previsto no art. 9 da Diretiva Quadro, “Os
Estados-Membros poderão prever a possibilidade de as empresas transferirem os
direitos de utilização de radiofrequências para outras empresas”.
O relatório independente “Study on conditions and options in
introducing secondary trading of radio spectrum in the European Community”,
encomendado pela Comissão Européia junto a Analysis Consulting, DotEcon e
Hogan&Harston, estimou benefícios financeiros da ordem de nove bilhões de euros
com a liberação do mercado de espectro na região. O estudo, publicado em 2004, além
de recomendar aos países membros a adoção da medida, propôs as condições para
introduzi-la.
Regulação diferenciada para operadoras que detenham PMS
No novo marco institucional, a ênfase da supervisão regulatória na
infra-estrutura foi substituída pelo foco na regulação de mercado. Nesse sentido, são
diversas as referências nas Diretivas que imputam condições regulatórias diferenciadas
para as prestadoras que detenham PMS, sobretudo no que diz respeito a obrigações de
universalização e de acesso. Nesse sentido, a citação 17 da exposição de motivos da
Diretiva Autorização esclarece que (grifos nossos):
Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia
“(17) As obrigações específicas dos fornecedores de serviços e redesde comunicações eletrônicas com poder de mercado significativo,como definido na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e doConselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentarcomum para redes e serviços de comunicações eletrônicas (diretiva-quadro), que podem ser impostas de acordo com o direito comunitário,devem ser impostas separadamente dos direitos e obrigações geraisdecorrentes da autorização geral.”
Em relação à definição do que seja PMS, Walden (2005) assinala que,
após intenso debate entre os membros da Comunidade, estabeleceu-se o disposto no art.
14(2) da Diretiva Quadro, que estatui que:
Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 59
“Considera-se que uma empresa tem poder de mercado significativose, individualmente ou em conjunto com outras, gozar de uma posiçãoequivalente a uma posição dominante, ou seja, de uma posição deforça econômica que lhe permita agir, em larga medida,independentemente dos concorrentes, dos clientes e mesmo dosconsumidores”.
Durante a discussão, foi majoritária a opinião de que, devido às
variações entre as estruturas de mercado de cada país e às singularidades das análises de
caso, não seria pertinente fixar um percentual de participação de mercado para definir o
conceito de PMS.
Segregação entre programação e distribuição de conteúdo
A Diretiva Quadro estabeleceu uma clara diferenciação entre as
camadas de programação e distribuição de conteúdo, de sorte que os chamados
“serviços de informação” não foram incluídos no seu escopo. Essa situação difere da
realidade norte-americana, onde as operadoras de redes públicas de telecomunicações
que executem serviços de informação se submetem a regulação distinta da aplicável
àquelas que apenas prestam serviços de telecomunicações. Assim, nos Estados Unidos,
uma provedora de serviços de Internet que também opere a rede ou o serviço de
comunicação eletrônica associado a eles não se submete à regulação de
telecomunicações, conforme assinala Flanagan (2005):
“Por exemplo, provedores de serviços de Internet na União Européia que façamprovimento de redes e serviços de comunicação eletrônica, tais como a transmissãode correio eletrônico, e serviços de conteúdo, tais como correio eletrônico, sãoregulados tanto por regimes de comércio eletrônico quanto de comunicações. NosEstados Unidos, eles não seriam regulados sob o regime de telecomunicações, assimcomo a transmissão de correio eletrônico não seria separada do correio eletrônicocomo um serviço de valor adicionado ou de informação.”30
Implementação da Diretiva Autorização nos Países membros
Conforme salienta Flanagan (2005), as disposições contidas na
Diretiva Autorização são genéricas, não diretamente aplicáveis a nenhum Estado-
Membro. Por isso, cada país a internalizou em seu próprio ordenamento jurídico de
maneira particular. Na Suécia, os termos da Diretiva foram inseridos em legislação
ordinária, enquanto que na Noruega e na Irlanda os requisitos mais relevantes constam
30 Flanagan, A. Authorization and Licensing, In: Walden, I. e Angel, J. (orgs.), Telecommunications Lawand Regulation, Nova York, Oxford University Press, 2005. p. 153-213 . “For example, ISPs in the EUthat provide electronic communication networks and services, such as the transmission of email, andcontent services, such as email, are regulated under both the e-commerce and communications regimes. Inthe US, they would not be regulated under the telecommunications regime as the email transmissionwould not be separated from the email as an enhanced or information service” – tradução livre dooriginal.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 60
em regulação infra-legal. Mais raramente, há casos em que o arcabouço que delineia o
processo de obtenção de licenças é fundado em decisões regulatórias.
Além disso, a generalidade dos dispositivos instituídos pela Diretiva
pode gerar diferentes entendimentos pelos Países-Membros. Segundo Cohen et alii
(2006), um exemplo disso ocorre com a prestação de serviços mediante VoIP. A
Diretiva Acesso Universal prevê a existência de duas categorias de serviços: os serviços
de comunicação eletrônica (Electronic Communications Services – ECS) e Serviços
Publicamente Disponíveis de Telefonia (Publicly Available Telephone Services –
PATS). Os primeiros são submetidos a regulação mais branda, enquanto que os últimos
se sujeitam a controles e obrigações mais rígidos. A classificação dos prestadores de
VoIP em conformidade com essa categorização não é interpretada de forma uniforme na
Comunidade: enquanto Espanha e Reino Unido atribuem às próprias operadoras a
referida classificação, Áustria e Finlândia estabelecem parâmetros específicos para os
serviços, conferindo menor liberdade na prestação do serviço.
A Diretiva Autorização também assegura a qualquer provedor público
de rede de comunicação eletrônica o direito de negociar interconexão. O conceito de
provedor de rede de comunicação eletrônica, entretanto, varia conforme o país:
enquanto na Dinamarca ele abrange não apenas companhias telefônicas tradicionais,
mas também provedores de Internet e radiodifusores, na Grécia esse conceito é mais
restrito, englobando provedores públicos de telefonia e de linhas dedicadas.
No que concerne à implementação da Diretiva Autorização no Reino
Unido, cabe ressaltar que não há um documento legal específico que verse sobre os
termos da autorização geral. Em seu lugar, há um conjunto de vinte e uma “Condições
Gerais de Habilitação” aprovadas pelo órgão regulador, composto de quarenta e nove
páginas de direitos, obrigações e definições. Embora especialistas como Flanagan
(2005) entendam que o regulador britânico teria exorbitado das prerrogativas conferidas
a ele pela Diretiva Autorização ao dispor sobre algumas dessas condições, na prática,
elas representam a transposição, para o arcabouço jurídico local, das restrições previstas
na parte A do Anexo à Diretiva Autorização.
Ainda em relação ao ordenamento britânico, enquanto algumas dessas
condições são aplicáveis a todos os operadores de redes e provedores de serviços, outras
são válidas apenas para um subconjunto bem delimitado deles. A “Condição 1”, que
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 61
dispõe sobre obrigações gerais de acesso e interconexão31, determina que os provedores
de Redes de Comunicação Publicamente Disponíveis (PECN), se demandados por outro
PECN, são obrigados a negociar interconexão em prazo razoável. Dessa forma, essa
obrigação aplica-se apenas aos PECN, e não aos demais provedores de redes. Por sua
vez, a “Condição 3” impõe aos provedores de redes de telefonia fixa pública, em
especial, o dever de adotar as medidas necessárias para assegurar funcionamento
adequado e efetivo da rede. Em contraste, a “Condição 2”, que trata das padronizações e
interfaces, atribui a todo e qualquer provedor de serviços ou operador de redes de
comunicação eletrônica o encargo de atender os padrões técnicos compulsórios
adotados pela União Européia.
Cabe ressaltar ainda que, no caso britânico, para a prestação de
serviços diversos, a operadora deve encaminhar diferentes notificações ao regulador.
3.4 Modelo híbrido (múltiplas licenças convergentes)
Segundo Pereira Filho (2005a), em que pese a tendência mundial pela
adoção de regimes de licenciamento de classe e de autorizações gerais, o legado de
modelos de outorga construídos em períodos anteriores à explosão da convergência
constitui-se em obstáculo particularmente relevante para os países emergentes. O caso
brasileiro ilustra essa situação. O País atraiu cerca de 20 bilhões de dólares de
investimentos no processo de privatização e, para tanto, ofereceu aos investidores
estrangeiros uma série de condições favoráveis na prestação dos serviços de
telecomunicações. Para a preservação de ambiente regulatório estável, é imprescindível
que as regras pactuadas sejam obedecidas.
Diante de cenários como esse, no intuito de estabelecer uma transição
suave entre modelos regulatórios, é comum a adoção de regimes híbridos, que
combinam características dos sistemas anteriormente abordados. Nesse espírito, no
Brasil, o SCM foi instituído em resposta à demanda dos agentes econômicos pela
aglutinação de serviços de telecomunicações; porém, a maioria das licenças tradicionais
foi preservada pela Anatel. De forma gradativa, a Agência tem sinalizado aos agentes
que pretende substituir o sistema de classificação baseado em serviços específicos por
uma ou mais licenças convergentes. Esse assunto será examinado em mais detalhes
posteriormente neste trabalho.
31 Em consonância com a condição A(3) do Anexo à Diretiva Autorização.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 62
Concluindo, os principais sistemas de licenciamento em classe
praticados no mundo – Malásia, Cingapura e Austrália – apresentam características
nitidamente híbridas, haja vista previrem parcela de serviços que são outorgados
mediante licenças específicas. Essa constatação explica o crescente interesse dos
reguladores – em especial, da Anatel – pela adoção de regimes dessa natureza.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 63
4 – LICENCIAMENTO CONVERGENTE
Os regimes de licenciamento convergentes em operação no mundo
foram construídos com propósitos diversos. Enquanto alguns foram arquitetados com o
objetivo central de simplificar os procedimentos de entrada no mercado, outros visaram
primordialmente à instituição de sistemas de regulação por camadas. A tabela 4.1
sumariza algumas dessas experiências.
Tabela 4.1 – Regimes de licenciamento convergentes (fonte: adaptado deNarayan et alii (2004))
País Regime de licenciamento
Austrália Licenças de transporte e de provimento de serviços
União Européia Regime de autorização geral
Japão Simples registro/notificação
Malásia Regime de licenciamento baseado em classes
Cingapura Licenciamento baseado em facilidades e serviços
Argentina Regime de licenciamento único
Narayan et alii (2004) apontam como os principais objetivos do
regime de licenciamento convergente: (a) encorajar o crescimento de novas aplicações e
serviços; (b) simplificar procedimentos de licenciamento para facilitar a entrada no
mercado de novos operadores; (c) criar regulamentação abrangente em assuntos como
interconexão, qualidade de serviço, acesso/serviço universal e alocação de espectro e
numeração; (d) assegurar flexibilidade regulatória de maneira a não obstar o
desenvolvimento tecnológico e de mercado; (e) assegurar uso eficiente de recursos de
infra-estrutura, de modo que cada rede possa ser empregada para prover vasto leque de
serviços; (f) encorajar a entrada no mercado tanto de operadores de larga escala quanto
de pequenos empreendedores, e (g) assegurar ambiente regulatório estável e de
convivência entre os competidores.
4.1 Benefícios e desvantagens do modelo convergente de outorga
Conquanto haja carência de indicadores que atestem as vantagens
proporcionadas pelos sistemas de licenciamento convergentes, diversos autores apontam
benefícios para operadores, consumidores, governos e reguladores. Ndukwe (2005)
discrimina as seguintes vantagens do modelo convergente:
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 64
Operadores: a) permite aproveitamento das economias de escopo32,
como resultado do compartilhamento de infra-estrutura para provimento de múltiplos
serviços, mediante uso da capacidade ociosa da rede ou de investimentos incrementais.
Esse é o caso das operadoras de TV a cabo que passaram a prestar os serviços de
telefonia fixa e de banda larga sob uma mesma plataforma de telecomunicações; b)
permite que o operador se beneficie rapidamente das potencialidades das novas
tecnologias, haja vista não existirem barreiras regulatórias para provimento de novos
serviços e uso de novas redes; c) aumenta a rentabilidade dos negócios ao facilitar a
diversificação das atividades das operadoras e o aumento de base de clientes; d) redução
dos custos administrativos das operadoras, e e) permite o avanço de novas operadoras
em nichos de mercado até então explorados somente por grandes empresas. Cumpre
salientar que, ao mesmo tempo em que os novos modelos podem representar
oportunidades de negócios para algumas empresas, podem também significar risco de
insucesso para outras, sobretudo aquelas que não se prepararam devidamente para o
processo de convergência, sob os prismas tecnológico, mercadológico e financeiro.
Consumidores: a) torna os preços dos serviços mais acessíveis em
conseqüência do aumento da concorrência e da redução dos custos dos serviços para as
operadoras; b) permite maior diversidade de serviços à disposição do usuário. No
Brasil, uma parcela dos consumidores já começou a se beneficiar dessa tendência, ao
passar a dispor de mais alternativas de serviços a preços mais reduzidos, visto que a
expansão na oferta tende a reduzir a dependência por infra-estruturas específicas na
última milha; c) estimula o desenvolvimento de tecnologias e serviços orientados para
as demandas do consumidor; d) possibilita o atendimento à expectativa do consumidor
de relacionamento com menor número de operadoras, e e) permite economia no número
de equipamentos terminais que o consumidor terá que adquirir.
Regulador/governo: a) simplifica os procedimentos de licenciamento,
diminuindo o custo de regulação; b) assegura flexibilidade e uso eficiente de recursos
escassos; c) estimula pequenos operadores eficientes a cobrir áreas de nicho, em
particular em áreas remotas, rurais e não servidas; d) facilita a entrada no mercado de
novos operadores; e) incentiva o uso de novas tecnologias e serviços, e f) permite o
surgimento de novos negócios e oportunidades de trabalho.
32 Segundo Ramos (2006b), economias de escopo existem quando é menos custoso para uma empresaproduzir dois ou mais produtos simultaneamente do que seria para produzi-los em separado.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 65
A evolução da Internet é reiteradamente citada na literatura como
demonstração de que a liberdade regulatória induz competição robusta no mercado,
mesmo em áreas geográficas pequenas. Na maior parte do mundo, o provimento de
Internet não está submetido a rigorosas barreiras econômicas de entrada, licenciamento
individual ou requisitos administrativos complexos. Por esse motivo, a natureza
desregulada do serviço é normalmente apontada como razão para sua rápida expansão,
em contraponto a mercados caracterizados por elevados custos de entrada, pesados
trâmites burocráticos associados e sujeição a ações arbitrárias por parte do regulador,
que usualmente desencorajam o investimento, a inovação tecnológica e a entrada
competitiva. Wallsten (2003) destaca que esse argumento se torna ainda mais
convincente quando se constata que os países que demandam aprovação regulatória para
operação dos provedores de serviços de Internet possuem menos servidores e usuários
na rede mundial do que países onde não se faz tal exigência. Cumpre observar ainda que
a não submissão de provedores de Internet a processos de licenciamento não os
desobriga da supervisão governamental. Nesse sentido, argumenta que o enfoque mais
apropriado para a questão consiste na submissão do serviço às regras gerais aplicáveis
às demais atividades econômicas.
Além disso, Martin et alii (2004) assinalam que a existência de
arcabouço regulatório simplificado é um dos principais elementos considerados pelos
investidores que desejam aportar capitais em mercados emergentes. O Marrocos, que
possui regime de licenciamento tradicional, recentemente encontrou dificuldade para
atrair investidores interessados em competir no serviço de telefonia fixa; enquanto isso,
Mali e Uganda, que optaram por conferir ao segundo operador de telefonia fixa a
alternativa de escolher a tecnologia empregada para prestação do serviço, tiveram mais
sucesso em encontrar investidores.
Outro aspecto relevante é que o controle de tarifas sobre serviços
específicos torna-se mais difícil em um ambiente de convergência regulatória, em razão
da emergência de provedores que ofertam serviços de grande substitutibilidade. No
Brasil, essa situação pode ser verificada no mercado de voz, em que as tarifas são
rigorosamente reguladas apenas para as concessionárias do STFC. Embora a
convergência tecnológica entre os serviços fixos e móveis seja uma realidade iminente,
do ponto de vista regulatório, a submissão de ambos os serviços a regimes tarifários
diferenciados certamente postergará essa tendência. Esse problema se tornará ainda
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 66
mais acentuado com o pleno desenvolvimento dos serviços VoIP, cuja operação ainda
não se encontra completamente regulada. Esse exemplo ilustra o fato de que regimes de
licenciamento baseados em tecnologias específicas podem criar barreiras artificiais que
limitam a introdução de inovações tecnológicas e os benefícios proporcionados por elas.
Em contrário, os regimes convergentes, orientados à neutralidade tecnológica,
usualmente estão preparados para esse desafio.
Conquanto o balanço dos resultados alcançados após a implantação do
regime de autorização geral na União Européia seja positivo, foram detectados riscos
relacionados à insegurança jurídica na aplicação do novo regime. Como não há controle
prévio do regulador sobre um novo serviço prestado, caso ele contrarie dispositivos
legais existentes, o regulador só poderá a intervir a posteriori. A suspensão de uma
oferta já em estágio de comercialização no mercado conseqüentemente causará grandes
prejuízo para o operador e seus assinantes. Couto (2007) reporta que tal situação
ocorreu recentemente em Portugal, quando a operadora Optimus lançou o serviço de
telefonia denominado “Optimus Home”, baseado no acesso à rede móvel GSM, mas
com tarifas e numeração característicos ao serviço fixo. Dez dias após o início da
operação do serviço, o órgão regulador português – Anacom – ordenou a sua suspensão,
baseado no argumento de que a sua atribuição de numeração contrariava o Plano
Nacional de Numeração. Não obstante a agência ter recuado do seu posicionamento
original, o mencionado exemplo dá uma noção dos riscos envolvidos na aplicação do
novo regime, bem como demonstra que ele se encontra ainda em processo de franco
amadurecimento.
No que tange ao VoIP, há crescente reconhecimento de que a
comunicação de voz em tempo real, independentemente da plataforma tecnológica
empregada para transmiti-la, é uma só (Martin et alii, 2004)). Porém, a completa
liberalização do serviço e a falta de padronização mínima podem causar sérios
problemas para o regulador. O primeiro deles diz respeito à dificuldade de interceptação
legal de ligações telefônicas e de identificação de chamadas de emergência. Caso os
operadores de VoIP sejam completamente liberados de licenciamento, a monitoração de
chamadas suspeitas poderá até mesmo ser inviabilizada. Ademais, a prática pode levar à
conclusão de que a taxação de serviços não licenciados pode se revelar complexa para o
regulador, gerando assimetria tributária em relação aos operadores licenciados.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 67
O estabelecimento de índices de qualidade de serviço33 é apontado
como outra dificuldade dos regimes convergentes. Embora os padrões comerciais de
qualidade de serviço – índices de recebimento de contas erradas, de reparo no serviço,
etc – possam normalmente ser aplicados indistintamente da tecnologia empregada pela
operadora, o mesmo não ocorre para os padrões técnicos que aferem a sua qualidade.
Exemplificando, na medição do QoS para telefonia pública, normalmente é empregada
a métrica do índice de ligações não completadas, enquanto que para o serviço de banda
larga é usada a taxa de perda de pacotes.
Por sua vez, o documento “Consultation Paper on Unified Licensing
for Basic and Cellular Services”34, elaborado pela autoridade regulatória indiana
TRAI35, alerta que a combinação entre a convergência tecnológica, o processo de
consolidação empresarial em curso no mundo e a tendência de licenciamento
convergente pode causar prejuízos para a competição. Nesse sentido, a flexibilização da
prestação dos serviços de telecomunicações sem a adoção conjunta de medidas de
combate a práticas abusivas decorrentes da concentração de mercado pode acarretar
sérios danos para o consumidor.
4.2 Eficácia do regime convergente
Pela abrangência dos países envolvidos no regime e pelo pioneirismo
na sua implantação, o regime de autorização geral adotado pela Comunidade Européia
pode ser considerado o principal parâmetro de aferição da eficácia dos modelos de
outorga convergentes. Passados mais de quatro anos da sua adoção, o regime europeu
atualmente encontra-se em fase de revisão – a chamada “Revisão 2006” –, em
atendimento ao art. 16 da Diretiva Autorização, que prevê a reavaliação periódica do
funcionamento dos sistemas nacionais de licenciamento.
De acordo com Couto (2007), a expectativa é que não sejam
implementadas mudanças substanciais, o que parece sinalizar que seu funcionamento é,
no mínimo, satisfatório. Cabe salientar que as principais recomendações indicadas no
exame preliminar submetido à consulta pública, em outubro de 2006, apontam para o
33 Quality of Service – QoS.34 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).35 Acrônimo de Telecom Regulatory Authorithy of India.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 68
aprofundamento das medidas de convergência regulatória. O estudo recomenda a
implantação de nova política de gestão de espectro, em que os detentores de direitos de
uso de radiofreqüências poderão optar pela tecnologia empregada e pelo serviço
prestado. Além disso, propõe a significativa redução dos mercados relevantes
suscetíveis a regulação ex-ante, que passariam de dezoito para doze, dentre os quais
apenas um no mercado de varejo36. Recomenda ainda a abertura do debate sobre as
vantagens e desvantagens da separação estrutural de redes.
No que tange aos resultados práticos dos marcos regulatórios
instituídos pelas Diretivas Quadro e Autorização, a Comissão Européia encomendou
três estudos elaborados por consultores externos destinados a apoiar o processo de
revisão do arcabouço regulamentar. O relatório “Preparing the next steps in regulation
of electronic communications - A contribution to the review of the electronic
communications regulatory framework”37, de autoria da Hogan&Hartson, em 2006,
baseou-se em entrevistas realizadas com empresas européias de telecomunicações para
obter informações sobre até que ponto o quadro regulamentar contribuiu para a
concretização dos objetivos da União Européia. Das quarenta operadoras entrevistadas,
apenas duas não apontaram correlação significativa entre a implantação do regime de
autorização geral e a facilitação na entrada ao mercado. Porém, as opiniões se dividiram
em relação à possibilidade de adoção de um regime de autorização geral de alcance pan-
europeu, sobretudo devido às particularidades locais e às diferenças de tratamento de
espectro no âmbito dos Estados-Membros.
Em específico, o relatório aponta vinte e duas recomendações
principais de alteração na Diretiva Autorização, dentre as quais se incluem: (i) definição
mais precisa das circunstâncias para enquadramento de atividades como serviços de
comunicação eletrônica, bem como os casos em que deve haver isenção de autorização
geral; (ii) orientação clara sobre a regulação de VoIP; (iii) consulta sobre a necessidade
de autorizações em âmbito pan-europeu, com a identificação dos serviços que poderiam
se beneficiar dessa decisão; (iv) aprofundamento da discussão sobre gerenciamento
36 Em novembro de 2007, a Comissão Européia divulgou a redução do número de mercados relevantespara apenas sete. Europa reduz de 18 para 7 os mercados relevantes em telecom. Banda larga, no alvo daregulação. Tele.Síntese – Análise. 14-11-2007, nº 119, p. 4.37 HOGAN & HARTSON E ANALYSYS. Preparing the next steps in regulation of electroniccommunications - A contribution to the review of the electronic communications regulatoryframework. Bruxelas: Comunidade Européia, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://ec.europa.eu/information_society/policy/ecomm/doc/info_centre/studies_ext_consult/next_steps/regul_of_ecomm_july2006_final.pdf (Consultado em 25.08.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 69
flexível de espectro; (v) vinculação do uso de faixas de freqüência a tecnologias ou
serviços específicos somente com a devida justificação, em respeito ao princípio da
neutralidade; (vi) estudo sobre comercialização de espectro, e (vii) exame sobre a
necessidade do desenvolvimento de um novo sistema de numeração telefônico europeu.
Por sua vez, o documento “An Assessment of the regulatory
framework for electronics communications: growth and investment in the EU e-
Communications sector”38, elaborado em 2006 pela London Economics em associação
com a PriceWaterhouseCoopers, é conclusivo no sentido de apontar a regulação como
um fator positivo na atração de investimentos para o setor. Revela ainda que os
investimentos em comunicação eletrônica na União Européia mostraram recuperação a
partir de 2004, e que, comparativamente aos Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, os
quinze Estados-Membros inclusos na pesquisa obtiveram desempenho
significativamente superior nesse quesito.
O estudo indica que os principais fatores regulatórios que contribuem
para o aumento de percepção de segurança para o investidor são: legislação clara;
implementação tempestiva da regulamentação; interpretação abrangente dos requisitos
previstos na legislação; harmonização entre Estados-Membros; comunicação entre
órgãos reguladores; processos de apelação adequados e bem dosados, e poderes
coercitivos atribuídos aos reguladores.
Porém, de acordo com o modelo de regressão empregado no
documento, a magnitude do efeito do regime regulatório sobre o aumento dos
investimentos é inferior às decorrentes de outros fatores, como renda per capita,
densidade populacional, novas oportunidades de mercado, condições econômicas gerais
e mudanças tecnológicas.
O relatório “Regulatory Scorecard 2006”39, divulgado em dezembro
de 2006 pela ECTA – Associação Européia para a Concorrência nas Telecomunicações
–, esclarece que, três anos após a entrada em vigor do novo quadro regulamentar, os
38 LONDON ECONOMICS E PRICEWATERHOUSECOOPERS. An Assessment of the regulatoryframework for electronics communications: growth and investment in the EU e-Communicationssector. Lisboa: Anacom, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=202262&contentId=395098. (Consultado em25.08.2007).39 EUROPEAN COMPETITIVE TELECOMMUNICATIONS ASSOCIATION - ECTA. RegulatoryScorecard 2006. Lisboa: Anacom, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=54689&contentId=430737. (Consultado em25.08.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 70
Estados-Membros onde a regulamentação já foi implementada na íntegra alcançaram
sucesso mais expressivo em termos de competição e investimento nas comunicações
eletrônicas. O estudo, cujos parâmetros básicos de análise foram o enquadramento
institucional, as condições gerais de acesso ao mercado e a efetiva aplicação do quadro
regulamentar das comunicações eletrônicas, foi elaborado com fundamento em noventa
e sete critérios selecionados em conformidade com as regras e linhas de orientação da
OMC e da União Européia.
A publicação também assinala o fato de que os consumidores dos
países em estágio menos avançado de implantação das reformas continuam a pagar
preços mais elevados pelos serviços. Em adição, as nações que ocupam os primeiros
lugares do comparativo elaborado – Reino Unido, Dinamarca e França – possuem maior
variedade de ofertas de telecomunicações, bem como maior taxa de crescimento e de
investimento no setor. De forma inversa, Polônia, Grécia e Alemanha, que ocupam os
últimos lugares nessa classificação, ainda não alcançaram ambiente favorável à
concorrência no segmento, o que induz a reflexos negativos tanto para consumidores
quanto para a iniciativa privada.
Porém, ainda pairam dúvidas entre reguladores a respeito da real
eficácia dos novos regimes de outorga. Conforme já mencionado, o regulador indiano
TRAI alerta que a evolução em direção ao licenciamento convergente pode acarretar
prejuízos para a competição, caso não sejam adotadas salvaguardas apropriadas. Entre
especialistas do setor, até mesmo o modelo europeu ainda suscita desconfianças,
conforme expressa a declaração de Flanagan (2005, p.212):“Ainda veremos se este
regime ‘suave’ é realmente efetivo”.
4.3 Transferência de modelos de licenciamento
Diante do relativo êxito na implantação dos regimes de licenciamento
convergentes, é natural que diversos países pretendam estendê-los a seus ordenamentos
locais. Porém, como ponto de partida, é imprescindível salientar que não existe um
texto regulatório padrão que possa ser reproduzido para a realidade de outra nação,
conforme ressaltam Buckingham et Willians (2005).
Mesmo o modelo da União Européia – considerado exemplo
paradigmático de regime convergente de sucesso – estabelece apenas parâmetros que
devem orientar a elaboração das normatizações nos países da Comunidade, visto que
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 71
cada nação possui situações específicas que não podem ser desconsideradas. A mera
transposição das regras das Diretivas européias para o arcabouço jurídico de países
emergentes é uma tarefa ainda mais inalcançável, em virtude das diferenças nas
composições mercadológicas e nos ambientes institucionais.
Da mesma forma, o emprego do modelo norte-americano como
referência para outras nações, sobretudo as menos desenvolvidas, carece de viabilidade
prática. As características intrínsecas daquele país, como a natureza federalista que
limita os poderes do governo central, a multiplicidade de entidades reguladoras, a
ausência da presença estatal no setor de telecomunicações em passado recente e a
discricionariedade atribuída aos órgãos reguladores tornam a realidade norte-americana
um caso sui generis em todo o mundo.
Outra forte diferenciação entre o cenário europeu e o dos países
emergentes observa-se na estrutura de mercado. Segundo Buckingham et Willians
(2005), nos países da União Européia, os sistemas de telefonia fixa e celular coexistem
com certo equilíbrio, enquanto que, nos países em desenvolvimento, as redes móveis se
tornaram a fonte primária de acesso a serviços de telecomunicações. Sendo assim, a
vital importância atribuída à desagregação da última milha na Comunidade Européia
não encontra a mesma guarida nos países emergentes. Além disso, em razão das
diferenças socioeconômicas entre as regiões do planeta, o conceito de universalização
previsto nas Diretivas européias não se encaixa nas demandas da maioria das nações:
enquanto na Europa o foco é direcionado para a qualidade e o preço dos serviços, nos
países emergentes, a preocupação é assegurar o acesso aos serviços de
telecomunicações para toda a população.
Em relação aos aspectos institucionais, a ausência de um judiciário
capacitado em assuntos regulatórios, a falta de ambiente regulamentar suficientemente
consolidado e as freqüentes interferências políticas sobre as atividades de regulação são
características usualmente encontradas em países em desenvolvimento. Esse ambiente
de insegurança jurídica afeta a credibilidade dos investidores sobre os mercados, o que
demanda a construção de quadros normativos orientados a conferir limitada
discricionariedade aos reguladores locais, de modo a reduzir o risco de expropriação dos
investidores, conforme assinalam Levy et Spiller (1995). Ademais, em grande parte
desses países, a atração de capitais estrangeiros no processo de desestatização
implementado nos últimos quinze anos só foi possível com a oferta de significativos
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 72
benefícios para as operadoras, como a concessão de direitos de exclusividade por
grandes períodos. Essas condições especiais acabaram por se refletir diretamente nos
sistemas de licenciamento, que se caracterizam por possuir flexibilidade mais restrita
em relação ao regime empregado na Comunidade Européia. Dessa forma, as licenças
são extremamente detalhadas, de modo a prever em minúcias todos os direitos e
obrigações vinculados à prestação dos serviços.
Considerando esses argumentos, Buckingham et Willians (2005)
destacam os seguintes elementos do regime de licenciamento europeu como passíveis
de transferência para os ambientes regulatórios de países em desenvolvimento: (i)
criação de autoridade reguladora independente; (ii) desenvolvimento de mecanismos
eficientes de apelação; (iii) princípio da provisão de redes abertas; (iv) aplicação de
controles regulatórios mais rígidos apenas para operadoras que detenham PMS; (v)
neutralidade tecnológica; (vi) redução de barreiras à entrada nos mercados; (vii)
minimização de custos administrativos sobre as operadoras; (viii) busca de consenso por
meio da realização de consultas públicas, e (ix) simplificação dos processos de
licenciamento. Como aspectos de difícil transposição, assinalam: (i) foco na regulação
de redes fixas; (ii) delimitação de metas de serviços universal em consonância com os
parâmetros europeus; (iii) regime de licenciamento baseados em mera notificação; (iv)
complexidade do arcabouço regulatório; (v) elevado nível de discricionariedade
atribuído ao órgão regulador, e (vi) assunção da existência de leis eficientes de combate
a condutas anticoncorrenciais.
No que diz respeito à simplificação das licenças, para transmitir
segurança aos investidores, os autores recomendam a preservação das cláusulas que
estabeleçam os requisitos fundamentais de prestação do serviço que forem aplicáveis
especificamente à atividade em questão, remetendo a dispositivos da legislação
ordinária e regulamentar os termos de alcance genérico sobre todos os serviços.
4.4 Transição entre regimes
Muitas regulações em vigor até a introdução dos regimes
convergentes foram criadas com o objetivo de proteger operadoras incumbentes de
potenciais competidores. Com o surgimento de tecnologias como o VoIP, muitas nações
mantiveram o sistema tradicional, estabelecendo restrições que impedem que elas
possam ser empregadas para fazer concorrência às operadoras já estabelecidas. Porém,
conforme salientam de La Torre et Maddens (2004), simplesmente ignorar as inovações
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tecnológicas não tem se revelado uma solução adequada, posto que elas continuam a se
desenvolver e, conseqüentemente, a pressionar a abertura dos mercados. E o que é ainda
mais grave: essa abordagem regulatória reticente acaba por confundir tanto investidores
quanto consumidores.
Por esse motivo, tem crescido o número de países que aperfeiçoaram
seus marcos regulatórios com o intuito de conceber regimes de licenciamento “à prova
de futuro”. Embora já haja certo consenso em torno da necessidade da adoção de
sistemas mais abertos, também é unânime que a transição para modelos convergentes
não se trata de tarefa trivial. Conforme ressaltam de La Torre et Maddens (2004, p.107),
a autoridade regulatória indiana TRAI identificou esse problema em 2004, quando
tratou da questão do estabelecimento do regime de licenciamento unificado:
“Em uma situação ideal de mercado, seria de se imaginar que não devesse haverregime algum de licenciamento. Porém, se houver necessidade de um, seus termos econdições devem ser tais que assegurem facilidades para entrada no mercado, taxasde licenciamento as mais baixas possíveis, etc. Essa situação ideal seria possível seestivéssemos começando do zero. Mas iniciamos esse processo em 1994-95 com aliberalização dos serviços básicos e móveis celulares e então, subseqüentemente, acompetição foi aberta em todos os outros serviços de telecomunicações. Temosdiferentes áreas de serviço (municipais e nacionais), diferentes taxas de entrada (dezero a algumas centenas de crores) e diferentes taxas de licenciamento (zero aquinze por cento) para diferentes serviços de telecomunicações. Com esse tipo delegado, pode não ser possível atingir a situação ideal em um passo, mas devemosplanejar a mudança de uma maneira tal que ela possa ser alcançada em poucosanos.”40
Essa declaração ilustra com clareza as dificuldades a que estão
submetidos os governos ao deparar com a necessidade de aperfeiçoamento do regime
regulatório. Segundo Hatfield et Lie (2004b), o desafio reportado pela autoridade
indiana teve em início em 2001, quando os operadores de serviço básico (BSO)41 foram
habilitados a ofertar, além de acessos via fio de cobre, terminais de mobilidade restrita
com a plataforma WLL em suas áreas de cobertura. Como os serviços assim prestados
40 de La Torre, M., Maddens, S. Transitioning Regulation from Old to the New. In: Toure, H.I. (org.),Trends in Telecommunication Reform – 2004/2005. Licensing in an Era of Convergence, Genebra, UniãoInternacional de Telecomunicações, 2004. p. 107-126. “In an ideal market situation, one could imaginethat there should be no licensing regime. If at all there is a licensing regime, then terms and conditionsshould be such that ease of entry, lowest possible licence fee, etc., are ensured. This ideal situation couldhave been possible if we were starting form scratch. But we started this process in 1994-95 with theliberalization of cellular mobile services and basic services and then subsequently competition wasopened to all other telecommunication services. We have different service areas (city to whole nation),different entry fees (zero to a few hundred crores) and different licence fees (zero to 15 per cent) fordifferent telecommunication services. With this type of legacy, it may not be possible to reach an idealsituation in one step, but we should plan in a manner that it may be achieved in a few years.” – traduçãolivre do original.41 Conhecidos como Basic Service Operators – BSO.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 74
alcançaram preços bem mais acessíveis que os dos serviços móveis celulares com
tecnologia GSM, houve grande migração de usuários.
O ápice desse processo se deu quando a taxa de aderência aos serviços
prestados pelas BSO alcançou a marca aproximada de dois milhões de assinantes
adicionais por mês. O órgão regulador indiano se viu diante do seguinte dilema: por um
lado, a solução oferecida pelas BSO havia se tornado muito popular e, pelo outro, as
operadoras com tecnologia GSM, que haviam realizado grandes investimentos para
obtenção de licenças para prestação de telefonia celular, alegavam que não haviam sido
informadas previamente da competição a que seriam submetidas com a liberação da
tecnologia WLL para mobilidade restrita.
A TRAI e as cortes indianas apresentaram uma solução que
compatibilizou a promoção da penetração do serviço e a preservação de um ambiente
regulatório estável. Em novembro de 2003, foi aprovada a criação do Licenciamento
Unificado de Serviços de Acesso – Unified Access Services Licensing – UASL. De
acordo com a decisão adotada, serviços básicos e celulares poderiam ser executados
com base em qualquer tecnologia por detentores de licenças do tipo UASL. Tanto as
BSO quanto as operadoras de telefonia celular poderiam manter suas licenças originais
ou migrar para o novo regime, porém sem direito a novas faixas de espectro. Para as
operadoras de telefonia celular, não foram exigidas taxas para migração; já para as BSO
foi cobrada taxa adicional que correspondia à diferença entre o valor pago pela licença
obtida pela quarta operadora de telefonia celular na área de prestação do serviço e a taxa
já paga pela BSO para prestar o serviço na mesma área. Além disso, ao migrar, a BSO
passaria a obedecer às mesmas obrigações de expansão de rede, cobertura e garantias
bancárias a que estava submetida a provedora de telefonia celular. A introdução do
regime UASL marcou o primeiro passo da Índia em direção à unificação de licenças
para todos os serviços de telecomunicações.
O intrincado exemplo indiano corrobora a tese de que a forma de
migração para sistemas convergentes deve ser individualizada, em razão da natureza do
legado de redes e das condições institucionais, contratuais, regulamentares e legais
vigentes.
Ao lidar com o desafio da transição para regimes de licenciamento
tecnologicamente neutros, de La Torre et Maddens (2004) recomendam que o regulador
empregue metodologia baseada na identificação de respostas às seguintes questões:
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 75
a) Decidir qual o modelo a ser adotado: para tanto, é recomendável
que o regulador leve em consideração as falhas e acertos das experiências internacionais
de sistemas que já se encontrem em operação;
b) Decidir a velocidade de migração para o novo regime: a maioria
dos países implementou processos graduais de migração, estabelecendo cronogramas e
marcos para acompanhamento das ações adotadas, com o propósito de conferir
credibilidade à evolução. A Índia está implantando a licença única em dois estágios: no
primeiro, empreendido a partir de novembro de 2003 com base nas considerações
previstas em Consulta Pública lançada pela TRAI em julho do mesmo ano, foi instituída
a licença única para serviços móveis e fixos; no segundo, planeja-se adicionar nesse
regime a maioria dos serviços restantes. Na Argentina, por sua vez, o governo anunciou
com dez anos de antecedência sua intenção de promover a abertura do mercado, de
modo a preparar as operadoras sobre o prazo para a mudança nas regras de exploração
de serviços. Há registros, no entanto, de países como Cingapura e Hong Kong que
realizaram mudanças abruptas de abertura em relação à competição e à convergência
(de La Torre et Maddens, 2004);
c) Decidir a entidade responsável pelo licenciamento;
d) Mapear os serviços existentes em novas categorias de licenças
convergentes: obviamente, quanto mais simples for o arcabouço de licenciamento
proposto, menor será o trabalho de mapeamento. Esse é o caso do regime de autorização
geral da União Européia, em que as licenças não são mais exigidas. Porém, há
abordagens em que as outorgas são categorizadas por classes, conforme já abordado
anteriormente. Portanto, é necessário decidir quais serviços continuarão a ser
licenciados, quais deverão requerer apenas processo de registro ou notificação e quais
não serão sujeitos a licenciamento.
Quando há embaraços instransponíveis no arcabouço jurídico que
impedem o regulador de adotar sistema integralmente neutro, pode haver nichos em que
o licenciamento pode ser simplificado. O caso brasileiro do SCM expressa essa
realidade: embora haja restrições à prestação de telefonia, televisão por assinatura e
radiodifusão por meio dessa licença, ele aglutinou quinze serviços que anteriormente
eram outorgados em separado, de acordo com a rede de transmissão empregada.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 76
e) Estabelecer instrumentos que assegurem ambiente regulatório
estável: é recomendável a construção de um arcabouço que não imponha desvantagens
competitivas nem para as operadoras já estabelecidas, nem para novas entrantes;
f) Determinar se os licenciados existentes deverão fazer jus a
compensações para migrar para o novo regime: o movimento em direção ao
licenciamento convergente esbarra, em não raras ocasiões, nos benefícios já concedidos
a operadoras incumbentes. O argumento suscitado é o de que a redução das barreiras
financeiras para entrada de novos operadores no mercado caracterizaria situação de
privilégio em favor destas, o que justificaria compensação monetária pelas rendas não
auferidas pelas firmas já estabelecidas em decorrência da implantação do novo regime.
Esse raciocínio foi especialmente preponderante em alguns países de
pequenas dimensões geográficas, onde o incentivo para a atração de investidores se deu
mediante concessão de longos períodos de exclusividade. Em Hong Kong, as
negociações para liberalização do mercado internacional de telecomunicações
iniciaram-se em 1996 e duraram dezoito meses. O resultado foi que, em razão da
antecipação de 2007 para 2000 da perda do monopólio pela exploração do serviço, a
Hong Kong Telecom foi indenizada em cerca de um bilhão de dólares, valor calculado
com base na metodologia de fluxo de caixa descontado no período. O valor monetário
dos benefícios ao consumidor decorrentes dessa antecipação foi estimado em 2,2
bilhões de dólares (de La Torre et Maddens, 2004).
Em Cingapura, como compensação pela antecipação da perda dos
direitos de exclusividade pela exploração dos serviços domésticos e internacionais de
telecomunicações de 2007 para 2000, a Singapore Telecommunications – SingTel –
recebeu 1,05 bilhão de dólares para que se estabelecesse o regime de duopólio. Além
disso, foi concedido à operadora o direito de rebalancear tarifas locais e introduzir
sistema de precificação ao usuário baseado em tarifa plana para chamadas locais. Em
adição, em 2000, a SingTel e a StarHub receberam compensações por nova decisão do
governo de promover a completa abertura do mercado, em substituição ao duopólio
formado por essas companhias.
Porém, a compensação financeira não é uma regra na transição para
modelos de licenciamento convergentes. Cumpre assinalar que a possibilidade de não
pagar altas taxas pela entrada no mercado não garante às operadoras entrantes a
conquista de novos assinantes, visto que as incumbentes sempre levarão a vantagem de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 77
terem partido de base de clientes consolidada, a partir da qual poderão ser ainda mais
beneficiadas com a liberação para provimento de novos serviços. Esse é um dos
principais argumentos para que as incumbentes cooperem no processo de
desenvolvimento de sistemas de licenciamento convergentes. Assim, em diversos países
do Caribe onde a Cable & Wireless detinha direitos de exclusividade sobre alguns
serviços de telecomunicações, a competição foi estabelecida sem necessidade de
pagamentos compensatórios, conforme esclarecem de La Torre et Maddens (2004).
Os mesmos autores salientam que, nas situações em que não há
compensação financeira direta, usualmente a migração se dá por intermédio da abertura
para prestação de novos serviços pelas incumbentes e de outros tipos de incentivos. Na
Malásia, a transição para o regime introduzido em 2000 previu que as operadoras já
estabelecidas oferecessem serviços em áreas onde anteriormente não eram habilitadas a
prestá-los. O Peru encurtou o período de exclusividade para operação de telefonia fixa
local e de longa distância em um ano em troca da eliminação da obrigação de instalar
redes em áreas rurais e não rentáveis.
Por sua vez, a migração em direção à UASL na Índia foi
acompanhada por protestos das operadoras de telefonia celular. Essas empresas
argumentaram que a liberação da mobilidade restrita para operadoras de telefonia fixa
sem a exigência de pagamento das mesmas taxas de entrada pagas por elas colocava as
concorrentes em situação de vantagem competitiva. O governo não concedeu incentivos
compensatórios para as operadoras de telefonia celular sob a justificativa de que, em
1999, havia sido conferido a elas o direito de pagar taxas anuais baseadas em
faturamento, ao invés de taxas de entrada. Ademais, quando a mobilidade restrita foi
facultada para as operadoras de serviços fixos, em 2001, as empresas de telefonia móvel
já haviam sido compensadas com a redução da taxa sobre o faturamento de quinze por
cento para até oito por cento. Adicionalmente, foi permitido a elas reter cinco por cento
sobre os valores pagos aos provedores de telefonia fixa para terminação de chamadas.
Por fim, a TRAI argumentou que as companhias de telefonia celular também foram
habilitadas a oferecer serviços fixos com suas infra-estruturas de tecnologia GSM (de
La Torre et Maddens, 2004);
g) Revisar as regulações de acesso/serviço universal, incluindo
alterações nas obrigações de expansão de rede, cobertura e investimento, bem como
contribuições para fundos de universalização: no passado, eram usuais as políticas de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 78
universalização de telefonia fixa baseadas em subsídios implícitos, que faziam migrar
recursos dos serviços de longa distância para os locais, bem como de usuários
comerciais para residenciais. Com o passar dos anos, foram criados modelos de
subsídios explícitos para regiões de baixa rentabilidade. Os governos passaram a
encarregar-se das tarefas de selecionar os operadores que devem contribuir para os
fundos de universalização, definir a forma de distribuição dos recursos dos fundos e
estabelecer os serviços e entidades que podem recebê-los.
Como a competição, em tese, tende a gerar melhor qualidade de
serviços e menores preços para o usuário final, a necessidade da preservação dos
regimes de universalização nesses moldes passou a ser questionada, principalmente nas
nações desenvolvidas. Esse movimento pode levar à revisão dos serviços que
contribuem para os fundos de universalização, à redução do encargo sobre aqueles que
já pagam e à reavaliação dos serviços onde devem ser aplicados os recursos de
universalização (de La Torre et Maddens, 2004).
Além disso, em muitos países, a universalização passou a ser vista
como oportunidade de negócios, e não como obrigação. Para tanto, é recomendável
reexaminar o arcabouço regulatório no intento de introduzir medidas de incentivo. Uma
delas consiste na redução das taxas de licença para prestadoras que operem em áreas
remotas e rurais. Outra seria estimular o desenvolvimento de serviços de banda larga
sem fio, com o intuito de promover o barateamento de serviços e tecnologias de rede de
última milha. A vertiginosa expansão dos telefones móveis pré-pagos nos países
emergentes ilustra com nitidez o sucesso desse tipo de abordagem;
h) Desenvolver um arcabouço regulatório que antecipe a evolução de
mercado e incorpore desenvolvimentos tecnológicos recentes, como o VoIP e sistemas
LAN sem fio;
i) Revisar as regulações atinentes à qualidade de serviço,
interconexão, espectro e numeração, entre outros aspectos, com o objetivo de acomodá-
las ao regime convergente e transferi-las das licenças para códigos regulatórios:
conforme já abordado anteriormente, embora os padrões comerciais de qualidade de
serviço possam, em regra, ser aferidos indistintamente da tecnologia empregada pela
operadora, o mesmo não ocorre para os padrões técnicos. Países como a Malásia, não
obstante tenham adotado regime de licenciamento convergente, monitoram a qualidade
técnica de forma diferenciada, de acordo com o serviço provido. De La Torre et
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 79
Maddens (2004) esclarecem que a solução adotada foi a transferência dos padrões de
QoS das licenças para o ordenamento regulamentar. Essa abordagem concedeu
flexibilidade do regulador ao lidar com mudanças tecnológicas e de mercado mediante
revisão periódica desses padrões.
Além disso, com a diversidade de serviços e operadores, a regulação
de interconexão e de compartilhamento de infra-estruturas tornou-se mais complexa. A
definição das categorias de serviços e operadores que devem ser obrigados a ofertar
interconexão não se trata de questão trivial. A polêmica surgida em torno do serviço de
mensagens curtas – Short Messaging Service – SMS – expressa essa realidade. Em
resposta aos conflitos entre operadores, países como Venezuela, México e Bahrein
recentemente definiram que a prestação desse serviço deve estar sujeita à interconexão.
Em adição, a métrica de tarifação de interconexão também está em
transformação, visto que pode ser implementada tanto em função de critérios baseados
no tempo de ocupação da rede quanto da capacidade de transmissão. No que concerne
ao compartilhamento de infra-estrutura, diversos países também se encontram em
estágio de reavaliação dos serviços e categorias de operadores que devem estar
submetidos a obrigações de desagregação de meios.
A reorganização do processo de licenciamento também constitui-se
em oportunidade para a eliminação de outras barreiras para novos entrantes, como as
restrições geográficas de prestação de serviços. Outro ponto passível de revisão é o da
necessidade generalizada de cumprimento de obrigações de qualidade de serviço, uma
vez que a flexibilização dessas exigências em áreas de baixo apelo comercial pode
estimular pequenos prestadores a prover serviços nessas localidades;
j) Desenvolver instrumentos que aumentem a capacidade coercitiva do
regulador para solucionar disputas e aplicar sanções.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 80
5 – USO DE ESPECTRO NO AMBIENTE DE
CONVERGÊNCIA
O controle sobre o uso de radiofreqüências é considerado uma das
principais finalidades dos regimes de licenciamento. Pelo fato de ser empregada como
sustentáculo para o provimento de funções essenciais, como navegação e segurança
pública, a utilização do espectro demanda estreita supervisão por parte dos reguladores.
Em virtude da sua acessibilidade pública, usualmente faz-se
necessário adotar medidas para mitigar seu uso descoordenado, no intuito de evitar
interferências e degradação da qualidade do serviço, fenômeno conhecido na literatura
econômica como “tragédia dos comuns”, conforme salienta Mankiw (1999). Lima et
Ramos (2006, p.6) o definem como:
“o uso ineficiente de um recurso em virtude do seu emprego excessivo, causado pelaausência de instrumentos que impeçam novos usuários de usufruir dele sem nenhumcontrole”.
A tragédia dos comuns pode ocorrer quando um usuário aumenta o
desempenho de sua estação mediante incremento da potência do seu transmissor,
causando interferência e redução do desempenho dos demais usuários. Em resposta, os
estes também aumentam a potência de seus transmissores, em prejuízo de todos, de
modo que a utilidade do espectro é erodida drasticamente pela “guerra de potência”.
Essa característica justificou, ao longo dos anos, rigorosa regulação
sobre o espectro, inclusive com regras sobre a designação de tecnologias e freqüências
específicas para certos serviços e a atribuição de exclusividade no direito de uso,
modelo conhecido como “comando e controle”. Essa abordagem prioriza a eficiência
técnica, ao prevenir interferências e assegurar convivência de serviços inclusive em
nível internacional. Entretanto, ela tem sido criticada em razão da sua excessiva rigidez,
que sufoca a inovação e não oferece incentivos para uso eficiente do espectro, além de
criar barreiras para compartilhamento de radiofreqüências.
Segundo Lima et Ramos (2006), alternativas a esse modelo foram
adotadas na Austrália, Guatemala, Nova Zelândia e, em menor escala, nos Estados
Unidos, Canadá e Reino Unido. Nesses países, já se praticam sistemas orientados a
mercado, em que a gestão de espectro evolui em direção à sua comercialização em
bases descentralizadas, aproximando-o de outras “commodities”. No caso extremo, essa
abordagem elimina a necessidade de licenças e da atribuição do direito de uso exclusivo
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 81
sobre o espectro. Isso permite que a operadora tenha mais flexibilidade na tecnologia
empregada e na oferta de serviços, além de possibilitar a comercialização de faixas não
utilizadas.
Embora haja evidências das perdas de eficiência causadas tanto pelo
mau uso de faixas não licenciadas quanto pela subutilização do espectro decorrente de
restrições impostas à sua livre utilização e comercialização pelos licenciados –
fenômeno conhecido como “tragédia dos anticomuns” –, a maior parte dos reguladores
ainda hesita em implementar políticas de gerenciamento de espectro que busquem
otimizar o valor econômico desse recurso. Nesse sentido, Hazlett (2005, p.1) assinala:
“Em alocações tradicionais que empregam espectro licenciado, reguladores impõemrestrições aos licenciados e proíbem transações de faixas de espectro, levando àsubutilização desse recurso – tragédia dos anticomuns. No caso de espectro nãolicenciado, reguladores distribuíram direitos de uso de forma tão ampla quetornaram impossível o seu uso eficiente - tragédia dos comuns. Ambas as formas defalha de mercado provocam expectativas que acabam por desestimularinvestimentos, o que impede o desenvolvimento de serviços socialmenteproveitosos.”42
5.1 Restrições à neutralidade tecnológica no gerenciamento de
espectro
Quando a prestação de serviços envolve o uso de radiofreqüências, o
enfoque de neutralidade tecnológica nem sempre é aplicável. Em sua interpretação mais
extremada, um arcabouço regulatório perfeitamente neutro conferiria aos licenciados
total liberdade de uso do espectro, isto é, permitiria o emprego de qualquer tecnologia
em qualquer faixa de freqüências para prestação de qualquer serviço. Porém, conforme
assinala Doyle (2004), há fatores que obstam a adoção de sistemas dessa natureza.
Em primeiro lugar, está o fato de que a propagação de sinais varia de
acordo a freqüência, podendo causar interferências em outras bandas. Potenciais
investidores, diante da falta de controle sobre interferências entre os serviços prestados,
não se sentirão seguros para aportar recursos onde não seja possível assegurar bom
funcionamento de suas redes. Por esse motivo, a UIT – União Internacional de
Telecomunicações – estabelece padrões internacionais de harmonização do espectro.
42 Hazlett, T.W. Spectrum Tragedies, Yale Journal of Regulation, 2005. Vol. 22, Summer, 2005, p. 243-274. “In traditional allocations involving licensed spectrum, regulators impose restrictions on licenseesand prohibit transactions to create improvements, leading to airwave under-utilization - tragedy of theanticommons. With allocations for unlicensed spectrum, regulators have dispersed use rights so widely asto make efficient use impossible – tragedy of the commons. Both forms of market failure triggeranticipations that undercut investment incentives, deterring socially useful services.” – Tradução livre dooriginal.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 82
Atualmente, 190 nações são signatárias da Constituição e Convenção da UIT e, como
tal, se obrigam a praticar gerenciamento de espectro em conformidade com as
Regulações de Rádio que são revisadas periodicamente pela World
Radiocommunications Conferences (Doyle, 2004).
Em adição, a padronização de serviços em determinadas faixas de
freqüências induz economias de escala em nível mundial que permitem o barateamento
de equipamentos de rede e de usuário final. Os países membros da União Européia se
utilizam dessa estratégia para criar seus próprios padrões para reduzir custos, como é o
caso do GSM.
Essa abordagem, no entanto, não é unânime. Katz et Shapiro (1994)
argumentam que a competição entre padrões pode resultar em benefícios de longo prazo
para os consumidores, possibilitando que melhores tecnologias emerjam como
vencedoras em mercados competitivos. Ademais, de acordo com a demanda, a indústria
é estimulada a desenvolver equipamentos capazes de operar em multibanda. Isso
ocorreu na Coréia do Sul, onde foram instalados sistemas IMT-200043 em faixas
diferentes daquelas originalmente alocadas pela UIT.
5.2 Tecnologias sem fio inovadoras
Em meio a essas controvérsias, a emergência de tecnologias
inovadoras tem revolucionado o enfoque sobre a rigidez no controle do espectro. Dentre
elas, Hatfield et Lie (2004a) destacam os sistemas WLAN ou RLAN44 que se apóiam na
tecnologia WiFi. Na sua versão mais simples, esses sistemas consistem de uma estação
base sem fio ou ponto de acesso que provê conexão interativa de banda larga com
equipamentos de usuário final, tais como computadores portáteis ou PDAs45, a
distâncias da ordem de poucas centenas de metros. Em razão do custo relativamente
baixo tanto do servidor quanto do terminal, essa solução tem sido crescentemente
empregada em aeroportos, campi universitários e saguões de hotéis com uso de faixas
não licenciadas de freqüência. Em virtude do sucesso alcançado, tem também sido
empregada para estender o acesso à Internet em pequenas comunidades de localidades
remotas.
43Acrônimo de International Mobile Telecommunications-2000.44Acrônimo de Radio Local Area Network.45Acrônimo de Personal Digital Assistant.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 83
Quando os fabricantes reconheceram o potencial de expansão do
mercado de uso não licenciado de freqüências, desenvolveram sistemas ainda mais
sofisticados. Essa nova geração tecnológica foi denominada Wimax, e é capaz de prover
serviços de melhor desempenho em relação ao WiFi, usando espectro licenciado ou não
licenciado.
O consórcio Wimax desenvolve padrões para dispositivos que possam
operar em larga faixa de freqüências, com alcance da ordem de cinqüenta quilômetros e
com mobilidade. A flexibilidade permitida pelo padrão 800.16a de dar suporte a
diferentes bandas empregando tanto FDD quanto TDD46 resolve o problema enfrentado
pelos fabricantes de oferecer uma mesma solução tecnológica para países que operam
serviços idênticos em faixas de freqüências e tecnologias distintas. Além disso, os
operadores de Wimax podem dispor da facilidade de otimizar o uso de espectro
mediante setorização e divisão de células à medida do crescimento de assinantes
(Doyle, 2004).
Outra tecnologia de grande impacto são os rádios definidos por
software – Software Defined Radios – SDR, terminais cujo funcionamento pode ser
reorientado de acordo com programações recarregáveis. Isso permite que um mesmo
aparelho possa operar em GSM, CDMA ou outras tecnologias, podendo também ser
empregado em qualquer aplicação, seja ela telefonia móvel, trunking ou comunicação
em faixa destinada à segurança pública, entre outras.
A tecnologia Ultra-Wideband – UWB –, por sua vez, permite a
comunicação móvel em redes locais com enlaces de alta velocidade – as chamadas
Wireless Personal Area Networks – WPAN. Duas das principais características da
tecnologia UWB são a neutralidade das freqüências empregadas pelos dispositivos e a
baixa potência dos terminais, que reduzem o risco de interferências (Doyle, 2004).
5.3 Aspectos sobre o gerenciamento de espectro
Uso não licenciado de espectro
O uso não licenciado de espectro consiste na aplicação do “sistema
dos comuns”, que permite que qualquer agente tenha acesso a determinada faixa de
espectro, desde que sujeito a certas regras básicas, como a restrição à potência irradiada
e o uso de protocolos, de modo a assegurar compartilhamento eficiente do espectro e
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 84
mitigar a interferência. Essa é uma prática corriqueira empregada na banda do serviço
de radioamador e em serviços que usam canais de rádio internamente a uma companhia
– hotéis, por exemplo –, onde as freqüências são utilizadas em uma base comum.
Os benefícios proporcionados por equipamentos e serviços inovadores
desenvolvidos para operar em faixas de freqüência não licenciadas podem ser aferidos
pelo sucesso do modelo implantado em países como os Estados Unidos, onde, segundo
Hatfield et Lie (2004a), estima-se que há mais de trezentos e cinqüenta milhões de
dispositivos utilizando serviços desse gênero, incluindo telefones sem fio, porteiros
eletrônicos, brinquedos de controle remoto e chaves eletrônicas para automóveis, entre
outros.
Mais recentemente, o acesso não licenciado à Internet em banda larga
cresceu em popularidade, sobretudo em virtude do desenvolvimento do WiFi e do
Wimax. Mirando-se no sucesso dessas tecnologias e no exemplo da Internet, cuja
arquitetura descentralizada, aberta e não proprietária propiciou prodigiosa inovação no
mercado, muitos países perceberam o rápido potencial dos serviços que operam em
bandas não licenciadas, o que os levou a rever seus posicionamentos em relação à
rigidez dos sistemas de gerenciamento de espectro baseados em “comando-e-controle”.
Para superá-los, são fundamentais a liberalização dos regimes de licenciamento e o uso
de tecnologias avançadas para reduzir interferências.
Mercado secundário de espectro
O processo de atribuição de direito de uso de espectro pode ser
realizado por diversas metodologias, dentre elas os leilões, as avaliações comparativas
de ofertas – mais conhecidas como “concursos de beleza” – e os sorteios. Em razão dos
resultados financeiros que proporciona, os leilões são largamente empregados em países
em desenvolvimento. Porém, o uso descontrolado desse instrumento pode levar à
concentração econômica, gerando pouca competição, preços abusivos e desestímulo à
inovação.
Independentemente do método empregado, os procedimentos de
atribuição de radiofreqüências podem levar a escolhas ineficientes de operadores. A
existência de mercado secundário de direitos de uso de espectro pode mitigar essa
imperfeição, visto que os seus detentores podem se utilizar desse mecanismo para
46 Acrônimos de Frequency Division Duplex e Time Division Duplex, respectivamente.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 85
transferi-los para companhias que possuam planos de negócio mais eficientes ou mesmo
mudar sua destinação para a prestação de novos serviços.
Cabe ressaltar que essa prática possui efeitos potenciais negativos,
como a aquisição do direito de uso de espectro para eliminação de competidores. No
entanto, há possibilidade de intervenção regulatória para evitar esse comportamento,
como a imposição de restrições ex-ante sobre a quantidade de espectro atribuível a um
grupo econômico, ou de ações ex-post, derivadas da aplicação de leis anti-monopólio.
Por outro lado, Doyle (2004) assinala que esse tipo de análise por vezes revela-se
complexo e administrativamente oneroso, além de demandar discricionariedade por
parte das instituições de proteção da concorrência.
O autor aponta ainda instrumentos adicionais para evitar práticas
anticompetitivas na comercialização de espectro em mercado secundário. Dentre eles,
está a precificação por incentivo administrativo, em que o operador paga pelo espectro
de acordo com a sua efetiva utilização e/ou o custo de oportunidade associado ao
recurso. Porém, não obstante seus benefícios, trata-se de procedimento oneroso e
propenso a erro.
Lima et Ramos (2006) salientam que o principal argumento contrário
à adoção de modelos que habilitem a livre comercialização de espectro é que, nos
principais países onde ela foi implementada – Austrália e Nova Zelândia –, há baixo
índice de transações de faixas de freqüências.
Interferência
Hatfiel et Lie (2004) salientam que, com o avanço tecnológico, certos
tipos de interferência foram drasticamente reduzidos, o que levou alguns países a
relaxar a regulação sobre equipamentos terminais, estações e operadores, eliminando-se
a necessidade de manutenção de registros individuais, da obediência de qualificações
especiais e do pagamento de taxas.
5.4 Vantagens e desvantagens do licenciamento de espectro
A ciência econômica ocupou-se largamente em descrever os
benefícios e desvantagens do licenciamento de espectro. Dentre as vantagens, Martin et
alii (2004) destacam que o licenciamento baseado em direito de uso exclusivo estimula
investimentos à medida que assegura maior certeza às prestadoras. Além disso, permite
que o operador garanta qualidade de serviço ao consumidor, em razão do rígido controle
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 86
sobre interferências que impede a ocorrência da tragédia dos comuns. Em adição,
permite aos governos arrecadar vultosos recursos no processo de atribuição de
freqüências.
Por outro lado, a literatura também assinala as desvantagens do
licenciamento, dentre elas a criação de barreiras de entrada ao mercado e a oportunidade
para acumulação inapropriada de espectro. Ademais, o processo de licenciamento exige
certo grau de discricionariedade por parte do regulador, o que é considerado
desvantajoso em alguns países. Ele também desestimula a inovação e preserva
ineficiências no uso de espectro, à medida que oferece obstáculos à livre incorporação
das novas tecnologias sem fio.
5.5 Experiências internacionais
Alguns países são pioneiros na evolução para regimes de
gerenciamento de espectro neutros sob as perspectivas tecnológica e de serviços. Essas
experiências serão abordadas a seguir.
Austrália
De acordo com Doyle (2004), o Radiocommunication Act, de 1992,
introduziu na Austrália o licenciamento neutro para espectro, que foi colocado em
prática pela primeira vez em 1997. Na ocasião, foram concedidos aos licenciados
direitos comercializáveis de uso de freqüência por até quinze anos. Por intermédio da
outorga, a companhia pode prestar qualquer tipo de serviço de comunicação com
qualquer tecnologia na faixa concedida. A autorização prevê inclusive o direito de
alterar as condições do serviço consoante o desenvolvimento tecnológico ou a demanda
dos usuários. As faixas de freqüência são separadas em pequenas unidades chamadas
Standard Trading Units, em um total de 21.998. Cada licença de espectro consiste de
blocos de freqüência que podem ser agregados ou subdivididos para formar novas
outorgas.
Um dos únicos requisitos administrativos desse modelo é que certos
tipos de equipamentos devem ser registrados no Australian Communications Authority
– ACA – antes de começarem a ser operados. Outra exigência é que, anteriormente à
atribuição da licença, seja expedido documento que descreva as condições de prestação
do serviço, com o propósito de evitar interferências. Se, por um lado, essas exigências
tendem a depreciar o valor da licença ao fixar restrições para o serviço, pelo outro, elas
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 87
o incrementam, visto que asseguram a proteção contra interferências indevidas. Esse
sistema compatibiliza a flexibilidade no gerenciamento de espectro com a segurança
oferecida ao operador de que o serviço prestado disporá da qualidade pretendida.
Um aplicação prática do princípio da neutralidade tecnológica no
licenciamento de espectro ocorreu em 2001, na consignação de freqüências para a 3G.
Na ocasião, a ACA pretendia inicialmente realizar leilões de freqüência em blocos
pareados de transmissão e recepção, como é usual na consignação de faixas para
telefonia móvel. Porém, o órgão concluiu que essa abordagem não era tecnologicamente
neutra, pois restringia a prestação de outros serviços. Essa exigência foi removida, e o
resultado do leilão acabou por levar à consignação de 5 MHz de um bloco não pareado
de espectro na banda de 1,9 GHz para a companhia Personal Broadband Australia, que
desejava oferecer serviços de transmissão de dados sem fio. A empresa iniciou a
prestação comercial do serviço em 2004, em Sydney.
Guatemala
Na Guatemala, em 1996, a legislação local foi atualizada com o
intuito de liberalizar o gerenciamento de radiofreqüências, submetendo o controle sobre
a utilização do espectro apenas a limitações contra interferências. Segundo Doyle,
(2004), desde então, os direitos sobre o uso de freqüências são concedidos por prazos de
quinze anos, renováveis sem custo, mediante Titulos de Uso de Frecuencias – TUF –,
que são transferíveis. O TUF trata-se de um documento que determina apenas a banda
alocada, os períodos de operação, a potência de transmissão máxima, a potência limite
nas freqüências adjacentes, o território de abrangência e os termos inicial e final dos
direitos.
Nova Zelândia
A Nova Zelândia, por sua vez, mostrou-se ainda mais arrojada na
forma de lidar com o gerenciamento de espectro. Desde 1989, com a edição do
Radiocommunications Act, foram estabelecidas políticas de liberalização que incluem a
introdução de mercado secundário de espectro e a liberdade de prestação de qualquer
serviço por qualquer tecnologia nas faixas de freqüência consignadas, desde que o
licenciado opere nos limites estabelecidos pelo governo.
Porém, a novidade mais surpreendente é que o regime instalado
permite dois tipos básicos de autorização. O primeiro tipo confere direitos para uso
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 88
direto do espectro. No segundo, são atribuídos ao licenciado direitos de gerenciamento
sobre a faixa consignada. Esses direitos dão à entidade autorizada a prerrogativa de
expedir licenças, mas não o direito de fazer transmissão. Doyle (2004) ressalta que, em
2001, o governo expediu oitenta e um direitos de gerenciamento, dos quais apenas
dezoito foram conferidos ao governo, incluindo blocos para cobertura de serviços de
radiodifusão. Os sessenta e três restantes foram atribuídos à iniciativa privada, para
operação de serviços de telefonia celular, de distribuição multiponto e de enlaces fixos,
entre outros. Os detentores de direitos sobre essas bandas são livres para emitir licenças
de acordo com as políticas fixadas por eles próprios.
Reino Unido
Em 2003, a Ofcom aliou-se às iniciativas de liberalização no
gerenciamento de espectro ao decidir implementar diversas medidas contidas no Cave
Review, estudo independente encomendado pela agência para revisão das políticas de
comunicação eletrônica, que foi publicado em 2002. Desde então, está implantando
reformas para introduzir a comercialização de espectro, o relaxamento de restrições no
seu uso e a revisão anual das taxas pela utilização de faixas de freqüência.
Segundo Doyle (2004), o planejamento determinou o início da
comercialização de bandas ao final de 2004, com a liberação de mercado secundário
para algumas aplicações, tais como o acesso fixo sem fio. Estabeleceu ainda a extensão
da medida para os serviços de emergência em 2006, e para a telefonia móvel de segunda
e terceira gerações em 2007. Em etapas posteriores, serão inclusos os serviços de
radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Estados Unidos da América
Em reconhecimento aos potenciais benefícios da liberalização do
espectro, o Congresso norte-americano emendou, em 1999, o Communications Act com
o propósito de conferir à FCC o poder de alocar freqüências de forma flexível. O órgão
promoveu reorganizações de espectro no intento de tornar seu uso mais eficiente, tendo
realocado 30 MHz destinados originalmente a serviços móveis de satélite para serviços
fixos e móveis (Doyle 2004).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 89
6 – MODELO BRASILEIRO DE LICENCIAMENTO
6.1 Análise do modelo vigente
O regime brasileiro de licenciamento para prestação de serviços e
operação de redes de telecomunicações é baseado fundamentalmente em outorgas
tradicionais vinculadas a tecnologias e/ou redes, embora haja movimento recente no
sentido de torná-lo mais aderente ao fenômeno da convergência.
A cadeia de valor do setor é ilustrada na figura 6.1. O primeiro
elemento engloba as atividades de produção, programação e empacotamento de
conteúdo, representado sob a forma de voz, áudio, vídeo, dados e outros modos de
representação da comunicação. No Brasil, assim como na maioria dos países, as
atividades vinculadas à criação, produção e agregação de conteúdo não são consideradas
serviços de telecomunicações e, por esse motivo, não há necessidade de outorga da
Anatel para executá-las. Por sua vez, a infra-estrutura abrange as redes de transporte e
de acesso – a chamada “última milha” –, que permite ao usuário acessar o conteúdo. A
competência para regulá-las é da Anatel, que também é responsável pela expedição de
outorgas para explorá-las.
Figura 6.1 –Elementos da cadeia de valor dos serviços de telecomunicaçõesFonte: adaptado de Pereira Filho (2006)
No regime em vigor, normalmente há necessidade de apenas uma
outorga para acesso ao conteúdo e exploração da infra-estrutura, ou seja, para a
exploração de serviços e redes de telecomunicações. Entretanto, conforme esclarece
Medeiros (2004), há situações em que a infra-estrutura é operada por mais de uma
prestadora, como ocorre com os provedores de rede de acesso que se diferenciam dos
provedores de backbone47. Existem ainda casos em que a outorga também confere à
operadora o direito à exploração do conteúdo, a exemplo das diversas modalidades de
TV por assinatura. Além disso, há outorgas específicas em função do tipo de conteúdo e
47 Espinha dorsal de grandes redes de comunicação.
Conteúdo
AcessoExploração de Serviços
TransporteExploração de Redes
Usuário
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 90
da finalidade do serviço, entre outras. A regra, porém, é que os serviços sejam
caracterizados pelas infra-estruturas que dão suporte aos conteúdos transportados, caso
das redes de telefonia fixa e móvel. Em suma, grande parte dos tipos de licenças
vigentes no Brasil, num total de trinta e nove, é de outorgas específicas vinculadas a
tecnologias e redes.
Finalidades do regime de licenciamento em vigor
A espinha dorsal do regime brasileiro de licenciamento foi
consolidada no bojo do processo de desestatização e liberalização dos serviços de
telecomunicações, iniciado a partir da promulgação da Emenda Constitucional n° 8, de
15 de agosto de 1995. Com o intuito de criar um ambiente de certeza regulatória que
assegurasse a atração de grandes investimentos e, ao mesmo tempo, garantisse o
cumprimento de metas sociais, no processo de privatização, o governo brasileiro deu
continuidade ao sistema tradicional de outorgas vigente até então, baseado em
tecnologias e redes. Esse regime especificava com precisão os direitos e obrigações
atrelados à operação de redes e ao provimento dos serviços que foram transferidos para
o controle da iniciativa privada.
Diante desse quadro, as principais finalidades do regime instituído – e
que se mantém praticamente intacto até hoje – foram: a) assegurar uma transição suave
entre o modelo estatal de prestação de serviços de telecomunicações e o ambiente
privado de concorrência; b) promover a universalização dos serviços de telefonia fixa
mediante imposição de metas a provedores específicos, em especial, as concessionárias
de telefonia fixa; c) regular tarifas; d) limitar temporariamente a competição no mercado
de telefonia; e) limitar a duplicação ineficiente de redes; f) manter rígido controle sobre
recursos escassos, e g) estabelecer condições detalhadas sobre a prestação de alguns
serviços de telecomunicações, como aderência a padrões técnicos e atendimento de
metas de qualidade de serviço. Além das finalidades mencionadas, também é inegável
que um dos principais objetivos do licenciamento no Brasil é promover arrecadação de
recursos para os cofres públicos.
Prestação dos Serviços de Telecomunicações
A LGT estabelece dois critérios básicos para classificar os serviços de
telecomunicações. O primeiro os diferencia em conformidade com os interesses
atendidos por eles, que podem ser coletivos ou restritos. De acordo com o Regulamento
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 91
dos Serviços de Telecomunicações – RST –, instituído pela Resolução n° 73/98, da
Anatel, os serviços de telecomunicações de interesse coletivo e restrito são definidos da
seguinte forma:
Anexo à Resolução n° 73/98, da Anatel:
“Serviço de telecomunicações de interesse coletivo é aquele cujaprestação dever ser proporcionada pela prestadora a qualquerinteressado na sua fruição, em condições não discriminatórias,observados os requisitos da regulamentação”.
“Serviço de telecomunicações de interesse restrito é aquele destinadoao uso do próprio executante ou prestado a determinados grupos deusuários, selecionados pela prestadora mediante critérios por elaestabelecidos, observados os requisitos da regulamentação”.
O segundo critério diz respeito ao regime jurídico de prestação, que
permite distinguir os serviços prestados em regime público dos executados em regime
privado, conforme será visto a seguir neste capítulo.
Serviços de telecomunicações e neutralidade tecnológica
O art. 60 da LGT dispõe que “Serviço de telecomunicações é o
conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”. Em complemento,
o art. 69 estatui que:
Lei nº 9.472, de 1997
“Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência emfunção de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio detransmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos.
Parágrafo único. Forma de telecomunicação é o modo específico detransmitir informação, decorrente de características particulares detransdução, de transmissão, de apresentação da informação ou decombinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entreoutras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e atransmissão de imagens.”
Com base nesses dispositivos, na definição dos serviços de
telecomunicações, o modelo regulatório em vigor, em regra, privilegia os atributos da
forma, meio de transmissão e tecnologia empregada. Porém, o exame desses mesmos
artigos induz a conclusão de que os serviços de telecomunicações não se vinculam
necessariamente à tecnologia que lhes dá suporte. Embora o art. 69 preveja que as
modalidades de serviço possam ser definidas em função da tecnologia empregada ou
mesmo da sua forma – incluindo-se aí a telefonia – , também permite que elas sejam
estabelecidas consoante “outros atributos”, que podem abranger necessidades
regulatórias.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 92
Portanto, em primeira análise, a interpretação do referido dispositivo
abre perspectivas para a legalidade da adoção de regime de licenciamento neutro do
ponto de vista tecnológico. Para tanto, bastaria que a Anatel elegesse como prioridades
critérios distintos das características meramente tecnológicas para definir as
modalidades de serviço48.
Ao regular a matéria, o RST expressou exatamente a perspectiva da
existência de espaço na legislação vigente para implantar modelo de outorga
convergente, conforme se depreende da sua leitura (grifos nossos):
Anexo à Resolução n° 73/98, da Anatel
“Art. 22. Os serviços de telecomunicações serão definidos em vista dafinalidade para o usuário, independentemente da tecnologiaempregada e poderão ser prestados através de diversas modalidadesdefinidas nos termos do art. 69 da Lei nº. 9.472, de 1997.
§1º. A escolha de atributos para definição das modalidades do serviçoserá feita levando-se em conta sua relevância para efeitosregulatórios.”
6.2 Barreiras normativas e institucionais à implantação do modelo
convergente
Em que pese a LGT prever que os serviços de telecomunicações não
se vinculam necessariamente a tecnologias, a própria Lei Geral estabelece barreiras
intransponíveis para a instituição de regime de licenciamento tecnologicamente neutro.
Além disso, outros instrumentos de ordem legal e constitucional instituem regimes
jurídicos próprios para os serviços de radiodifusão e de TV a cabo. A seguir,
abordaremos essas restrições.
6.2.1 – Lei Geral de Telecomunicações49
Diferenciação entre regimes público e privado
No intuito de cumprir objetivos de universalização e de assegurar a
continuidade de serviços públicos considerados essenciais, a LGT instituiu um regime
jurídico diferenciado de prestação de serviços de telecomunicações – o regime público.
Nesse regime, os prestadores de serviços são submetidos a obrigações não aplicáveis às
demais operadoras.
48 Conforme a abordaremos seguir neste capítulo, há restrições legais que criam obstáculos para a adoçãoplena dessa solução.49 Lei n° 9.472, de 16 julho de 1997.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 93
Dentre as principais características atribuídas pela Lei Geral às
empresas que operam em regime público, destacam-se as seguintes: (i) submissão a
obrigações de universalização e continuidade (art. 79); (ii) regulação de tarifas (art.
103); (iii) garantia de preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (§
4º do art. 108); (iv) reversibilidade de bens (art. 100); (v) prestação mediante concessão
ou permissão (arts. 83 e 118); (vi) exclusividade para recebimento de recursos do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST (§ 2º do art. 79); (vii)
prazo de concessão limitado a vinte anos, prorrogável uma única vez, por igual período
(art. 99); (viii) sujeição à intervenção (art. 108), e (ix) exigência de processo licitatório
(arts. 88 e 119).
De forma inversa, consoante o inciso I do art. 128 da LGT, para os
prestadores em regime privado “a liberdade será a regra, constituindo exceção as
proibições, restrições e interferências do Poder Público”. Segundo o art. 136, não há
limite para o número de autorizações de serviço, ressalvada a hipótese de
impossibilidade técnica.
Em adição, no regime privado, o instrumento de licença empregado é
a autorização (art. 131), cujos termos têm prazo de validade indeterminado (art. 138).
Para serviços que demandam espectro, no entanto, a autorização para uso de
radiofreqüências é de, no máximo, vinte anos, prorrogável uma única vez por igual
período (art. 167).
No que diz respeito à possibilidade de implantação de licenças em
regime privado baseadas em simples notificação, à primeira vista, o art. 131 parece
inviabilizar a medida (grifo nosso):
Lei nº 9.472, de 1997
“Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá deprévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso dasradiofreqüências necessárias”.
Porém, o § 2° do mesmo artigo estabelece que “A Agência definirá os
casos que independerão de autorização”. Esse dispositivo abre perspectivas para a
existência de serviços não sujeitos à expressa autorização da Anatel.
Não obstante o inciso I do art. 18 da LGT facultar ao Poder Executivo
a instituição de modalidade de serviço em regime público mediante Decreto
Presidencial, a própria Lei Geral, em seu art. 64, parágrafo único, determinou a
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 94
classificação do STFC nessa categoria, em adição a outros eventualmente criados pelo
Poder Executivo – o que não ocorreu, até o presente momento.
Concluindo, a clara diferenciação jurídica entre os serviços prestados
nos regimes privado e público constitui-se em forte empecilho para a adoção do regime
unificado de licenças. Em virtude dessa restrição, caso pretenda reformar o atual
modelo, a Agência deverá manter ao menos duas classes de serviços, de modo a não
contrariar essa disposição.
Porém, a migração para um modelo de simples registro, à semelhança
do adotado pela Comunidade Européia, ao menos para algumas categorias de serviços,
revela-se viável, visto que a Lei Geral habilita a liberação de assentimento prévio da
Anatel para que a proponente à licença possa iniciar sua operação.
Gerenciamento de espectro
Conforme salientam Lima et Ramos (2006), o modelo de gestão de
espectro adotado no Brasil é do tipo “comando e controle”, baseado em direitos de uso
exclusivo e em licenças que tratam em pormenores dos termos de uso das
radiofreqüências. Porém, o sistema admite a alocação de bandas para uso não
licenciado, conforme dispõe o inciso I do § 2° do art. 163 da LGT50, regulamentado pela
Resolução nº 365, de 10 de maio de 2004, da Anatel:
Por sua vez, a adoção de regime de licenciamento com uso flexível de
espectro no que diz respeito tanto à tecnologia empregada quanto à existência de
mercado secundário encontra sérios obstáculos no ordenamento legal em vigor.
Enquanto o art. 168 impõe pesadas restrições a transferências de direito de uso de
espectro, o § 1° do art. 163 associa o direito de uso de radiofreqüências à concessão,
permissão ou autorização outorgada para prestação de serviço de telecomunicações:
Lei nº 9.472, de 1997
“Art. 163. ...
§ 1° Autorização de uso de radiofreqüência é o ato administrativovinculado, associado à concessão, permissão ou autorização paraprestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado,por prazo determinado, o direito de uso de radiofreqüência, nascondições legais e regulamentares.
50 Lei nº 9.472/97: “Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependeráde prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação. (...) § 2°Independerão de outorga: (...) I - o uso de radiofreqüência por meio de equipamentos de radiação restritadefinidos pela Agência”.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 95
...
Art. 168. É intransferível a autorização de uso de radiofreqüênciassem a correspondente transferência da concessão, permissão ouautorização de prestação do serviço a elas vinculada.”
Assim, conquanto o art. 155 da LGT disponha sobre o
compartilhamento de infra-estruturas de rede de prestadoras de serviços de
telecomunicações de interesse coletivo51, a migração do modelo de “comando e
controle” para um regime flexível de gestão de espectro só seria passível de
implementação na hipótese de alteração da Lei Geral.
Taxas de fiscalização
No que diz respeito às taxas cobradas pela Anatel para fiscalização
dos serviços de telecomunicações, o Anexo III da LGT estabeleceu valores
discriminados para cada modalidade. Embora muitas delas estejam submetidas às
mesmas taxas, a agregação de serviços poderia ser prejudicada pela referida distinção.
6.2.2 – Contratos de concessão
Os contratos firmados entre o Poder Público e as concessionárias do
STFC consolidam diversas restrições aplicáveis ao serviço que constam do
ordenamento jurídico em vigor, em especial a LGT, o Plano Geral de Metas de
Universalização – PGMU, o Plano Geral de Metas de Qualidade – PGMQ – e o Plano
Geral de Outorgas – PGO. Da mesma forma, contêm restrições à prestação do serviço
de TV cabo pelas concessionárias de telefonia fixa, que são previstas no art. 15 da Lei
n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995. Todas essas limitações, aplicáveis apenas a uma
parcela restrita de operadores, dificultam a aplicação do regime convergente.
6.2.3 – Lei do Cabo52
A regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil
constitui-se em exemplo típico da aplicação do modelo de licenciamento baseado em
tecnologias específicas. Embora prestem serviços similares, os operadores de TV a
cabo, DTH53, MMDS e TVA54 estão submetidos a regulamentações distintas, consoante
mostrado na figura 6.2.
51 Lei nº 9.472/97: “Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços detelecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência,disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo”52 Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995.53 Acrônimo de Direct to Home.54 Serviço Especial de Televisão por Assinatura.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 96
Figura 6.2 – Regulamentação dos serviços de TV por assinaturaFonte: Minassian (2007b)
A Lei do Cabo é o principal motivo para a preservação dessa
distinção. Enquanto as três outras modalidades de TV por assinatura não dispõem de
norma legal específica sobre regras de prestação do serviço, a Lei n° 8.977, de 6 de
janeiro de 1995, trata em particular da TV a cabo.
Dentre os principais dispositivos previstos na Lei do Cabo que não são
extensíveis à regulação dos demais serviços está a expressa limitação à participação de
capital estrangeiro nas operadoras do serviço (art. 7°, II). Além disso, pelo art. 23, as
prestadoras devem obrigatoriamente veicular, nos pacotes ofertados, as programações
dos canais de televisão aberta, entre outros (“must carry”). Ademais, a prestação do
serviço por concessionárias de telefonia fixa está condicionada ao manifesto
desinteresse de outras empresas, conforme estatui o art. 15. A Tabela 6.1 apresenta um
resumo dessas diferenças.
Tabela 6.1 – Principais diferenças regulatórias entre os serviços deTV por assinatura (fonte: adaptado de Valente(2007))
TecnologiaDisposições regulamentares e legais
Cabo MMDS DTH TVA
Participação irrestrita de capital estrangeiro Não Sim Sim Sim
Restrição à prestação por concessionárias do STFC Sim Não Não Não
Obrigação de “must carry” Sim Não Não Não
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 97
As especificidades estabelecidas pela Lei do Cabo constituem-se em
forte empecilho para a implantação do regime de licenciamento convergente, e até
mesmo de uma classe que agrupe todos os serviços de televisão por assinatura. Cumpre
ressaltar que, segundo Minassian (2007b), a Anatel pretende mitigar esse problema com
a agregação, ainda que forma incompleta, dos serviços de TV por assinatura, conforme
mostrado na proposta ilustrada na figura 6.3.
Figura 6.3 – Proposta da Anatel para agregação parcial dos serviços de TV porassinatura
Fonte: Minassian (2007b)
Os principais defensores da supressão das restrições previstas na Lei
do Cabo – notadamente as concessionárias do serviço local de telefonia (Valente, 2007)
– sustentam a tese de que a baixa penetração da TV a cabo no Brasil, em comparação
com países com condições socioeconômicas similares, como Argentina, Chile, México
e Venezuela55, se deve à aplicação de condições regulatórias não equitativas entre os
prestadores dos serviços de televisão por assinatura.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 98
6.2.4 – Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia
O SCM, instituído pela Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001, da
Anatel, foi desenhado como resposta aos agentes econômicos à demanda por um
modelo de outorga adequado ao ambiente de convergência tecnológica.
De acordo com Medeiros (2004), a decisão de criação do SCM se
pautou nas orientações previstas no Livro Verde da Comissão Européia, e que previam
três propostas para a modernização dos regimes de licenciamento. Na primeira delas,
todas as condições das licenças vigentes deveriam ser respeitadas. As reformas
ocorreriam à medida da evolução do mercado e das tecnologias. Na segunda, criar-se-ia
uma nova licença com características convergentes, eliminando-se alguns serviços já
existentes. Por fim, a terceira proposta previa a criação de um novo regime aplicável a
todos os serviços, cujas inevitáveis incoerências seriam suprimidas ao longo dos anos.
A solução adotada pela Anatel está em consonância com as linhas
gerais da proposta intermediária apresentada no Livro Verde. Da instituição do SCM,
resultou a simplificação do ordenamento regulatório até então vigente, ao unificar a
prestação dos serviços de interesse coletivo que até então eram prestados mediante o
Serviço Limitado Especializado – SLE –, nas submodalidades de Rede Especializado e
Circuito Especializado, e o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações –
SRTT –, compreendendo o Serviço por Linha Dedicada, o Serviço de Rede Comutada
por Pacote e o Serviço de Rede Comutada por Circuito. Embora não tenha determinado
a migração das operadoras desses serviços para o SCM, a Agência admite a adaptação
das autorizações já concedidas para o regime regulatório do SCM, desde que atendidas
as condições subjetivas e objetivas requeridas, conforme previsto no art. 68 do
Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia – RSCM.
Características gerais do serviço
O SCM é um serviço de telecomunicações de interesse coletivo,
prestado sob o regime privado (art. 3º do RSCM) em âmbito nacional e internacional, e
que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de
informações multimídia – sinais de áudio, vídeo, dados, voz e outros sons, imagens,
textos e outras informações de qualquer natureza – a assinantes dentro da área de
prestação de serviço, utilizando quaisquer meios.
55 De acordo com Valente (2007), as taxas de penetração da TV a cabo nesses países são de 8%, 54%,
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 99
Sujeita-se ao licenciamento sob autorização, não havendo limite de
operadoras (art. 10, caput e parágrafo único do RSCM). Em adição, não há vedação
para que as operadoras de SCM prestem outros serviços de telecomunicações. De
acordo com o disposto no art. 3° do RSCM, se destina à comunicação entre pontos
fixos, embora o Regulamento não vede a mobilidade restrita.
As licenças de SCM são outorgadas por tempo indeterminado,
conforme previsto no art. 138 da LGT e no parágrafo único do art. 10 do RSCM. Os
prestadores podem empregar qualquer infra-estrutura existente, seja ela própria ou de
terceiros. Os usuários dos serviços podem se utilizar de qualquer tipo de terminal, tais
como microcomputador, PDA, celular ou qualquer outro.
No que diz respeito à interconexão, o art. 6º do RSCM determina que:
Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001
“É obrigatória, quando solicitada, a interconexão entre as redes desuporte do SCM e entre estas e as redes de outros serviços detelecomunicações de interesse coletivo, observado o disposto na Lein.º 9.472, de 1997 e no Regulamento Geral de Interconexão, aprovadopela Resolução n.º 40, de 23 de julho de 1998”.
Por sua vez, o art. 8° dispõe que:
Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001
“As prestadoras de SCM têm direito ao uso de redes ou de elementosde redes de outras prestadoras de serviços de telecomunicações deinteresse coletivo, de forma não discriminatória e a preços e condiçõesjustos e razoáveis”.
Segundo dados disponíveis no sítio da Internet da Anatel, o número de
licenciados para o serviço em 11 de setembro de 2007 era de 65256. O valor anual da
licença é nove mil reais57. Porém, para serviços que demandem espectro, é exigido que
a prestadora adquira o respectivo direito de uso de radiofreqüências. Ademais, para
efeito de pagamento das taxas do Fistel, como a criação do SCM se deu posteriormente
à promulgação da LGT, as estações de comutação e de radiocomunicação para o serviço
são enquadradas na mesma categoria do Serviço Móvel Celular (item 1 do anexo da Lei
25%, 23% e 19%, respectivamente.56 Informação disponível via WWW na URL:http://sistemas.anatel.gov.br/stel/consultas/ListaPrestadorasServico/tela.asp?pNumServico=045.57 Conforme disposto no Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito de Exploração deServiços de Telecomunicações e pelo Direito de Exploração de Satélite, aprovado pela Resolução nº 386,de 03 de novembro de 2004, da Anatel.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 100
nº 5.070, de 7 de julho de 1966), em conformidade com o art. 10 da Lei do Fistel58.
Portanto, para o SCM, são aplicadas as taxas pertinentes ao Serviço Móvel Celular.
Restrições ao SCM
Não obstante o objetivo original de congregar serviços diversos, as
restrições a que foi submetido o SCM pela regulamentação o afastam sobremaneira do
modelo de licença única nos moldes do praticado pela União Européia. Isso porque as
regras do serviço proíbem: (i) o encaminhamento de tráfego telefônico através das redes
do SCM originado e terminado simultaneamente nas redes do STFC (art. 66 do RSCM);
(ii) o fornecimento de transporte de sinais de vídeo e áudio que possam ser livremente
recebidos pelo público em geral, como ocorre no serviço de radiodifusão (parágrafo
único do art. 3º do RSCM); (iii) o fornecimento de transporte de sinais de vídeo e áudio
que possam ser distribuídos de forma simultânea para assinantes, como se dá nos
serviços de TV por assinatura (parágrafo único do art. 3º do RSCM), e (iv) mobilidade
irrestrita (caput do art. 3º do RSCM). Na prática, essa determinação inviabiliza a
competição de seus prestadores com as companhias de telefonia, radiodifusão e
televisão por assinatura. É o que prevêem os arts. 3° e 66 do RSCM, reiterados pela
Súmula n° 6, de 24 de janeiro de 2002, da Anatel:
Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001
“Art. 3°...
Parágrafo único. Distinguem-se do Serviço de ComunicaçãoMultimídia, o Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso dopúblico em geral (STFC) e os serviços de comunicação eletrônica demassa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo,o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) eo Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio porAssinatura via Satélite (DTH).
...
Art. 66. Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço comas características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado aouso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento detráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamenteoriginado e terminado nas redes do STFC.”
Desde a criação do SCM, as limitações impostas aos prestadores do
serviço suscitaram críticas ao seu regulamento. O principal argumento levantado
sustenta que elas obstam a consecução de um dos principais objetivos do marco legal
58 Lei nº 5.070/66: “Art. 10. Na ocorrência de novas modalidades de serviços de telecomunicações,sujeitas a taxas de fiscalização não estabelecidas nesta Lei, será aplicada em caráter provisório a taxa doitem 1 da Tabela Anexa, até que a lei fixe seu valor.”
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 101
instituído em 1997, que é o estímulo à competição e à diversidade de serviços,
conforme estabelecem os arts. 2°, III e 127, I e II, da LGT (Medeiros, 2004):
Lei nº 9.472, de 1997
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
...
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dosserviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidadecompatíveis com a exigência dos usuários;
...
Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privadoterá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial dasrelativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dosconsumidores, destinando-se a garantir:
I - a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta e suaqualidade;
II - a competição livre, ampla e justa;”
Em complemento, a legislação em vigor não impede a concorrência
em qualquer segmento de comunicação eletrônica, seja telefonia, televisão por
assinatura, radiodifusão ou qualquer outro. Pelo contrário, os arts. 84 e 136 da LGT
determinam a prestação de serviços de telecomunicações em bases preferencialmente
não exclusivas, tanto em regime público quanto privado. No ambiente convergente,
caberia às operadoras estabelecidas adaptar-se aos aperfeiçoamentos técnicos e
regulamentares, visto que a elas não foi conferida proteção contra a evolução
tecnológica, nem tampouco direito de exclusividade na prestação dos serviços. Assim,
faria parte do risco empresarial imanente ao capitalismo o surgimento de tecnologias e
serviços inovadores. E quanto a estes últimos, não caberia à Agência estabelecer óbices
artificiais que os impedisse de prosperar.
Todavia, é possível defender a postura conservadora da Agência por
meio da alegação de que a criação de um modelo realmente convergente, a exemplo do
regime de autorização geral adotado pela Comunidade Européia, não traria ganhos
econômicos consideráveis, mas apenas agravariam a relativa estagnação em que se
encontram os mercados de radiodifusão e de telefonia fixa.
Em adição, a mudança abrupta para um novo cenário regulatório traria
insegurança aos investidores e causaria prejuízos irreparáveis à credibilidade das
instituições nacionais, decorrentes da quebra da cláusula do equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos das concessionárias de telefonia fixa e do descumprimento de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 102
normas constitucionais e legais vigentes, tais como as que estabelecem condições
jurídicas especiais para os serviços de radiodifusão e TV a cabo.
No relatório “Brazil Mini-Case Study 2003”, elaborado em
colaboração com a Anatel, Tamayo (2003, p.5) esclarece que a restrição imposta ao
trânsito de chamadas entre assinantes do STFC pelas redes do SCM decorre do fato de
que as concessionárias aportaram vultosos investimentos no processo de privatização,
tendo sido atribuídas a elas obrigações de universalização e cobertura de serviços. Da
mesma forma, as autorizatárias do serviço também realizaram investimentos para
custear a expansão da infra-estrutura, embora de menor monta. Nesse sentido, afirma
que:
“A Anatel concluiu que não seria justo permitir que um operador de SCM que nãoincorreu em tais custos venha a competir com as operadoras fixas por serviçospúblicos de telefonia fixa.[§] Os direitos assegurados às operadoras incumbentesno Brasil por meio de contrato constituem um obstáculo legal à criação de umalicença única tecnologicamente neutra sob as quais qualquer tipo de serviçopoderia ser ofertado”.59
Essa não é uma posição isolada: conforme assevera Flanagan (2005,
p.165), é natural que as licenças sejam usadas para “limitar as mudanças na regulação
nacional que possam afetar as operações e direitos da prestadora”. O regulador
indiano TRAI enfrentou situação semelhante a essa recentemente, tendo sido levado a
estabelecer uma solução conciliatória entre os agentes.
Cabe ressaltar que a postura da Agência de proteção às
concessionárias não foi aplicada uniformemente a todas elas, haja vista que a ampla
disseminação das chamadas via VoIP realizadas por meio do “by-pass” das redes de
telefonia fixa interestaduais e internacionais não sofreu resistência da Anatel.
É interessante observar que, embora questionem a ampla abertura do
uso do SCM para encaminhamento de tráfego de voz, as concessionárias de telefonia se
valem das alternativas de serviço passíveis de prestação pelo SCM para ofertar serviços
de banda larga e corporativos de voz, empregando inclusive as infra-estruturas
construídas originalmente para o STFC.
59 Tamayo, G. Brazil Mini-Case Study 2003 - Brazil’s SCM Licensing Service Category: A Step TowardConvergence, Genebra, Jose Lloreda Camacho & Co, 2003, 7p. “ANATEL concluded that it would notbe fair to allow a third party SCM operator who had not incurred such costs to compete with the fixed lineoperators for public fixed telephone services. [§] The rights granted to the incumbent operators in Brazilthrough their service contracts constitute a legal obstacle to the creation of a single technology neutrallicense under which all types of services could be offered.” Tradução livre do original.
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Cabe ainda salientar que os incisos XI e XII do art. 21 da Constituição
Federal, que expressamente estabelecem a separação entre os serviços de radiodifusão e
de telecomunicações, submetendo apenas os últimos à esfera normativa da Anatel,
impedem que a Agência habilite a prestação de serviços similares aos de radiodifusão
mediante SCM.
Numeração
O RSCM permite que usuários corporativos do serviço possam
estabelecer enlaces de voz entre si. Da mesma forma, também habilita que um assinante
do SCM prestado sobre a rede de banda larga ofertada por uma operadora qualquer
possa originar chamadas para usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel. Porém,
conforme já ressaltado, impede que o SCM tenha chamadas originadas e terminadas
simultaneamente na rede pública de telefonia. Essa restrição impede que novas
tecnologias possam ser exploradas via SCM na sua máxima potencialidade.
Uma solução para essa limitação seria a adoção de plano de
numeração específico para o SCM, que poderia permitir ligações tanto entre usuários
desse serviço como a interconexão com assinantes do STFC e do SMP. Cumpre
observar que serviços de menor potencial de mercado, como é o caso do serviço de
sistema troncalizado (“trunking”) – regulamentado pela Resolução n° 404, de 2005 –, e
do Serviço Móvel Global por Satélites – SMGS – regido pela Portaria n° 560, de 1997 –
prevêem plano de numeração e interconexão com os serviços de telefonia pública.
Embora o art. 5º do RSCM expressamente preveja a criação de plano
de numeração para o serviço60, esse assunto não é considerado prioritário pela Anatel.
Segundo notícia divulgada no sítio da Internet da Teletime, em 24 de maio de 2007, o
conselheiro Pedro Jaime Ziller declarou-se contrário à sua elaboração, sob as
justificativas da incompatibilidade dos aplicativos empregados pelos prestadores, da
dificuldade em estabelecer critérios para aferição da qualidade do serviço e do efeito da
criação de nichos, considerado prejudicial à competição pelo conselheiro. Sendo assim,
em virtude da ausência de normatização infra-legal, os prestadores de VoIP só podem
interagir com o sistema público de telefonia valendo-se do uso da numeração do STFC
ou do SMP, e, mesmo assim, nas condições mencionadas.
60 Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001: “Art. 5° A utilização de recursos de numeraçãopelas redes de suporte à prestação do SCM é regida pelo Regulamento de Numeração, aprovado pelaResolução n.° 83, de 30 de dezembro de 1998 e pelo Plano de Numeração do SCM”
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Segundo Pereira Filho (2005b), as seguintes alternativas estão em
análise pela Anatel para a numeração do SCM: 1) compartilhar recursos do STFC (os
códigos iniciados por “5” seriam reservados para o SCM); 2) adotar códigos não
geográficos, não compartilhados com o STFC, e 3) usar o código “99” para chamadas
inter-redes. Nesse último caso, haveria 12 dígitos de numeração. Os seis últimos seriam
o código de acesso, os dois seguintes identificariam a rede, mais dois indicariam o
serviço (o SCM seria o “70”, por exemplo), e os dois últimos poderiam identificar um
código de chamadas inter-redes (“99”, por exemplo).
Cumpre ressaltar que a instituição de plano de numeração para o
SCM, mesmo que incompatível com o da rede pública de telefonia, em tese poderia
estimular a criação de uma poderosa rede de comunicação multimídia paralela à de
telefonia, assim como o desenvolvimento de aplicativos e inovações tecnológicas
associados a ela. Além disso, a rede se tornaria mais valiosa à medida do seu
crescimento, pois, conforme salienta Mattos (2007, p.5):
“O valor do serviço de telecomunicações para um usuário é diretamenterelacionado ao número de outros usuários conectados ao sistema; quanto maisusuários um sistema tiver, maior o número de pessoas para as quais umdeterminado usuário poderá ligar. Como as chamadas para outras pessoas seconstituem na própria fonte de demanda do consumidor pelo serviço, o número deusuários com quem se pode falar determina o próprio valor do serviço.”
SCM x SMP
As prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP –, por executarem
atividade prestada em regime privado, não têm assegurada pela LGT a preservação do
equilíbrio econômico-financeiro dos termos de autorização pactuados com a Agência,
como ocorre com as concessionárias do STFC. Pelo contrário, no regime de
autorizações, não se admite o direito adquirido, conforme previsto no art. 130 da LGT:
Lei nº 9.472, de 1997
“Art. 130. A prestadora de serviço em regime privado não terá direitoadquirido à permanência das condições vigentes quando da expediçãoda autorização ou do início das atividades, devendo observar os novoscondicionamentos impostos por lei e pela regulamentação”.
Cabe salientar que esse dispositivo não implica que o Poder Público
detém a prerrogativa de alterar as condições de prestação de forma injustificada, mas
apenas que a regulamentação dessas atividades se caracteriza por maior potencial de
mutabilidade em relação aos serviços prestados em regime público.
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No entanto, diante da evolução das tecnologias sem fio, pode-se
argumentar que, ao impedir o SCM de dispor do atributo da mobilidade plena, a
Agência estaria preservando uma barreira meramente artificial ao desenvolvimento do
serviço, sobretudo se for levado em consideração que ele foi instituído com o intuito de
se transformar em serviço convergente.
Na realidade, como o Regulamento do SMP61 não impede que o
prestador oferte comunicação de dados ao assinante, caso o RSCM fosse alterado com o
objetivo de estender ao SCM a possibilidade de prover mobilidade irrestrita, essa
medida aproximaria ambos os serviços. Para tanto, seria também necessário suprimir as
limitações previstas no RSCM e na Súmula 6 que proíbem essa convergência, bem
como atribuir plano de numeração para o SCM.
No que diz respeito à proteção dos investimentos já realizados pelas
companhias de telefonia celular, como a prestação de um suposto “SCM móvel”
demandaria o emprego de recursos de espectro, as entrantes seriam obrigadas a aportar
recursos financeiros para dispor do direito de uso de radiofreqüências, tal como o
fizeram no passado as operadoras do SMP. Sendo assim, em princípio, não se
justificaria o argumento de tratamento discriminatório entre as prestadoras.
SCM x TV por assinatura
Embora o RSCM estabeleça vedações à distribuição de conteúdo de
forma similar à realizada pelas operadoras de TV por assinatura, o art. 67 habilita o
fornecimento de sinais de vídeo e áudio de forma eventual, mediante contrato ou
pagamento por evento. De acordo com Medeiros (2004), à época da expedição do
RSCM, esse dispositivo foi questionado judicialmente pelas operadoras de televisão por
assinatura, que se viram ameaçadas pela possibilidade do surgimento de competidores
que não estariam submetidos às mesmas rígidas condições regulatórias aplicáveis a elas.
Com o intuito de dirimir as questões suscitadas em torno no assunto, a Anatel acabou
por expedir a Súmula 6, de 24 de janeiro de 2002, que reiterou as restrições previstas no
RSCM. Consoante assinala Tamayo (2003, p.4):
“os operadores de SCM devem cumprir as obrigações estabelecidas nos respectivosTermos de Autorização que especificam as condições sob as quais estão habilitados
61 Anexo à Resolução n° 477, de 7 de agosto de 2007, da Anatel.
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a transmitir vídeo, voz e dados, para diferenciá-los dos operadores de TV pagaexistentes.”.62
Assim, o SCM pode ser usado para videoconferências e transmissão
de programas entre produtores e radiodifusores, mas não para distribuir conteúdo
eletrônico audiovisual mediante “pay per view”, conforme o disposto na referida
Súmula 6:
Súmula 6, de 24 de janeiro de 2002
“A prestação do Serviço de Comunicação Multimídianão admite a transmissão, emissão e recepção deinformações de qualquer natureza que possamconfigurar a prestação de serviço de Radiodifusão ou deserviços de TV a Cabo, MMDS ou DTH, assim como ofornecimento de sinais de vídeo e áudio, de formairrestrita e simultânea, para os assinantes, na forma econdições previstas na regulamentação daquelesserviços”.
Comparativo entre a Diretiva Autorização e o Regulamento do SCM
No intuito de estabelecer um paralelo entre os principais dispositivos
constantes do regulamento do principal serviço convergente em vigor no País – o SCM
– e os preceitos do quadro regulamentar convergente da União Européia que foi
consolidado na Diretiva Autorização, elaboramos a tabela 6.2. Cabem, no entanto, duas
ressalvas. A primeira delas é que a Diretiva estabelece apenas diretrizes a serem
incorporadas nos arcabouços jurídicos de licenciamento dos Estados-Membros e, como
tal, tem caráter de generalidade, ao contrário do SCM, que visa regulamentar em
detalhes a outorga de um serviço. A segunda é que a arquitetura do SCM foi construída
ao redor de uma miríade de restrições formais e informais inerentes à realidade
brasileira, enquanto que a Diretiva não estava submetida às mesmas limitações.
62 Tamayo, G. Brazil Mini-Case Study 2003 - Brazil’s SCM Licensing Service Category: A Step TowardConvergence, Genebra, Jose Lloreda Camacho & Co, 2003, 7p. “SCM operators must also comply withthe obligations set forth in their respective Terms of Authorization that specify the conditions underwhich SCM operators are able to transmit video, voice and data, in order to differentiate SCM fromexisting Paid TV Operators.” Tradução livre do original.
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Tabela 6.2 – Comparativo: Diretiva Autorização x Regulamento do SCM
Característica Diretiva Autorização Dispositivo RSCM Dispositivo
Extinção daautorização
Em caso de descumprimentoreiterado e grave das condiçõesda autorização
Parágrafo 5 do art. 10°Por perda das condiçõesindispensáveis à prestação doserviço
Art. 19
Informações exigidasao requerer a licença
Identificação do operador, brevedescrição do serviço e dataprovável de início dasatividades
Parágrafo 3 do art. 3° Rol extenso de qualificações Art. 14, caput eparágrafo único
Exclusividade naprestação do serviço Não há Alínea ´a´ do parágrafo
2 do art. 2° Não há Art. 10, parágrafoúnico
Normas paranumeração Obediência a regras exaustivas Parte C do Anexo da
DiretivaPlano de numeração previsto,mas não implementado Art. 5°
Alocação defreqüências
Em separado da autorizaçãogeral, e em obediência a regrasexaustivas
Parte B e parágrafo 15do Anexo A da Diretiva
Em separado da autorização paraprestação do serviço, masvinculado a ele
§ 1° do art. 163 daLGT
Mobilidade Não há vedação Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 2° Serviço fixo Art. 3°
Interesse Público ou não Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 2° Coletivo Art. 3°
Atividades vedadas
Não há, mas as atividadesrelacionadas a conteúdo não sãoregidas pela DiretivaAutorização
Citação 12 da Exposiçãode Motivos
Radiodifusão, televisão porassinatura, STFC e SMP
Art. 3°, parágrafoúnico
Condições e termosda licença Condições exaustivas Parágrafo 1 do art. 6°
Previsão de condições nãoexaustivas. O termo deautorização é detalhado.
Arts. 12 e 17
Interconexão Dever e direito, se houverprestação ao público
Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 4° Dever e direito Art. 6°
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Característica Diretiva Autorização Dispositivo RSCM Dispositivo
Infra-estruturaempregada Própria ou de terceiros Alínea ´a´ do parágrafo
2 do art. 2° Própria ou de terceiros Art. 8°
Prazo para entradaem operação doserviço
Prestação imediata a partir dorequerimento, a critério dooperador
Parágrafo 2 do art. 3° Não fixado -
Transferência dalicença Não prevista - Prévia anuência da Agência, e
após três anos da operação Art. 34
Serviço deemergência
Pode ser imposto acesso aserviço de emergência
Parágrafo 12 da parte Ado Anexo Acesso gratuito Art. 62
Encaminhamento detráfego telefônicopela rede pública
Não há vedações específicas -É proibida a chamadasimultaneamente originada eterminada nas redes do STFC
Art. 66
Taxas Limitadas à cobertura deencargos administrativos
Alínea ´a´ do parágrafo1 do art. 12°
Cobertura de despesas naexecução da fiscalização deserviços de telecomunicações
Art. 1° da Lei nº 5.070,de 7 de julho de 1966(Fistel) e Anexo I doAnexo à Resolução nº386, de 03/11/2004
Alterações na licença Possível Parágrafo 1 do art. 14° Possível Art. 130 da LGTAcesso aos recursosdo fundo universal
Sim, se houver prestação deserviços ao público
Alínea ´b´ do parágrafo2 do art. 4° Não Parágrafo 2° do art. 80
da LGTTransferência dedireito de uso deespectro
Possível Art. 9° da DiretivaQuadro
Somente em conjunto com atransferência da autorização Art. 168 da LGT
Abrangência doserviço A ser informada pelo prestador Alínea ´a´ do parágrafo
2 do art. 2° Âmbito nacional e internacional Art. 3°
Duração daautorização Indeterminada - Indeterminada Art. 10, parágrafo
únicoPreço ao consumidorfinal Não há previsão - Livre Art. 129 da LGT
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6.2.5 – Constituição Federal
A Constituição Federal estabelece que os serviços de radiodifusão
estão submetidos a condições especiais, entre elas o limite de trinta por cento para a
participação estrangeira no capital social e votante das empresas que os prestam (§ 1º do
art. 222). Além disso, o § 1º do art. 223 remete as outorgas de radiodifusão à apreciação
do Congresso Nacional.
Como o conceito do serviço de radiodifusão é verticalizado no Brasil,
formalmente, não há como desvincular as atividades de programação e distribuição de
conteúdo de TV aberta. Por isso, uma multinacional estrangeira de telecomunicações
que esteja interessada em prover difusão de sinais de televisão, terceirizando a
programação, não poderá fazê-lo, haja vista a Carta Magna vedar outorgas de
radiodifusão para empresas controladas por estrangeiros63. Portanto, a inclusão do
serviço de difusão dos sinais de televisão aberta em um eventual regime convergente de
licenças de telecomunicações não seria possível. Isso não ocorre na União Européia,
onde a transmissão de sinais de TV é considerada serviço de comunicação eletrônica e,
como tal, submetida ao regime de autorização geral.
63 A transmissão das programações das emissoras de televisão pelas operadoras de DTH é prevista naNorma 008/97, que dispõe sobre o “Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio porAssinatura via Satélite (DTH)”, aprovada pela Portaria n° 321, de 21 de maio 1997, do Ministério dasComunicações. Segundo o disposto no item 5.3 dessa Norma, “a transmissão de programação deconcessionária ou permissionária de Serviços de Radiodifusão através do Serviço DTH somente poderáser feita após celebração do respectivo contrato de cessão de programação entre as partes, respeitando ascondições nele estabelecidas e na legislação pertinente”.
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7 – PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE
OUTORGAS
Conforme abordado nos capítulos anteriores, a evolução do mercado
de telecomunicações demanda a adoção de um modelo de outorga de serviços e redes
capaz de responder aos desafios proporcionados pela convergência tecnológica, de
modo a permitir que os diversos agentes, sobretudo operadoras e consumidores, possam
usufruir as oportunidades propiciados por ela.
Cabe reiterar que, embora o sistema de autorização geral praticado
pela União Européia seja considerado a iniciativa de modelo convergente de maior
sucesso, a mera transferência desse regime para a realidade brasileira se revela inviável.
Em primeiro lugar, é essencial considerar que, em maior ou menor grau, seus Estados-
Membros estão envolvidos nessa transição desde a década de 1980. Além disso, não
obstante a relativa homogeneidade dos países da Comunidade, a consolidação do novo
marco regulatório na região ocorreu a velocidades completamente distintas. Enquanto
no Reino Unido a liberalização do mercado de telecomunicações ocorreu rapidamente,
na Alemanha o processo se deu forma muito mais morosa.
Em segundo lugar, conforme esclarecem Buckinghan et Willians
(2005), as condições institucionais a que estão submetidos os países que compõem a
União Européia são absolutamente distintas daquelas a que se sujeitam as nações
emergentes. Mesmo países como o Brasil, cuja credibilidade das instituições se elevou
significativamente nos últimos anos64, não transmitem a mesma percepção de certeza
regulatória para os investidores estrangeiros do que as nações européias. Portanto, o
processo de reforma do modelo regulatório – e, em particular, do regime de
licenciamento – deve considerar essa realidade, conforme vastamente explorado na
literatura econômica por autores como North (1990).
Em razão dos motivos elencados, neste trabalho, pretendemos propor
a adoção não de um modelo ideal, mas de um regime que busque promover uma
transição gradual em direção à neutralidade tecnológica e de serviços, principalmente
porque a legislação e a própria Constituição Federal brasileiras estabelecem severas
restrições à aglutinação de determinados serviços.
64 O índice EMBI+ (mais conhecido como “Risco País”), criado em 1992 pelo JP Morgan, revela que onível de confiança dos investidores no Brasil mostrou sensível progresso, caindo de 1.034 pontos, em1999, para 235, em 2006 (Faria, 2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 111
Na análise, serão identificadas as similaridades entre a atual
conjuntura institucional brasileira e os obstáculos enfrentados por outros países na
transição rumo à implantação de regimes convergentes de licenciamento. Cumpre
ressaltar ainda que a metodologia empregada para elaborar o modelo proposto se baseia
nas sistemáticas recomendadas por Buckingham et Willians (2005) e de La Torre et
Maddens (2004), apresentadas nas seções 4.3 e 4.4 deste trabalho.
7.1 Premissas do modelo proposto
Preservação dos instrumentos contratuais, legais e constitucionais em
vigor
A principal premissa assumida fundamenta-se na manutenção dos
contratos de concessão de telefonia fixa e do arcabouço legal vigente, especialmente a
Constituição Federal, a LGT, a Lei do Cabo, a Lei do FUST e a Lei do Fistel. Sendo
assim, do ponto de vista normativo, serão admitidas apenas inovações jurídicas em nível
infra-legal. Para justificar a adoção das medidas propostas, nos fundamentaremos na
motivação de mérito e no embasamento jurídico apresentados anteriormente neste
trabalho.
A principal vantagem dessa abordagem reside no fato de que o
modelo proposto é passível de implantação sem a necessidade de alterações legais ou
constitucionais, cujos trâmites legislativos são complexos e morosos. Prova disso é que,
até hoje, a LGT sofreu apenas dois emendamentos legais – pelas Lei nº 9.986, de 18 de
julho de 2000, e nº 9.691, de 22 de julho de 1998 –, não obstante o arcabouço legal do
setor por vezes clamar por aperfeiçoamentos65. Além disso, o texto legal resultante do
processo legislativo raramente reflete a escolha mais eficiente sob a perspectiva técnica
e/ou econômica, em privilégio de fatores políticos.
Por outro lado, essa premissa limita os resultados alcançados, visto
que o modelo será construído ao redor de restrições que dificultam o cumprimento do
objetivo de neutralidade originalmente almejado. Porém, do ponto de vista da segurança
regulatória, a implementação de migração suave em direção ao cenário de licenciamento
65 AGÊNCIA CÂMARA. Conferência revela consenso sobre necessidade de mudanças na LGT.Brasília: Agência Câmara, 2007. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://intranet2.camara.gov.br/internet/comissoes/cctci/leia-mais-conferencia-encerrada. (Consultado em18.10.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 112
convergente atenua os eventuais efeitos adversos causados por mudanças abruptas de
regulamentação, mantendo-se, assim, um clima de segurança jurídica.
A opção pela evolução gradual também foi a alternativa adotada pela
Índia, que recentemente se viu envolta em desafios semelhantes aos vividos pelo Brasil.
No documento “Consultation Paper on Unified Licensing for Basic and Cellular
Services”66, o regulador indiano, afirma que, após ter vencido um estágio intermediário
rumo ao cenário convergente, aquele país se valeu da experiência adquirida para
estendê-la ao planejamento das etapas posteriores.
Para tanto, a TRAI considerou questões como o tipo de licença a ser
adotada, taxas de licenciamento, definição de áreas de prestação de serviço, obrigações
de abrangência, preços e condições de alocação de espectro, obrigações de interconexão
entre serviços, prazo de outorga, contribuição para o fundo de universalização, planos
de numeração e preços de entrada a serem pagos pelos novos entrantes, levando-se em
consideração os valores já pagos pelas operadoras estabelecidas.
Examinou ainda possíveis alterações nas licenças vigentes para
adaptá-las às novas condições regulatórias, bem como as implicações do regime de
licenciamento unificado para a sustentabilidade do mercado. Ademais, no intuito de
estabelecer regras para que a competição não fosse comprometida, conferiu especial
ênfase para a reavaliação dos mercados relevantes, levando em conta a aglutinação de
serviços em licença única, aliada ao movimento de fusões e aquisições.
Evolução em direção à neutralidade dos serviços e tecnologias
Conforme já mencionado, o ordenamento jurídico brasileiro não
determina que os serviços de telecomunicações sejam necessariamente atrelados às
tecnologias empregadas para suportá-los. Em consonância com as tendências mundiais
em relação à matéria, o regime de licenciamento elaborado será compatível com o
princípio de neutralidade tecnológica e de serviços, porém, com as restrições
estabelecidas pela premissa anterior.
Exclusão das atividades relativas a conteúdo do escopo do modelo
66 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 113
À semelhança do modelo europeu, o regime proposto não tratará de
questões relacionadas a fomento, produção, programação e empacotamento de
conteúdo, restringindo-se apenas à sua distribuição.
Balanço adequado entre ambiente regulatório estável e estímulo ao
desenvolvimento tecnológico
A maior parte da literatura defende que os regimes de licenciamento
devem ser construídos de maneira a construir um balanço equilibrado entre o estímulo
ao desenvolvimento de novas tecnologias e serviços e a preservação de um ambiente de
certeza regulatória, com conseqüente limitação à discricionariedade do regulador.
Segundo Singh (2007), esse princípio deve nortear os regimes de outorga
principalmente de países emergentes, onde a atração de investimentos demanda
permanentes sinalizações positivas sobre a segurança jurídica do modelo praticado.
Assim, o regime elaborado pretende oferecer flexibilidade na
prestação de serviços e uso de tecnologias, porém sem conferir discricionariedade
excessiva à Agência, de modo a não afastar o interesse de investidores no mercado
brasileiro.
Regulação diferenciada para operadores que detenham PMS
De acordo com as considerações anteriormente apresentadas neste
trabalho, a redução de barreiras à entrada no mercado deve ser acompanhada da
imposição de obrigações especiais para operadoras que detenham poder de mercado
significativo. O objetivo é não permitir que a flexibilização proporcionada pelo regime
convergente se converta em oportunidade para a excessiva concentração de mercado,
em consonância com as soluções adotadas pela União Européia e Índia.
Essa medida é imprescindível porque o regime convergente implica a
aproximação conceitual de serviços, com reflexos no ambiente concorrencial, como a
superposição de mercados. Também é essencial que a análise sobre os mercados
relevantes seja feita de forma dinâmica, de forma a acompanhar a velocidade da
evolução do setor.
Simplificação de procedimentos de entrada no mercado
Em conformidade com o disposto em capítulos anteriores, a redução
de encargos administrativos e financeiros sobre potenciais entrantes consiste em
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 114
estímulo para a entrada no mercado e o aumento da competição. Por esse motivo, essa
se constituirá em uma das premissas básicas do modelo elaborado.
7.2 Descrição do modelo
Linhas gerais do modelo
No atual regime de licenciamento, cada outorga autoriza a exploração
de um serviço (acesso) e/ou uma rede (infra-estrutura) específica. A exemplo das
tendências internacionais analisadas anteriormente, o sistema brasileiro pode ser
aperfeiçoado de modo a permitir que as licenças sejam mais abrangentes, de forma a
englobar diversos serviços existentes.
Na abordagem proposta, as outorgas não mais serão mais definidas
com base em parâmetros tecnológicos, mas serão tipificadas por categorias que se
justificarão, em regra, pelas limitações legais impostas. Conforme explorado no capítulo
6, as características particulares do arcabouço legal brasileiro não permitem a adoção
imediata de modelo puramente convergente. A opção será, portanto, por regime de
natureza híbrida, composto de licenças individuais e licenças convergentes, à
semelhança da experiência de países como a Índia.
A simplificação de procedimentos de licenciamento será
acompanhada de acompanhamento mais próximo dos mercados relevantes com o intuito
de estabelecer obrigações especiais para operadoras que detenham PMS e detectar
condutas anticoncorrenciais, o que exigirá do regulador e dos órgãos de defesa da
concorrência maior agilidade e capacitação técnica para lidar com a matéria.
Classes de serviços
A premissa de respeito aos instrumentos legais em vigor demanda que
o STFC seja obrigatoriamente preservado, haja vista ser o único passível de prestação
em regime público, o que demanda tratamento jurídico diferenciado em relação aos
demais serviços, prestados em regime privado. Pelo mesmo motivo, o serviço de TV a
cabo também deve ser mantido, visto que a Lei n 8.977/95 impõe dificuldades para
integrá-lo aos demais serviços de TV por assinatura. Esse assunto será analisado
posteriormente. O serviço de radiodifusão, em função das restrições constitucionais
vigentes, está fora do escopo do regime de licenciamento proposto.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 115
Os serviços de interesse restrito poderão ser minimizados a uma única
classe, que englobará serviços tais como o móvel aeronáutico, rádio do cidadão e
radioamador. Conforme admitido pelo art. 131, § 2°, da LGT, os serviços abrangidos
por essa classe serão submetidos a processo de autorização geral similar ao praticado na
Comunidade Européia, em que o operador apenas notifica o regulador de que irá iniciar
suas operações, prestando informações básicas sobre o serviço prestado. Ainda à
semelhança do modelo europeu, a prestação dos serviços da classe se fará
preponderantemente segundo o disposto em regulamento, e não na licença. Além disso,
os regulamentos determinarão que esses serviços não causarão interferências indevidas
nos serviços de interesse coletivo. Caso o serviço demande radiofreqüências licenciadas,
o operador deverá obter a respectiva autorização de direito de uso de espectro para
prestá-lo, como já ocorre hoje.
Os demais serviços serão agregados em uma única classe. Portanto,
comporão essa categoria todos os serviços prestados em regime privado de interesse
coletivo, à exceção da TV a cabo. Essa licença conterá características comuns a todos os
serviços pertencentes à classe. Assim, os serviços que comporão essa classe poderão
dispor de mobilidade plena, plano de numeração e possibilidade de prestação de
serviços similares à telefonia fixa e móvel, bem como televisão por assinatura. Essa
proposta permite a incorporação dos benefícios oriundos de desenvolvimentos
tecnológicos recentes como o VoIP e sistemas sem fio como o Wimax, que poderão
concorrer com as tecnologias já consolidadas. A infra-estrutura empregada para
executar o serviço poderá ser própria ou de terceiros, inclusive radiofreqüências. Essa
solução não implica transferência de espectro – o que conflitaria com as premissas
adotadas –, mas o compartilhamento de redes. Além disso, nessa classe também seriam
agregados os serviços de telefonia fixa prestados em regime privado. Porém, para que
não haja favorecimento indevido para essas operadoras, será concedido às
concessionárias de telefonia o direito de dispor do recurso da mobilidade irrestrita67.
A homogeneização das normas de atendimento ao consumidor
aplicáveis aos serviços de interesse de coletivo poderá alcançada por intermédio do
67 Em razão do disposto no art. 87 da LGT (“A outorga a empresa ou grupo empresarial que, na mesmaregião, localidade ou área, já preste a mesma modalidade de serviço, será condicionada à assunção docompromisso de, no prazo máximo de dezoito meses, contado da data de assinatura do contrato, transferira outrem o serviço anteriormente explorado, sob pena de sua caducidade e de outras sanções previstas noprocesso de outorga”), o prestador do STFC em regime público – ou empresas pertencentes ao seu grupoempresarial –não poderá deter outorga para prestação do mesmo serviço em regime privado.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 116
estabelecimento de regras comuns aplicáveis aos prestadores desses serviços, as quais
constarão do regulamento da classe (figura 7.1). Essa medida justifica-se em razão da
crescente popularização da oferta de pacotes do tipo “triple-play”. Por meio dela, a
operadora que prestar serviços distintos a um mesmo usuário será obrigada a oferecer
condições similares de atendimento – horário de funcionamento da central telefônica de
suporte ao cliente, por exemplo – para todos os serviços prestados em regime coletivo.
Portanto, o modelo é composto por quatro tipos de licenças, duas
delas específicas – STFC em regime público e TV a cabo – e outras duas convergentes –
de interesse restrito e coletivo, as quais doravante denominaremos “Classe de Serviços
Restritos” e “Classe de Serviços Coletivos”, respectivamente. Ao prever a criação de
licenças abrangentes que abarquem, ao mesmo tempo, infra-estrutura e acesso, o
modelo proposto se aproxima do adotado pela União Européia e Argentina, em
oposição aos regimes em vigor na Malásia, Cingapura e Austrália, que privilegiaram a
separação em camadas. Cumpre assinalar que, a exemplo do regime de autorização
geral empregado pela União Européia, a diferença de tratamento entre operação de
redes e prestação de serviços será estabelecida em regulamento, e não na licença.
Figura 7.1 – Diagrama em blocos do modelo proposto
É fundamental destacar que o regime proposto, embora contenha
apenas quatro classes, preserva todos os serviços existentes e seus respectivos
regulamentos. Contudo, os regulamentos em vigor poderão ser modificados em função
STFC em regimepúblico
Serviço de TV acabo (TVC)
Classe dosServiçosColetivos
Classe dosServiços Restritos
• Regulamento• Atributos do STFC
• Regulamento• Atributos da TVC
• Regulamento• Atributos da classe: - notificação - ...
• Regulamento• Atributos da classe: - numeração - mobilidade - atendimento - ...
SMP Regulam.
MMDS
DTH
...
Regulam.
Regulam.
R.amador Regulam.
R.cidadão
...
Regulam.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 117
das características atribuídas a cada classe. Exemplificando, o Regulamento do SCM
deverá ser modificado para incorporar todos os recursos previstos para a “Classe de
Serviços Coletivos”, como a mobilidade.
A título de ilustração, caso uma empresa opte por ofertar ao público
em geral o STFC em regime privado e o SMP, ela deverá obter apenas uma outorga
junto ao Poder Público, aplicável à “Classe de Serviços Coletivos”, não obstante
pretenda operar dois serviços distintos. Além disso, na prestação de ambos os serviços,
a prestadora deverá obedecer às normas comuns da referida classe; ao mesmo tempo,
submeter-se-á aos regulamentos individuais de cada serviço. O funcionamento do
modelo é esquematizado na figura 7.1.
Redução de taxas
Para aliviar os encargos incidentes sobre as operadoras e,
conseqüentemente, diminuir as barreiras de entrada no mercado, a priori, pode-se
aventar a alternativa de reduzir tanto os preços públicos cobrados pela outorgas quanto
as taxas de fiscalização incidentes sobre cada serviço. A diminuição destas últimas,
porém, revela-se incompatível com a premissa de manutenção da legislação vigente,
haja vista que os valores das taxas de fiscalização correspondentes a cada serviço de
telecomunicações encontram-se discriminados no Anexo da Lei nº 5.070, de 7 de julho
de 1966. Ademais, o art. 10 da Lei do Fistel fixa os valores das taxas a serem cobradas
no caso da instituição de novas modalidades de serviços, retirando flexibilidade do
órgão regulador para dispor sobre elas.
Restaria à Anatel a faculdade de alterar os preços públicos cobrados
pelo direito de exploração dos serviços de telecomunicações – ou seja, os valores das
outorgas, propriamente ditas –, que constam da Resolução nº 386, de 3 de novembro de
2004.
Velocidade de migração
O modelo proposto prevê um prazo de três anos a partir da sua
aprovação para entrada em vigor. O objetivo é sinalizar para os agentes econômicos os
efeitos da reforma com a devida antecedência, bem como permitir à Agência fazer os
ajustes necessários ao modelo, à semelhança do ocorrido em países como a Argentina.
A partir daí, iniciar-se-á período de transição no qual as novas licenças conviverão com
as hoje vigentes. Porém, as autorizações de direito de uso de espectro vinculadas a
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 118
termos de autorização para prestação de serviços de telecomunicações que se não se
encaixarem no perfil das classes criadas não serão renovadas nos moldes em que foram
originalmente expedidas. Ademais, será concedido às empresas detentoras de outorgas o
direito à migração para o novo regime, desde que atendidas as condições objetivas e
subjetivas previstas no novo modelo.
O período de transição foi fixado de tal modo que o novo regime
comece a viger aproximadamente na época da revisão dos contratos das concessionárias
de telefonia fixa. Na oportunidade, poderão ser feitos os ajustes necessários aos
contratos para adaptação ao novo cenário.
Medidas compensatórias
No caso da instituição de regras regulatórias que venham a causar
redução substancial das suas receitas, as concessionárias de telefonia fixa poderão
invocar a cláusula que lhes assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
dos contratos, sob a justificativa de risco à continuidade do serviço.
Nesse contexto, a criação de uma classe convergente de serviços de
interesse coletivo com reduzidas barreiras à entrada – cujas operadoras poderão
inclusive empregar as redes das concessionárias para prestar serviços – poderá ser usada
como argumento para demandar revisão contratual, cabendo às empresas o ônus de
demonstrar esse desequilíbrio. No intento de assegurar a preservação de ambiente
regulatório estável, que não imponha desvantagens competitivas para as operadoras já
estabelecidas, o regulador poderá ser obrigado a adotar medidas compensatórias. Nessa
análise, no entanto, cabe a consideração de que as companhias estabelecidas dispõem do
diferencial de já possuírem base de clientes consolidada, de modo que a redução de
barreiras à entrada no mercado não assegurará às novas operadoras a conquista de
usuários das incumbentes.
Conforme já abordado, a compensação financeira direta para
operadores eventualmente prejudicados por reformas empreendidas no ordenamento
regulatório não é uma regra habitualmente praticada no cenário internacional na
transição para modelos de licenciamento convergentes. Em geral, a compensação é
implementada mediante a concessão de outros tipos de incentivos, como a abertura para
prestação de novos serviços pelas incumbentes. No modelo brasileiro, no entanto, não
há mais restrições a outorga de serviços, com exceção da prestação do serviço de TV a
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 119
cabo por concessionárias de STFC local na respectiva área de concessão. Assim, a
menos dessa hipótese, uma prestadora pode obter outorga para prestar quaisquer
serviços de telecomunicações.
No que diz respeito a incentivos, uma das alternativas seria adotar
medidas similares às instituídas no Peru, em que houve negociação com a incumbente
para a substituição da obrigação de instalar infra-estrutura em áreas não servidas pela
antecipação em um ano do período de exclusividade para operação de telefonia fixa (de
La Torre et Maddens, 2004). Considerando a tendência mundial de universalização do
serviço de banda larga, e não mais da telefonia fixa (Vedana, 2006), algumas das metas
previstas no Plano Geral de Metas de Universalização poderão ser negociadas com as
concessionárias.
Em relação à telefonia celular, como o regime regulatório proposto
permitirá que novas tecnologias sem fio de baixo custo possam ser empregadas, com
mobilidade plena, para provimento de serviço de banda larga e de serviços similares à
telefonia móvel, as metas de cobertura e investimento mais arrojadas impostas às
operadoras já estabelecidas também poderão ser negociadas.
Na Índia, as operadoras móveis foram beneficiadas com a redução da
taxa incidente sobre o faturamento, bem como com a retenção de parte dos valores
pagos aos provedores de telefonia fixa para terminação de chamadas (de La Torre et
Maddens, 2004). No Brasil, em princípio, uma medida passível de implantação como
compensação seria a isenção temporária de parcela das contribuições para o FUST,
Funttel e Fistel. No entanto, mecanismos de renúncia tributária demandam aprovação
legislativa, o que contraria as premissas assumidas.
O cálculo das compensações que se fizerem eventualmente
necessárias poderá ser feito com base em metodologias já empregadas por países como
Hong Kong, onde foi aplicado o fluxo de caixa descontado (de La Torre et Maddens,
2004). A maior dificuldade, porém, será discenir a magnitude das perdas das operadoras
estabelecidas com a implantação do novo regime. Não obstante, essa medida permitirá
que as empresas cooperem no desenvolvimento do sistema de licenciamento
convergente. Vale ressaltar que a referida análise de compensações exige exercício
complexo que foge ao escopo desse trabalho.
Exclusão dos serviços de radiodifusão do escopo do modelo
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 120
Uma das implicações imediatas da premissa de preservação do
arcabouço constitucional é a exclusão, no modelo elaborado, dos serviços de
radiodifusão, haja vista não se tratarem de serviços de telecomunicações em sentido
estrito. Isso ocorre porque os incisos XI e XII do art. 21 da Constituição Federal
estabelecem clara distinção entre os segmentos de radiodifusão e telecomunicações.
A referida condição é semelhante à adotada pela Comunidade
Européia quando da adoção do marco regulatório para os serviços de comunicação
eletrônica, que não abriga as atividades relacionadas a conteúdo, à exceção da sua
distribuição. Nesse aspecto, a grande distinção em relação ao modelo proposto neste
trabalho é que, na União Européia, as redes de distribuição de radiodifusão estão
submetidas às regras das Diretivas aprovadas no “Pacote 2002”, o que não é possível no
cenário jurídico brasileiro, uma vez que a atividade de programação de conteúdo de
radiodifusão está verticalmente agregada à sua distribuição.
Agregação parcial dos serviços de TV por assinatura
Conquanto se possa imaginar em princípio que o regime proposto
dispusesse da capacidade de agregar todas as modalidades de serviços de televisão por
assinatura, em bases puramente infra-legais não é possível reuni-las em uma só classe
de serviço, e nem tampouco em apenas um serviço. Embora a premissa da neutralidade
tecnológica aparentemente torne mandatória a criação, pela Anatel, de um serviço único
para a atividade de distribuição de conteúdo audiovisual eletrônico para assinantes, há
fatores que impedem essa convergência.
Senão vejamos: suponhamos uma prestadora que deseje construir e
operar uma rede de fibra ótica para prestação de TV por assinatura em determinada
localidade, e que, para tanto, receba uma outorga para a “Classe de Serviços Coletivos”.
Imaginemos ainda que as emissoras de TV aberta não entrem em acordo financeiro com
a operadora sobre a remuneração adequada para a veiculação de suas programações no
pacote ofertado pela prestadora68. Os assinantes poderão alegar que o serviço
convergente prestado a eles foi agregado na “Classe de Serviços Coletivos” apenas sob 68 Consoante abordado no capítulo 6, à exceção das prestadoras do Serviço de TV a cabo, nenhuma outraoperadora de serviço de televisão por assinatura é obrigada a ofertar gratuitamente o transporte dos canaisabertos de televisão a seus usuários, e nem tampouco as emissoras de TV aberta são obrigadas a cedersuas programações para uso pelas operadoras de telecomunicações. Essa tese, embora dominante, écontroversa: há aqueles que sustentam que, em razão da definição de “canal” prevista no inciso VII do art.5º da Lei nº 8.977/95 (“conjunto de meios necessários para o estabelecimento de um enlace físico, ótico
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 121
o ponto de vista formal, pois, sob o prisma material, ele se caracteriza como Serviço de
TV a cabo, visto que o art. 2º da lei que instituiu o serviço (Lei n° 8.977/95) o define
como (grifo nosso) “o serviço de telecomunicações que consiste na distribuição de
sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos”. Diante
dessa situação, exigirão que os canais de TV aberta sejam agregados aos pacotes
ofertados, em cumprimento ao art. 23 da Lei do Cabo (“must carry”).
O embaraço na aglutinação dos serviços de TV por assinatura é
compartilhado por Minassian (2007a, p.12), que reconhece que, “À vista da Lei de TV a
Cabo, há dificuldades de integração total dos quatro serviços existentes com a mesma
finalidade (TV a Cabo, MMDS, DTH e TVA)”. Na mesma direção, o Conselho de
Comunicação Social do Congresso Nacional, na Recomendação nº 1, de 2004, ressalta a
“a desproporção, o desequilíbrio e a falta de correspondência e de equivalência entre o
tratamento regulatório dado ao serviço de TV a Cabo, instituído e regulamentado pela
Lei 8.977/95, e o serviço DTH, tratado por Portarias ministeriais, convalidadas pela
Anatel, apesar de ambos serem modalidades essencialmente semelhantes de serviço de
comunicação social eletrônica”69.
Características da “Classe de Serviços Coletivos”
Ao discorrer sobre os conceitos para a prestação dos serviços de
telecomunicações no período de 2015 a 2020, Ramos (2006a, p.164) apontou a
importância da “existência de um grande Serviço de Telecomunicações, base da
outorga de licença firmada com o Poder Concedente, calcado sobre a estrutura
tecnológica de redes dotadas de mobilidade e independência do tipo de acesso, tal qual
apresentado pelas NGN”70. Nesse contexto, a proposta de criação da “Classe de
Serviços Coletivos” coaduna-se com o objetivo de instituir um serviço – ou,
alternativamente, uma classe de serviços – convergente, a exemplo do SCM, porém sem
as restrições que limitam a sua prestação.
De acordo com a análise apresentada no capítulo 6, as principais
restrições vigentes para o SCM são: (i) vedação à prestação de serviços que possam se
ou radioelétrico, para a transmissão de sinais de TV entre dois pontos”), as operadoras de MMDS e DTHtambém deveriam se submeter aos dispositivos da Lei do Cabo.69Conselho de Comunicação Social. Recomendação nº 1, de 2004, Brasília: Congresso Nacional, 2004. p.17 [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:.Disponível no sítio:http://webthes.senado.gov.br/sil/COPARL/CCS/Recom/REC200412061.rtf. (consultado em 28.08.2007).70 Acrônimo de Next Generation Networking.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 122
confundir com radiodifusão, televisão por assinatura e telefonia; (ii) limitação à
mobilidade irrestrita, e (iii) inexistência de plano de numeração.
A “Classe de Serviço Coletivo” proposta tem características similares
às que hoje regem o SCM, porém com a supressão por completo das duas últimas
restrições. A primeira delas será suprimida apenas parcialmente, haja vista a existência
de instrumentos legais específicos aplicáveis à radiodifusão, telefonia fixa em regime
público e TV a cabo demandar que o sistema de licenciamento atribua licenças
individuais para esses serviços. A regulamentação da radiodifusão, em especial,
permanecerá apartada da de telecomunicações.
O objetivo da eliminação de restrições é instituir uma outorga de
interesse coletivo verdadeiramente multimídia e convergente, que possa abarcar os mais
diversos serviços, à exceção daqueles já referidos. Para tanto, será necessário atribuir
plano de numeração aos serviços da classe, de modo a facilitar a integração de seus
assinantes intra-rede e extra-rede. Dessa forma, o usuário poderá se beneficiar na
plenitude de inovações como o VoIP e o IPTV, entre outras.
Ao findar-se o período de latência estabelecido, o mercado deverá
estar suficientemente maduro para absorver os impactos dessa medida. Cabe assinalar
que, como a criação do plano de numeração do SCM já estava prevista desde a
instituição do RSCM, em 2001, a Agência já fez a devida sinalização para o mercado
dessa perspectiva.
Além disso, ao prover os serviços da classe do atributo da mobilidade,
serão viabilizadas novas aplicações que empreguem tecnologias sem fio. Embora essa
medida possa sofrer forte oposição por parte das operadoras de telefonia móvel, cumpre
reiterar que essas companhias devem se submeter às transformações de mercado
decorrentes das oscilações tecnológicas, inclusive para se aproveitar delas para se tornar
mais eficientes e competitivas. Como última alternativa, restará a solução de conferir
medidas compensatórias a essas operadoras, caso haja comprovada necessidade.
Para que se essa medida possa ser implementada de forma gradual,
propomos que, durante um período transitório, seja assegurada a todos os prestadores
pertencentes à “Classe de Serviços Coletivos” apenas a funcionalidade da mobilidade
restrita, definida segundo o disposto no item I da Consulta Pública nº 805, de 18 de
julho de 2007, da Anatel. Consoante esse dispositivo, a “Função de Mobilidade
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 123
Restrita” permite “o estabelecimento de sessão, chamada ou outra espécie de
comunicação com células ou setores distintos daquele em que foi inicialmente
instalada”, porém, sem a capacidade de fazer o chamado “hand-off”. Após o período de
transição, o atributo da mobilidade plena será concedido a todas as prestadoras de
serviços pertencentes à classe.
Transferência de condições do serviço para códigos regulamentares
O modelo proposto prevê que as condições gerais de prestação dos
serviços serão preferencialmente contidas nas regulamentações das classes e/ou dos
próprios serviços, e não nas licenças. A medida pretende conferir flexibilidade ao
regulador diante de mudanças tecnológicas e de mercado.
Portanto, será demandada completa reformulação das normas da
Anatel no sentido de ajustá-las ao novo cenário. As outorgas serão compostas de
cláusulas mínimas, enquanto que a regulamentação da classe possuirá normas gerais que
incidirão sobre todos os serviços pertencentes a ela. A regulamentação do serviço, por
sua vez, conterá apenas as normas específicas aplicáveis a ele.
Nesse sentido, o modelo proposto se assemelha ao regime britânico,
em que a Ofcom fixou vinte e uma “Condições Gerais de Habilitação” que se aplicam a
categorias específicas de provedores de serviços e/ou operadores de redes (Flanagan,
2005). Naquele caso, os padrões de qualidade do serviço são fixados em regulamentos
apartados das licenças, e são estabelecidos de acordo com o tipo de serviço provido. Da
mesma maneira, a diferenciação entre as condições atribuíveis a provedores de serviços
e operadores de redes também são tratadas em normatização da agência.
Espectro
Em razão das limitações prescritas pela LGT, o modelo proposto
mantém o regime de gestão de espectro do tipo “comando e controle” que se encontra
em vigor, baseado em licenças que tratam em detalhes das condições de utilização das
radiofreqüências e em direitos de uso exclusivo, à exceção das bandas alocadas para uso
não exclusivo ou não licenciadas.
7.3 Dificuldades de implantação do modelo convergente
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 124
Em que pesem os potenciais benefícios advindos da adoção do modelo
convergente de outorgas, é inegável a existência de embaraços para sua implementação
prática. A seguir, passaremos a abordar alguns aspectos relacionados ao assunto.
7.3.1 – Reação à redução das taxas administrativas
A primeira dificuldade para implantação do sistema proposto decorre
da premissa de redução das taxas administrativas impostas aos provedores de serviços
de telecomunicações.
Conforme ilustrado na tabela 7.1, apenas pouco mais de dez por cento
dos recursos oriundos do Fistel são efetivamente empregados na Anatel – órgão
responsável pela atividade fiscalizatória –, enquanto que o restante é contingenciado
pelo governo federal. Portanto, é natural que a proposta de corte na arrecadação desse
fundo mediante redução dos valores cobrados pelas outorgas venha a enfrentar
resistências das autoridades instituídas. Reação ainda maior encontraria a proposição de
diminuição das taxas de fiscalização, que também compõem o Fistel.
Embora se possa argumentar que a renúncia fiscal decorrente da
redução da arrecadação do fundo pode ser compensada com os diversos benefícios
proporcionados pela expansão do setor de telecomunicações – redução do custo de
infra-estrutura para os demais segmentos econômicos, aumento de postos de trabalho e
atração de investimentos, entre outros –, a medida só seria passível de implantação de
forma gradual, de modo a minimizar seu impacto imediato sobre as contas
governamentais.
7.3.2 – Reformulação de regulamentos e da estrutura da Agência
A mudança em direção ao sistema de licenciamento convergente
requer um período de maturação para que as instituições formais e informais possam se
adequar a ele. A experiência dos países da União Européia, que se encontram
envolvidos nessa transição desde a década de 1980, demonstra que a consolidação do
novo marco regulatório demanda tempo e recursos consideráveis. Nesse contexto, a
reformulação dos regulamentos e contratos em vigor e a reestruturação administrativa
de reguladores e regulados fazem parte de um complexo processo de adaptação ao novo
ambiente. No Brasil, o recente insucesso da Anatel em promover alterações na sua
estrutura organizacional revela as dificuldades a que está submetida a Agência ao tentar
empreender mudanças dessa natureza.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 125
Considerando que a adoção do regime de licenciamento convergente
pressupõe forte atuação da Anatel sobre mercados relevantes e flexibilização do
controle sobre os demais mercados, é necessário que seus agentes sejam capacitados
para lidar com esse cenário nascente. Essa realidade exige completa revisão das normas
aplicáveis aos serviços de telecomunicações, processo que demanda a realização de
consultas públicas e discussões com operadores, consumidores e outros entes
governamentais, o que torna morosa a migração proposta.
Tabela 7.1 – Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel71
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Receita do Fistel 2.173 2.277 4.430 2.694 1.288 1.987 2.056
Empenhos liquidados–Anatel 217 224 225 258 231 252 231
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
4.500
5.000
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Milh
ões
de re
ais
Receita do FistelDespesas - Anatel
Figura 7.2 – Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel
7.3.3 – Capacidade decisória do regulador
Segundo o disposto no art. 20 da LGT72, as decisões do Conselho
Diretor da Anatel devem ser tomadas por maioria absoluta do colegiado, composto de
cinco membros. Porém, o exame da composição do Conselho ao longo dos últimos
quatro anos aponta que apenas em raros momentos ele dispôs da sua capacidade
decisória plena, conforme mostrado na Figura 7.3. Dessa forma, a tomada de decisão a
respeito de matéria que altera drasticamente o funcionamento e a estrutura da Agência
poderá ser prejudicada pela ausência de membros efetivos do seu corpo diretivo.
71 1) Dados disponíveis no sítio da Teleco via WWW na URL: http://www.teleco.com.br/anatel.asp; 2)Valores em milhões de reais.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 126
Tabela 7.2 – Períodos efetivos dos mandatos dos conselheiros da Anatel73
Conselheiro Posse SaídaAntônio Carlos Valente da Silva 05/11/1997 04/06/2004Antônio Domingos Teixeira Bedran 14/05/2007 -Elifas Chaves Gurgel do Amaral 06/04/2005 03/11/2005José Leite Pereira Filho 05/11/1997 04/11/2007Luiz Alberto da Silva 02/05/2002 04/11/2006Luiz Francisco Tenório Perrone 05/11/1997 04/11/2001Luiz Guilherme Schymura de Oliveira 02/05/2002 08/11/2004Luiz Tito Cerasoli 08/01/1999 04/11/2003Mário Leonel Neto 05/11/1997 18/12/1998Pedro Jaime Ziller de Araújo 07/01/2004 -Plínio Aguiar Júnior 10/07/2006 -Renato Navarro Guerreiro 04/11/1997 01/04/2002Ronaldo Mota Sardenberg 02/07/2007 -
Número de Conselheiros da Anatel
0
1
2
3
4
5
nov/
97
nov/
98
nov/
99
nov/
00
nov/
01
nov/
02
nov/
03
nov/
04
nov/
05
nov/
06
nov/
07
Figura 7.3 – Evolução do número de conselheiros da Anatel
7.3.4 – Reação dos agentes econômicos
Um dos principais objetivos do modelo proposto consiste em
aumentar a competição no segmento das telecomunicações. Diante dessa premissa, é
72 Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997: “Art. 20. O Conselho Diretor será composto por cincoconselheiros e decidirá por maioria absoluta.”73 Dados disponíveis no sítio da Agência via WWW na URL:http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do#
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 127
natural que operadoras que ocupem posições privilegiadas no mercado exerçam pressão
sobre a Agência contra eventuais mudanças no status quo.
O passado recente revela diversas ocorrências em que iniciativas
regulatórias destinadas a estimular a concorrência sofreram forte oposição por parte das
empresas dominantes. A título de ilustração, não obstante esteja prevista em
regulamentação desde a aprovação da Resolução nº 86, de 28 de dezembro de 199874, a
portabilidade numérica teve sua implementação seguidamente postergada em função,
entre outros fatores, da resistência oferecida pelas operadoras. Essa postura foi mantida
mesmo após a edição do Decreto n° 4.733, de 2003, que estabelece o que se segue:
Decreto n° 4.733, de 10 de junho de 2003
“Art. 7º A implementação das políticas de que trata este Decreto,quando da regulação dos serviços de telefonia fixa comutada, doestabelecimento das metas de qualidade e da definição das cláusulasdos contratos de concessão, a vigorarem a partir de 1º de janeiro de2006, deverá garantir, ainda, a aplicação, nos limites da lei, dasseguintes diretrizes:
...
VIII - a possibilidade de ser assegurada aos assinantes de serviço detelecomunicações, residenciais e não residenciais, a portabilidade donúmero local;
IX - a possibilidade de ser assegurada, em todo o território nacional, aportabilidade dos códigos não geográficos.”
Por sua vez, a desagregação de redes – idealizada desde a edição da
LGT75 - e o modelo de custos – elemento essencial para a implantação desse recurso –
ainda não se encontram em plena operação, apesar do seguinte mandamento estatuído
pelo Decreto n° 4.733, de 2003:
Decreto n° 4.733, de 10 de junho de 2003
“Art. 7º ....................................................................................................
I - a definição das tarifas de interconexão e dos preços dedisponibilização de elementos de rede dar-se-á por meio da adoção demodelo de custo de longo prazo, preservadas as condições econômicasnecessárias para cumprimento e manutenção das metas deuniversalização pelas concessionárias;”
Além das dificuldades técnicas inerentes à materialização dessas
medidas, não há como desconsiderar os interesses contrários das grandes operadoras em
74 Anexo à Resolução nº 86, de 28 de dezembro de 1998: “Art. 7° Na estruturação do Plano deNumeração do STFC, são premissas básicas: (...) VIII – a capacidade para introdução da Portabilidade deCódigos de Acesso”.75 Lei nº 9.472/97: “Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços detelecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência,disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo.”
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 128
torná-las realidade. Diante da possibilidade da adoção de regime de outorgas
convergente nos termos propostos neste trabalho, é esperado que as empresas de
telefonia celular se revelem refratárias à abertura do mercado de comunicação móvel
para prestadores que utilizem tecnologias como o Wimax mediante um “SCM móvel”.
Da mesma forma, é natural que as empresas do STFC venham a reagir ao uso ilimitado
do VoIP para prestação do serviço de telefonia.
Diante desse ambiente de adversidades, uma estratégia recomendável
para o regulador consiste em buscar instituir incentivos para estimular a cooperação dos
agentes econômicos, de modo a contribuir para a criação de um cenário que não
introduza somente riscos, mas também grandes oportunidades. Além disso, é necessário
que o Poder Público acene com a possibilidade de compensações para determinadas
operadoras, caso a medida se justifique. A título de ilustração, a instituição de tarifa
plana para as concessionárias do STFC pode ser empregada como contrapartida para a
adesão dessas operadoras ao regime proposto.
Em adição, a proposta de migração paulatina para o sistema
convergente constitui-se em forte elemento a favor da adoção do modelo, haja vista
permitir que os atores possam se preparar de forma apropriada para o novo cenário.
Nesse sentido, vale salientar que a própria legislação vigente já impede que a Agência
tome decisões de maneira açodada, sem a devida oitiva dos agentes interessados76. A
figura 7.4 expressa sinteticamente as diversas etapas a serem cumpridas pela Anatel
para que o regime proposto seja implantado.
76 Lei nº 9.472/97: “Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública,formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame epermanecer à disposição do público na Biblioteca.”
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 129
Figura 7.4 – Etapas de implementação do modelo proposto
Definiçãodo modelo
ConsultaPública do
Modelo
Aprovaçãopelo Conselho
Redefiniçãoda estruturada Agência
Contratação/capacitaçãode pessoal
Revisão dosregulamentos
Definição decompensações
ConsultaPública dos
Regulamentos
Implementação
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 130
7.4 Mapeamento de serviços
O arcabouço regulatório brasileiro contempla serviços de
telecomunicações em quantidade de difícil contabilização, haja vista a possibilidade de
interpretações diversas da regulamentação em vigor no que diz respeito ao que deve ser
classificado como um serviço de telecomunicações.
Na tabela 7.3, optamos por tomar como referência a relação dos trinta
e sete serviços de telecomunicações constantes do Anexo ao Ato nº 3.807, de 23 de
junho de 1999, da Anatel, que dispõe sobre a “Classificação dos Serviços de
Telecomunicações quanto aos Interesses a que atendem”. Acrescentamos a essa relação
mais dois serviços que foram instituídos pela Agência posteriormente ao Ato nº 3.807,
de 1999 – o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações e o Serviço Móvel
Pessoal. Ressalte-se que, no modelo atual, é necessária uma outorga específica para
cada serviço de telecomunicações, ou seja, há trinta e nove tipos distintos de outorga.
Cumpre observar ainda que a maioria dos serviços em tela permanece
com as mesmas disposições existentes antes do advento da LGT, quando os serviços
eram agrupados em Serviço Público-Restrito, Serviço Especial e Serviço Limitado,
além dos serviços oferecidos ao público em geral.
Quanto à regulamentação de serviços, desde a sua criação, a Anatel
concentrou seus esforços naqueles de maior impacto para o consumidor: STFC, SMP
(substituto do Serviço Móvel Celular), Serviço Móvel Especializado e SCM – único
serviço efetivamente criado pela Anatel. Por sua vez, a aplicação de disposições
regulatórias sobre os demais serviços vem sendo guiada pelos conceitos e regras
estabelecidos na LGT. Além disso, ressalte-se que, ao longo dos últimos anos, a
Agência desenvolveu importantes disposições de proteção ao consumidor, incluindo as
referentes aos serviços de televisão por assinatura.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 131
Tabela 7.3 - Serviços de telecomunicações em vigor
SERVIÇO COM OUTORGA ESPECÍFICA RegimePúblico
RegimePrivado
InteresseColetivo
InteresseRestrito
1. Serviço Telefônico Fixo Comutado X X X2. Serviço de TV a Cabo X X3. Serviço Móvel Pessoal X X4. Serviço Móvel Celular X X5. Serviço de Comunicação Multimídia X X6. Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações X X7. Serviço de Telestrada X X8. Serviço Rádio do Cidadão X X9. Serviço de Radioamador X X
Serviço Público-Restrito10. Serviço Móvel Global por Satélite X X11. Serviço Radiocomunicação Aeronáutica X X
Serviço Especial12. Serviço de Distr. Sinais TV/Áudio por Ass. via Satélite X X13. Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal X X14. Serviço Especial de Televisão por Assinatura X X15. Serviço Especial de Radiochamada X X16. Serviço Avançado de Mensagem X X17. Serviço Especial de Radiorecado X X18. Serviço Especial de Freqüência Padrão X X19. Serviço Especial de Boletim Meteorológico X X20. Serviço Especial de Sinais Horários X X21. Serviço Especial para Fins Científicos e Experimentais X X22. Serviço Especial de Radioautocine X X23. Serviço Especial de Radiodeterminação X X X24. Serviço Especial de Supervisão e Controle X X X25. Serviço Especial de Radioacesso X X X
Serviço Limitado26. Serviço Limitado Especializado X X X27. Serviço de Rede Especializado X X X28. Serviço de Circuito Especializado X X X29. Serviço Móvel Especializado X X30. Serviço de Radiotaxi Especializado X X31. Serviço Limitado Privado X X32. Serviço Móvel Privativo X X33. Serviço Radiochamada Privado X X34. Serviço Radiotaxi Privado X X35. Serviço de Rede Privado X X36. Serviço Limitado Estações Itinerantes X X37. Serviço Limitado de Radioestrada X X38. Serviço Móvel Aeronáutico X X39. Serviço Móvel Marítimo X X X
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 132
Com base nas análises e premissas apresentadas anteriormente neste
capítulo, na tabela 7.4, formulamos o mapeamento entre os serviços vigentes e as quatro
classes de serviços previstas na proposta de revisão inicial do atual modelo de outorgas.
A tabela pressupõe a manutenção dos mesmos trinta e nove serviços listados na tabela
7.3, sem necessidade de mudança imediata de seus regulamentos77.
Na proposta, é mantida outorga específica para o STFC em regime
público, serviço que demanda pesada regulação e dificulta o emprego de licença
unificada. Para o Serviço de Televisão a Cabo, por ser regido por lei própria, também
propomos a preservação de outorga específica.
Para os demais serviços de interesse coletivo, propomos unificar as
suas diversas outorgas específicas em uma única outorga para a “Classe de Serviços
Coletivos”, não obstante as normas de prestação de cada serviço da classe permaneçam
em vigor. Entretanto, propomos que sejam estabelecidas regras gerais válidas para todos
os serviços prestados no interesse coletivo – à exceção dos já mencionados.
Quanto aos serviços prestados no interesse restrito, respaldados pelo §
2º do art. 131 da LGT, propomos que a Anatel dispense a obrigação de outorga.
Entretanto, em obediência ao § 3º do mesmo artigo, a prestadora deverá comunicar
previamente à Agência o início de suas atividades.
Cumpre observar que os serviços que são prestados hoje
concomitantemente nos interesses coletivo e restrito aparecem de forma duplicada na
tabela 7.4, para efeito de enquadramento tanto na “Classe de Serviços Coletivos” quanto
na de “Serviços Restritos”. Cabe a ressalva de que a criação do SCM tornou
desnecessária a previsão do SRTT, do Serviço de Rede Especializado e do Serviço de
Circuito Especializado na classe de “Serviços Coletivos”, uma vez que o art. 2º do
RSCM determina que não sejam expedidas autorizações adicionais para esses serviços
no interesse coletivo, pois, neste caso, o SCM passou a sucedê-los. Como o Serviço de
Rede Especializado e o Serviço de Circuito Especializado podem ser prestados no
interesse restrito, esses serviços foram enquadrados na “Classe de Serviços Restritos”.
Além disso, em virtude da instituição do SMP e da adesão a ele de todos os detentores
de outorga do Serviço Móvel Celular, optamos por excluir este último da tabela 7.4.
77 Em caso de conflito, as normas gerais para a classe de serviços prevaleceriam sobre as regrasespecíficas aplicáveis ao serviço pertencente à classe.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 133
Tabela 7.4 - Serviços de telecomunicações – revisão inicial
SERVIÇO OUTORGA1. Serviço Telefônico Fixo Comutado em regime público STFC PÚBLICO2. Serviço de TV a Cabo TV A CABO3. Serviço Telefônico Fixo Comutado em regime privado4. Serviço Móvel Pessoal5. Serviço de Comunicação Multimídia6. Serviço de Telestrada7. Serviço Móvel Global por Satélite8. Serviço Radiocomunicação Aeronáutica9. Serviço de Distr. Sinais TV/Áudio por Ass. via Satélite10. Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal11. Serviço Especial de Televisão por Assinatura12. Serviço Especial de Radiochamada13. Serviço Avançado de Mensagem14. Serviço Especial de Radiorecado15. Serviço Especial de Freqüência Padrão16. Serviço Especial de Boletim Meteorológico17. Serviço Especial de Sinais Horários18. Serviço Móvel Especializado19. Serviço de Radiotaxi Especializado20. Serviço Móvel Marítimo21. Serviço Especial de Radiodeterminação22. Serviço Especial de Supervisão e Controle23. Serviço Especial de Radioacesso24. Serviço Limitado Especializado
OUTORGA ÚNICA
PARA A CLASSE DE
SERVIÇOS COLETIVOS
25. Serviço Rádio do Cidadão26. Serviço de Radioamador27. Serviço Especial para Fins Científicos e Experimentais28. Serviço Especial de Radioautocine29. Serviço Limitado Privado30. Serviço Móvel Privativo31. Serviço Radiochamada Privado32. Serviço Radiotaxi Privado33. Serviço de Rede Privado34. Serviço Limitado Estações Itinerantes35. Serviço Limitado de Radioestrada36. Serviço Móvel Aeronáutico37. Serviço Móvel Marítimo38. Serviço Especial de Radiodeterminação39. Serviço Especial de Supervisão e Controle40. Serviço Especial de Radioacesso41. Serviço Limitado Especializado42. Serviço de Rede Especializado43. Serviço de Circuito Especializado
DISPENSA DE
OUTORGA PARA A
CLASSE DE SERVIÇOS
RESTRITOS
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 134
7.5 Evolução do modelo proposto
Em fase posterior de revisão do modelo, que poderá ser objeto de
trabalhos futuros, é possível antever uma aproximação ainda maior do sistema brasileiro
de outorgas com o regime britânico, que é baseado em condições gerais aplicáveis a
determinados grupos de provedores de serviços ou operadores de redes. Na evolução do
sistema, ilustrada na tabela 7.5, será necessário reformular por completo a maioria dos
atuais serviços de telecomunicações e, inclusive, a LGT, a Lei do Cabo, a Lei do Fistel e
a Lei do FUST78.
Em primeiro lugar, no intuito de reduzir ainda mais os encargos
financeiros incidentes sobre as prestadoras de serviços de telecomunicações, aventa-se a
possibilidade de diminuir os valores das taxas de fiscalização, mediante revisão da Lei
do Fistel.
Até o encerramento dos contratos de concessão, em 31 de dezembro
de 2.025, o STFC em regime público possivelmente continuará a ser prestado sob
condições similares às vigentes hoje, haja vista as particularidades desse regime
demandarem outorga específica para o serviço. A partir de então, uma alternativa seria
encerrar a prestação de serviços em regime público, preservando-se apenas o regime
privado. Para tanto, seria necessário modificar a LGT e a Lei do FUST, de modo a
desvincular a aplicação exclusiva dos recursos do fundo em programas, projetos e
atividades implementados pelas concessionárias de telecomunicações. A hipótese de
eliminação do regime público, porém, é extremamente polêmica e foge por completo ao
escopo deste trabalho.
Os regulamentos dos quatro serviços destinados ao provimento do
serviço de televisão por assinatura – Serviço de TV a Cabo, Serviço de Distribuição de
Sinais de TV e de Áudio por Assinatura via Satélite, Serviço de Distribuição de Sinais
Multiponto Multicanal e Serviço Especial de Televisão por Assinatura – deverão ser
revistos e integrados em um único serviço, neutro quanto à tecnologia empregada. Essa
iniciativa já encontra-se em análise pela Anatel. A Agência pretende implantá-la
mediante a criação do Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura –
SCEMA – serviço convergente para distribuição eletrônica de audiovisual para
assinantes. Para tanto, haveria necessidade de aperfeiçoamento ou revogação da Lei do
78 As alterações legais necessárias para essa adaptação extrapola os objetivos deste trabalho.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 135
Cabo, que estabelece condições especiais para a prestação do serviço de distribuição
eletrônica de audiovisual por assinatura mediante uso de meios físicos.
Em caso de aprovação legislativa dessas medidas, todos os serviços de
interesse coletivo poderão ser autorizados mediante uma única outorga, denominada
“Outorga Única para a Classe de Serviços Coletivos”. Entretanto, esses serviços
deverão ser revistos e possivelmente reduzidos em número, como resultado da
aglutinação de atividades similares, como é o caso das diversas modalidades de
televisão por assinatura.
O mesmo processo de simplificação aplicar-se-á aos serviços de
interesse restrito. Porém, neste caso, a outorga será dispensada, bastando que o
interessado informe à Agência que prestará um determinado serviço e, quando a Anatel
confirmar o recebimento da notificação, a prestação do serviço poderá ser iniciada.
Evidentemente, a prestadora continuará obrigada a cumprir as disposições
regulamentares do serviço a ser prestado, bem como a pagar as taxas de fiscalização
(Fistel), o preço pelo uso do espectro radioelétrico, se for o caso, e o preço estabelecido
pela Anatel para a outorga do serviço, mesmo sendo esta dispensada.
O processo de revisão dos regulamentos e serviços, tanto de interesse
coletivo quanto restrito, deverá prever a criação de normas gerais contendo as
disposições comuns a cada classe. Assim, os regulamentos dos serviços de uma mesma
classe poderão ser mais objetivos por disporem somente sobre as peculiaridades de cada
um deles. Salientamos, contudo, que essa tarefa extrapola os limites do presente
trabalho. Propomos, portanto, que o aperfeiçoamento dos regulamentos e instrumentos
legais em vigor necessário para a implantação do modelo de licenciamento nos moldes
previstos na tabela 7.5 seja objeto de monografias futuras.
Tabela 7.5 - Serviços de telecomunicações – revisão futuraSERVIÇO OUTORGA
Regras Gerais para o Serviço ColetivoServiço Coletivo C1Serviço Coletivo C2Serviço Coletivo C3..............................
OUTORGA ÚNICA
PARA A CLASSE DE
SERVIÇO COLETIVO
Regras Gerais para o Serviço RestritoServiço Restrito R1Serviço Restrito R2Serviço Restrito R3..............................
DISPENSA DE
OUTORGA PARA A
CLASSE DE SERVIÇO
RESTRITO
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 136
8 – CONCLUSÕES
O avanço das tecnologias da informação e comunicação, ao mesmo
tempo em que proporcionou a ampliação da oferta de serviços para o usuário, também
introduziu questões desafiadoras para os reguladores. O surgimento do fenômeno da
convergência tecnológica, por sua vez, contribuiu para tornar ainda mais complexo o
cenário de transformações que presenciamos no início deste milênio. A convergência
fixo-móvel, a oferta de pacotes de serviços, a proliferação de equipamentos terminais de
múltiplo uso, o desenvolvimento do VoIP e os serviços emergentes viabilizados pelas
novas tecnologias sem fio são apenas algumas das manifestações da revolução que se
encontra em curso.
Diante da inexorável constatação de que a regulação jamais
conseguirá acompanhar a velocidade da evolução tecnológica, mais e mais se verifica a
tendência mundial pela migração de regimes de licenciamento tradicionais, baseados em
serviços e tecnologias específicas, para modelos abrangentes e flexíveis, aderentes ao
moderno cenário de convergência. Uma vez que o processo de digitalização
transformou conteúdos de toda natureza – voz, imagem, dados ou qualquer forma de
expressão de informação – em meras seqüências binárias, tornaram-se anacrônicos os
regimes de licenciamento que submetem a regulações diferenciadas serviços idênticos
prestados mediante tecnologias distintas.
A evolução em direção a regimes tecnologicamente neutros tem sido
acompanhada por outras tendências, como a simplificação dos procedimentos de
entrada nos mercados, a flexibilização dos direitos de uso de espectro, a separação entre
as regulações de conteúdo e telecomunicações e a regulação diferenciada sobre
prestadoras que detenham poder de mercado significativo.
O quadro atual também revela profundas mudanças no que diz
respeito às finalidades do licenciamento. Nas décadas de 1980 e 1990, a ênfase nos
países emergentes concentrava-se em assegurar a criação de ambiente regulatório
estável para as operadoras recém-privatizadas, proporcionar arrecadação de recursos
para os cofres públicos e estabelecer com clareza os direitos e deveres associados à
prestação dos serviços.
Com o aumento da competição na maior parte dos serviços de
telecomunicações, esse cenário se alterou. Em muitos países, o licenciamento focado em
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 137
rígidos controles foi substituído pelo relaxamento das obrigações impostas às
operadoras, com o propósito de incentivar a entrada no mercado e, assim, estimular a
concorrência. Por esse motivo, regras de interconexão, numeração, qualidade de serviço
e proteção ao consumidor estão sendo paulatinamente adaptadas ao ambiente
convergente.
No Brasil, a Anatel não se encontra inerte diante dessas tendências.
Em 2005, ao se referir sobre os impactos da convergência sobre a regulação de
telecomunicações, Pereira Filho (2005a, p.1) declarou que “a evolução do regime de
licenciamento tradicional baseado em serviços específicos para um regime convergente
é uma adaptação regulatória de fundamental importância”. Defendeu ainda a adoção
de modelo híbrido, que garanta uma “transição suave para um regime convergente que
assegure a preservação dos direitos dos operadores que detenham licenças
tradicionais”.
No âmbito da Comissão Brasileira de Comunicações 7 – CBC 7 –, que
acompanha os trabalhos concernentes ao Setor de Desenvolvimento da União
Internacional de Telecomunicações – UIT-D – , a Anatel constituiu grupo para
examinar a questão 10/1, que trata da “Regulação para licenciamento e autorização de
serviços convergentes”. Em que pese o esforço empreendido pelo grupo, ainda não
foram elaborados estudos de impacto sobre a eventual implantação de regime de
licenciamento convergente no Brasil, nem tampouco foram estimados os ganhos
econômicos a serem atingidos com a adoção da medida. Concorre para essa situação a
ausência de informações disponíveis sobre os resultados práticos alcançados pelos
modelos convergentes em operação no mundo, haja vista ainda se encontrarem em
pleno estágio de amadurecimento, inclusive na União Européia.
Não obstante os propalados benefícios do regime convergente,
conforme esclarecem de La Torre et Maddens (2004), não se trata de panacéia capaz de
solucionar todos os desafios enfrentados pelos reguladores. Ele não oferece soluções
prontas para as restrições de espectro, nem tampouco esclarece se tecnologias como o
VoIP devem ou não ser reguladas. Ademais, a adoção desse modelo, por si só, não tem
o condão de promover melhorias significativas ao ambiente regulatório. Porém, se
implantado em harmonia com políticas adequadas de combate a práticas
anticoncorrenciais, universalização, flexibilização do uso do espectro, interconexão e
compartilhamento de meios, entre outras, pode se transformar em importante ferramenta
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 138
de estímulo ao desenvolvimento do setor de telecomunicações, manifestado sob a forma
de serviços inovadores, redes modernas e preços acessíveis à população.
Tudo isso requer completa revisão do arcabouço setorial no intuito de
assegurar a harmonia regulatória. No mercado brasileiro de televisão por assinatura, de
nada adiantará desenvolver sofisticados instrumentos de regulação por PMS se as
diferenças regulatórias entre as diversas modalidades do serviço forem preservadas. Da
mesma forma, o estabelecimento de um regime de licenciamento tecnologicamente
neutro dissociado da implantação de mecanismos de controle sobre operadores que
detenham PMS poderá representar sérios riscos para a concorrência nesse mesmo
mercado.
Na esfera internacional, não obstante o balanço preliminar dos
resultados alcançados pelo modelo de autorização geral adotado na Comunidade
Européia seja favorável, o regime ainda se encontra em estágio embrionário. Problemas
de interpretação intrínsecos à ampla flexibilidade do novo sistema implantado, a
exemplo do ocorrido com a operadora Optimus, em Portugal, demonstram que o regime
ainda revela fragilidades e riscos (Couto, 2007).
Ademais, embora pesquisas recentes realizadas junto a grandes
operadoras de telecomunicações na Europa tenham apontado correlação significativa
entre a implantação do novo regime e a facilitação de entrada ao mercado, há que se
ressaltar a inexistência de estudos científicos conclusivos sobre os efeitos econômicos
dos modelos convergentes sobre o ambiente de competição e, em especial, sobre as
políticas de combate à concentração ineficiente de mercado. Em adição, aspectos como
qualidade de serviço, tarifação e interceptação legal de chamadas ainda dividem
reguladores em relação à necessidade de licenciamento de novos serviços como o VoIP.
A despeito dessas incertezas, as experiências internacionais
demonstram que a construção do regime convergente deve ser implementada de modo
suave, de modo a romper gradualmente a inércia e o ceticismo dos atores, conquistando-
os com a sinalização dos benefícios proporcionados pelo modelo. Para a iniciativa
privada, o provimento de múltiplos serviços permite o aproveitamento das economias
de escopo, aumentando a rentabilidade dos negócios. Para os consumidores, o aumento
da concorrência e a diminuição dos custos dos serviços para as operadoras pode se
reverter em preços finais mais acessíveis. Para os governos, a simplificação do processo
de licenciamento e a redução das obrigações aplicadas às operadoras diminui o custo de
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 139
regulação e estimula a inovação tecnológica. Além disso, o desenvolvimento setorial
permite a criação de oportunidades de emprego e negócios.
Ademais, a necessidade da preservação de ambiente regulatório
estável demanda a sinalização prévia para o mercado do alcance das medidas propostas.
Isso pode ser implementado por intermédio de consultas públicas, que, ao longo do
processo de amadurecimento do modelo, se comportam como lócus de intercâmbio de
informações entre os agentes, auxiliando no aperfeiçoamento de sua arquitetura.
Conquanto o modelo de autorização geral implementado na União
Européia seja considerado paradigmático, à vista das condições institucionais
diferenciadas de cada país, a mera transferência de regimes de licenciamento não se
revela viável. A grande variedade de sistemas praticados no mundo reflete essa
realidade, não obstante a disposição geral de evolução rumo a cenários convergentes.
A transição completa do regime tradicional, baseado em obrigações e
regras rígidas, em direção a outro, fundado em direitos e oportunidades, tal como o
praticado na Comunidade Européia, ainda é uma realidade distante para nações
emergentes como o Brasil. Qualquer que seja o regime adotado pelo País, a necessidade
da manutenção de um ambiente regulatório estável na percepção dos investidores
demanda que o regulador brasileiro não disponha da mesma discricionariedade e
flexibilidade que são conferidas pela legislação européia aos reguladores locais.
Em que pese essa restrição, há elementos dispostos no conjunto de
Diretivas estatuído pela União Européia que podem ser reproduzidos para o cenário
brasileiro. A aplicação de controles regulatórios mais rígidos para as prestadoras que
detenham PMS, a neutralidade tecnológica, a minimização de barreiras à entrada, a
redução dos custos administrativos sobre as operadoras, a busca de consenso mediante
realização de consultas públicas e a simplificação de processos de licenciamento são
algumas das medidas cuja transposição se faz possível.
Embora a migração para regimes convergentes por vezes consista em
tarefa complexa e que enfrente forte oposição de diversos atores, não se trata de
obstáculo intransponível. O enredado processo de convergência fixo-móvel na Índia
expressa com autoridade essa realidade. Nessas circunstâncias, o principal desafio do
regulador consiste em estabelecer o apropriado balanço entre certeza regulatória e
flexibilidade suficiente para que a regulamentação não inviabilize a adaptação dos
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 140
serviços aos avanços tecnológicos e mercadológicos, bem como às políticas
governamentais.
Ainda em relação à necessidade de preservação da estabilidade
institucional, a experiência internacional demonstra que o regulador por vezes pode ser
levado a conceder compensações para operadoras comprovadamente prejudicadas pela
adoção de regimes de licenciamento emergentes. Não obstante as compensações
financeiras sejam mecanismos viáveis, são mais recomendáveis os instrumentos de
incentivo, tais como a habilitação para provimento de novos serviços, a eliminação do
cumprimento de certas obrigações e o relaxamento de metas de qualidade, sob
determinadas circunstâncias.
Diante do quadro traçado, apresentamos proposta de migração do
modelo de licenciamento tradicional praticado no Brasil para um regime convergente, à
semelhança de experiências promovidas em outros países. O apontamento da
necessidade de aperfeiçoamento do sistema brasileiro explorada neste trabalho não se
trata de iniciativa isolada. Em artigo elaborado em dezembro de 2006, Lima et Ramos
(2006, p.30) assinalaram o que se segue:
“A convergência tecnológica é incompatível com o modelo regulatório atual,balizado no controle da exploração dos serviços (acesso ao conteúdo) e das redes detelecomunicações, sendo que algumas dessas licenças abrangem a exploração deconteúdo.
As normas regulatórias tendem, a exemplo do ocorrido na Inglaterra, a adotar umalicença única, que unifique as outorgas para exploração de todos os serviços e redesde telecomunicações, uma vez que, sob o ponto de vista técnico, todo conteúdoveiculado é tratado da mesma maneira”.
Por sua vez, no sumário da publicação “Trends in Telecommunication
Reform – 2004/2005. Licensing in an Era of Convergence”79, a UIT salienta que “Se
não for aperfeiçoado, o processo de licenciamento pode ser um obstáculo para o
desenvolvimento do mercado de telecomunicações”.
Considerando as dificuldades de toda sorte inerentes à tramitação de
proposições legislativas no Brasil, o modelo proposto foi fundamentado sob a premissa
basilar da preservação do arcabouço constitucional e legal em vigência no País, em
especial a Constituição Federal, a LGT, a Lei do FUST, a Lei do Cabo e a Lei do Fistel.
A principal vantagem da adoção dessa premissa é que a proposta elaborada é passível de 79 União Internacional de Telecomunicações - UIT. Trends in Telecommunication Reform – 2004/2005.Licensing in an Era of Convergence. Genebra: UIT, 2004. p. 20. [on line] Disponível na Internet via
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implementação pelo próprio Poder Executivo, prescindindo da autorização legislativa
para entrada em operação. Porém, essa abordagem limita a abrangência do modelo,
sobretudo no que diz respeito à neutralidade tecnológica.
Outro aspecto fundamental da proposta reside na manutenção do
adequado equilíbrio entre estabilidade regulatória e incentivo ao desenvolvimento de
novos serviços e tecnologias. Em adição, excluímos do escopo do modelo as atividades
relativas a programação e empacotamento de conteúdo. Consideramos ainda a
necessidade de migração de um regime baseado em rígidos controles regulatórios para
um sistema simplificado e flexível, com ênfase regulatória diferenciada sobre
operadoras que detenham PMS, no intuito de combater a concentração ineficiente de
mercado.
Nesse contexto, ao apresentar proposta para a modernização
progressiva da regulamentação e dos sistemas de telecomunicações, Ramos (2006a,
p.132) aponta entre os fatores necessários para a existência e sustentação do regime “a
competição, as diretrizes da defesa da concorrência e os limites e imposições da
regulamentação”, à semelhança dos pilares do modelo apresentado neste trabalho.
A assunção das referidas premissas conduziu à elaboração de proposta
de modelo de natureza híbrida, composto por outorgas individuais e convergentes. A
restrição de inalteração do quadro legal demandou a preservação de dois serviços
baseados em tecnologias específicas – o STFC em regime público e o Serviço de TV a
cabo. Pelo mesmo motivo, a difusão de sinais de radiodifusão aberta não foi inserida no
contexto do sistema apresentado.
Os serviços de interesse restrito foram agregados em uma única
classe, denominada “Classe de Serviços Restritos”. Seus prestadores são submetidos a
processo de licenciamento simplificado, a exemplo do modelo europeu de autorização
geral. Portanto, à operadora bastará apenas notificar a Agência de que irá iniciar suas
operações, assim como prestar informações básicas sobre o serviço em questão. As
condições de prestação do serviço são estabelecidas segundo o disposto em
regulamentos, e não na licença. Em caso de necessidade de utilização de espectro, o
operador deverá obter autorização de direito de uso de radiofreqüências de forma
apartada da notificação. WWW. URL:.Disponível no sítio: http://www.itu.int/pub/D-REG-TTR.7-2004/en (Consultado em15.03.2007).
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 142
Os demais serviços, todos eles de interesse coletivo e prestados em
regime privado, compõem a “Classe dos Serviços Coletivos”. Suas características
comuns são similares às hoje aplicáveis ao SCM, porém sem algumas das restrições
impostas a ele. Nesse sentido, contrariamente ao que prevê o Regulamento do SCM, os
prestadores de serviços dessa classe disporão de plano de numeração e mobilidade
irrestrita – ainda que de forma gradual. Além disso, no regulamento da classe, não
haverá vedação expressa para o provimento de serviços assemelhados à telefonia e à
televisão por assinatura – à exceção da TV a cabo. Essas medidas permitirão que as
operadoras e usuários possam se beneficiar de inovações como o VoIP, o IPTV e as
tecnologias sem fio emergentes. As redes empregadas para executar o serviço poderão
ser próprias ou de terceiros, inclusive espectro. No entanto, a transferência de espectro
não será permitida, e o regime de gestão do tipo “comando e controle” deverá se
preservado. Com base nas análises apresentadas, foi feito um mapeamento entre os
serviços de telecomunicações hoje vigentes e as classes previstas no modelo proposto.
Não obstante o regime preveja a criação de duas classes abrangentes,
ele preserva todos os serviços existentes e seus respectivos regulamentos. Porém, a
Agência poderá alterá-los com o objetivo de compatibilizá-los com as características
gerais atribuídas a cada classe. A operadora que optar pela prestação de dois ou mais
serviços pertencentes a uma mesma classe será obrigada a obter apenas uma outorga
junto ao órgão regulador. Contudo, na prestação dos serviços, a companhia deverá
obedecer tanto às normas comuns da classe quanto aos regulamentos individuais de
cada serviço.
No intuito de assegurar transição suave entre regimes, foi fixado o
prazo de três anos para a entrada em vigência do modelo proposto. Após esse período,
os detentores das atuais outorgas poderão migrar para o novo sistema, desde que
atendidas as condições objetivas e subjetivas previstas no regime. Em etapa posterior,
que demandaria mudanças de ordem legal, vislumbra-se a possibilidade de supressão de
alguns serviços e integração de outros, como é o caso das diversas modalidades de
serviços de televisão por assinatura. Esse aperfeiçoamento do modelo, contudo, não faz
parte do escopo do presente trabalho, e pode ser explorado como objeto de futuras
monografias.
O modelo prevê ainda a possibilidade da adoção de medidas
compensatórias para concessionárias de telefonia fixa que comprovarem prejuízos
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 143
indevidos causados pela entrada em vigor do novo sistema, haja vista a necessária
continuidade desses serviços. Dentre as alternativas apontadas, está a negociação da
obrigatoriedade do cumprimento de determinadas metas do PGMU e do PGMQ. No que
tange às companhias de telefonia celular, em que pese operarem sob o regime privado,
sujeito a condições de mutabilidade de mercado e regulação mais pronunciadas, o
modelo prevê a renegociação das metas de cobertura impostas a essas prestadoras.
Dessa forma, a transição do regime de licenciamento tradicional em
direção a um modelo compatível com o cenário de convergência tecnológica revela-se
viável. Não obstante a resistência dos agentes envolvidos, sua adoção poderá
proporcionar benefícios e oportunidades tanto para consumidores quanto para as
próprias operadoras. A abordagem mais adequada para a migração consiste em
promover aperfeiçoamentos de forma gradual. Nesse sentido, o modelo proposto poderá
representar uma etapa intermediária no processo de estabelecimento de um sistema
verdadeiramente convergente, que demandará a modernização de dispositivos de ordem
legal e constitucional. A experiência indiana, ao mesmo tempo em que revela as
dificuldades dessa transição, também demonstra que não se trata de tarefa impossível.
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 144
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
Acrônimo Significado
ACA Australian Communications Authority
AMPS Advanced Mobile Phone System
Anatel Agência Nacional de Telecomunicações
ASP Application Service Provider
BSO Basic Service Operator
BT British Telecom
CBC Comissão Brasileira de Comunicações
CDMA Code Division Multiple Access
CMA Communications and Multimedia Act
CSP Content Service Provider
DECT Digital Enhanced Cordless Telecommunications
DSL Digital Subscriber Line
DTH Direct-to-Home
ECS Electronic Communications Services
ECTA European Competitive Telecommunications Association
ECTEL Eastern Caribbean Telecommunications Authority
ENUM Telephone Number Mapping
FBO Facilities Based Operator
FCC Federal Communication Commission
FDD Frequency Division Duplex
FISTEL Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
FTTH Fiber-to-the-Home
Funttel Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
FUST Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
GATS General Agreement on Trade in Services
GSM Global System for Mobile Communications
IEEE Institute of Electrical and Electronic Engineers
IMT-2000 International Mobile Telecommunications-2000
IP Internet Protocol
IPTV Internet Protocol Television
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 145
Acrônimo Significado
LGT Lei Geral de Telecomunicações
MMDS Multichannel Multipoint Distribution Service
MVNO Mobile Virtual Network Operator
NFP Network Facilities Provider
NGN Next Generation Networking
NSP Network Service Provider
OMC Organização Mundial do Comércio
PATS Publicly Available Telephone Services
PCS Personal Communications Service
PDA Personal Digital Assistant
PECN Publicly Available Communications Network
PGMQ Plano Geral de Metas de Qualidade
PGMU Plano Geral de Metas de Universalização
PGO Plano Geral de Outorgas
PMS Poder de Mercado Significativo
PST Posto de Serviço de Telecomunicações
QoS Quality of Service
RLAN Radio Local Area Network
RSCM Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia
RST Regulamento dos Serviços de Telecomunicações
SBO Service Based Operator
SBTVD-T Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre
SCEMA Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura
SCM Serviço de Comunicação Multimídia
SDR Software Defined Radios
SLE Serviço Limitado Especializado
SMGS Serviço Móvel Global por Satélites
SMP Serviço Móvel Pessoal
SMS Short Messaging Service
SRTT Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações
STFC Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral
TDD Time Division Duplex
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 146
Acrônimo Significado
TRAI Telecom Regulatory Authority of India
TUF Titulos de Uso de Frecuencias
TVA Serviço Especial de Televisão por Assinatura
TVA TV a cabo
UASL Unified Access Services Licensing
UIT União Internacional de Telecomunicações
UWB Ultra-Wideband
VoIP Voice Over Internet Protocol
VSAT Very Small Aperture Terminal
Wifi Wireless Fidelity
Wimax World Interoperability for Microwave Access Forum
WLAN Wireless Local Area Network
WLL Wireless Local Loop
WPAN Wireless Personal Area Network
3G Terceira geração de comunicação móvel
José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 147
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