UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI
PR-REITORIA DE PESQUISA, PS-GRADUAO, EXTENSO E CULTURA PROPPEC
CENTRO DE EDUCAO DE CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS CEJURPS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM CINCIA JURDICA PPCJ
CURSO DE DOUTORADO EM CINCIA JURDICA CDCJ
REA DE CONCENTRAO: CONSTITUCIONALIDADE, TRANSNACIONALIDADE E
PRODUO DO DIREITO
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS:
uma anlise crtico-propositiva para maior Efetividade no
Acesso Justia e para a obteno de um Processo Justo.
JOO BATISTA LAZZARI
Itaja-SC
2014
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI
PR-REITORIA DE PESQUISA, PS-GRADUAO, EXTENSO E CULTURA PROPPEC
CENTRO DE EDUCAO DE CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS CEJURPS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM CINCIA JURDICA PPCJ
CURSO DE DOUTORADO EM CINCIA JURDICA CDCJ
REA DE CONCENTRAO: CONSTITUCIONALIDADE, TRANSNACIONALIDADE E
PRODUO DO DIREITO
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS:
uma anlise crtico-propositiva para maior Efetividade no
Acesso Justia e para a obteno de um Processo Justo.
JOO BATISTA LAZZARI
Tese submetida ao Curso de Doutorado em Cincia
Jurdica da Universidade do Vale do Itaja
UNIVALI, como requisito parcial obteno do ttulo
de Doutor em Cincia Jurdica.
Orientador: Professor Doutor Jos Antonio Savaris
Co-orientador: Professor Doutor Daniele Porena
Itaja-SC
2014
AGRADECIMENTOS
Professor Doutor Jos Antonio Savaris,
pela confiana, amizade e competente orientao na realizao deste estudo.
Professor Doutor Daniele Porena,
pela co-orientao e apoio prestado na realizao de pesquisas
junto Universit Degli Studi Di Perugia UNIPG.
Conselho Nacional de Justia,
por ter desenvolvido o Projeto CNJ Acadmico.
Tribunal Regional Federal da 4 Regio,
pelo incentivo e apoio na realizao deste projeto.
Universidade do Vale do Itaja - UNIVALI e
Universit Degli Studi Di Perugia UNIPG,
pelas condies disponibilizadas para a realizao desta pesquisa.
Professores e funcionrios do Curso de Ps-
Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da Univali,
pela ateno e presteza no atendimento.
DEDICO ESTE TRABALHO
minha esposa Patrcia e s minhas filhas Nicole e Natlia,
pelo amor, pela inspirao e pela compreenso em todos os
momentos de ausncia em virtude dos estudos e do trabalho.
Ao meu pai Fermino (in memoriam) e minha me Dozolina,
pela educao e ensinamentos de vida.
Ao amigo Gilson Jacobsen, colega de magistratura
e de doutorado, pela parceria durante o Curso.
s demais pessoas que colaboraram na realizao desta pesquisa,
em especial, Lilian Rose Cunha Mota,
Isabel Cristina Lima Selau
Brbara Cristina Medeiros Costa,
ao Luis Antnio Sba Salomo,
e aos bibliotecrios da Justia Federal.
TERMO DE ISENO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideolgico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itaja, a Coordenao do Curso de Doutorado em Cincia Jurdica, a Banca
Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itaja-SC, setembro de 2014.
Joo Batista Lazzari Doutorando
PGINA DE APROVAO
(A SER ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PPCJ/UNIVALI)
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Ao Civil Pblica
ADIN Ao Direta de Inconstitucionalidade
AGU Advocacia Geral da Unio
AI Agravo de Instrumento
AJG Assistncia Judiciria Gratuita
AJUFE Associao dos Juzes Federais do Brasil
ARE Recurso Extraordinrio com Agravo
ART. Artigo
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CCJC Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania
CEBEPEJ Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais
CEJ Centro de Estudos Judicirios
CF Constituio Federal
CJF Conselho da Justia Federal
CNJ Conselho Nacional de Justia
COJEF Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais
COORD Coordenador
CPC Cdigo de Processo Civil
CRFB/CF Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988
DE Dirio Eletrnico
DIEST Diretoria de Polticas e Estudos do Estado, das Instituies e da
Democracia
DJ Dirio da Justia
DJe Dirio da Justia Eletrnico
DJU Dirio da Justia da Unio
DOU Dirio Oficial da Unio
EC Emenda Constitucional
EMAGIS Escola da Magistratura Federal da 4 Regio
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas
IRSM ndice de Reajuste do Salrio Mnimo
FONAJEF Frum Nacional dos Juizados Especiais Federais
JEC Juizado Especial Cvel
JEFs Juizados Especiais Federais
JEFTIs Juizados Especiais Federais Itinerantes
MP Medida Provisria
MPS Ministrio da Previdncia Social
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PEDILEF Pedido de Uniformizao de Interpretao de Lei Federal
PL Projeto de Lei
PLS Projeto de Lei do Senado
PJe Processo Judicial Eletrnico
QO Questo de Ordem
RAE Reunies de Anlise da Estratgia
RE Recurso Extraordinrio
REsp Recurso Especial
RMS Recurso em Mandado de Segurana
RPV Requisio de Pequeno Valor
TCJE Taxa de Congestionamento nos Juizados Especiais
RE Recurso Extraordinrio
REsp. Recurso Especial
RI Regimento Interno
SICOPP Sistema de Conciliao Pr-Processual
SICOPREV Sistema de Percias Mdicas e de Conciliaes Pr-Processuais
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
TJ Tribunal de Justia
TJSP Tribunal de Justia de So Paulo
TNU Turma Nacional de Uniformizao dos Juizados Especiais
Federais
TR Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais
TRF Tribunal Regional Federal
TRU Turma Regional de Uniformizao dos Juizados Especiais
Federais
UAA Unidade Avanada de Atendimento
UNIPG Universit Degli Studi Di Perugia
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNIVALI Universidade do Vale do Itaja
ROL DE CATEGORIAS
Acesso Justia: Serve para determinar duas finalidades bsicas do sistema
jurdico o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou
resolver seus litgios sob os auspcios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser
igualmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos.1
Decises Judiciais: Solues oferecidas pelos rgos jurisdicionais por meio de
despachos, sentenas e acrdos frente aos pedidos apresentados pelas partes em
juzo.
Decises dos Juizados Especiais Federais: Solues dadas por meio de
despachos, sentenas e acrdos proferidos por Juzes e Turmas Recursais e de
Uniformizao que integram a estrutura dos Juizados Especiais Federais.
Direitos Humanos: Guarda relao com os documentos de direito internacional,
por se referir quelas posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como
tal, independentemente de sua vinculao com determinada ordem constitucional,
aspirando dessa forma, validade universal, para todos os povos e tempos,
revelando um inquestionvel carter supranacional (internacional).2
Direitos Fundamentais: Direitos do ser humano reconhecidos e positivados na
esfera do direito constitucional estatal.3
Efetividade: um dos objetivos da moderna cincia processual apregoada nos
ordenamentos jurdicos da atualidade com a finalidade de diminuir os conflitos e
realizar a justia.
Expectativa: Utilizada no sentido de expectativa jurdica que significa direito
subjetivo sempre que existir um interesse juridicamente protegido.4
Garantia Constitucional: Denominao dada aos mltiplos direitos assegurados
1 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 8. 2 SCHFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteo e restries. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001. p. 26. 3 Ibidem, p. 26. 4 FERRAJOLI, Luigi. Principia Iuris. Teoria do direito e da democracia. Bari (Italia): Laterza, 2007.
p. 641.
ou outorgados aos cidados de um pas pelo texto constitucional.5
Globalizao: Significa a experincia cotidiana da ao sem fronteiras nas
dimenses da economia, da informao, da ecologia, da tcnica, dos conflitos
transculturais e da sociedade civil, (...) que transforma o cotidiano com uma violncia
inegvel e obriga todos a se acomodarem a sua presena e a fornecer respostas.6
Juizados Especiais Cveis: Sistema processual com instncia recursal prpria,
criado pela Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, para processar, conciliar e
julgar causas de competncia da Justia dos Estados e do Distrito Federal at o
valor de quarenta salrios mnimos e as de menor complexidade, bem como
executar as suas sentenas.
Juizados Especiais Federais: Sistema processual com instncia recursal prpria,
criado pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, para processar, conciliar e julgar
as causas cveis de competncia da Justia Federal cujo valor da causa no
ultrapasse os sessenta salrios mnimos, e os feitos criminais relativos s infraes
de menor potencial ofensivo.
Modelo: Conjunto de caractersticas de um Sistema de Justia.
Pactos Republicanos: Conjunto de medidas adotadas por consenso entre os
Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio para a modernizao do Poder Judicirio
no Brasil com vistas a facilitar o Acesso Justia, reduzir a lentido dos processos
judiciais e a baixa eficcia de suas decises.
Pequenas Causas: Processos judiciais que possuem pouca complexidade ou cujo
valor demandado seja de baixa expresso econmica.
Poder Judicirio: Poder que tem a atribuio de prestar jurisdio, garantido os
direitos individuais e coletivos e resolvendo os conflitos sociais.
Princpios Constitucionais: O ponto de partida do intrprete h que ser os
princpios constitucionais, que so o conjunto de normas que espelham a ideologia
da Constituio, seus postulados bsicos e seus fins. Dito de forma sumria, os
princpios constitucionais so as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos
5 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio Jurdico. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 651. 6 BECK, Ulrich. O que globalizao? Equvocos do globalismo e respostas globalizao. So
Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 47.
ou qualificaes essenciais da ordem jurdica que institui.7
Processo Judicial: Instrumento pelo qual se presta a jurisdio, podendo ser fsico
ou eletrnico.
Processo Justo: o processo judicial que cumpre as garantias do devido processo
legal em sua dimenso substancial, sendo acessvel, adequado, clere e efetivo,
com vistas a proteger os direitos demandados em juzo.
Processo de Reviso: Sistema utilizado para processamento e julgamento dos
recursos e impugnaes das decises proferidas no mbito dos Juizados Especiais
Federais.
Racionalidade: Utilizao adequada dos recursos para tornar mais eficaz e menos
dispendioso o processo judicial.
Razovel Durao do Processo: concebida como corolrio do acesso Justia
qualificado, elemento do processo efetivo e, ainda, desdobramento do devido
processo legal.8
Reviso: A modificao total ou parcial de uma deciso judicial mediante
provocao das partes.
Sistema: Todo conjunto ordenado de tcnicas, normas e conceitos que venha a
constituir-se num modelo.9
Turma Recursal: Colegiado de juzes com competncia para processar e julgar os
recursos contra decises dos Juizados Especiais Federais.
Turma de Uniformizao: Colegiado de juzes com competncia para uniformizar a
interpretao do direito material no mbito dos Juizados Especiais Federais.
Tutela Jurisdicional Efetiva: Prestao jurisdicional que alcana sua finalidade,
que realizar a justia no tempo e no modo esperado.
7 BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da constituio. 2. ed. So Paulo: Saraiva,
1998. p. 141. 8 FERRAZ, Leslie Shrida. Acesso Justia: uma anlise dos Juizados Especiais Cveis no Brasil.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 178. 9 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionrio de Poltica Jurdica. Florianpolis: OAB-SC Editora, 2000.
p. 88.
SUMRIO
RESUMO 16
ABSTRACT 17
RIASSUNTO 18
INTRODUO 19
1 OS JUIZADOS ESPECIAIS COMO INSTRUMENTO DE ACESSO JUSTIA
E A EXPECTATIVA DE UM PROCESSO JUSTO 28
1.1 O ACESSO JUSTIA COMO DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL 29
1.1.1 Abrangncia do Direito de Acesso Justia 29
1.1.2 O Acesso Justia nos instrumentos internacionais de proteo dos
Direitos Humanos e na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 31
1.1.3 Obstculos que dificultam o Direito de Acesso Justia 36
1.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO 41
1.2.1 Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo 41
1.2.2 A Busca pela Celeridade e Efetividade do Processo 45
1.2.3 A reforma do Poder Judicirio no Brasil: Emenda Constitucional n. 45/2004
e os Pactos Republicanos por um Sistema de Justia mais Acessvel, gil e
Efetivo 50
1.3 OS JUIZADOS ESPECIAIS COMO INSTRUMENTO DE ACESSO
JUSTIA 56
1.3.1 A adoo de procedimentos especiais para as Pequenas Causas 56
1.3.2 O Projeto de Florena e o tratamento das Pequenas Causas em
Ordenamentos Jurdicos Diversos 58
1.3.3 Os Juizados Especiais no Brasil: a facilidade de Acesso Justia e a
Expectativa de um Processo Justo 65
2 OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS: ASPECTOS DESTACADOS
DESSE NOVO MODELO DE TUTELA JURISDICIONAL 75
2.1 O SISTEMA DE JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 75
2.1.1 A Estruturao dos Juizados Especiais Federais e das Turmas Recursais 75
2.1.2 Competncia absoluta dos Juizados Especiais Federais com base no valor
da causa 81
2.1.3 Princpios Processuais Norteadores dos Juizados Especiais Federais 85
2.2 PROCEDIMENTOS DAS AES NO MBITO DOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS 87
2.2.1 A dispensa da representao por advogado e do pagamento de custas
para o ajuizamento de aes 89
2.2.2 A utilizao do Processo Eletrnico 92
2.2.3 As regras de produo de provas e a realizao das pericias judiciais 96
2.3 O PROCESSO DE REVISO DAS DECISES DOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS 101
2.3.1 Caractersticas gerais do Sistema Recursal dos Juizados Especiais
Federais 101
2.3.2 Espcies de Recursos e outros meios de impugnao das Decises
dos Juizados Especiais Federais 107
2.3.3 Recursos no previstos nos Juizados Especiais Federais 119
3 A EFETIVIDADE NO ACESSO JUSTIA NOS JUIZADOS ESPECIAIS
FEDERAIS: DESAFIOS E POSSVEIS SOLUES PROCESSUAIS
E GERENCIAIS 124
3.1 DESAFIOS EFETIVIDADE NO ACESSO JUSTIA NOS
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 125
3.1.1 Aspectos relacionados Efetividade no Acesso Justia 125
3.1.2 O excesso de demanda e a crise do Poder Judicirio 128
3.1.3 Desafios a serem superados para o aumento da Efetividade no acesso
Justia nos Juizados Especiais Federais 131
3.2 SOLUES RELACIONADAS EFETIVIDADE NO ACESSO JUSTIA 133
3.2.1 A resoluo de conflitos na esfera administrativa e o alinhamento
da administrao jurisprudncia iterativa dos Tribunais Superiores 134
3.2.2 A criao de rgos multidisciplinares para resolver impasses
relacionados com as demandas judiciais 149
3.2.3 A necessidade de um Modelo de Tutela Coletiva que evite demandas
individuais 151
3.3 A UTILIZAO DE REGRAS DE ADMINISTRAO JUDICIRIA E
GESTO DE RECURSOS PARA AUMENTO DA EFETIVIDADE NO
MBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 158
3.3.1 O Gerenciamento dos Recursos Humanos e Materiais 159
3.3.2 A realizao de Planejamento Estratgico pelo Poder Judicirio 163
3.3.3 A necessria redefinio das metas do Conselho Nacional de Justia
em relao aos Juizados Especiais Federais 168
4 O PROCESSO JUSTO E SUA DIMENSO PROCESSUAL NO MBITO
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 173
4.1 A NECESSIDADE DA REDEFINIO DA COMPETNCIA DOS
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS PARA A OBTENO DE UM PROCESSO
JUSTO 174
4.1.1 O excesso de competncia dos Juizados Especiais Federais 175
4.1.2 Alternativas de redefinio da competncia dos Juizados Especiais
Federais para a garantia de uma tutela jurisdicional de qualidade 179
4.1.3 A possvel extino da competncia delegada e seus efeitos nos
Juizados Especiais Federais 188
4.2 INSTRUO PROCESSUAL E PROCESSO JUSTO NOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS 195
4.2.1 A Instruo Processual Nos Juizados Especiais Federais 195
4.2.2 Incremento da soluo dos litgios pela Conciliao: pr-processual ou
aps a distribuio do processo 198
4.2.3 A importncia da padronizao de procedimentos e da cooperao
para a obteno de um Processo Justo no mbito dos Juizados Especiais
Federais 206
4.3 O PROCESSO JUSTO E O DEVER DE FUNDAMENTAR AS
DECISES PROFERIDAS PELOS JUIZADOS ESPECIAIS 210
4.3.1 O dever de fundamentar as decises como um dos componentes do
Processo Justo 211
4.3.2 A soluo dos casos fceis e difceis nos Juizados Especiais
Federais e o princpio da celeridade processual 213
4.3.3 A necessria busca da Deciso Justa e Equnime pelos magistrados que
atuam nos Juizados Especiais 219
5 PROCESSO JUSTO NO MBITO RECURSAL DOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS 222
5.1 ALTERNATIVAS PARA SUPERAR O EXCESSO DE FORMALISMO
E A BUROCRATIZAO DO PROCESSO DE REVISO DAS DECISES
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 223
5.1.1 Possibilidades procedimentais para gerar maior celeridade e
informalidade na esfera recursal dos Juizados Especiais Federais 224
5.1.2 Medidas para enfrentar a proliferao de recursos decorrentes da
instabilidade jurisprudencial e da falta de observncia dos precedentes 233
5.1.3 O suposto excesso de Instncias Uniformizadoras de Jurisprudncia 238
5.2 LIMITES IMPOSTOS POSSIBILIDADE DE REVISO DAS DECISES
NO MBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 243
5.2.1 A necessria regulamentao legislativa do Processo de Reviso das
Decises dos Juizados Especiais Federais 244
5.2.2 A (des)necessidade de uniformizao de jurisprudncia das Turmas
Recursais com os Tribunais Regionais Federais 246
5.2.3 A incluso da Ao Rescisria para Reviso da Coisa Julgada no
mbito dos Juizados Especiais Federais 248
5.3 PROPOSIES FINAIS PARA A GARANTIA DE UM PROCESSO
JUSTO NO MBITO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 254
5.3.1 Por uma maior Racionalidade do Modelo Recursal dos Juizados
Especiais Federais 254
5.3.2 Alteraes na forma de julgamento dos Leading Case de Repercusso
Geral pelo Supremo Tribunal Federal 260
5.3.3 Propostas legislativas de inovao quanto ao Processo de Reviso
das Decises dos Juizados Especiais Federais 265
CONSIDERAES FINAIS 272
REFERNCIA DAS FONTES CITADAS 288
16
RESUMO
A presente Tese de Doutorado em Cincia Jurdica est inserida na linha de pesquisa Principiologia Constitucional e Poltica do Direito e tem por objetivo cientfico analisar o funcionamento e propor uma reformulao do Modelo adotado para os Juizados Especiais Federais no Brasil em face dos desafios que impedem a consecuo dos princpios bsicos que ensejaram sua criao. A Tese est em que esse Modelo de prestao jurisdicional deve atingir as exigncias da Efetividade no Acesso Justia e a Expectativa de um Processo Justo em sua dimenso processual. A originalidade e o ineditismo esto presentes nas proposies apresentadas para atingir o fim almejado. O problema desta pesquisa caracterizado pela seguinte indagao: Diante do movimento universal da democratizao do Direito de Acesso Justia, quais so os desafios a serem superados para que os Juizados Especiais Federais prestem uma Tutela Jurisdicional Efetiva e proporcionem um Processo Justo? A partir da comprovao das hipteses levantadas, chegou-se concluso de que a falta de Efetividade no Acesso Justia nos Juizados Especiais Federais decorre especialmente do excesso de demanda, sendo preciso, entre outras medidas, privilegiar a soluo administrativa das pretenses, adotar um Modelo de tutela coletiva que evite demandas individuais e utilizar regras de administrao judiciria e gesto de recursos. A Expectativa de um Processo Justo em sua dimenso processual encontra seus principais pontos crticos nos procedimentos excessivamente formais e burocratizados. Em razo disso, as principais proposies apresentadas esto voltadas a dar maior Racionalidade ao Sistema, a fixar novos critrios para definio da competncia, ao incremento da soluo dos litgios pela conciliao, a sistematizar e regulamentar o Processo de Reviso das Decises dos Juizados Especiais Federais, a estabelecer novas formas de organizao e funcionamento das instncias revisoras, a criar mecanismos para limitar o acesso s Turmas Recursais e alterao dos mecanismos de uniformizao de jurisprudncia. Concluiu-se pela Expectativa de que as medidas sugeridas possam viabilizar melhorias na prestao jurisdicional dos Juizados Especiais Federais com vistas a atender de forma digna e justa as demandas sociais.
Palavras-chave: Acesso Justia. Efetividade. Juizados Especiais Federais. Processo Justo.
17
ABSTRACT
This doctoral thesis in Juridical Science subscribes to the line of research Study of Constitutional Principles and Politics of Law. It aims to analyze the Model of judicial services adopted by Brazilian Federal Special Courts, and to propose its reformulation, in view of the challenges that currently hinder the implementation of the basic principles that prompted its creation. The basic assumption is that this Model must meet the requirements of Effectiveness in Access to Justice, and the expectation of a Fair Trial in its procedural dimension. The originality and novelty of the research is in the proposed means of achieving the desired results. The research problem is addressed by means of the following question: Considering the global movement for democratizing Access to Justice, what challenges need to be overcome so that Federal Special Courts can provide an Effective Judicial Protection and a Fair Trial? Verification of the hypotheses made led to the conclusion that the lack of effective Access to Justice in the Federal Special Courts is mainly due to excess demand, requiring, among other measures: privileging of the administrative resolution of disputes, the adoption of a Model of collective protection that avoid individual claims, and the application of rules for judicial administration and the management of resources. Excessively formal and bureaucratized procedures place the expectation of procedural fairness at risk. Thus, the main propositions made aim to make the System more Rational; to establish new criteria for defining competence; to increase the number of disputes settled through reconciliation; to systematize and regulate the Process of Reviewing decisions in the Federal Special Courts; to establish new ways of organizing and operating the reviewing instances; and to create mechanisms for restricting access to the Appeals Panels and the instruments for the standardization of jurisprudence. The thesis concludes with the expectation that the proposed measures may enable improvements in the judicial services provided by the Federal Special Courts, so that they can meet the social demands in a dignified and fair way.
Keywords: Access to Justice. Effectiveness. Federal Special Courts. Fair Trial.
18
RIASSUNTO
Questa Tesi di dottorato di ricerca in Scienze Giuridiche inserita nella linea di ricerca Principiologia Costituzionale e Politica del Diritto e ha come obiettivo scientifico lanalisi del funzionamento nonch la proposta di riformulazione del modello adottato per le Corti Federali Speciali in Brasile a fronte delle sfide che ostacolano il raggiungimento dei principi fondamentali che ne giustificano la creazione. La tesi si basa nel fatto che questo modello di disposizione giurisdizionale deve soddisfare i requisiti di efficacia nell'accesso alla giustizia e all'attesa di un equo processo nella sua dimensione processuale. L'originalit e le novit sono rintracciabili nelle proposizioni qui destinate a raggiungere lo scopo finale. Il problema di questa ricerca pu essere caratterizzato in base alla seguente questione: a fronte del movimento universale della democratizzazione del diritto di accesso alla giustizia, quali sono le sfide da superare affinch i tribunali federali speciali forniscano una tutela giurisdizionale effettiva e promuovano un processo equo? Dalla verifica delle ipotesi, si concluso che la mancanza di efficacia per l'accesso alla giustizia presso i Tribunali Speciali deriva soprattutto dall'eccesso di domanda, essendo necessario, tra le altre misure, dare priorit alla soluzione amministrativa delle pretensioni, adottare un modello di tutela collettiva che eviti domande individuali e utilizzare regole di gestione di amministrazione giudiziaria e gestione di ricorsi. L'aspettativa di un equo processo nella sua dimensione procedurale trova i suoi principali punti critici nelle procedure eccessivamente formali e burocratiche. Di conseguenza, le proposizioni principali presentate sono destinate a dare una maggiore razionalit al sistema, all'impostazione di nuovi criteri per la definizione della giurisdizione, all'aumento della soluzione delle controversie tramite conciliazione, alla sistematizzazione e regolamentazione del processo di revisione delle decisioni di Tribunali Speciali, a stabilire nuove forme di organizzazione e funzionamento delle istanze revisioniste, a introdurre meccanismi per limitare l'accesso alle Corti dAppello e alla modifica dei meccanismi dell'uniformit di giurisprudenza. Si concluso con l'aspettativa che le misure suggerite possano apportare miglioramenti nella prestazione di giurisdizione dei tribunali federali speciali al fine di rispondere in maniera dignitosa e giusta alle richieste sociali.
Parole chiave: Tribunali Federali Speciali. Accesso alla Giustizia. Efficacia. Equo Processo.
19
INTRODUO
A presente Tese tem por objetivo cientfico analisar o funcionamento e
propor uma reformulao do Modelo adotado para os Juizados Especiais Federais
(JEFs) no Brasil em face dos desafios que impedem a consecuo dos princpios
bsicos que ensejaram sua criao. A Tese est em que esse Modelo de prestao
jurisdicional deve atingir as exigncias da Efetividade no Acesso Justia e a
Expectativa de um Processo Justo em sua dimenso processual. A originalidade e o
ineditismo esto presentes em grande parte das proposies apresentadas para
atingir o fim almejado.
O objetivo institucional da presente Tese a obteno do ttulo de Doutor
em Cincia Jurdica pelo Curso de Doutorado em Cincia Jurdica da Univali, com
Programa de Dupla Titulao com a Universit Degli Studi di Perugia Itlia.
A Tese est relacionada rea de Concentrao em Constitucionalidade,
Transnacionalidade e Produo do Direito e inserida na Linha de Pesquisa
denominada Principiologia Constitucional e Poltica do Direito.
A pesquisa faz parte tambm do Projeto CNJ Acadmico, divulgado pelo
Edital n. 020/2010/CAPES/CNJ, que tem por principal objetivo promover e fomentar
a realizao e divulgao de pesquisas cientficas em reas de interesse prioritrio
para o Poder Judicirio nas universidades brasileiras.10
O tema investigado compreende a rea temtica: Principais problemas
no Processo de Reviso das decises nos Juizados Especiais Federais do Edital
CNJ Acadmico. Contempla tambm parte dos objetivos do Projeto de Pesquisa
apresentado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e pela
Universidade do Vale do Itaja UNIVALI, que foi aprovado pela CAPES: Juizados
Especiais e Turmas Recursais da Justia Federal: Diagnsticos e prognsticos para
os principais problemas no processo de reviso das decises judiciais.
O problema desta pesquisa pode ser caracterizado com base na seguinte 10 O Projeto CNJ Acadmico foi lanado, em 2010, pelo Conselho Nacional Justia (CNJ) em parceria
com a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), envolvendo universidades pblicas e privadas brasileiras. Contempla projetos de pesquisa nos temas direcionados ao sistema de justia criminal, anlise do desempenho dos rgos do Poder Judicirio, ao aprimoramento dos instrumentos para uma prestao jurisdicional mais eficiente, atuao do Conselho Nacional de Justia e suas interfaces com outros rgos, e, por ltimo, utilizao da tecnologia da informao para o aprimoramento da Justia.
20
indagao: Diante do movimento universal da democratizao do Direito de Acesso
Justia, quais so os desafios a serem superados para que os Juizados Especiais
Federais prestem uma Tutela Jurisdicional Efetiva e proporcionem um Processo
Justo?
Para o equacionamento do problema foram levantadas as seguintes
hipteses:
a) A falta de efetividade no Acesso Justia nos JEFs decorre: - do
excesso de demanda advinda: da denegao sistemtica de direitos na esfera
administrativa; da ausncia de vinculao da Administrao Pblica ao entendimento
jurisprudencial uniformizado; e, da pouca utilizao dos meios de defesa coletivos
para as demandas repetitivas ou de massa; - da forma de processamento e soluo
dos litgios; - de aspectos relacionados com a Administrao Judiciria e Gesto de
Recursos nos Juizados Especiais Federais.
b) A Expectativa de um Processo Justo em sua dimenso processual no
mbito dos JEFs encontra seus pontos crticos: - nos critrios de definio da
competncia; - na instruo dos feitos e na produo de provas; - na precria
fundamentao das decises; - na forma de atuao de magistrados; - na falta de
Racionalidade recursal; - nos limites impostos possibilidade de Reviso das
Decises; - na demora na entrega da Tutela Jurisdicional.
Os resultados do trabalho de exame das hipteses esto expostos em
cinco captulos, que so aqui sintetizados da seguinte forma:
Principia-se, no Captulo 1, com uma abordagem terica com o objetivo
de demonstrar que os Juizados Especiais caracterizam-se como o mais importante
instrumento de Acesso Justia no mundo contemporneo e alimentam a
Expectativa de obteno de um Processo Justo.
Com base na doutrina de Cappelletti e Garth, o Acesso Justia
desenvolvido como sendo um Direito Humano e Fundamental presente nos
instrumentos internacionais de proteo da pessoa e nos textos constitucionais dos
pases democrticos. Busca-se, desde logo, identificar os obstculos enfrentados
para a efetivao do Acesso Justia e sua repercusso poltica e social a exigir
normas processuais compatveis e adequadas resoluo de conflitos e no apenas
facilidade de ingresso de aes em juzo.
21
Segue-se com a anlise do Direito Fundamental ao Processo Justo, o
qual envolve o devido processo legal em sua dimenso substancial. Mostra-se a
necessidade de uma prestao jurisdicional clere, adequada e efetiva. Insere-se,
nesse contexto, a reforma do Poder Judicirio no Brasil decorrente da Emenda
Constitucional n. 45/2004 e os Pactos Republicanos por um Sistema de Justia mais
Acessvel, gil e Efetivo.
Como decorrncia lgica da democratizao do Acesso Justia,
evidencia-se a adoo de procedimentos especiais para solucionar as Pequenas
Causas em ordenamentos jurdicos distintos, com nfase para as transformaes
advindas do Projeto de Florena. Ao cabo, dessa primeira parte da Tese,
destacado o surgimento dos Juizados Especiais no Brasil. Esse novo Modelo de
jurisdio, inserido na chamada terceira onda do universo cappalletiano, nasceu
com a finalidade de universalizar o acesso a uma Justia rpida, de menor custo e
sem formalismos. No entanto, a facilidade de acesso e a Expectativa de soluo
justa dos litgios acabaram por gerar novos desafios relacionados ao excesso de
demanda e falta de capacidade de processamento das aes de forma adequada
e idealizada nesse novo Modelo de Justia.
No Captulo 2, o estudo est voltado a examinar o regramento dos
Juizados Especiais Federais, criado pela Lei n. 10.259, de 2001, com objetivo de
demonstrar suas caractersticas e particularidades, muitas das quais merecedoras
de crticas.
Parte-se de uma anlise da estruturao dos JEFs e das Turmas
Recursais com a indicao da evoluo, das carncias existentes e das medidas
adotadas para suprir as deficincias de recursos humanos e materiais. Em seguida,
so apresentados os critrios de definio de competncia e os dados da
litigiosidade e taxas de congestionamento que demonstram que os JEFs cumpriram
seu papel de atender a uma demanda reprimida de parte da populao, mas que,
devido ao excesso de processos, perderam parte das vantagens inicialmente
apregoadas.
Na continuidade, so perquiridos os princpios processuais norteadores
dos JEFs por serem essenciais para a compreenso da dinmica e dos
procedimentos que devem ser adotados para se obter uma Tutela Jurisdicional
Efetiva e um Processo Justo. A base principiolgica, advinda do art. 2 da Lei n.
22
9.099/1995, prima pela oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual,
celeridade e consensualidade.
Na avaliao do procedimento colocada em foco a dispensa da
representao por advogados e do pagamento de custas, a utilizao do Processo
Eletrnico e as regras de produo de provas, as quais, quando mal aplicadas,
comprometem garantias processuais inerentes ao Processo Justo.
O Processo de Reviso das Decises objeto de anlise detalhada com
especificao das caractersticas gerais, das espcies de recursos e impugnaes
cabveis e daquelas no previstas nesse Modelo de Justia. Nesse momento so
indicadas algumas das disfunes do Sistema Recursal que merecerem alterao e
que sero reexaminadas sob o vis do Processo Justo no Captulo 5 desta Tese.
No Captulo 3, passa-se para a anlise dos desafios e possveis solues
processuais e gerenciais para uma maior Efetividade no Acesso Justia nos
Juizados Especiais Federais. A partir do embasamento terico desenvolvido nos
Captulos 1 e 2 e com base nas hipteses levantadas, so identificados os principais
entraves a serem superados, entre os quais esto o excesso de demanda e a crise
do Poder Judicirio.
Acredita-se que o Acesso Justia foi suficientemente ampliado em
termos quantitativos, no entanto, so necessrias estratgias para garantir qualidade
prestao jurisdicional nos JEFs. A partir desse diagnstico so desenvolvidas
alternativas para conter o ajuizamento de novos litgios, entre as quais: - a
ampliao da resoluo de conflitos na esfera administrativa mediante a
obrigatoriedade do prvio requerimento administrativo e o alinhamento da
administrao jurisprudncia iterativa dos Tribunais Superiores; - a criao de
rgos multidisciplinares para dialogar e criar condies para evitar os conflitos ou
resolv-los sem a judicializao das demandas; - a necessidade de um Modelo de
Tutela Coletiva que seja capaz de evitar as demandas individuais.
Sem olvidar que a busca da Efetividade deve tambm encontrar solues
nos mecanismos de respostas que caracterizam os Juizados Especiais,
desenvolvendo em larga escala seu potencial conciliatrio, informal e com alto grau
de automao para ter maior produtividade, mas desde que seja com qualidade.
Na finalizao desse captulo, so apresentadas proposies
23
relacionadas com a Administrao Judiciria e a gesto de recursos nos JEFs,
temas vinculados organizao do trabalho, ao planejamento estratgico e ao
cumprimento de metas institucionais. Essa preocupao reside na constatao de
que a criao de novas varas no o nico remdio para as dificuldades de acesso
aos JEFs. So evidenciadas, assim, as estratgias para a realizao de um
Planejamento Estratgico e a imprescindibilidade de redefinio das metas do
Conselho Nacional de Justia para dar maior Efetividade aos JEFs.
No Captulo 4, partindo-se do conceito operacional adotado nesta Tese
para Processo Justo e, observadas as garantias fundamentais do processo do
ordenamento jurdico brasileiro e italiano, so apresentadas proposies voltadas a
corrigir imperfeies na tramitao dos feitos junto aos JEFs.
Diante do constatado excesso de competncia e do constante
crescimento do volume de processos so verificadas as alternativas para mudana
dos critrios de Acesso aos JEFs, bem como os impactos da eventual extino da
competncia delegada prevista no art. 109, 3, da Constituio brasileira. Feitas as
devidas ponderaes, a alternativa que surge como mais apropriada a reduo da
competncia reservada aos JEFs e a atribuio do carter facultativo dessa
jurisdio, tal como ocorre nos Juizados Especiais da Justia Estadual, propondo-se,
dessa forma, um tratamento uniforme entre ambos.
Quanto instruo processual, defende-se que os litgios devem receber
um tratamento diferenciado e simplificado com vistas a abreviar o tempo de
tramitao, deixando-se de lado atos que possam criar embaraos ou que
estabeleam formalidades prprias do rito ordinrio. Ressalta-se, na sequncia, que
o direito prova um dos elementos do Processo Justo e a percia caracteriza-se
como o principal ponto crtico na tramitao das aes, especialmente as que
buscam a concesso de benefcios previdencirios e assistenciais relacionados com
a incapacidade laboral.
O incremento da soluo dos litgios pela conciliao pr-processual ou
aps a distribuio do processo, atende plenamente ao princpio da
consensualidade que inspirou os Juizados Especiais. Aps exame do Modelo de
mediao utilizado na Itlia, so elencadas propostas relacionadas conciliao no
Brasil que so dignas de destaque.
Trabalha-se tambm a importncia da padronizao de determinados
24
procedimentos para gerar maior segurana jurdica e, a relevncia da cooperao
entre os atores processuais, em prol de um Processo Justo no mbito dos JEFs.
Nesse sentido, o estilo de trabalho tradicional e formalista do magistrado deve ser
substitudo pela postura ativa e voltada justa soluo das demandas.
Para finalizar esse captulo, defende-se o dever do magistrado em proferir
decises com a devida fundamentao, garantia constante nos textos
constitucionais, em especial do Brasil e da Itlia. Objetiva-se tambm analisar a
necessria busca da deciso justa e equnime nos Juizados Especiais, consoante
previso contida no art. 6 da Lei n. 9.099, de 1995, e que tem sido pouco utilizada
nos JEFs.
No quinto e ltimo Captulo, almeja-se promover um olhar crtico e
propositivo em relao ao Processo de Reviso das Decises dos JEFs, cujas
caractersticas gerais foram apresentadas no Captulo 2 desta Tese.
De incio, so apresentadas alternativas para superar o excesso de
formalismos e a burocratizao no processamento dos recursos. So identificadas
as possibilidades procedimentais que podem gerar maior celeridade e informalidade
na esfera recursal. E, com originalidade, so sugeridas novas formas de
organizao e funcionamento das Turmas Recursais desvinculadas das amarras do
rito ordinrio. Procura-se tambm oferecer alternativas para ampliar a divulgao
das decises das Turmas Recursais e para superar o excessivo rigor processual na
anlise dos pressupostos de admissibilidade dos pedidos de uniformizao de
jurisprudncia. So defendidas ainda medidas para enfrentar a proliferao de
recursos decorrentes da instabilidade jurisprudencial e da falta de observncia dos
precedentes. Alm disso, analisado o suposto excesso de instncias
uniformizadoras de jurisprudncia, diante da possibilidade de extino das Turmas
Regionais de Uniformizao.
No que diz respeito aos limites impostos possibilidade de Reviso das
Decises no mbito dos JEFs, examinam-se as restries que envolvem a
incompletude na regulamentao dos recursos, a convenincia de uniformizao de
entendimentos entre Turmas Recursais e Tribunais Regionais Federais e o no
cabimento da ao rescisria. Tais aspectos provocam questionamentos doutrinrios
e so considerados pontos crticos segundo o Projeto de Pesquisa CNJ Acadmico
Edital n. 020/2010/CAPES/CNJ.
25
Por derradeiro, so perquiridos aspectos relacionados com a
Racionalidade do Modelo Recursal, a forma de julgamento dos Leading Case de
Repercusso Geral pelo Supremo Tribunal Federal e algumas das propostas
legislativas que buscam inovar o Processo de Reviso das Decises dos JEFs.
Todos esses temas esto inseridos na Tese desenvolvida e servem para gerar a
concluso da anlise crtica e propositiva com o objetivo de favorecer a solidificao
dos JEFs como um Modelo de jurisdio adequado, clere e justo.
A presente Tese se encerra com as Consideraes Finais nas quais so
apresentados pontos conclusivos destacados dos estudos e das reflexes
realizadas, procurando demonstrar a necessidade de reformulao do Modelo
adotado para os Juizados Especiais Federais no Brasil. Por essa razo, so
sintetizadas as principais crticas efetuadas e as proposies elaboradas com vistas
a fortalecer os Juizados Especiais Federais como Modelo de prestao jurisdicional
que cumpre as exigncias da Efetividade no Acesso Justia e a Expectativa de um
Processo Justo em sua dimenso processual.
Considerando que a pesquisa procura fazer uma correlao dos Juizados
Especiais Federais com o Direito de Acesso Justia efetivo e com a busca de um
Processo Justo na sua dimenso processual, buscou-se ao longo do trabalho
apresentar referncias ao Direito italiano, com indicao de normas legislativas e de
doutrina, justificando a opo pelo Programa de Dupla Titulao.
Por conta disso, foi possvel identificar semelhanas com relao aos
obstculos enfrentados pela Itlia e tambm pelo Brasil, os quais possuem normas
processuais semelhantes e pouco eficientes.
O Sistema processual brasileiro recebeu grande influncia do processo
civil italiano. Isso pode ser explicado pelo fato de que na elaborao do atual Cdigo
de Processo Civil, datado de 1973, os processualistas italianos Enrico Tullio
Liebman11, Francesco Carnelutti e Giuseppe Chiovenda, que lecionavam no Brasil
11
"Lecionou na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, onde apresentou ideias extremamente revolucionrias para a poca. Seu pensamento influenciou inmeros juristas brasileiros, tais como Alfredo Buzaid, Moacir Amaral dos Santos, Jos Frederico Marques, Cndido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. Em virtude disso, costuma-se dizer que Liebman fundou uma verdadeira Escola - a Escola Processual de So Paulo. Tal Escola, por meio de um de seus mais destacados integrantes, o Prof. Alfredo Buzaid, foi a maior motivadora da substituio do Cdigo de Processo Civil de 1939 por um novo.
26
poca, colaboraram decisivamente no processo legislativo.
A semelhana de normas processuais explica os desafios comuns que
so enfrentados pela Itlia e pelo Brasil, legitimando a busca de solues
compartilhadas, com o intercmbio de experincias e ideias entre pesquisadores e
autoridades judicirias.
No que concerne metodologia utilizada, registra-se que, na fase de
investigao, foi empregado o mtodo indutivo12; na fase de tratamento dos dados, o
cartesiano13; e o texto final foi composto na base lgica indutiva.
Nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as tcnicas do
referente14, a de categorias15 e de conceitos operacionais16, o fichamento de obras e
consultas na rede mundial de computadores. Cabe consignar que as categorias
principais esto grafadas com a letra inicial em maiscula e os seus conceitos
Alfredo Buzaid, discpulo direto de Liebman, buscou na obra e no pensamento de seu mestre o amparo para reformular institutos mal disciplinados no Cdigo de 1939, assim como para introduzir institutos ou solues at ento estranhas ao sistema brasileiro. A prevalncia do pensamento liebmaniano pode ser claramente percebida no Cdigo de Processo Civil de 1973, em diversos momentos, como, por exemplo, na disciplina do julgamento antecipado do mrito (art. 330 do CPC), na equiparao da eficcia dos ttulos executivos extrajudiciais dos ttulos judiciais, no conceito que o Cdigo fornece para a coisa julgada, definindo-a como imutabilidade da sentena, e no como seu efeito (art. 468 do CPC), bem como na adoo das trs condies da ao propostas por Liebman (interesse de agir, legitimidade ad causam e possibilidade jurdica do pedido). Comentando a influncia das teorias de Liebman sobre processo civil brasileiro, o processualista Cndido Rangel Dinamarco afirma que os pensamentos e escritos de Liebman, notadamente aqueles voltados ao direito brasileiro, vieram a projetar-se intensamente na cultura processualstica de nosso pas, com intensa repercusso, desde logo, na doutrina dos que com ele conviveram e, ao longo de todas essas dcadas, no pensamento formado entre os discpulos de seus discpulos (...). J passadas mais de seis dcadas de sua chegada, ainda hoje possvel sentir o peso das propostas que trouxe e, sobretudo, das grandes premissas que plantou entre ns, como verdadeiras razes da formao do pensamento cientfico brasileiro do processo civil." Portal da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponvel em: . Acesso em: 23 jan. 2014.
12 MTODO INDUTIVO: base lgica da dinmica da pesquisa Cientfica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenmeno e colecion-las de modo a ter uma percepo ou concluso geral. (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurdica: Teoria e Prtica. 12 ed. rev. So Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 205).
13 MTODO CARTESIANO: base lgico-comportamental proposta por Descartes, muito apropriada para a fase de Tratamento dos Dados Colhidos, e que pode ser sintetizada em quatro regras: 1. duvidar; 2. decompor; 3. ordenar; 4. classificar e revisar. Em seguida, realizar o Juzo de Valor. (Ibidem, p. 205).
14 REFERENTE: explicao prvia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temtico e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (Ibidem, p. 209).
15 CATEGORIA: palavra ou expresso estratgica elaborao e/ou expresso de uma ideia. (Ibidem, p. 197).
16 CONCEITO OPERACIONAL [COP]: definio estabelecida ou proposta para uma palavra ou expresso, com o propsito de que tal definio seja aceita para os efeitos das ideias expostas. (Ibidem, p. 198).
27
operacionais so apresentados em Rol de Categorias.
Registra-se, por fim, que na elaborao dos captulos desta Tese foram
transcritos trechos, sem referncia das fontes citadas, de artigos cientficos e
captulos de livros publicados por este Doutorando como requisito para cumprimento
dos crditos das disciplinas do Programa de Doutorado em Cincia Jurdica da
Univali.17
Aps essas consideraes propeduticas, passa-se ao desenvolvimento
da Tese nos captulos que seguem.
17 LAZZARI, Joo Batista. A argumentao jurdica e a fundamentao das decises proferidas no
mbito dos Juizados Especiais. Revista Brasileira de Direito, IMED, vol. 9, n 2, p. 165-183, jul-dez 2013. Disponvel em: . Acesso em: 19 ago. 2014. LAZZARI, Joo Batista. Obstculos e solues para tornar o sistema de justia brasileiro mais acessvel, gil e efetivo e a morosidade do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos leading case de repercusso geral. Revista Forense (Impresso). Rio de Janeiro: Forense, v. 417, p. 97-115, 2013. LAZZARI, Joo Batista. Princpios constitucionais do acesso justia e da razovel durao do processo: uma anlise da efetivao dessas garantias no mbito dos Juizados Especiais Cveis. Revista Eletrnica Direito e Poltica. Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.8, n.1, 1 quadrimestre de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 17 jul. 2014. LAZZARI, Joo Batista; JACOBSEN, Gilson. Meio ambiente e processo eletrnico: um breve panorama do direito ambiental e seu encontro com a era virtual. Revista Eletrnica Direito e Poltica. Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.7, n.3, 3 quadrimestre de 2012. Disponvel em: . Acesso em: 17 jul. 2014. LAZZARI, Joo Batista; JACOBSEN, Gilson. Procedimentos para a soluo das pequenas causas no direito comparado e no Brasil. Revista da UNIFEBE (Online). Brusque, v. 11, p. 115-127, 2012. Disponvel em: . Acesso em: 17 jul. 2014. LAZZARI, Joo Batista. Sistema de Reviso das Decises dos Juizados Especiais Federais e seus Entraves. In SAVARIS, Jos Antonio; STAFFEN, Mrcio Ricardo; BODNAR, Zenildo. Juizados Especiais Federais, volume 1 [recurso eletrnico]: contributos para uma releitura. Itaja: Univali, 2014. Disponvel em: . Acesso em: 18 ago. 2014. LAZZARI, Joo Batista; SAVARIS, Jos Antonio; PORENA, Daniele. O ACESSO JUSTIA NOS JUIZADOS ESPECIAIS: Uma anlise crtico-propositiva ao modelo dos juizados especiais federais para obteno de um processo justo. In CRUZ, Paulo Mrcio; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito e transnacionalizao [recurso eletrnico]: contributos para uma releitura. Itaja: Univali, 2013. Disponvel em: . Acesso em: 21 ago. 2014.
28
CAPTULO 1
OS JUIZADOS ESPECIAIS COMO INSTRUMENTO DE ACESSO
JUSTIA E A EXPECTATIVA DE UM PROCESSO JUSTO
Este primeiro Captulo objetiva alicerar a pesquisa em consideraes de
ordem jurdico doutrinria para a compreenso terica do Direito de Acesso Justia
e ao Processo Justo e sua correlao com os Juizados Especiais.
Na anlise do Acesso Justia como um Direito Humano e Fundamental
so apresentados vrios enfoques envolvendo a abrangncia e delimitao do tema,
sua insero nos instrumentos internacionais de proteo da pessoa e nos textos
constitucionais e ainda os obstculos enfrentados para sua efetivao.
Quanto ao Direito ao Processo Justo procura-se enfatizar as suas
caractersticas, os princpios voltados concretizao dessa Garantia Constitucional
e os bices enfrentados tanto pelo Brasil, como pela Itlia. Aborda-se tambm a
Reforma do Poder Judicirio no Brasil, ocorrida em 2004, e os Pactos firmados pelos
Poderes da Repblica para dar seguimento s modificaes necessrias com vistas
a um Sistema de Justia mais Acessvel, gil e Efetivo.
A ltima parte deste Captulo tem por objeto os procedimentos especiais
empregados para as Pequenas Causas, sendo descritas experincias de outros
pases como comparativos vlidos soluo dessas demandas. Por fim
demonstrada a experincia brasileira em matria de Juizados Especiais e a
Expectativa18 depositada nesse Modelo como via de fcil Acesso Justia e de um
Processo Justo. Concluiu-se evidenciado os pontos positivos e as barreiras a serem
superadas pelos Juizados Especiais para proporcionar um Processo Justo.
18 Cademartori e Strapazzon ao comentarem a obra Principia Iuris, de Luigi Ferrajoli, constataram
que a expectativa foi elevada ao primeiro nvel de importncia, enquanto categoria da teoria do direito, por desempenhar um papel central para a anlise crtica da fenomenologia do dever ser constitucional atual. (CADEMARTORI, Srgio Urquhart de; STRAPAZZON, Carlos Luiz. Principia Iuris: uma teoria normativa do direito e da democracia. Revista Pensar, Fortaleza: Unifor, v. 15, n. 1, p. 278-302, jan./jun. 2010. Disponvel em:. Acesso em: 15 ago. 2014).
29
1.1 O ACESSO JUSTIA COMO DIREITO HUMANO E
FUNDAMENTAL
Inicia-se a presente pesquisa com a anlise do Direito de Acesso
Justia, tema recorrente nas discusses em todos os segmentos da sociedade
contempornea e nas abordagens doutrinrias e jurisprudenciais, que se reveste e
se renova de importncia quando se pretende lanar um olhar crtico e propositivo
ao Sistema Judicial. caracterizado como um dos principais Direitos Humanos e
est presente como Garantia Constitucional nos ordenamentos jurdicos dos pases
democrticos, mas sua efetivao enfrenta obstculos de diversas ordens, os quais
sero examinados neste estudo.
1.1.1 Abrangncia do Direito de Acesso Justia
O Acesso Justia caracteriza-se como um direito individual e social, cuja
delimitao e abrangncia constituem-se de extrema importncia para que possa ser
exigido e garantido em sua plenitude.
O termo Acesso Justia de difcil definio e possui vrias acepes,
mas para o presente estudo ser adotada a conceituao e a delimitao
apresentada por Cappelletti e Garth, cuja obra doutrinria de reconhecida
importncia no meio acadmico, por melhor refletir o enfoque que se pretende
alcanar neste trabalho.
Para os referidos autores, o Acesso Justia serve para determinar duas
finalidades bsicas do Sistema jurdico: o Sistema deve ser igualmente acessvel a
todos e deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.19 E mais
adiante afirmam que o acesso no apenas um direito social fundamental; ele ,
tambm, necessariamente, o ponto central da moderna processualstica.20
Em complemento, utilizada a delimitao oferecida por Boaventura de
Souza Santos, por valorizar o aspecto social que extremamente marcante no
mbito dos Juizados Especiais. Para o autor portugus, o tema do Acesso Justia
o que mais diretamente resolve as relaes entre o processo civil e a justia social,
19 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 8. 20 Ibidem, p. 12-13.
30
entre igualdade jurdico-formal e desigualdade socioeconmica.21
Tambm na viso de Mario Grynszpan o tema comporta ao mesmo tempo
enfoque sociolgico e social, constituindo-se em objeto privilegiado de reflexo do
direito. O que se discute por seu intermdio a prpria questo da cidadania e da
democratizao do Judicirio.22
Luiz Guilherme Marinoni afirma que o direito de ao no Estado
Constitucional passou a ser pensado sob o slogan de Direito de Acesso Justia,
perdendo a caracterstica de instituto indiferente realidade social. Para o autor, a
questo do Acesso Justia foi o tema-ponte que fez a ligao do processo civil
com a justia social. Defende que a realizao do Direito de Acesso Justia
indispensvel prpria configurao do Estado.23
Ainda, segundo o italiano Francesco Francioni, o uso normal do termo
Acesso Justia sinnimo de tutela jurisdicional. Do ponto de vista do indivduo,
o termo refere-se ao direito de buscar um remdio diante de um tribunal
estabelecido por lei e capaz de garantir a independncia e imparcialidade do juiz.24
Sobre o campo de aplicao da expresso Acesso Justia, Pedro
Manoel Abreu, citando Antnio Herman Benjamin, indica trs enfoques bsicos, com
os quais tambm concordamos:
(...) num sentido restrito, refere-se apenas a acesso tutela jurisdicional. Em sentido mais amplo, quer significar acesso tutela de direitos ou interesses violados, atravs de mecanismos jurdicos variados, jurisdicionais ou no. Numa acepo integral, acesso ao direito, ou seja, a uma ordem jurdica justa.25 Em sntese, o Direito de Acesso Justia deve atender a todas essas
vertentes para proporcionar uma tutela jurisdicional adequada e socialmente justa.
Possui repercusso poltica e social e exige normas processuais compatveis e
adequadas resoluo de conflitos e no apenas facilidade de ingresso de aes
21 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade. So
Paulo: Cortez, 1999. p. 167. 22 GRYNSZPAN, Mario. Acesso e recurso justia no Brasil: algumas questes. In PANDOLFI, Dulce
et al (Org.). Cidadania, Justia e Violncia. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 99. 23 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil V. 1: Teoria Geral do Processo. 3 ed. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 186. 24 FRANCIONI, Francesco. Il Diritto di Accesso alla Giustizia nel Diritto Internazionale Generale. In
FRANCIONI, Francesco et al. Accesso alla Giustizia dellindividuo nel Diritto Internazionale e dellUnione Europea. Milano: Giuffr Editore, 2008. p. 3-4.
25 ABREU. Pedro Manoel. Acesso Justia e Juizados Especiais: o desafio histrico da consolidao de uma justia cidad no Brasil. Florianpolis: Conceito Editorial, 2009. p. 39.
31
em juzo.
A ttulo de proposio, a ser tratada no Captulo 3 desta pesquisa,
defende-se a adoo de polticas pblicas voltadas ampliao do reconhecimento
de direitos na esfera administrativa e a soluo no contenciosa dos litgios como
formas de dar maior Efetividade ao Acesso Justia.
1.1.2 O Acesso Justia nos instrumentos internacionais de
proteo dos Direitos Humanos e na Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988
A busca pelos direitos individuais e sociais histrica, passando por
momentos conflituosos e de difcil acesso diante da ausncia de normas de
proteo. A ecloso de lutas de classes e de guerras entre povos levou a uma
evoluo nos instrumentos de proteo dos Direitos Humanos viabilizando o acesso
e a garantia aos Direitos Fundamentais da pessoa.
Segundo Alexandre Moraes, os Direitos Humanos fundamentais, ou
simplesmente Direitos Fundamentais, em sua concepo moderna, surgiram como
produto da fuso de vrias fontes, desde tradies arraigadas nas diversas
civilizaes, at a conjugao dos pensamentos filosfico-jurdicos, das ideias
surgidas com o cristianismo e o direito natural.26
Osvaldo Ferreira de Melo, ao definir o que so os Direitos Humanos,
tambm aponta a necessidade de sua positivao nos textos constitucionais e a sua
regulamentao para torn-los exigveis e objetivamente garantidos. 27 E, Alexy,
elucida as caractersticas dos Direitos Humanos como sendo: a universalidade, a
fundamentalidade de seu objeto, a abstrao, a validez e a moralidade.28
A concepo de igualdade entre os homens est atrelada existncia de
uma lei escrita, regra geral e uniforme, igualmente aplicada a todos que vivem em
26 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. 8 ed. So Paulo: Atlas,
2007. p. 34-35. 27 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionrio de poltica jurdica, Florianpolis: OAB-SC Editora, 2000.
p. 31. 28 ALEXY, Robert. La institucionalizacin de la justicia. 2 ed. Granada: Editorial Comares, 2010. p.
80-81.
32
sociedade.29
A origem, natureza e evoluo dos Sistemas Internacionais de Proteo
dos Direitos Humanos iniciaram sua fase da constitucionalizao com a
primeira declarao dos Direitos Humanos da poca moderna (Declarao dos
Direitos da Virgnia, de 12/06/1776).
Por sua vez, estudos defendem que o marco fundamental do Acesso
Justia pode ser verificado na Magna Carta inglesa, de 15/06/1215, cujo art. 49
mencionava que a administrao da justia no seria recusada, dilatada ou vendida
a ningum, consagrando nesse dispositivo a garantia da inafastabilidade da garantia
da justia.30
Entre os principais instrumentos normativos da proteo universal dos
Direitos Humanos esto tambm a Carta das Naes Unidas, de 1945, a Declarao
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Polticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais,
ambos de 1966, e a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de So
Jos da Costa Rica), de 1969.
Cabe destacar a previso contida na Declarao Universal dos Direitos do
Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Naes Unidas, em 10/12/1948, no
sentido de que: VIII. Todo homem tem direito a receber, dos tribunais nacionais
competentes, remdio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que
lhe sejam reconhecidos pela constituio ou pela lei.31
Por sua vez, a Conveno Americana sobre Direitos Humanos vai mais
alm ao estabelecer como garantias judiciais que:
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigaes de natureza civil, trabalhista,
29 NEME, Eliana Franco; MOREIRA, Jos Cludio Domingues. O Acesso Justia como instrumento
de efetivao dos Direitos Fundamentais: possibilidades do sistema interamericano de proteo dos direitos do homem. Argumenta: Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica UENP, Jacarezinho, n. 14, janeiro/junho/2011. p. 14.
30 DUTRA, Qusia Falco de. Novas Perspectivas na interpretao da garantia de Acesso Justia. Revista CEJ, Braslia, Ano XIV, n. 53, p 26-30, abr./jun. 2011.
31 ONU - ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Declarao universal dos direitos humanos. Adotada e proclamada pela resoluo 217 A (III), da Assembleia Geral das Naes Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponvel em: . Acesso em: 18 ago. 2014.
33
fiscal ou de qualquer outra natureza (art. 8).32 Esse Pacto garante tambm o direito da proteo judicial com ingresso de
recurso perante juzes ou tribunais competentes (art. 25).33
Juan Carlos Hitters, ao tratar do direito processual transnacional, ressalta
a influncia e autonomia do direito de ao, reconhecendo-o como direito humano
justia. Defende que o direito de ao considerado como um direito constitucional
autnomo sob a posio dos grandes processualistas modernos, como Carnelutti,
Alcal Zamora e Castillo, Couture, Fix Zamudio, etc. No entanto, nos ltimos
tempos, devido influncia social na rea jurdica, passou por uma grande
transformao que deixou de contar com uma base individualista, tornando-se um
direito dos governados. Ento, como disse Fix Zamudio, a ao processual um
direito humano justia, e vrias Constituies modernas a consideram como um
direito autnomo e, portanto, independente do direito clssico de petio. Esta
concluso pode ser vista claramente nos atuais documentos internacionais, como o
Pacto de So Jos de Costa Rica, que tipifica um processo supranacional. Pode-se
dizer, em suma, atualmente, o direito de ao considerado como um direito
constitucional autnomo, que muitas Cartas Magnas modernas incorporaram, e nos
ltimos tempos tem sido socializado, ao invs de ter uma perspectiva puramente
individualista para tornar-se o que tem sido chamado de a dimenso social do
direito.34
Na Espanha, segundo Joan Pic Junoy, o art. 24 da Constituio de 1978
indica que: Todas as pessoas tm o direito proteo efetiva dos juzes e tribunais
no exerccio dos seus direitos e interesses legtimos, sem que em nenhum caso
fique sem julgamento. Alm disso, todos tm direito a um juiz ordinrio pr-
determinado por lei, defesa e assistncia judiciria, a ser informado das
acusaes contra si, a um julgamento pblico sem dilaes indevidas e com todas
as garantias, a utilizar os meios de provas pertinentes para a sua defesa, a no se
32 BRASIL. DECRETO n. 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Conveno Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponvel em: . Acesso em: 26 nov. 2013.
33 Ibidem. 34 HITTERS, Juan Carlos. El debido proceso y la responsabilidad internacional de Estado y em
particular la de los jueces. In SOTELO, Jos Luis Vzquez (Liber amicorum). Rigor Doctrinal y prtica forense. Barcelona: Atelier, 2009. p. 541-542.
34
autoincriminar, a no confessar culpa e presuno de inocncia.35
A partir da demonstrao da relevncia dos instrumentos normativos
sustentadores da proteo universal dos Direitos Humanos e da imprescindibilidade
dos textos constitucionais disporem sobre o tema em questo, sero analisadas as
normas contidas na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, com
nfase na efetivao do Acesso Justia como Direito Fundamental baseado na
igualdade, agilidade e Efetividade.
O prembulo da Constituio do Brasil, promulgada em 05/10/1988, fixou
como enunciado a instituio de um Estado Democrtico, o qual deve estar
destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo
pacfica das controvrsias.
A nova Ordem Constitucional representou uma verdadeira ruptura com os
critrios at ento vigentes, cujas garantias constantes da Constituio de 1967
eram meramente formais, em face do quadro poltico de represso social implantado
pela Ditadura Militar que surgiu com o Golpe de Estado de 1964.
Com a redemocratizao do Brasil houve a retomada da funo do
Estado Contemporneo e o compromisso com o bem comum. Acentua Cesar Luiz
Pasold que no h sentido na criao e na existncia continuada do Estado, seno
na condio, inarredvel, de instrumento em favor do Bem Comum ou Interesse
Coletivo.36
Sobre a igualdade, um dos alicerces da Constituio de 1988, leciona
Eros Roberto Grau que ela se expressa em isonomia e na vedao de privilgios.
Reunidos os dois princpios, igualdade e universalidade das leis, assim se traduzem:
a lei igual para todos e todos so iguais perante a lei.37
Essa premissa est disposta no art. 5 do Texto Constitucional, o qual
35 JUNOY, Joan Pic I. Las Garantas Constitucionales del Proceso. Barcelona: Jos Maria Bosch
Editor, 1997. p. 20. 36 PASOLD, Cesar Luiz. Funo Social do Estado Contemporneo. 3 ed. Florianpolis: OAB/SC
Editora coedio Editora Diploma Legal, 2003. p. 47. 37 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8 ed. So Paulo: Malheiros, 2011.
p. 158.
35
definiu que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade
do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade.
Esse preceito se relaciona de forma direta com o Direito de Acesso
Justia, o qual visa a garantir um dos princpios bsicos do Estado democrtico de
Direito, qual seja, a isonomia. Todos so iguais perante a lei e assim devem ser
tratados pelos responsveis pela administrao e na aplicao da justia. Essa regra
carrega importncia mpar para a diminuio da desigualdade entre os cidados,
que um dos obstculos mais gravosos a ser superado para a materializao do
Acesso Justia.
Outro aspecto a ser ressaltado na nova Carta Poltica a ampliao da
garantia do Direito de Acesso Justia, chamado tambm de princpio da
inafastabilidade da apreciao judicial, previsto no citado art. 5, XXXV, para
compreender no apenas a leso, mas tambm a ameaa a direito.
Segundo Jos Afonso da Silva, acrescentou-se a ameaa a direito, o que
no sem consequncia, pois possibilita o ingresso em juzo para assegurar direitos
simplesmente ameaados, at ento admitido nas leis processuais somente em
determinados casos.38
A dimenso formal do Acesso Justia no ordenamento brasileiro,
especialmente na Constituio de 1988, serve, segundo Qusia Falco de Dutra,
como uma diretriz ao legislador na criao de novas leis, que s podero ser
formuladas com a inteno de ampliar o acesso ao Poder Judicirio.39
Para Rosanne Gay Cunha, deve o Estado, por meio de seus poderes,
outorgar aos jurisdicionados um instrumental que seja adequado s necessidades
de seu direito material com efetiva aplicao do princpio da vedao de
insuficincia. Atualmente, diz-se que o Acesso Justia um direito de primeira
dimenso (defesa), que reclama uma absteno do Estado, sendo visto igualmente
como um direito de segunda gerao (prestacional). o direito de acesso ao
38 SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33 ed. So Paulo: Malheiros,
2010. p. 432. 39 DUTRA, Qusia Falco de. Novas Perspectivas na interpretao da garantia de Acesso Justia.
Revista CEJ, Braslia, Ano XIV, n. 53, p 26-30, abr./jun. 2011.
36
Judicirio e, ao mesmo tempo, a uma ordem jurdica digna (justa, adequada e
tempestiva).40
Objetivando proporcionar maior Efetividade ao Acesso Justia, o Texto
Constitucional de 1988 assegurou tambm que o Estado prestar assistncia
jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos (art. 5,
LXXIV) e, ainda, a gratuidade nas aes de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na
forma da lei, os atos necessrios ao exerccio da cidadania (art. 5, LXXVII).
A respeito da efetivao do Acesso Justia, Cintra, Grinover e
Dinamarco consideram que a Constituio no apenas se preocupou com a
assistncia judiciria aos que comprovarem insuficincia de recursos, mas a
estendeu assistncia jurdica pr-processual. Assim consideradas, cabe ao Estado
organizar a carreira jurdica dos defensores pblicos, cercada de muitas garantias
reconhecidas ao Ministrio Pblico (art. 5, inc. LXXIV, c/c art. 134, 2, red. EC n.
45, de 8/12/2004). 41 Lamentavelmente, passado longo perodo de tempo da
existncia da norma, o quantitativo de defensores pblicos ainda muito aqum da
necessidade da populao.
Esses meios de amparo ao cidado so fundamentais para a defesa de
direitos em juzo, sem os quais a populao mais carente estaria desatendida. Pode-
se dizer que houve verdadeira universalizao do Acesso Justia, porm as
deficincias na prestao desses servios representam obstculos a serem
superados.
Os obstculos efetivao do Direito ao Acesso Justia e as garantias
processuais ao Processo Justo sero objeto de anlise dos tpicos que seguem.
1.1.3 Obstculos que dificultam o Direito de Acesso Justia
O Direito de Acesso Justia tem vrias acepes que vo desde o
direito de ao, o devido processo legal, o julgamento em tempo razovel e deciso
justa e exequvel (garantias que integram o conceito de Processo Justo).
40 CUNHA, Rosane Gay. O princpio da vedao de insuficincia: uma viso garantista positiva do
processo civil. Revista de Doutrina da 4 Regio. Porto Alegre, n. 11, mar. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 02 jan. 2013.
41 CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2012. p.91.
37
Para a concretizao desses objetivos existem vrios obstculos que so
definidos por Cappelletti e Garth, da seguinte forma:
Embora o acesso efetivo justia venha sendo crescentemente aceito como um direito social bsico nas modernas sociedades, o conceito de efetividade , por si s, algo vago. A efetividade perfeita, contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de armas a garantia de que a concluso final depende apenas dos mritos jurdicos relativos das partes antagnicas, sem relao com diferenas que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmao e reivindicao dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, utpica. As diferenas entre as partes no podem jamais ser completamente erradicadas. A questo saber at onde avanar na direo do objetivo utpico e a que custo. Em outras palavras, quantos dos obstculos ao acesso efetivo justia podem e devem ser atacados? A identificao desses obstculos, consequentemente, a primeira tarefa a ser cumprida.42
As barreiras ao Acesso, segundo Cappelletti, so mais presentes nas
Pequenas Causas e atingem geralmente os autores individuais, especialmente os
pobres, ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes
organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus prprios
interesses.43
Segundo Luiz Guilherme Marinoni para se garantir a participao dos
cidados na sociedade, e desta forma a igualdade, imprescindvel que o exerccio
da ao no seja obstaculizado, at porque ter direitos e no poder tutel-los
certamente o mesmo que no os ter.44 Para esse processualista os principais
problemas dizem respeito ao custo do processo e demora processual.
Os entraves ao pleno Acesso Justia no Brasil podem ser classificados
como de ordem econmica, cultural e social. Relacionamos na sequncia alguns
desses fatores, sem a pretenso de exaurir o tema.
Os empecilhos de ordem econmica dizem respeito ao pagamento de
custas, honorrios advocatcios e s demais despesas processuais. Da a razo de
ser da garantia prestao de assistncia jurdica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficincia de recursos (CF, art. 5, LXXIV).
O valor das taxas judicirias e das custas um grave problema no Brasil,
42 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Porto Alegre: Fabris. 1988. p. 15. 43 Ibidem, p. 28. 44 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil V. 1: Teoria Geral do Processo. 3 ed. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 186.
38
pois muitos Tribunais fixam percentuais elevados sem margens mnima e mxima
compatveis com os custos dos servios. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal
editou a Smula n. 667: Viola a garantia constitucional de acesso jurisdio a taxa
judiciria calculada sem limite sobre o valor da causa.
Em face das disparidades de critrios entre os Estados para definio do
valor das custas judiciais, o Conselho Nacional de Justia (CNJ), rgo voltado
reformulao de quadros e meios no Judicirio, sobretudo no que diz respeito ao
controle e transparncia administrativa e processual, preparou estudo para
elaborao de uma proposta de anteprojeto de lei que ir regular a matria, evitando
os abusos cometidos por muitos Tribunais de Justia.
Consoante notcia publicada no Portal do CNJ, o texto prev percentuais
e valores mximos para a cobrana das custas judiciais, que poder ser feita em
trs momentos processuais: o primeiro, na distribuio; o segundo, no preparo de
apelao, agravo, recurso adesivo, embargos infringentes e nos processos de
competncia originria do tribunal; e, por fim, ao ser proposta a execuo. De
acordo com a proposta, no primeiro e no terceiro momentos de cobrana, o
percentual em cada uma das fases no poder exceder a 2% do valor da causa. J
na segunda fase, de preparao de recurso, no poder exceder a 4%. A soma dos
percentuais no poder ultrapassar a 6% do valor da causa. Caso o projeto de lei
sobre a matria venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional, as leis estaduais
devero passar a observar os critrios e limites fixados na lei nacional.45
Quanto concesso da assistncia judiciria gratuita cabe referir que
muitos juzes esto dificultando ao mximo o deferimento desse benefcio. Alguns
magistrados, de ofcio, exigem uma srie de documentos para comprovar a
impossibilidade de arcar com os nus do processo. Em muitos casos as partes no
tm condies de produzir essas provas e os processos acabam extintos pela
ausncia de pagamentos das custas.
Esse fato foi realado com a aprovao do Enunciado n. 2, pelo Frum
Interinstitucional Previdencirio do Rio Grande do Sul, dispondo que a mera
declarao de impossibilidade de pagamento das despesas processuais sem
prejuzo da subsistncia suficiente para a concesso do benefcio da AJG,
45 Notcia colhida do Portal do CNJ. Disponvel em: . Acesso em: 13 jun. 2013.
39
cabendo parte contrria a impugnao. Pode o juiz, nos casos excepcionais, com
base em razes fundadas, exigir a comprovao.46
A assistncia gratuita a ser prestada a todas as pessoas que dela
necessitam deve incluir orientao e defesa jurdica, divulgao de informaes
sobre direitos e deveres, preveno da violncia e patrocnio de causas perante o
Poder Judicirio, desde o juiz de primeiro grau at as instncias superiores. Essa
atribuio cabe primordialmente s Defensorias Pblicas da Unio e dos Estados,
mas diante do pequeno nmero de defensores pblicos e da ausncia de
defensorias, na grande parte dos municpios brasileiros o servio prestado de
forma precria. No mbito federal, os defensores pblicos esto concentrados nas
Capitais e em poucas cidades do interior.
A dispensa do advogado na propositura das demandas em casos
autorizados em lei, como nos juizados especiais e em aes trabalhistas, representa
uma alternativa diante da falta de defensores pblicos e viabiliza o Acesso Justia
em inmeras situaes, contornando parte do problema.
A regra, criticada pelas entidades de classe da advocacia, foi considerada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, justamente por facilitar o Acesso
Justia em procedimentos simplificados e de baixo valor (AO 1.531-AgR, Plenrio,
Relatora Min. Crmen Lcia, DJe de 1/7/2009). No mesmo sentido em relao
previso de dispensa de advogado nos Juizados Especiais Federais (ADI 3.168,
Plenrio, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJ de 3/8/2007).
As dificuldades de ordem cultural dizem respeito ao baixo nvel de
educao no nosso Pas responsvel pela excluso social de muitos cidados que
no tm acesso informao, que no conhecem seus direitos e a forma de exigi-
los. Problema que pode ser amenizado pela melhoria dos servios de assistncia
judiciria por parte das Defensorias Pblicas, Universidades e OAB. Cabe tambm
s escolas, aos movimentos sociais e comunidade como um todo colaborar nesse
46 O Frum Institucional Previdencirio uma iniciativa do Tribunal Regional Federal da 4 Regio,
que envolve os Estados do Rio Grande do Sul, Paran e Santa Catarina, cuja finalidade ampliar a discusso sobre o aperfeioamento e padronizao das prticas e procedimentos nas demandas previdencirias da Justia Federal, facilitando a interlocuo, fomentando a postura de colaborao e promovendo a democratizao do dilogo entre as partes envolvidas. E com vistas clere e efetiva resoluo dos processos que lhe so afetos, incentivando a permanente necessidade de ampliao das vias de acesso ao Judicirio Federal. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2014.
40
trabalho na medida de suas possibilidades.
Vale lembrar que no Brasil corriqueira a violao de direitos por normas
consideradas inconstitucionais e um nmero considervel de pessoas prejudicadas
sequer toma conhecimento. Por outras vezes, ficam impedidas de postular em juzo
pela fluncia dos prazos de decadncia ou de prescrio. Exemplos desses fatos
esto nos emprstimos compulsrios dos combustveis 47 , nos expurgos
inflacionrios decorrentes dos planos econmicos (Bresser, Vero e Collor) que
geraram perdas para as cadernetas de poupana48 e no FGTS49, e na forma de
clculo dos benefcios previdencirios50.
Pode-se estabelecer como obstculos de ordem social a forma como os
diferentes segmentos buscam a soluo de suas demandas. A populao de baixa
renda, em virtude do desconhecimento das formas de Acesso Justia, procura
resolver conflitos por outros meios, sem a garantia estatal, e quando busca o Poder
Judicirio enfrenta as dificuldades referidas. Por outro lado, as classes mais altas
tm condies de contratar bons advogados, de pagar custas e de ter a chamada
igualdade de armas.
Aos obstculos referidos acrescentam-se outros de grande impacto, quais
sejam: a morosidade; a inadequao de leis e institutos jurdicos; a carncia de
recursos humanos (juzes e servidores); o excesso de demandas; a imagem
negativa do Poder Judicirio; a deficincia de infraestrutura e a inadequao de
rotinas e procedimentos, dentre outros.51
As medidas prticas adotadas pelos pases do Mundo Ocidental para
melhorar o Acesso Justia so enumeradas por Cappelletti e Garth em formas de
ondas:
1 onda: assistncia judiciria para os pobres;
2 onda: representao jurdica para os interesses difusos, especialmente nas reas de proteo ambiental e do consumidor;
47 Nesse sentido: STF, RE 586436 AgR/MG, 2 Turma, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe
18/09/2009. 48 Nesse sentido: STF, AI 722834 RG/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe
30/04/2010. 49 Nesse sentido: STF, RE 226855/RS, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 13/10/2000. 50 Nesse sentido: STF, RE 664317 AgR/PR, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ricardo Lewandowski,
DJe 03/05/2012. 51 Essas mazelas sero analisadas com nfase nos Captulos seguintes desta Tese com o objetivo de
se obter alternativas para o aprimoramento em especial dos JEFs.
41
3 onda: enfoque de acesso justia porque incluiu os posicionamentos anteriores e ainda tenta atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.52
Essas medidas retratadas nas trs ondas so extramente importantes,
mas no suficientes para a superao dos graves obstculos ao Acesso Justia.
Devem ser acrescentadas aes que implicam mudanas legislativas e de ordem
procedimental relacionadas com a organizao judiciria, a disciplina do processo, a
reduo dos recursos processuais, dentre outras. De modo geral, tornando menos
burocrticos os ritos processuais, modernizando a estrutura e especializando os
rgos da justia, em especial de 1 grau.
Dentro desse contexto, mostra-se relevante analisar neste trabalho o
funcionamento dos Juizados Especiais Cveis no Brasil tendo em vista que foram
idealizados com o objetivo de tornar o Processo Judicial mais simples e clere,
ampliando o Acesso Justia, com nfase nas pessoas menos favorecidas
economicamente.
1.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO
Neste tpico so abordados aspectos relacionados com o direito
fundamental ao Processo Justo o qual envolve o devido processo legal em sua
dimenso substancial, como inerente ao Direito de Acesso Justia. Neste conceito
est tambm a necessidade de uma prestao jurisdicional clere, adequada e
efetiva.
1.2.1 Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo
Os mecanismos que viabilizam o ingresso facilitado de aes judiciais no
so suficientes para garantir um Acesso Justia qualificado. O cidado tem direito
tambm a um Processo Justo, que lhe assegure uma adequada e concreta
prestao jurisdicional. Somente um processo efetivo, real, garante a segurana
jurdica e a soluo do litgio entre as partes.
Dada sua relevncia e necessidade de ser observado pelas naes
democrticas que o Direito a um Processo Justo ou Equitativo hoje est presente 52 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 31.
42
em Convenes Internacionais e em diversos ordenamentos jurdicos.53
Francesco Luiso afirma que alm das regras contidas na Constituio
Italina, devemos tomar hoje como regras essenciais de princpios de origem
supranacional: a Conveno Europeia para a Proteo dos Direitos do Homem e
com importncia sempre maior as normas de direito comunitrio. Em primeiro lugar,
a Conveno Europeia para a Proteo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, ratificada pela Itlia, em 1955, contm uma disposio de interesse
especfico para a proteo dos direitos. O art. 6, intitulado como um direito a um
julgamento justo, estipula que toda pessoa tem o direito a uma audincia justa e
pblica dentro de um prazo razovel por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido por lei.54
A garantia do Processo Justo consta do art. 111 da Constituio da Itlia,
o qual faz meno tambm ao devido processo e a sua razovel durao. Mauro
Bove, ao comentar esse dispositivo, assinala que cabe ao Estado cumprir um duplo
dever: preparar o sistema de proteo judicial e regular a mquina processual com
respeito a certas garantias fundamentais.55
Para Jos Manuel Bandrs Snchez-Cluzat, o art. 6.1 da Conveno
Europeia para a Proteo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,
adaptado em Roma, em 4 de novembro de 1950, garante o direito a um julgamento
equitativo como um direito humano, que condensa todas as disposies contidas no
referido preceito. Entre outras garantias processuais especficas, o aludido artigo
reconhece o direito a um julgamento justo e pblico, de
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