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LIMITES DA PSICOTERAPIA FACE A ESPIRITUALIDADE Mauro Martins Amatuzzi – PUC-Campinas 24 de junho de 2007 Se pensarmos na prática terapêutica em consultório psicológico e na prática religiosa ou espiritual no acompanhamento a alguma igreja, por exemplo, fica claro que estamos diante de atividades diferentes. O que uma oferece não supre o que a outra pode oferecer. Mas terapia significa basicamente cuidado; cuidado de si. É claro que isso pode acontecer também fora de um consultório psicológico. Terapia é um encontro consigo próprio e o sujeito desse encontro é em primeiro lugar a pessoa que procura e não o profissional que presta ajuda. Religião é um encontro com o transcendente, com Deus, saindo ou indo além de si próprio. O sujeito aqui é também a pessoa em busca de sentido. Se pensarmos então não no que se passa no consultório psicológico e na comunidade religiosa, mas em experiência terapêutica e em experiência religiosa ou espiritual da pessoa, fica mais fácil entendermos as relações entre ambas. Quando se trata de experiências profundas elas tendem a se aproximar. A terapia pode ser vivida como qualquer conversa que produza um bem estar, mas sem nenhum reconhecimento de questões pessoais. Mais acima pode ser vivida como simples consideração objetiva dos problemas, suas causas ou condições, sem que o sujeito se sinta propriamente implicado nisso. Pode ser vivida, em seguida, num nível mais pessoal quando a pessoa presta atenção aos seus sentimentos e significados, inicialmente fixos, depois construídos e mutantes. Isso a conduz ao nível mais profundo que pode se expressar assim: experiência de viver na autenticidade, sendo. De forma análoga a religiosidade pode ser vivida em níveis diferentes de profundidade. Uma religiosidade que é quase pseudo-religiosidade ocorre quando a pessoa usa de alguma adesão religiosa para se proteger das angústias de encarar as questões radicais da existência. Um pouco acima está justamente o enfrentamento das questões de sentido e sua potencial radicalização na busca de um sentido abrangente e último. A partir daqui pode haver uma experiência do sagrado ou de encontro com uma tradição religiosa que faça sentido pessoal. E, no nível mais profundo, um encontro com o transcendente como algo que só ocorre plenamente no ato da resposta livre ao apelo anteriormente pressentido. Nos níveis mais superficiais essas experiências tendem a se diferenciar fenomenologicamente. Nos níveis mais profundos elas se aproximam e uma clareia a outra. O encontro mais profundo consigo próprio se dá numa experiência de ir além de si: esse é o paradoxo do ser humano. A experiência espiritual pode ser vista entre essas duas. Ela pode ser definida como uma experiência de afastamento do imediato e um olhar destacado que, por sua vez, permite a consideração da vastidão dos horizontes do mundo, por um lado, e por outro, a definição de rumos de vida.