1. ATENO: Essa uma verso informal e sem fins lucrativos do
livro Servio Social: Direitos Sociais e Competncias Profissionais
(CFESS, 2009) esgotado na editora e no comrcio do ramo. Essa
compilao digital foi composta a partir de fragmentos encontrados na
internet. O contedo no foi revisado integralmente, mas parece estar
de acordo com a verso original do livro. Preservou-se a mesma ordem
do livro, porm a numerao das pginas diferente (reinicia em cada
captulo). Essa verso no substitui a verso fsica.
2. O Servio Social na cena contempornea Marilda Villela
Iamamoto Professora titular da Faculdade de Servio Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
3. 1 Esse pas no meu. Nem vosso ainda, poeta. Mas ele ser um
dia O pas de todo homem. C. D. Andrade. Amrica. O Servio Social na
cena contempornea Este texto, de carter introdutrio ao curso de
especializao Servio Social: Direitos Sociais e Competncias
Profissionais, prope apresentar uma viso panormica do Servio Social
na atualidade, considerando esta temtica central. Ele se compe de
quatro partes: a introduo analisa, sob um vis crtico, as
competncias profissionais, resguardadas pela legislao, no mbito do
projeto do Servio Social brasileiro contemporneo, comprometido com
a defesa dos direitos; a segunda parte apresenta a anlise do Servio
Social no mbito das relaes entre as classes socais e destas com o
Estado e o significado social da profisso no processo de reproduo
das relaes sociais; a terceira parte trata das relaes entre
trabalho, questo social e Servio Social na era das finanas; a
quarta parte aborda os direitos e competncias profissionais no
marco das tensas relaes entre os princpios norteadores do projeto
profissional e a condio de trabalhador assalariado do assistente
social; finalmente, situa alguns desafios histricos que se
apresentam aos assistentes sociais na cena contempornea. O ponto de
partida da anlise o de que a luta pela afirmao dos direitos hoje
tambm uma luta contra o capital, parte de um processo de acumulao
de foras para uma forma de desenvolvimento social, que possa vir a
contemplar o desenvolvimento de cada um e de todos os indivduos
sociais. Esses so, tambm, dilemas do Servio Social.
4. 2 Introduo Este curso, ao eleger direitos sociais e
competncias profissionais como eixos do debate sobre o Servio
Social na cena contempornea, responde tanto a reais demandas da
categoria profissional em seu labor cotidiano quanto cobre uma
importante lacuna na literatura especializada recente sobre a
temtica das competncias profissionais numa perspectiva
histrico-crtica. As competncias aqui referidas no se confundem com
o discurso da competncia (CHAU, 1989), institucionalmente permitido
e autorizado pelas instncias burocrticas dos organismos
empregadores. Nessa estratgia de ocultamento e dissimulao do real,
o poder aparece como se emanasse de uma racionalidade prpria do
mundo da burocracia, acoplado a um discurso neutro da
cientificidade. So as exigncias burocrticas e administrativas que
tm de ser cumpridas, obedecendo a formas de ao pr-traadas, que
devem ser apenas executadas com eficcia. A competncia a
personificada no discurso do administrador burocrata, da autoridade
fundada na hierarquia que dilui o poder sob a aparncia de que no
exercido por ningum. No , pois, dessa competncia que se trata, mas
do seu reverso: a competncia crtica capaz de desvendar os
fundamentos conservantistas e tecnocrticos do discurso da
competncia burocrtica. O discurso competente crtico quando vai raiz
e desvenda a trama submersa dos conhecimentos que explica as
estratgias de ao. Essa crtica no apenas mera recusa ou mera denncia
do institudo, do dado. Supe um dilogo ntimo com as fontes
inspiradoras do conhecimento e com os pontos de vista das classes
por meio dos quais so construdos os discursos: suas bases
histricas, a maneira de pensar e interpretar a vida social das
classes (ou segmentos de classe) que apresentam esse discurso como
dotado de universalidade, identificando novas lacunas e omisses.
Assim, a competncia
5. 3 crtica supe: a) um dilogo crtico com a herana intelectual
incorporada pelo Servio Social e nas autorrepresentaes do
profissional, cuja porta de entrada para a profisso passa pela
histria da sociedade e pela histria do pensamento social na
modernidade, construindo um dilogo frtil e rigoroso entre teoria e
histria; b) um redimensionamento dos critrios da objetividade do
conhecimento, para alm daqueles promulgados pela racionalidade da
burocracia e da organizao, que privilegia sua conformidade com o
movimento da histria e da cultura. A teoria afirma-se como
expresso, no campo do pensamento, da processualidade do ser social,
apreendido nas suas mtuas relaes e determinaes, isto , como
concreto pensado (MARX, 1974). Esse conhecimento se constri no
contraponto permanente com a produo intelectual herdada,
incorporando-a criticamente e ultrapassando o conhecimento
acumulado. Exige um profissional culturalmente versado e
politicamente atento ao tempo histrico; atento para decifrar o
no-dito, os dilemas implcitos no ordenamento epidrmico do discurso
autorizado pelo poder; c) uma competncia estratgica e tcnica (ou
tcnico-poltica) que no reifica o saber fazer, subordinando-o direo
do fazer. Os rumos e estratgias de ao so estabelecidos a partir da
elucidao das tendncias presentes no movimento da prpria realidade,
decifrando suas manifestaes particulares no campo sobre o qual
incide a ao profissional. Uma vez decifradas, essas tendncias podem
ser acionadas pela vontade poltica dos sujeitos, de modo a extrair
estratgias de ao reconciliadas com a realidade objetiva, de maneira
a preservar sua viabilidade, reduzindo assim a distncia entre o
desejvel e o possvel. Essa perspectiva recusa tanto o messianismo
utpico que privilegia as intenes do sujeito profissional individual
em detrimento da anlise histrica do movimento do real, numa viso
herica e ingnua das possibilidades revolucionrias do exerccio
profissional quanto o fatalismo, inspirado em anlises que
naturalizam a vida social e traduzido numa viso perversa da
profisso. Como a ordem do capital tida como natural e perene,
apesar das desigualdades evidentes, o assistente social
encontrar-se-ia atrelado s malhas de um poder tido como monoltico
nada lhe restando a fazer. No mximo, caberia a ele aperfeioar
formal e burocraticamente as tarefas que so atribudas aos quadros
profissionais pelos demandantes da profisso (IAMAMOTO, 1992).
6. 4 O Servio Social brasileiro contemporneo apresenta uma feio
acadmico- profissional e social renovada, voltada defesa do
trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso a terra para a produo
de meios de vida, ao compromisso com a afirmao da democracia, da
liberdade, da igualdade e da justia social no terreno da histria.
Nessa direo social, a luta pela afirmao dos direitos de cidadania,
que reconhea as efetivas necessidades e interesses dos sujeitos
sociais, hoje fundamental como parte do processo de acumulao de
foras em direo a uma forma de desenvolvimento social inclusiva para
todos os indivduos sociais. Esse processo de renovao crtica do
Servio Social fruto e expresso de um amplo movimento de lutas pela
democratizao da sociedade e do Estado no pas, com forte presena das
lutas operrias, que impulsionaram a crise da ditadura militar: a
ditadura do grande capital (IANNI, 1981). Foi no contexto de
ascenso dos movimentos polticos das classes sociais, das lutas em
torno da elaborao e aprovao da Carta Constitucional de 1988 e da
defesa do Estado de Direito, que a categoria de assistentes sociais
foi sendo socialmente questionada pela prtica poltica de diferentes
segmentos da sociedade civil. E no ficou a reboque desses
acontecimentos, impulsionando um processo de ruptura com o
tradicionalismo profissional e seu iderio conservador. Tal processo
condiciona, fundamentalmente, o horizonte de preocupaes emergentes
no mbito do Servio Social, exigindo novas respostas profissionais,
o que derivou em significativas alteraes nos campos do ensino, da
pesquisa, da regulamentao da profisso e da organizao poltico-
corporativa dos assistentes sociais. Nesse lapso de tempo, o Servio
Social brasileiro construiu um projeto profissional radicalmente
inovador e crtico, com fundamentos histricos e terico-metodolgicos
hauridos na tradio marxista, apoiado em valores e princpios ticos
radicalmente humanistas e nas particularidades da formao histrica
do pas. Ele adquire materialidade
7. 5 no conjunto das regulamentaes profissionais: o Cdigo de
tica do Assistente Social (1993), a Lei da Regulamentao da Profisso
(1993) e as Diretrizes Curriculares norteadoras da formao acadmica
(ABESS/CEDEPSS,1996, 1997a, 1997b; MEC- SESU/CONESS/Comisso de
Especialistas de Ensino em Servio Social,1999; MEC-SESU, 2001).
Os(as) assistentes sociais atuam nas manifestaes mais contundentes
da questo social, tal como se expressam na vida dos indivduos
sociais de distintos segmentos das classes subalternas em suas
relao com o bloco do poder e nas iniciativas coletivas pela
conquista, efetivao e ampliao dos direitos de cidadania e nas
correspondentes polticas pblicas. Os espaos ocupacionais do
assistente social tm lugar no Estado nas esferas do poder
executivo, legislativo e judicirio , em empresas privadas
capitalistas, em organizaes da sociedade civil sem fins lucrativos
e na assessoria a organizaes e movimentos sociais. Esses distintos
espaos so dotados de racionalidades e funes distintas na diviso
social e tcnica do trabalho, porquanto implicam relaes sociais de
natureza particular, capitaneadas por diferentes sujeitos sociais,
que figuram como empregadores (o empresariado, o Estado, associaes
da sociedade civil e, especificamente, os trabalhadores). Elas
condicionam o carter do trabalho realizado (voltado ou no
lucratividade do capital), suas possibilidades e limites, assim
como o significado social e efeitos na sociedade. Ora, as
incidncias do trabalho profissional na sociedade no dependem apenas
da atuao isolada do assistente social, mas do conjunto das relaes e
condies sociais por meio das quais ele se realiza. Nesses espaos
profissionais os(as) assistentes sociais atuam na sua formulao,
planejamento e execuo de polticas pblicas, nas reas de educao,
sade, previdncia,
8. 6 assistncia social, habitao, meio ambiente, entre outras,
movidos pela perspectiva de defesa e ampliao dos direitos da
populao. Sua atuao ocorre ainda na esfera privada, principalmente
no mbito do repasse de servios, benefcios e na organizao de
atividades vinculadas produo, circulao e consumo de bens e servios.
Mas eles(as) tambm marcam presena em processos de organizao e
formao poltica de segmentos diferenciados de trabalhadores (CFESS,
15/05/2008). Nesses espaos ocupacionais esses profissionais
realizam assessorias, consultorias e superviso tcnica; contribuem
na formulao, gesto e avaliao de polticas, programas e projetos
sociais; atuam na instruo de processos sociais, sentenas e decises,
especialmente no campo sociojurdico; realizam estudos
socioeconmicos e orientao social a indivduos, grupos e famlias,
predominantemente das classes subalternas; impulsionam a mobilizao
social desses segmentos e realizam prticas educativas; formulam e
desenvolvem projetos de pesquisa e de atuao tcnica, alm de exercem
funes de magistrio, direo e superviso acadmica. Os assistentes
sociais realizam assim uma ao de cunho socioeducativo na prestao de
servios sociais, viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de
exerc-los, contribuindo para que necessidades e interesses dos
sujeitos sociais adquiram visibilidade na cena pblica e possam ser
reconhecidos, estimulando a organizao dos diferentes segmentos dos
trabalhadores na defesa e ampliao dos seus direitos, especialmente
os direitos sociais. Afirma o compromisso com os direitos e
interesses dos usurios, na defesa da qualidade dos servios
sociais.
9. 7 A Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que regulamenta a
profisso, estabelece respectivamente nos seus artigos 4o e 5o as
competncias1 e atribuies2 privativas do assistente social. As
competncias expressam capacidade para apreciar ou dar
resolutividade a determinado assunto, no sendo exclusivas de uma
nica especialidade profissional, pois so a ela concernentes em funo
da capacitao dos sujeitos 1 Art. 4. Constituem competncia do
Assistente Social: I elaborar, implementar, executar e avaliar
polticas sociais junto a rgos da administrao direta ou indireta,
empresas, entidades e organizaes populares; II elaborar, coordenar,
executar e avaliar planos, programas, e projetos que sejam do mbito
de atuao do Servio Social com participao da sociedade civil; III
encaminhar providncias e prestar orientao social a indivduos,
grupos e populao; IV - (Vetado); V orientar indivduos e grupos de
diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e
de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa dos direitos; VI
planejar, organizar e administrar benefcios e Servio Sociais; VII
planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a
anlise da realidade social e para subsidiar aes profissionais; VII
prestar assessoria e consultoria a rgos da administrao pblica
direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relao
s matrias relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar
assessoria e apoio aos movimentos sociais em matria relacionada s
polticas sociais, no exerccio e na defesa dos direitos civis,
polticos e sociais da coletividade; X planejamento, organizao e
administrao de Servios Sociais e de Unidade de Servio Social; XI
realizar estudos scio-econmicos com os usurios para fins de
benefcios e servios sociais junto a rgos da administrao pblica
direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. (CRESS-PR,
2007, p.7) 2 Art. 5. Constituem atribuies privativas do Assistente
Social: I coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar
estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na rea de Servio
Social; II planejar, organizar e administrar programas e projetos
em Unidade de Servio Social; III assessoria e consultoria a rgos da
administrao pblica direta e indireta, empresas privadas e outras
entidades, em matria de Servio Social; IV - realizar vistorias,
percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres sobre
matria de Servio Social; V. assumir no magistrio de Servio Social
tanto ao nvel de graduao como ps-graduao, disciplinas e funes que
exijam conhecimentos prprios e adquiridos em curso de formao
regular; VI treinamento, avaliao e superviso direta de estagirios
de Servio Social; VII dirigir e coordenar Unidades de Ensino e
Cursos de Servio Social de graduao e ps-graduao; VIII - dirigir e
coordenar associaes, ncleos, centros de estudos e de pesquisa em
Servio Social; IX elaborar provas, presidir e compor bancas de
exames e comisses julgadoras de concursos ou outras formas de seleo
para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos
inerentes ao Servio Social; X coordenar seminrios, encontros,
congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Servio Social;
XI fiscalizar o exerccio profissional atravs dos Conselhos Federal
e Regionais; XII dirigir servios tcnicos de Servio Social em
entidades pblicas ou privadas; XIII ocupar cargos ou funes de direo
e fiscalizao da gesto financeira em rgos e entidades
representativas da categoria profissional. (CRESS-PR, 2007, p.8)
Grifos do autor.
10. 8 profissionais3. As atribuies so prerrogativas exclusivas
ao serem definidas enquanto matria, rea e unidade de Servio
Social4. Esse esclarecimento conduz elucidao da concepo mesma de
profisso de Servio Social, uma vez que a autoqualificao da profisso
uma prerrogativa de seus agentes especializados e seus organismos
representativos (IAMAMOTO, 2002). Todavia, este curso trata das
competncias profissionais no seu conjunto, englobando competncias e
atribuies. Ao longo dos trs ltimos decnios, o debate no Servio
Social foi polarizado por um duplo e contraditrio movimento: o mais
representativo foi o processo de ruptura terica e poltica com o
lastro conservador de suas origens privilegiado neste texto cujo
marco inicial foi o movimento de reconceituao5 do Servio Social
latino-americano, em meados 3 TERRA, S. H. Parecer Jurdico n.
27/98. Assunto: Anlise das competncias do Assistente Social em
relao aos parmetros normativos previstos pelo art. 5 da Lei
8662/93, que estabelece as atribuies privativas do mesmo
profissional. So Paulo, 13/09/2001, 12 pp. O referido Parecer
Jurdico apresenta uma criteriosa anlise dos incisos do Art. 4, no
qual constam repeties das funes privativas contempladas no art. 5
da mesma lei, identificando visveis dubiedades e contradies no art.
4, o que revela uma imperfeio do texto legal Assim, por exemplo, os
incisos II, III e VIII e XI do Art. 4, que tratam das
competncias(genricas), so, de fato, atribuies privativas do
assistente social, porque apresentam competncias que tambm esto
previstas no art. 5 na referida Lei concernente s atribuies
privativas. 4 No sentido etimolgico, segundo o Dicionrio Caldas
Aulete (1958), a matria diz respeito substncia ou objeto ou assunto
sobre o que particularmente se exerce a fora de um agente. A rea
refere-se ao campo delimitado ou mbito de atuao do assistente
social e a unidade do Servio Social no se reduz a uma viso
administrativa enquanto rgo de uma entidade, definido em seu
organograma, tal como se identifica no senso comum. Pode ser ainda
compreendida como a ao simultnea de vrios agentes que tendem ao
mesmo fim ou agrupamento de seres individuais, considerados pelas
relaes mtuas, que existem entre si, pelos seus caracteres comuns,
suas mtuas dependncia. Em sntese, a unidade de Servio Social pode
ser interpretada como o conjunto de profissionais de uma unidade de
trabalho. 5 O movimento de reconceituao do Servio Social na Amrica
Latina teve lugar no perodo de 1965 a 1975, impulsionado pela
intensificao das lutas sociais que se refratavam na Universidade,
nas Cincias Sociais, na Igreja, nos movimentos estudantis, dentre
outras expresses. Ele expressa um amplo questionamento da profisso
(suas finalidades, fundamentos, compromissos ticos e polticos,
procedimentos operativos e formao profissional), dotado de vrias
vertentes e com ntidas particularidades nacionais. Mas sua unidade
assentava-se na busca de construo de um Servio Social
latino-americano: na recusa da importao de teorias e mtodos alheios
nossa histria, na afirmao do compromisso com as lutas dos oprimidos
pela transformao social e no propsito de atribuir um carter
cientfico s atividades profissionais. Denunciava-se a pretensa
neutralidade poltico-ideolgica, a restrio dos efeitos de suas
atividades aprisionadas em micro espaos sociais e a debilidade
terica no universo profissional. Os assistentes sociais assumem o
desafio de contribuir na organizao, capacitao e conscientizao dos
diversos segmentos
11. 9 dos anos de 1960, movimento esse superado no processo de
amadurecimento intelectual e poltico do Servio Social brasileiro;
em sinal contrrio, verificou-se o revigoramento de uma reao (neo)
conservadora aberta e/ou disfarada em aparncias que a dissimulam,
como j indicou Netto (1996), apoiada nos lastro da produo
ps-moderna e sua negao da sociedade de classes. Ela hoje atinge
profundamente as polticas pblicas, estruturadas segundo as
recomendaes dos organismos internacionais consoantes os preceitos
neoliberais. Verifica-se a tendncia de fragmentar os usurios dessas
polticas segundo caractersticas de gerao jovens, idosos, crianas e
adolescentes , de gnero e tnico- culturais mulheres, negros e ndios
, abordados de forma transclassista e em sua distribuio
territorial, o que ocorre em detrimento de sua condio comum de
classe. Essas dimenses multiculturais e multitnicas fundam
efetivamente as assimetrias nas relaes sociais, que potencializam
as desigualdades de classes, necessitando ser consideradas como
componentes da poltica da transformao das classes trabalhadoras em
sujeitos coletivos. Mas, a fragmentao dos sujeitos, descoladas de
sua base social comum, pode ser incorporada no mbito do Servio
Social de forma acrtica em decorrncia direta das classificaes
efetuadas pelas polticas pblicas. nesse contexto que a famlia passa
a ocupar lugar central na poltica social governamental, tida como
clula bsica da sociedade, mediando a velha relao entre homem e
meio, tpica das formulaes profissionais ultraconservadoras. Uma
outra leitura desses processos pode ser encontrada ao longo das
disciplinas deste curso. trabalhadores e marginalizados na regio.
De base terica e metodolgica ecltica, o movimento de reconceituao
foi inicialmente polarizado pelas teorias desenvolvimentistas. Em
seus desdobramentos, especialmente a partir de 1971, este movimento
representou as primeiras aproximaes do Servio Social tradio
marxista, haurida em manuais de divulgao do marxismo-leninismo, na
vulgata sovitica, em textos maostas, no estruturalismo francs de
Althusser, alm de outras influncias de menor porte. Registra-se,
entretanto, a ausncia de uma aproximao rigorosa aos textos de Marx.
Esse perodo coincide com a ditadura militar no Brasil, fazendo com
que o debate aqui assumisse outras tonalidades e recebesse
distintas influncias, especialmente do vetor modernizador e
tecnocrtico, combinado com extratos da filosofia
aristotlico-tomista no mbito dos valores e princpios ticos.
Verifica-se, no Brasil, nesse perodo, um plo de resistncia a esta
vertente modernizadora, liderado pela Escola de Servio Social da
Universidade Catlica de Minas Gerais (ESS/UCMG), integrado aos
rumos do movimento de reconceituao latino-americano, tal como se
expressou nos pases de lngua espanhola. Ver Iamamoto (1998,
p.201-250)
12. 10 1 O Servio Social e (re)produo das relaes sociais Desde
a dcada de 1980, afirma-se (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982) que o Servio
Social uma especializao do trabalho da sociedade, inscrita na
diviso social e tcnica do trabalho social, o que supe afirmar o
primado do trabalho na constituio dos indivduos sociais. Ao
indagar-se sobre significado social do Servio Social no processo de
produo e reproduo das relaes sociais, tem-se um ponto de partida e
um norte. Este no a prioridade do mercado, to cara aos liberais.
Para eles, a esfera privilegiada na compreenso da vida social a
esfera da distribuio da riqueza, visto que as leis histricas que
regem a sua produo so tidas como assemelhadas quelas da natureza,
de difcil alterao por parte da ao humana. A reproduo das relaes
sociais na sociedade capitalista na teoria social crtica entendida
como reproduo desta sociedade em seu movimento e em suas
contradies: a reproduo de um modo de vida e de trabalho que envolve
o cotidiano da vida social. O processo de reproduo das relaes
sociais no se reduz, pois, reproduo da fora viva de trabalho e dos
meios materiais de produo, ainda que os abarque. Ele refere-se
reproduo das foras produtivas sociais do trabalho e das relaes de
produo na sua globalidade, envolvendo sujeitos e suas lutas
sociais, as relaes de poder e os antagonismos de classes. Envolve a
reproduo da vida material e da vida espiritual, isto , das formas
de conscincia social jurdicas, religiosas, artsticas, filosficas e
cientficas por meio das quais os homens tomam conscincia das
mudanas ocorridas nas condies materiais de produo de vida material,
pensam e se posicionam na sociedade. Esse modo de vida implica
contradies bsicas: por um lado, a igualdade jurdica dos cidados
livres inseparvel da desigualdade econmica derivada do carter cada
vez mais social da produo, contraposta apropriao privada do
trabalho alheio. Por outro lado, ao
13. 11 crescimento do capital corresponde a crescente
pauperizao relativa do trabalhador. Essa a lei geral da produo
capitalista, que se encontra na gnese da questo social nessa
sociedade. Assim, o processo de reproduo das relaes sociais no mera
repetio ou reposio do institudo. , tambm, criao de novas
necessidades, de novas foras produtivas sociais do trabalho em cujo
processo aprofundam-se desigualdades e so criadas novas relaes
sociais entre os homens na luta pelo poder e pela hegemonia entre
as diferentes classes e grupos na sociedade. Essa uma noo aberta ao
vir-a-ser histrico, criao do novo, que captura o movimento e a
tenso das relaes sociais entre as classes e sujeitos que as
constituem, as formas mistificadas que as revestem, assim como as
possibilidades de ruptura com a alienao por meio da ao criadora dos
homens na construo da histria. Esse rumo da anlise recusa vises
unilaterais que apreendem dimenses isoladas da realidade, sejam
elas de cunho economicista, politicista ou culturalista.
Reafirma-se, pois, a dimenso contraditria das demandas e requisies
sociais que se apresentam profisso, expresso das foras sociais que
nelas incidem: tanto o movimento do capital quanto os direitos,
valores e princpios que fazem parte das conquistas e do iderio dos
trabalhadores. So essas foras contraditrias, inscritas na prpria
dinmica dos processos sociais, que criam as bases reais para a
renovao do estatuto da profisso conjugadas intencionalidade dos
seus agentes. O projeto profissional beneficia-se tanto da
socializao da poltica conquistada pelas classes trabalhadoras
quanto dos avanos de ordem terico-metodolgica, tica e poltica
acumulados no universo do Servio Social a partir dos anos de 1980.
O significado scio-histrico e ideopoltico do Servio Social
inscreve-se no conjunto das prticas sociais acionado pelas classes
e mediadas pelo Estado em face das sequelas da questo social.
Segundo essa proposta, a particularidade do Servio Social no mbito
da diviso social e tcnica do trabalho coletivo se encontra
14. 12 organicamente vinculada s configuraes estruturais e
conjunturais da questo social e s formas histricas de seu
enfrentamento, que so permeadas pela ao dos trabalhadores, do
capital e do Estado (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154). Assim as condies
que circunscrevem o trabalho do assistente social expressam a
dinmica das relaes sociais vigentes na sociedade. O exerccio
profissional necessariamente polarizado pela trama de suas relaes e
interesses sociais. Participa tanto dos mecanismos de explorao e
dominao, quanto, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta
s necessidades de sobrevivncia das classes trabalhadoras e da
reproduo do antagonismo dos interesses sociais. Isso significa que
o exerccio profissional participa de um processo que tanto permite
a continuidade da sociedade de classes quanto cria as
possibilidades de sua transformao. Como a sociedade atravessada por
projetos sociais distintos projeto de classes para a sociedade
tem-se um terreno scio-histrico aberto construo de projetos
profissionais tambm diversos, indissociveis dos projetos mais
amplos para a sociedade. essa presena de foras sociais e polticas
reais e no mera iluso que permite categoria profissional
estabelecer estratgias poltico-profissionais no sentido de reforar
interesses das classes subalternas, alvo prioritrio das aes
profissionais. O exerccio da profisso exige um sujeito profissional
que tenha competncia para propor, para negociar com a instituio os
seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas
qualificaes e atribuies profissionais. Requer ir alm das rotinas
institucionais para buscar apreender, no movimento da realidade, as
tendncias e possibilidades, ali presentes, passveis de serem
apropriadas pelo profissional, desenvolvidas e transformadas em
projetos de trabalho.
15. 13 Na perspectiva assinalada, a anlise das experincias
profissionais requer muito mais que o seu relato e a elaborao de
manuais prescritos voltados ao como fazer. Exige uma anlise crtica
e teoricamente fundamentada do trabalho realizado na trama de
interesses sociais que o polarizam; da construo de estratgias
coletivas, articuladas s foras sociais progressistas, que permitam
potencializar caminhos que reforcem os direitos nos diversos espaos
ocupacionais em que atuamos: na sade, na previdncia e assistncia
social nas diversas instncias do poder executivo; no poder
judicirio, nas organizaes empresariais etc. Assim, a perspectiva
que move a ao no a mera reiterao do institudo, mas o impulso ao
protagonismo poltico dos sujeitos na articulao e defesa de suas
necessidades e interesses coletivos na cena pblica. O Servio Social
assim reconhecido como uma especializao do trabalho, parte das
relaes sociais que fundam a sociedade do capital. Estas so, tambm,
geradoras da questo social em suas dimenses objetivas e subjetivas,
isto , em seus determinantes estruturais e no nvel da ao dos
sujeitos. As desigualdades e lutas sociais contra as mesmas se
refratam na produo social, na distribuio desigual dos meios de vida
e de trabalho, nas objetivaes polticas e culturais dos sujeitos
sociais. Reafirma-se a questo social como base de fundao
scio-histrica da profisso, salientando as respostas do Estado, do
empresariado e as aes das classes trabalhadoras no processo de
constituio, afirmao e ampliao dos direitos sociais. Este ngulo de
anlise exige decifrar as multifacetadas refraes da questo social no
cotidiano da vida social, abrangendo suas manifestaes universais,
particulares e singulares, a objetividade e a subjetividade, os
momentos econmicos, sociais, ticos, polticos e ideoculturais, que
so a matria do trabalho do assistente social (ABESS/CEDEPSS,
1997).
16. 14 2 Trabalho, questo social e Servio Social na era das
finanas Transformaes histricas de monta alteraram a face do
capitalismo e de nossas sociedades na Amrica Latina nas ltimas trs
dcadas. Em resposta a uma onda longa de crise (MANDEL, 1985), o
capitalismo avanou em sua vocao de internacionalizar a produo e os
mercados, aprofundando o desenvolvimento desigual e combinado entre
as naes e no seu interior entre classes e grupos sociais no mago
das relaes dialticas entre imperialismo e dependncia6. Os pases
centrais passam a preconizar, por intermdio dos organismos
multilaterais, ajustes estruturais por parte dos Estados nacionais:
ajustes esses que do livre curso ao capital especulativo financeiro
destitudo de regulamentaes, voltado lucratividade dos grandes
conglomerados multinacionais, o que exige um Estado forte ao
contrrio do que propalado pelo discurso neoliberal para traduzir
essas demandas em polticas nacionais e resistir oposio e protestos
de muitos (PETRAS, 2002). A mundializao do capital tem profundas
repercusses na rbita das polticas pblicas, em suas conhecidas
diretrizes de focalizao, descentralizao, desfinanciamento e
regresso do legado dos direitos do trabalho. Ela tambm redimensiona
as requisies dirigidas aos assistentes sociais, as bases materiais
e organizacionais de suas atividades, e as condies e relaes de
trabalho por meio das quais se realiza o consumo dessa fora de
trabalho especializada. Ela afeta radicalmente as condies de vida,
de trabalho, assim como as expresses polticas e culturais dos
distintos segmentos de trabalhadores aos quais se dirige a
atividade profissional, em decorrncia da radicalizao das
desigualdades em um contexto de retrao das lutas sociais ante os
dilemas do desemprego, da desregulamentao das relaes de trabalho e
da (re)concentrao da propriedade 6 Os conceitos imperialismo e
dependncia[...] so conceitos pares, gmeos, reciprocamente
necessrios e determinados. Um produz o outro; e os dois se produzem
e reproduzem um no outro. Eles correspondem a dois plos
complementares, interdependentes, diversos, antagnicos e dialticos
do sistema capitalista considerado como um todo. (IANNI, 1971,
p.180)
17. 15 fundiria aberta ao grande capital internacional.
Verifica-se uma ampla investida ideolgica por parte do capital e do
Estado voltada cooptao dos trabalhadores, agora travestidos em
parceiros solidrios aos projetos do grande capital e do Estado.
Essa investida acentuada pela assistencializao da pobreza contra o
direito ao trabalho, transversal s polticas e programas sociais
focalizados, dirigidos aos segmentos mais pauperizados dos
trabalhadores, com marcantes incidncias na capacidade de mobilizao
e organizao em defesa dos direitos. Como as competncias
profissionais expressam a historicidade da profisso, elas tambm se
preservam, se transformam, redimensionando-se ao se alterarem as
condies histricas de sua efetivao. Esse cenrio avesso aos direitos
nos interpela. Atesta, contraditoriamente, a urgncia de seu debate
e de lutas em sua defesa, em uma poca que descaracterizou a
cidadania ao associ-la ao consumo, ao mundo do dinheiro e posse das
mercadorias. Mas, ao mesmo tempo, essa sociedade apresenta um
terreno minado de resistncias e lutas travadas no dia-a-dia de uma
conjuntura adversa para os trabalhadores, as quais carecem de maior
organicidade para terem fora na cena pblica. Poderiam ser citadas,
entre muitas outras: as lutas dos trabalhadores sem terra pela
reforma agrria; dos trabalhadores sem teto nas cidades; dos
assalariados rurais e urbanos; o movimento das naes indgenas pela
preservao de seu patrimnio material e cultural; dos quilombolas em
defesa de suas terras e de sua identidade, das mulheres do campo e
da cidade pelo reconhecimento de seus direitos; dos velhos
trabalhadores, hoje aposentados; dos afrodescendentes, pela
preservao de suas razes e direitos; e as expresses culturais de
contestao da juventude trabalhadora da periferia das grandes
cidades. Essa multiplicidade de sujeitos e de formas de luta tem
uma trama comum, oculta na diversidade de suas expresses: a trama
dos destitudos de todas as formas de propriedade
18. 16 afora a sua fora de trabalho o conjunto dos membros das
classes trabalhadores forjados na sociabilidade sob o comando do
capital. A sua sobrevivncia depende da produo direta dos meios de
vida ou da oferta de emprego pelo capital cada dia mais restrito e
carente dos correspondentes direitos para obteno do equivalente
necessrio sua sobrevivncia e preservao de patrimnio cultural. A
questo social indissocivel da sociabilidade capitalista e envolve
uma arena de lutas polticas e culturais contra as desigualdades
socialmente produzidas. Suas expresses condensam mltiplas
desigualdades mediadas por disparidades nas relaes de gnero,
caractersticas tnico-raciais, relaes com o meio ambiente e formaes
regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil
no acesso aos bens da civilizao. Dispondo de uma dimenso estrutural
enraizada na produo social contraposta a apropriao privada do
trabalho, a questo social atinge visceralmente a vida dos sujeitos
numa luta aberta e surda pela cidadania. (IANNI, 1992), no embate
pelo respeito aos direitos civis, polticos e sociais. Esse processo
denso de conformismos e rebeldias, expressando conscincia e luta
que acumulem foras para o reconhecimento das necessidades de cada
um e de todos os indivduos sociais. na tenso entre produo da
desigualdade, da rebeldia e do conformismo que trabalham os
assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses
sociais distintos, os quais no possvel abstrair ou deles fugir ,
pois tecem a trama da vida em sociedade. Foram as lutas sociais que
romperam o domnio privado nas relaes entre capital e trabalho,
extrapolando a questo social para a esfera pblica, exigindo a
interferncia do Estado no reconhecimento e a legalizao de direitos
e deveres dos sujeitos sociais envolvidos, consubstanciados nas
polticas e servios sociais, mediaes fundamentais para o trabalho do
assistente social.
19. 17 Pensar a questo social nas particularidades brasileiras
supe reconhecer que a transio do capitalismo competitivo ao
monopolista no Brasil no foi presidida por uma burguesia com forte
orientao democrtica e nacionalista voltada construo de um
desenvolvimento capitalista interno autnomo. Ao contrrio, essa
transio foi marcada por uma forma de dominao burguesa, que
Fernandes qualifica de democracia restrita da democracia dos
oligarcas democracia do grande capital, com clara dissociao entre
desenvolvimento capitalista e regime poltico democrtico (FERNANDES,
1975). Foi decisivo o papel do Estado nos caminhos trilhados pela
modernizao pelo alto, em que as classes dominantes se antecipam s
presses populares, realizando mudanas para preservar a ordem.
Evitou-se qualquer ruptura radical com o passado, conservando traos
essenciais das relaes sociais e a dependncia ampliada do capital
internacional, que assume novas caractersticas na Amrica Latina. Os
traos elitistas e antipopulares da transformao poltica e da
modernizao econmica no pas se expressam na conciliao entre as fraes
das classes dominantes com a excluso das foras populares, no
recurso freqente aos aparelhos repressivos e interveno econmica do
Estado a favor dos interesses dominantes (COUTINHO, 2000). Elas
hoje se atualizam na criminalizao da questo social e das lutas dos
trabalhadores (IANNI, 1992), na assistencializao das polticas
sociais e no reforo do Estado Penal (WACQUANT, 2001). Qual o
sentido da questo social hoje? O que se encontra na base de sua
radicalizao? Como lembra Husson (1999, p. 99), o processo de
financeirizao indica um modo de estruturao da economia mundial. Ele
no se reduz mera preferncia do capital por aplicaes financeiras
especulativas em detrimento de aplicaes produtivas. O fetichismo
dos mercados apresenta as finanas como potncias autnomas ante as
sociedades nacionais, esconde o funcionamento e a dominao operada
pelo capital transnacional e
20. 18 pelos investidores financeiros, que contam com o efetivo
respaldo dos Estados nacionais e das grandes potncias
internacionais. A esfera estrita das finanas, por si mesma, nada
cria. Nutre-se da riqueza criada pelo investimento capitalista
produtivo e pela mobilizao da fora de trabalho no seu mbito. Nessa
esfera, o capital aparece como se fosse capaz de criar ovos de
ouro, isto , como se o capital-dinheiro tivesse o poder de gerar
dinheiro no circuito fechado das finanas, independente da reteno
que faz dos lucros e dos salrios criados na produo. O fetichismo
das finanas s operante se existe produo de riquezas, ainda que as
finanas minem seus alicerces ao absorverem parte substancial do
valor produzido. O capital dinheiro aparece como coisa autocriadora
de juro, dinheiro que gera dinheiro (D D), obscurecendo as
cicatrizes de sua origem. O dinheiro tem agora amor no corpo, como
cita o Fausto, de Goethe (MARX, 1985, p. 295, t. III, v. IV). A
essa forma mais coisificada do capital, Marx denomina de capital
fetiche. O juro aparece como se brotasse da mera propriedade do
capital, independente da produo e da apropriao do trabalho no pago.
A forma de emprstimo peculiar circulao do capital como mercadoria e
marca a diferena especfica do capital portador de juro. Sendo o
juro parte da mais-valia, a mera diviso desta em lucro e juro no
pode alterar sua natureza, sua origem e suas condies de existncia.
A forma do capital portador de juros faz com que cada rendimento
monetrio regular aparea como juro de um capital, quer provenha ou
no de um capital. No caso da dvida pblica, o Estado tem que pagar
aos credores o juro referente ao capital emprestado. O credor
possui o ttulo de dvida contra o Estado, que lhe d direitos sobre
as receitas anuais do Estado, produto anual dos impostos. Apesar
dos ttulos da dvida pblica serem objeto de compra e venda, tem-se
um capital ilusrio e fictcio, j que a soma emprestada ao
Estado
21. 19 j foi despendida mas no como capital e j no mais existe;
e uma vez que esses ttulos se tornem invendveis desaparece a
aparncia de capital. Contudo, para o capitalista credor, a parte
que lhe cabe dos impostos representa o juro de seu capital. Outro
contra-senso da concepo capitalista est em conceber salrio como
juro e a fora de trabalho como capital que proporciona esse juro.
Ao invs de explicar a valorizao do capital pela explorao da fora de
trabalho, esta se torna uma coisa mstica, passando a ser concebida
como capital portador de juro, uma concepo irracional. Parece ser
esse o malabarismo que se atualiza hoje com os fundos de penso que
fazem com que a centralizao das poupanas do trabalho assalariado
atue na formao de capital fictcio, como capitalizao (CHESNAIS,
1996, 1998, 2001; CHESNAIS et al, 2003; GRANEMANN, 2006). A
crescente elevao da taxa de juros favorece o sistema bancrio e
instituies financeiras, assim como a ampliao do supervit primrio
afeta as polticas pblicas com a compresso dos gastos sociais, alm
do desmonte dos servios da administrao pblica. Ela combina-se com a
desigual distribuio de renda e a menor tributao de rendas altas,
fazendo com que a carga de impostos recaia sobre a maioria dos
trabalhadores. Os principais agentes do processo de financeirizao
so os grupos industriais transnacionais e os investidores
institucionais bancos, companhias de seguros, sociedades
financeiras de investimentos coletivos, fundos de penso e fundos
mtuos -, que se tornam proprietrios acionrios das empresas e passam
a atuar independente delas. Por meio de operaes realizadas no
mercado financeiro, interferem no ritmo de investimentos dessas
empresas, na repartio de suas receitas e na definio das formas de
emprego assalariado e gesto da fora de trabalho, no perfil do
mercado de trabalho.
22. 20 preciso ressaltar o seguinte: os dois braos em que se
apiam as finanas as dvidas pblicas e o mercado acionrio das
empresas , s sobrevivem com deciso poltica dos Estados e o suporte
das polticas fiscais e monetrias. Eles encontram-se na raiz de uma
dupla via de reduo do padro de vida do conjunto dos trabalhadores,
com o efetivo impulso dos Estados nacionais: por um lado a
privatizao do Estado, o desmonte das polticas pblicas e a
mercantilizao dos servios, a chamada flexibilizao da legislao
protetora do trabalho; por outro lado a imposio da reduo dos custos
empresariais para salvaguardar as taxas de lucratividade, e com
elas a reestruturao produtiva centrada menos no avano tecnolgico e
fundamentalmente na reduo dos custos do chamado fator trabalho com
elevao das taxas de explorao. Da a desindustrializao expressa no
fechamento de empresas que no conseguem manter-se na concorrncia
com a abertura comercial, redundando: na reduo dos postos de
trabalho; no desemprego, na intensificao do trabalho daqueles que
permanecem no mercado; na ampliao das jornadas de trabalho; da
clandestinidade e da invisibilidade do trabalho no formalizado,
entre outros aspectos. O capital financeiro avana sobre o fundo
pblico, formado tanto pelo lucro do empresariado, quanto pelo
trabalho necessrio dos assalariados, que so apropriados pelo Estado
sob a forma de impostos e taxas. Por outro lado, os investimentos
especulativos em aes de empresas no mercado financeiro apostam na
extrao da mais-valia presente e futura dos trabalhadores para
alimentar expectativas de lucratividade futuras das empresas,
interferindo silenciosamente: nas polticas de gesto e de
enxugamento da mo de obra; na intensificao do trabalho e no aumento
da jornada; no estmulo competio entre os trabalhadores num contexto
recessivo, dificultando a organizao sindical; na elevao da
produtividade do trabalho com tecnologias poupadoras de mo de obra;
nos chamamentos participao e
23. 21 consentimento dos trabalhadores s metas empresariais,
alm de uma ampla regresso dos direitos, o que se encontra na raiz
das metamorfoses do mercado de trabalho (HARVEY, 1993; ALVES, 2000;
ANTUNES, 1997, 1999; BHIR, 1999; SANTANA, e RAMALHO, 2003). Esse
processo afeta a cultura com mercantilizao universal e indissocivel
descartabilidade, superficialidade e banalizao da vida. Gera
tremores e cismas nas esferas dos valores e da tica orientada por
valores radicalmente humanos e atinge a cultura e contesta as
interpretaes que cultivam as grandes narrativas, alvos do
pensamento ps- moderno. A sugesto que a mundializao financeira
unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que tendem a ser
tratados pelos intelectuais de forma isolada e autnoma: a reforma
do Estado, a reestruturao produtiva, a questo social, a ideologia
neoliberal e concepes ps-modernas. A hiptese que na raiz da questo
social na atualidade, encontram-se as polticas governamentais
favorecedoras da esfera financeira e do grande capital produtivo
das instituies e mercados financeiros e empresas multinacionais,
enquanto foras que capturam o Estado, as empresas nacionais e o
conjunto das classes e grupos sociais, que passam a assumir os nus
das chamadas exigncias dos mercados. Existe uma estreita relao
entre a responsabilidade dos governos, nos campos monetrio e
financeiro, e a liberdade dada aos movimentos do capital
transnacional para atuar, no pas, sem regulamentaes e controles,
transferindo lucros e salrios oriundos da produo para se
valorizarem na esfera financeira. Esse processo redimensiona a
questo social na cena contempornea, radicalizando as suas mltiplas
manifestaes.
24. 22 O capital financeiro ao subordinar toda a sociedade
impe-se em sua lgica de incessante crescimento, de mercantilizao
universal. Ele aprofunda desigualdades de toda a natureza e torna
paradoxalmente invisvel o trabalho vivo que cria a riqueza e os
sujeitos que o realizam. Nesse contexto, a questo social mais do
que pobreza e desigualdade. Ela expressa a banalizao do humano,
resultante de indiferena frente esfera das necessidades das grandes
maiorias e dos direitos a elas atinentes. Indiferena ante os
destinos de enormes contingentes de homens e mulheres trabalhadores
submetidos a uma pobreza produzida historicamente (e, no,
naturalmente produzida), universalmente subjugados, abandonados e
desprezados, porquanto sobrantes para as necessidades mdias do
capital. Por outro lado, as mltiplas manifestaes da questo social,
sob a rbita do capital, tornam-se objeto de aes filantrpicas e de
benemerncia e de programas focalizados de combate pobreza, que
acompanham a mais ampla privatizao da poltica social pblica, cuja
implementao passa a ser delegada a organismos privados da sociedade
civil, o chamado terceiro setor. Ao mesmo tempo expande-se a compra
e venda de bens e servios, alvo de investimentos empresariais que
avanam no campo das polticas pblicas. A atual desregulamentao das
polticas pblicas e dos direitos sociais desloca a ateno pobreza
para a iniciativa privada ou individual, impulsionada por motivaes
solidrias e benemerentes, submetidas ao arbtrio do indivduo isolado
e ao mercado e no responsabilidade pblica do Estado, com claros
chamamentos sociedade civil. As conquistas sociais acumuladas tm
sido transformadas em causa de gastos sociais excedentes que se
encontrariam na raiz da crise fiscal dos Estados. A contrapartida
tem sido a difuso da idia liberal de que o bem-estar social
pertence ao foro privado dos indivduos, famlias e comunidades. A
interveno do Estado no atendimento s
25. 23 necessidades sociais pouco recomendada, transferida ao
mercado e filantropia, como alternativas aos direitos sociais que s
tm existem na comunidade poltica. Como lembra Yazbek (2001), o
pensamento neoliberal estimula um vasto empreendimento de
refilantropizao do social, e opera uma profunda despolitizao da
questo social ao desqualific-la como questo pblica, questo poltica
e questo nacional. Acanda (2006), em seu competente e provocativo
estudo sobre a sociedade civil, tambm destaca alta dose controvrsia
no uso terico dessa noo, que tende hoje a ser empregada mais como
metfora do que como um conceito, segundo os mais diversos matizes e
interesses polticos de direita e de esquerda. Nos pases comunistas
do Leste Europeu ela foi utilizada por aqueles que rejeitavam o
Estado ultracentralizador e totalitrio. J pela nova direita dos
paises capitalistas desenvolvidos (especialmente Estados Unidos e
Inglaterra) foi empregada como parte de uma ofensiva
neoconservadora pelo controle e defesa do Estado mnimo, despojado
de funes redistributivas, o que redundou no chamado fortalecimento
da sociedade civil. Ela passa a ser apresentada como a Terra
Prometida, uma invocao mgica capaz de exorcizar todo o mal. Para a
esquerda latino-americana, nas dcadas de setenta e oitenta, assume
outro significado. A expanso das ditaduras militares no continente
desarticula e elimina todas as formas de associativismo que
expressavam lutas sociais de setores sociais explorados, tais como
sindicatos, movimentos indgenas e camponeses. Nesse contexto, a
sociedade civil defendida em sua condio de protagonista na luta
contra a dominao: uma nova fora capaz de exigir do Estado a reduo
da represso e maiores responsabilidades sociais. No clima cultural
dominante sob a inspirao ultraliberal, a sociedade civil tem sido
definida por excluso e em anttese ao Estado e poltica, como um
espao no poltico, livre de coeres, aparecendo idealizada como um
reino autnomo da associao e espontaneidade, materializado nas
Organizaes No-Governamentais (ONGs). , tambm,
26. 24 tida com a guardi do Estado, controlando-o para evitar
intervenes esprias nas relaes interpessoais. Como sugere Acanda
(2006), o boom dessa noo indissocivel da crise de identidade
poltica democrtica e de esquerda revolucionria. Segundo o citado
autor, o emprego da noo de sociedade civil vem redundando no
fortalecimento da ideologia dominante: tudo o que no depende do
Estado tido como a um passo da emancipao social. Ao mesmo tempo
aquela noo tende a encobrir as diferenas reais na vida social,
desaparecendo, com ela, a percepo de fenmenos como: classes
sociais, grupos de poder econmico, monoplios do capital, dentre
outros. A sociedade civil tem sido usada como instrumento de
canalizar o projeto poltico de enfraquecimento do Estado Social e
para disfarar o carter de classe de muitos conflitos sociais. 3
Direitos e Competncias profissionais: a tenso entre projeto
profissional e trabalho assalariado Os princpios ticos7 norteadores
do projeto profissional8 esto fundados no iderio da modernidade,
que apresenta a questo central da liberdade do ser social no corao
da 7 Dentre eles, destacam-se: o reconhecimento da liberdade como
valor tico central, que requer o reconhecimento da autonomia,
emancipao e plena expanso dos indivduos sociais e de seus direitos;
a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de
arbtrio e autoritarismo; a defesa, aprofundamento e consolidao da
cidadania e da democracia, entendida como socializao da participao
poltica, da cultura e da riqueza produzida; o posicionamento a
favor da equidade e da justia social, que implica a universalidade
no acesso a bens e servios e a gesto democrtica; o empenho na
eliminao de todas as formas de preconceito e a garantia do
pluralismo; o compromisso com a qualidade dos servios prestados na
articulao com outros profissionais e trabalhadores. (CRESS-7 Regio,
2000). 8 Nos termos de Netto, os projetos profissionais, construdos
pela respectiva categoria:[...] apresentam a auto- imagem da
profisso, elegem valores que a legitimam socialmente, delimitam e
priorizam seus objetivos e funes, formulam requisitos (tcnicos,
institucionais e prticos) para o seu exerccio, prescrevem
normas
27. 25 reflexo tica; ser social que se constitui pelo trabalho
e dispe de capacidade teleolgica consciente, afirmando-se como
produto e sujeito da histria. Mas preciso considerar que a ordem
burguesa em seu cerne contraditria: ao mesmo tempo em que fornece
as bases histricas para o desenvolvimento de demandas vinculadas
liberdade (direitos, garantias sociais e individuais, autonomia,
auto-gesto), simultaneamente bloqueia e impede sua realizao. Assim
esse valor da liberdade passa a existir mais como projeto, do que
como uma realidade conquistada. (PAIVA et alli, 1996, p.162). O
mesmo ocorre com o valor da igualdade: ainda que afirmada
socialmente como requisito para a troca entre livres e iguais
proprietrios de mercadoria, o que se refrata no iderio dos direitos
de cidadania ela tensionada na dinmica das relaes entre as classes
sociais: o alargamento do patamar dos direitos defronta-se
inevitavelmente com os limites impostos pela lgica da acumulao,
dilema esse j reconhecido por Marshal (1967) em seu estudo clssico
sobre a cidadania. Sabemos que a cidadania no dada aos indivduos de
uma vez para sempre e no vem de cima para baixo, mas resultado de
lutas permanentes, travadas quase sempre a partir de baixo, pelas
classes subalternas. As demandas de grupos e classes sociais
prefiguram direitos que s so satisfeitos quando assumidos nas e
pelas instituies do Estado, que asseguram uma legalidade positiva,
atribuindo-lhe uma dimenso de universalidade. para o comportamento
dos profissionais e estabelecem balizas de sua relao com os usurios
dos seus servios, com outras profisses e com as organizaes e
instituies, pblicas e privadas. (NETTO, 1999, p. 95)
28. 26 Os direitos sociais foram negados durante muito tempo o
que se atualiza hoje pelos expoentes do neoliberalismo , sob alegao
de que estimulam a preguia, violam o direito individual propriedade
e estimulam o paternalismo estatal. Como afirma P. Anderson (apud
COUTINHO, 2000), a lgica capitalista se expressa essencialmente
pela afirmao do mercado como forma suprema de regulao das relaes
sociais. Logo, tudo o que limita ou substitui o mercado em nome de
um direito social ou da justia social , uma vitria da economia
poltica do trabalho, isto , uma outra lgica de regulao da vida
social. Isso explica a atual reao dos neoliberais aos direitos
sociais, que no interessam burguesia. Ela pode toler-los e,
inclusive us-los a seu favor, mas procura limit-los ou suprimi-los
nos momentos de recesso, quando tais direitos se chocam com a lgica
de ampliao mxima dos lucros. Por tudo isso, a ampliao da cidadania
esse processo progressivo e permanente de ampliao de direitos
termina por se chocar com a lgica do capital e expe a contradio
entre cidadania e classe social: a condio de classe cria deficits e
privilgios, que criam obstculos para que todos possam participar,
igualitariamente, da apropriao de riquezas espirituais e materiais,
socialmente criadas. Essa considerao requer uma concepo de
cidadania e de democracia para alm dos parmetros liberais. Como
sustenta Coutinho (2000, p. 50), a cidadania entendida como
capacidade de todos os indivduos, no caso de uma democracia
efetiva, de se apropriarem dos bens socialmente produzidos, de
atualizarem as potencialidades de realizao humana, abertas pela
vida social em cada contexto historicamente determinado. Nesta
concepo abrangente, a democracia inclui a socializao da economia,
da poltica e da cultura na direo da emancipao humana, isto , da
erradicao dos processos de explorao, dominao e alienao. Isso
confere reflexo tica enquanto anlise terica dos fundamentos da
moral a exigncia de ir alm do desvendamento dos fundamentos da
moral contempornea e as
29. 27 contradies que a envolvem. Cumpre-lhe destacar nessas
contradies as possibilidades de sua superao, incorporando no s as
demandas atualmente colocadas e no entendidas, mas, ainda, as
demandas emergentes e a constituio de novos valores (PAIVA e
SALLES, 1996, p. 159). Ao debruar-se sobre o dever ser, a reflexo
tica no neutra: sempre compromissada com valores que dizem respeito
a determinadas projees sociais, que tm protagonistas
histrico-sociais efetivos. A efetivao desses princpios remete luta,
no campo democrtico-popular, pela construo de uma nova ordem
societria. E os princpios ticos, ao impregnarem o exerccio
cotidiano, indicam um novo modo de operar o trabalho profissional,
estabelecendo balizas para a sua conduo nas condies e relaes de
trabalho em que exercido e nas expresses coletivas da categoria
profissional na sociedade. Aquela efetivao condensa e materializa a
firme recusa ingenuidade ilusria do tecnicismo. nos limites desses
princpios que se move o pluralismo, que no se identifica com a sua
verso liberal, que mascara os desiguais arcos de influncia que as
diferentes tendncias terico-metodolgicas exercem na profisso, os
vnculos que estabelecem com projetos societrios distintos e
antagnicos, apoiados em foras sociais tambm diversas. O que merece
destaque que o projeto profissional no foi construdo numa
perspectiva meramente corporativa, voltada autodefesa dos
interesses especficos e imediatos desse grupo profissional centrado
em si mesmo. Ainda que abarque a defesa das prerrogativas
profissionais e desses trabalhadores especializados, o projeto os
ultrapassa porque dotado de carter tico-poltico. Ele permite elevar
esse projeto a uma dimenso de universalidade, a qual subordina,
ainda que no elimine a dimenso tcnico-profissional, porque
estabelece um norte quanto forma de operar o trabalho cotidiano,
impregnando-o
30. 28 de interesses da coletividade ou da grande poltica, como
momento de afirmao da teleologia e da liberdade na prxis social.
Por que um projeto com uma direo social de carter tico-poltica? A
poltica, no sentido amplo, no se restringe ao Estado e nem relao
entre governados e governantes. Ela tratada por Gramsci (apud
COUTINHO, 1989, p. 183) como o momento catrtico: o que permite aos
homens ultrapassarem os determinismos econmicos que os constitui,
incorporando-os e transformando-os em meio de sua liberdade. Isto ,
redunda em investimentos voltados para criar nova forma
tico-poltica de vida em sociedade, dando origem a novas
iniciativas, permitindo a constituio de um sujeito histrico, graas
elaborao de uma vontade coletiva. Esta supe articulao com um bloco
histrico majoritrio vinculado a uma classe nacional que aspira
hegemonia na sociedade e, portanto, dispe de um projeto para a
sociedade. Por isso, os projetos profissionais so indissociveis de
projetos societrios, o que supe impregnar o exerccio profissional
da grande poltica. Nessa perspectiva, o trabalho profissional
cotidiano passa a ser conduzido, segundo os dilemas universais
relativos re-fundao do Estado e sua progressiva absoro pela
sociedade civil o que se encontra na raiz da construo da esfera
pblica ; produo e distribuio mais eqitativa da riqueza; luta pela
ultrapassagem das desigualdades pela afirmao e concretizao dos
direitos e da democracia. Sabe-se que a dimenso poltica da profisso
no se confunde com o partido poltico, pois se trata de uma
categoria profissional cravejada por diferenas sociais e
ideolgicas. No se identifica tambm com as relaes de poder entre
governados e governantes, ainda
31. 29 que o assistente social tambm possa exercer funes de
governo; e nem o Servio Social se confunde com a poltica social,
esta uma atribuio do Estado e dos governos, sem menosprezar essa
mediao essencial do trabalho profissional. nesse sentido que se
reclama a autonomia do projeto profissional perante os partidos e
os governos. Mas no se trata tambm, de reduzir aquela dimenso
poltica pequena poltica ou contrapoltica dos tcnicos, que se
pretende assptica e neutra, mas afirma o institudo (NOGUEIRA,
2001). Isso tambm implica a deciso de ultrapassar a pequena poltica
do dia-a-dia, tal como se expressa na competncia permitida e
autorizada pelas organizaes, restrita prtica manipulatria imediata
e recepo passiva das informaes. Esta se traduz no empirismo, nas
rotinas, no burocratismo que reiteradamente se repem no trabalho
profissional. Dessa forma, o carter tico-poltico do projeto em
questo tem consequncias: supe uma viso de mundo, articulada a uma
tica correspondente e se liga ao no sentido de interferir no
comportamento dos homens no enfrentamento dos conflitos sociais.
Por meio da luta hegemnica, os assistentes sociais enquanto cidados
e trabalhadores tornam-se parte de um sujeito coletivo, que
partilha concepes e realizam, em comum, atos teleolgicos
articulados e dirigidos a uma mesma finalidade, como parte da
comunidade poltica. O desafio atual tornar esse projeto um guia
efetivo para o exerccio profissional e consolid-lo por meio de sua
implementao efetiva. Para tanto, necessrio articular as dimenses
organizativas, acadmicas e legais que sustentam esse projeto com a
realidade do trabalho cotidiano. Exige-se uma anlise acurada das
reais condies e relaes sociais em que se efetiva a profisso, num
radical esforo de integrar o dever ser com a objetivao desse
projeto, sob o risco de se deslizar para uma proposta idealizada,
porque abstrada da realidade histrica.
32. 30 Isso exige caminhar da anlise da profisso ao seu efetivo
exerccio, o que supe articular o projeto de profisso e o trabalho
assalariado. Ou, em outros termos, o exerccio da profisso nas
condies sociais concretas de sua realizao, mediadas pelo estatuto
assalariado e pela organizao poltica das classes em suas expresses
coletivas. No lapso das duas ltimas dcadas, a fecunda literatura
profissional no mbito da renovao crtica do Servio Social voltada
aos fundamentos do Servio Social tratou, sob diferentes ngulos, a
natureza particular da profisso na diviso social e tcnica do
trabalho. A literatura especializada centrou sua anlise no Servio
Social, enquanto trabalho concreto (til) dotado de qualidade
determinada, abordado sob focos distintos: a tese do sincretismo da
prtica indiferenciada (NETTO, 1991, 1992, 1996); a tese da
identidade alienada (MARTINELLI, 1989); a tese da correlao de foras
(FALEIROS, 1980, 1981, 1987, 1999a 1999b); a tese da assistncia
social (SANTOS, 1982; YAZBEK, 1993, 1999); a tese da proteo social
(COSTA, 1995a, 1995b) e a tese da funo pedaggica do assistente
social (ABREU, 2002). Esses diferentes recortes temticos na
abordagem do Servio Social e de seu exerccio atestam a riqueza da
produo acadmica dessa rea, alertando para questes que ora se
complementam, ora de distanciam na totalizao da leitura das
particularidades da profisso e de seus agentes, enquanto trabalho
til que responde s necessidades sociais historicamente
circunscritas. Entretanto a anlise do processamento do trabalho do
assistente social nem sempre adquiriu centralidade e nem foi
totalizado nas suas mltiplas determinaes. Os restritos
investimentos nas implicaes da mercantilizao dessa fora de trabalho
especializada, inscrita na organizao coletiva do trabalho das
organizaes empregadoras, comprometem a elucidao do significado
social desse trabalho especializado no mbito do trabalho coletivo
na sociedade brasileira contemporneas. So acentuadas as diferenas
desse trabalho perante outras especializaes do trabalho social; mas
no adquire igual
33. 31 visibilidade nessas anlises sua unidade enquanto parte
do trabalho social mdio, comum ao conjunto dos trabalhadores
assalariados que produzem valor e/ou mais valia. O trnsito da
anlise da profisso ao seu efetivo exerccio agrega um conjunto de
determinaes e mediaes no trabalho profissional mediado pela compra
e venda dessa fora de trabalho especializada s instituies
empregadoras de diferente natureza: estatais, empresariais,
organizaes privadas sem fins lucrativos e representaes de
trabalhadores. Essas relaes estabelecidas com sujeitos sociais
distintos condicionam o processamento do trabalho concreto
cotidiano e significado social de seus resultados, ao mesmo tempo
em que impregnam essa atividade dos constrangimentos do trabalho
alienado. Eles restringem, em graus variados, a autonomia
profissional na direo social desse exerccio, com incidncias na sua
configurao tcnico-profissional. O Servio Social foi regulamentado
como uma profisso liberal dela decorrente os estatutos legais e
ticos que prescrevem uma autonomia terico-metodolgica, tcnica e
tico-poltica conduo do exerccio profissional. Entretanto o exerccio
da profisso tensionado pela compra e venda da fora de trabalho
especializada do assistente social, enquanto trabalhador
assalariado, determinante fundamental na autonomia do profissional.
A condio assalariada seja como funcionrio pblico ou assalariado de
empregadores privados, empresariais ou no envolve, necessariamente,
a incorporao de parmetros institucionais e trabalhistas que regulam
as relaes de trabalho, consubstanciadas no contrato de trabalho.
Eles estabelecem as condies em que esse trabalho se realiza:
intensidade, jornada, salrio, controle do trabalho, ndices de
produtividade e metas a serem cumpridas. Por outro lado os
organismos empregadores definem a particularizao de funes e
atribuies consoante sua normatizao institucional, que regula o
trabalho coletivo. Oferecem, ainda, o background de recursos
materiais, financeiros, humanos e tcnicos indispensveis objetivao
do trabalho e
34. 32 recortam as expresses da questo social que podem se
tornar matria da atividade profissional. Assim, as exigncias
impostas pelos distintos empregadores, no quadro da organizao
social e tcnica do trabalho, tambm materializam requisies,
estabelecem funes e atribuies, impem regulamentaes especficas ao
trabalho a ser empreendido no mbito do trabalho coletivo, alm de
normas contratuais (salrio, jornada, entre outras), que condicionam
o contedo do trabalho realizado e estabelecem limites e
possibilidades realizao dos propsitos profissionais. Transitar da
anlise da instituio Servio Social para o seu exerccio agrega,
portanto, um complexo de novas determinaes e mediaes essenciais
para elucidar o significado social do trabalho do assistente
social. Sintetiza tenses entre o direcionamento socialmente
condicionado que o assistente social pretende imprimir ao seu
trabalho concreto, condizente com um projeto profissional coletivo,
e as exigncias que os empregadores impem aos seus trabalhadores
assalariados especializados. Em outros termos, estabelece-se a
tenso entre projeto tico-poltico e alienao do trabalho,
indissocivel do estatuto assalariado (IAMAMOTO, 2007). Repe-se,
assim, nas particulares condies do trabalho do assistente social, o
clssico dilema entre causalidade e teleologia, entre momentos de
estrutura e momentos de ao, exigindo articular, na anlise histrica,
estrutura e ao do sujeito (idem). A possibilidade de imprimir uma
direo social ao exerccio moldando o seu contedo e o modo de oper-lo
decorre da relativa autonomia de que dispe o assistente social
resguardada pela legislao profissional e passvel de reclamao
judicial. Essa autonomia dependente da correlao de foras econmica,
poltica e cultural em nvel societrio e se expressa, de forma
particular, nos distintos espaos ocupacionais construdos na relao
com sujeitos sociais determinados: no Estado (no Poder Executivo e
Ministrio Pblico, no Judicirio e no Legislativo); nas empresas
capitalistas; nas
35. 33 organizaes poltico-sindicais; nas organizaes privadas no
lucrativas e nas instncias pblicas de controle democrtico
(Conselhos de Polticas e de Direitos, conferncias, fruns e
ouvidorias). Nesses espaos ocupacionais os (as) assistentes exercem
suas competncias e atribuies profissionais resguardadas pela
legislao, j anteriormente referidas. Essas distintas inseres
profissionais condicionam: as condies em que se materializa a
autonomia profissional o trabalho concreto realizado e seus efeitos
no processo de reproduo das relaes sociais. Isto porque so espaos
ocupacionais de natureza, racionalidade e finalidades exclusivas.
Forjam, assim, especficas condies e relaes sociais por meio das
quais se realiza o exerccio profissional no mercado de trabalho,
que necessitam elucidao. Todavia, as atividades desenvolvidas
sofrem outro vetor de demandas: as necessidades sociais dos
cidados, que, condicionadas pelas lutas sociais e pelas relaes de
poder, se transformam em demandas profissionais, re-elaboradas na
ptica dos empregadores no embate com os interesses dos usurios dos
servios profissionais. nesse terreno denso de tenses e contradies
sociais que se situa o protagonismo profissional. O assistente
social lida, no seu trabalho cotidiano, com situaes singulares
vividas por indivduos e suas famlias, grupos e segmentos
populacionais, que so atravessadas por determinaes de classes. So
desafiados a desentranhar da vida dos sujeitos singulares que
atendem as dimenses universais e particulares, que a se
concretizam, como condio de transitar suas necessidades sociais da
esfera privada para a luta por direitos na cena pblica,
potenciando-a em fruns e espaos coletivos. Isso requer tanto
competncia terico-metodolgica para ler a realidade e atribuir
visibilidade aos fios que integram o singular no coletivo quanto
incorporao da pesquisa e do conhecimento do modo de vida, de
trabalho e expresses culturais desses sujeitos sociais, como
requisitos essenciais do desempenho profissional, alm da
sensibilidade e vontade polticas que movem a ao.
36. 34 Mas a considerao unilateral das imposies do mercado de
trabalho conduz a uma mera adequao do trabalho profissional s
exigncias alheias, subordinando a profisso ao mercado e sujeitando
o assistente social ao trabalho alienado. Resguardar a relativa
autonomia na conduo o exerccio profissional supe potenci-la
mediante um projeto profissional coletivo, com sustentao em foras
sociais reais que partilham de um projeto comum para a sociedade.
Esse um desafio intelectual e histrico de fundamental importncia
para o Servio Social em uma dupla perspectiva: para apreender as
vrias expresses que assumem, na atualidade, as desigualdades
sociais e as lutas contra as mesmas; e para projetar formas de
resistncia e de defesa da vida e dos direitos, germinadas no
presente, por parte da ao de homens e mulheres, jovens e idosos,
ndios, brancos, negros, trabalhadores e trabalhadoras que lutam com
bravura pela sua subsistncia que apontam para novas formas de
sociabilidade. Como sustenta a Carta de Manaus, do Conselho Federal
e Conselhos Regionais de Servio Social (CFESS/ CRESS: 2005),
atestando a necessidade histrica da direo impressa ao nosso projeto
profissional: O enfrentamento a essa direo econmica e social s
possvel com a organizao coletiva dos trabalhadores e o
fortalecimento dos movimentos sociais comprometidos com a defesa
dos direitos, como processo estratgico da luta democrtica e popular
visando a emancipao e construo de uma sociedade no submetida aos
ditames do capital.
37. 35 4 Desafios ao Servio Social na cena contempornea Somos,
no Brasil, cerca de 82.000 assistentes sociais ativos, o segundo
maior contingente mundial, s superado pelos EUA com 150 mil
profissionais em um total de 500 assistentes sociais no mundo,
conforme a International Federation od Social Workers (FITS).
Segundo a Fundao Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel
Superior (CAPES), existem atualmente 10 cursos de doutorado na rea
de Servio Social e 25 de mestrado (afora 01 em Economia Domstica,
na UFV), todos de carter acadmico. A maioria encontra-se em
instituies pblicas, seguidos das universidades catlicas. A ps-
graduao congregava, em 2004, 55 linhas de pesquisa, com 581
projetos de pesquisa j concludos ou em realizao, que adensam a
produo cientfica do Servio Social brasileiro e o seu mercado
editorial, atestando a maturidade acadmica dessa rea de
conhecimento. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP) do Ministrio da Educao
(MEC) em maro de 2007, o pas tinha 253 cursos de graduao em Servio
Social (incluindo os cursos presencias e distncia). Destes, 46 eram
levados a efeitos por instituies pblicas, responsveis por 5 358
vagas (16%) e 207 oferecidos por instituies privadas de ensino
superior com 27465 vagas (84%). O conjunto do ensino superior na
rea totalizava 32 823 assistentes sociais em formao no pas, prximo
da metade do contingente profissional atual. Esse crescimento
intensivo iniciado no Governo Cardoso, recebe impulso decisivo no
Governo Lula como o atesta a base oficial de dados do MEC , sob a
liderana das instituies privadas de ensino, e fortemente acelerado
pela regulamentao dos cursos de
38. 36 graduao a distncia, que se proliferam a partir de 2006.
Os 06 primeiros cursos de graduao a distncia autorizados e em
funcionamento, j eram responsveis, em maro de 2007, por 9 760 vagas
informadas, o equivalente a 30% das matrculas. Destes, apenas 01
curso em uma universidade estadual, a Fundao Universidade do
Tocantins UNITINS iniciou com 2 760 vagas em 2006. Os 05 outros
cursos a distncia so ofertados por instituies privadas,
destacando-se a Universidade para o Desenvolvimento do Estado da
Regio do Pantanal UNIDERP , com 3 800 vagas. As quase 10 mil vagas
efetivamente ofertadas e declaradas pelos cursos a distncia, em
maro de 2007, permitem afirmar que, mantida essa oferta (o que
certamente uma projeo acanhada ante a tendncia de expanso do ensino
a distncia EaD) a partir de 2010, s o EaD ir lanar diplomar e lanar
no mercado cerca de dez mil profissionais por ano. Somadas s 70%
das vagas oferecidas por cursos presenciais, pode-se esperar uma
duplicao do contingente profissional at 2010. Esse crescimento
exponencial traz srias implicaes para o exerccio profissional, as
relaes de trabalho e condies salariais por meio das quais se
realiza. Pode-se antever, j no curto prazo, um crescimento
acelerado do desemprego nessa rea, visto que dificilmente a oferta
de postos de trabalho poder acompanhar, no mesmo ritmo, o
crescimento do contingente profissional, pressionando o piso
salarial e estimulando, no curto prazo, a precarizao das condies de
trabalho e a insegurana do trabalho. A hiptese que o crescimento do
contingente profissional, ainda que reflita a expanso do mercado de
trabalho especializado, poder desdobrar-se na criao de um exrcito
assistencial de reserva. Isto , um recurso de qualificao do
voluntariado no reforo do chamamento solidariedade em um ambiente
poltico que estimula a criminalizao da questo social e das lutas
dos trabalhadores e o carter assistencial das polticas sociais,
como j salientado.
39. 37 A massificao e a perda de qualidade da formao
universitria estimulam o reforo de mecanismos ideolgicos que
facilitam a submisso dos profissionais s normas do mercado,
redundando em um processo de despolitizao da categoria, favorecido
pelo isolamento vivenciado no ensino distncia e na falta de
experincias estudantis coletivas na vida universitria. O estmulo
graduao a distncia um recurso para a ampliao da lucratividade das
empresas educacionais este sim o seu objetivo maior a que se
subordina a qualidade do ensino e da formao universitria. isto que
permite vislumbrar, como faces de um mesmo processo, a precarizao
do ensino e do trabalho profissional. Essa tendncia compatvel com
premissa de que o mercado leia-se o capital portador da
racionalidade sociopoltica e o agente principal do bem-estar da
Repblica. Importa salientar que aqui no se trata simplesmente de
uma recusa ingnua da tecnologia do ensino a distncia, o que atesta
a iniciativa deste curso. O problema est no contexto de privatizao
do ensino superior em que ocorre o ensino graduado e sua incidncia
em um curso universitrio de carter terico-prtico que exige estgio
supervisionado e que tem uma relao direta com a vida cotidiana dos
sujeitos com que se trabalha. Esse um dos grandes desafios que nos
convoca coletivamente, exigindo: um criterioso debate e
acompanhamento da expanso do ensino superior no Servio Social e de
sua distribuio territorial; o cumprimento das exigncias legais do
estgio supervisionado no ensino a distncia; o conhecimento das
entidades mantenedoras responsveis pela expanso das instituies de
ensino superior privadas e os interesses que veiculam; a denncia da
desqualificao da formao universitria e de suas repercusses na
prestao de servios de qualidade populao no mbito dos direitos
sociais; o aprofundamento do
40. 38 debate sobre as formas de regular a autorizao do
exerccio profissional, pelos rgos competentes, ante a crescente
formao graduada massiva decorrente da expanso acelerada da educao
superior como negcio do capital, com perda crescente de qualidade e
com graves implicaes na vida dos segmentos de classe atendidos pelo
assistente social e na defesa de seus direitos. So inmeros os
desafios profissionais e acadmicos que se apresentam ao Servio
Social na atualidade, dentre os quais: 1) a exigncia de rigorosa
formao terico-metodolgica que permita explicar o atual processo de
desenvolvimento capitalista sob a hegemonia das finanas e o
reconhecimento das formas particulares pelas quais ele vem se
realizando no Brasil, assim como suas implicaes na rbita das
polticas pblicas e conseqentes refraes no exerccio profissional; 2)
rigoroso acompanhamento da qualidade acadmica da formao
universitria ante a vertiginosa expanso do ensino superior privado
e da graduao distncia no pas; 3) a articulao com entidades, foras
polticas e movimentos dos trabalhadores no campo e na cidade em
defesa do trabalho e dos direitos civis, polticos e sociais; 4) a
afirmao do horizonte social e tico-poltico do projeto profissional
no trabalho cotidiano, adensando as lutas pela preservao e ampliao
dos direitos mediante participao qualificada nos espaos de
representao e fortalecimento das formas de democracia direta;
41. 39 5) o cultivo de uma atitude crtica e ofensiva na defesa
das condies de trabalho e da qualidade dos atendimentos,
potenciando a nossa autonomia profissional. Um caminho frtil nessa
direo recuperar para a anlise de nosso tempo o profcuo estilo de
trabalho de Marx: uma forte interlocuo crtica com o pensamento de
diferentes extraes tericas elaborado em sua poca; e uma efetiva
integrao com as foras vivas que animam o movimento da classe
trabalhadora em suas distintas fraes e segmentos. O legado j
acumulado pelo pensamento social crtico brasileiro sobre a
interpretao do Brasil no quadro latino-americano tambm necessita
ser re-apropriado para, a partir dele, elucidar as particularidades
dos processos sociais que conformam o Brasil no presente,
solidificando as bases histricas do projeto profissional. E
aprender com os nossos clssicos. Refiro-me a autores como: Caio
Prado Junior, Nelson Werneck Sodr, Florestan Fernandes, Antnio
Cndido, Josu de Castro, Celso Furtado, Hlio Jaguaribe, Octavio
Ianni, Ruy Mauro Marini, entre outros. As transformaes histricas
que tiveram lugar tanto no Brasil e nos demais pases
latino-americanos foram por eles assumidas como desafios ao
pensamento. Mas eles tinham clareza de que as explicaes obtidas
tambm influenciam o movimento da sociedade, ao transformarem a
teoria em fora real que opera de dentro e atravs de grupos e
classes sociais, especialmente aqueles que protagonizam a histria
dos trabalhadores nesse pas. Os homens simples (IANNI, 1975) tambm
tecem as linhas da histria com suas lutas e reivindicaes, rebeldias
e conformismos. E lembra o autor que para conhecer a histria do
Brasil indispensvel conhecer tambm a histria social do povo
brasileiro (IANNI, 2004). Essa uma das condies para se assegurar a
viabilidade do projeto profissional no jogo das foras sociais.
42. 40 Concluindo, fica a todos o convite para uma viglia
crtica do Brasil, no desafio de viver e lutar para interferir nos
rumos da histria. Sem esquecer que viver muito perigoso, como j
alertou Guimares Rosa. As palavras finais so de Carlos Drummond de
Andrade, em seu Canto Brasileiro: Confuso amanhecer, de alma
ofertante e angstias sofreadas, injustias e fomes e contrastes e
lutas e achados rutilantes de riquezas da mente e do trabalho, meu
passo vai seguindo no ziguezague de equvocos, de esperanas que
malogram mas renascem de sua cinza morna. Vai comigo meu projeto
entre sombras, minha luz de bolso me orienta ou sou eu mesmo o
caminho a procurar-se?
43. 41 Referncias ABESS/CEDEPSS. Proposta bsica para o projeto
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