1. Direito Memriae VerdadeComisso Especial sobreMortos e
Desaparecidos Polticos
2. 2007 (Ano da 1 edio) Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidncia da RepblicaTodos os direitos reservados.
permitida a reproduo parcial ou total desta obra,desde que citada a
fonte e no seja para venda ou qualquer fim comercial.Srie
BibliogrficaTiragem: 5.000 exemplaresPresidente da RepblicaLuiz
Incio Lula da SilvaMinistro da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidncia da RepblicaPaulo de Tarso VannuchiElaborao,
distribuio e informaes:COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLTICOSEsplanada dos Ministrios - Bloco T - Sala
42070064-900 - Braslia - DFFone: (61) 3429 3142 / 3454 Fax (61)
3223 2260E-mail: [email protected] no
Brasil/Printed in BrazilCatalogao na publicaoBrasil. Secretaria
Especial dos Direitos Humanos. Comisso Especialsobre Mortos e
Desaparecidos Polticos.Direito verdade e memria: Comisso Especial
sobre Mortos eDesaparecidos Polticos / Comisso Especial sobre
Mortos e DesaparecidosPolticos - - Braslia : Secretaria Especial
dos Direitos Humanos, 2007400p. : il. (algumas color.) ; 23 x 30
cmISBN 978-85-60877-00-31. Brasil Histria I. Ttulo. II. Comisso
Especial sobre Mortos eDesaparecidos Polticos - Relatrio.
3. Antgona julgava que no haveria suplcio maior do que aquele:
ver os doisirmos matarem um ao outro. Mas enganava-se. Um garrote
de dor estrangulouseu peito j ferido ao ouvir do novo soberano,
Creonte, que apenas um deles,Etocles, seria enterrado com honras,
enquanto Polinice deveria ficar onde caiu,para servir de banquete
aos abutres. Desafiando a ordem real, quebrou as unhas erasgou a
pele dos dedos cavando a terra com as prprias mos. Depois de
sepultaro corpo, suspirou. A alma daquele que amara no seria mais
obrigada a vagarimpenitente durante um sculo s margens do Rio dos
Mortos.Antgona, personagem de Sfocles, mestre da tragdia grega
4. ApresentaoEste livro-relatrio tem como objetivo contribuir
para que o Brasil avance na consolidao do respeito aos Direitos
Humanos, sem medo deconhecer a sua histria recente. A violncia, que
ainda hoje assusta o Pas como ameaa ao impulso de crescimento e de
incluso social emcurso deita razes em nosso passado escravista e
paga tributo s duas ditaduras do sculo 20.Jogar luz no perodo de
sombras e abrir todas as informaes sobre violaes de Direitos
Humanos ocorridas no ltimo ciclo ditatorial so impera-tivos
urgentes de uma nao que reivindica, com legitimidade, novo status
no cenrio internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU.Ao
registrar para os anais da histria e divulgar o trabalho realizado
pela Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos ao
longode 11 anos, esta publicao representa novo passo numa caminhada
de quatro dcadas. Nessa jornada, uniram-se para um esforo
conjuntobrasileiros que se opunham na arena poltica imediata.Sob a
gesto de Nelson Jobim no Ministrio da Justia, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro reconheceu
suaresponsabilidade frente questo dos opositores que foram mortos
pelo aparelho repressivo do regime militar. Papel decisivo nessa
con-quista tiveram os familiares dos mortos e desaparecidos, com
sua perseverana e tenacidade, e o futuro ministro Jos Gregori, ento
chefede Gabinete do Ministrio da Justia.O Executivo Federal
preparou um projeto que o parlamento brasileiro transformou em lei
em dezembro de 1995, criando uma Comisso Es-pecial com trs tarefas:
reconhecer formalmente caso por caso, aprovar a reparao
indenizatria e buscar a localizao dos restos mortaisque nunca foram
entregues para sepultamento. A Comisso Especial manteve uma
coerente linha de continuidade atravessando, at o mo-mento, quatro
mandatos presidenciais. Durante o governo Luiz Incio Lula da Silva,
a Lei foi ampliada em sua abrangncia e praticamentese concluiu o
exame de todos os casos apresentados.Uma dupla face deste Brasil
que rompe o sculo 21 com sonhos e desafios novos saltar vista dos
leitores deste livro, sejam elesvtimas do perodo ditatorial, sejam
eles apoiadores daquele regime, sejam juzes, procuradores,
parlamentares, autoridades do Executivo,jornalistas, estudantes,
trabalhadores, cidados e cidads de todas as reas.Uma face a do pas
que vem fortalecendo suas instituies democrticas h mais de 20 anos.
a face boa, estimulante e promissora deuma nao que parece ter
optado definitivamente pela democracia, entendendo que ela
representa um poderoso escudo contra os impulsosdo dio e da guerra,
que sempre se alimentam da opresso.A leitura tambm mostrar uma
outra face. aquela percebida nos obstculos que foram encontrados
por quem exige conhecer a verdade,com destaque para quem reclama o
direito milenar e sagrado de sepultar seus entes queridos. Na
histria da humanidade, os povos maissanguinrios interrompiam suas
batalhas em curtas trguas para troca de cadveres, possibilitando a
cada exrcito, tribo ou nao prantearseus mortos, fazendo do funeral
o encerramento simblico do ciclo da vida.Nenhum esprito de
revanchismo ou nostalgia do passado ser capaz de seduzir o esprito
nacional, assim como o silncio e a omissofuncionaro, na prtica,
como barreira para a superao de um passado que ningum quer de
volta.O lanamento deste livro na data que marca 28 anos da publicao
da Lei de Anistia, em 1979, sinaliza a busca de concrdia, o
sentimentode reconciliao e os objetivos humanitrios que moveram os
11 anos de trabalho da Comisso Especial.Paulo VannuchiMinistro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da
RepblicaMarco Antnio Rodrigues BarbosaPresidente da Comisso
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos
5. Integrantes da Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Polticos (CEMDP)1995/2000Miguel Reale Jnior PresidenteNilmrio
Miranda Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos DeputadosEunice
Paiva Representante da sociedade civil at 03/04/1996, quando foi
substituda por Lus Francisco Carvalho FilhoSuzana Keniger Lisba
Representante dos familiaresgeneral Oswaldo Pereira Gomes
Representante das Foras ArmadasPaulo Gustavo Gonet Branco
Representante do Ministrio Pblico FederalJoo Grandino Rodas
Ministrio das Relaes Exteriores2001Miguel Reale Jnior Presidente at
27/12/2001Lus Francisco Carvalho Filho Presidente a partir de
27/12/2001Nilmrio Miranda Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos
DeputadosBelisrio dos Santos Junior Representante da sociedade
civil a partir de 27/12/2001Suzana Keniger Lisba Representante dos
familiaresgeneral Oswaldo Pereira Gomes Representante das Foras
ArmadasPaulo Gustavo Gonet Branco Representante do Ministrio Pblico
FederalJoo Grandino Rodas Ministrio das Relaes Exteriores2002Lus
Francisco Carvalho Filho PresidenteNilmrio Miranda Comisso de
Direitos Humanos da Cmara dos DeputadosBelisrio dos Santos Junior
Representante da sociedade civilSuzana Keniger Lisba Representante
dos familiaresgeneral Oswaldo Pereira Gomes Representante das Foras
ArmadasPaulo Gustavo Gonet Branco Representante do Ministrio Pblico
FederalJoo Grandino Rodas Ministrio das Relaes Exteriores2003Lus
Francisco Carvalho Filho PresidenteMaria do Rosrio Nunes Comisso de
Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, a partir de
14/08/2003Belisrio dos Santos Junior Representante da sociedade
civilSuzana Keniger Lisba Representante dos familiaresCoronel Joo
Batista Fagundes Representante das Foras Amadas, a partir de
14/08/2003Maria Eliane Menezes de Farias Representante do Ministrio
Pblico Federal, a partir de 14/08/2003Andr Sabia Martins Ministrio
das Relaes Exteriores, a partir de 14/08/20032004Lus Francisco
Carvalho Filho PresidenteJoo Luiz Duboc Pinaud Presidente a partir
de 29/06/2004Augustino Veit Presidente a partir de 17/11/2004Maria
do Rosrio Nunes Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos
DeputadosBelisrio dos Santos Junior Representante da sociedade
civilSuzana Keniger Lisba Representante dos familiaresCoronel Joo
Batista Fagundes Representante das Foras ArmadasMaria Eliane
Menezes de Farias Representante do Ministrio Pblico FederalAndr
Sabia Martins Ministrio das Relaes Exteriores
6. 2005Augustino Veit PresidenteMaria do Rosrio Nunes Comisso
de Direitos Humanos da Cmara dos DeputadosBelisrio dos Santos
Junior Representante da sociedade civilSuzana Keniger Lisba
Representante dos familiares at 02/08/2005Diva Soares Santana
Representante dos familiares a partir de 06/12/2005Coronel Joo
Batista Fagundes Representante das Foras ArmadasMaria Eliane
Menezes de Farias Representante do Ministrio Pblico FederalAndr
Sabia Martins Ministrio das Relaes Exteriores, at 18/10/2005,
quando substitudo porMrcia Adorno Ministrio das Relaes
Exteriores2006Augustino Veit Presidente at 25/04/2006Marco Antnio
Rodrigues Barbosa Presidente a partir de 25/04/2006Maria do Rosrio
Nunes Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados at
03/08/2006Lus Eduardo Greenhalgh Comisso de Direitos Humanos da
Cmara dos Deputados, a partir de 03/08/2006Belisrio dos Santos
Junior Representante da sociedade civilDiva Soares Santana
Representante dos familiaresCoronel Joo Batista Fagundes
Representante das Foras ArmadasMaria Eliane Menezes de Farias
Representante do Ministrio Pblico FederalMrcia Adorno Ministrio das
Relaes Exteriores, substituda por Augustino Veit em
25/04/20062007Marco Antnio Rodrigues Barbosa PresidentePedro Wilson
Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, a partir de
06/03/2007Belisrio dos Santos Junior Representante da sociedade
civilDiva Soares Santana Representante dos familiaresMaria Eliane
Menezes de Farias Representante do Ministrio Pblico FederalCoronel
Joo Batista Fagundes Representante das Foras ArmadasAugustino
VeitTitulares dos Direitos Humanos entre 1995 e 2007Jos
GregoriSecretrio Nacional dos Direitos Humanos do Ministrio da
Justia 07/04/1994 a 14/04/2000Gilberto SabiaSecretrio Nacional dos
Direitos Humanos do Ministrio da Justia 20/06/2000 a
14/11/2001Paulo Srgio PinheiroSecretrio de Estado dos Direitos
Humanos (Ministrio da Justia) 16/11/2001 a 31/12/2002Nilmrio
MirandaMinistro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidncia da Repblica 02/01/2003 a 21/07/2005Mrio Mamede
FilhoSubsecretrio de Direitos Humanos da Secretaria Geral da
Presidncia da Repblica 29/07/2005 a 05/12/2005 e Ministro da
Secretaria Especial dosDireitos Humanos da Presidncia da Repblica
06/12/2005 a 20/12/2005Paulo VannuchiMinistro da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica desde
21/12/2005
7. sumriosumrio17 Captulo 1 Direito memria e verdade19 Captulo
2 Contexto histrico30 Captulo 3 A histria da Comisso Especial48
Captulo 4 Casos da Comisso51 Casos anteriores a abril de 196489
Casos aps o AI589 1969112 1970141 1971195 Guerrilha do Araguaia271
1972325 1973369 1974395 1975410 1976427 1977428 1978430 1979434
1980435 1982436 1985438 Argentinos desaparecidos no Brasil443
Outros indeferidos461 Casos enviados para aComisso de Anistia463 As
Organizaes da Esquerda486 Glossrio488 ndice remissivo
8. Captulo 1Direito memria e verdadeAComisso Especial sobre
Mortos e Desa-parecidos Polticos (CEMDP) institu-da pela Lei n
9.140/95, de dezembro de1995 vem cumprindo importante papelna busca
de soluo para os casos de de-saparecimentos e mortes de opositores
polticos porautoridades do Estado durante o perodo
1961-1988.Desempenha esse trabalho com rigor e equilbrio hmais de
11 anos, contribuindo para a consolidao davida democrtica
brasileira. Enfrentou as dificuldadesque so inerentes a to delicada
tarefa, mas conseguiuconcluir o exame de quase todos os casos
apresentados,garantindo reparao indenizatria aos familiares
dasvtimas e, sobretudo, oficializando o resgate de um pe-rodo
fundamental que j pertence histria do Brasil.A Comisso encerrou, no
final de 2006, uma longa pri-meira etapa de suas atividades.
Concluda a fase deanlise, investigao e julgamento dos processos
rela-tivos aos 339 casos de mortos e desaparecidos apre-sentados
para sua soberana deciso, que se somam aoutros 136 nomes j
reconhecidos no prprio Anexo daLei n 9.140/95, vem se concentrando,
agora, em doisoutros procedimentos.O primeiro deles, iniciado em
setembro de 2006, a co-leta de amostras de sangue dos parentes
consangneosdos desaparecidos ou dos mortos cujos corpos no fo-ram
entregues aos familiares, para constituir um bancode dados de
perfis genticos Banco de DNA visando comparao e identificao com
certeza cientficados restos mortais que ainda venham a ser
localizados,bem como de ossadas j separadas para exame.O segundo
sistematizar informaes sobre a possvellocalizao de covas
clandestinas nas grandes cidadese em reas provveis de sepultamento
de militantes narea rural, em especial na regio do rio Araguaia,
nosul do Par. Ao faz-lo, a CEMDP estar cumprindo odisposto no
Inciso II do Artigo 4 da Lei n 9.140/95,que a criou: envidar
esforos para a localizao doscorpos de pessoas desaparecidas no caso
de existnciade indcios quanto ao local em que possam estar
depo-sitados.A Lei n 9.140/95 marcou o reconhecimento, pelo Esta-do
brasileiro, de sua responsabilidade no assassinato deopositores
polticos no perodo abrangido. Reconheceuautomaticamente 136 casos
de desaparecidos cons-tantes num Dossi organizado por familiares e
mi-litantes dos Direitos Humanos ao longo de 25 anos debuscas. Mais
tarde, foi excluda dessa lista uma pessoaque se comprovou ter
morrido de causas naturais. Pelostermos da Lei, no cabia CEMDP
diligenciar sobre os135 casos j definidos, e sim apreciar as
denncias deoutros registros de mortes, legalizando
procedimentospara indenizao das famlias.As informaes foram
levantadas por familiares e ad-vogados, tomando por base
depoimentos de ex-presospolticos, de agentes do Estado e pessoas
envolvidas no||| 171717 |||
9. processo de represso, bem como analisando reporta-gens da
imprensa e documentos encontrados em ar-quivos pblicos abertos para
consulta. Este ltimo fatorrefora a necessidade de se permitir amplo
acesso a es-ses e outros arquivos pblicos, ou mesmo privados,
paraconsulta e esclarecimento da realidade das mortes.A elucidao
das informaes referentes s cir-cunstncias de priso, tortura e morte
de oposito-res permitiram que o Estado brasileiro assumisse
suaresponsabilidade histrica e administrativa sobre aintegridade
dos presos e o destino dado a eles. A in-denizao pecuniria foi
conseqncia natural e le-gal para sua efetivao.Redemocratizado, o
Estado brasileiro cumpriu tambmum certo papel de juiz histrico ao
fazer o resgate damemria e da verdade. No poderiam seguir
coexistin-do verses colidentes como a de inmeros comunica-dos
farsantes sobre fugas, atropelamentos e suicdios,emitidos naqueles
tempos sombrios pelos rgos de se-gurana, e a dos autores das
denncias sobre violaode Direitos Humanos, que infelizmente
terminaram secomprovando verdadeiras.O referido Dossi, preparado
pela Comisso de Fami-liares de Mortos e Desaparecidos Polticos,
valeu comobase e ponto de partida consistente para o rigoroso
exa-me da Comisso Especial. Foram exigidos depoimentosque
corroborassem as denncias, apresentados docu-mentos e realizadas
percias cientficas para chegar verso definitiva dos fatos.Este
livro-relatrio registra para a histria o resgate des-sa memria. S
conhecendo profundamente os porese as atrocidades daquele lamentvel
perodo de nossavida republicana, o Pas saber construir
instrumentoseficazes para garantir que semelhantes violaes
dosDireitos Humanos no se repitam nunca mais.COMISSO DE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLTICOS
10. Captulo 2Contexto
histricoAditaduramilitarbrasileiranofoiumfatoiso-lado na histria da
Amrica Latina. Na mes-ma poca, regimes semelhantes nasceram
derupturas na ordem constitucional de outrospases no subcontinente,
tendo as Foras Ar-madas assumido o poder em consonncia com a
lgicada Guerra Fria. O mundo estava dividido em dois grandesblocos.
Um plo era comandado pelos Estados Unidos e ooutro pela Unio
Sovitica. Essa diviso de poder mundialteve como cenrio de fundo o
resultado da Segunda Guer-ra, com as potncias vencedoras dividindo
o planeta emduas grandes reas de influncia.Num tabuleiro de apenas
duas cores, o Brasil perma-neceu na rbita da diplomacia
norte-americana, assimcomo o restante dos pases latino-americanos.
A partirde 1959, a Revoluo Cubana marcou profundamentea poltica
exterior dos Estados Unidos, que anunciaramno mais tolerar
insurgncias desafiando sua hegemo-nia na regio, logo aps ter ficado
clara a aproxima-o entre Cuba e Unio Sovitica. Para garantir que
osgovernos da regio permanecessem como aliados, osEstados Unidos
apoiaram ou patrocinaram golpes mili-tares de exacerbado contedo
anticomunista.Os pases da regio que haviam participado com tro-pas
na Segunda Guerra Mundial, como o Brasil, lutaramcomo aliados dos
Estados Unidos e sob seu comandomilitar, iniciando a uma cooperao
operacional queavanaria nas dcadas seguintes, gerando unidade
dedoutrinas, treinamento conjunto na formao de qua-dros e estreita
identidade ideolgica.No ps-guerra, essa diviso entre influncia
norte-ame-ricana ou sovitica se estendeu pelos cinco continen-tes.
Ocorreram algumas iniciativas de independnciaem poltica e
diplomacia, como, por exemplo, a criaodo bloco dos pases
no-alinhados, a partir de 1955, ocisma sino-sovitico dos anos 1960
e a resistncia deCharles De Gaulle a uma liderana absoluta dos
EstadosUnidos ao longo do perodo. Na Amrica Latina, entre-tanto,
essas iniciativas de autodeterminao avanarampouco. Prevaleceu at o
final do sculo 20 a atitude dealinhamento automtico com as posies
norte-ameri-canas, com raras excees.Assim que, no subcontinente, os
anos 1960 e 1970vo contabilizar um ntido fortalecimento, no mbitodo
poder poltico, das foras que haviam resistido aosgovernos de
orientao nacionalista dos anos 1950,como o de Vargas, no Brasil,
Pern, na Argentina, PazEstensoro, na Bolvia, Jacobo Arbenz, na
Guatemala, evrios outros. Como regra geral, os governantes
buscamestreitar, no plano econmico, a associao com seusantigos
aliados do capital externo, sob tutela militarnacional, e
incorporam plenamente a estratgia norte-americana de conteno do
comunismo, resumida pelaDoutrina de Segurana Nacional.Com base
nessa doutrina, foram decretadas no Brasilsucessivas Leis de
Segurana Nacional sob a forma deDecretos-Leis (DL), uma em 1967 (DL
314) e duas em1969 (DL 510 e DL 898), de contedo draconiano,
quefuncionaram como pretenso marco legal para dar co-bertura
jurdica escalada repressiva.O esprito geral dessas trs verses da
Lei de SeguranaNacional indicava que o pas no podia tolerar
anta-gonismos internos e identificava a vontade da Naoe do Estado
com a vontade do regime. Se o alvo inicialeram apenas os opositores
no plano partidrio e na lutapoltica clandestina, de fato a lei
terminaria fulminando| 19 |
11. DIREITO MEMRIA E VERDADEtambm a liberdade de imprensa. Ao
estabelecer que osjornais e emissoras de rdio e televiso deviam
contri-buir para o fortalecimento dos objetivos nacionais
perma-nentes, abria caminho para proibi-los de divulgar
crticascontra autoridades governamentais porque no poderiamindispor
a opinio pblica contra elas, gerando animosida-de ou a chamada
guerra psicolgica adversa.Ditaduras no Cone SulEsse contexto
histrico regional trouxe, ento, a generali-zao de regimes polticos
repressivos em todos os pasesdo Cone Sul: Brasil (1964), Argentina
(1966 e 1976), Uru-guai (1973), Chile (1973), ao passo que a
ditadura de Stro-essner, no Paraguai, j remontava dcada anterior,
1954.O controle da classe trabalhadora pautou-se por forte co-ero
sobre os sindicatos, quando no por intervenesdiretas e priso ou
assassinato das lideranas. Em quasetodos os casos, os partidos
polticos preexistentes foramextintos e o parlamento submetido a
severas limitaes,extintos e o parlamento submetido a severas
limitaes,quando no simplesmente fechado.A Argentina passou por um
primeiro governo ditatorialentre 1966 e 1973, mas foi no segundo
perodo de re-gime militar, iniciado em 24 de maro de 1976, que
ascifras da violncia repressiva atingiram patamares semprecedentes.
A recuperao da democracia, a partir de1983, aps o desastre nacional
causado pela aventurados ditadores nas Malvinas, teve de considerar
um es-pantoso saldo de seqestros, torturas e assassinatos porparte
de agentes estatais, quando os Direitos Humanosforam violados em
larga escala. Estima-se em cerca de30 mil o total de mortos e
desaparecidos entre os queresistiram ao regime.No Uruguai, que
antes se orgulhava de ser um pas delonga convivncia poltica
democrtica, os militares fo-ram assumindo crescente controle sobre
as autoridadescivis j no final dos anos 1960. Mantiveram Juan
Ma-ria Bordaberry desde 1971 como presidente fantochee passaram a
exercer plenamente o poder ditatorial apartir de junho de 1973. A
democracia comeou a serpartir de junho de 1973. A democracia comeou
a serrestaurada apenas em 1985, mesmo ano em que o Bra-sil voltava
a ter um presidente civil. Estima-se em cercade 400 o nmero de
mortos e desaparecidos daquelepas vizinho por lutarem contra a
ditadura, muitos delessendo assassinados durante exlio na
Argentina.No Chile, a ditadura comandada por Augusto
Pinochetinstituiu a violncia de Estado como norma de condutadesde o
primeiro momento do golpe contra o governoconstitucional, comeando
pela execuo do presidenteSalvador Allende no prprio palcio
presidencial de LaMoneda, em 11 de setembro de 1973. O perodo em
quea Unidade Popular governou o Chile, entre fins de 1970e setembro
de 1973 tinha sido marcado por crescente| 20 |Braslia, 1 de abril
de 1964
12. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 21
|No incio do sculo 21, superados os governos repressi-vos dos cinco
pases do Cone Sul, esto em andamentoprocessos judiciais no Chile,
na Argentina, no Uruguai emesmo no Paraguai, que buscam
responsabilizar altasautoridades e torturadores do perodo
ditatorial naque-les pases.Pinochet morreu em dezembro de 2006,
quando se en-contrava em priso domiciliar e respondia a inmerasaes
criminais desde que detido na Espanha. Alfre-do Stroessner morreu
exilado no Brasil, em agosto domesmo ano, submetido a processos no
Paraguai. In-tegrantes da Junta Militar Argentina na priso e,
re-centemente, a imprensa noticiou o suicdio de um altooficial
uruguaio, horas antes de comparecer em juzopara responder por seus
crimes. Tambm o ex-presi-dente Bordaberry (1973-1976) est impedido
de deixaro Uruguai, acusado de descumprir a Constituio e degraves
violaes de Direitos Humanos, tendo sua prisodecretada por homicdios
cometidos em Buenos Aires.O Brasil o nico pas do Cone Sul que no
trilhouprocedimentos semelhantes para examinar as violaesde
Direitos Humanos ocorridas em seu perodo ditato-rial, mesmo tendo
oficializado, com a Lei n 9.140/95,o reconhecimento da
responsabilidade do Estado pelasmortes e pelos desaparecimentos
denunciados.Fases do Regime Militar no BrasilO regime militar
brasileiro de 1964 - 1985 atravessoupelo menos trs fases distintas.
A primeira foi a doGolpe de Estado, em abril de 1964, e
consolidaodo novo regime. A segunda comea em dezembro de1968, com a
decretao do Ato Institucional n 5 (AI-5), desdobrando-se nos
chamados anos de chumbo,em que a represso atingiu seu mais alto
grau. A ter-ceira se abre com a posse do general Ernesto Geisel,em
1974 ano em que, paradoxalmente, o desapare-cimento de opositores
se torna rotina , iniciando-seento uma lenta abertura poltica que
iria at o fimdo perodo de exceo.Na fase inicial, o setor das Foras
Armadas que prevaleceuna disputa interna para comandar o aparato
estatal foi oproveniente da Escola Superior de Guerra (ESG), que
haviafortalecimento dos partidos de esquerda, mobilizaesde contedo
socialista, aproximao diplomtica comCuba e Unio Sovitica, bem como
pelo crescimento dosetor nacional-estatal da economia, com destaque
paraas minas de cobre, maior fonte de divisas do pas.O Chile viveu
sob a ditadura do general Pinochet at quea oposio vencesse um
plebiscito nacional em 1988 eas eleies presidenciais do ano
seguinte. Iniciou-se,ento, uma delicada engenharia de transio
polticaque seria completada ao longo dos anos seguintes. Hmuita
controvrsia e at livros publicados em torno daestimativa de quantos
foram os mortos e desaparecidosdurante o regime Pinochet,
predominando cifras queoscilam entre 3.000 e 10.000 opositores
assassinados.Quanto ao Paraguai, importa registrar que o regimedo
general Stroessner, iniciado em 1954 e igualmentepautado pela
rotineira ocorrncia de prises, torturase execues de adversrios
polticos, teve caracters-ticas de um complexo sistema ditatorial
militar-civil,que conferiu ao ditador oito mandatos sucessivos,
at1989. O Partido Colorado, ao qual pertencia Stroessner,governa
ainda hoje aquele pas, aps passar por recicla-gem superficial,
sendo que, no presente momento, asinstituies polticas paraguaias
ainda ostentam umainstabilidade poltica que destoa do observado no
res-tante do Cone Sul.Em meados da dcada de 1970, os regimes
militaresdesses cinco pases articularam uma integrao ope-racional
de seus rgos de represso poltica para in-tercmbio de inteligncia e
para efetuar prises, se-qestros, atentados com explosivos ou mesmo
executarmilitantes das organizaes polticas que atuavam naresistncia
ditadura em seus respectivos pases.Idealizada pelo coronel Manuel
Contreras, chefe daDINA, a polcia poltica de Pinochet, a chamada
Ope-rao Condor terminaria abrangendo tambm a Bolviaaps a derrubada
do governo nacionalista de Juan JosTorres, e at o Equador. Como
parte dessa operao, fo-ram assassinados no exlio importantes lderes
polticoscomo o senador uruguaio Zelmar Michelini; os minis-tros de
Allende, general Carlos Prats e Orlando Letelier;e vrios
outros.
13. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 22 |A Doutrina de Segurana
Nacional, idealizada em gran-de parte por Golbery, foi uma
tentativa de fundamentarconceitualmente a suspenso das garantias
constitucio-nais, a limitao das liberdades individuais, a introdu-o
da censura aos meios de comunicao e a repressototal aos que se
opunham por meio de atividades clan-destinas. A defesa do
cristianismo ocidental foi usadacomo pretensa inspirao dessa
doutrina, o que semprefoi contestado pela Conferncia Nacional dos
Bispos doBrasil (CNBB), por expoentes como Dom Cndido Padime padre
Joseph Comblin, ambos igualmente vtimas deinvestigaes e processos
por parte do regime.A Doutrina de Segurana Nacional se assentava
natese de que o inimigo da Ptria no era mais externo,e sim interno.
No se tratava mais de preparar o Brasilpara uma guerra tradicional,
de um Estado contra ou-tro. O inimigo poderia estar em qualquer
parte, dentrodo prprio pas, ser um nacional. Para enfrentar
essenovo desafio, era urgente estruturar um novo aparatorepressivo.
Diferentes conceituaes de guerra guerrapsicolgica adversa, guerra
interna, guerra subversiva foram utilizadas para a submisso dos
presos polti-cos a julgamentos pela Justia Militar.Assim, j no
final de 1969, estava caracterizada a ins-talao de um aparelho de
represso que assumiu ca-ractersticas de verdadeiro poder paralelo
ao Estado nopas. Seus agentes podiam utilizar os mtodos mais
sr-didos, mas contavam com o manto protetor representa-do pelo AI-5
e pela autoridade absoluta dos mandat-rios militares, incluindo-se
a a suspenso do direito dehabeas-corpus, a formalizao de decretos
secretos e aedio de uma terceira Lei de Segurana Nacional (DL898),
introduzindo priso perptua e at mesmo a penade morte para
opositores envolvidos em aes armadasque tivessem causado
morte.Remanescentes do Grupo Permanente de MobilizaoIndustrial,
responsvel pela articulao do setor em-presarial nos preparativos do
Golpe de Estado de 1964,colaboraram financeiramente para a
reestruturao doaparato repressivo, inicialmente de forma
semiclandes-tina. As Foras Armadas passaram a se adaptar
paraenfrentamento da guerra de guerrilhas. A estrutura deinformao
montada fortaleceu sua capacidade paraconstrudo um verdadeiro
projeto nacional de poder, entre1954 e 1964, tendo como principal
lder o marechal Cas-telloBranco, primeiro presidente do ciclo
militar.O primeiro Ato Institucional, de 09/04/1964, desenca-deou a
primeira avalanche repressiva, materializada nacassao de mandatos,
suspenso dos direitos polti-cos, demisso do servio pblico, expurgo
de militares,aposentadoria compulsria, interveno em sindicatose
priso de milhares de brasileiros.Inspirada no similar National War
College norte-ameri-cano, a ESG nasceu em 1949 sob a jurisdio do
Estado-Maior das Foras Armadas. Sua orientao era marcadapor forte
ideologia anticomunista, que se traduziu namencionada Doutrina de
Segurana Nacional, com basena qual se construiu o aparato capaz de
controlar todaa vida poltica no pas e formar quadros para
ocuparcargos de direo no novo governo.O grupo de oficiais da ESG
tambm montou o ServioNacional de Informaes (SNI), um dos pilares da
dita-dura, concebido pelo principal terico do regime, o ge-neral
Golbery do Couto e Silva. A ESG e o SNI desenvol-veram um papel
poltico fundamental na implantao edefesa do governo de
exceo.Propaganda utilizada pela ditadura militar
14. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 23
|travar a guerra surda que se deu por meio dos inter-rogatrios com
torturas, das investigaes sigilosas, daescuta telefnica, do
armazenamento e processamentode informaes sobre atividades
consideradas subver-sivas. Eram enquadradas nesse campo, desde
simplesreivindicaes salariais e pregaes religiosas, at asformas de
oposio por mtodos militares.Pelo menos entre 1969 e 1976, a
estrutura do siste-ma repressivo adquiriu o formato de uma ampla
pir-mide, tendo como base as cmaras de interrogatrioe, no vrtice, o
Conselho de Segurana Nacional. OSNI tinha sido criado em 13 de
junho de 1964 pararecolher e processar todas as informaes de
inte-resse da segurana nacional. Seu comandante, comstatus de
ministro, mantinha encontros dirios com opresidente da Repblica e
tinha uma grande influn-cia sobre as decises polticas do governo.
Tanto que,desse rgo, saram dois presidentes do ciclo militar,o
general Emlio Garrastazu Mdici e o general JooBaptista
Figueiredo.Apesar do grande aparato montado, o servio de
intelignciano conseguiu responder com eficincia s expectativas
dogoverno num primeiro momento. Para melhorar a eficciarepressiva,
surgiu a necessidade de uma integrao completaentre os organismos da
represso, ligados aos ministrios doExrcito, da Marinha e da
Aeronutica, Polcia Federal e spolcias estaduais. Em So Paulo, foi
montada, em 1969, umaoperao piloto que visava a coordenar esses
servios, cha-mada Operao Bandeirante (OBAN). No era
formalmentevinculada ao II Exrcito, mas estava, de fato, sob a
chefia deseu comandante, o general Canavarro Pereira. A OBAN
foicomposta de efetivos do Exrcito, da Marinha, da Aeronu-tica, da
Polcia Poltica Estadual, do Departamento de
PolciaFederal,daPolciaCivil,daForaPblica,daGuardaCivileatde civis
paramilitares.A experincia da OBAN como centralizadora das
aesrepressivas em So Paulo foi aprovada pelo regimemilitar, que
resolveu estender seu formato a todo oPas. Nasceu ento o
Destacamento de Operaes deInformaes/Centro de Operaes de Defesa
Interna,lembrado ainda hoje pela temvel sigla DOI-CODI,
queformalizou no mbito do Exrcito um comando englo-bando as trs
Armas.Com dotaes oramentrias prprias e chefiado porum alto oficial
do Exrcito, o DOI-CODI assumiu o pri-meiro posto na represso
poltica no pas. No entanto,os Departamentos de Ordem Poltica e
Social (DOPS) eas delegacias regionais da Polcia Federal, bem comoo
Centro de Informaes de Segurana da Aeronuti-ca (CISA) e o Centro de
Informaes da Marinha (CE-NIMAR) mantiveram aes repressivas
independentes,prendendo, torturando e eliminando opositores.Esse
gigantesco aparelho repressivo chegou a atuar tam-bm fora do pas.
Em 1972, deixou sua marca na Bolvia,aps o golpe que derrubou Juan
Jos Torres; em 1973, noChile e no Uruguai; e em 1976, na Argentina.
Essa expan-so tentacular foi relatada por vrios exilados
submetidosa interrogatrios por agentes brasileiros quando
presosnaqueles pases. Os agentes brasileiros explicavam suapresena
no exterior como parte de uma misso para trei-nar em tcnicas de
interrogatrio e tortura seus colegasbolivianos, chilenos,
argentinos e uruguaios.A resistnciaAo longo dos 21 anos de regime
de exceo, em nenhum mo-Ao longo dos 21 anos de regime de exceo, em
nenhum mo-Amento a sociedade brasileira deixou de manifestar seu
senti-mento de oposio, pelos mais diversos canais e com
diferentesnveis de fora. J nas eleies de 1965, adversrios do
regimevenceram a disputa para os governos estaduais de Minas
Geraise da Guanabara, levando os militares a decretar em outubro
oAto Institucional n 2 (AI-2), que eliminou o sistema
partidrioexistenteeforouaintroduodobipartidarismo.Entre 1966 e
1979, o Movimento Democrtico Brasilei-ro (MDB) atuou como frente
legal de oposies, ampla-mente heterognea. Nesses 13 anos, sua
conduta alter-nou fases pragmticas de conformismo e momentos
deenfrentamento corajoso. Foi vtima de ciclos vingativos decassao
de mandatos e sofreu a edio de pacotes comregras casusticas que
buscavam perpetuar a supremaciado partido governista, a Aliana
Renovadora Nacional(Arena), comprovando que o regime s aceitava o
resulta-do das urnas quando elas lhe eram favorveis.Atingida com
dureza j nos primeiros dias do novo go-verno, quando a sede da Unio
Nacional dos Estudantes(UNE) foi incendiada na Praia do Flamengo,
Rio de Ja-
15. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 24 |neiro, o Movimento Estudantil
comeou a se manifestarcom energia a partir de 1965, em todo o Pas.
A UNEdesafiou abertamente a proibio das entidades estu-dantis
autnticas, imposta pelo primeiro ministro daEducao do regime
militar, Flvio Suplicy de Lacerda.Essas manifestaes cresceriam at
atingir seu auge nasgrandes passeatas de 1968, entrando em refluxo
aps adecretao do AI-5, em dezembro daquele ano, para vol-tar a
crescer novamente a partir de 1977. Em fevereiro de1969, o governo
Costa e Silva chegou a baixar um dis-positivo especfico para
reprimir a oposio poltica e aatividade crtica nas universidades, o
Decreto n 477, queprevia o desligamento de estudantes, professores
e funcio-nrios envolvidos em atividades subversivas.Os sindicatos
de trabalhadores, fortemente golpeadospelo regime j nos primeiros
dias de abril de 1964, con-seguiram se reerguer gradualmente e
realizar importan-tes greves em 1968, em Osasco (SP) e Contagem
(MG),retornando a um patamar de fermentao discreta atatingir novo
salto em 1978, quando no ABC paulista,voltam as mobilizaes de massa
que dariam incio construo de um novo sindicalismo no Brasil.A rea
intelectual e artstica representou outro plo deresistncia. A msica,
o cinema, o teatro, a literatura,distintos segmentos da vida
cultural brasileira torna-ram-se arena de contestao ao regime
autoritrio,agindo muitas vezes como ousada trincheira que exigiao
resgate da liberdade de criao. O setor enfrentou,como represlia,
perodos de vigorosa censura e mesmoa priso de grandes expoentes
artsticos, em especialnas semanas que se seguiram decretao do
AI-5.No contexto de endurecimento do regime, algumas or-ganizaes
partidrias de esquerda optaram pela lutaarmada como estratgia de
enfrentamento do poderdos militares. Nasceram diferentes grupos
guerrilhei-ros, compostos por estudantes em sua grande maioria,mas
incluindo tambm antigos militantes comunistas,militares
nacionalistas, sindicalistas, intelectuais e reli-giosos. Essas
organizaes poltico-militares adotaramtticas de assalto a bancos,
seqestro de diplomatasestrangeiros para resgatar presos polticos,
atentados aquartis e outras modalidades de enfrentamento, o que,por
sua vez, tambm produziu inmeras vtimas entreagentes dos rgos de
segurana e do Estado.Consolidou-se, com o AI-5, uma dinmica de
radica-lizao que j tinha nascido no bojo da disputa queenvolveu a
escolha do sucessor de Castello Brancono comando do regime. O
general Costa e Silva as-sumiu a presidncia, em 1967, como
representanteda chamada Linha Dura, vale dizer, setores das
trsArmas que rejeitavam qualquer moderao ou tole-rncia quanto s
oposies. Na chefia do SNI, Costae Silva colocou Garrastazu Mdici,
que seria o pre-sidente seguinte, representando o perodo de
maiortruculncia repressiva.Nessa dinmica, o governo tinha alijado
at mesmo li-deranas polticas que foram grandes expoentes da
mo-bilizao pela deposio de Joo Goulart, como CarlosLacerda e vrios
outros. O endurecimento levou ao sur-gimento, em 1966, de uma
Frente Ampla que reunifica-va figuras diametralmente opostas no
leque partidriobrasileiro, como o prprio Lacerda, Juscelino
Kubitschek,
16. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 25
|Joo Goulart e outros. Em 5 de abril de 1968, a FrenteAmpla seria
terminantemente proibida pelo regime.A escalada repressiva sobre os
estudantes deu novo saltoa partir de 28 de maro de 1968, quando
policiais dispara-ram contra manifestao que protestava pelo
fechamentodo restaurante Calabouo, no Rio de Janeiro, matando
osecundarista Edson Lus Lima Souto. Ao funeral compare-ceram 50 mil
pessoas, ocorrendo dezenas ou centenas deprises. Dias depois, a
cavalaria da Polcia Militar invadiua igreja da Candelria, onde se
realizava a missa de stimodia, com a presena de milhares de
estudantes.Em 21 de junho, a violncia cresceu ainda mais no Riode
Janeiro. Foras policiais reprimiram passeata estudantilque
reivindicava mais verbas para o ensino, restando umsaldo de quatro
mortos, num episdio que foi registradona imprensa como sexta-feira
sangrenta. A opinio p-blica reagiu expressando um nvel de indignao
contra abrutalidade repressiva, que ainda no tinha precedentesdesde
1964. No dia 26 de junho, artistas, intelectuais, re-ligiosos,
trabalhadores, estudantes, centenas de mes e apopulao de um modo
geral se uniram na Passeata dosCem Mil. O que, por sua vez, acabou
acirrando ainda maisa tenso no seio dos segmentos extremistas do
regime.Passeatas estudantis se repetiram em quase todos osestados
do Brasil naquele perodo. Em So Paulo, em3 de outubro, estudantes
da USP, na rua Maria An-tonia, enfrentaram a polcia e alunos da
UniversidadeMackenzie, sede do Comando de Caa aos Comunistas(CCC),
resultando na morte de outro secundarista, JosGuimares. Dias
depois, ocorreu ocupao policial quedeixou o antigo prdio
universitrio praticamente des-trudo. No dia 12 de outubro, a polcia
invadiu um stioem Ibina, no interior do estado, onde se realizava,
deforma clandestina, o 30 Congresso da UNE, prendendoos
participantes (entre 700 e 1.000 pessoas), incluindo-se a a quase
totalidade de suas lideranas nacionais.Essa primeira fase do ciclo
autoritrio terminaria nofinal daquele ano. O governo pediu licena
ao Legisla-Em seu governo, o marechal Arthur da Costa Silva (1967
1969) editou o AI-5, que lhe dava poderes para fechar o
Parlamento,cassar polticos e institucionalizar a represso
17. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 26 |tivo para processar o
deputado federal Mrcio MoreiraAlves, do MDB, que havia discursado
da tribuna da C-mara denunciando a violncia policial e militar
exercidacontra as passeatas estudantis. Com Mrio Covas naliderana
da oposio, o parlamento brasileiro no securvou exigncia e essa
negativa foi utilizada peloregime como pretexto final para a
decretao do AI-5,em 13 de dezembro.O AI-5 foi considerado um
verdadeiro golpe dentro dogolpe. O Congresso Nacional foi fechado,
as cassaesde mandatos foram retomadas, a imprensa passou a
sercompletamente censurada, foram suspensos os direitosindividuais,
inclusive o de habeas-corpus. O Conselhode Segurana Nacional teve
seus poderes ampliados ea chamada Linha Dura assumiu o controle
completo nointerior do regime. Aes de guerrilha urbana, j
ini-ciadas antes do AI-5, se avolumaram nitidamente atsetembro de
1969, quando o espetacular seqestro doembaixador norte-americano no
Brasil, Charles BurkeElbrick significou uma desmoralizao do poderio
re-pressivo do regime e, ao mesmo tempo uma convoca-o para que ele
fosse redobrado.Com o afastamento de Costa e Silva, em agosto
de1969, por motivos mdicos, uma Junta Militar ocupoude forma
provisria o poder, impedindo a posse do vice-presidente civil,
Pedro Aleixo. De imediato, a junta edi-tou, em setembro de 1969,
uma nova Lei de SeguranaNacional, com elevao drstica do contedo
repressivoe introduzindo a pena de morte. Na disputa sucessriaento
deflagrada, o general Mdici foi o vencedor emuma votao direta entre
generais do Alto-Comando.Mdici pertencia ao grupo palaciano que
havia aposta-do no fechamento poltico do Estado e sua posse abriua
fase de represso mais extremada em todo o ciclo de21 anos do regime
militar.A Constituio de 1967, que Castello Branco havia
intro-duzido em substituio Carta de 1946, e que tentavalegalizar um
sistema carente de legitimidade constitu-cional, trocada, por
decreto, pela Constituio de 1969.Este ltimo arremedo de Constituio,
completamente in-constitucional luz de qualquer abordagem apoiada
nosprincpios universais do Direito, nada mais fazia do quedesdobrar
as imposies contidas no draconiano AI-5. Eeste tinha abolido os
direitos individuais, que representamReunio da Campanha pela
Anistia, em 1978, na Cmara de Vereadores de So Paulo
18. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 27
|o eixo central de todos os preceitos do constitucionalismo,bem
como da prpria democracia.A partir de ento, num clima de verdadeiro
terror deEstado, o regime lanou ofensiva fulminante sobre osgrupos
armados de oposio, que tinham imposto umaderrota desmoralizante aos
militares que cederam noseqestro do embaixador norte-americano,
trocando-o pela libertao de 15 prisioneiros polticos. Da emdiante
concentrou seu fogo, em primeiro lugar, contraas organizaes que
agiam nas grandes capitais: ALN,MR-8, PCBR, Ala Vermelha, VPR,
VAR-Palmares e mui-tas outras. Entre 1972 e 1974, combateu e
exterminouuma base guerrilheira que o PCdoB mantinha em
trei-namento na regio do Araguaia desde 1966. Entre 1975e 1976
aniquilou 11 integrantes do Comit Central doPCB e, em 16/12/1976,
cercou uma casa onde se reuniaa direo do PCdoB, matando trs
dirigentes e prenden-do quase toda a direo daquele partido.Num
computo final, a violncia repressiva no poupouas organizaes
clandestinas que no tinham aderido luta armada, e nem mesmo
religiosos que se opunse-ram ao regime sem filiao a qualquer
organizao. Ospresdios ficaram superlotados e as listas
denunciandomortes sob torturas pularam de algumas dezenas
deopositores, em 1962, para vrias centenas, em 1979,ano da
Anistia.A temtica dos Direitos Humanos, que antes da ditaduraera um
elemento quase ausente na agenda poltica nacio-nal, passa a
representar um ponto de vulnerabilidade doregime. Acumulam-se e se
tornam cada vez mais confi-veis as denncias sobre torturas
relatadas pelos presos quesobreviveram. Cresce o desgaste da imagem
do Brasil noexterior e, principalmente, a presso que a hierarquia
daIgreja Catlica exerce em torno do assunto.No final de 1973, ltimo
ano de Mdici, j estava evi-dente o esgotamento do chamado Milagre
Brasileiro,ciclo de cinco anos com forte crescimento do PIB, e
osgrupos militares de origem castellista conseguiram re-cuperam
fora, impondo Ernesto Geisel como prximopresidente. No momento de
sua posse, em maro de1974, os rgos de represso j tinham logrado
xitono combate aos grupos de guerrilha urbana e desen-volviam a
ltima campanha militar de aniquilamentocontra os militantes do
PCdoB no Araguaia.Quando, o PCB se tornou o alvo principal do
aparelhorepressivo, em 1974 e 1975, os rgos de segurana eli-minaram
fisicamente a quase totalidade de seu ComitCentral, sem fazer
qualquer anncio pblico. O regimemanteve completo silncio sobre as
notas de desapa-recimento que a imprensa, voltando a
experimentarpequenas brechas na censura, comeou a publicar
comcautela.A distensoErnesto Geisel assumiu a Presidncia da
Repblica emmaro de 1974, anunciando um projeto de distenso
lenta,gradual e segura. Cinco anos depois, ao transmitir o postoao
general Joo Baptista Figueiredo, entregaria ao sucessorum regime
ainda no democrtico, mas onde a repressopoltica era menos
acentuada. Estaria abolido o AI-5, a li-berdade de imprensa vinha
sendo devolvida aos poucos, aspropostas de anistia eram debatidas
abertamente e Gol-bery do Couto e Silva, que voltou ento primeira
cena navida poltica nacional, preparava uma proposta de
reformapartidria extinguindo o bipartidarismo forado.No entanto,
certo que nos trs primeiros anos de Geisel,os interrogatrios
mediante tortura e a eliminao fsicados opositores polticos
continuaram sendo rotina. O de-saparecimento de presos polticos,
que antes era apenasuma parcela das mortes ocorridas, torna-se
regra predo-minante para que no ficasse estampada a contradioentre
discurso de abertura e a repetio sistemtica dasvelhas notas
oficiais simulando atropelamentos, tentati-vas de fuga e falsos
suicdios.Em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzogfoi
assassinado sob torturas no DOI-CODI de So Paulo,valendo o episdio
como gota dgua para que aflorasseum forte repdio da opinio pblica,
na imprensa e na so-ciedade civil como um todo, contra a repetio de
encena-es aviltantes (suicdio) para tentar encobrir a
verdadeirarotina dos pores do regime.Trs meses depois, no mesmo
DOI-CODI de So Paulo, assassinado sob torturas o operrio metalrgico
Manuel
19. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 28 |Fiel Filho, sendo expedida,
mais uma vez, nota oficial coma inacreditvel verso de suicdio. Mas,
pela primeira vezna histria do regime militar, o presidente decide
agir con-tra os pores e demite do Comando do II Exrcito o
generalEdnardo Dvila Mello. Abre-se, ento, um confronto claroentre
Geisel e militares mais direita, que s terminariacom a queda de
Sylvio Frota do comando do Exrcito, emoutubro do ano seguinte.Antes
disso, em abril de 1977, o regime militar volta a de-cretar o
fechamento do Congresso Nacional para editar oPacote de Abril,
conjunto de medidas casusticas que sedestinavam, prioritariamente,
a conter o fortalecimentodo MDB, que tinha colhido um surpreendente
crescimentonas urnas em 1974. Repete-se, assim, o expediente
anti-democrtico utilizado no ano anterior, quando foi edita-da a
Lei Falco, destinada a prejudicar os candidatos daoposio nas eleies
municipais daquele ano. O Pacotede Abril introduziu a esdrxula
figura do senador binico,como recurso autoritrio para impedir o
crescimento doMDB nas eleies do ano seguinte.Apesar de todos os
expedientes arbitrrios, o governo mi-litar sofreu outro revs nas
urnas de 1978, com novo saltono fortalecimento do MDB, partido que
nessa altura desua trajetria contava com uma importante ala de
au-tnticos, designao assumida por deputados e senado-res que
denunciavam as violaes de Direitos Humanos eeram intransigentes no
embate parlamentar contra a Are-na, sendo muitos deles ligados s
lutas sindicais e popula-res que vinham crescendo no cenrio de
abertura.Em julho de 1977, a cassao de mandato voltou a atingir
afigura do lder do MDB na Cmara dos Deputados. A violn-cia do
regime militar contra o deputado paranaense Alen-car Furtado era
resposta ao pronunciamento feito por ele noprograma partidrio do
MDB, em cadeia nacional, quandoabordou o tema dos desaparecidos de
maneira contundente:Hoje, menos que ontem, ainda se denunciam
prises arbi-trrias, punies injustas e desaparecimento de cidados.
Oprograma do MDB defende a inviolabilidade dos direitos dapessoa
humana para que no haja lares em prantos; filhosrfos de pais vivos
quem sabe? Mortos talvez. Os r-fos do talvez e do quem sabe. Para
que no haja esposasque envivem com maridos vivos, talvez, ou
mortos, quemsabe? Vivas do quem sabe e do talvez.Anistia e m do
regime militarNo mbito poltico, 1979 o ano da Anistia, que
foiaprovada em 28 de agosto, envolvendo questes po-lmicas a ser
abordadas logo adiante neste livro-rela-trio. Mesmo incorporando o
conceito de crimes co-nexos para beneficiar, em tese, os agentes do
Estadoenvolvidos na prtica de torturas e assassinatos, a Leide
Anistia possibilitou o retorno de lideranas polticasque estavam
exiladas, o que trouxe novo impulso aoprocesso de redemocratizao.
Nesse mesmo ano, foiaprovada a reformulao poltica que deu origem
aosistema partidrio em vigncia at os dias de hoje.Desde 1978, no
entanto, vinham se repetindo atentadosa bomba, invases ou depredaes
de entidades de ca-rter oposicionista, jornais e mesmo bancas de
revista,cuja autoria sempre foi interpretada como s podendocaber
aos integrantes do aparelho de represso. Naqueleano, registraram-se
24 atentados desse tipo somente emMinas Gerais. Praticamente
coincidindo com o primeiroaniversrio da Lei de Anistia, em 27 de
agosto de 1980uma bomba explodiu na sede da OAB do Rio de
Janeiro,causando a morte da secretria Lyda Monteiro da Silva.Na
medida em que, at hoje, nunca o Brasil foi informa-do oficialmente
sobre a verdadeira radiografia do apa-rato de represso, incluindo
dados sobre sua histria,estruturao interna, oramento e, sobretudo,
sobre asdatas e cronograma de seu desmantelamento ou rees-truturao,
ainda prevalecem incertezas e interpreta-es discordantes a respeito
de quem foram os respon-sveis por mais esse assassinato.Em 30 de
abril de 1981, parece ter se confirmado deforma inequvoca a
existncia de algum tipo de braoclandestino da represso ainda
operando plenamente.Ao que tudo indica, dois membros do DOI-CODI do
Riode Janeiro sofreram um acidente, quando preparavamatentado
terrorista no Riocentro, durante um showde msica popular em
comemorao ao 1 de Maio.A bomba explodiu no carro em que estava um
capito eum sargento, ambos do Exrcito, morrendo este e
ficandogravemente ferido o oficial. O inqurito instaurado
peloregime foi encerrado com concluses absolutamente inve-rossmeis.
Joo Baptista Figueiredo no tinha fora ou no
20. quis repetir, no caso, a atitude firme adotada por
Geisel,cinco anos antes, no episdio Manuel Fiel Filho.Nas eleies de
1982, que marcaram a estria das no-vas siglas partidrias PMDB, PDS,
PTB, PDT e PT ,as oposies conquistam o governo estadual em
vriasunidades da Federao, destacando-se So Paulo, Riode Janeiro e
Minas Gerais.A sociedade brasileira queria mais. Entre novembro
de1983 e o abril de 1984, uma grande presso popularexigiu eleies
diretas, mobilizando milhes de pesso-as em passeatas e comcios.
Essa campanha, conheci-da como Diretas J, no logrou vitria na votao
daEmenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984, masapressou o
fim do regime militar.No Colgio Eleitoral reunido em janeiro de
1985, o go-vernador de Minas Gerais, Tancredo Neves, foi
eleitopresidente, mas uma grave enfermidade impediu suaposse em 15
de maro, vindo a falecer em 21 de abril.Foi empossado o vice, Jos
Sarney, senador do Mara-nho que havia pertencido Arena, mas j em
maio ospartidos comunistas foram legalizados, os analfabetosforam
admitidos na cidadania plena com o direito aovoto, algumas restries
da Anistia de 1979 foram re-visadas e abriu-se amplo debate sobre o
caminho maisadequado para que o Brasil pudesse finalmente escre-ver
uma verdadeira Constituio democrtica.Promulgada em 5 de outubro de
1988, a Carta queUlisses Guimares batizou como Constituio
Cidaddefiniu o pas como uma democracia representativa
eparticipativa, fixando, no artigo 1, que o Estado Demo-crtico de
Direito tem como um de seus fundamentos adignidade da pessoa
humana. O Brasil voltou s urnasem 1989 para eleger livremente o
presidente da Rep-blica, pela primeira vez em quase 30 anos.Durante
toda a dcada de 90, as instituies polticas jfuncionaram em absoluta
normalidade, verificando-seconvivncia regular entre os trs poderes
da Repblica.O Pas mostrou-se capaz de superar gravssimas
crisespolticas, como a que levou ao impeachment do presi-dente
Collor, em 1992. Segue em perfeita rotina a dis-puta e alternncia
de partidos polticos nos municpios,nos estados e no nvel federal.Ao
ingressar no sculo 21, o Brasil se revela portador de todosos
ingredientes de uma verdadeira democracia poltica. Re-ne, portanto,
condies plenas para superar os desafios aindarestantes efetivao de
um robusto sistema de proteoaos Direitos Humanos. No pode temer o
conhecimento maisprofundo a respeito do prprio passado.COMISSO
ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS
21. Captulo 3A histria da Comisso EspecialAbusca da verdade
pelos familiares das pes-soas que morreram na luta contra o
regimemilitar uma histria longa e repleta deobstculos. De incio, as
famlias e seus ad-vogados tinham em mos apenas uma ver-so falsa ou
simplesmente um vazio de informaes. Hmais de 35 anos, seguem
batendo em todas as portas,insistindo na localizao e identificao
dos corpos. Tive-ram sucesso em poucos casos. Mas alcanaram xito
numprimeiro objetivo importante: o Estado brasileiro reconhe-ceu
sua responsabilidade pelas mortes denunciadas.A legtima presso
exercida por militantes dos DireitosHumanos, ex-presos polticos,
exilados, cassados e fa-miliares de mortos e desaparecidos a favor
da Anistia edo direito verdade adquiriu vigor em meados da d-cada
de 1970, at resultar na conquista da Lei n 6.683,de 28 de agosto de
1979, conhecida como Lei da Anis-tia. Tiveram papel marcante nessa
jornada o MovimentoFeminino pela Anistia e o Comit Brasileiro pela
Anistia,com vrias unidades estaduais, impulsionados por lideran-as
como Therezinha Zerbini, Mila Cauduro, Luiz EduardoGreenhalgh, Eny
Raymundo Moreira, Madre Cristina SodrDria, Iramaya Benjamin, Helena
Greco, Lcia Peres, Teot-nio Vilela, Paulo Fonteles e muitos
outros.O saldo da represso poltica exercida pelo regime atin-gia
cifras muito elevadas. Calcula-se que cerca de 50mil pessoas teriam
sido detidas somente nos primeirosmeses da ditadura, ao passo que
em torno de 10 milcidados teriam vivido no exlio em algum momento
dolongo ciclo. Ao pesquisar os dados constantes de 707processos
polticos formados pela Justia Militar entre1964 e 1979, o projeto
Brasil Nunca Mais contou 7.367Brasil Nunca Mais contou 7.367Brasil
Nunca Maisacusados judicialmente e 10.034 atingidos na fase
deinqurito. Houve quatro condenaes pena de morte,no consumadas; 130
pessoas foram banidas do Pas;4.862 tiveram cassados os seus
mandatos e direitos po-lticos; 6.592 militares foram punidos e pelo
menos 245estudantes foram expulsos da universidade.Apesar de
limitada e de excluir arbitrariamente de seusbenefcios uma grande
parcela dos presos polticosexistentes na poca, a Lei de Anistia
teve papel positivona criao do clima de abertura que se
consolidaria noPas no transcurso da dcada de 1980. As eleies de1982
levaram ao governo dos principais estados bra-sileiros lideranas da
oposio como Tancredo Neves,Franco Montoro e Leonel Brizola. Nos
anos seguintes, omovimento Diretas J, a posse de um presidente
civile a promulgao da Constituio de 1988 completarama reconstruo do
Estado Democrtico de Direito.Nesse novo ambiente, o fortalecimento
da luta dos fa-miliares das vtimas do regime militar abriria
caminhopara a conquista mais tarde da Lei n 9.140. Ela fir-mou a
responsabilidade do Estado pelas mortes, garan-tiu reparao
indenizatria e, principalmente, oficializouo reconhecimento
histrico de que esses brasileiros nopodiam ser considerados
terroristas ou agentes de potn-cias estrangeiras, como sempre
martelaram os rgos desegurana. Na verdade, morreram lutando como
oposito-res polticos de um regime que havia nascido violando
aconstitucionalidade democrtica erguida em 1946.Promulgada no
governo do general Figueiredo, a Lei daAnistia considerada polmica,
ainda hoje, por muitos ju-ristas, sobretudo quanto interpretao de
que ela absolveautomaticamente todas as violaes de Direitos
Humanosque tenham sido perpetradas por agentes da represso
po-ltica, caracterizando-se assim o que seria uma
verdadeiraauto-anistia concedida pelo regime a si mesmo.| 30 |
22. | 31 |De qualquer forma, cabe destacar que, ao fixar a
datainicial de abrangncia da Anistia em 2 de setembro de1961, os
legisladores entenderam que, j na crise pol-tica da renncia do
presidente Jnio Quadros, a norma-lidade democrtica havia sido
rompida por uma inter-veno militar inconstitucional.Nos meses que
antecederam a aprovao da lei, oComit Brasileiro pela Anistia
encaminhou ao sena-dor alagoano Teotnio Vilela, presidente da
ComissoMista formada para examinar a matria no CongressoNacional,
um amplo dossi com a histria dos mortose desaparecidos. Mais tarde,
esse documento foi sis-tematizado e ampliado pela Comisso de
Familiares epela Comisso de Cidadania e Direitos Humanos da
As-semblia Legislativa do Rio Grande do Sul, servindo debase para
inmeros trabalhos posteriores.A orientao imposta por Figueiredo
tramitao doprojeto de anistia era contrria defendida pelos
paren-tes dos perseguidos polticos e pelos Comits de Anistia.Uma
das poucas sobreviventes da chamada Guerrilhado Araguaia, Crimia
Alice Schmidt de Almeida, apontaas inconsistncias daquele projeto:
a isonomia previs-ta na Constituio era desrespeitada de modo
flagrantequando pessoas j condenadas por crimes de opinio
eramcontempladas, ao passo que se excluam aquelas comprocesso ainda
em andamento. Alm de no anistiar osparticipantes nas organizaes e
operaes de resistnciaarmada, a proposta deixava brechas para
auto-absolviodos agentes do Estado envolvidos em crimes de
tortura,seqestro, assassinato e ocultao de cadveres.O artigo 1 da
lei, explica Crimia, fala em crimes po-lticos ou conexos com estes,
frase que deu margem interpretao de que abrange todas aquelas
modalida-des de ao repressiva. No entanto, o nome de cadaanistiado
era publicado formalmente no Dirio Oficial daUnio, ao passo que
nenhum agente da represso polticateve seu nome includo nesses
anncios. Dezenas de pre-sos polticos permaneceram encarcerados aps
a Anistia,sendo soltos apenas por fora de mudanas
introduzidas,meses antes, na Lei de Segurana Nacional.Segundo
Belisrio dos Santos Junior, advogado e mem-bro da Comisso Especial
sobre Mortos e DesaparecidosPolticos desde 2001, para tentar
esvaziar a campanhapela Anistia, o Governo Geisel obteve, como um
de seusltimos atos, a aprovao de uma nova Lei de Seguran-a
Nacional, a de nmero 6.620, em dezembro de 1978,mantendo como base
a Doutrina de Segurana Nacio-nal, mas introduzindo a diminuio de
todas as penas,em funo de que inmeros presos polticos foram
sol-tos, pela adequao de suas condenaes nova lei.Mais de dez anos
depois, persistindo na batalha perma-nente para obter informaes e
denunciar os crimes co-metidos pelo Estado sob o regime militar, os
brasileirosque buscavam o paradeiro de seus filhos, pais, irmose
amigos desde os anos 70 reavivaram a esperana em4 de setembro de
1990, com a descoberta de uma valacomum no cemitrio Dom Bosco, em
Perus, periferia dacidade de So Paulo. Escavaes revelaram 1.049
ossa-das onde, provavelmente, se misturavam restos mortaisde
opositores polticos, indigentes e vtimas dos esqua-dres da morte.
No por acaso, no mesmo cemitriohaviam sido encontrados, em 1979, os
restos mortais deLuiz Eurico Tejera Lisba, o primeiro desaparecido
pol-tico a ser localizado, depois de a viva, Suzana KenigerLisba,
perseguir pistas durante sete anos.Suzana e outros familiares
retomaram, em 1990, a inves-tigao das suspeitas envolvendo aquele
cemitrio comolocal onde os agentes da represso poltica ocultavam
ca-dveres. O jornalista Caco Barcellos produziu matria parao
programa Globo Reprter, mas a emissora preferiu noexibir a
reportagem naquele momento. O caso s foi adian-te, de fato, pela
determinao da prefeita Luiza Erundina(1989-1992), que aps a
abertura da vala de Perus assu-miu as investigaes e apoiou a criao
de uma ComissoParlamentar de Inqurito (CPI) na Cmara Municipal deSo
Paulo, para examinar a questo, contribuindo paraampliar a discusso
na sociedade.Em 1992, presses exercidas sobre o presidente da
Re-pblica, Fernando Collor de Mello (1990-1992), levaram-no a
determinar a devoluo dos arquivos do DEOPSde So Paulo, que tinham
sido transferidos para a Po-lcia Federal como precauo do governo
militar quandoo PMDB venceu as eleies estaduais. Em seguida,
elesforam abertos para consultas dos familiares, advogados
ejornalistas, repetindo-se a transparncia j demonstrada
23. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 32 |antes pelo governo estadual,
que havia franqueado docu-mentos e fotos do Instituto Mdico Legal,
em 1990.Com as novas fontes de pesquisa, o dossi organizado pe-los
familiares foi ampliado com muitos dados relevantes.Papis
localizados no arquivo paulista permitiram, porexemplo, descobrir o
local de sepultamento do desapareci-do Ruy Carlos Vieira Berbert,
enterrado com nome falso emNatividade de Gois. Nesse perodo, tambm
foram aber-tos os arquivos do DOPS de Pernambuco, em seguida os
doParan e depois os do Rio de Janeiro, tendo os governosde
Pernambuco e So Paulo imprimido para publicaoo Dossi dos Mortos e
Desaparecidos a partir de 1964Dossi dos Mortos e Desaparecidos a
partir de 1964Dossi dos Mortos e Desaparecidos . Ospapis do DOPS de
Minas Gerais, declarados incineradospela Secretaria de Segurana
Pblica do estado, seriamtambm abertos ao pblico em dezembro de
2004.Pesquisas realizadas em todos esses arquivos constata-ram
evidncias de que teriam sido trabalhados antesda abertura, uma vez
que pginas foram eliminadas eseqncias inteiras foram puladas,
muitas vezes coinci-dindo exatamente com datas de ocorrncias
relatadasno dossi original dos familiares. Mesmo assim, foramde
grande utilidade para complementao das infor-maes preexistentes e
obteno de novas. Os arquivosdas Foras Armadas permaneceram cobertos
por sigilo,embora o ministro da Justia Maurcio Correa tenhaobtido,
em 1993, algumas informaes importantes emrelatrios que solicitou ao
Exrcito, Marinha e Ae-ronutica durante o governo Itamar
Franco.Depois de quase sufocado, com a controvertida Anis-tia de
1979, o tema do direito memria e verdadevoltou a adquirir
visibilidade crescente nos anos 90. NoCongresso Nacional, em 1991,
o deputado Nilmrio Mi-randa, ex-preso poltico, teve xito na
proposta de criaruma Comisso de Representao Externa da Cmara,para
acompanhar as buscas do cemitrio de Perus eapoiar as famlias dos
mortos e desaparecidos. Apesarde no ter o poder de uma CPI, a
Comisso Externafuncionou durante trs anos, valendo como espao
dedebate em torno da questo e contribuindo para que oassunto
ganhasse ainda mais divulgao.Os parlamentares engajados na luta
pelo reconheci-mento dos mortos e desaparecidos do regime
militaradmitem que, sem o trabalho, sem a persistncia e sema
lealdade das famlias nada disso teria acontecido. Ha-via entre os
parlamentares muitos ex-presos polticos,adversrios da ditadura,
militantes de oposio ao regi-me militar nas mais distintas
trincheiras, que apoiavamessas aes. Em 1995, foi tambm de Nilmrio
Mirandao projeto instituindo a Comisso Permanente de Direi-tos
Humanos da Cmara Federal, que assumiria comoprimeira bandeira o
reconhecimento pelo Estado Brasi-leiro de sua responsabilidade
quanto s torturas e as-sassinatos de opositores ao regime de
1964.Nas eleies presidenciais de 1994, os dois
principaiscandidatos, Fernando Henrique Cardoso e Luiz IncioLula da
Silva, firmaram compromisso com as famlias.Se eleitos,
reconheceriam os desaparecidos polticos ese esforariam para
encontrar os restos mortais das v-timas. Afinal, era preciso
assegurar a todos o sagradodireito ao funeral, bem como o amplo
conhecimentopblico das verdadeiras circunstncias em que as mor-tes
ocorreram.A posse do ex-exilado Fernando Henrique
Cardoso(1995-2002) como presidente da Repblica animou osfamiliares.
O novo presidente determinou ao Ministrioda Justia que a questo dos
Direitos Humanos fossetratada como poltica especfica a partir de
ento. Con-tribuiu para esses avanos a divulgao pela imprensade
matrias como o artigo de Marcelo Rubens Paiva,filho do ex-deputado
Rubens Paiva, desaparecido pol-tico, que publicou na revista Veja o
textoVeja o textoVeja Ns no es-quecemos, bem como a interveno do
secretrio-ge-ral da Anistia Internacional, Pierre Sane, na
imprensagacha, declarando: O presidente talvez no entendaque o
crime de desaparecimento imprescritvel, umcrime contra a
humanidade.Em 1995, cumprindo orientao expressa do presidenteda
Repblica, o ministro da Justia, Nelson Jobim, rece-beu pela
primeira vez os representantes da Comisso deFamiliares de Presos
Polticos, Mortos e Desaparecidose do grupo Tortura Nunca Mais. Na
audincia, foramapresentadas as posies defendidas h cerca de 20anos
por esses militantes, assim resumidas nos 10 pon-tos da
Carta-Compromisso divulgada durante a campa-nha eleitoral de
1994:
24. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 33
|1. Reconhecimento pblico formal pelo Estadobrasileiro de sua
responsabilidade plena na pri-so, na tortura, na morte e no
desaparecimentode opositores polticos entre 1964 e
1985.2.ImediataformaodeumaComissoEspecialdeIn-vestigao e Reparao,
no mbito do Poder ExecutivoFederal, integrada por Ministrio Pblico,
Poder Legis-lativo, Ordem dos Advogados do Brasil, representantesde
familiares e dos grupos Tortura Nunca Mais, compoderes amplos para
investigar, convocar testemu-nhas, requisitar arquivos e
documentos, exumar ca-dveres, com a finalidade de esclarecer cada
um doscasos de mortos e desaparecidos polticos
ocorridos,determinando-se as devidas reparaes.3. Compromisso de no
indicar para cargos deconfiana pessoas implicadas nos crimes da
dita-dura militar e de afast-las do servio pblico.4. Compromisso de
abrir irrestritamente os arqui-vos da represso poltica sob sua
jurisdio.5. Compromisso de anistiar plenamente cidadosvtimas da
ditadura e reparar os danos causadosa eles e seus familiares.6.
Edio de lei incriminadora assegurando ocumprimento do artigo 5,
pargrafo III da Cons-tituio Federal, que probe a tortura e o
trata-mento desumano e degradante.7. Desmilitarizao das Polcias
Militares estadu-ais e sua desvinculao do Exrcito.8. Aprovao do
projeto de Hlio Bicudo, que re-tirava da Justia Militar a
competncia para jul-gar crimes praticados contra civis.9.
Desmantelamento de todos os rgos de re-presso poltica.10. Revogao
da chamada Doutrina de Seguran-a Nacional.Como nasceu a Lei n
9.140No encontro com o ministro Nelson Jobim, comea-ram a ser
fixadas as bases da lei que seria aprovadaem dezembro daquele ano.
Os membros da Comissode Familiares tambm entregaram ao ministro o
Dossidos Mortos e Desaparecidos, nessa altura um volumo-so
documento contendo abundantes informaes sobreMilitantes em passeata
pela Anistia
25. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 34 |as circunstncias das mortes e
dos desaparecimentos,incluindo-se agora vtimas brasileiras das
ditaduras mi-litares do Chile e da Argentina.O chefe de gabinete do
Ministrio da Justia, JosGregori, foi encarregado de preparar o
projeto de lei,merecendo registro seu empenho e habilidade no
cum-primento da difcil tarefa. Na busca de entendimentocomum entre
familiares e representantes do governofederal, tambm cabe ressaltar
a contribuio do advo-gado Belisrio dos Santos Junior, secretrio da
Justiae da Defesa da Cidadania do Estado de So Paulo entre1995 e
2002, que intermediou esse dilogo. Ele lem-bra que ocorreram
reunies difceis, refletindo a tensosempre existente entre sociedade
civil e Estado na ro-tina da vida democrtica, mas ressalta que foi
possvelestabelecer bom nvel de consenso.Os familiares conseguiram
garantir, no escopo da lei,a possibilidade de ser includos,
posteriormente, outrosmortos e desaparecidos que ainda no constavam
doDossi. Foram atendidos tambm na reivindicao deque a proposta no
assumisse a forma de Medida Provi-sria, para garantir amplo debate
no Congresso Nacio-nal antes de sua aprovao. Seu objetivo,
explicaram,era dar sociedade e aos parlamentares a oportunidadede
conhecer melhor os fatos ocorridos no Pas duranteo perodo
ditatorial.Jos Gregori, mais tarde secretrio nacional dos Direi-tos
Humanos (1997-2000) e tambm ministro da Justi-a (2000-2001),
assumiu o compromisso de realizar to-dos os esforos para estender a
abrangncia da lei, paracriar a Comisso Especial incumbida de
analisar novoscasos e para adotar como lista oficial o rol de
desapa-recidos contido no Dossi compilado pela Comisso
deFamiliares. Assegurou, tambm, que haveria um repre-sentante das
famlias na composio da comisso.No processo de construo da nova lei,
a Comissode Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, queacompanhava
de perto toda a discusso, percorreuvrios estados realizando
audincias pblicas paraouvir familiares, colher detalhes dos casos j
regis-trados, indagar sobre outros nomes e reunir sugestesa ser
incorporadas na formulao da proposta gover-namental, ou para
emendas em plenrio. O contedodo projeto foi divulgado no dia 28 de
agosto de 1995,quando se completavam j 16 anos da conquista
daanistia e quase sete anos aps a vigncia da Consti-tuio de 1988,
que, ao ser promulgada, finalmenteassegurou uma anistia ampla,
geral e irrestrita, cor-rigindo as limitaes de 1979.Jos Gregori
partiu da Lei de Anistia para estabelecer osparmetros da proposta
de reconhecimento da respon-sabilidade pelas mortes e
desaparecimentos. O Estado permanente, independente dos governos.
Prender ci-dados e, em vez de submet-los a julgamento, execu-t-los,
agir contra a lei. O Estado no protegeu quemestava sob sua custdia,
lembra ele, ao fundamentar anecessidade de o governo federal
assumir todo o nusda necessria reparao.Na elaborao do projeto de
lei foram estabelecidos trspontos bsicos: o Estado admitiria sua
responsabilida-de pelas mortes; reconheceria oficialmente os mortos
edesaparecidos; pagaria as indenizaes devidas, desdeque a famlia
assim o desejasse. Foi organizada umalista individualizando as
pessoas e as incorporando leisob a forma de anexo. Alm do Dossi
apresentado pe-Dossi apresentado pe-Dossilos familiares das vtimas,
valeram tambm como fontede informaes o reverendo Jaime Wright e Dom
PauloEvaristo Arns, responsveis pelo projeto Brasil NuncaMais, e
anotaes pessoais do prprio Jos Gregori, fei-tas na poca em que
integrou a Comisso Justia e Pazda Arquidiocese de So Paulo.Nunca
foi apresentada qualquer contestao lista demortos e desaparecidos
que comps o anexo da Lei n9.140. Contudo, como o rol no era
completo, houvenecessidade de deix-la em aberto, atribuindo
co-misso especial instituda nessa lei a competncia paraexaminar e
reconhecer novos casos.O contedo da LeiO Projeto de Lei 869, que
resultaria na Lei n 9.140 e nacriao da Comisso Especial sobre
Mortos e Desapa-recidos Polticos, foi considerado tmido por boa
partedos familiares. Em seu Anexo I, constava uma relaode 136 nomes
de pessoas desaparecidas durante o re-
26. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 35
|gime militar, que seriam reconhecidas como mortas
porresponsabilidade do Estado brasileiro.O dossi das famlias
listava 152 nomes, mas nesse pri-meiro momento foram excludos os
que desapareceramno exterior (Argentina, Chile e Bolvia) e trs
referidos ape-nas por apelidos. A Comisso Especial prevista na lei
norecebeu instrumentos ou plenos poderes para apuraodas
circunstncias dos bitos, embora adquirisse autori-dade para
realizar diligncias em busca dos corpos, desdeque fossem
apresentados indcios pelos parentes.A lei previa, ainda, indenizao
aos familiares, exigin-do, porm, que cada parente beneficiado
apresentas-se requerimento e atestado de bito, o que se
revelouextremamente dificultoso. A maioria dos cartrios senegava a
conceder o atestado e o Ministrio da Justiatinha de interferir
diretamente para que fosse expedidoum documento que narrava apenas,
nos termos da lei, amorte presumida da pessoa em questo.Para
Nilmrio Miranda, ministro da Secretaria Especialdos Direitos
Humanos entre 2003 e 2005, a lei propostapelo Governo Fernando
Henrique Cardoso era apenasuma legislao de carter indenizatrio, que
precisavaser aprimorada. Declarava formalmente a responsabili-dade
objetiva do Estado, mas ningum, individualmen-te, seria
investigado.Prevaleceu como interpretao oficial acerca da Lei
deAnistia, naquele momento, a idia de que eram inimpu-tveis os
crimes cometidos pelos agentes da repressopoltica. A Lei n 9.140
foi considerada restritiva pe-los familiares, argumenta ele, e
poderia ter sido maisabrangente, possibilitando exame profundo das
cir-cunstncias em que ocorreram as violaes dos DireitosHumanos
causadoras daquelas mortes, a identificaodos responsveis e divulgao
das informaes paratoda a sociedade.Na viso dos autores da lei, no
entanto, houve um ga-nho extraordinrio para a democracia no Pas,
mesmocom as divergncias mencionadas. Integrantes do Go-verno
Fernando Henrique Cardoso consideram que hou-ve competncia em
encontrar uma sada aceitvel, semmaiores obstculos para a aprovao e
a aplicao danova lei. Um desses obstculos seria incluir na lei,
jnum primeiro momento, a abertura dos arquivos do re-gime militar.
Havia feridas profundas, de ambos os la-dos. Precisvamos encontrar
uma sada favorvel paratodos, avalia Jos Gregori.Com relao aos
mortos, a lei previu a possibilidade deincluso, aps exame da
Comisso Especial, de pessoasque morreram de causas no naturais em
dependnciaspoliciais ou assemelhadas. Para Suzana Lisba primei-ra
representante dos familiares na Comisso -, esta foia principal
conquista do movimento. Outra conquistaimportante, segundo ela, foi
que as indenizaes deve-riam seguir critrios de eqidade. Como ponto
negativo,ela argumenta que o nus da prova de que a pessoatinha sido
vtima do Estado caberia aos familiares. Fica-va para eles a tarefa
de convencer a Comisso Especial deque as verses de suicdios e
tiroteios encobriram assas-sinatos por tortura. Cada morte tinha
uma verso oficialfalsa, alegava-se sempre que a vtima tinha sido
mortaem fuga ou tiroteio, ou, ainda, cometido suicdio. Contudo,as
investigaes demonstraram que a maioria absoluta foipresa, torturada
e executada. Aos familiares e advogadoscaberia provar isso, mesmo
com alguns setores do Estadodificultando o acesso informao.Para
Belisrio dos Santos Junior, no entanto, essa im-presso resultava de
uma leitura muito literal da lei. AComisso, explica ele, desde o
incio, trabalhou com oentendimento de ser seu dever a descoberta da
verda-de real. A verdade formal, aquela que resulta da provados
autos era apenas o incio das buscas, em muitos ca-sos. No obstante
a escassa prova ou a falta de provado requerimento inicial, a
Comisso sempre diligenciou,at os limites de suas possibilidades,
para obteno deprovas que autorizassem o reconhecimento da morte
oudesaparecimento. Houve vrios casos em que o resulta-do final
deveu-se mais ao esforo, s pesquisas, s dili-gncias empreendidas
pela Comisso que ao material aela apresentado pela famlia
requerente.Cabe lembrar que no houve um esquema amplo de di-vulgao
governamental para informar e mobilizar asfamlias dos mortos e
desaparecidos polticos. Para con-seguir mobilizar o maior nmero de
pessoas, os GruposTortura Nunca Mais, a Comisso de Direitos
Humanos
27. DIREITO MEMRIA E VERDADE| 36 |da Cmara dos Deputados e a
Comisso de Familiares pas-saram a fazer um trabalho de orientao e
apoio s fam-lias para que entrassem com os requerimentos,
procuras-sem ex-presos polticos e ex-companheiros que
pudessemprestar depoimentos, localizar testemunhas e realizar
pes-quisas nos arquivos j abertos para consultas.Deputado federal
pelo Mato Grosso, o ex-preso polticoGilney Amorim Viana, casado com
Iara Xavier Pereira,viva de Arnaldo Cardoso Rocha e irm de Alex
XavierPereira e Iuri Xavier Pereira, os trs mortos pelos rgosde
represso, transformou seu gabinete e seu aparta-mento funcional
numa espcie de comisso paralelade apoio, hospedando familiares,
fornecendo suportelogstico e monitorando informaes sobre as
buscaspor restos mortais. Iara mergulhou no contato com
osfamiliares e na organizao dos processos, junto comCrimia, Suzana
e outros colaboradores voluntrios.Os que no conseguissem provar a
morte do parenteteriam negada a indenizao. O prazo para apresen-tar
requerimento ficou estabelecido em 120 dias apartir da publicao da
lei, podendo as provas seranexadas posteriormente. Para Jos
Gregori, era ne-cessrio ter um senso de responsabilidade com
essaquesto, porque poderia haver quem se aproveitassedo momento
para conquistar uma indenizao in-devida, explica o ex-ministro da
Justia. Mas pre-valeceu entre os familiares e membros da
ComissoEspecial a opinio de que seria mais justo e eficazque o
prprio Estado cuidasse de construir tais pro-vas. Nas circunstncias
em que o agente do Estado responsvel, como poderamos ser obrigados
a re-constituir a histria, sendo que nunca tivemos acessos
informaes?, indaga Gilney Viana.s informaes?, indaga Gilney Viana.s
informaes?Quando a proposta de lei j estava pronta, surgiram
co-mentrios de que no haveria espao para negociaodentro do
Congresso Nacional. Mais uma vez, os familiaresrecorreram a Jos
Gregori, pedindo sua ajuda para garantirdeterminadas mudanas. As
famlias reivindicavam altera-es para impedir que fossem divididas
entre aquelas quetiveram seus casos reconhecidos e as que no
tiveram.Sobrevivente das torturas, com papel destacado naluta dos
familiares, Maria Amlia de Almeida Telesrepisa como teria sido
importante introduzir na lei,naquelas negociaes, a exigncia de se
abrir novasfontes de informao. Todos os indcios apresen-tados por
ns estavam esgotados. Precisvamos denovas fontes de informaes,
queramos saber emque lugar estavam os corpos, como foram parar
l,afirma. De acordo com ela, quando os familiares dis-cutiam a
proposta com o governo e o Legislativo, oltimo ponto tocado foi a
indenizao. Sempre dis-semos que queramos saber a localizao dos
corpos,as circunstncias das mortes, a responsabilidade. In-denizao
era a questo ltima.Houve pouca discusso em torno do projeto no
Legis-lativo. Os parlamentares que participaram das discus-ses na
Comisso Especial que analisou o PL 869 serecordam das fortes
resistncias apresentadas pelossegmentos que entendiam a exigncia de
apurao epunio como revanchismo. Para estes, s seria possvelapontar
culpados se fosse revogada, antes, a parte daLei de Anistia que
oferecia cobertura aos que violaramDireitos Humanos no exerccio da
represso poltica.Nunca houve consenso ou maioria no Congresso
paraintroduzir mudanas desse teor.Para Jos Gregori, a justificativa
do projeto de lei foimuito bem elaborada, tendo como mecnica os
desdo-bramentos da Lei de Anistia. O ex-ministro considera,tambm,
que a primeira lista divulgada era abrangenteo suficiente para
chamar a ateno da sociedade. Ca-beria Comisso Especial providenciar
o resgate dosdespojos para identificao, desde que solicitado porum
familiar, a quem caberia indicar a localizao daossada. Matria
publicada no jornal O Estado de So Pau-lo, com o esboo da lista que
integraria a lei, levantoudiscusso pblica sobre o projeto. Com
isso, Jos Gre-gori acredita que a batalha com os setores mais
conser-vadores estava praticamente ganha.Mas o assunto ainda era
considerado tabu entre al-guns crculos militares. Uma reunio do
presidenteFernando Henrique e do ministro da Justia NelsonJobim com
os representantes das Foras Armadas foiconvocada para anunciar a
deciso de criar a lei emque o Estado assumiria a responsabilidade
pelos atoscometidos durante o regime militar. A argumentao
28. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 37
|apoiou-se na tese de que no havia sentido revan-chista na
deciso.Dois militares considerados importantes no processo, eque
apoiaram a iniciativa, de acordo com Gregori, foramo ministro da
Aeronutica, brigadeiro Mauro Gandra, e ogeneral-de-diviso Tamoyo
Pereira das Neves, que haviasido chefe de gabinete do ministro da
Segurana Institu-cional, general Alberto Cardoso. Antes de tudo, o
signifi-cado da deciso era jurdico. Tratava-se de uma obrigaodo
Estado Democrtico de Direito. No era um ataque aogoverno A ou B.
Transcendia a essa questo. Na poca,no existia a possibilidade de
reabrir a responsabilizao.Foi colocada uma pedra em cima do
assunto, afirma JosGregori, que procurou ser cuidadoso na redao do
projetode lei. Nenhum pargrafo ou inciso da lei poderia propi-ciar
acusaes particulares.Enquanto os familiares discutiam o projeto,
foi solicitadasua votao em carter de urgncia urgentssima. Os
fa-miliares redigiram um documento onde declaravam que direito de
toda a sociedade brasileira, e no exclusivamen-te das famlias,
resgatar a verdade histrica. Essa no uma questo humanitria entre os
familiares e o governo uma exigncia e um direito da sociedade.Tambm
pleitearam:a) Esclarecimento detalhado (como, onde, porquee por
quem) das mortes e dos desaparecimentosocorridos.b) Reconhecimento
pblico e inequvoco peloEstado de sua responsabilidade em relao
aoscrimes cometidos.c) Direito de as famlias enterrarem
condigna-mente seus entes queridos, visto caber ao Estado,e no a
elas, a responsabilidade pela localizaoe identificao dos corpos.d)
Inverso do nus da prova: dever do Estado,e no dos familiares,
diligenciar as investigaescabveis, buscando provar no ser ele o
respons-vel direto pelos assassinatos.e) Abertura incondicional de
todos os arquivos darepresso sob jurisdio da Unio.f) Compromisso de
no nomear e de demitir de cargospblicos todos os envolvidos nos
crimes da ditadura.g) Incluso de todos os militantes assassinados
poragentes do Estado no perodo entre 1964 e 1985.h) Indenizao como
direito e, principalmente,efeito de todo o processo de luta.A
Comisso EspecialA Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Po-lticos (CEMDP), instituda pela lei, era composta desete
integrantes: um deputado da Comisso de Direi-tos Humanos da Cmara,
uma pessoa ligada s vtimasda ditadura, um representante das Foras
Armadas, ummembro do Ministrio Pblico Federal e trs
pessoaslivremente escolhidas pelo presidente da Repblica. Acomposio
inicial, bem como as sucessivas alteraesocorridas ao longo desses
11 anos de sua existncia, jforam apresentadas no incio deste
livro-relatrio.Os trabalhos comearam no dia 8 de janeiro de 1996,na
sala 621 do prdio anexo ao Ministrio da Justia,sob a presidncia de
Miguel Reale Junior. A partir desseA busca pelos parentes
29. dia, comeou a contagem regressiva para revisar duasdcadas
de histria deliberadamente escondidas. Houveembates e discusses
acirradas na CEMDP. Os familiaresnunca aceitaram a indicao do
general Oswaldo PereiraGomes, pelo fato de seu nome estar citado
como partici-pante dos aparelhos de represso no Brasil Nunca
Mais,livro que se tornou uma espcie de bblia sobre os cri-mes
cometidos durante a ditadura militar.O general, que deixou a
Comisso em 2003, orgulha-se de sua participao, embora defenda que
as inde-nizaes tambm deveriam ser destinadas s famliasde militares
e civis mortos na defesa do regime. Mi-nha presena representava o
contraditrio, os embateseram travados com base jurdica, eu atuava
como ad-vogado indicado pelas Foras Armadas, argumenta omilitar da
reserva. Para ele, um dos julgamentos maissimblicos foi o de Zuzu
Angel. De incio, foi negado oreconhecimento da responsabilidade do
Estado por suamorte e a conseqente indenizao. Em seguida,
houvereviso do processo e a famlia obteve os direitos, con-tra o
seu voto. O general tambm no concordou como reconhecimento das
mortes e com a indenizao sfamlias de Carlos Marighella e Carlos
Lamarca.Pressionados pelo prazo exguo e pelo surgimento demuitos
casos novos devido divulgao pela mdia, otrabalho teve de ser
acelerado. Os requerimentos fo-ram distribudos entre os
integrantes, que tinham amisso de montar os processos, anexando
documen-tos e um relatrio com explicaes sobre as circuns-tncias da
morte.Sempre foi muito difcil o acesso a documentos proba-trios.
Aqueles obtidos para comprovar que o Estadoera responsvel pelas
mortes foram procurados nos ar-quivos estaduais j abertos, livros
dos cemitrios clan-destinos, registros municipais e tambm
aproveitandotestemunhos de sobreviventes. Fragmentos foram
re-colhidos e juntados minuciosamente para reconstruir ohistrico
das mortes, mas o nmero de desaparecidoscujos corpos puderam ser
localizados e identificadosainda considerado nfimo.Os pesquisadores
procuraram tambm a documentaodo Superior Tribunal Militar (relativa
aos processos for-mados na Justia Militar) e ali localizaram dados
im-portantes. Um exemplo foi o de Luiz Jos da Cunha,que segundo os
autos ingressou na priso apenas deDIREITO MEMRIA E VERDADE| 38
|Familiares se mobilizam por informaessobre filhos, maridos,
esposas e irmos
30. COMISSO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLTICOS| 39
|cuecas e meias e, portanto, no poderia ter morrido emtiroteio. Com
lupas, respirando o ar viciado e o mofodos arquivos, os parentes
dos mortos reviravam papisamarelados, garimpando detalhes perdidos
em cauda-losos textos de linguagem tcnica ou dissimulada,
emespecial nos arquivos do DOPS de Pernambuco, do Riode Janeiro e
de So Paulo. Tambm as fotos dos corposcoletadas no Instituto Mdico
Legal (IML) foram fun-damentais para que mdicos legistas emitissem
laudoscomprovando as marcas de tortura.Crimia relembra quando
entrevistou parentes de vtimase camponeses do Araguaia, encontrando
ex-presos e tor-turados. Auxiliou, em uma visita regio da
guerrilha, aEquipe Argentina de Antropologia Forense, ONG
especia-lizada na busca dos desaparecidos daquele pas e respon-svel
pela exumao de centenas de ossadas em vrioscontinentes. Os
argentinos trabalharam sem cobrar ho-norrios, solicitando apenas o
pagamento de despesas.Na opinio de Francisco Helder Macdo Pereira,
queatuou como assessor administrativo da Comisso, entre1996 e 2004,
o incio no foi to difcil, pois os primei-ros casos a ser
indenizados j constavam no Anexo Ida Lei n 9.140, embora houvesse
resistncia da PolciaFederal e das Foras Armadas em fornecer
informaes.Mesmo com as informaes preliminares constando noanexo da
lei, o excesso de trabalho, o tempo exguoe a dificuldade de obteno
de documentos refletiam-se no clima das reunies da Comisso. Os
integrantesdiscutiam com freqncia e os embates mais
acirradosocorriam com o representante das Foras Armadas.Miguel
Reale Junior, que presidiu a comisso durantecinco a