Módulo 1 – Direitos humanos e direitos das crianças e adolescentes
Apresentação do Módulo
Neste módulo você estudará sobre os direitos humanos e sobre os direitos das crianças
e adolescentes, quais as diretrizes internacionais, nacionais, os dispositivos legais que tratam
do tema e quais as instâncias políticas e institucionais que se constituem numa rede de
proteção às crianças e aos adolescentes no Brasil.
Objetivos do Módulo:
Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de:
Identificar os principais documentos nacionais e internacionais sobre os
direitos humanos e sobre os direitos das crianças e dos adolescentes;
Identificar as instâncias governamentais e suas parcerias, responsáveis pelas
políticas relativas às crianças e adolescentes;
Identificar como estes direitos se articulam com as instâncias governamentais e
outras que têm como objetivo a criação, em redes, de programas de proteção
específicos para as crianças e adolescentes;
Reconhecer a importância destes documentos, que se desdobraram em
políticas, planos, projetos e programas, como fundamentais para o
aprofundamento da reflexão sobre a letalidade dos jovens do nosso país;
Analisar a importância da importância dos direitos humanos como
fundamentais para uma sociedade mais justa e humanizada.
Estrutura do Módulo
O conteúdo deste módulo está dividido em três aulas:
Aula 1 – Os direitos humanos
Aula 2 – Os direitos das crianças e dos adolescentes
Aula 3 – Os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil
Aula 1 – Os direitos humanos
1.1. Definição
O ideário dos direitos humanos quer assegurar o direito das pessoas serem quem são,
como escolhem viver e a garantia de que irão poder exercer esse direito num mundo que
prima, felizmente, pela diversidade e pelas benfazejas diferenças.
Antes de prosseguir, assista a dois vídeos sobre direitos humanos:
Vídeo 1 (http://www.youtube.com/watch?v=kqiUMh4YozA&feature=related)
Vídeo 2 (http://www.youtube.com/watch?v=cs5-rbwUGQQ&feature=related)
A história da constituição dos direitos humanos confunde-se com a história das
grandes guerras, ditaduras e tiranias e com a luta dos povos e setores sociais pela legitimidade
de seus direitos, suas reivindicações, pela liberdade de expressão e de pensamento e pela luta
por cidadania. Chamados, nem sempre de maneira correta, de grupos vulneráveis ou de
minorias1, esses grupos e setores, que somam grande parcela da humanidade, lutam,
historicamente, por fazer reconhecer seus direitos de ser, ir e vir, e de se constituir
institucional e legitimamente.
Sempre que houve, na história do mundo, povos desrespeitados em seus direitos, sejam em
situações de guerra institucionalizada ou não, desigualdades entre as classes sociais, raças e
etnias, que lutam por se sobrepujar umas sobre as outras, as lutas de protesto se fizeram
presentes. Da mesma maneira que os homens desrespeitam e matam as mulheres, os adultos
fazem o mesmo com as crianças, os adolescentes ou os idosos. O grito de protestos desses
1 Ver arquivo em anexo com mesmo nome.
segmentos e suas lutas por justiça e legitimidade criam um ideário que tem se configurado em
um desdobramento de práticas e diretrizes a que se chama de direitos humanos2
Ao longo da história do mundo, tais grupos, quando deixam de ser vistos na riqueza de
suas especificidades e quando suas peculiaridades se transformam em desigualdades, tornam-
se institucional e politicamente frágeis – seus direitos passam a não reconhecidos ou
legitimados – e fala-se aqui de grupos constituídos pelas mulheres, pelas crianças,
adolescentes, pelos negros, pelos índios, pela comunidade LGBTT (Lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais), pelas pessoas com necessidades especiais, com deficiência
física ou sofrimento mental, pelos idosos, pelas populações que vivem nas ruas das grandes
cidades, pelos detentos, só para citar alguns. Esse fato cria a necessidade imperiosa de
reflexões e políticas específicas cujas diretrizes sejam baseadas em preceitos que falem da
garantia de direitos em uma sociedade mais justa onde todos tenham espaço e possam viver
uma vida digna.
Assim, tendo em vista os grupos que, historicamente, lutam contra a opressão e pelo
seu reconhecimento como cidadãos e pela liberdade, sobre os direitos humanos, pode-se
considerar que:
Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos.
Normalmente o conceito de direitos humanos tem a ideia também de liberdade de
pensamento e expressão, e de igualdade perante a lei. (
http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_humanos)
Para que você conheça um pouco a evolução das reivindicações dos direitos humanos
ao longo da história, pode ser útil a classificação, adotada por muitos autores, dos direitos
humanos divididos por gerações e que, num processo de avanços e ampliação de interesses e
focos, vai diversificando seus atores e ampliando a gama de políticas de diferentes temas que
vão se atualizando ao longo dos tempos.
2 No ano de 1948 a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que diz em seu artigo primeiro que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”. (http://dc251.4shared.com/img/SDP1mhQT/preview.html)
1.2. As diferentes gerações dos direitos humanos
A classificação mais utilizada para se conhecer a evolução da história dos direitos
humanos é a proposta, em 1979, pelo jurista checo-francês Karel Vasak, numa conferência do
Instituto Internacional de Direitos Humanos, que propõe a existência de diferentes gerações,
inspiradas no lema da Revolução Francesa que fala de liberdade, igualdade e fraternidade. São
elas:
1ª geração – Os direitos humanos seriam os relativos aos direitos de liberdade,
compreendendo os direitos fundamentais e garantias individuais, os direitos civis e políticos.
Para Arion Sayão Romita (2007), os direitos desta primeira geração,
(...) podem ser classificados em: direitos pessoais (vinculados à autonomia, à
liberdade e à segurança da pessoa) e direitos políticos (ajustados à ideia de
participação). Os primeiros são os voltados à proteção da expansão da personalidade
sem interferência do Estado. Os outros são os direitos da pessoa em face do Estado
ou no Estado, vale dizer, direitos de tomar parte na vida pública e na vida política.
(ROMITA, op. cit., 2007, p. 104).
2ª geração – Os direitos humanos ou direitos de igualdade constituiriam os direitos
econômicos, sociais e culturais, referentes ao bem-estar social, visando atingir a igualdade
material, considerando que é direito de todos, que vivem numa coletividade, o direito à
promoção, à comunicação e à cultura e à justiça social.
Para Furtado e Mendes, os direitos humanos de 5º geração enquanto direito à paz e
seus reflexos no mundo do trabalho – inércias, avanços e retrocessos na Constituição Federal
e na legislação. In: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/02_335.pdf,
(...) Vêm à baila, pois, as chamadas liberdades coletivas, a saber, liberdade de
associação, reunião, liberdade sindical, de greve, não se devendo olvidar que embora
tais direitos sejam dos grupos, são, em última análise, os direitos das pessoas que se
afirmam, uma vez que os corpos sociais intermediários congregam meios cujo
destinatário é o homem, individualmente considerado. Destarte, evidenciado fica
que tais direitos sociais implicam obrigações do tipo facere para os poderes
públicos, os quais ficam obrigados a criar e organizar sistemas de prestações sociais,
bem como planejar políticas de bem-estar social que atendam a todos os cidadãos (p.
6974).
3ª geração – Referem-se aos direitos humanos relacionados aos direitos de fraternidade ou de
solidariedade, que questionam as divisões dos cidadãos em categorias diferentes – trate-se de
classes sociais, religião ou profissão – e estariam relacionados ao direito ao meio ambiente
equilibrado, a uma qualidade de vida saudável, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos
povos e outros direitos difusos. Constata-se aqui a existência de países desenvolvidos e países
subdesenvolvidos e cria-se a expressão “direito ao desenvolvimento humano”, que consta da
Resolução 4 (XXXIII), de 27 de fevereiro de 1977 da Organização das Nações Unidas e que,
segundo Furtado e Mendes,
(...) Essa ideia de direito ao desenvolvimento enquanto direito humano toca tanto a
seara coletiva, vale dizer, que envolve os povos e as nações, quanto a seara
individual, como claramente pode se constatar através do parágrafo 1º , do art. 1º ,
da Resolução 41-128, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de
1986: O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do
qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele
desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser
plenamente realizados. Cabe aqui uma breve diferenciação entre desenvolvimento
econômico e crescimento econômico, o primeiro envolvendo a ascensão, quer do
indivíduo, quer da coletividade, ao conhecimento, ao progresso, ao acesso aos bens
de consumo e à plena observância de seus direitos individuais e sociais; o segundo
abarcando o desenvolvimento da economia de um país, o que nem sempre implica
melhoria integral do padrão de vida e acesso a bens e direitos de seus cidadãos (p.
6976).
4ª geração – Tendo em vista os avanços tecnológicos e a Declaração dos Direitos do Homem
e do Genoma feita pela UNESCO, essa geração trata dos direitos tecnológicos, como os
direito de informação e biodireito. A partir das atrocidades corridas durante a 2ª Grande
Guerra Mundial, relativas aos experimentos genéticos realizados nos campos de concentração
do nazismo, surge a preocupação com a ética voltada aos experimentos da genética e demais
procedimentos médicos e biológicos.
Para Furtado e Mendes, a bioética, tema da quarta geração de direitos humanos, tem
como objetivo cuidar
(...) das várias facetas, consequências e projeções das descobertas da ciência nessa
área, vale dizer, pesquisas e procedimentos relacionados a transplantes de órgãos,
fecundação in vitro, aborto, descriminalização do suicídio, homossexualismo,
utilização de células genéticas, inseminação artificial, útero de aluguel,
transformação de sexo, direito à morte, dentre outros. (...) Dessa forma, a bioética
trata a pessoa humana como sujeito de direitos fundamentais, entendendo que o
tema tem estreita correlação com o futuro da espécie humana, posto que envolve
liberdades, direitos e deveres da sociedade e do Estado, mas também a própria
preservação da humanidade e de sua essência. Dos estudos científicos em transcurso
na área, dois têm maior relevo, a saber, a terapia gênica e a clonagem humana, sendo
a primeira a busca da correção de genes defeituosos pela técnica do DNA
recombinante e a segunda a repetição integral do código genético, o que é vedado
pelo ordenamento jurídico brasileiro vigente, através da Lei 11.105, de 24 de março
de 2005, a chamada Lei de Biossegurança, posto que referida clonagem fere o
caráter individual do ser humano, o que vai de encontro a sua dignidade de pessoa.
Positivados estão referidos direitos humanos de quarta geração no art.196 da Carta
da República, quando conceitua a saúde como direito de todos e dever do Estado,
através aplicação de políticas sociais e econômicas que tenham por objetivo a
redução do risco de doença e outros complicadores e o acesso igualitário e universal
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (FURTADO &
MENDES, op. cit., s/d, p. 6977).
5ª geração – Embora especialistas considerem os direitos dessa geração como aqueles
referentes aos temas relativos à cibernética e à informática, o jurista brasileiro Paulo
Bonavides propõe uma quinta geração dos direitos humanos, em que o direito à paz deve ser
considerado como um direito fundamental. Entendendo a paz em seu caráter agregador,
democrático, universal, capaz de harmonizar etnias, culturas, sistemas, crenças e fé que
dignificam a pessoa humana.
Suas reflexões foram desenvolvidas por ocasião de palestra proferida no II Congresso
Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza-CE, de 03 a 05 de abril
de 2008. Para Bonavides,
(...) Estuário de aspirações coletivas de muitos séculos, a paz é o corolário de todas
as justificações em que a razão humana, sob o pálio da lei e da justiça, fundamenta o
ato de reger a sociedade, de modo a punir o terrorista, julgar o criminoso de guerra,
encarcerar o torturador, manter invioláveis as bases do pacto social, estabelecer e
conservar por intangíveis as regras, princípios e cláusulas da comunhão política.
(Palestra proferida no II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais,
no período de 03 a 05 de abril de 2008, Fortaleza/CE)
(...) No mundo globalizado da unipolaridade, das economias desnacionalizadas e das
soberanias relativizadas e dos poderes constitucionais desrespeitados, ou ficamos
com a força do direito ou com o direito da força. Não há mais alternativa. A primeira
nos liberta, a segunda nos escraviza. (ibidem).
Há especialistas que advogam por uma sexta geração de direitos humanos,
decorrentes do fenômeno da globalização e que se referem às questões relativas ao direito à
democracia, à participação popular na escolha dos seus dirigentes livremente escolhidos e à
cooperação social. Referem-se também à liberdade de informação correta, ao acesso à
informação para toda a coletividade e ao pluralismo, que para Furtado e Mendes, é a
(...) a composição da sociedade através de vários segmentos, grupos ou centros de
poder. Somente em estados ditatoriais não há espaço para tal divisão social, pois
tudo gravita em torno do poder posto, que não admite censura, muito menos
oposição ou a existência de partidos antagônicos. No pluralismo não há espaço, ao
contrário, para concepções individualistas da sociedade e do estado, mas sim para a
articulação de grupos de poder situados abaixo do Estado e acima dos indivíduos,
com plena valorização dos corpos sociais intermediários enquanto garantidores do
indivíduo contra o abuso de poder do Estado, bem como contra possíveis
fragmentações individualistas. No inciso V, do art. 1º, da Carta da República vê-se a
inclusão do pluralismo enquanto fundamento do estado democrático de direito, com
clara vedação à existência do partido único ou estabelecimento de doutrina oficial.
(FURTADO & MENDES, op. cit., s/d. p. 6978).
Conheça aqui documentos importantes3 que constituem o marco legal dos direitos humanos:
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é o termo utilizado como uma
referencia coletiva a três instrumentos importantes dos direitos do homem, a saber:
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) ratificada pelo
Brasil em 10 de dezembro de 1948;
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificada
pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992;
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
Os seguintes tratados4 sobre direitos do homem são também importantes:
Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, ratificada
pelo Brasil em 6 de maio de 1952;
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968;
Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, ratificada pelo Brasil em 1º de fevereiro de 1984;
3 http://dc251.4shared.com/img/SDP1mhQT/preview.html 4 http://dc251.4shared.com/img/SDP1mhQT/preview.html
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamento Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989;
Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24 de
setembro de 1990;
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, ratificada pelo Brasil em 28 de
janeiro de 1961;
Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, ratificada pelo Brasil.
1.3. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil (SDH/PR)
No Brasil, um país republicano, que tem uma história consistente de lutas tradicionais
pela independência, pela abolição da escravidão, a favor da república, contra os regimes
autoritários e pela luta de uma sociedade mais igualitária, a criação de uma Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) vem coroar uma trajetória
democrática e de fundamental importância, e que tem sido exemplar em suas iniciativas para
outros países do mundo.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) é o órgão
da Presidência da República que trata de implementar, promover e assegurar os direitos
humanos, direitos da cidadania, da criança, do adolescente, do idoso, das pessoas portadoras
de deficiência.
No prefácio5 do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, o então Ministro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi,
elenca um pouco da história dos planos anteriores, da trajetória da secretaria e dos desafios
que o nosso país tem pela frente a partir do que foi feito até o presente momento.
5 Arquivo em anexo: Direitos Humanos
Reunindo membros dos poderes públicos e representantes dos movimentos de
mulheres, defensores dos direitos da criança e do adolescente, pessoas com deficiência,
negros e quilombolas, militantes da diversidade sexual, pessoas idosas, ambientalistas, sem-
terra, sem-teto, indígenas, comunidades de terreiro, ciganos, populações ribeirinhas, entre
outros, o PNDH-3 é estruturado nos seguintes eixos orientadores: Interação Democrática entre
Estado e Sociedade Civil; Desenvolvimento e Direitos Humanos; Universalizar Direitos em
um Contexto de Desigualdades; Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência;
Educação e Cultura em Direitos Humanos; Direito à Memória e à Verdade.
Sobre as crianças e adolescentes ameaçados de morte, consta do Programa Nacional
de Direitos Humanos 3 (PNDH3), a Diretriz 15, que trata da Garantia dos direitos das vítimas
de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas e o Objetivo Estratégico III que trata,
especificamente, da Garantia da proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte,
com a proposta das seguintes ações programáticas6.
Ampliar a atuação federal no âmbito do Programa de Proteção a Crianças e
Adolescentes Ameaçados de Morte nas unidades da federação com maiores taxas de
homicídio nessa faixa etária.
Responsável: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Parceiro: Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Recomendação: Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios a implementação do
programa, fortalecendo a rede de atendimento especializado.
Formular uma política nacional de enfrentamento da violência letal contra crianças e
adolescentes.
Responsável: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Parceiros: Ministério da Justiça; Secretaria-Geral da Presidência da República; Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
6 http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdf/pndh3_programa_nacional_direitos_humanos_3.pdf
Desenvolver e aperfeiçoar os indicadores de morte violenta de crianças e adolescentes,
assegurando publicação anual dos dados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República;
Ministério da Saúde.
Parceiro: Ministério da Justiça.
Desenvolver programas de enfrentamento da violência letal contra crianças e
adolescentes e divulgar as experiências bem sucedidas.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República;
Ministério da Justiça.
O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM),
tema central deste curso, está vinculado à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente (SNPDCA) e foi criado pelo Governo Federal em 2003.
Trata-se de uma iniciativa pioneira e bem-sucedida na garantia dos direitos humanos
de crianças e adolescentes, cujo objetivo é responder aos altos índices de letalidade infanto-
adolescente registrados no Brasil. O Programa se constituiu, ainda, ao longo desses anos, em
importante estratégia de interlocução com gestores públicos, autoridades locais e
comunidades em geral, no sentido de chamar a atenção para o problema e fomentar o debate
sobre a violência letal por meio de parcerias com a sociedade civil.
Antes de você conhecer o programa propriamente dito, você estudará, na próxima
aula, um pouco da história dos direitos específicos das crianças e dos adolescentes, em âmbito
internacional e nacional, e como as diretrizes e políticas nacionais se inserem num sistema de
garantia de direitos da maior importância para a história democrática do nosso país.
Aula 2 – Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes
Antes de iniciar a aula sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, observe as
telas a seguir:
Children with Parrot, 1850,
de Christina Robertson
The Graham Children (1742),
de Christina Robertson
Observe que mesmo que os jovens e as crianças fizessem parte da vida familiar – o
que nem sempre foi dessa forma na história do mundo e das famílias, e nem na história das
artes – eles vestem-se e portam-se como pequenos adultos, sem que fosse levada em conta a
especificidade de suas respectivas idades e os seus períodos de desenvolvimento.
O conceito de infância, como se conhece hoje, é fenômeno recente na história do
mundo. Durante muitos séculos, para o mundo adulto, as crianças foram consideradas uma
espécie de adultos em miniatura, sem peculiaridades relativas a idade e seu desenvolvimento
e, muitas vezes, tratadas como outros filhotes, animais domésticos ou selvagens e que
mereciam toda sorte de maus tratos para ser devidamente civilizados. Os trabalhos de Philippe
Àries, História Social da Criança e da Família e de Mark Poster, Teoria Crítica da Família,
demonstram à farta sobre a evolução da família e do conceito de infância.
Não só as crianças não foram, ao longo da história do mundo, consideradas como
pessoas, mas também o próprio conceito de infância e, por conseguinte, o de adolescência,
depende de variáveis relativas a cultura, raça, etnia e classe social. É evidente que a
experiência de vida de uma criança ou adolescente que vive nas periferias das grandes cidades
do nosso país é absolutamente diferente da das crianças e adolescentes que vivem nos bairros
mais ricos. Zuenir Ventura, no seu livro Cidade Partida retrata essa divisão que opõe um Rio
de Janeiro de classe média, turístico, alegre, à realidade das favelas, no caso, Vigário Geral,
uma cidade escondida, onde impera a pobreza, a cidadania e para cuja população falta
absolutamente tudo.
As crianças e adolescentes que vivem neste mapa dividido, o da cidade partida, estão
expostos, diariamente, a experiências, solicitações, demandas e cotidianos que tornam
impossível delimitar idades ou conceitos que determinem um caráter hegemônico para o que
seja infância e adolescência no nosso país, da mesma maneira em muitos outros lugares do
mundo onde imperam relações de violência e profunda desigualdade social.
O documentário de Liliana Sulzbach “A Invenção da Infância”7, de 2000, apresenta
uma sensível e inteligente reflexão sobre crianças pertencentes a diferentes grupos
socioeconômicos, e que nos demonstra que no nosso país, como em muitos outros, ser criança
não é o mesmo que ter infância.
Essa observação, sobre o que é ser criança e adolescente no Brasil, um direito que não
é de todos, e que permeia o presente curso, possibilita a reflexão sobre os jovens pobres do
nosso país, que são mortos vítimas de homicídios nas periferias das grandes cidades, e requer,
ainda que brevemente, a apresentação de um panorama sobre a evolução das normativas
protetoras da infância e da adolescência para que se possa melhor comprender a importância e
urgência de um programa como o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAAM).
E a mais importante destas normativas é a que determina que crianças e adolescentes
são pessoas integrantes da sociedade e, portanto, cidadãs, transformando-as em sujeitos de
direito.
Alguns documentos importantes que contribuíram para institucionalização das
medidas protetivas para a infância e a adolescência são:
7 http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=672
Declaração de Genebra dos Direitos das Crianças – Assembleia da Liga das
Nações, de 1924.
Declaração dos Direitos da Criança – Resolução da Assembleia Geral da
ONU, de 1959.
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da
Infância e da Juventude (Regras de Beijing), de 1985.
Convenção sobre os direitos das crianças – Resolução nº 44/25 da
Assembleia Geral da ONU em 20/11/1989.
Brasil: Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990.
A Doutrina da Proteção Integral, estabelecida pela Convenção da ONU sobre as
crianças e os adolescentes deslocou-os para outro patamar, com o intuito de transformá-los
em sujeitos de direito.
O sujeito de direito8 é aquele que é senhor dos seus direitos e obrigações, diferente da
concepção do sujeito que estava sob a tutela de um Estado que, refém da inexistência de
políticas públicas baseadas nos direitos humanos, tratavam as crianças e adolescentes de
maneira desumana e irregular. Crianças vítimas de abandono, pobreza, violência doméstica e
orfandade não eram, por sua própria condição, sujeitos de direito. Era em nome desse tipo de
tutela que ocorriam toda sorte de desmandos que iam desde internações irregulares e
desnecessárias, abrigamento compulsório e afastamento da família.
Foram as lutas pelos direitos humanos, nas décadas de 70 e 80, no Brasil, e seus
desdobramentos em políticas públicas mais conscientes que tornaram não só as crianças e
adolescentes, mas as mulheres, os idosos, entre outros, sujeitos de direitos.
Antes de estudar quais são essas políticas específicas no Brasil, relativas à autonomia e
reconhecimento desses jovens como cidadãos, convém estudar alguns princípios
8 Arquivo em anexo: Sujeito de Direito
fundamentais da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente9 para
melhor compreender o grande avanço que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/1990) significou no Brasil na luta pelo reconhecimento desses jovens como cidadãos.
2.1. A Doutrina da Proteção Integral, estabelecida pela Convenção da ONU:
A normativa que determina que a criança precisa de proteção e cuidados especiais, de
proteção legal apropriada antes e depois do seu nascimento encontra-se na
Declaração dos Direitos da Criança10
(Resolução da Assembleia Geral da ONU em
20/11/1959). No princípio 9°, é enfatizado que “a criança gozará proteção contra quaisquer
formas de negligência, crueldade e exploração”. Esse princípio reafirma a necessidade de
proteção à criança estabelecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela
Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924.
No item 2 do artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos11
, o
reconhecimento das necessidades de cuidados com as crianças é flagrante, ao estabelecer que
"a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especial. Todas as crianças,
nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social".
Podemos considerar, no entanto, que o avanço mais significativo ocorre a partir da
Convenção sobre os Direitos das Crianças – Resolução nº. 44/25 da Assembleia Geral da
ONU em 20/11/1989. Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente12
:
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada por unanimidade, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Tal ato foi um
marco em relação aos esforços que se realizam no plano internacional para fortalecer
a justiça, a paz e a liberdade em todo o mundo mediante a promoção e a proteção
dos direitos humanos. [...] Em 02 de setembro de 1990, como demonstração do alto
interesse e apoio suscitado em todo o mundo, a Convenção sobre os Direitos da
Criança entrou em vigor, relativamente aos primeiros vinte Estados, assumindo um
9 http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dc-conv-sobre-dc.html 10 http://www.culturabrasil.pro.br/direitosdacrianca.htm 11 http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm 12 http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dc-conv-sobre-dc.html
caráter de lei internacional, com força vinculante entre os Estados que a
ratificaram.” (Souza, 2001)
A Convenção é até hoje o tratado de direitos humanos mais aceito no mundo, com
mais de 190 adesões e impõe à Comunidade Internacional a ordem de assegurar a aplicação
dos direitos da criança em sua integridade. Para a Convenção, não há uma distinção entre
crianças e adolescentes. Interessando o que nela for disposto, criança é pessoa entre 0 e 18
anos. Traz a ideia da criança como sujeito de direitos humanos em geral e direitos específicos
decorrentes de sua condição de pessoa em desenvolvimento. Rompe com a ideia de que
crianças e adolescentes são plenamente incapazes, reconhecendo-os como dotados de
autonomia e com direito a expressar sua opinião e tê-la levada em conta em todos os assuntos
que a afetem.
2.1.1. Princípios importantes da Convenção:
Não discriminação (art. 2º);
Melhor interesse da criança (art. 3º);
Sobrevivência e desenvolvimento (art. 6º);
Participação (art. 12).
A Convenção reconhece os direitos da criança a partir de oito grandes agrupamentos:
(a) Medidas gerais de implementação (arts. 4º, 42 e 44[6]);
(b) Definição de criança (art. 1º)
(c) Princípios gerais (arts. 2º, 3º, 6º e 12);
(d) Direitos civis e liberdades (arts. 7º, 8º, 13, 17 e 37 (a));
(e) Ambiente familiar e cuidados alternativos (arts. 5º, 18.1, 18.2, 9º, 10, 27.4, 20, 21, 11,
19, 39 e 25);
(f) Saúde básica e bem-estar (arts. 6.2, 23, 24, 26, 18.3, 27.1, 27.2 e 27.3);
(g) Educação, lazer e atividades culturais (arts. 28, 29 e 31);
(h) Medidas de proteção especial, que incluem: (i) Crianças em situação de emergência
(arts. 22, 38 e 39); (ii) Crianças em conflito com a Lei (arts. 40, 37 e 39); (iii) Crianças
em situações de exploração, incluindo recuperação física e psicológica e reintegração
social (arts. 32, 33, 34, 35, 36 e 39); iv) Crianças que pertencem a minorias ou a
grupos indígenas (art. 30).
É dado especial destaque para alguns artigos que estabelecem as responsabilidades da
proteção social a este sujeito em desenvolvimento:
Artigo 1: definiu a criança como todo ser menor de 18 anos.
Artigo 3: Todas as decisões que digam respeito à criança devem levar em conta o seu
interesse superior. O Estado deve garantir cuidados adequados à criança, quando os pais
ou outras pessoas responsáveis por ela não tenham capacidade para fazê-lo.
Artigo 6: Todas as crianças têm o direito inerente à vida, e o Estado tem obrigação de
assegurar a sua sobrevivência e seu desenvolvimento.
Artigo 19: O Estado deve proteger a criança contra todas as formas de maus tratos por
parte dos pais ou de outros responsáveis pelas crianças e estabelecer programas sociais
para a prevenção dos abusos e para tratar as vítimas.
Mas é a Doutrina da Proteção Integral da Criança, consolidada na Convenção de 1989
- Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente13
- cuja origem se
encontra textualmente na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), que reivindica
às crianças um sistema social de educação, trabalho e convívio para assegurar seu
desenvolvimento saudável.
2.2. Doutrina da Situação Irregular X Doutrina da Proteção Integral
13 http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dc-conv-sobre-dc.html
A Doutrina da Proteção Integral substituiu a Doutrina da Situação Irregular,
fundamento do revogado Código de Menores. A Doutrina da Situação Irregular definia um
estado de “patologia social”, que, quando constatado, indicava que o “menor” deveria ser
alcançado pela norma. O revogado Código de Menores, em seu art. 2º estabelecia que se
considerava em situação irregular o menor com desvio de conduta, em virtude de grave
inadaptação familiar ou comunitária.
Os fundamentos jurídicos dessa doutrina remontam ao Congresso Internacional de
Menores, realizado em Paris, no período de 29 de junho a 1º de julho de 1911, momento em
que se consagrou, tratando do problema dos jovens e crianças em situação de risco e
vulnerabilidade social dentro de um binômio carência/delinquência.
Assim, o Código de Menores não garantia uma proteção verdadeira para as crianças e
adolescentes, pois se apoiava na falsa ideia de que todos teriam as mesmas oportunidades
sócio-econômicas, como se o caminho do crime fosse uma opção, garantindo proteção apenas
nas situações determinadas, conhecidas como situações irregulares.
Sobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002) explica que:
(...) O Código revogado não passava de um Código Penal do "Menor",
disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras
sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava
nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia
nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e
do jovem, que na realidade, eram seres privados de seus direitos. (2002, p.
13)
A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a Declaração dos
Direitos da Criança (1959), condensando-se em quatro documentos internacionais
fundamentais: a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as Regras
Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações
Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de Riad).
No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituição Federal, no art. 227,
que prevê que é
(...) dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
De acordo com esta doutrina, todos os direitos da criança e do adolescente devem ser
reconhecidos, sendo que esses direitos são especiais e específicos, em sua condição de
pessoas em desenvolvimento.
Importante!
A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra em seu
art. 277, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela extraordinária
votação de 435 votos contra 8 [...] Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o
que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação irregular
(COSTA, 2002).
Se o Código de Menores preocupava-se tão somente com os menores em situação
irregular, o Estatuto da Criança e do Adolescente representa um marco de inovação ao
abranger toda criança e adolescente em qualquer situação jurídica, e assegurando, dessa
maneira que cada cidadão possa ter garantido seu pleno desenvolvimento, mesmo que cometa
um ato ilícito.
É a partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cuja história
você estudará a seguir, que foram estabelecidas as diretrizes para uma política pública que
reconhece a condição especial de pessoa em desenvolvimento que as crianças e os
adolescentes merecem ter.
Aula 3 – Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes no Brasil
Depois de estudar questões importantes sobre os direitos humanos e sobre as
normativas que tratam da proteção da infância e da adolescência, você estudará, nesta aula
como essas políticas e normativas acontecem no Brasil. Para tal é fundamental o
conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e como ele se insere numa
proposta mais ampla, que é o Sistema de Garantia de Direitos (SGD).
3.1. O que é o Sistema de Garantia de Direitos?
O Estado brasileiro adotou a denominação de Sistema de Garantia dos Direitos (SGD)
para:
O conjunto sistêmico de promoção, proteção, defesa e controle social da política de direitos
humanos de crianças e adolescentes e que responde às referências legais propostas pela
Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), pela
Constituição Federal (1988), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (1990) e pela
Agenda Social Criança e Adolescente que estabelece o Compromisso Nacional pela Redução
da Violência contra a Criança e o Adolescente (2007), pelo Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito da Criança e Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária,
e pela Política Nacional dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (2010).
Vale a ainda lembrar que, para melhor compreender o tamanho do desafio que significa
a implementação do Sistema de Garantia dos Direitos no Brasil (SGD), é de fundamental
importância o conhecimento sobre os seguintes dados: existem, no Brasil, 62 milhões de
crianças, número que corresponde a 33% da população total, distribuídas em 5.565 municípios
ao longo de 8 514 876,599 km2, possuindo ainda 23.086 km de fronteiras, sendo 7.367 km de
fronteiras marítimas e 15.719 km de fronteiras terrestres, dado relevante para a compreensão da
complexidade e do tamanho do desafio que do enfrentamento das diversas formas de violência
contra crianças e adolescentes no País.
O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente14
constitui-se na
articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na
aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção,
defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal,
estadual, distrital e municipal.
A plena implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente visualiza como
horizonte a organização e concretização desse sistema, tendo como premissas, entre outras: - a
municipalização das ações e o estímulo da participação da comunidade organizada na
formulação das políticas e no controle das ações; - a plena garantia dos direitos pessoais e
sociais por meio da articulação e integração de políticas públicas; - a existência e
consolidação de redes e a criação de conselhos de direitos e fundos (e outras instâncias
colegiadas de participação nas três esferas (município, estado e União).
Na Resolução nº 113, o Conanda define que o Sistema “constitui-se na articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de
instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle
para a efetivação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, nos níveis federal,
estadual, distrital e municipal”. Além de definir a articulação e integração como alicerces do
Sistema, a Resolução também estabelece a interlocução com “todos os sistemas nacionais de
operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação,
assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamento, relações exteriores
e promoção da igualdade e valorização da diversidade”.
A Resolução propõe a divisão do Sistema de Garantia dos Direitos em três eixos:
Eixo da Defesa dos Direitos Humanos: que diz respeito aos arranjos
voltados à garantia do acesso à Justiça, os recursos às instâncias públicas e
aos mecanismos jurídicos de proteção legal. Organizam-se, neste eixo, os
órgãos públicos judiciais; Ministério Público, especialmente as Promotorias 14 Arquivo em anexo: Sistema de Garantia dos Diretos da Criança e do Adolescente
de Justiça, as Procuradorias Gerais de Justiça; Defensorias Públicas;
Advocacia Geral da União e as Procuradorias Gerais dos Estados; Polícias;
Conselhos Tutelares; Ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos
incumbidas de prestar proteção jurídico-social.
Eixo da Promoção dos Direitos: que materializa de forma geral a
organização, formulação e implementação de políticas públicas na
perspectiva da satisfação das necessidades/acesso a direitos. A política de
atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-
se através de três tipos de programas, serviços e ações públicas: 1) serviços e
programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos
aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e
adolescentes; 2) serviços e programas de execução de medidas de proteção
de direitos humanos e; 3) serviços e programas de execução de medidas
socioeducativas e assemelhadas.
Eixo do Controle e Efetivação do Direito: que materializa as ações
públicas de promoção e defesa concretizadas por meio de instâncias públicas
colegiadas próprias, tais como: 1) conselhos dos direitos de crianças e
adolescentes; 2) conselhos setoriais de formulação e controle de políticas
públicas; e 3) os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos
na Constituição Federal. Além disso de forma geral, o controle social é
exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas organizações e
articulações representativas.
No nível federal, as ações do SGD estão no âmbito da Secretaria Nacional de Promoção
dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA) da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH/PR), que tem a missão prioritária de coordenar a política de
promoção, defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente no âmbito nacional e
interministerial além de promover, estimular, acompanhar e zelar pelo cumprimento do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
3.2. O Estatuto da Criança e do Adolescente
No Brasil, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), a
Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) são as referências
legais na proteção à criança e ao adolescente, em que estão inscritos diversos direitos visando
assegurar uma existência digna e o seu pleno desenvolvimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado no momento em que o País
vivia um processo de abertura política, após 20 anos de ditadura e quase 60 de tentativas de
reformulação do Código de Menores de 1927, substituído pelo Novo Código de Menores de
1979. De certa forma, se viveu a esperança de que, no rastro da mudança da lei, “o problema do
menor” seria resolvido. Nos anos 80, movimentos populares se articularam na luta por
melhores condições de vida no País.
E no que se refere à criança, buscou-se retratá-la com “prioridade absoluta”. Nesse
sentido, foi enfatizada a defesa incondicional de seus direitos, sem discriminação de qualquer
natureza. Foi um movimento de intensa mobilização, com repercussões quase que imediatas.
A segunda metade dos anos 80 foi marcada pela presença atuante e inovadora do
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. A articulação política foi realizada
preparando o terreno para um efeito considerado revolucionário por alguns e certamente digno
de atenção de muitos – a revogação do Novo Código de Menores e sua substituição pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nos meses que antecederam a promulgação da Constituição de 1988, vários grupos se
organizaram para defender suas causas. Entre eles destacou-se o movimento “Criança e a
Constituinte”, cuja articulação garantiu a inclusão de um artigo inusitado na Constituição
Federal, o artigo 227, baseado nos postulados da Declaração Universal dos Direitos da Criança
e da Convenção sobre os Direitos da Criança que, no caso, se encontrava em debate nas Nações
Unidas. Tanto o processo constituinte, como a inclusão do artigo 227 na Constituição, tiveram
um papel fundamental no País, pois fortaleceram os movimentos de mudança em curso,
impulsionando o processo que culminou na elaboração de uma nova lei, o Estatuto da Criança e
do Adolescente.
3.3. Prioridade absoluta
No dia 5 de dezembro de 1989, o senador Ronan Tito submeteu ao Senado o Projeto de
Lei nº 193, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”.
No verso da publicação do texto, por ele assinada, lia-se a seguinte mensagem:
Com absoluta prioridade – o presente projeto de lei, que dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente visa regulamentar o artigo 227
da Constituição Federal. Ele foi elaborado por um competente grupo de
juristas, com participação de representantes da Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (FunaBem) e do Fórum Nacional Permanente de
Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Fórum DCA), tendo sido ouvidas milhares de pessoas e
diversas entidades governamentais e não goveramentais. Este projeto
destina-se ao cumprimento do preceito institucional de que os direitos
da criança e do adolescente devem ser garantidos com absoluta
prioridade. (RIZINNI apud OLIVEIRA, 2002, p. 78).
Assim, criou-se a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), elaborada por uma comissão formada por representantes da sociedade
civil, juristas e técnicos dos órgãos governamentais, com a participação fundamental do
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e da Pastoral da Criança.
Importante!
O ECA é a lei que reconhece a criança e o adolescente como sujeito de direitos em nosso país,
defendendo o seu interesse superior.
Composto por 267 artigos, o referido documento, no Brasil, é um marco histórico em termos
dos direitos infanto-juvenis. A prioridade absoluta que preceitua o artigo 227 da CF/1988 foi
reafirmada no seu art. 4º. Senão vejamos:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à
infância e à juventude.
A sistemática do ECA ressalta, dentre o rol dos direitos fundamentais que estão
interligados, o direito à vida e à saúde e em seu art. 7º preconiza:
Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
O direito à vida possibilita a concretização dos outros direitos, como direito à
educação, ao esporte e ao convívio familiar. Assim, a proteção à vida e à saúde permeia todas
as políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente.
3.4. O ECA e o sistema de garantia
Conforme SARAIVA (2005), no ECA encontram-se os fundamentos dos três grandes
sistemas de garantias (primário, secundário e terciário) que estabeleceram as diretrizes para
uma política pública que prioriza as crianças e os adolescentes, reconhecendo a sua condição
de pessoa em processo de desenvolvimento. São eles:
Sistema primário – Refere-se às políticas públicas de caráter universal para
atendimento a toda população infanto-juvenil brasileira sem quaisquer distinções (traduzido
especialmente pelos arts. 4º, 86 e 87, do ECA).
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude.
Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á
através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:
I. políticas sociais básicas;
II. políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que
deles necessitem;
III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas
de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e
adolescentes desaparecidos;
V. proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do
adolescente”.
Sistema secundário – Possui natureza preventiva e abrange as medidas de proteção
dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social de que sejam
vítimas, cujos direitos fundamentais foram violados (especialmente os arts. 98 e 101). Essas
medidas protetivas são aplicáveis às crianças e adolescentes vitimados.
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I. por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II. por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III. em razão de sua conduta.
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II. orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III. matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
VII. acolhimento institucional;
VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX. colocação em família substituta.
(Parágrafos 1º ao 12 – ver no texto oficial)
Sistema terciário – Trata das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes em
conflito com a lei por terem cometido atos infracionais, ou seja, aqueles que passam da
condição de vitimizados a vitimizadores (refletido especialmente nos arts. 103 e 112).
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I. advertência;
II. obrigação de reparar o dano;
III. prestação de serviços à comunidade;
IV. liberdade assistida;
V. inserção em regime de semiliberdade;
VI. internação em estabelecimento educacional;
VII. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-
la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho
forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Pela legislação brasileira, o direito à proteção especial às crianças e adolescentes
abrange os aspectos relativos ao trabalho, como idade mínima de 14 anos para a
admissão, aquisição de direitos trabalhistas e previdenciários; garantia de acesso do
trabalhador adolescente à escola; conhecimento da atribuição de ato infracional com
defesa técnica por profissional qualificado; respeito à condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento, obedecendo aos princípios da excepcionalidade na aplicação
de medidas privativas de liberdade; estímulo do poder público para o acolhimento
por guarda de órfãos ou abandonados; acesso a programas de prevenção e
atendimento especializado aos dependentes químicos. Além disso, a lei prevê a
punição contra abuso, a violência e a exploração sexual infanto-juvenil.
3.5. Os avanços a partir do Sistema de Garantia de Direitos e do ECA:
Dentre os avanços que marcam o campo dos direitos de crianças e adolescentes nos
últimos anos, requer destacar o surgimento da Justiça Especializada da Infância e Juventude
como um mecanismo de justiça especialmente voltado para a proteção e defesa dos seus
direitos. O Estatuto não só cria atores e órgãos específicos, como o Juizado da Infância e
Juventude e o Conselho Tutelar, mas, igualmente, altera o campo de atuação de outros
mecanismos e órgãos, como no caso do Ministério Público, que desempenha um papel
fundamental de “fiscal da lei”, quer sob a forma de autor ou interventor.
A Justiça Especializada da Infância e Juventude representou uma mudança de ótica
dentro do Judiciário no trato das questões relativas à infância e à adolescência. Entretanto, se
esse fato merece ser comemorado como um marco do compromisso por parte do Judiciário com
uma nova forma de ver a infância e adolescência, desvinculando-as da justiça comum, ainda há
muito o que avançar nesta área. Em 2008, havia 92 comarcas com varas especializadas no País,
das quais 18 contavam com mais de uma vara, o que representa apenas 3,4% das 2.643
comarcas de todo o País.
O Ministério Público define-se como órgão constitucional autônomo, incumbido de
zelar pela defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e do
próprio regime democrático; a Defensoria Pública garante às pessoas o acesso à Justiça, ou
seja, permite às pessoas que não podem pagar ter um advogado especializado para orientá-las e
defender seus direitos na Justiça.
Para o aumento do combate e da visibilidade das violações de direitos também foi
fundamental o estabelecimento dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
(CEDECAS). Os Cedecas são organizações da sociedade civil voltadas à defesa dos direitos da
criança e do adolescente e que atuam em áreas específicas, como abuso e exploração sexual,
violência institucional, violência doméstica e monitoramento do cumprimento de medidas
socioeducativas. Esses centros atuam por intermédio de estratégias de advocacy e/ou suporte na
área jurídica. Hoje existem 38 Cedecas em 15 estados da federação e no Distrito Federal.
O que diferencia fundamentalmente os Centros de Defesa de outras instituições da
sociedade civil é a especialização no atendimento jurídico-social a crianças e adolescentes.
Os Cedecas devem ter a permissão estatutária do ingresso em juízo para a defesa de
interesses difusos e coletivos relacionados à infância e adolescência. Eles estão organizados por
meio da Associação Nacional dos Centros de Defesa (Anced) e têm sido um elemento de
conexão e mobilização política junto a fundações, organizações internacionais e o Governo
Brasileiro.
Cabe ainda destacar o papel das Delegacias Especializadas da Infância e
Adolescência. Tais delegacias promoveram maior visibilidade aos casos de abuso e maus
tratos, reforçando, no cotidiano, a ideia geral de que esses cidadãos em desenvolvimento devem
ser respeitados por toda a sociedade. Segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, existiam em 2007 apenas 55 delegacias
especializadas em crianças e adolescentes. Destas, grande parte atende exclusivamente jovens
que cometeram ato infracional ou crianças e adolescentes vítimas. Menos da metade delas é
específica para crimes contra a população infanto-adolescente.
A criação dos Conselhos Tutelares foi um passo fundamental no sentido da
“desjudicialização”, superando a ideia dos antigos comissários de menores, vinculados ao
Judiciário. Ao ser criado, o Conselho Tutelar retirou da Justiça os “casos sociais”, ou seja, as
situações que não exigem, a priori, uma decisão judicial e que podem ser resolvidos no âmbito
das relações comunitárias e administrativas.
Trata-se de uma experiência reconhecidamente inédita em âmbito internacional, por
vários motivos: pela autonomia do Conselho Tutelar em relação aos poderes executivo e
judiciário; por seu processo de escolha, em que o conselheiro é eleito por voto direto das
comunidades locais para um mandato de três anos; e também por materializar a integração da
comunidade, onde a sociedade civil e o poder público atuam na defesa dos direitos de crianças
e adolescentes.
Os Conselhos Tutelares foram instituídos a partir do Estatuto, previstos em seus artigos
131 a 140. Cada cidade deve ter ao menos um Conselho Tutelar para cada 200 mil habitantes.
São órgãos permanentes, autônomos e não jurisdicionais. É por meio deles que a sociedade
pode zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, aproximando a lei da
comunidade, como preconizado pelo Estatuto. Para se candidatar a conselheiro tutelar, são
requisitos: ter mais de 21 anos, residir no município e ter reconhecida idoneidade moral.
No cotidiano, as principais atividades dos Conselhos Tutelares são: o atendimento a
crianças e adolescentes cujos direitos estejam sendo violados ou ameaçados, com aplicação de
medidas de proteção adequadas; o atendimento e aconselhamento, com possibilidade de
consequente aplicação de medidas de responsabilidade aos pais e responsáveis; representações
e encaminhamentos ao Ministério Público e à autoridade judiciária; fiscalização, com o
Judiciário e órgão ministerial, de entidades governamentais e não governamentais responsáveis
pela execução de programas de proteção e de medidas socioeducativas; e assessoramento ao
Poder Executivo local na elaboração de proposta orçamentária, entre outras atividades.
A execução das políticas públicas temáticas dos direitos da criança e do
adolescente ocorre de forma articulada, no âmbito federal, entre os diversos ministérios,
envolvendo a participação de instâncias não governamentais e de âmbito estadual, distrital e
municipal na sua execução.
3.6. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)
Um ator de destaque no SGD é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda), órgão a quem compete formular, deliberar e promover o controle
social em âmbito nacional, contribuindo para a implementação da política de promoção,
proteção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes no País. O Conanda é um
órgão colegiado de caráter deliberativo, integrante da estrutura básica da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, que tem por finalidade elaborar normas gerais para a
formulação e implementação da política nacional de atendimento aos direitos da criança e do
adolescente, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas nos artigos 86, 87, 88 da
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como
acompanhar e avaliar a sua execução.
Por meio de gestão compartilhada, governo e sociedade civil definem no âmbito do
Conselho as diretrizes para Política Nacional de Promoção Proteção e Defesa dos Direitos das
Crianças e dos Adolescentes.
Tem como objetivo, além de auxiliar na definição das políticas para a área da infância e
da adolescência, o Conanda também tem as seguintes atribuições: fiscalizar as ações de
promoção dos direitos da infância e adolescência executadas por organismos governamentais e
não governamentais; definir as diretrizes para a criação e o funcionamento dos conselhos
estaduais, distrital e municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos
Tutelares; estimular, apoiar e promover a manutenção de bancos de dados com informações
sobre a infância e a adolescência; acompanhar a elaboração e a execução do Orçamento da
União, verificando se estão assegurados os recursos necessários para a execução das políticas
de promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil; convocar, a cada dois anos, a
Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme legislação vigente
que trata o art. 6º da lei e fixar os critérios para sua utilização, nos termos do art. 260 da Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990; gerir o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA),
sendo responsável pela regulamentação sobre a criação e a utilização desses recursos,
garantindo que sejam destinados a ações de promoção e defesa dos direitos de crianças e
adolescentes, conforme estabelece o Estatuto, conforme legislação vigente que trata o art. 6º da
lei e fixar os critérios para sua utilização, nos termos do art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990. Iniciou em 12/10/1990, através da Lei nº. 8.242, de 12 de outubro de 1991.
Possui composição paritária entre representantes do Poder Executivo e de entidades não
governamentais, no total de 28 membros. É assegurada a participação dos órgãos executores
das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, educação, saúde, fazenda, trabalho
e, em igual número, de representantes de entidades não governamentais de âmbito nacional de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente eleitos para o mandato de 2 anos. Suas
deliberações se dão por meio de discussões intersetoriais, sendo instâncias de discussão as
Comissões Permanentes, as Assembleias e as Plenárias das Conferências Nacionais dos
Direitos da Criança e do Adolescente.
Como colegiado articulador dos atores envolvidos sobre as temáticas relacionadas à
área dos direitos da criança e do adolescente, promove ações de mobilização referentes a temas
relevantes, como a exploração sexual, a questão da maioridade penal, o toque de recolher, a
erradicação do trabalho infantil, entre outros, através de representações em comitês, comissões,
audiências e atos públicos e por meio de notas técnicas. Ainda, publica periodicamente editais
públicos, disponibilizando recursos para apoiar projetos na área dos direitos da criança e do
adolescente.
No próximo módulo você vai estudar os números dramáticos que justificam a criação de
um programa como o PPCAAM, e, mesmo que os avanços tenham sido significativos no que
tange às políticas de proteção à infância e adolescência no Brasil como acabamos de estudar, há
muito que fazer e o PPCAAM é, sem dúvidas, uma iniciativa inovadora e imprescindível.
Finalizando...
Para se conhecer a história dos direitos humanos, Karel Vasak propõe a existência de
diferentes gerações, inspiradas no lema da Revolução Francesa que fala de liberdade,
igualdade e fraternidade.
Os documentos importantes, considerados o marco dos direitos humanos, são: A Carta
Internacional dos Direitos Humanos; Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH); Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ratificado
pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) é o órgão
da Presidência da República que trata de implementar, promover e assegurar os
direitos humanos, direitos da cidadania, da criança, do adolescente, do idoso, das
pessoas portadoras de deficiência.
O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)
foi criado pelo Governo Federal em 2003. Trata-se de uma iniciativa pioneira e bem-
sucedida na garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes, cujo objetivo é
responder aos altos índices de letalidade infanto-adolescente registrados no Brasil.
A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a Declaração dos
Direitos da Criança (1959), condensando-se em quatro documentos internacionais
fundamentais: a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as Regras Mínimas
das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as
Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as
Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de
Riad).
No Brasil, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), a
Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) são as
referências legais na proteção à criança e ao adolescente, em que estão inscritos
diversos direitos visando assegurar uma existência digna e o seu pleno
desenvolvimento.
Dentre os avanços que marcam o campo dos direitos de crianças e adolescentes nos
últimos anos, requer destacar o surgimento da Justiça Especializada da Infância e
Juventude como um mecanismo de justiça especialmente voltado para a proteção e
defesa dos seus direitos. O Estatuto não só cria atores e órgãos específicos, como o
Juizado da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar, mas, igualmente, altera o campo
de atuação de outros mecanismos e órgãos, como no caso do Ministério Público, que
desempenha um papel fundamental de “fiscal da lei”, quer sob a forma de autor ou
interventor.
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