Módulo 1 – Discutindo o tema
Apresentação do Módulo
Neste módulo você estudará sobre a origem do curso, a importância do tema e os
principais problemas relativos à ação de investigação.
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Compreender a importância do estudo do tema;
Identificar os principais problemas relativos à ação de investigação: lentidão e
burocracia, materialidade e acomodação.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – Por que um curso para investigação de estupro?
Aula 2 – Problemas relativos à ação de investigação.
Aula 1 – Por que um curso para investigação de estupro?
O presente curso surgiu a partir de um diagnóstico realizado, em 2010, sobre a
investigação dos crimes de estupro, homicídio, roubo e furto.
Importante!
O diagnóstico mostrou que a Polícia Civil tem alguns problemas na investigação dos
crimes estudados, e talvez de outros crimes. Apesar de existirem ilhas de excelência, o nível
de esclarecimento dos crimes é baixo (MINGARDI, 2010).
A investigação do crime de homicídio tem certa padronização nacional e as polícias
civis têm um conhecimento razoável dos métodos investigativos. Além disso, como a lei
determina que seja automaticamente instaurado um inquérito, o homicídio é o crime com
maior percentagem de casos resolvidos;
Os dois crimes contra o patrimônio – roubo e furto – apresentam um baixo grau de
resolução, porém em todos os estados pesquisados existem delegacias, divisões, ou mesmo
departamentos, especializados nesse tipo de investigação.
Importante!
O baixo índice de resolução não ocorre devido à falta de conhecimento por parte das
polícias, mas pelo grande número de crimes e a pouca importância dada aos roubos ou furtos
de pequena monta. O exemplo disso é que nos casos mais importantes, ou que envolvem
grandes quantias, como roubo a banco, roubo de carga, furto em residência em bairro nobre,
entre outros, o grau de resolução aumenta exponencialmente.
O crime de estupro tem baixo índice de resolução em todos os estados visitados,
principalmente por dois motivos: falta de conhecimento e metodologia na investigação e
ausência de equipes especializadas.
Diante desses resultados, optou-se por traçar, nesse curso, as linhas gerais da
investigação de estupro, além de propor algumas inovações, como a criação de setores
especializados e de um banco de dados do modus operandi. A finalidade do curso, portanto, é
a socialização do conhecimento adquirido, por meio da pesquisa, sobre o crime em que a
polícia mostrou o pior desempenho.
Aula 2 – Problemas relativos à ação de investigação
De acordo com o revelado pelas entrevistas realizadas para o desenvolvimento da
pesquisa, citada na aula 1, a maioria dos crimes que chegam a juízo é resultante de flagrante,
ou então consistem naqueles cuja autoria já era conhecida desde o início das investigações. A
quantidade de inquéritos instaurados (a não ser nos casos de homicídio) também não
corresponde ao desejado. Muitos crimes permanecem sem serem investigados. Ou seja, os
dados parecem dizer que, se não houver flagrante, as chances de elucidação do fato, nesse tipo
de crime, ficam diminuídas sensivelmente.
Alguns problemas ocorrem em todo tipo de investigação, e você começará seus
estudos pela discussão deles.
Os problemas gerais, que afetam todas as áreas, levantados pela pesquisa e citados por
praticamente todos os especialistas, são:
Lentidão e burocracia – a Polícia Civil é muito cartorial;
Materialidade – a perícia é lenta e mal empregada;
Acomodação – o pessoal dos distritos policiais não investiga.
Estude mais sobre cada um deles!
Lentidão e burocracia
Um tópico identificado como de grande peso quando se pesquisa procedimentos
investigativos diz respeito a uma falha do sistema que prejudica toda e qualquer investigação:
O excesso de burocracia e papelada, principalmente no que diz respeito ao envio do
processo ao Judiciário.
Em relação ao excesso de burocracia e papelada, é importante trabalhar conjuntamente
dois malefícios da burocracia: o ritual exagerado e o grau de complexidade.
Na esfera científica consideram-se dois princípios de simplicidade:
O princípio tradicional – que tem maior base na lógica – é a Parcimônia Ontológica
ou Navalha de Occam. O filósofo medieval estabeleceu que as entidades não devem ser
multiplicadas para além do necessário (Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem).
Em outras palavras, Guilherme de Occam defende a ideia de que a linha reta não é apenas
mais curta, mas também a mais precisa. Assim, sob a orientação desse princípio não devem
ser criados elos ou caminhos desnecessários para se explicar um fenômeno.
O princípio da elegância ou economia – Esse princípio é mais recente e é
considerado mais uma regra derivada do tradicional do que um princípio em si. A orientação
desse princípio diz que entre explicações igualmente satisfatórias a mais simples e elegante é
provavelmente a correta. Difere da Navalha porque abre mais o espectro de seu uso.
A regra da elegância, muito utilizada por matemáticos e físicos, reflete a ideia de que
elementos desnecessários reduzem a eficiência do design de um objeto. E elementos
desnecessários ao design provocam falhas ou criam problemas. É evidente que depende da
quantidade de informação que você precisa organizar e do objetivo do produto, mas aqueles
centrados em uma única tarefa devem considerar a simplicidade como essencial. E essa
simplicidade faz falta ao inquérito policial.
Para compreender melhor!
Para que você possa compreender melhor os princípios de simplicidade e,
principalmente, as consequências do uso de elos desnecessários que atravancam o processo
investigativo faça a seguinte visualização mental:
Imagine a investigação como um objeto e o inquérito como um invólucro, a
embalagem. Na prática, ele se tornou tão duro que confinou a investigação, que é fluida,
aprisionando-a numa forma sem sentido ou utilidade, e consequentemente, com baixa
produtividade.
O inquérito é uma forma de levar ao Judiciário as informações obtidas na
investigação, portanto tem uma única tarefa. Contudo, ele se transformou numa finalidade em
si, e acaba por subordinar toda investigação, quando deveria ser o contrário. Isso aumenta o
número de elos desnecessários, bem como de informações irrelevantes, o que contraria tanto o
princípio da Navalha de Occam quanto o da elegância.
A leitura dos inquéritos durante o desenvolvimento da pesquisa permitiu verificar
empiricamente que cerca de metade dos papéis a eles anexados tem relevância para explicar o
caso ou fornecer provas.
Exemplos coletados durante a elaboração da pesquisa
Exemplo 1 – Homicídio em São Paulo
Inquérito de 154 páginas, com 46 dedicadas à burocracia e das 108 folhas restantes
(oitivas, laudos, relatórios, etc), 33 não continham informações relevantes. Eram de
testemunhas que não tinham qualquer informação útil, laudos burocráticos que nada
revelaram, etc. Ou seja, apenas 69 páginas, 51% do total, foram úteis ao inquérito. Detalhe:
esse é um caso dos sucintos.
Exemplo 2 – Furto à residência em Belo Horizonte
O inquérito apresenta uma sequência de 29 páginas dedicadas a trâmites entre o
Judiciário e a Polícia que tomou um ano e meio, seguidas de um depoimento desnecessário
(mais burocracia). Finalmente, chega-se ao relatório do delegado, que sintetizava as
informações que estavam à disposição há mais de um ano e muito papelório atrás.
Nos dois exemplos, a investigação se deu à medida que o inquérito avançava, portanto
foi feita no que se pode chamar de “staccato1”, andando e parando repetidas vezes. Os
investigadores iam a campo, traziam informações, o delegado intimava testemunhas e, até
ouvi-las formalmente, o inquérito parava e a investigação também.
Mesmo se não se considerar a burocratização que faz parte do ritual da polícia, o
trâmite de um inquérito criminal se torna por demais lento devido aos pedidos de prazo, que
tem de ser feitos a cada trinta dias. Cada um deles implica os seguintes passos:
Envio pelo delegado ao Judiciário com a solicitação de prazo;
Remessa do juiz ao promotor pedindo manifestação;
Aceitação do promotor e remessa ao juiz;
Concordância automática do juiz e remessa ao delegado.
Esse trâmite é eminentemente burocrático, com cartas marcadas. Raríssimas vezes um
promotor não concorda com o pedido de prazo ou o juiz não aceita a manifestação do
promotor. A prática, no Ministério Público, é de “derrubar pilhas2”. O promotor lê apenas as
últimas páginas do inquérito e opina pela concessão do prazo e remete ao Judiciário. E no
gabinete do juiz o chefe do cartório já prepara a manifestação dele, que apenas assina no “X”.
É evidente que existem exceções. Alguns promotores leem o inquérito e, inclusive,
determinam diligências a serem efetuadas. Existem, por sua vez, juízes que não delegam essa
função aos cartorários e decidem eles próprios sobre o pedido de prazo. A prática, porém, é de
tratar o pedido o mais burocraticamente possível.
1 Tipo de articulação musical no qual as notas e os motivos das frases musicais devem ser executados com
paradas entre elas, ficando as notas com curta duração. 2 Termo utilizado por membros do Ministério Público de São Paulo. Significa dar baixa nos inquéritos que estão
empilhados em sua mesa, transferindo-os para outra pilha, a que vai ser despachada para o Judiciário.
Um juiz e um delegado, entrevistados simultaneamente para a pesquisa que subsidiou
as informações deste curso, concordaram que é raríssimo o juiz não concordar com as
diligências propostas pelo promotor ou este discordar de um pedido de prazo, mesmo sem
verificar o que foi feito enquanto o inquérito esteve na delegacia.
Apesar de ser um trâmite apenas burocrático, essa jornada do inquérito costuma
demorar mais de um mês. Existem relatos de inquéritos que só retornaram à delegacia depois
de quatro meses.
Durante a pesquisa, por meio das entrevistas, surgiram pelo menos duas propostas
para diminuir a burocracia, fazendo com que a equipe encarregada da investigação não perca
o ritmo ou o fio da meada. São elas: aumentar o prazo em que o inquérito fica com o delgado
de 1 para 2 meses e extirpar os papéis inúteis ao inquérito. A seguir, leia sobre as
possibilidades e limitações de cada uma delas:
Aumento do prazo que o inquérito fica com o delegado, de um mês para dois –
Essa proposta depende de mudança no Código de Processo Penal. Legalmente ele teria esse
tempo para terminar qualquer inquérito instaurado por portaria3.
Na verdade, aumentar o prazo pode dar resultado nas delegacias onde o trabalho seja
levado a sério, já que na prática alguns delegados deixam o inquérito parado até o prazo estar
estourando, então ouvem um ou dois depoimentos para constar e enviam ao Judiciário
pedindo prazo4.
Ainda, porém, que o delegado e o escrivão trabalhassem o inquérito com mais
celeridade, é quase impossível terminar um simples caso de roubo, mesmo com autoria
conhecida, em apenas um mês. Existem pessoas a serem ouvidas e perícias que não chegam,
além dos outros inquéritos, flagrantes e investigações que tomam o tempo da equipe.
Importa lembrar que não basta a convicção do delegado para produzir um relatório
convincente. Tem de se buscar as provas e a qualificação do acusado. Não adianta mencionar
3 O inquérito instaurado a partir de um flagrante tem prazos menores, devido ao réu estar preso, mas como não se
trata de um inquérito que normalmente demande investigação, pelo menos quanto à autoria, casos de prisão em
flagrante delito não foram tratados pela pesquisa que originou o presente curso. 4 Essa informação sobre os costumes de alguns colegas seus foi obtida através de entrevista com um ex-chefe de
polícia. Cada Estado dá um nome diferente ao chefe da Polícia Civil: Delegado Geral, Diretor de Polícia, Chefe
de Polícia, etc.
que o culpado foi o “Zezinho”, morador da rua B; o inquérito tem de provar que foi ele, além
de identificar precisamente quem é o Zezinho. É bom ressaltar que, algumas vezes, acabam
sendo encaminhados à justiça casos em que não existem provas, nem os autores são
identificados precisamente. Se o promotor tiver bom senso, remete o caso de novo para a
investigação.
Voltando ao ponto central, a proposta é que o prazo inicial para o término do inquérito
seja de dois meses, mas sujeito a maior controle, para evitar que fique parado durante todo
esse tempo.
Extirpar os papéis inúteis do inquérito – Essa proposta está relacionada ao princípio
da elegância, mencionado anteriormente, e reúne seis sugestões:
Equipes com mais investigadores e inquéritos baseados mais nos relatórios de rua;
Abolir a inclusão no corpo do inquérito dos procedimentos burocráticos, remessas,
requisições, ordens de serviço, etc;
Realizar formalmente apenas oitivas realmente necessárias, utilizando mais os
relatórios do agente; 5
Não solicitar automaticamente todas as perícias possíveis, só as realmente necessárias;
Extirpar do inquérito alguns documentos que nada acrescentam e as fórmulas sem
sentido atual, que foram mantidas pela tradição do tempo em que se escrevia o inquérito à
pena de pato;
Exigir mais dos relatórios parciais de pedido de prazo, que pelo menos contem a
história até aquele momento, a fim de dar lógica ao conteúdo posterior.
A maioria das alterações teria de passar por um aceite do Judiciário e do Ministério
Público, mas a última depende apenas desses dois atores. Exigir lógica no relatório e verificar
se a polícia está realmente investigando é tarefa dos dois, principalmente do MP. É essa a
finalidade do encaminhamento mensal: que os dois órgãos realizem o controle do inquérito, o
que não ocorre na maior parte dos casos. Então, vive-se o pior dos mundos, com a criação de
5 Por exemplo, no caso de testemunhas que nada sabem, mas que acabam sendo ouvidas simplesmente para que
o delegado se justifique, ou mostre produção. Seria mais lógico colocar no inquérito apenas o relatório do agente
que as entrevistou e colheu a informação. É bom ter em mente que esse agente já esteve em contato com a
testemunha, nem que seja apenas para entregar a intimação.
instrumentos burocráticos de controle que se transformaram, como o inquérito, numa
finalidade em si mesma.
Uma das metas a serem perseguidas é aumentar a velocidade do inquérito. A busca do
detalhe em detrimento da velocidade é a fórmula atual, e ela precisa ser invertida. Parar um
inquérito durante mais de um ano em busca da testemunha perdida ou no aguardo do laudo
relutante só são medidas cabíveis quando esses elementos são essenciais. Na maioria das
investigações analisadas eles eram prescindíveis e pouco ou nada acrescentaram ao
conhecimento dos fatos ou ao castelo de provas.
Materialidade
O segundo problema das investigações é o uso da perícia, muitas vezes fundamental
para a produção da prova, mas que, na maioria dos casos, é usada de forma limitada. A
subutilização da prova pericial se deve principalmente à ausência de elementos, mas também
decorre da cultura de uso exclusivo da prova testemunhal.
Importante!
Um exemplo disso é a falta de uso das impressões digitais. As digitais, usadas pelas
polícias há mais de 100 anos, têm pouca utilidade devido à falta, na maioria dos estados, de
um banco de dados que possa ser usado para comparar as impressões coletadas no local com
as de criminosos conhecidos. Atualmente, vários estados estão adquirindo seus bancos de
dados eletrônicos, porém ainda é um processo longe de acabar.
Apesar de o caso das digitais ser o mais gritante, existem inúmeros outros casos em
que a prova material poderia ajudar nas investigações, mas ela acaba sendo subutilizada.
Não existe uma fórmula para resolver o problema do uso das provas materiais e a
diferenciação das estruturas periciais é muito grande para usar uma só resposta. A única coisa
em comum entre as seis unidades pesquisadas é o grande distanciamento entre a prova
material e a testemunhal. Seja no Pará, onde a perícia é atribuída a uma autarquia; em São
Paulo, onde é uma superintendência ligada ao Secretário de Segurança; ou em Minas Gerais,
estado em que o aparelho pericial continua dentro dos quadros da Polícia Civil, o trabalho dos
investigadores e da perícia não se completam. Seguem em paralelo dentro do mesmo
inquérito policial. Uma das principais causas desse fenômeno é o confronto entre a cultura
“bacharelesca” dos delegados e a “laboratorial” dos peritos. Nesse aspecto, pode-se dizer que
não haverá consenso, uma vez que as análises sempre serão realizadas sob o ponto de vista do
seu próprio grupo (delegados ou peritos). O culpado é sempre o outro.
Corrigir essa divergência é um trabalho que ultrapassa os limites do possível no curto
prazo. Trata-se de mudar a cultura 6 de uma organização que, segundo Pierre Demon que, um
estudioso francês do aparelho repressivo, é uma instituição dura, semi-impenetrável, que
forma seus membros de acordo com uma dinâmica própria, por isso é muito difícil a alguém
de fora compreendê-la ou discutir seus métodos. Portanto, seria necessária uma abordagem
indireta, de longo prazo, para alterar uma instituição quase tão fechada quanto as relatadas por
Goffman (1974) nas suas discussões sobre presídios e conventos.
O que tem sido feito para mudar essa situação?
No curto e médio prazo se pode trabalhar para implementar de fato a perícia como
partícipe nas investigações, equipando-a, treinando-a e cobrando resultados. As duas
primeiras atividades estão sendo feitas pela Senasp, embora os resultados ainda não tenham
surgido devido à resistência passiva da máquina, que “aceita os aparelhos que o governo
compra, mas não muda nada”. (Observação originada de entrevista com um delegado).
Quanto à cobrança, ela só pode ser feita por meio dos governos estaduais, mas uma
forma de forçar a situação é criando e disseminando padrões ou normas, através de cartilhas,
livros, manuais, etc. Se houver a norma, a perícia e a Polícia Civil terão de segui-la, sob pena
de serem pressionados pelo Judiciário e o Ministério Público.
Especialização
A investigação de estupro é mal feita e não tem a devida importância dentro dos
aparelhos policiais. Nenhuma das seis unidades da federação pesquisadas (São Paulo, Minas
Gerais, Distrito Federal, Alagoas, Pará e Rio Grande do Norte) prioriza a investigação dessa
modalidade criminal, tanto que nenhuma tem delegacias especializadas. O mais próximo disso
6 Aqui utilizamos uma definição operacional de cultura que a vê como um modo de pensar e de agir de um grupo
humano que representa sua identidade.
são as Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAM) ou as Delegacias de
Defesa da Mulher (DDM) que atuam, prioritariamente, nos casos que envolvem familiares e
que, por trabalharem mais em crimes de autoria conhecida, não têm estrutura nem capacidade
investigativa. Mesmo assim, é nas DEAM que acabam caindo a maioria dos casos e onde eles
são mais bem trabalhados, pois nas delegacias territoriais sua prioridade é, normalmente,
muito baixa.
Na polícia territorial poucos investigam. As delegacias se transformaram em fábricas
de boletins de ocorrência. No cotidiano, as equipes fazem boletins de ocorrência, redigem
flagrantes trazidos pela Polícia Militar e “tocam” inquéritos de autoria conhecida.
Investigação só ocorre raramente e em casos bem específicos.
Dessa forma, com as especializadas trabalhando em grandes crimes e as distritais só
cuidando da burocracia, os crimes do cotidiano, como pequenos furtos, roubos de pouca
monta etc., ficam esquecidos e na maior parte das vezes nunca evoluem além do BO.
É difícil acreditar que uma especializada possa investigar todos os crimes de
determinado tipo, pelo menos na área dos crimes contra o patrimônio. Nas capitais é possível
delegar homicídios e estupros apenas para a especializada, se houver, mas o dia a dia tem de
ser trabalhado pela polícia territorial, as delegacias de bairro. Para isso, porém, elas têm de
desburocratizar seu serviço e deixar de consumir a maior parte do tempo na elaboração de
boletins de ocorrência. E um caminho lógico para isso é possuir um BO eletrônico e
unificado.
Para a investigação, a existência de boletim de ocorrência eletrônico e unificado é
muito importante porque diminui a demanda por preenchimento de papéis e aumenta o tempo
disponível para a investigação. Não é, porém, suficiente para reverter o quadro. Como foi
mencionado anteriormente, as polícias civis estão muito impregnadas do papel burocrático. É
necessário mudar a visão que muitos delegados têm de suas atividades, além de modificar a
composição das equipes, atualmente voltadas para o trabalho cartorário. Uma dessas
mudanças, talvez a mais premente, seria aumentar o número de agentes, investigadores, ou
detetives, pois depende deles o trabalho de rua, seja na localização de testemunhas, seja na
identificação dos suspeitos.
De maneira a evidenciar as falhas decorrentes dos problemas gerais identificados nos
processos investigativos vistos anteriormente (lentidão e burocracia; materialidade e
acomodação), no próximo módulo será apresentado o fluxo formal das investigações e,
especificamente, dos casos de estupro.
Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:
O presente curso surgiu a partir de um diagnóstico realizado, em 2010, sobre a
investigação dos crimes de estupro, homicídio, roubo e furto;
A pesquisa demonstrou que:
A investigação do crime de homicídio tem certa padronização nacional e as polícias
civis têm um conhecimento razoável dos métodos investigativos;
Os dois crimes contra o patrimônio – roubo e furto – apresentam um baixo grau de
resolução;
O crime de estupro tem baixo índice de resolução em todos os estados visitados,
principalmente por dois motivos: falta de conhecimento e metodologia na investigação e
ausência de equipes especializadas.
Os problemas gerais relacionados à ação de investigação, que afetam todas as áreas,
levantados pela pesquisa e citados por praticamente todos os especialistas, são: lentidão e
burocracia – a Polícia Civil é muito cartorial; materialidade – a perícia é lenta e mal
empregada – e a acomodação – o pessoal dos distritos policiais não investiga.
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