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NOVAS TECNOLOGIAS E ORGANIZAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS:
UM DESAFIO À JURISDIÇÃO INTERNACIONAL
Dempsey Pereira Ramos Júnior*
RESUMO As primeiras ações judiciais propostas para interromper o funcionamento do LHC (large hadron collider), em razão da possibilidade deste experimento físico fabricar um buraco negro capaz de engolir o planeta Terra, e a maneira limitada como os órgãos judiciários responderam a essas demandas; mostram que o direito internacional público encontra-se em xeque, diante de riscos ambientais agora com dimensões cósmicas. Soluções para um caso como o LHC ultrapassam fronteiras nacionais e extrapolam a esfera judiciária. Religião, ciência, energia e direito são os elementos que estão por trás desse caso. O direito contemporâneo carrega em seu âmago um DNA ancestral que explica a sua rigidez e à inflexibilidade de seu funcionamento. Considerando que as organizações intergovernamentais escapam à jurisdição internacional, urge reconhecer que as novas tecnologias exigem uma reformulação da hermenêutica do direito internacional público. Palavras-chave: Meio ambiente; LHC; organizações internacionais; física de partículas; responsabilidade internacional; novas tecnologias; religião e ciência. ABSTRACT The first lawsuits proposed to halt the LHC’s operation (large hadron collider), because of the possible black hole making by this physical experiment, able to swallow the planet Earth, and the limited manner how courts have treated that lawsuits, all of that issues have showed the public international law is under check, before environmental risks now with cosmic dimensions. Solutions for the LHC case overtake national frontiers and jurisdictional grounds. Religion, science, energy and law are the issues behind this case. The contemporary law carries inside itself an ancient DNA, characterized by rigidness and inflexibility of its operation. Considering that intergovernmental organizations are not under international jurisdiction, it must be
* Professor-Orientador do Programa de Apoio à Iniciação Científica, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, junto à Universidade do Estado do Amazonas; Mestre em Direito Ambiental.
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recognized that new technologies need a public international law hermeneutics reformulation.
Keywords: Environment; LHC; international organizations; particles physics; international liability; new technologies; religion and science. INTRODUÇÃO
Compreender o LHC (large hadron collider), juridicamente, passa antes por
uma análise histórica onde ciência, energia, religião, economia, sociedade, política e
direito entrelaçam-se de forma muito íntima. O presente artigo pretende mostrar como a
visão humana da realidade conduz à construção de específicos modelos jurídicos. O
caso do buraco negro já chegou em quatro instâncias judiciárias ao redor do planeta
(três nacionais e uma internacional). O juiz que eventualmente decidir o mérito dessa
questão não estará fazendo o julgamento apenas do LHC, considerado um experimento
científico, nem o julgamento da organização internacional que o construiu. O que estará
colocado diante dos Tribunais envolve a própria história da humanidade. A segurança
internacional (hoje ampliada para um sentido mais cósmico e planetário, do que apenas
geopolítico), a busca pelo domínio das forças da natureza e a tentativa de comprovar,
experimentalmente a chamada teoria unificada completa (uma teoria quântica da
gravidade, capaz de unir a mecânica quântica à relatividade); tudo isso relaciona-se em
última análise com a questão energética.
Conquanto os cientistas que trabalham no LHC estejam buscando provas
empíricas que irão consolidar uma teoria científica no campo da física, capaz de
explicar o universo inteiro como um todo, de forma congruente e sem paradoxos; cabe
ressaltar que os resultados dessa experiência podem levar à descoberta de formas
alternativas de energia. Além disso, a própria operação do experimento entrelaça-se
com os campos religioso, filosófico, ético, moral, político e jurídico; o que será melhor
explicado nos tópicos adiante. Partindo dessa análise inicial, associada à maneira como
as demandas em torno do LHC forma respondidas por quatro instâncias judiciárias, o
artigo tentará vislumbrar qual será o direito esperado no século XXI, tendo em vista a
nova concepção sobre a realidade do cosmos e da matéria que encontra-se no horizonte
da física de partículas e da astrofísica, sob a forma de teorias que estão em vias de
comprovação. Vislumbra-se, desde já, a possibilidade do fenômeno jurídico do século
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XXI ser descrito de acordo com a teoria vibracional do direito, cujas primeiras linhas
este artigo pretende lançar.
Neste contexto, será investigada a temática jurídica relativa à dificuldade
(extrema) de se obter solução jurisdicional em um caso como o LHC e o buraco negro.
Referido tema será tratado sob o enfoque da responsabilidade das organizações
internacionais e do direito internacional do meio ambiente. Dentre os problemas
abordados, a possibilidade ou a impossibilidade de se responsabilizarem organizações
intergovernamentais perante os Tribunais internacionais é o primeiro. Como obter
jurisdição se o LHC é fruto de um projeto transnacional intergovernamental? Outro
problema refere-se aos limites do direito internacional quanto ao seu papel garantidor da
segurança, especialmente no caso do LHC, uma máquina imersa em um oceano de
controvérsias científicas já que nem os físicos chegaram a um consenso sobre a
segurança do seu funcionamento. Como produzir provas processuais (a favor ou contra
o LHC), se as controvérsias sobre a segurança de seu funcionamento só poderão ser
desfeitas após as teorias físicas conflitantes serem testadas experimentalmente, mas com
o dilema de ser o teste experimental o próprio LHC?
Ou seja, para provar que o LHC é seguro e que não vai destruir o planeta Terra,
o único meio de fazê-lo é funcionar a máquina e constatar os resultados da experiência.
Se a Terra for destruída (eliminada do universo após ser engolida por um eventual
buraco negro feito pelo LHC) não sobrará nenhum ser humano, nenhum Tribunal para
cobrar responsabilidades. Não sobrará nem mesmo consciência humana para perceber
que o planeta foi destruído, para sofrer as dores desse desastre ou para sentir a ausência
de algo que foi aniquilado; exceto no campo metafísico dos espíritos, algo que escapa
da ciência e entra nos domínios da religião. Como o direito internacional público poderá
enfrentar esse dilema?
O DNA DO DIREITO: MATÉRIA FÍSICA E ENERGIA
De acordo com as categorias do materialismo histórico lançadas por Marx e,
modernamente, reconstruídas por Habermas, o direito é um elemento cultural e histórico
produzido pela prática social (Derani, 2008, p. 3). Porém, o presente trabalho pretende
evidenciar que a prática social, ela própria, é configurada e formatada de maneira
intimamente associada à questão energética e à textura da realidade (entendida como o
tecido da matéria e dos cosmos). Dependendo do tipo de matriz energética que estiver
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na base da economia, e dependendo da imagem (consciência) que os povos tenham
acerca do tecido da realidade, as práticas sociais (cultura, religião, política, direito) daí
derivadas terão formatos bem específicos e determinados, produzindo valores
axiológicos que atuam como uma espécie de DNA. Aquilo que pode vir a ser a gênese
mais elementar e fundamental do direito contemporâneo, neste trabalho será
denominado de DNA do direito (o seu código genético).
O direito contemporâneo carrega marcas de um DNA nascido quando o
fenômeno jurídico surgiu no mundo como experiência humana pré-histórica (12 mil
anos atrás). Referido DNA expressa um plexo de valores que persistem dentro do
direito contemporâneo, valores que de tão antigos e arraigados atravessaram milênios e
chegaram até a contemporaneidade. Porém, referidos valores, se no passado foram úteis
e positivos (benéficos), hoje representam obstáculos à construção jurídica de soluções
necessárias aos, cada vez mais complexos, problemas da contemporaneidade,
especialmente problemas derivados das altas tecnologias como o LHC e os buracos
negros, assunto principal desse artigo. O DNA do direito é formado a partir da textura
da realidade (em sentido amplo: não só a realidade social e econômica, mas a realidade
do planeta Terra, a realidade cósmica fora do planeta Terra, uma realidade ligada ao
tecido da matéria e à questão energética).
Constituído desde um mundo pré-histórico (agrário) há 12 mil anos atrás, o
DNA do direito contemporâneo atravessou toda a antiguidade clássica (4 mil a.C.-476
d.C.), toda a Idade Média (476 - 1453), toda a Idade Moderna (1453 - 1789), até
começar a sofrer alguma alteração na Idade Contemporânea (1789 – dias atuais). Neste
último período, o mundo deixou de ser agrário e começou a tornar-se urbano após a
revolução fóssil do carvão e do petróleo. Ou seja, a mudança energética ocorrida no
mundo dos últimos três séculos é um fenômeno muito recente, no contexto de toda a
milenar história do direito. Logo, o DNA original do direito permanece exercendo forte
influência no modo de criar, alterar, extinguir e aplicar direitos na contemporaneidade:
rígido, inflexível e com traços de rigorosa ritualística formal, tudo isso impedindo
flexibilidade e alternatividade epistemológica jurídica. Apesar disso, traços de
flexibilidade vêm surgindo como uma verdadeira transformação epistemológica no
direito, na medida em que o pluralismo jurídico mostrou um direito que nasce
espontaneamente das próprias relações humanas – o direito-relação (Wolkmer, 2001,
cap. IV), sem necessariamente depender da benção estatal ou de outras formas
ritualísticas; e a teoria dos sistemas autopoiéticos mostrou um direito que se autoproduz
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e se autodefine livre da rigidez ritualística (Luhman, 1983, p. 45; 2009, p. 128/152 e
Casanova, 2006, p. 268).
De um direito baseado em fórmulas rígidas e fechadas para outro aberto e
flexível, essa transformação vem ocorrendo motivada pela questão energética. Do
mundo agrário da pré-história até meados do século XX (impulsionado pela energia da
lenha e dos grãos), a visão de mundo dos povos foi estática, rígida, pontual, local,
imutável. Com as recentes descobertas da física de partículas, essa visão vai mudando
para uma realidade física da matéria formada por cordas de energia em vibração;
valendo destacar que as soluções energéticas do futuro apontam para o Sol e o
hidrogênio, elementos naturais leves e abertos.
O DNA do direito que começa a surgir com o LHC, é composto de elementos
tanto jusnaturalistas, como também positivistas, sociologistas, historicistas e pós-
positivistas. Dizer que o direito é expressão da natureza da matéria e do cosmos (da
realidade), segundo a nova ótica que surge no horizonte da física de partículas e da
astrofísica, significa dizer que além de jusnatural ele também é positivo, histórico,
sociológico e pós-positivista de forma unificada. Esse tratamento dado ao direito será
aqui denominado de teoria vibracional do direito, uma teoria filosófica capaz de
explicar o direito de forma global, eliminando paradoxos existentes no atual modelo
compartimentado de pensamento, mas preservando a diversidade. Nos tópicos
seguintes, serão apresentadas noções básicas sobre as cordas para que o leitor entenda o
que significa uma realidade vibracional da matéria e o que significa uma textura
multidimensional e modificável do espaçotempo, conforme a física de partículas e a
astrofísica (Greene, 2005; Hawking, 2005).
Feitos estes esclarecimentos, pode-se dizer que diversidade, pluralidade e
complexidade não significam perda de identidade. A existência da unidade da ordem
jurídica é dada pela sua percepção no decorrer da vivência de uma sociedade,
exatamente porque ela existe e se desenvolve no mesmo movimento das atividades. O
direito é uma ação em sociedade através de seus códigos próprios, é a verbalização dos
elementos constitutivos de uma sociedade e de suas expectativas (Derani, 2008, p. 4).
Em uma única palavra: “o Direito é nível da própria realidade” (Grau, 1991, p. 21).
Friedrich Müller sustenta que: “o direito surge definitivamente como parte do conteúdo
da consciência humana” (apud Derani, 2008, p. 4). Assim, a análise dos elementos
normativos do direito (seus textos e as jurisprudências) dentro do seu ambiente
histórico-cultural, por pessoas ou mesmo por expertos, constrói o direito. A norma,
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produto da combinação destes elementos (texto, jurisprudência e história), é nitidamente
jurídica e política, pois altera necessariamente o ambiente social em que atua (ibidem, p.
4). Aqui destacam-se dois fatores: o tecido da realidade (em sentido amplo, a
realidade da matéria física e do cosmos) e a consciência dos povos acerca desse tecido,
dessa textura. Ao longo da história humana, a percepção que as sociedades tiveram
sobre o tecido da realidade foi muitas vezes uma percepção ilusória e até certo ponto,
para os atuais padrões do século XXI, infantil, ingênua e bastante limitada. A sucessivas
descobertas científicas, alteraram a percepção humana sobre a realidade, promovendo
assim mudanças no direito.
A EVOLUÇÃO DA COMPREENSÃO DO UNIVERSO: DA FUNÇÃO
RELIGIOSA ATÉ O DNA DO DIREITO INTERNACIONAL – UMA ANÁLISE
CRÍTICA
Por muito tempo acreditou-se que o planeta Terra era plano e que a sua
“beirada”, terminava em uma grande cachoeira que caía em um espaço sem fundo,
cheio de monstros e dragões. O “prato” plano que era tido como o suposto formato da
Terra, estaria apoiado nas costas de tartarugas gigantes empilhadas (dada a semelhança
entre o movimento, aparentemente “lento” de rotação da Terra e dos astros, e a lentidão
típica das tartarugas). Até por volta da época de Colombo (1492), era muito comum e
difundida essa ilusão (Hawking, 2005, p. 17). A teoria das tartarugas era apenas mais
uma tentativa de concepção do universo, assim como hoje a teoria das cordas representa
a mais recente descrição do tecido da realidade (objetivo principal do LHC). Ambas são
teorias do universo, nenhuma das duas tiveram evidências observacionais, embora a
última seja bem mais matemática e mais precisa que a primeira. Ninguém nunca viu
uma pilha de tartarugas sustentando o planeta nem nunca viu uma corda. Porém, sob a
ótica das tartarugas, quem fosse até a beirada da Terra, deveria cair em uma cachoeira
sem fundo, o que nunca aconteceu; já que os navios que partem pelo mar, na direção
leste, fazem uma circunavegação da Terra retornando pelo oeste. A experiência
desmentiu a teoria das tartarugas (ibidem, p. 17/18 e 141/142).
No início do século XVII, as polêmicas e discussões sobre o formato da Terra
pareciam ter chegado ao fim, quando um instrumento científico foi inventado por
Galileu Galilei (1609): o telescópio. Nas suas observações do planeta Júpiter, Galileu
identificou que este era acompanhado por pequenos satélites, ou luas, que giravam ao
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seu redor. Concluiu que nem tudo precisava girar ao redor da Terra, da forma como
postulavam Aristóteles e Ptolomeu (ibidem, p. 21). Considerando que nesta época o
cosmos era tido como algo estático, inclusive a Terra, a qual suponha-se ficar parada no
centro de todo o universo; a primeira consequência que Galileu produziu, ao postular o
movimento orbital da Terra, foi a de desabar sobre ele a fúria da Inquisição (Greene,
2005, p. 42). Um século antes, o padre polonês Nicolau Copérnico (1514), inicialmente
de forma anônima por medo de ser taxado herege pela Igreja, teve a idéia revolucionária
de que nem todos os corpos celestes devem orbitar a Terra. Defendeu que o Sol
encontrava-se estacionário no centro de um sistema, onde a Terra e os demais planetas é
que giravam ao redor dele. Sua idéia, ficou só na teoria por ausência de evidências
observacionais. Galileu, porém, conseguiu com seu telescópio apresentar evidências
observacionais que confirmaram Copérnico (Hawking, p. 20/21).
As evidências observacionais de Galileu, sobre o movimento orbital da Terra e
de outros astros ao redor do Sol foram, posteriormente, interpretadas e explicadas por
Isaac Newton (1666), com base em uma matemática gravitacional, inventada por este, o
que levou ao surgimento das leis da gravidade. Foi a primeira vez que alguém
conseguiu explicar movimentos celestes em termos de leis precisas e previsíveis. Suas
leis se aplicavam a tudo: da maçã caindo de uma árvore às estrelas e planetas. Pouco
tempo depois, Newton publicou em 1687 sua obra “Princípios Matemáticos da Filosofia
Natural”, considerada a mais importante obra isolada já produzida nas ciências naturais.
Este foi o início da física e da astronomia modernas (ibidem, p. 21/22). Nasceu naquele
momento um verdadeiro paradigma científico: o mecanicismo determinista.
Ao descobrir a Lei da Gravidade Universal, suscetível de ser confirmada por
observações e simulações, Isaac Newton criou um novo paradigma de fazer ciência: o
paradigma mecanicista baseado nos cálculos previsíveis e deterministas da mecânica
gravitacional (Casanova, 2006, p. 258). Este paradigma mecanicista transformou o
critério “exatidão” em axioma informador de todo conhecimento que se pretendesse
científico (ibidem, p. 259), irradiando e extrapolando seus postulados para todos os
demais ramos do conhecimento, inclusive para as ciências sociais e, dentro destas, para
as ciências jurídicas. Esta irradiação mecanicista, determinista e paradigmática deu
início, no mundo jurídico, a um intenso e generalizado processo de positivação e de
codificação formalista do direito, cujo ícone foi o Código Civil de Napoleão.
Do direito medieval canônico (não muito “exato” porque revelado
subjetivamente por Deus), surge o direito do Estado-Nação francês, submetido a uma
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Constituição destinada a traçar os rígidos rituais de sua criação, transformação e
aplicação (Châtelet, Duhamel & Pisier-Kouchner, 1994, p. 30 e 89/90). Apesar da
aparente novidade surgida, com os dogmas da previsibilidade e da exatidão do modelo
jurídico francês, o direito continuou carregando o mesmo DNA primitivo que lhe
marcou o nascimento há 12 mil anos atrás: rigidez, formalidade e rigorosa ritualística
para sua produção e sua aplicação. O século XVIII na França foi a época do culto à
forma, só se considerava direito aquilo que proviesse rigidamente sob o manto e as
bênçãos do Estado nacional, responsável por traçar os rituais e as formalidades daquele
“novo” modelo jurídico. Novo apenas quanto à sua origem (de fonte divina passou para
fonte racional humana), mas velho e idêntico quanto ao seu DNA primitivo, que
remonta à pré-história.
O que se deseja mostrar aqui, é que, embora as descobertas científicas da
Lei da Gravitação Universal de Newton tenham produzido mudanças paradigmáticas
nas práticas sociais (cultura, política, direito); referidos feitos científicos não
conseguiram contudo alterar o DNA do direito. A Lei da Gravitação Universal de
Newton mudou a percepção de mundo que os povos tinham sobre o cosmos (de um
modelo geocêntrico passou a um modelo heliocêntrico). Produziu o paradigma
mecanicista da exatidão e contribuiu para a Revolução Francesa, ao abalar as bases
teológicas do poder monárquico absoluto. O telescópio de Galileu, por sua vez,
provocou uma “perda da verdade tradicional”, baseada no senso comum e nos olhos do
corpo, pois a partir do telescópio o ser humano descobriu que não mais podia confiar
nem mesmo nos seus próprios sentidos corporais, os quais lhe traíram. Antes do
telescópio, todos acreditavam piamente em seus próprios olhos, que lhe diziam ser a
Terra o centro do cosmos. Se o Sol nascia todos os dias no leste e se punha no oeste,
“aparentemente” o Sol é que girava ao redor da Terra (Arendt, 2008, p. 287 e 307).
Estes fatos da ciência, ocorridos recentemente nos séculos XVII e XVIII,
fizeram desmoronar verdades fundamentais ligadas ao senso comum, tidas como
dogmas religiosos, mas não alteraram um milímetro sequer do DNA do direito, o qual
permaneceu firmemente atado aos seus caracteres pré-históricos de rigidez, formalidade
ritualística, vocação à perenidade e rigorosa inflexibilidade formal. O que estaria
escondido por trás dessa aparente característica imutável do direito?
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ENERGIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA: ANÁLISE INTERDISCIPLINAR ACERCA
DAS CAUSAS DO EXTREMO FORMALISMO DO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO
O DNA do direito é fruto de antiquíssimas crenças religiosas que remontam à
pré-história humana, crenças nascidas das tentativas de se controlar as forças da
natureza, com o objetivo primordial de assegurar um permanente fluxo energético para
sustentar a vida material humana. Essas crenças surgiram no mundo agrário pré-
histórico de 12 mil anos atrás, no contexto da revolução agrícola (período em que a
humanidade abandonou o modelo econômico de caçadores-coletores e transitou rumo
ao modelo de agricultores). Esta revolução introduziu uma nova matriz energética no
mundo: os grãos. Considerando que o direito é o nível da própria realidade (Grau, 1991,
p. 21), a realidade daquele mundo era expressão da imagem que os grãos transmitiam.
Grãos solidamente fixados à terra; que, por sua vez, também era fixa, local e inamovível
(rigidez); terra que antes das gerações e após as gerações sempre esteve no mesmo lugar
(perenidade); grãos que eram produzidos de forma inflexível dentro de um rigoroso
ritual repetitivo de cultivos e colheitas, sempre nas mesmas épocas e da mesma forma
(inflexível formalidade); obedecendo à marcação natural e inflexível das alternâncias
climáticas e sazonais (formalidade ritualística).
A energia, e consequentemente a maneira de capturar essa energia no mundo
agrário, foi o elemento fundamental que modulou e deu forma às práticas sociais de
então. O antropólogo Leslie A. White observa que durante o processo evolutivo das
diversas culturas no planeta, nas fases pré-históricas mais antigas, o corpo humano era a
única “usina de força” que permitia aos grupos rudimentares realizar o trabalho da caça,
da pesca e da coleta de alimentos. Mais tarde, quando ocorreu a transição de caçadores-
coletores para pastores-fazendeiros, o modo agrícola permitiu extrair uma quantidade
imensamente maior de energia do ambiente. O excedente de alimentos gerado pela
prática de criar animais confinados, associada à prática de arar e cultivar grandes
extensões de terra, tudo isso aumentou a quantidade de energia que fluía dentro das
organizações sociais e culturais de então. Por isso, essa transição energética (da caça e
da pesca para os cereais cultivados em maior escala) caracterizou aquilo que ficou
conhecido na história como revolução agrícola, já que mudou completamente o
formato econômico, social, religioso e jurídico daqueles grupos. Os cereais foram
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considerados naquele contexto histórico “a grande força motriz da civilização” (White,
1949, p. 371).
Sob o ritmo marcado e repetitivo de alternância regular das estações climáticas,
os astros celestes impunham às práticas da vida social uma regularidade cíclica. A vida
naquele mundo agrário (não só o pré-histórico, mas o antigo e o medieval) era um
eterno e, talvez, enfadonho repetir, recomeçar e refazer todas as atividades cotidianas
sempre da mesma forma, sempre com o mesmo ritual, sempre com a mesma e inflexível
rigidez: este é o DNA do direito contemporâneo.
Todas essas marcas da vida agrária pré-histórica refletiram-se na construção de
uma cultura, um modo de produção, uma religião e um direito marcados geneticamente
pela rigidez, imutabilidade, inflexibilidade, eternidade e rigorosa formalidade
ritualística. A textura da realidade e a consciência dos povos sobre esse tecido (da
matéria, do mundo, do cosmos), além da característica natural da matriz energética
baseada nos grãos, formataram a prática social e as instituições dos povos antigos,
constituindo assim o DNA jurídico que atravessou vários milênios, desde 12 mil a.C.
até os dias atuais.
A influência do tipo de energia adotada por um povo é tão grande que
antropólogos, como George Grant MacCurdy, acreditam que “o grau de civilização de
qualquer época, comunidade ou grupo de comunidades se mede pela habilidade em
utilizar a energia para o progresso ou para as sociedades humanas” (apud Rifkin, 2003,
p. 39). O mesmo antropólogo define a experiência humana como uma jornada
evolucionária pelo uso crescente de energia disponível. No mesmo sentido, o sociólogo
Howard Odum sustenta que na união entre “homem, mente e energia”, é a fonte de
energia, e não a inspiração do homem, que define os limites extremos do progresso
humano (1971, p. 49). Vale citar outro antropólogo, Leslie A. White, segundo o qual a
cultura tem uma íntima função: “tratar e controlar a energia de modo que ela possa ser
usada a serviço do homem” (1949, p. 376). Assim, aquilo que comumente é chamado de
progresso humano representa, em grande parte, a perspicácia dos seres humanos para se
valerem de procedimentos simbólicos, ferramentas e organizações institucionais com o
objetivo de capturar e empregar cada vez mais energia e, com isso, aumentar mais ainda
o seu bem estar (Rifkin, 2003, p. 39).
Os eventos ligados à Lei da Gravidade Universal de Newton não conseguiram
mudar o DNA do direito porque, até o final do século XVII (1700), o mundo continuava
agrário: baseado na matriz energética dos grãos. Só a partir do século XVIII, e depois
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no século XIX, é que a introdução do carvão e do petróleo na economia – revolução
fóssil começaram a mudar um quadro jurídico normativo que existiu incólume durante
12 mil anos. Grãos e lenha foram a base energética da maioria das sociedades, por todas
as épocas e por todos os lugares onde viveu a espécie humana. Daí porque o direito
internacional público contemporâneo traz as marcas genéticas deste DNA, eis que é
“também chamado de direito das gentes: law of nations, nos países anglo-americanos;
droit des gens, em francês; ou Völkerrecht, no alemão” (Mazzuoli, 2005, p. 15).
Energia está ligada a ciência e religião também. Pois sendo a energia um
elemento retirado da natureza (os grãos dependiam de chuvas), os povos pré-históricos
adotaram formas específicas de práticas religiosas para controlar as forças da natureza
(divindades anímicas). Referidas práticas religiosas, por serem um fenômeno profundo
da psique humana, incorporaram-se no inconsciente coletivo universal e posteriormente,
até para os céticos, acabaram sendo o fator determinante de usos, costumes, rituais e
formalidades jurídicas que acompanharam os povos por vários milênios. James George
Frazer, considerado o antropólogo que melhor sintetizou todas as pesquisas do século
XIX sobre as crenças e superstições, publicou entre 1890 a 1915 uma obra de doze
volumes – ‘O Ramo de Ouro’, na qual retrata o processo universal que conduz, por
etapas sucessivas, da magia à religião, e depois, da religião à ciência. Segundo o autor,
“a magia representa uma fase anterior, mais grosseira, da história do espírito humano,
pela qual todas as raças da humanidade passaram, ou estão passando, para dirigir-se
para a religião e para a ciência”. Frazer considera que a magia consiste num controle
ilusório da natureza, uma religião em potencial, a qual dará lugar por sua vez à ciência
que realizará (e já está até realizando) aquilo que tinha sido imaginado no tempo da
magia: obter segurança (em sentido amplo) mediante o controle das forças da natureza
(apud Laplantine, 1995, p. 68).
Para provar o acima exposto, cumpre notar que no Brasil agrário, pré-histórico,
baseado na matriz energética dos grãos (dependente, pois, de chuvas que vinham do
céu), há registros rupestres datados de 7.000 anos, formados por inúmeros gráficos
gravados em rocha sulcada, no Estado da Paraíba, cujo formato dos desenhos lembra
uma organização estelar, um conjunto de astros semelhantes à constelação de Órion.
Conforme pesquisas arqueológicas e etnográficas da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB), o conjunto monolítico do Ingá é referenciado internacionalmente e seu
significado remete à cosmogonia indígena pré-histórica (Brito, 2007, p. 10, 16 e 39). Ou
seja, tentativas muito distantes da época atual, de descrever e compreender o cosmos, já
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eram empreendidas antes da invenção da escrita; muito embora estudos etnográficos e
arqueológicos indiquem que os registros dos astros naquela época fossem um possível
código xamânico, elaborado e somente conhecido por uma classe sacerdotal,
precipuamente para evocar e aplacar as forças da natureza, em um sentido muito mais
místico, cerimonial, religioso do que propriamente científico (ibidem, p. 108/109).
Durante a pré-história humana, acreditava-se que os elementos da natureza
estavam vivos – animados de emoção humana; de modo que por trás de fenômenos
comuns atmosféricos e geológicos (como vulcões, tempestades, trovões, nevascas,
terremotos), existiriam divindades ocultas. Essas divindades habitariam inclusive os
corpos celestes, o Sol e a Lua. Portanto, “era necessário apaziguá-los e buscar a sua boa
vontade para garantir a fertilidade do solo e a alternância das estações do ano”
(Hawking, 2005, p. 141). Naquele contexto pré-histórico, alimentos e grãos eram as
fontes energéticas de então. Para garantir esse tipo de energia era necessário controlar as
forças da natureza. Isso significa que as práticas xamânicas faziam o que hoje faz a
ciência: observar os astros celestes e tentar controlar, ou cooptar, suas forças e vontades
divinas. Na contemporaneidade, as “vontades” de tais astros celestes são expressas por
leis físicas da ciência moderna.
A atividade científica contemporânea, especialmente no campo da física de
partículas e da astrofísica, levou a humanidade a descobrir novas matrizes energéticas,
como a eletricidade e a radiação do núcleo atômico. Por isso, como os xamãs pré-
históricos, os cientistas da contemporaneidade, com seus saberes iluminados, dizem aos
detentores do poder político e militar qual a melhor forma de obter energia da natureza.
Baseando-se em Morin, Diegues afirma que a contemporaneidade produziu um
processo de afirmação do poder da ciência, nas mãos dos cientistas. O conhecimento dá
poder. O poder dos antigos ou dos sábios, o dos feiticeiros ou dos curandeiros, nas
sociedades arcaicas, é um poder dos superconhecedores. O poder sacerdotal dos povos
antigos é um poder de superconhecedores. O poder tende a monopolizar o
conhecimento e, assim, o conhecimento se torna secreto, esotérico. Assim, portanto, “os
Grandes Sacerdotes, Iniciados, Universitários, Cientistas, Experts, Especialistas tendem
a se constituir em castas arrogantes, dispondo de privilégios e poderes” (apud Diegues,
2000, p. 69 e 71). A crise ambiental problematiza o pensamento metafísico e a
racionalidade científica, abrindo novas vias de transformação do conhecimento através
do diálogo e da hibridização de saberes. No saber ambiental “flui a seiva epistêmica”
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que reconstitui as formas do ser e do pensar para apreender a complexidade ambiental
(Leff, 2003, p. 192).
Um estudo de biogeografia evolucionista evidenciou que a adoção da
agricultura foi o pior erro da espécie humana, pois foi com a agricultura que surgiram as
diferenças de classe e de sexo, a tirania de grupos e a redução da qualidade nutricional,
já que os caçadores-coletores tinham uma dieta mais rica e variada de vitaminas e
proteínas, enquanto os agricultores estavam limitados apenas a três cereais básicos:
trigo, arroz e milho; e até hoje (12 mil anos depois) a humanidade ainda luta e se debate
para tentar resolver o problema da explosão demográfica causada pela agricultura
(Diamond, 1987, p. 64-66). Apesar disso, o fato inquestionável é que o excedente de
grãos representou uma ampliação energética, capaz de sustentar populações crescentes,
reinos e, posteriormente, impérios; onde sacerdotes faziam a leitura celeste com a
função religiosa de garantir a continuidade do fluxo energético, prevendo chuvas e as
melhores épocas para plantio e colheita – captura de energia (Rifkin, 2003, p. 39).
Portanto, a energia moldou a religião e o direito, impondo-lhes práticas rígidas,
inflexíveis e de rigorosa ritualística formal.
Dos xamãs pré-históricos aos clérigos de grandes civilizações da antiguidade,
até chegar aos cientistas da contemporaneidade, a finalidade da observação e do
conhecimento da natureza (Terra e cosmos) permaneceu a mesma: garantir o fluxo
energético traduzido como segurança alimentar no contexto dos grãos, e como
produtividade industrial na contemporaneidade. Na pré-história, ciência e religião
integravam-se em uma mesma atividade conduzida por sacerdotes iluminados. As
crenças religiosas de então foram o reflexo da textura da realidade daquele mundo
baseado no modelo energético dos grãos (rigidez, rigorosa ritualística repetitiva,
inflexível formalidade). O que este artigo deseja evidenciar é que tais características,
presentes no direito contemporâneo, além de ser uma construção antiquíssima, é
também um produto religioso; algo que nasceu sob os influxos de crenças religiosas
moldadas pela matriz energética que marcou o mundo inteiro por 12 mil anos: os grãos.
Ao contrário do que se pensava, o DNA do direito moderno e contemporâneo não
nasceu na Revolução Francesa. É algo mais antigo, é religioso, é pré-histórico.
O axioma da rigidez e da imutabilidade das formas ritualísticas, presente no
direito contemporâneo, foi produzido por aquelas crenças religiosas, as quais também
produziram sólidos códigos sociais e jurídicos, tão sólidos que eram literalmente
códigos legislativos gravados na rocha. As gravuras religiosas do conjunto monolítico
14
do Ingá, na Paraíba – Brasil, além dos numerosos monumentos megalíticos europeus, os
Dez Mandamentos de Moisés e o Código Legislativo de Hamurabi (Brito, 2007, p. 110)
são exemplos de uma época em que adorar rochas santuários – totens, era a expressão
social da forma como aquelas populações interpretavam a textura da realidade: um
mundo sólido, rígido, inflexível.
A comprovação das ilações acima, pode ser encontrada no Código de
Hamurabi, um dos primeiros códigos jurídicos da humanidade, aproximadamente de 2
mil a.C.; foi inscrito em uma pedra basáltica encontrada nas ruínas do antigo império
babilônico. Sua parte superior apresenta uma gravura do deus Sol (Chamash)
entregando as tábuas da lei ao monarca Hamurabi. No seu preâmbulo, há uma
justificativa da doação sobrenatural do texto para Hamurabi, idéia muito do agrado da
poderosa classe dos sacerdotes. No texto do preâmbulo, Hamurabi fala da durabilidade
do seu reino, diz que garantiu segurança aos seus habitantes suprindo-os de água e
grãos (Altavila, 1995, p. 38; Vieira, 1994, p. 9/11). O mesmo legislador, “certo da
inalterabilidade do seu código, dos mais antigos e conhecidos da humanidade, proibiu,
por lei própria, que no futuro viessem suas leis a ser reformadas” (Bastos, 1992, p. 13).
O primeiro tratado internacional da história da humanidade também foi gravado em
rocha metálica, uma barra de prata, entre o Rei dos Hititas – Hattusil III e o Faraó
egípcio da XIX Dinastia – Ramsés II, por volta de 1280 e 1272 a.C. (Mazzuoli, 2005, p.
53).
Sobre a rocha estavam gravados, portanto, a rigidez, a permanência, a
inflexibilidade e a continuidade típicas de um direito primitivo sagrado, produzido em
um mundo agrário, com sua arquitetura influenciada pela regularidade e pela
previsibilidade do movimento dos corpos celestes. Fustel de Coulanges demonstra que
as mais antigas crenças religiosas, mesmo depois de extintas, gravaram de forma quase
que indelével, no âmago da mente de todos os povos da Terra, práticas jurídicas que são
seguidas até hoje, na contemporaneidade, inclusive por aqueles que são céticos ou
agnósticos (2009, p. 28/29).
Pode-se afirmar que a energia foi e continua sendo o fator fundamental que
molda todos os setores de uma sociedade (do religioso ao jurídico). O direito
internacional público contemporâneo, sendo expressão do direito de todos os povos, de
todas as épocas, também carrega uma dimensão formal acentuada. Assim, o direito
internacional público carrega este DNA milenar, marcado pela rigidez, pela
inflexibilidade e pela rigorosa ritualística. Características que, se no mundo sólido dos
15
grãos ofereceram segurança, hoje é fator de insegurança por não permitir uma maior
agilidade e flexibilidade na sua criação, transformação e aplicação.
A ritualística solene e cerimonial para formação de tratados internacionais,
além do culto à forma, são expressos através da necessária e rigorosa observância das
fases de elaboração do tratado: 1) negociações preliminares, 2) assinatura pelo Poder
Executivo, 3) aprovação parlamentar de cada Estado interessado, 4) ratificação
concluída com a troca dos instrumentos e, no Brasil, 5) promulgação por decreto do
Presidente da República, além da publicação no Diário Oficial da União (Mazzuoli,
2005, p. 60/61). A rigidez formal do direito internacional público é evidenciada pela
análise do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e da prática dos tribunais
internacionais; pois embora sejam formalmente enumeradas como fontes desse direito
os tratados, o costume, os princípios gerais de direito, além das decisões judiciárias e a
doutrina dos juristas qualificados, “na prática, entretanto, os tribunais internacionais têm
outorgado preferência às disposições convencionais específicas de caráter obrigatório,
vigentes entre as partes, sobre as normas de direito internacional costumeiro e sobre os
princípios gerais” (ibidem, p. 33).
Ou seja, no plano da prática dos tribunais internacionais, até o costume e os
princípios gerais de direito internacional precisam vir sob a capa, o manto e as bênçãos
sagradas de um rigoroso ritual de criação e aplicação, para que tenham valor formal na
lides internacionais. E isso em pleno século XXI. Parece que a crise da pós-
modernidade não chegou nos tribunais internacionais, os quais permanecem seguindo a
mesma lógica, os mesmos valores dos rituais mágicos da pré-história agrária, fixamente
atados a um tempo de xamãs e sacerdotes que tentavam controlar as forças da natureza
de um mundo (cosmos) sólido e imutável. Tudo isso prova definitivamente que na base
axiológica do direito internacional contemporâneo encontra-se o seu DNA mais
ancestral: a rigidez.
O LHC E A FÍSICA DE PARTÍCULAS OU DE ALTA ENERGIA
O LHC é o maior acelerador de partículas já construído no mundo. Funcionou
pela primeira vez em 10 de setembro de 2008. É considerado nos meios científicos um
evento que “marca uma nova era para física” (New Scientist, 2010, capa). Foi
construído pela Organização Européia para Pesquisa Nuclear, conhecida como CERN
(em francês: Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), uma organização
16
internacional criada com apoio da UNESCO em 29 de setembro de 1954. Hoje o CERN
é composto por vinte Estados membros, todos europeus. A sede do laboratório principal
está estabelecida em Genebra, Suíça. Em 1959, a organização fez funcionar o 28 GeV
Proton Synchrotron, naquele tempo o acelerador de partículas com mais alta energia do
mundo. Entre 1963 e 1968 fez experiências com neutrinos, levando ao desenvolvimento
de detectores eletrônicos de micro-partículas; feito que rendeu o Prêmio Nobel de Física
em 1992 para o polonês Georges Charpak. Em 1973, descobriu-se empiricamente a
natureza ondulatória do próton (formado de ondas), até então considerado uma partícula
estritamente de matéria sólida. Em 1991, o Conselho do CERN decide construir um
novo acelerador de partículas – o LHC, fundamental para avanços mais significativos,
no campo da física de alta energia. Embora pensada pelo CERN desde 1980, a WEB
(WWW) é inventada em 1993 para compartilhar a quantidade de dados a ser gerados
pelo LHC (um amontoado de 20 km de CDs por ano). A construção inicia-se em 1994.
Após sofrer reparos em 2008, o LHC volta a funcionar em 2010 com objetivo de
responder qual é a constituição da parte de 96% invisível do universo, como a matéria
adquire massa, por que a natureza prefere matéria ao invés de antimatéria (CERN,
2008).
Oficialmente, em torno de nove mil físicos ao redor do mundo estão
envolvidos no projeto (CERN, 2008a). Dentre todos os objetivos do LHC, dois são
principais: 1) constatar a existência de partículas elementares da matéria, que apenas em
teoria são conhecidas, denominadas bósons de Higgs, essenciais para a aquisição de
massa e formação da matéria, e que seriam o tecido do próprio universo; 2) comprovar a
supersimetria, teoria segundo a qual para cada tipo de partícula conhecida com spin
fracionário (quarks, neutrinos, gluóns, fótons) deve haver um parceiro correspondente
com spin inteiro (spin é o movimento de rotação da partícula sobre seu próprio eixo).
Estes seriam os desenvolvimentos mais importantes da física nos últimos vinte anos, e
proporcionariam provas circunstanciais da correção da teoria das cordas. Caso tudo
ocorra conforme previsões técnicas, os pesquisadores do LHC detectariam uma grande
quantidade de partículas novas nunca antes vistas (Greene, 2005, p. 432 e 494). As
experiências permitirão aprofundar a compreensão sobre a existência de outras
dimensões espaciais e de universos paralelos (Griggs, 2010).
A física de partículas parte de uma questão que já incomodava os gregos há uns
2.500 anos atrás: qual o menor elemento que seria encontrado após a divisão sucessiva
da matéria em pedaços cada vez menores? Para esta pergunta, hoje sabe-se que os
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átomos representam uma pequena fração dentre os diversos tipos de partículas
elementares existentes no universo (Hawking, 2005, p. 76), sendo constituídos por
elétrons, prótons e nêutrons. No final da década de 1960, experimentos no Acelerador
Linear de Stanford provaram que até mesmo os prótons e nêutrons são formados por
componentes ainda menores: os quarks (Greene, 2005, p. 399). A física atual quer saber
o que pode ser menor ainda que um quark?
De acordo com a teoria tradicional, os elétrons e os quarks são partículas
pontuais, ou seja, pontos sem nenhuma extensão espacial. Neste sentido, eles
representam o fim da linha nesta corrida de decomposição da matéria, sendo
considerados partículas de tamanho zero. Esta é a imagem convencional que se tem da
matéria. Porém, uma outra teoria sobre a textura da realidade, considerada a mais aceita
pela comunidade científica, refere-se às cordas; segundo a qual os elétrons e os quarks
não são exatamente pontos, mas sim cordas: filamentos mínimos de energia, sem
espessura, lineares e vibrantes, exatamente como as cordas de um violão ou violino,
mas de tamanho ultramicroscópico. Se fosse feita uma tentativa de observar cordas em
um microscópio, a experiência assemelhar-se-ia à ler um livro de uma distância de 100
anos-luz, algo que exigiria um poder de resolução de aumento de 1 bilhão de bilhões de
vezes mais potente do que a atual tecnologia pode oferecer (ibidem, p. 399 e 407).
Para melhor entender o que são as cordas, é importante perceber que
experimentos realizados ao longo dos anos, anteriores ao LHC, comprovaram a
existência de outros tipos de partículas existentes no universo, mais exóticas, que não
parecem com a matéria ordinária, sendo cada partícula portadora de propriedades físicas
específicas: quarks up, quarks down, e mais outros quatro tipos de quarks (quarks
charm, strange, bottom e top). Os quarks só ficam juntos e unidos, dentro dos prótons e
nêutrons, por causa da força nuclear forte, força transportada por partículas menores
ainda, denominadas glúons (Hawking, 2005, p. 125). Outros tipos de partículas muito
parecidas com elétrons, porém mais pesadas, são: múons e taus. É provável que essas
partículas fossem abundantes logo após o Big Bang (na origem do universo). Os
cientistas descobriram também partículas-fantasmas denominadas neutrinos, que podem
atravessar trilhões de quilômetros de chumbo com a mesma facilidade que uma pessoa
atravessa o ar (ibidem, p. 73/74 e 77). Finalmente, dentre as partículas conhecidas, os
fótons são partículas elementares sem massa, responsáveis por fazer surgir a luz. Todo
raio de luz é composto por essas partículas, sendo o Sol o maior produtor de fótons para
a Terra. (ibidem, p. 128/135).
18
A teoria das cordas postula que toda essa diversidade de partículas resume-se a
uma única e elementar partícula constituinte da matéria: a corda vibrante de energia. Os
padrões diferentes de vibrações das cordas (assim como vibrações diferentes da corda
de um violão geram diferentes sons), fariam essas cordas terem as propriedades físicas
das diferentes partículas conhecidas. A cada padrão diferente de vibração da corda
corresponde as propriedades físicas de cada uma dentre as diferentes partículas que
foram elencadas acima. A corda, esta sim, é o componente único elementar e mais
fundamental da matéria (Greene, 2005, p. 400/401).
A transição de uma teoria de partículas ‘pontos’ para ‘cordas’ reformula
radicalmente a percepção sobre a textura da realidade (o tecido do cosmos e a natureza
da matéria). Na teoria tradicional, elétrons, prótons e nêutrons são percebidos como
entidades pontuais, que ocupam um único ponto no espaço em cada momento do tempo.
Uma corda, por sua vez, ocupa uma linha no espaço a cada momento de tempo. Logo, a
corda pode estar em vários lugares simultaneamente, o que gerou a idéia de um universo
com dimensões espaciais extras ou adicionais (Hawking, 2005, p. 128).
Se a teoria das cordas estiver correta, o universo e a matéria são a manifestação
do repertório de vibrações de um único componente fundamental: a corda.
Metaforicamente, as diferentes notas que podem ser tocadas por um mesmo tipo de
corda musical correspondem a todos os tipos de partículas que já foram detectadas. “No
nível ultramicroscópico, o universo seria comparável a uma sinfonia de cordas que faz a
matéria vibrar e existir” (Greene, 2005, p. 402). Tanto a matéria como o universo seriam
o “resultado do entrelaçamento de cordas, assim como uma camisa é o resultado do
entrelaçamento de fios” (ibidem, p. 561).
Embora a questão ainda esteja em debate, no atual estado em que se encontra a
física de partículas e a astrofísica, o universo é considerado um “algo” real, uma
entidade cósmica tangível e mutável denominada espaçotempo, onde a matéria – as
cordas (todas as pessoas, animais, vegetais da Terra, além dos demais corpos existentes
fora da Terra) exercem influência modificativa sobre o espaço e o tempo, mediante
interações gravitacionais e entrelaçamento quântico. Este espaçotempo seria constituído
por um oceano de partículas de Higgs – o campo de Higgs, que também são cordas com
propriedades físicas de um campo gravitacional. A região do espaçotempo ocupada
pelos humanos seria uma entidade física conhecida como 3-brana, formada pelo
entrelaçamento também de cordas (Greene, 2005, p. 98, 300/308, 314/316, 451/455).
19
Assim, tanto o continente (espaçotempo) como o conteúdo (matéria) seriam cordas
ultramicroscópicas de energia em vibração ondulatória.
A região 3-brana onde estão os seres humanos, formada de três dimensões
espaciais (largura, comprimento, profundidade) pode ser apenas a projeção holográfica
de um entre muitos universos paralelos que flutuam entrelaçados, em um espaçotempo
multidimensional com dez dimensões espaciais e uma temporal; em que múltiplas
histórias de um mesmo objeto ou pessoa acontecem simultaneamente e, no seu
conjunto, criam a probabilidade da história materializada vivida na Terra (ibidem, p.
213, 424, 556/559 e 568). Uma infinidade de mundos pode estar bem mais próxima da
humanidade, do que se imaginava. Mesmo se o espaçotempo (continente) fosse
completamente “esvaziado” de todos os universos e matéria (conteúdo), sua existência
autônoma poderia ser monitorada já que seu tecido é formado de cordas. Mas se o
próprio espaçotempo fosse “desfiado”, se as cordas que o compõem fossem
desentrelaçadas, o espaço e o tempo deixariam de existir. Esta situação de ausência do
espaço e ausência do tempo é uma das questões que estão na vanguarda das atuais
pesquisas físicas e astrofísicas, e o LHC será usado para tentar preencher tais lacunas do
conhecimento (ibidem, p. 314, 562/563).
OS RISCOS AMBIENTAIS DO LHC
A experiência do LHC consiste em acelerar partículas (feixes de prótons) até
99,999% da velocidade da luz em sentidos opostos, dentro de dois túneis circulares de
vácuo com 27 km de diâmetro, construídos há 100 metros de profundidade debaixo da
fronteira entre a França e a Suíça. Com tamanha velocidade, os cientistas irão produzir
partículas com alta energia cinética. Depois de bem aceleradas, as partículas serão
dirigidas para uma rota de colisão frontal. Teoricamente a energia final da colisão
deverá ser igual à soma da energia inicial dos dois feixes de partículas, isoladamente
considerados. (CERN, 2009, p. 22/25).
Os cientistas buscam medir se a quantidade final de energia total gerada pelo
impacto será igual ou menor que a energia inicial do experimento. Caso seja constatado,
após o impacto, que a energia resultante foi menor que a energia inicial, essa aparente
“perda” ou “déficit” de energia significará que partículas elementares (quarks,
neutrinos, gluóns, fótons, assim como os procurados bósons de Higgs), escaparam ou
“escorregaram” através de fendas causadas por dimensões adicionais de espaço, indo
20
para outras dimensões espaciais (Greene, 2005, p. 492/493). A experiência pretende
reproduzir em laboratório as violentas condições que só existiram durante os instantes
iniciais logo após o Big Bang, a grande explosão primordial que deu início ao cosmos
há 13,7 bilhões de anos. Espera-se regredir no tempo e reconstruir o estado inicial do
universo para investigar a existência de partículas, até hoje não observadas, dentre as
quais o gráviton, suposto transportador da força gravitacional (CERN, 2009, p. 22/25;
Greene, 2005, p. 568/569).
Os primeiros testes do LHC ocorreram abaixo de meia potência. Em sua
potência máxima, prevista para ser atingida em 2012, as colisões irão gerar uma energia
total de 14 TeV (teravolts). Em termos absolutos, é uma energia menor do que um corpo
com massa de 1kg caindo de uma altura de 1 m. O vôo de um mosquito produz 1 TeV
de energia. Porém, em termos relativos, o LHC vai espremer 14 TeV de energia em um
espaço milhões e milhões de vezes menor que um mosquito. Nestas condições, a colisão
vai gerar uma temperatura 100 mil vezes superior ao núcleo do Sol. Na escala
ultramicroscópica da física de partículas, será uma energia suficiente para elevar a
densidade de um próton (sua massa) a níveis críticos, de tal modo que a força
gravitacional relativa que este próton terá, poderia transformá-lo literalmente em um
buraco negro ultramicroscópico (CERN, 2009, p. 21 e 55).
Buracos negros existem por todo o universo, são corpos produzidos pelo
colapso de estrelas que chegaram ao seu estágio final de vida. Embora nunca tenham
sido vistos, os efeitos de sua influência sobre galáxias situadas em suas vizinhanças
evidenciam a sua presença, a sua existência e o seu poder descomunal de atrair toda a
matéria que estiver no seu horizonte de eventos. Nada consegue escapar da atração
gravitacional de um buraco negro, cuja densidade (sua massa) atinge números infinitos
que a matemática não consegue manusear. Por isso são considerados singularidades no
universo, pois todas as leis físicas se despedaçam diante de um buraco negro (Hawking,
2005, p. 85 e 90). Os buracos negros “abrigam os maiores reservatórios de caos que o
universo conhece. [...] têm o monopólio da desordem máxima.” (Greene, 2005, p.
551/552).
Embora o CERN assegure que esse eventual buraco negro, devido ao seu
tamanho ultradiminuto, iria evaporar tão logo ele surgisse, sem produzir quaisquer
danos; um número considerável de cientistas contestam tal posicionamento, dentre os
quais: Savas Dimopoulos (Universidade de Stanford), Greg Landsberg (Universidade de
Brown), Adam D. Helfer (Universidade do Missouri), Otto E. Rössler (Universidade de
21
Tübingen) e um antigo astrofísico do Instituto Max-Planck – Rainer Plaga. Em resumo,
dizem que no reino do ultrapequeno não é possível prever com segurança o
comportamento de um buraco negro, devido às agitações quânticas nesse tipo de escala
e, finalizam, dizendo que a teoria da evaporação usada pelo CERN nunca foi
confirmada experimentalmente nem nunca teve qualquer evidência observacional
(Johnson, 2009, p. 839, 841, 843, 852 e 854).
Existem outros riscos ambientais em torno do LHC, o qual poderia levar à
formação de: 1) strangelets; 2) monopólo magnético; 3) bosenova e 4) transição de
vácuo. Strangelets são formadas por um pequeno e estável pedaço de “matéria
estranha”, que devido às suas propriedades físicas poderia desencadear uma reação em
cadeia e transformar todo o planeta Terra, e tudo o que está nele, em uma esfera
hiperdensa inerte com apenas cem metros de diâmetro. Quanto ao monopólo magnético,
as colisões do LHC poderiam formar uma pequena porção de matéria com apenas um
pólo magnético, diferente da matéria ordinária que possui dois pólos: norte e sul. Isto
poderia induzir os átomos normais a entrarem em um descontrolado processo autofágico
de decomposição de toda a matéria do planeta Terra. Por sua vez, a bosenova refere-se
ao sistema de refrigeração do LHC, baseado em gás hélio ultrafrio que forma um
condensado Bose-Einsten, espécie de matéria exótica que, quando atingida por
poderosas ondas magnéticas, pode explodir como uma estrela “supernova” e, assim,
destruir um pedaço da Suíça e da França (Johnson, 2009, p. 829, 833).
O pior de todos os cenários acima é a transição de vácuo, uma possibilidade
que foi aventada em 1984 por Piet Hut, do Instituto para Estudos Avançados de
Princeton. Neste caso, o universo inteiro seria destruído. Conforme exposto no tópico
anterior deste artigo, aquilo que ordinariamente é chamado de espaço “vazio” – o vácuo,
na verdade não é bem um vazio, mas é um “algo” real tangível, pois está repleto de
cordas que fornecem a textura e o tecido do cosmos. Essa estrutura cósmica encontra-se
em um frágil estado de relativa estabilidade, como um castelo de cartas. Mas se uma das
cartas sofrer algum tipo de alteração, todo o castelo desaba. Acredita-se que as altas
energias geradas pelas colisões do LHC poderiam levar o cosmos para um estado de
estabilidade maior ainda e, por paradoxal que pareça, a estabilidade extrema produziria
um “borbulho de vácuo” (semelhante à fervura da água, mas sem envolver aumento de
temperatura), algo que mudaria por completo a natureza do tempo, do espaço e levaria a
humanidade a pulverizar-se como se nunca tivesse existido (apud Johnson, 2009, p.
834; Greene, 2005, p. 297/304).
22
OS PROCESSOS JUDICIAIS EM TORNO DO LHC E O PROBLEMA DA
AUSÊNCIA DE JURISDIÇÃO SOBRE ORGANIZAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS
Foram movidas quatro ações judiciais com objetivo de paralisar o
funcionamento do LHC, sendo três ações na Europa e uma nos Estados Unidos da
América. A primeira delas data de junho de 2008, quando foi protocolizada a petição
em uma corte local na Suíça envolvendo as partes Schröter v. CERN; mas foi rejeitada
por causa da imunidade do CERN contra processos legais em território suíço. Um
segundo litígio ocorreu na Alemanha envolvendo as partes Schröter v. República
Federal da Alemanha, buscando forçar o Governo alemão a fazer uso de sua condição
de membro do CERN para prevenir a operação do LHC em potência total. Sem sucesso
na primeira instância, este processo continuou em março de 2009 com apelação para o
Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Johnson, 2009, p. 860). Conforme a
Agência Brasileira de Inteligência, a decisão deste processo foi publicada em 09 de
março de 2010, tendo o Tribunal alemão rejeitado o pedido porque a autora não provou
consistentemente que o planeta estaria ameaçado e nem explicou de forma convincente
porque os testes do LHC ameaçariam seus direitos fundamentais. Os juízes
argumentaram que "não basta basear advertências em uma desconfiança geral em
relação às leis da Física, ou seja, em relação a afirmações teóricas das modernas
Ciências Naturais" (ABIN, 2010).
Uma terceira ação foi iniciada perante o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem (TEDH), sob o n. 41028/08, envolvendo as partes Goritschnig v. República da
Áustria. Neste caso, houve um pedido de concessão de medida liminar para interromper
a operação planejada do LHC. Porém, o pedido foi rejeitado através de uma breve
resposta emitida pelo Tribunal por e-mail, sem declarar os motivos da decisão.
Finalmente, uma quarta ação foi protocolizada na Corte Distrital do Hawaii – EUA,
também no ano de 2008, cuja petição foi elaborada na forma de um pro se complaint
(tipo de processo sem advogado para proporcionar amplo acesso à Justiça). Este caso foi
proposto pelo cidadão Walter Wagner e pelo pesquisador Luís Sancho em face do
Departamento de Energia dos Estados Unidos da América. O pedido foi baseado no
National Environmental Policy Act (NEPA), a principal lei ambiental americana, em
vigor desde janeiro de 1970. Os litigantes buscaram atingir o CERN indiretamente, ao
23
pedirem uma tutela antecipada que obrigasse o Governo americano a promover estudos
prévios de impacto ambiental, tendo em vista o seu papel de financiador e participante
do projeto LHC (Johnson, 2009, p. 860/861).
Cabe esclarecer que, embora os EUA não seja signatário do tratado que
constituiu o CERN e apesar do LHC estar realizando as colisões de partículas em solo
europeu; uma parte considerável das operações do LHC acontecem em solo americano,
mais exatamente no Estado de Illinois. Uma rede mundial de computadores é usada para
processar e analisar os dados obtidos das experiências do LHC. A razão principal do
CERN ter criado essa rede foi dinheiro, depois de ter percebido que a capacidade
necessária para processamento de todos os dados estava além de suas possibilidades
técnicas. Para reduzir o custo total do projeto, o CERN aproveitou-se da capacidade
instalada de computação em vários lugares do mundo, e um quarto de toda a massa de
dados a ser produzida pelo LHC será processada por pessoal sediado nos EUA, dos
quais metade estarão sendo computados pelo laboratório Fermilab em Illinois. Além
disso, o CERN criou uma rede de apoio para receber serviços de computação prestados
por diversas universidades americanas, dentre as quais a Universidade Chicago. Neste
sentido, a Constituição dos EUA permite que um Estado americano exerça jurisdição
sobre um réu, mesmo que ele não resida em solo americano, bastando que para isso o
réu mantenha mínimos contatos com o solo do Estado, ou seja, que o réu
“propositalmente aproveite-se do privilégio de conduzir atividades dentro dos limites do
Estado” (Johnson, 2009, p. 868).
Apesar da legislação americana permitir esse tipo de jurisdição, o caso ajuizado
na Corte Distrital do Hawaii baseou-se única e exclusivamente no risco potencial das
experiências do LHC vir a produzir um dano futuro aos cidadãos sediados no território
americano e por ser o Governo estadunidense um financiador do projeto europeu. A
juíza Helen Gillmor conduziu o caso, nas palavras dela, “consciente e atenciosamente”,
não menosprezou o mérito da questão, mas excluiu o exame da temática do campo
jurisdicional, escrevendo: “está claro que a ação dos litigantes reflete um desacordo
entre cientistas sobre as possíveis ramificações da operação do Large Hadron Collider.
Este debate extremamente complexo é de interesse muito mais além do que apenas dos
físicos”. A juíza concluiu sua decisão argumentando que, o só fato do Governo
americano ser financiador do projeto, não oferece nexo suficiente para que a jurisdição
americana seja exercida nos termos do NEPA. Na opinião de Gillmor, o processo
24
político seria o fórum mais adequado para se tratar do que ela denominou ser um
desacordo político (ibidem, p. 861).
O LHC é uma máquina que foi construída pelo CERN, na fronteira entre a
França e a Suíça, ao custo de 4 bilhões de euros e que, para funcionar, consome
anualmente 19 milhões de euros em energia. O orçamento total para 2008 foi de US$
900 milhões, considerando-se os 2.500 empregos diretos que o CERN oferece a
engenheiros e cientistas. Como entidade intergovernamental formada por vinte Estados
europeus, o CERN goza de elevado status perante a comunidade mundial. Possui
personalidade jurídica própria, distinta dos seus Estados contratantes, conforme o seu
tratado constitutivo assinado em julho de 1953. Anexos a esse tratado, um primeiro
acordo entre o CERN e a Suíça em junho de 1955, e depois outro acordo entre o CERN
e a França em agosto de 1973, estipularam imunidade contra processos judiciais na
jurisdição desses países hospedeiros – França e Suíça, além de inviolabilidade de suas
construções, terrenos, documentos e arquivos (CERN, 2009, p. 17 e 53; Johnson, 2009,
p. 823/824 e 867).
Conforme a doutrina sobre organizações internacionais, em decorrência da
soberania de seus Estados contratantes, destas espécies de entidades exige-se apenas o
provimento de fundos para acertar eventuais disputas com partes privadas (Hornbach &
Bekker, 2002, p. 427-449). Para cumprir esse tipo de obrigação, o CERN não se
submete a nenhuma jurisdição nacional ou internacional, pois conforme os dois acordos
anexos ao seu tratado constitutivo, o tratado com a Suíça definiu apenas que o CERN
deverá prover métodos apropriados para acertar disputas no direito privado, onde a
Organização seja parte; e o tratado com a França estabeleceu que o CERN deverá baixar
regras apropriadas para contrair obrigações e submeter disputas ao regime da arbitragem
(Johnson, 2009, p. 867). No que tange à jurisdição dos Tribunais internacionais, vale
ressaltar que organizações intergovernamentais como é o caso do CERN estão excluídas
deste tipo de solução de controvérsias. O art. 34, § 1º do Estatuto da Corte Internacional
de Justiça (CIJ), em Haia – Holanda, estabelece que apenas Estados estão habilitados,
como partes, a apresentarem e a responderem questões perante a Corte (Mazzuoli, 2005,
p. 131).
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em Estrasburgo –
França, é um pouco mais aberto do que a CIJ em relação à legitimidade das partes
litigantes; pois além dos Estados contratantes que aderiram à sua jurisdição, admite-se
também o indivíduo como parte habilitada a postular perante o Tribunal, conforme art.
25
1º, art. 19 e arts. 34/35 da Convenção Européia dos Direitos do Homem (Conselho da
Europa, 1950), mas desde que esgotados todos os recursos judiciais dentro do Estado de
origem do indivíduo. Todavia, em que pese essa aparente “abertura” ao indivíduo, o
TEDH firmou jurisprudência, com base no art. 1º da Convenção, no sentido de que
apenas pessoas sujeitas à jurisdição dos Estados contratantes serão admitidas a
postularem, não havendo qualquer previsão escrita quanto à possibilidade de
organizações internacionais – como o CERN, figurarem como rés de um processo
naquele Tribunal (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 2006, p. 2/3).
A análise que se pode fazer, das quatro ações judiciais acima relatadas, é que
todas as cortes judiciárias agiram, quase que orquestradas, de modo evidentemente
formalista, rígido e inflexível. A corte suíça limitou-se a declarar a imunidade judicial
do CERN. O Tribunal alemão exigiu prova direta da alegada ameaça ao planeta Terra e
aos direitos fundamentais da cidadã autora, prova impossível de ser produzida, pois só o
LHC funcionando poderá provar as teorias físicas por trás da temática. O Tribunal
Europeu de Direitos do Homem encerrou o caso liminarmente, sequer sem motivar sua
decisão. Apenas a corte distrital do Hawaii resolveu tecer algumas palavras sobre o
assunto, mas também exigiu nexo direto formal entre a suposta ameaça e a
incolumidade do território americano. Finalizou remetendo o assunto para as vias
políticas. O exame em conjunto dessas decisões mostra que as cortes judiciárias
(nacionais e internacionais) não estão preparadas, e nem querem, resolver casos como o
do LHC, porque tais instâncias carregam o DNA da rigidez e do acentuado formalismo.
Depois de fazer um retrato da magistratura portuguesa, guardadas as exceções
e evitando-se as generalizações, Boaventura observou que muitos juízes ao redor do
mundo nascem, crescem e trabalham dentro de uma cultura normativista e técnico-
burocrática, plasmada ainda dentro das faculdades de direito, que se manifesta de
múltiplas formas: 1) desresponsabilização sistêmica: os maus resultados do desempenho
judicial, ou até da ausência desse desempenho, é problema dos outros, está fora da
instância judiciária; 2) privilégio do poder: a cultura burocrática é autoritária e não
consegue ver agentes do poder como cidadãos com iguais direitos e obrigações, medo
de julgar os poderosos; 3) refúgio burocrático: privilegia-se a circulação do processo à
decisão efetiva de seu mérito; 4) sociedade longe: magistrados competentes para
interpretar a lei, mas incompetentes para interpretar a realidade, são presas fáceis de
idéias dominantes. Aliás, “segundo a cultura dominante, não deve ter sequer idéias
próprias, deve é aplicar a lei” (Santos, 2007, p. 68/70).
26
A TEORIA VIBRACIONAL DO DIREITO
Para resolver casos como o do LHC é necessário pensar o direito de forma
global e holística, tratando-o como um fenômeno vibracional (idéia que se contrapõe à
rigidez, formalidade e rigorosa ritualística demonstrada no início desse artigo). O
pensamento positivista dominante desde a Revolução Francesa não oferece esta
globalidade porque reduz o direito apenas ao texto dos códigos. Por sua vez, o
pensamento jusnaturalista também possui suas limitações porque reduz o direito a uma
ordem ideal, eterna e imutável que, segundo os racionalistas, é fruto exclusivo da razão
e da natureza humanas (Nader, 1992, p. 408), e conforme os medievos e os estóicos
helênicos, o direito é um produto da ordem universal do cosmos, uma ordem estática,
rígida, imutável (Gaarder, 1996, p. 148, Fiuza, 2000, p. 42). Todas as correntes
filosóficas que se desenvolveram em torno da questão de se saber o que é o direito,
podem ser agrupadas em dois grandes grupos: de um lado, os idealistas: jusnaturalistas,
positivistas e normativistas; do outro lado os sociologistas ou materialistas: historicistas,
empiricistas e marxistas. Para estes, o direito, longe de ser criação exclusiva da razão ou
reflexo de uma ordem natural imutável, é expressão da realidade social concreta em
suas múltiplas manifestações de idéias que se desenvolvem, e mudam, em cada tempo e
em cada espaço historicamente considerados (Bastos, 1992, p. 4/5).
A classificação feita por Bastos pode ser entendida como o estado da arte em
1992. De lá para cá, as discussões sobre o que é o direito migraram para novos
questionamentos, hoje podendo-se dizer que as investigações filosóficas e
epistemológicas do direito giram em torno da função do direito, ou seja, para que serve
o direito? Tanto as antigas, como as contemporâneas, todas essas discussões culminam
em modelos e métodos de formulação da norma jurídica, sua criação e sua aplicação ao
caso concreto (hermenêutica). Neste sentido, pode-se exemplificar como teoria
contemporânea da criação do direito - a autopoiese. Conforme a teoria dos sistemas de
Niklas Luhmann, o direito é um sistema autopoiético dinâmico, em permanente
transformação, definição e redefinição, adequado à hipercomplexidade da sociedade
atual, que se constrói através de acoplamento estrutural comunicativo entre a ciência
jurídica e os demais saberes insertos na sociedade (Luhmann, 1983, p. 45, 84; 2009, p.
283). Outros autores também teorizaram essa temática. Casanova, considerando a
hipercomplexidade do mundo contemporâneo, sustenta que “dentre as características
27
mais significativas dos sistemas auto-regulados e complexos, destaca-se o fenômeno de
auto-organização que aparece na matéria, na vida e na humanidade” (2006, p. 272).
Aqui está a diferença entre a autopoiése e a teoria vibracional do direito.
Enquanto Luhmann constrói sua teoria a partir das transformações sociais que foram
produzidas pelas chamadas “novas ciências”, ligadas à linguagem e à informação
(cibernética e sistemas tecnológicos), a teoria vibracional do direito pretende mostrar
que o fenômeno jurídico pode ser uma manifestação tanto da realidade social como da
natureza, de modo que em seu núcleo todas as teorias filosóficas (idealistas e
sociologistas) se unificam de forma harmônica e global, sem haver perda da
diversidade, da pluralidade e da complexidade; ou sem que isso signifique uma redução
simplista. A base da teoria vibracional do direito são as ciências físicas, novas também,
porém ligadas às partículas que constituem o tecido da realidade: as cordas vibratórias
de energia.
O direito é o nível da própria realidade (Grau, 1991, p. 21). Boaventura
percebeu que, após o aniquilamento das condições de existência do paradigma científico
mecanicista, surge um paradigma emergente que combina o cálculo determinista com as
probabilidades e com a informação, considerada esta a base das relações, tudo isso para
se alcançar objetivos (Santos, 2002, p. 23/36). Porém, diferentemente de Habermas,
para quem a base das relações é a ação comunicativa (apud Derani, 2008, p. 17/18), e de
Luhmann, para quem as relações baseiam-se na informação; a teoria vibracional do
direito aponta as cordas vibrantes de energia como a base mais profunda das relações,
não só sociais, mas as próprias relações entre a matéria e o espaçotempo. Linguagem e
comunicação são bases superficiais das relações humanas, porque antes de duas pessoas
se comunicarem verbalmente já se comunicaram no plano energético. Isso acontece
porque a textura da realidade é formada por cordas, de modo que todas as coisas e
pessoas do universo, além do próprio universo contido dentro do espaçotempo, estão
interligados através de entrelaçamento quântico de cordas.
Todas as construções sociais, religiosas, culturais e jurídicas que ocorreram no
planeta Terra, desde a mais remota pré-história, e que vieram a formar o DNA do direito
contemporâneo (rigidez, formalismo e rigorosa ritualística), tudo isso aconteceu em um
determinado espaço, durante um certo período de tempo. Tempo e espaço formam o que
hoje se denomina espaçotempo (o continente maior onde existem possivelmente uma
infinidade de universos paralelos). O espaçotempo se transforma pelo efeito
modificativo da matéria. Simultaneamente, diversas histórias paralelas acontecem nesse
28
espaçotempo, de modo que o seu conjunto cria a probabilidade da história real vivida
por uma pessoa na Terra (Greene, p. 213, 424, 556/559 e 568). O formato do
espaçotempo, ou seja, sua curvatura representa a história do universo inteiro. Nele, cada
ponto espacial é um evento histórico (Hawking, 2005, p. 106 e 154). Logo, se o
espaçotempo enquanto entidade física, é formado por cordas vibrantes de energia que
estão sujeitas à ação modificativa da matéria, isso permite unificar em uma só teoria
todas as construções filosóficas que foram feitas para explicar o que é o direito, dando
espaço para identificar uma função para o direito: a que ele serve?
A influência recíproca verificada entre um cosmos (espaçotempo), agora
mutável, e a matéria nele compreendida está sendo considerada algo capaz de fornecer a
compreensão até mesmo de fenômenos tipicamente humanos: “parece que esta idéia
poderia explicar muitas das características observadas do universo, tais como sua
uniformidade em larga escala e explicar também os desvios de homogeneidade em
pequena escala, inclusive galáxias, estrelas e até seres humanos” (Hawking, 2005, p.
143 e 144). Interpretando as palavras de Hawking, e referindo-se à ligação entre física
de partículas e astrofísica, o físico da USP complementa esta idéia dizendo que em
nossa época, pela primeira vez, o estudo do mundo microscópico levou a conclusões
importantes sobre o mais macroscópico dos sistemas, o Universo como um todo.
“Fechou-se um ciclo fundamental: o microcosmo influenciando o macrocosmo e
reciprocamente” (Fleming, 1989a, p. 140; 1989b, p. 3/6).
Neste sentido, dizer hoje que o direito é expressão da realidade natural dos
cosmos, onde estão inseridos os humanos, não significa mais o mesmo jusnaturalismo
postulado pelo estoicismo helênico e pela teologia medieval, no sentido de ser uma tal
ordem jurídica eterna, rígida e imutável. O cosmos (espaçotempo) é ele próprio
modificável pela ação da matéria (aqui incluídos os humanos), assim como a matéria é
influenciada pelo espaçotempo. Neste sentido, o direito é jusnatural ao refletir a
natureza, intrinsecamente formada de cordas vibrantes, do cosmos. Isso lhe dá a
flexibilidade que tanto faltou desde a pré-história. Ao mesmo tempo, dizer que o direito
é reflexo da realidade social concreta, apesar de trazer uma clara conotação sociologista
(empiricista e materialista), não abandona a vertente jusnatural; pois a realidade social
concreta nada mais é do que um conjunto natural de cordas vibrantes de energia
interagindo mutuamente, através de entrelaçamento quântico (aqui entendidos os
humanos e o cosmos como esse conjunto de cordas). Pode-se até mesmo fazer uma
leitura de Habermas e de Luhmann dentro da teoria vibracional do direito, pois a ação
29
comunicativa e a linguagem cibernética que serviram de base às suas teorias nada mais
são do que expressões superficiais de uma interação que acontece na humanidade, em
um nível muito mais básico, mais fundamental e profundo: o entrelaçamento energético
das cordas vibrantes.
Em trabalho anterior, já havia sido defendida a necessidade de um organismo
filosófico complexo capaz de embasar e oferecer respostas para o direito diante dos
problemas cada vez mais complexos da hipermodernidade. Naquela ocasião,
aproveitando-se de Luhmann, foi falado sobre o acoplamento estrutural comunicativo
do historicismo, do sociologismo e do pós-positivismo às recentes noções de
espaçotempo trazidas pela astrofísica; de modo a construir um modelo teórico derivado
da fusão de correntes jusfilosóficas que no passado permaneceram opondo-se umas às
outras (Ramos Jr., 2012, p. 258). Porém, o jusnaturalismo e o positivismo não foram
incluídos naquela construção porque seus postulados clássicos de rigidez e
imutabilidade conflitavam com as demandas da contemporaneidade, que exigem uma
flexibilidade e uma velocidade cada vez maiores nas construções hermenêuticas e
epistemológicas. Hoje, pode-se denominar essa construção como a teoria vibracional do
direito.
Com base nessa teoria, o jusnaturalismo surge de forma vibracional assim
como o seu correlato positivismo. Embora, na teoria tradicional, ambos tenham sido
expressões de um mesmo idealismo que levou à rigidez e a imutabilidade do fenômeno
jurídico; diferem-se entretanto, e até opõem-se um ao outro, quanto ao seus respectivos
substratos fáticos (o cosmos rígido e estático para o jusnaturalismo e a razão humana
para o positivismo). Porém, com base na nova textura da realidade que vai sendo
revelada pela física de partículas, ocorre que ambos os substratos fáticos destas
correntes filosóficas passam a ser mutáveis porque constituídos de cordas vibrantes de
energia (o cosmos e a razão humana são formas pelas quais diferentes padrões
vibratórios das cordas se exteriorizam). Assim, chega-se à unificação das teorias
filosóficas, de modo que o avanço evolutivo da ciência jurídica possa ocorrer, sem que
essa unificação signifique perda da diversidade, da pluralidade; ou uma mera redução
simplista. Este instrumental teórico poderá ajudar na resolução de casos como o do
LHC.
O caminho percorrido até essa unificação envolveu as fontes energéticas
usadas pela humanidade da pré-história até a contemporaneidade. Enquanto o mundo
era agrário, baseado nos grãos e na lenha, as práticas sociais (religião, cultura e direito)
30
seguiam rigidamente um modelo de rigorosa formalidade ritualística cerimonial.
Somente após a introdução de matrizes energéticas radicalmente diferentes dos grãos e
da lenha, como foram o carvão (1700) e o petróleo (1859), é que mudanças mais
significativas, apesar de incipientes, passaram a ser observadas no direito. Todavia cada
vez mais terras precisavam ser desflorestadas para capturar essa energia. No século XIV
a Europa enfrentou um problema de entropia semelhante ao que levou Roma ao colapso.
Com uma matriz energética baseada em lenha e grãos, gastava-se muito mais energia
para capturar lenha e grãos do que se recebia desses elementos. Com a explosão
populacional, com uma maior pressão agrícola, com uma entropia crescente e com o
desflorestamento, tanto a Roma imperial, como a Europa medieval foram extintas por
causa de um colapso energético – exaustão do solo e desaparecimento de florestas
(Rifkin, 2003, p. 66).
O colapso de uma sociedade complexa se insinua quando esta começa a gastar
mais energia do que consegue obter. A história humana caracterizou-se pela criação de
mecanismos sociais e tecnológicos cada vez mais complexos voltados à captação da
energia livre no ambiente (Tainter, 1988, p. 79/80). Nos tempos antigos, a prática
religiosa cumpria o papel de catalisador que unificava e mobilizava trabalho humano
para a tarefa de reconstruir a sociedade. A fé coletiva levava as pessoas a combinarem
seus esforços em torno da missão comum de extrair energia do ambiente. Quando o zelo
religioso diminui, as sociedades enfraquecem (Coulborn, 1966, p. 415). Conforme foi
demonstrado no início deste artigo, ciência e religião caminhavam juntas na
antiguidade, com o objetivo de controlar as forças da natureza. Hoje, embora a ciência
tenha se desvinculado da religião, ela continua a cumprir a mesma função que era
exercida pelos xamãs e antigos sacerdotes. O LHC é o totem contemporâneo dessa,
nova e ao mesmo tempo antiga, função “religiosa”: descobrir e capturar formas
alternativas de energia na natureza.
A transição da lenha para o carvão instaurou um novo regime energético. A
mudança social significativa veio com a locomotiva à vapor. O rígido mundo agrário
começava a se flexibilizar pela mobilidade e maior velocidade encontradas na
locomotiva. Com a transição da economia do carvão para a do petróleo (1859), vieram o
automóvel e o avião, tornando a mobilidade e a velocidade das relações econômicas
ainda mais intensas. Das pequenas empresas do mundo agrário, atadas fixamente às
áreas de onde se podia extrair madeira; surgem empresas transnacionais movidas pelo
petróleo, pois a fluidez típica desse combustível líquido permitiu que a energia escoasse
31
de forma melhor por todo o planeta. O nascimento da sociedade da informação dos anos
de 1980, acelerou mais ainda o mundo; a transmissão de e-mails à velocidade da luz
conectou de forma instantânea as pessoas que tivessem acesso à internet (Rifkin, 2003,
p. 68 e 82/88).
No atual século XXI, período final da era do petróleo, o hidrogênio surge como
solução energética do futuro. A descarbonização da energia é um fenômeno observado
por cientistas no sentido de que a proporção de átomos de carbono em relação aos
átomos de hidrogênio decaiu durante as sucessivas matrizes energéticas que se
alternaram. A evolução das fontes de energia usadas desde a pré-história mostrou um
movimento do mais pesado (lenha) ao mais leve (hidrogênio), do mais sólido (lenha e
carvão) ao mais líquido (petróleo), e do mais líquido ao mais gasoso (gás natural e
hidrogênio). A descarbonização da energia juntamente com as tecnologias virtuais da
era da informação, levaram à desmaterialização da energia e da economia; suscitando
tecnologias, bens e serviços de natureza similar: cada vez mais céleres, eficientes, leves
e virtuais. Um painel técnico sobre o hidrogênio, realizado pelo Departamento de
Energia dos EUA, em maio de 1999, apontou este combustível como a grande
esperança para o avanço continuado e sustentável da humanidade no planeta Terra, pois
é proveniente das águas e o produto de sua combustão é a água também (ibidem, p.
182).
O capitalismo antigo, baseado em energias fósseis provenientes de dentro do
próprio planeta, caracterizou-se por ser um sistema econômico fechado e isolado, o que
contribuiu em muito para que o direito também tivesse sido fechado e isolado da
sociedade, como o foi durante o positivismo napoleônico e o normativismo kelsiano. O
futuro, porém, será um sistema aberto, tanto do ponto de vista econômico como social;
baseado em uma sociedade solar. O futuro econômico do mundo “será baseado em um
sistema aberto à radiação solar”, onde a energia virá inesgotavelmente de fora do
planeta - do Sol (Altvater, 2006, p. 2 e 5).
O direito não escapará desse movimento em direção à leveza, à abertura, à
flexibilidade, à fluidez. A conexão instantânea das pessoas através da internet (que nada
mais é do que fluxo energético que viaja através de linhas telefônicas, transmissões de
satélite e fibras óticas), é bastante semelhante ao entrelaçamento quântico das cordas
vibrantes de matéria, que compõem e unem tudo o que existe no cosmos, inclusive o
próprio cosmos. É por essa razão que este artigo defende que a fluidez energética está
conduzindo o mundo (suas práticas sociais, culturais, religiosas e jurídicas) a um estado
32
de vibração, o que significa uma mobilidade, uma flexibilidade e uma velocidade de
intensidades ampliadas. Neste cenário, a teoria vibracional do direito sustenta que o
fenômeno jurídico possui uma função energética, um papel voltado para garantir as
fontes e o fluxo de energia. O centro das valorações jurídicas passa a ser o elemento
energético, considerado essencial para que a pessoa humana tenha dignidade.
Considerando que as soluções energéticas do futuro apontam para o Sol e para o
hidrogênio, estes tipos de energias (fluidas, abertas e vibracionais) certamente
modelarão um direito também aberto, fluido e vibracional, onde a tônica do processo
hermenêutico será o fator energético, pois este é a base para a existência da vida, para a
dignidade humana, além de ser o próprio tecido constitutivo da vida e do cosmos. O
pensamento humano é constituído de ondas energéticas que viajam através de
neurônios. Portanto, a essência do ser humano é a energia. O princípio vibracional do
direito, informado por uma ética do cuidado energético, levará o mundo a um futuro
onde cuidar da energia (pessoas e cosmos) será a principal tarefa jurídica, política,
religiosa e econômica.
CONCLUSÕES
A ciência do século XXI surge como uma espécie de religião. Sem ser
dogmática, metafísica e infalível como as religiões tradicionais; a ciência apresenta
concepções físicas e tangíveis sobre a textura da realidade do mundo e do cosmos,
capazes de produzir uma mudança paradigmática nas diversas práticas sociais. Aqui
interessa o direito. Os sacerdotes contemporâneos, superconhecedores dos mistérios da
física de partículas e que confessam sua “fé” no LHC, como o divisor de águas que
poderá vir a ser a prova empírica desse “novo evangelho”, emergente e cientificista;
desvelam para o mundo jurídico uma realidade multidimensional formada por cordas de
energia vibratória, onde a matéria (pessoas e espaçotempo) exerce mútua influência
modificativa sobre si mesma. Este fenômeno já havia sido descrito por Casanova como
“a auto-organização que aparece na matéria, na vida e na humanidade” (2006, p.
272). Por isso, após 12 mil anos, após diversas revoluções sociopolíticas, o direito
contemporâneo, somente agora, dá sinais de uma tendência cada vez maior de
abandonar seu antigo DNA de rigidez, guiado pela fluidez energética.
Religião, ciência e direito surgem, neste século, entrelaçados na função de
garantir o suprimento energético necessário ao futuro da humanidade. É curioso o fato
33
de que nenhum Estado soberano tenha postulado alguma medida judicial contra o LHC,
pois apenas cidadãos europeus e americanos enquanto indivíduos o fizeram. Isto
sinaliza que eventuais ameaças ambientais representadas pelo LHC não são maiores do
que a ameaça extrema de um colapso energético global. No centro desse processo está a
pessoa humana. Sua dignidade só é possível se houver energia suficiente para garantir a
vida. Portanto, no julgamento do caso do LHC (seja ele político perante a ONU ou
judicial perante Tribunais ao redor do mundo), o eventual julgador estará
desempenhando um papel simultaneamente “religioso”, científico e jurídico. Caso o
mérito dessa questão venha a ser enfrentado judicialmente, antes de 2012, data prevista
para o LHC funcionar em potência máxima, o órgão julgador deverá examiná-lo sob a
ótica do princípio jurídico energético vibracional. Produzir provas sobre o potencial
surgimento de um buraco negro, como pediu o Tribunal alemão, é algo impossível.
Porém, segundo a teoria vibracional do direito, o magistrado pode
alternativamente, de forma flexível, aberta, célere e fluida exigir provas sobre a
capacidade dos atuais modelos energéticos, e dos novos que estão sendo desenvolvidos
no mundo, de fornecerem todo o suprimento de energia que o planeta Terra necessitará,
não só para a atual década como para séculos futuros, independentemente das
possibilidades do LHC descobrir novas fontes energéticas. Caso as atuais projeções de
suprimento energético para o futuro apontem para uma situação confortável, o LHC
tornar-se-á desnecessário e seus riscos inaceitáveis. Porém, se o mundo caminha para
um colapso energético, o mesmo que dizimou civilizações no passado como Babilônia,
Egito, Roma e a Europa medieval; enfrentar os riscos ambientais do LHC será algo
necessário, a fim de se garantir (descobrir) novos fluxos energéticos em favor da
humanidade, mediante perscrutação das forças na natureza.
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