O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Ana Mafalda de Castro e Pinho
O CONTEXTO EDUCATIVO DE CRECHE COMO PROMOTOR
DO DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO DA CRIANA
Tese de doutoramento em Psicologia, na especialidade em Psicologia do Desen-
volvimento, orientada pela Professora Doutora Maria da Luz Bernardes Rodri-
gues Vale Dias e pela Professora Doutora Maria de Lourdes Mendes Rocha Cr
Braz e apresentada Faculdade de Psicologia e de Cincias de Educao da
Universidade de Coimbra.
Julho/2015
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Imagem da capa adaptada de: http://www.guiadoscasados.com.br/creche-
para-criancas-quando-deixar-os-filhos-na-creche/
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O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao de Coimbra
O CONTEXTO EDUCATIVO DE CRECHE COMO PROMOTOR DO
DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO DA CRIANA
Ana Mafalda de Castro e Pinho
Tese de doutoramento em Psicologia, na especialidade em
Psicologia do Desenvolvimento, orientada pela Professora Douto-
ra Maria da Luz Bernardes Rodrigues Vale Dias e pela Professora
Doutora Maria de Lourdes Mendes Rocha Cr Braz e apresentada
Faculdade de Psicologia e de Cincias de Educao da Universi-
dade de Coimbra.
Coimbra
2015
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Education is the most powerful weapon
which you can use to change the world.
(Nelson Mandela)
A educao o dever fundamental do homem pa-
ra com o homem, a responsabilidade que ningum
poder negligenciar sem contradio.
(Cauly, 1995, p. 13)
Fique, portanto, assente que a todos aqueles que nasce-
ram homens necessria a educao, porque necessrio
que sejam homens, no animais ferozes, nem animais bru-
tos, nem troncos inertes. Da se segue tambm que, quanto
mais algum educado, mais se eleva acima dos outros.
(Comnio, 2006, p. 125)
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Agradecimentos
Sendo sempre ingrata a tarefa de um agradecimento quando se sente que esta corre o
risco de conter omisses, devo, no entanto, deixar aqui expresso o meu reconhecimento
a todos aqueles, que mais de perto e de uma forma ou de outra, tornaram possvel a con-
cretizao deste trabalho.
Em primeiro lugar, s minhas queridas orientadoras, que provocaram em mim uma en-
volvncia e um fascnio enormes pela rea da educao e da psicologia, e a quem atri-
buo o meu desenvolvimento pessoal e profissional por considerar que se tratam de
exemplos de referncia excecionais. Devo, deste modo, expressar a minha maior grati-
do Professora Doutora Maria de Lurdes Cr, pela sua amizade, carinho, orientao
cientfica, apoio, confiana, dedicao, pelos conhecimentos transmitidos que estaro
sempre presentes no meu percurso de vida e, tambm, por ter possibilitado conhecer a
Professora Doutora Maria da Luz Vale Dias, a quem agradeo igualmente a amizade, o
carinho, a disponibilidade, o conhecimento e rigor cientfico, o incentivo, a estima
Obrigada por terem confiado e por me terem feito acreditar que Fernando Pessoa tem
razo quando escreveu: [] Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir
um castelo. Quero, por isso, deixar aqui bem expressa a minha mais profunda grati-
do e, ainda, reconhecer que apesar das perdas irreparveis que ambas sofreram, nunca
me senti sozinha ao longo deste percurso. Espero no ter defraudado as expetativas de
V/Excs.
Professora Doutora Florbela Vitria pelo incansvel auxlio no tratamento estatstico
dos dados.
Ao Professor Doutor Meireles-Coelho, professor da Universidade de Aveiro do Depar-
tamento de Educao, por ter acreditado em mim, por me ter despertado o gosto pela
investigao e por me ter guiado, na fase inicial do Mestrado em Cincias da Educao,
e que de alguma forma continuou a inspirar-me at este trabalho.
Aos educadores de infncia que aceitaram participar neste estudo.
Aos verdadeiros amigos que incansavelmente me apoiaram e compreenderam as minhas
ausncias sem questionar, sem exigir e sem pressionar.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Zitinha pelo esprito crtico e pela capacidade de aguardar, sem data, o que devia ter
sido feito ontem e pelo sbio conselho que um dia me escreveu num pedao de papel:
Para ser grande, s inteiro [] S todo em cada coisa. Pe quanto s no mnimo que
fazes. [] de Ricardo Reis.
Finalmente, o meu reconhecimento e a dedicao deste trabalho aos meus pais pelo es-
tmulo, apoio permanentes e pelo esforo e sacrifcios de uma vida inteira.
Para ti avzinho!
"Aqueles que passam por ns, no vo ss,
no nos deixam ss. Deixam um pouco de
si, levam um pouco de ns."
(Antoine de Saint-Exupry)
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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ndice
Resumo _____________________________________________________________ 13
Abstract _____________________________________________________________ 17
Lista de figuras _______________________________________________________ 19
Lista de quadros ______________________________________________________ 21
Lista de esquemas _____________________________________________________ 23
Lista de tabelas _______________________________________________________ 25
Lista de grficos ______________________________________________________ 29
Lista de abreviaturas ___________________________________________________ 31
Introduo ___________________________________________________________ 33
Parte I - Enquadramento concetual ________________________________________ 39
Captulo I - Contextualizao histrica da infncia e da educao de infncia ___ 40
Introduo__________________________________________________________________ 43
1.1. A descoberta da infncia: construindo a criana _________________________________ 49
1.1.1. A infncia at finais da Idade Mdia ______________________________________ 53
1.1.2. A infncia a partir do sculo XV _________________________________________ 55
1.1.3. A infncia da segunda modernidade _______________________________________ 57
1.1.4. A infncia e a criana luz da perspetiva dos que a procuraram notabilizar:
intervenes adequadas _____________________________________________________ 60
1.1.5. A infncia contempornea ______________________________________________ 66
1.2. Contextualizao histrica da educao de infncia e das instituies dedicadas infncia69
1.2.1. A educao de infncia em Portugal _______________________________________ 77
1.2.2. A educao de crianas dos 0 aos 3 anos ___________________________________ 92
1.2.3. As instituies dedicadas infncia _______________________________________ 99
1.3. O percurso da formao de educadores de infncia em Portugal ___________________ 107
1.3.1. A formao de educadores de infncia no mbito do contexto de creche _________ 108
1.3.2. Formao inicial: desajuste em relao realidade profissional ________________ 111
1.3.3. Opes tericas que enquadram a formao inicial __________________________ 113
1.3.4. Formao contnua e formao em contexto _______________________________ 117
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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1.3.5. O educador de infncia em contexto de creche: competncias __________________ 119
Concluso _________________________________________________________________ 125
Captulo II - O processo de desenvolvimento na infncia ___________________ 128
Introduo_________________________________________________________________ 131
2.1. Teorias explicativas do desenvolvimento na infncia ____________________________ 137
2.2.1. O desenvolvimento cognitivo perspetivado por Piaget _______________________ 140
2.2.2 Teoria cognitiva de Vygotsky ___________________________________________ 144
2.2.3. Etapas da personalidade da criana perspetivadas por Wallon __________________ 149
2.2.4. Teoria bruneriana do desenvolvimento intelectual ___________________________ 153
2.2.5. Teoria ecolgica e bio ecolgica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner _ 160
2.2.6. O desenvolvimento da criana na perspetiva de Brazelton ____________________ 169
2.2. Desenvolvimento psicolgico dos 0 aos 3 anos ________________________________ 185
2.2.1. Neuro desenvolvimento _______________________________________________ 196
2.2.2. Aprendizagem e desenvolvimento _______________________________________ 203
2.2.3. Ativao do desenvolvimento psicolgico _________________________________ 208
Concluso _________________________________________________________________ 215
Captulo III A interveno educativa em contexto de creche _________________ 217
Introduo_________________________________________________________________ 219
3.1. A educao de crianas dos 0 aos 3 anos _____________________________________ 223
3.1.1. Princpios educativos em contexto de creche _______________________________ 227
3.1.2. Intencionalidade educativa _____________________________________________ 233
3.2. Prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas em creche ____________________ 237
3.2.1. Prticas adequadas ao desenvolvimento de bebs ___________________________ 241
3.2.2. Prticas adequadas a crianas de 1 a 3 anos ________________________________ 250
3.3. Qualidade do contexto educativo de creche ___________________________________ 259
3.3.1. Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R _____________________ 270
3.4. O currculo em contexto de creche __________________________________________ 275
3.5. Modelos curriculares adaptados ao contexto de creche __________________________ 285
3.5.1. Modelo curricular: interpessoal-ambiental _________________________________ 285
3.5.2. O modelo curricular High/Scope ________________________________________ 286
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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3.6. O educador de infncia em contexto de creche _________________________________ 337
Concluso _________________________________________________________________ 341
Parte II Estudo emprico _____________________________________________ 343
1. Formulao do problema, caracterizao do estudo, objetivos e hiptese geral _________ 345
2. Desenho de investigao e procedimentos gerais ________________________________ 351
3. Consideraes metodolgicas prvias _________________________________________ 357
4. Metodologia _____________________________________________________________ 365
4.1. Amostra _______________________________________________________________ 365
4.2. Instrumentos e procedimentos ______________________________________________ 408
4.2.1. Instrumentos ________________________________________________________ 408
4.2.2. Fundamentao da escolha do programa de interveno ______________________ 416
4.2.3. Procedimentos_______________________________________________________ 438
5. Resultados ______________________________________________________________ 443
5.1. Anlise qualitativa dos dados relativos s entrevistas __________________________ 443
5.2. Anlise quantitativa dos dados ___________________________________________ 475
5.3. Discusso dos resultados ________________________________________________ 519
Concluses gerais ___________________________________________________________ 543
Referncias bibliogrficas ____________________________________________________ 549
Anexos ___________________________________________________________________ 611
Anexo 1- Guio de entrevista ________________________________________________ 613
Anexo 2 - Equipamento a constar na rea da casinha das bonecas____________________ 639
Anexo 3 - Questionrio scio-demogrfico, caractersticas e comportamento___________ 645
Anexo 4 - Avaliao do programa de interveno ________________________________ 659
Anexo 5 - Grelha de observao/apreciao do desenvolvimento psicolgico (2 - 3 anos) _ 665
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Resumo
Esta investigao enquadra-se na rea da Psicologia do Desenvolvimento, enquanto
ingrediente vital na globalizao da infncia (Burman, 1996), particularmente, no que
se refere promoo do desenvolvimento psicolgico da criana considerando o
contexto educativo. Pretendeu-se, especificamente, estudar a importncia para o
desenvolvimento psicolgico das crianas da sua permanncia, em idades precoces, em
contextos educativos de creche, baseando a interveno educativa na utilizao de um
programa de interveno, perspetivado pela investigadora, fundamentado na
aprendizagem ativa e em experincias-chave da abordagem curricular High/Scope (Post
& Homann, 2011) bem como no modelo Portage (Williams & Aiello, 2009),
abrangendo diversos domnios especficos (sentido de si prprio; relaes sociais;
representao criativa; movimento e msica; comunicao e linguagem; cognio;
compreenso do espao e tempo; noo precoce da quantidade e do nmero).
Uma vez que o cuidado e a educao de crianas em idades precoces tm vindo a ser
transferidos do domnio privado da famlia para o domnio pblico, em instituies,
como resposta s alteraes ocorridas durante as ltimas dcadas em Portugal,
relativamente s condies econmicas, sociais e culturais, torna-se necessrio que tal
contexto e o seu efeito sobre o desenvolvimento das crianas sejam objeto de
investigaes contextualizadas e sistemticas neste pas. Com efeito, apesar das notrias
abordagens, nas ltimas dcadas, ao estatuto da criana e respetiva educao (Portugal,
2009a), continua a ser negligenciada em Portugal a educao das crianas at aos 3
anos, sendo a prpria Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) omissa em relao a
estas idades precoces. Deste modo, assumindo como objetivo primordial a promoo do
desenvolvimento psicolgico destas crianas, torna-se assim premente a necessidade de
se refletir sobre intervenes educativas para idades precoces (Belsky, 2006, 2009;
Crosnoe, Leventhal, Wirth, Pierce, Pianta & NICHD, 2010; Field, 2008; Marcho,
2003; NICHD, 2000; Pluess & Belsky, 2010; Vandell, 1997, 2004), sendo de
importncia igualmente significativa, que essas sejam devidamente sustentadas em
teorias cientficas do desenvolvimento humano. De facto, face ausncia de orientaes
especficas que definam a interveno educativa em contexto de creche,
imprescindvel estabelecer linhas de orientao que permitam aos educadores de
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
14
infncia, a desempenhar funes nesse contexto, monitorizar, aperfeioar e elevar
qualitativamente a sua interveno, com base na adoo de prticas adequadas ao
desenvolvimento de crianas deste nvel etrio. Assim, na presente investigao,
contando com a participao de crianas (N= 59) com cerca de 2 anos de idade,
residentes em seis concelhos do pas, assim como com os respetivos educadores de
infncia (N= 4), pretendeu-se, atravs de um estudo comparativo entre grupos de
crianas sujeitas ou no ao programa acima referido e perspetivado no mbito desta
pesquisa, conhecer o seu impacto no desenvolvimento psicolgico utilizando, nas fases
de pr e ps-teste, grelhas de apreciao/avaliao desse desenvolvimento para crianas
em idade de creche, construdas e aferidas anteriormente pela investigadora (Pinho,
2008). Na pesquisa, foi tambm controlado o efeito do percurso profissional e
acadmico dos educadores de infncia envolvidos.
Preconizmos assim desenvolver um estudo, mais precisamente uma investigao-aco
com uma componente quasi-experimental, cujos resultados permitissem perspetivar um
curriculum para o contexto de creche, suscetvel de ativar o desenvolvimento
psicolgico das crianas e de elevar qualitativamente a interveno educativa. Dado
que, em Portugal, tal como j referido, a prpria LBSE lacunar neste aspeto, este
estudo revela-se muito pertinente. Em suma, com esta investigao, ambicionmos
contribuir para a reflexo acerca da importncia para o desenvolvimento psicolgico das
crianas de uma interveno educativa cientificamente informada durante os trs
primeiros anos de vida, retirando implicaes suscetveis de ser aplicadas no mbito da
poltica educativa da infncia em Portugal.
No que particularmente diz respeito aos dados recolhidos possvel avanar que as
crianas que fizeram parte dos grupos experimentais, e que foram sujeitas ao programa
de interveno, apresentaram ganhos superiores, na fase de ps-teste, ao nvel do
desenvolvimento da motricidade glogal, da motricidade fina, da linguagem recetiva, da
linguagem expressiva, do desenvolvimento cognitivo e do desenvolvimento afetivo-
relacional, relativamente s crianas dos grupos de controlo, que vivenciaram uma
interveno educativa natural.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
15
Palavras-chave: desenvolvimento psicolgico dos 0 aos 3 anos, contexto educativo de
creche, programa de interveno, prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas
em idade precoce
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
16
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Abstract
This research falls in the area of developmental psychology as a vital ingredient in the
"globalization of childhood" (Burman, 1996), particularly with regard to the promotion
of the child's psychological development considering the educational context. It was
specifically intended to study the importance to the psychological development of chil-
dren of its sojourn at early ages in daycare educational contexts, basing the pedagogical
intervention in the use of an intervention program, envisaged by the researcher, based
on active learning and on key experiences of the High / Scope curricular approach (Post
& Homann, 2011), as well as on the Portage model (Williams & Aiello, 2009), covering
several specific areas (sense of self, social relations, creative representation, movement
and music; communication and language, cognition, comprehension of space and time,
early notion of the amount and number).
Once the care and education of children in early ages have been transferred from the
private domain of the family into the public domain, in institutions, as a response to
changes during the last decades of economic, social and cultural conditions in Portugal,
it is necessary that such a context and its effect on children's development are the sub-
ject of contextualized and systematic investigations in this country. Indeed, despite no-
torious approaches in recent decades to the status of children and their education (Por-
tugal, 2009a), the education of children up to three years old continues to be neglected
in Portugal, being the very Law of the Education System (LBSE) silent on these early
ages. Assuming as a primary objective the promotion of the psychological development
of these children, it becomes a pressing need to reflect on educational interventions for
early ages (Belsky, 2006, 2009; Crosnoe, Leventhal, Wirth, Pierce, Pianta & NICHD,
2010; Field, 2008; Marcho, 2003; NICHD, 2000; Pluess & Belsky, 2010; Vandell,
1997, 2004), being also of significant importance, that these are properly supported in
scientific theories of human development. In fact, in the absence of specific guidelines
that define educational intervention in the context of childcare, it is urgent to establish
guidelines that enable early childhood educators, performing functions in this context,
to monitor, improve and qualitatively raise its intervention basing it in the adoption of
appropriate practices in the development of children of this age level. Thus, in this re-
search, with the participation of children (N = 59) with about two years of age, living in
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
18
six municipalities in the country, as well as with their kindergarten teachers (N = 4), it
was intended, through a comparative study between groups of children, subject or notto
the above program and under this research, to know their impact on the psychological
development using, in the pre and post-test phases, observation / appreciation grids of
this development for children in childcare age, built and verified previously by the can-
didate (Pinho, 2008). In the research, the effect of professional and academic career of
the kindergarten teachers involved was also controlled.
We advocated, then, to develop a study, more precisely a research-action with a quasi-
experimental component, whose results would allow to envisage a curriculum for the
context of childcare, which could activate the psychological development of children
and qualitatively raise the educational intervention. As in Portugal, as mentioned above,
the very Law on the Education System is blank in this aspect, this study proves to be
very relevant. In short, with this research, we aim to contribute to the reflection on the
importance to the psychological development of children of a scientifically informed
educational intervention during the first three years of life, removing implications sus-
ceptible of being applied within the childhood education policy in Portugal.
With particular regard to the data collected is possible to advance that children who
were part of the experimental groups, which were subject to an intervention program,
showed higher gains in the post-test phase at the level of development of glogal motor
skills, fine motor skills, receptive language, expressive language, cognitive development
and affective and relational development, comparing to the children of the control
group, who experienced a natural educational intervention.
Keywords: psychological development from 0 to 3 years old, educational context of
daycare, intervention program, appropriatepractices to the development of children at an
early age
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Lista de figuras
Figura 1 - Modelo Ecolgico de Bronfenbrenner ____________________________ 161
Figura 2 - Modelo Bio Ecolgico de Bronfenbrenner ________________________ 168
Figura 3 - Processo de aprendizagem _____________________________________ 204
Figura 4 - Elementos a considerar no trabalho com crianas em idade precoce ____ 232
Figura 5 - Standards for child care _______________________________________ 265
Figura 6 - "Teaching pyramid" Modelo de promoo de competncias especiais e de
mudana de comportamento ____________________________________________ 267
Figura 7 - Roda de aprendizagem ________________________________________ 300
Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062469Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062470Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062471Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062471Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062472
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
20
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
21
Lista de quadros
Quadro 1 - Princpios educativos de Cataldo _______________________________ 228
Quadro 2 - Princpios educativos de Gonzalez-Mena & Eyer __________________ 230
Quadro 3 - Perfil de implementao do programa ___________________________ 291
Quadro 4 - Experincias-chave para bebs e crianas ________________________ 308
Quadro 5 - Estratgias que facilitam interaes entre adulto-criana ____________ 319
Quadro 6 - Organizao de um ambiente para crianas at aos trs anos _________ 324
Quadro 7 - Programao diria e de rotinas de cuidados para crianas at aos trs anos
__________________________________________________________________ 333
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
22
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Lista de esquemas
Esquema 1 - Conceo da investigao ___________________________________ 355
Esquema 2 - Etapas aplicadas aos grupos experimentais ______________________ 355
Esquema 3 - Aplicao do pr e ps-teste aos grupos de controlo _______________ 356
Esquema 4 - Programa de interveno ____________________________________ 425
Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062550Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062551Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062552
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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Lista de tabelas
Tabela 1. Subestdios do perodo sensrio-motor ___________________________ 142
Tabela 2. Teorias da aprendizagem ______________________________________ 205
Tabela 3. Capacidade e organizao dos grupos e do pessoal __________________ 266
Tabela 4. reas/subescalas e itens da ITERS-R _____________________________ 271
Tabela 5. Caraterizao dos grupos de pesquisa e etapas do estudo _____________ 352
Tabela 6. Caraterizao da amostra de crianas: por grupo e por idade___________ 366
Tabela 7. Caraterizao da amostra de crianas: por grupo e gnero _____________ 367
Tabela 8. Distribuio da amostra por concelho ____________________________ 368
Tabela 9. Idade de admisso e tempo de permanncia mdios por grupo e amostra total
__________________________________________________________________ 369
Tabela 10. Outras respostas sociais antes da creche por grupo e amostra total _____ 370
Tabela 11. Perodo de adaptao por grupo e amostra total ____________________ 371
Tabela 12 - Reao da criana durante o perodo de adaptao por grupo e amostra total
__________________________________________________________________ 372
Tabela 13. Reao da criana durante o perodo de adaptao por grupo e amostra total
(%) _______________________________________________________________ 373
Tabela 14. Estado civil dos pais por grupo e amostra total ____________________ 374
Tabela 15. Habilitaes do pai por grupo e amostra total _____________________ 375
Tabela 16. Habilitaes da me por grupo e amostra total _____________________ 376
Tabela 17. Profisso do pai por grupo e amostra total ________________________ 377
Tabela 18. Profisso do pai por grupo e amostra total (n=59) __________________ 378
Tabela 19. Profisso da me por grupo e amostra total _______________________ 379
Tabela 20. Profisso da me por grupo e amostra total (n=59) _________________ 380
Tabela 21. Tipo de habitao e propriedade por grupo e amostra total ___________ 381
Tabela 22. A criana por grupo e amostra total (n=59) ____________________ 382
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
26
Tabela 23. Hbitos de sono por grupo e amostra total ________________________ 383
Tabela 24. Hbitos alimentares por grupo e amostra total (n=59) _______________ 384
Tabela 25. Hbitos de higiene por grupo e amostra total ______________________ 385
Tabela 26. Brincadeiras preferidas por grupo e amostra total __________________ 386
Tabela 27. Situao desenvolvimental: rea da linguagem, rea psicomotora, por grupo
e amostra total _______________________________________________________ 387
Tabela 28. Situao desenvolvimental: rea afetivo-relacional, rea cognitiva, por grupo
e amostra total _______________________________________________________ 388
Tabela 29. Reao da criana em grande grupo, por grupo e amostra total ________ 389
Tabela 30. Reao da criana na comunicao com os adultos, por grupo e amostra total
__________________________________________________________________ 390
Tabela 31. Reao da criana na comunicao com outras crianas _____________ 392
Tabela 32. Circunstncias em que a criana comunica por grupo e amostra total ___ 393
Tabela 33. Motivo para a colocao na instituio, por grupo e amostra total _____ 394
Tabela 34. Caraterizao dos educadores de infncia por grupo, gnero, idade, estado
civil e rea de residncia _______________________________________________ 397
Tabela 35. Formao acadmica dos educadores de infncia __________________ 397
Tabela 36. Tempo de servio dos educadores de infncia _____________________ 398
Tabela 37. Fases de implementao do programa de interveno _______________ 425
Tabela 38. Tabela de categorizao ______________________________________ 443
Tabela 39. Categoria 1 Formao de e para educadores de infncia ____________ 447
Tabela 40. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Conceito de infncia __ 448
Tabela 41. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Objetivos e funes da
educao de infncia __________________________________________________ 449
Tabela 42. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Educao de crianas dos 0
aos 3 anos __________________________________________________________ 449
Tabela 43. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Objetivos e funes da
educao de crianas dos 0 aos 3 anos ____________________________________ 450
Tabela 44. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Vantagens dos contextos de
creche _____________________________________________________________ 452
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
27
Tabela 45. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Qualidade dos contextos de
creche _____________________________________________________________ 453
Tabela 46. Aspetos influentes na qualidade dos contextos de creche ____________ 454
Tabela 47. Categoria 3 Programa de interveno / Indicador: Programa de interveno
__________________________________________________________________ 455
Tabela 48. Categoria 3 Programa de interveno / Indicador: Aspetos a contemplar na
adequao de um programa de interveno ________________________________ 456
Tabela 49. Categoria 3 - Programa de interveno / Indicador: Envolvimento das
crianas nas experincias/atividades _____________________________________ 457
Tabela 50. Categoria 4 Interveno educativa / Fundamentos cientficos da
interveno educativa _________________________________________________ 458
Tabela 51. Categoria 4 Interveno educativa / Prioridades mais valorizadas na
interveno educativa _________________________________________________ 459
Tabela 52. Categoria 4 Interveno educativa / Indicador: Principais dificuldades na
interveno educativa _________________________________________________ 460
Tabela 53. Categoria 4 Interveno educativa / Indicador: Frequncia de atividades e
experincias proporcionadas ____________________________________________ 461
Tabela 54. Categoria 4 - Interveno educativa / Indicador: Organizao do ambiente
educativo (espao fsico da sala de atividades) _____________________________ 463
Tabela 55. Categoria 4 Interveno educativa /Indicador: Organizao do ambiente
educativo (Rotina diria) ______________________________________________ 464
Tabela 56. Categoria 4 - Interveno educativa/Indicador: Contacto adultos-crianas 465
Tabela 57. Categoria 4 Interveno educativa/Indicador: As crianas so incentivadas
a... ________________________________________________________________ 466
Tabela 58. Tabela de categorizao ______________________________________ 467
Tabela 59. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global _____________ 475
Tabela 60. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global ____________________ 481
Tabela 61. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global ____ 482
Tabela 62. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina _______________ 485
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
28
Tabela 63. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina ______________________ 488
Tabela 64. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina ______ 490
Tabela 65. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva_____________ 491
Tabela 66. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva ___________________ 494
Tabela 67. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva ___ 495
Tabela 68. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva ___________ 497
Tabela 69. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva _________________ 500
Tabela 70. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva _ 501
Tabela 71. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Cognitivo ______ 503
Tabela 72. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Cognitivo _____________ 506
Tabela 73. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e para os grupos de controlo no
Desenvolvimento Cognitivo ____________________________________________ 507
Tabela 74. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,
para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Afetivo-Relacional 509
Tabela 75. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os
grupos experimentais e para os grupos de controlo no Desenvolvimento Afetivo-
Relacional __________________________________________________________ 512
Tabela 76. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas
pontuaes para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Afetivo-
Relacional __________________________________________________________ 513
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
29
Lista de grficos
Grfico 1. Perodos sensveis (Fonte: Bardin, 2012) _________________________ 132
Grfico 2. Perceo das educadoras dos grupos experimentais acerca dos ganhos obtidos
nas diversas dimenses com a implementao do Programa ___________________ 470
Grfico 3. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais e de
controlo na Motricidade Global _________________________________________ 476
Grfico 4. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais (GE >
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) na Motricidade Global _______________________________________ 477
Grfico 5. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) na Motricidade Fina _________________________________________ 487
Grfico 8. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) na Linguagem Recetiva ______________________________________ 493
Grfico 11. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) na Linguagem Expressiva ____________________________________ 498
Grfico 14. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
30
Grfico 15. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais e de
controlo no Desenvolvimento Cognitivo __________________________________ 504
Grfico 16. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais (GE >
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) no Desenvolvimento Cognitivo ________________________________ 504
Grfico 17. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo
de servio) no Desenvolvimento Afetivo-Relacional _________________________ 510
Grfico 20. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos
GE>ts, GEts e GC
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
31
Lista de abreviaturas
1 CEB 1 Ciclo Ensino Bsico
ADP Ativao do desenvolvimento psicolgico
CNE Conselho Nacional de Educao
C.A.T.L. Centro de Atividades de Tempos Livres
COR Child Observation Record
DAP Developmentally appropriate practice
ECERS-R Early Childhood Environment Rating Scale - Revised Edition
ENEI Escolas Normais de Educao de Infncia
GC Grupo de controlo
GE Grupo experimental
Grupo de controlo < ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo
de servio inferior
Grupo de controlo > ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo
de servio superior
Grupo experimental< ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo
de servio inferior
Grupo experimental> ts Grupo experimental cujo educador de infncia apresenta tem-
po de servio superior
IPSS Instituio Particular de Solidariedade Social
ITERS-R Infant/Toddler Environment Rating Scale - Revised Edition
LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo
MCEECDYA Ministerial Council for Education, Early Childhood Development and
Youth Affairs
NAEYC National Association for the Education of Young Children
NCATE National Council for Accreditation of Teacher Education
NICHD National Institute of Child Health and Human Development
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
32
NIEER National Institute for Early Education Research
OCDE Organizao para a Cooperao Econmica e Desenvolvimento
OECD The Organisation for Economic Co-operation and Development
ONG Organizao no-governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
PB Pr-Bolonha
PIP Perfil de Implementao do Programa
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNICEF United Nations Children's Fund
ZDP Zona de desenvolvimento proximal
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
33
Introduo
A temtica desta dissertao prope uma perspetiva inovadora de conceber a educao
em contexto de creche distinta daquela que tem sido usual. Numa altura em que, final-
mente, se comea a perceber que a educao de qualidade um requisito fundamental
para o desenvolvimento psicolgico de qualquer criana e que intervenes educativas
e/ou contextos de qualidade dbia podem constituir um risco para a vida das crianas
premente identificar os fatores mais favorveis a esse desenvolvimento. As questes
relacionadas com a qualidade das intervenes educativas e/ou dos contextos educativos
tm sido discutidas, muito recentemente, por essas estarem a ser perspetivadas como
tendo uma relao muito prxima com a evoluo dos pases, sendo que a educao de
qualidade encarada como o caminho mais plausvel para colmatar as desigualdades
sociais e para a promoo do empreendedorismo, tal como a The Organisation for
Economic Co-operation and Development preconiza, destacando que efetivamente h
vrias teorias a relacionar o investimento no desenvolvimento do capital humano com a
educao, bem como o papel do capital humano no desenvolvimento econmico.
Many theories explicity connect investment in human capital development to educati-
on, and the role of human capital in economic development [] (OECD, 2013, p.
286). De facto, a aprendizagem humana est relacionada com educao e desenvolvi-
mento pessoal. tida como um processo integrado que provoca uma transformao
qualitativa na estrutura mental do indivduo [] (Oliveira et al. 2012, p. 1627). Neste
sentido, e tendo em vista um retorno positivo, procuraremos provocar uma reflexo em
torno de questes geradoras da qualidade da interveno em contexto de creche e do que
realmente significa educar no mbito do contexto em questo, uma vez tratar-se de um
contexto que integra crianas com especificidades muito particulares, como a precoci-
dade em relao idade e a consequente dependncia relativamente ao adulto que, de
acordo com Pedro Strecht, quanto mais pequena uma criana, mais dependente dos
outros estar para se poder organizar e crescer (Strecht, 2001, p. 31).
A propsito da precocidade relativamente idade a Organizao Mundial de Sade
determinou que a primeira infncia decorre do perodo pr-natal at aos oito anos e,
tambm, que se trata da fase da vida mais importante para o desenvolvimento do ser
humano (Cardoso & Mendes, 2014). Assim, e atendendo a que o desenvolvimento da
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
34
criana se processa na interao com outras crianas, com adultos, com objetos e mate-
riais, premente perspetivar a infncia como uma etapa da vida que implica a dade
cuidado e educao, proporcionados intencionalmente em ambientes adequados, de ele-
vada qualidade, uma vez que, amplamente reconhecido que o desenvolvimento das
crianas no se processa de uma forma linear e que todo o ambiente que a envolve o
influncia, o que determina que a frequncia de contextos de qualidade interfira de for-
ma positiva no desenvolvimento. It is recognised now that childrens development is
not simply linear; rather, childrens development plateaus, accelerates and deviates ac-
cording to the environment and context of their lives (Blandford & Knowles, 2013, p.
80).
Considerando o contexto de creche como um ambiente adequado e a intencionalidade
educativa como um propsito na interveno mais apropriada, na medida em que o seu
objetivo primordial se relaciona com o bem-estar da criana, o que consequentemente
favorece o seu desenvolvimento psicolgico, vrios estudos apontam resultados desen-
volvimentais superiores, apresentados por vrias crianas, e que tm sido associados
qualidade dos contextos educativos de creche frequentados.
No que particularmente se refere aos resultados desenvolvimentais superiores apresen-
tados pelas crianas destacam-se especificamente as competncias sociais (autorregula-
o, autocontrolo, cumprimento de regras, capacidade de aceitao); a aptido para a
resoluo dos prprios conflitos; as competncias ao nvel da linguagem (recetiva e ex-
pressiva); as competncias cognitivas; a nveis de envolvimento mais elevados; as com-
petncias ao nvel da gesto emocional (bem estar emocional e expresso de emoes
positivas) e a relaes estveis com vinculaes mais seguras, com um papel fulcral na
promoo de uma conduta social positiva (Anastcio & Nobre-Lima, 2015), o que vem
corroborar com a perspetiva de Zabalza (1998, p. 9) quando refere que parece [] no
haver dvida alguma sobre a importncia que os aspectos qualitativos adquirem no m-
bito da educao. E, mais ainda, quando se trata de dar atendimento a crianas peque-
nas, ainda que a anlise da qualidade do contexto de creche seja suscetvel de se opera-
cionalizar em torno de diferentes indicadores e que se relacione frequentemente com
questes social e culturalmente aceites.
No que diz respeito problemtica da investigao tratada nesta dissertao centra-se
sobretudo na necessidade de elevar qualitativamente a interveno educativa no mbito
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
35
do contexto de creche, sendo que para o efeito, formulmos o nosso problema em torno
da possibilidade de ativar o desenvolvimento psicolgico das crianas, com dois anos de
idade, em contexto de creche de qualidade, cuja interveno educativa se baseie na im-
plementao de um programa de interveno e em estratgias pedaggicas adequadas.
Deste modo, ao problematizar a interveno educativa em contexto de creche, face
possibilidade de se tratar de um contexto promotor do desenvolvimento psicolgico,
consideramos que fulcral o educador de infncia criar hbitos enraizados de observa-
o e reflexo para ajustar continuamente a sua interveno s reais necessidades das
crianas.
Relativamente ao nosso estudo, adotmos um estudo com carcter de investigao-ao,
com uma componente quasi-experimental, com dois grupos experimentais e dois grupos
de controlo, e com aspetos de natureza qualitativa e quantitativa, uma vez que todo o
processo investigativo se desenvolveu de uma forma participada e construda com todos
os intervenientes por fases. Para alm de envolver os participantes nesse processo, o
mtodo alia a investigao interveno e possui, igualmente, um carter reflexivo de
extrema relevncia para o nosso projeto.
Em relao estrutura desta dissertao, e particularmente no que se refere ao enqua-
dramento concetual (Parte I), que se organiza em torno de uma perspetiva reflexiva com
base em princpios formulados por Schn (1987) e Dewey (1910), situada na linha de
uma prtica verdadeiramente reflexiva, no primeiro captulo elabormos uma contextua-
lizao histrica sobre a descoberta da infncia, percorrendo perodos histricos desde a
Idade Mdia at atualidade, e tambm uma contextualizao histrica sobre o apare-
cimento da educao de infncia e das instituies dedicadas infncia, com maior n-
fase na sua organizao no nosso pas, o que possibilita uma melhor compreenso da
sua situao atual e das diferentes questes que influenciam o seu funcionamento. Ain-
da neste captulo aborda-se o percurso de formao dos educadores de infncia em Por-
tugal, sobretudo no que se refere formao adequada ao contexto educativo de creche,
nomeadamente formao inicial, formao contnua e formao em contexto. Deste
modo, sero referidas opes tericas que devem enquadrar a formao inicial, mas
tambm aspetos da formao contnua e da formao em contexto que devem assegurar,
cumulativamente, a qualidade do ambiente educativo e o desenvolvimento das crianas.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
36
A finalizar o primeiro captulo so abordadas as principais competncias do educador de
infncia em contexto de creche.
Posteriormente, no segundo captulo, e tendo em considerao que esta dissertao se
enquadra na rea da psicologia do desenvolvimento, que [] tem como objecto de
estudo as vrias etapas do ciclo de vida humano, atravs do desenvolvimento biopsico-
lgico resultante da interao entre o sujeito e o meio (Tavares et al., 2011, p. 18),
enunciam-se as principais teorias explicativas do desenvolvimento na infncia e aspetos
mais especficos relacionados com a promoo do desenvolvimento dos 0 aos 3 anos,
em particular o neuro desenvolvimento, a aprendizagem e a ativao do desenvolvimen-
to psicolgico.
A finalizar o enquadramento concetual, no terceiro captulo, faz-se referncia inter-
veno educativa em contexto de creche, com aluso a princpios educativos perspeti-
vados por Cataldo (1983) e Gonzalez-Mena & Eyer (2012, 2001) e importncia da
intencionalidade educativa; a prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas em
idade de creche perspetivadas pela National Association for the Education of Young
Children (NAEYC); a aspetos que favorecem a qualidade do contexto de creche, com
destaque para a Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R The Infant
Toddler Environment Rating Scale - Revised Edition de Thelma Harms, Debby Cryer
e Richard M. Clifford (Harms, Cryer & Clifford, 2003, 1990); com o enquadramento
curricular para o contexto de creche; a abordagens curriculares adequadas ao contexto
educativo em questo, com maior incidncia na abordagem curricular High/Scope; e,
por fim, ao perfil do educador de infncia em contexto de creche.
No que se refere ao estudo emprico (Parte II), inicialmente faz referncia formulao
do problema, caraterizao do estudo, aos objetivos e hiptese geral. No que particu-
larmente diz respeito ao desenho da investigao e procedimentos gerais so apresenta-
dos no segundo ponto. No ponto trs so abordadas consideraes metodolgicas pr-
vias e no ponto seguinte feita uma aluso metodologia, com destaque para a amostra
e para os instrumentos e procedimentos. Neste ponto feita referncia fundamentao
da escolha do programa de interveno. No ponto cinco feita uma apresentao dos
resultados, com base na anlise qualitativa e quantitativa dos dados, e uma discusso
desses resultados.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
37
A terminar, na concluso h espao para abordar concluses gerais, assim como para a
descrio de implicaes, limitaes e investigaes futuras.
Conclumos com a apresentao das referncias bibliogrficas e dos anexos.
All I really need to know about how to live and what
to do and how to be i learned in kindergarten.
Wisdom was not at the top of the graduate school mountain,
but there in the sandpile at sunday school.
These are the things I learned:
Share everything.
Play fair.
Don't hit people.
Put things back where you found them.
Clean up your own mess.
Don't take things that aren't yours.
Say you're sorry when you hurt somebody.
Wash your hands before you eat.
Flush.
Warm cookies and cold milk are good for you.
Live a balanced life - learn some and think some and draw and
paint and sing and dance and play and work everyday some.
Take a nap every afternoon.
When you go out into the world, watch out for traffic,
hold hands and stick together.
Robert Fulghum (Fulghum, 2004)
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
38
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
39
Parte I - Enquadramento concetual
Parte I Enquadramento concetual
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
40
Captulo I - Contextualizao histrica da infncia e da educao
de infncia
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
41
Captulo I
Contextualizao histrica da infncia e da educao de infncia
_________________________________________________________________________
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
42
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
43
Introduo
A contextualizao da educao de infncia implica, em primeiro lugar, a abordagem
histrica da criana e da infncia justificando-se, este facto, pela sua associao, sendo
que o aparecimento da educao de infncia s se torna significativo a partir do momen-
to em que se considera, tambm, a existncia da infncia e da criana. A confuso exis-
tente em relao aos conceitos de infncia e de criana leva-nos a definir cada um deles,
em torno do que Gomes-Pedro (2004) perspetiva ser criana, um novo e urgente sentir
da criana (Gomes-Pedro, 2005), e tambm luz das perspetivas de Vilarinho (2004) e
do movimento da Escola Nova, por se tratar de explicaes que se completam. Assim
sendo, para Gomes-Pedro (2004, p. 33) a criana a razo de ser do mundo e, mais do
que isso, representa o futuro desse mundo. A concetualizao de Vilarinho (2004) tem
como fio condutor o facto de a infncia no se tratar de uma fase transitria, sendo que
os sujeitos que so transitrios, ou seja, a criana. O movimento da Escola Nova1, que
se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos em finais do sculo XIX e incio do
sculo XX, que contraria e renova o ensino praticado at essa altura, fez a distino en-
tre criana e infncia, como reao s anteriores concees educativas da Escola
Tradicional (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012; Meireles-Coelho, Cotovio &
1 Assente no estudo da psicologia do desenvolvimento na infncia, defende o respeito pela indi-
vidualidade dos alunos e uma participao mais ativa na prpria formao. Pode dizer-se,
semelhana de Meireles-Coelho & Ferreira (2009), que as razes da Escola Nova remontam a
Scrates e a Plato, que defendiam a descoberta e a aprendizagem por parte do aluno, em oposi-o ao conhecimento organizado e ensinado pelo professor, mas sobretudo a Rousseau (1712-
1778) que salientou o facto de a criana no ser um adulto em miniatura, mas antes um ser que
vive num mundo prprio. Estes princpios permitiram a Pestalozzi (1746-1827), Froebel (1782-1852) e Tolstoi (1828-1910) incrementar as bases para o desenvolvimento do movimento da
Escola Nova com princpios pedaggicos assentes nos interesses das crianas, no ensino indivi-
dualizado, na actividade manual, na ligao escola/meio e no autogoverno. Associado a este
movimento encontram-se, tambm, Claparde (1873-1940), Decroly (1871-1932), Freinet (1896-1966), Dewey (1859-1952), Faria de Vasconcelos (1880-1939), entre outros. Este ltimo,
portugus nascido em Castelo Branco, criou em Bierges, na Blgica, uma instituio onde o
ensino se centrava na aprendizagem das crianas, a partir dos seus prprios interesses, numa pedagogia diferenciada e orientada por um ensino individualizado, com recurso a mtodos ati-
vos e metodologia de projeto. A sua perspetiva deu a oportunidade a Ferrire (1879-1960),
fundador do Bureau International des coles Nouvelles (1899), de enunciar os 30 princpios segundo os quais seria possvel reconhecer uma Escola Nova (Cabanas, 2002; Meireles-Coelho,
Cotovio & Ferreira, 2012; Duarte & Meireles-Coelho, 2011; Duarte, 2010; Reizinho, 1981;
Figueira, 2004; Cr, 1990, 1994a, 2006).
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
44
Ferreira, 2012; Martins, 2006). A criana seria, ento, um ser com uma necessidade
natural de adquirir experincia e a infncia seria a poca ou a altura adequada para a
aquisio dessa experincia, que levaria formao do adulto. Estas definies, condi-
centes com a origem etimolgica das palavras:criana e infncia (criana deriva do
latim creantia que significa criao; infncia deriva do latim infantia, que significa
incapacidade para falar)2 (Cole & Packer, 2011), so ainda hoje aceites. Deste modo, e
atendendo a que se trata de conceitos diferentes, mas com uma forte ligao indissoci-
vel, referir-nos-emos a um ou a outro para considerarmos o Ser ou o perodo, porque
a criana existe na infncia e a infncia da criana e foram historicamente construdos
em simultneo (Sarmento, Fernandes & Toms, 2007).
No que particularmente se refere atual situao da criana e da infncia, as transfor-
maes sociais, culturais e econmicas, com impacto a nvel nacional e internacional,
que resultam de um passado com elementos histricos significativos e apesar de sempre
terem existido crianas, a construo da infncia enquanto categoria social muito re-
cente (Ferreira, 2004). Na perspetiva de Sarmento (2004), trata-se de uma ideia moder-
na, pautada por uma lenta construo social, enquanto Manen & Levering (1996) refe-
rem que tanto a perspetiva de Aris como a de DeMause em relao infncia como
categoria social e enquanto conceito com relevncia pedaggica uma inveno da so-
ciedade ocidental, o que significa que [] as abordagens da construo social da in-
fncia procuram mostrar que os modos como se concebem a(s) criana(s) so, por um
lado, produto da histria, de teorias, ideias e debates situados nas esferas acadmicas,
profissionais e polticas, pelo que o conhecimento acerca da infncia e das suas vidas
depende, em grande medida, das predisposies de uma conscincia constituda em re-
lao a contextos sociais, polticos, histricos, morais, cientficos. Por outro lado,
tambm nas instituies e/ou na aco social que a infncia socialmente construda
pelas prprias crianas e adultos, nas experincias quotidianas em que elas se inserem
[] (Ferreira, 2004, p. 19).
A criana e a infncia analisadas luz das perspetivas histrica, social, cultural, poltica
e econmica permitem compreender o facto de estarem contempladas nas agendas pol-
tico-educativas quer a nvel nacional e internacional, os problemas da infncia e da cri-
2 Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (2003). Lisboa: Temas e Debates.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
45
ana, que, por um lado, promovem maior notoriedade infncia (Vilarinho, 2004; Sar-
mento & Pinto, 1997) e, por outro, manifestam que a plena consagrao dos direitos da
criana ainda uma utopia. A proclamao dos Direitos da Criana e de medidas de
proteo para a infncia, to aclamados na sociedade atual, no se coadunam com o
trfico de menores, o trabalho infantil, a pobreza e a excluso social, a pedofilia, etc.
que diariamente so noticiados. Este paradoxo advm, certamente, dos vrios perodos
histricos que repetidamente ignoraram a criana enquanto ator social, uma vez que
reconhecer a criana enquanto ator social implicaria considerar o seu direito palavra e
reconhec-la como produtora de sentido, o que seria contraproducente com a perspetiva
vigente nesses perodos histricos. Vilarinho (2004) e Rocha, Ferreira & Vilarinho
(2002) referem-se a este posicionamento como adultocentrismo, para explicar o facto de
o adulto se encontrar no centro e ser detentor do poder.
Uma perspetiva mais recente, apresentada por Dahlberg, Moss & Pence (2009) concebe
a criana como co construtora do conhecimento, da identidade e da cultura e reconhece
a infncia como uma construo social elaborada para e pelas prprias em interaes
sociais contextualizadas relativamente ao tempo, ao local e cultura. As crianas so,
neste caso especfico, atores sociais que participam na construo e determinam a pr-
pria vida, a daqueles que as cercam e, tambm, das sociedades em que vivem. Assim
sendo, a criana desde o incio da sua vida emerge como co construtora do prprio co-
nhecimento, da cultura e da respetiva identidade. uma co construtora ativa, por um
lado, porque nose trata de um ser que recebe e reproduz de forma passiva e, por outro
lado, porque a aprendizagem no simplesmente uma transmisso de conhecimentos,
que orienta a criana para determinados resultados. Assim, o conhecimento da criana
advm de um processo de construo social e de construo do self, uma vez que de-
sempenha um papel ativo na prpria socializao, que constri ao longo das interaes
que vai estabelecendo. A criana vive no mundo como ele , incorpora-o, influenciada
por ele e influencia-o.
Ainda no que espeficimamente se refere evoluo da perspetiva em torno da conceo
de criana e de infncia, se por um lado se tratam de momentos histricos pautados pelo
desconhecimento e pela desvalorizao, que todos querem ultrapassar, por outro, est
demasiadamente enraizado na mentalidade de outros tantos, que tem impedido o seu
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
46
desaparecimento e, por esse facto, corroboramos com a perspetiva de Vilarinho (2004)
quando se refere utopia da consagrao dos Direitos da Criana.
O Comit dos Direitos das Crianas da Organizao das Naes Unidas (ONU) alertou,
na apresentao das concluses da situao da infncia em Portugal, para o impacto
negativo nas crianas portuguesas das atuais medidas de austeridade e da crise econ-
mica, uma vez que, a atual crise financeira afeta severamente a educao, com um im-
pacto significativo sobre os recursos disponveis para a educao, incluindo a interrup-
o dos programas. O Comit dos Direitos das Crianas da Organizao das Naes
Unidas alertor tambm para as disparidades regionais em termos de cobertura da educa-
o pr-escolar e do elevado nmero de alunos que abandonam a escola com baixas
qualificaes. [] The current financial crisis is severely affecting education in Portu-
gal, with a significant impact on resources available for education, including discontin-
uation of programmes. It is also concerned at regional disparities in terms of pre-school
education coverage and the high number of students dropping-out of school with low
skills (United Nations, 2014, p. 16). Assim sendo, o Comit observou que a recesso e
a crise financeira e econmica esto a afetar as perspetivas de implementao da Con-
veno, especialmente no que diz respeito ao artigo 4 da Conveno sobre os Direitos
da Criana, adotada pela Assembleia Geral nas Naes Unidas em 20 de Novembro de
1989, e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 19903 (Decreto do Presidente da
Repblica n. 49/90), nomeadamente aumentando o risco de as crianas serem expostas
pobreza e afetando o usufruto de muitos dos direitos contidos na Conveno, como: o
direito sade, educao e proteo social. As medidas de austeridade levaram o
Governo portugus a concertar os benefcios sociais para os mais vulnerveis, dimi-
nuindo os benefcios globais.
Debruar-nos-emos sobre a Conveno, em particular sobre o direito educao, que
tem sido frequentemente comprometido, colocando em causa o superior interesse da
criana. Associada infncia e educao, surge, tambm, o profissional de educao,
e no caso particular deste trabalho referimo-nos ao Educador de Infncia, cuja formao
3 Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas legislativas, administrativas e
outras necessrias realizao dos direitos reconhecidos pela presente Conveno. No caso de
direitos econmicos, sociais e culturais, tomam essas medidas no limite mximo dos seus recur-
sos disponveis e, se necessrio, no quadro da cooperao internacional.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
47
tem, semelhana da evoluo do conceito de criana e de infncia, percorrido igual-
mente um longo caminho.
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
48
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
49
1.1. A descoberta da infncia: construindo a criana
Aludiremos, neste ponto, representao e conceo de infncia desde a sua origem at
sua atual condio. A este propsito Tavares et al. (2011), Sarmento (2004) e Dahl-
berg, Moss & Pence (2009) defendem que a construo da infncia e da criana , como
j mencionmos, produto da prtica, o que significa que tudo o que destinado crian-
a concebido pelo adulto e produto do que esse adulto perspetiva que a criana seja.
No fundo, as crianas vivem uma infncia construda para elas, a partir da interpretao
que o adulto faz sobre infncia e sobre o que as crianas so e em que devem tornar-se,
vivendo uma infncia que recriam a partir de uma transformao feita com base na pr-
pria ao. Deste modo, as crianas suportam o peso de cada sociedade, detentora, tam-
bm ela, de uma especificidade cultural, o que parece indicar que h tantas infncias
quanto crianas e, para Sarmento (2004), h vrias infncias dentro da infncia global.
A descoberta da infncia resulta de um moroso e complexo processo de formulao de
vrias representaes sobre esse conceito, que, na perspetiva de Aris se deve ao apare-
cimento de uma instruo sistemtica fora de casa (Finkelstein, 1986), mas para Ferreira
(2011) e Ferreira & Gondra (2006) condicionada pela interpretao da igreja e pelo
conhecimento deixado pela Antiguidade, o que leva a concluir que cada perodo histri-
co revelou a sua prpria conceo de criana e de infncia, influenciada pelos contextos
sociais, culturais, econmicos, ticos, polticos, pedaggicos, mdicos, jurdicos e assis-
tenciais. Nos ltimos tempos tem-se assistido a um reconhecimento progressivo da im-
portncia da infncia, como uma fase no curso da vida que tem implicaes diretas em
fases posteriores (Morrow, 2011) e, tambm, na sociedade em geral, uma vez que a cri-
ana enquanto ser ativo e social desempenhar um papel na sociedade.
No que especificamente se refere perspetiva histrica da descoberta da infncia, Silva
(2009), com base na investigao realizada por Philippe Aris, refere que a sua perspe-
tiva histrica, em relao construo social da infncia na Europa, formulada em
torno da antiga sociedade tradicional e da sociedade industrial, apontando, desta forma,
para duas perspetivas em relao criana e tambm em relao famlia, no seio da
qual surge a criana. A primeira situa-se, ento, na antiga sociedade tradicional, que
apresentava uma grande dificuldade em conceber a criana e, por esse motivo, a infn-
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
50
cia estava restrita apenas ao perodo de maior fragilidade, principalmente enquanto a
criana no fosse autossuficiente. Aps este momento, e logo que apresentasse peque-
nos sinais de evoluo desenvolvimental era de imediato integrada no mundo dos adul-
tos (Ulivieri, 1986). Por esta altura a criana era vista de forma diferente dos adultos
apenas no que se referia ao tamanho e robustez fsica pois as restantes caractersticas
eram semelhantes. Na antiga sociedade tradicional a socializao das crianas no era
assegurada pela famlia, uma vez que, muito precocemente eram afastadas desse ncleo.
Era no convvio com os adultos que aprendiam o necessrio para se desenvencilharem,
isto , a sua socializao dependia quase que exclusivamente de si prpria, embora a
vida das crianas tenha acompanhado, desde sempre, a vida dos adultos (Martins,
2006).
Ainda no que se refere perspetiva da antiga sociedade tradicional, a passagem da cri-
ana pela famlia e pela sociedade era to breve e insignificante que no havia motivos
para que a infncia se gravasse na memria dos que a rodeavam (Aris, 1994; Cardona,
1997). No entanto, ainda assim, Aris (1994) refere-se a um sentimento superficial, ma-
nifestado nos primeiros anos de vida criana brinquedo , em que os adultos brinca-
vam com as crianas como se se tratassem de animais. A indiferena em relao cri-
ana era igualmente notria no momento da morte, sendo que o desaparecimento de
uma criana poderia no provocar grande impacto, porque em breve outra criana ocu-
paria esse lugar. O facto de a famlia no ter como funo socializar a criana, acabava
por no estabelecer qualquer relao afetiva, aspeto que no se revelava como primordi-
al sua existncia. Os relacionamentos afetivos que pudessem ser estabelecidos desen-
cadeavam-se para alm do ncleo familiar, com vizinhos por exemplo.
A segunda perspetiva do autor situa-se no perdo em que a sociedade se industrializou,
com a institucionalizao da infncia (Sarmento, 2004), ou seja, com uma nova conce-
o de criana e de famlia, que foi impulsionada por uma vasta associao de fatores.
Estes referem-se essencialmente reestruturao familiar, criao da escola pblica,
ao aparecimento de novas perspetivas cientficas acerca do desenvolvimento da criana
e administrao simblica da infncia. No que se refere reestruturao familiar a
prestao de cuidados, a proteo e promoo do desenvolvimento da criana passou a
ser da responsabilidade das famlias, que at esta altura era entregue aos cuidados de
amas-de-leite, amas ou criadas. O recurso a estas foi, nos meios urbanos uma prtica
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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bastante comum e transversal a todas as classes (Cunningham, 2005; Glis, 1990; San-
tos, 1987), revestida de um enorme vazio afetivo, pois as crianas eram afastadas do lar
e acabavam por perder a memria de pertencer a uma famlia (Aris, 1992). Este vazio
afetivo no se limita apenas ao afastamento e indiferena em relao ao bem-estar e
desenvolvimento, mas tambm, ao facto de limitar a probabilidade de essas crianas
sobreviverem. As classes mais desprotegidas e sem recursos econmicos, que lhes im-
possibilitava o usufruto dos servios de uma ama interna enviavam os filhos para que
fossem criados com outras famlias. A ama interna era a opo preferida pela nobreza e
grande burguesia. Santos (1987, p. 216) julga que este tenha sido, tambm, a opo ado-
tada no contexto portugus. No entanto, esta modalidade, de inegveis benefcios para
a criana que permanecia no seio da famlia sob vigilncia da me, no seria [], adop-
tada, em alguns meios, a pensar no seu bem-estar, mas apenas como uma forma de pro-
moo social para as famlias. Se por um lado a ama serve de apoio me, que pode
continuar as suas tarefas habituais, quer sejam domsticas, profissionais ou sociais, por
outro protege a vida conjugal, que deixa de ser afetada pela forada abstinncia sexual
no perodo de amamentao, porque se acreditava que as relaes sexuais afetavam a
qualidade do leite, alm do que, uma nova gravidez punha em risco a vida do lactente.
No fundo, a contratao de uma ama permitia que a vida familiar, agora com um beb,
pouco se alterasse. Ainda a propsito da reestruturao familiar, a tendncia da poca
apontava para a reduo do nmero de filhos, para passar a cuidar melhor de cada um.
A famlia converteu-se numa sociedade fechada onde se gosta de estar [] e, a moral
destes tempos, impunha que as famlias apoiassem os filhos em todas as necessidades e
na preparao para a vida, que veio a ser complementada com o aparecimento e organi-
zao de instituies educativas (Aris, 1994, p. 317).
A criao da escola pblica, em meados do sculo XVIII, na Prssia e no Portugal do
Marqus de Pombal, e sua expanso como escola de massas, alargada, progressivamen-
te, a todas as crianas , como vimos, outro fator com grande influncia na instituciona-
lizao da infncia. Paralelamente a esta expanso d-se, tambm, o surgimento de no-
vas descobertas cientficas que imprimiram descobertas fundamentais acerca do desen-
volvimento na infncia e sobretudo ao nvel da perceo da criana como um ser vulne-
rvel e com necessidade de proteo, o que contribuiu significativamente para o desen-
volvimento da rea da pedagogia (Glis, 1990). Sarmento, (2004, p. 13), salienta, tam-
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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bm, que, devido a [] um conjunto de procedimentos configuradores da administra-
o simblica da infncia, isto , uma srie de normas informais, numa fase inicial,
que condicionavam a vida das crianas na sociedade (definio de horas e locais de par-
ticipao na vida coletiva, delimitao do acesso a determinados contedos ou informa-
es, etc.) e que bastante mais tarde, no final da Primeira Guerra Mundial, foram regu-
lamentadas com a constituiode organizaes no-governamentais (ONG) internacio-
nais, que articularam cdigos de direitos humanos e marcaram, portanto, a conquista de
um corpo de direitos para as crianas (Soares, 1997). Assim, em 26 de setembro de
1924 a Liga das Naes adota a Declarao de Genebra sobre os Direitos da Criana,
que articulava como princpios bsicos, o direito da criana aos meios para o desenvol-
vimento material e espiritual; o direito ajuda em situao de fome, doena, incapacita-
o, orfandade ou delinquncia; o direito prioridade no alvio em situaes de risco; o
direito proteo contra a explorao; e o direito a uma formao orientada para a vida
em sociedade (UNICEF, 2009). Contudo, os padres internacionais de direitos da crian-
a, desde a Declarao de Genebra, percorreram um longo caminho at aprovao da
Conveno dos Direitos da Criana, em 20 de Novembro de 1989, ratificada por Portu-
gal em 21 de Setembro de 1990.
Convm reforar que a representao de criana desde a antiguidade grega e romana at
finais da Idade Mdia se relaciona, em grande medida, com indiferena e inutilidade
(Morrow, 2011). Importa esclarecer, tambm, que na Antiguidade e nos perodos se-
guintes no deve falar-se em Educao de Infncia, na medida em que a conceo atual
acerca desta no se coaduna com as ideologias e prticas de perodos histricos anterio-
res. Importa ainda salvaguardar, por um lado, que durante vrios sculos as crianas
estiveram ao cuidado das mes at idade de sete anos e, por outro, e apesar de j se
verificar a institucionalizao da infncia desde o sculo XVIII, s recentemente foram
integradas no quadro de uma educao de infncia oficial, tambm ele recente.
De acordo com Aris (1986, 1994) existiu uma relao entre a institucionalizao da
infncia e a preocupao pedaggica que j era notria nas civilizaes clssicas, embo-
ra no esteja diretamente relacionada com a viso de infncia enquanto categoria espe-
cial. No entanto, Aris reconhece que a histria da educao revela progressos em rela-
o ao sentimento de infncia. difcil acreditar que a um perodo de indiferena pela
infncia se tenha seguido um outro durante o qual, com a ajuda do progresso e da
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
53
civilizao, teria prevalecido o interesse O interesse ou a indiferena para com a
criana no so na verdade caractersticas deste ou daquele perodo da histria. As duas
atitudes coexistem no seio de uma mesma sociedade, vencendo uma a outra em dado
momento por razes culturais e sociais que nem sempre fcil destrinar (Glis, 1990,
p. 326).
Philippe Aris desenvolveu um estudo pioneiro sobre A criana e a vida familiar no
Antigo Regime (King, 2007; Aris, 1994) que impulsionou o desenvolvimento de outros
estudos na rea, igualmente importantes. At concluso desse estudo analisou um vas-
to conjunto de fontes iconogrficas para perceber a evoluo da institucionalizao da
infncia, uma vez que essa no era uma condio essencial e constante ao longo do
tempo, mas algo que mudava com regularidade. Assim, a conceo de infncia adquire
um estatuto diferente a partir de finais do sculo XVII, com maior incidncia nos scu-
los seguintes. O estatuto adquirido pela infncia nasce mais precocemente nas classes
econmicas, sociais e culturais mais favorecidas que na classe dos trabalhadores, fre-
quentemente condenada pobreza, mendicidade e precariedade (Martins, 2006, 2010).
Aris (1994) verificou que, at ao sculo XVII, a criana seria representada enfaixada
(tira de tecido que se enrolava volta do seu corpo) ou vestida. Por outro lado, a apa-
rncia de uma criana nua representava, desde a Idade Mdia, a alma. Em alguns casos
a alma apareceu tambm ela enfaixada e, a partir do sculo XVII, deixa de ser represen-
tada sob a forma de criana, altura em que esta passa a ser representada por si prpria.
1.1.1. A infncia at finais da Idade Mdia
Em 1946 fundado um organismo Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNI-
CEF) , que ser determinante na melhoria das condies de vida das crianas e na de-
fesa dos seus direitos. A preocupao com os direitos da criana surge com mais notori-
edade no Ps 2 Guerra Mundial, como forma de suprimir as carncias e a pobreza en-
raizadas na Europa, sendo proclamada, mais tarde, na Assembleia Geral das Naes
Unidas, em 20 de Novembro de 1959, a Declarao dos Direitos da Criana (Martins,
2006). a partir do sculo XVI que se iniciam as mudanas mais significativas, que
viriam a alterar a posio e estatuto das crianas relativamente aos adultos. Atitudes
associadas sobrevivncia, proteo e educao das crianas, que gradualmente se fo-
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
54
ram fortalecendo durante os sculos XVII e XVIII, comearam a permitir delinear um
espao social especial destinado s crianas, no qual j possvel salvaguardar algumas
das suas necessidades e direitos (Soares, 1997, p. 78).
O processo educativo institudo na Idade Mdia seguiu a tradio de as mes assegura-
rem a educao das crianas de tenra idade, sendo que, nas classes mais desfavorecidas
os rapazes a partir dos sete anos acompanhavam os pais para os trabalhos nos campos
enquanto as meninas ficavam em casa a tratar das lides domsticas. Entre a Nobreza
tanto os rapazes como as meninas cresciam juntos, at aos sete anos, numa dependncia
especfica da casa, mas a partir dessa idade, os jovens iam aprender a arte da guerra ou
prosseguir a sua educao num mosteiro (Carvalho, 2008). Durante a Idade Mdia e nas
civilizaes clssicas, as crianas pertenciam ao universo feminino at atingirem algu-
ma autonomia que lhes permitisse integrar as atividades dos adultos e assim adquirir o
estatuto de adulto, at perfazer sete anos de idade (Glis, 1990; Aris, 1994; Pinto,
1997), que no corresponde atual conceo legal de adulto. Presentemente a aquisio
do estatuto social de adulto sustentada pela obteno de uma posio social que decor-
re do desempenho de vrios papis, nomeadamente ao nvel profissional e familiar, e
que simultaneamente marcam o final da juventude e o incio da idade adulta (Andrade,
2010). Se por um lado as dvidas em relao ao incio da infncia so inexistentes, uma
vez que que coincide exatamente com o nascimento ou, de acordo com investigaes no
mbito da formao pr-natal, poder, j no perodo de formao pr-natal, considerar-
se a existncia humana, por outro lado, o mesmo no poder dizer-se em relao ao pe-
rodo em que se deixa de ser criana (Sarmento & Pinto, 1997). O problema da defini-
o das idades da infncia, j abordado por Aris (1994), de alguma forma esclarecido
pela Conveno dos Direitos da Criana, que considera como criana todo o ser humano
at aos 18 anos.
Ainda no perodo da Idade Mdia as crianas eram vistas como seres meramente biol-
gicos sem autonomia existencial e sem qualquer estatuto social (Sarmento, 2004). Esta
desconsiderao era manifestada no dia-a-dia, e ficou registada de forma muito evidente
nas fontes iconogrficas at ao sculo XII (Aris, 1994), que no representavam a in-
fncia. As crianas representadas no apresentavam qualquer trao ou expresses infan-
tis e apenas a altura as distinguia dos adultos. Em relao ao vesturio, a criana era
representada enfaixada ou logo que a sua condio o permitisse passava a vestir-se co-
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
55
mo os adultos, com uma tnica comprida usada pelos adultos at ao sculo XIV (a dos
homens era diferente da usada pelas mulheres, frequentemente mais curta e aberta
frente). Aris (1994) afirma que neste perodo a infncia era um tempo de transio que
passava de forma muito rpida, perspetiva que se ope conceo de Vilarinho (2004),
mais recente e j abordada, que considera que a infncia no uma fase transitria, mas
que os seus sujeitos o so.
Ter sido a partir do sculo XIII que se deu a emergncia da infncia, percecionada em
vrias fontes iconogrficas, altura em que a criana deixa de ser excluda e em que a sua
representao, na arte, se aproxima da realidade, com traos mais arredondados e graci-
osos e no tanto como miniaturas de adultos (Sarmento, 2004; Aris, 1994). No entanto,
ningum pensava em conservar a imagem de uma criana, quer esta tivesse sobrevivi-
do, tornando-se um adulto, quer tivesse morrido com pouca idade. No primeiro caso, a
infncia era apenas uma passagem sem importncia que no havia razo para fixar na
lembrana; no segundo, o da criana morta no se pensava que essa criaturinha desapa-
recida cedo de mais fosse digna de memria: havia crianas a mais e a sua sobrevivn-
cia era problemtica! (Aris, 1994, p. 65).
1.1.2. A infncia a partir do sculo XV
No que particularmente se refere descoberta da infncia a partir do sculo XV e XVI
notria uma alterao positiva em comparao com o perodo anterior. As fontes icono-
grficas apresentam representaes da criana diferentes. A criana passa a ser repre-
sentada como fazendo parte de uma pequena histria, mas raramente aparece represen-
tada sozinha. no sculo XV que surgem dois novos tipos de representao da infncia,
especificamente: o retrato e o putto (criana nua). Os retratos das crianas entre os scu-
los XV e XVI representam-nas, maioritariamente, enfaixadas ou com traje prprio para
a sua idade, com maior incidncia a partir do sculo XVII, e apenas as crianas de con-
dio elevada deixam de se vestir como os adultos. O putto surge com maior predomi-
nncia em finais do sculo XVI. O aparecimento do retrato da criana morta, tambm
no sculo XVI, demonstra que a perda de uma criana deixa de ser naturalmente aceite,
o que marca, de acordo com Aris (1994, 2010), um momento importante na histria
O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana
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dos sentimentos. A morte deixou de ser o esquecimento de um eu vigoroso e, tambm,
de ser a aceitao de um destino temeroso.
O sculo XVII marcado pela abundncia da representao individual da criana, em
vrias atividades infantis, e esta passa a ser um dos modelos favoritos dos artistas.
neste sculo que os retratos das crianas se tornam habituais, assim como, os retratos de
famlia que tendem a organizar-se em torno da criana, que passa a ser retratada para
dar ao retrato de grupo algum dinamismo. No seguimento desta abundante representa-
o da criana evidente um maior apreo pelas crianas pequenas, relativamente sua
figura, forma de estar e de falar, mas sobretudo a partir do final sculo XVIII (Sculo
das Luzes) que este apreo se torna verdadeiramente claro. Vasconcelos (2005) reitera
que o projeto iluminista que amplia a preocupao com a infncia de forma sistemati-
zada. A criana passa a ocupar um lugar de maior destaque no seio familiar, sobretudo
nas famlias de nveis socioeconmicos mais elevados (King, 2007; Vilarinho, 2004;
Sarmento 2004; Cardona, 1997; Glis, 1990). Este apreo notrio, tambm, ao nvel
do vesturio, uma vez que, nas representaes das crianas dos sculos XVII so vis-
veis duas fitas largas que caam pelas costas e que estavam presas nos ombros. Tratava-
se de ornamentos especiais que identificavam a infncia, e que frequentemente eram
confundidas com as andadeiras (correias que seguravam as crianas quando estas ain-
da no tinham adquirido autonomia na marcha) e que desapareceram no final do sculo
XVIII, altura em que o vesturio infantil sofre alteraes (Aris, 1986). A diferenciao
do vesturio das crianas em relao ao dos adultos denota uma preocupao, ignorada
no per
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