O envelhecimento e seu impactosobre o funcionamento mental
Orestes V. Forlenza
Laboratório de Neurociências - LIM 27Instituto de Psiquiatria - FMUSP
Diagnóstico diferencial emPsiquiatria Geriátrica
• Transtornos Mentais Orgânicos (delirium e demência)
• Depressão maior / depressão menor (depressão com déficits cognitivos)
• Transtorno bipolar / Mania no idoso• Transtornos paranóides tardios / Psicoses crônicas• Uso / abuso de substâncias• Transtornos da personalidade
Demências
• Degenerativas:
• Vasculares:
• Lesionais:• Tóxicas:• Metabólicas:• Infecciosas:• Traumáticas:
Doença de Alzheimer, Lewy, Pick, Parkinson,Creutzfeldt-Jakob, Wilson, Huntington
multi-infarto, doença cerebrovascular, vasculites
tumor cerebral, hematoma subdural, EM, HPN
demência alcoólica, anóxia, metais pesados
hipotireoidismo, deficiências vitamínicas
sífilis, SIDA, cisticercose, encefalites
demência pugilística, TCE
80%
60%
40%
20%
0%-40 -30 -20 -10 0 10 20 30
Meses antes ou após o diagnóstico de DA
Paci
ente
s aco
met
idos
(%)
(Jost, Grossberg, JAGS, 1996)
agitação
irritabilidaderitmo diurno
agressividade
alucinações
delírioscomp. acusatório
paranóiaretraimento social
depressão
id. suicidainadequação
ansiedade
perambulação
alt. humor
Sintomas psíquicos e comportamentais na DA (BPSD)
100 casos DA - confirmação neuropatológica
72% 45% 81%
Disfunção colinérgica e repercussões sobre o comportamento
Déficit colinérgico límbico e neocortical na DA(áreas críticas na regulação do humor e emoções)
Comprometimento de projeções colinérgicas ascendentes NBM HC / NCX
Repercussão sobre aregulação do humore do comportamento
A dicotomia Orgânico x Funcionalé válida em idosos?
Alterações psíquicas e comportamentais:• indicam maior suscetibilidade para deterioração cognitiva• podem ser prodrômicas em algumas síndromes
demenciais (meses / anos / décadas)• são parte do quadro clínico de muitas demências
Doença cerebral orgânica:• favorece o desencadeamento / ressurgimento de
perturbações psíquicas latentes
Comorbidades psiquiátricas:• prevalências elevadas de transtornos psiquiátricos
“funcionais” e “orgânicos” entre idosos.
Transtornos mentais em idosos
Qual dos 4 pacientes tem demência?
Quem é o parafrênico?
O que têm os demais?
Caso 1:
Sra. C., 67 anos, divorciada, nível superior completo
independente, porém solitária (suporte familiar precário)
sem anormalidades físicas ou queixas cognitivas
alteração do comportamento alimentar há 1 ano: geofagia
(comportamento ritualizado, estereotipado)
justificativa elaborada da sua conduta
Caso 2:
Sra. E., 71 anos, casada, 8 anos de escolaridade
AP - depressão; AF - transtorno bipolar
agitação psicomotora, distúrbio do sono (evitava dormir)
desconfiança; atitude bizarra (jogou suas roupas no lixo)
alegava não serem suas; foram trocadas por alguém que invadiu sua casa enquanto dormia
posteriormente: pessoas da casa = impostores
Caso 3:
Sr. H., 83 anos, solteiro, solitário, curso primário completo
trazido pelo vizinho: atitude peculiar, descuido pessoal, residência suja, desorganizada, mal-cheirosa
dócil; cognitivamente preservado; humor não polarizado
incômodo abdominal: serpente que se alojou em seu ventre há 53 anos
admitia certa preocupação e responsabilidade pelamorte de 5.000.000 de judeus
Caso 4:
Sra. M., 81 anos, viúva, analfabeta, filha teve episódio de doença mental grave, porém obteve remissão total
até há 2 meses vivia sozinha (3 gatos), ativa no bairro
queda do estado geral, emagrecimento, passagens por PS devido a queixas somáticas vagas; desidratação / BCP
recusa alimentar: seu corpo está apodrecendo, vermesestão devorando suas vísceras, etc.
sem condições de submeter-se a avaliação cognitiva
Memória e envelhecimento
Comprometimento cognitivo leve (MCI)
(1) queixas de memória corroboradas por informante(2) comprometimento demonstrável da memória ou outra função (3) desempenho normal nas atividades da vida diária(4) funcionamento cognitivo global preservado(5) ausência de demência (Petersen et al., 1999; 2001)
3% da população 60 anos; 15% pop. 75 anos
Taxa de conversão para doença: 10 a 40% ao ano (subtipo amnéstico: conversão para DA)
Doença de Alzheimer
• Déficit funcional:
• Amnésia anterógrada:
• Aprendizado:
• “Desinteresse”:
• Reação catastrófica:
desempenho hoje x antes(atividades de alta demanda intelectual)
fatos recentes são esquecidos(tendência a falar do passado; repetição)
incapacidade de aprender novas tarefas(uso de utensílios domésticos; senhas)
decorrente do déficit instrumental (leitura, hobbies, atividades sociais)
ansiedade e depressão(percepção dos déficits)
Doença de Alzheimer
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
<60 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 85-89 90-95
38,6 %
20,8 %
10,5 %
5,6 %
2,8 %
1,4 %
0,7 %
0,3 %
Jorm et al. (1987); Rocca et al. (1990); Herrera et al. (1998)*idade (anos)
Prev
alên
cia
(%)
Aumento exponencial da prevalência a partir dos 60 anos de idade
Alterações do comportamento na DA (1)
Personalidade: perda de interesse e apatia comportamento inadequado
Humor e afeto: humor deprimido (sx depressivos)depressão maiorhipomania / mania
Vegetativas: alterações do sono / inversão de ciclo alterações do apetite / hábito alimentar alterações da libido / conduta sexual
Sintomas psicóticos: delírios:
- mais simples e concretos que nas psicoses roubo e perseguição infidelidade “a casa não é minha” abandono duplicação (Capgras) infestação
alucinações: - visuais e auditivas são mais freqüentes- podem ocorrer logo ao despertar e durante um período particular do dia- pouco detalhadas (“vultos” / “alguém na casa”)
Alterações do comportamento na DA (2)
Inquietação / agitação psicomotora: - reação catastrófica- abordagem inadequada- estimulação excessiva- fenômeno do pôr-do-sol
Atividade psicomotora anormal:- perambulação- comportamento repetitivo (verbal ou motor)- comportamento estereotipado
Agressividade:- verbal / física
Alterações do comportamento na DA (3)
Transtornos depressivos
Depressão em idosos
• As manifestações centrais são as mesmas da depressãoem adultos mais jovens
• Taxas de prevalência não são grosseiramente discrepantes,mas dependem do contexto onde o indivíduo está inserido
• Apresentações graves, melancólicas e psicóticas são comuns
• Disfunção cerebral associada a processos degenerativos e doenças cárdio-respiratórias participam da etiologia
• Fatores psicossociais (eventos de perda) acumulam-se
Depressão e doença física
PIORAclínica + psicológica
DEPRESSÃOmau prognóstico da
doença de base
DOENÇA FÍSICAsaúde cronicamente debilitadaincapacitações & deficiências
Fatores neurobiológicospredisponentes
Predisposição genética
Alterações relacionadasà idade
Deterioração da saúde
idade de início
anormalidades estruturaispatologia vascular disfunções neuroendócrinas alterações de neurotransmissores
condições clínicas ou neurológicas crônicaspolifarmácia (efeitos colaterais e toxicidade)incapacitação, dor, redução da mobilidadeperdas sensoriais e cognitivas
GenéticosEstruturaisNeuroendócrinosNeuroquímicos
PersonalidadeSuporte social
LutoSeparaçãoMoradiaProbl. sociais / financeirosDoença física
ADULTO
++++
+++
++
+++++
IDOSO
++++++++
+++
++++++++++
+++
Bio
lógi
cos
Psic
osso
ciai
s
Fatores de risco
Transtornos paranóides
Transtorno psicótico crônico, caracterizado pela presença de idéias delirantes complexas, geralmente de grandeza, persecutórias ou fantásticas, que podem evoluir com deterioração intelectual, estando ou não presentes as alterações sensoperceptivas (Kraepelin, 1913).
Parafrenia Tardia
grandezapersecutóriofantásticomísticoposseinfluênciaciúmes
preconceitoinfestaçãohipocondríaconegação (Cotard)auto-acusação (culpa)transformação cósmicareivindicativo (querelante) (Mira y López, 1956)
Tipos de delíriosparafrênicos:
Parafrenia Tardia
Kay; Roth, 1961, Kay et al, 1964, Herbert; Jacobson, 1967, Post, 1966, Kay et al, 1964, Kay, 1972, Naguib; Levy, 1987, Levy, 1980, Christenson;Blazer, 1984 Holden, 1987, Almeida et al., 1995
incidência anual: 17-26:100.000 prevalência: 1-4% predomínio de mulheres (7:1) 3,4% esquizofrenia em parentes de primeiro grau déficits sensoriais (40% auditivos / 55% visuais)
evolução crônica e uniforme delírios sistematizados, fixos (esquizofrênicos); exagero de traços de personalidade 80% alucinações auditivas ou visuais relativa preservação intelectual e da personalidade 21% alterações cerebrais ( VL; lesões SB) 12% evolução para demência (3 anos)
Epidemiologia:
Quadro clínico:
Transtornos Delirantes PersistentesDSM-IV CID-10
A. Delírio(s) não bizarro(s) (situaçõesque poderiam ocorrer na vida real),presentes por pelo menos 1 mês.
B. Nunca preencheu critério A paraesquizofrenia.
C. Excetuando o(s) delírio(s), ofuncionamento não estácomprometido e o comportamentonão é obviamente bizarro.
D. Se episódio depressivo maior oumania estavam presentes, o tempototal de duração dos episódiosafetivos são breves.
E. Não decorrente do uso de drogasou doença física.
Tipos:Erotomaníaco, grandioso, de ciúmes,persecutório, somático, misto, enão especificado.
A. Um mais delírios relacionados, nãolistados em F20 (a,b,d), presentespor pelo menos 3 meses.
B. Não há evidência de sintomaslistados em F20 (e-h). Alucinaçõesauditivas transitórias ou ocasionais,desde que não estejam na terceirapessoa, ou na forma de comentário.
C. Se sintomas afetivos estãopresentes, o delírio deve persistirem sua ausência.
D. Não deve haver nenhuma evidênciade doença cerebral primária ousecundária.
Inclui:Paranóia, psicose paranóideestado paranóide, parafernia tardiadelírio sensitivo
Delírios sistematizados e respectivasetiologias orgânicas
DELÍRIO CONDIÇÃO CLÍNICA RELACIONADA
Delírio de controle do pensamentoSíndrome de Capgras(delírio de substituição)
Síndrome de Frégoli (intermetamorfose)
Síndrome de Otelo (delírio de ciúmes)Síndrome de Clérambaut(erotomania)
Delírios de infestaçãoLicantropiaHeautoscopia
hipotireoidismo, encefalopatia hepáticademências (DA), hiperparatireoidismo,hipotireoidismo, encefalopatia hepática, deficiência B12, desnutrição, diabetes
epilepsia (temporal)Alzheimer, Parkinson, Huntington,esclerose múltipla, neoplasias cerebrais,intoxicação por drogasdemências (DA), def. B12/ Fe2+
Alzheimer, intoxicação por drogasepilepsia, enxaqueca
Diagnóstico diferencial das manifestações psicóticas em idosos
desconfiança situacional (não-delirante) reação paranóide transitória transtornos do humor (depressão psicótica) psicose esquizoafetiva esquizofrenia (“graduados”) parafrenia tardia
delirium demência alucinose orgânica síndrome delirante orgânica
Diagnóstico diferencial dos transtornospsicóticos em idosos
EsquizofreniaParafrenia
Depressãopsicótica
Psicose em demência
Delirium
quadro clínicoantecedentes
idade de iníciodeterioração
início agudodéficit atencionalflutuação
história de demênciapouco sistematizadodistúrbio cognitivo
Caso 1: Sra. C.
sintomas ansiosos proeminentes, com manifestações autonômicas (palpitações, sudorese)
queixas de tristeza e angústia (depressão menor, sem sinais de endogenicidade)
solidão, filho distante e omisso (problemas com a nora)
ingestão de pedaços de tijolo = alívio da ansiedade
investigação de organicidade negativa; MMS = 30
tratada com sertralina + TCC
Caso 2: Sra. E.
40 anos de história psiquiátrica (episódios depressivos)
2 irmãos portadores de transtorno bipolar
7 anos de história compatível com síndrome demencial
MMS = 12; TC = alterações involutivas senis
parkinsonismo, insuficiência renal crônica, anemia
agitação psicomotora (maniforme) há 6 meses (ITU)
tratamento: risperidona / tioridazina + carbamazepina
Caso 3: Sr. H.
internado no IPq por 2 meses (dócil, cooperativo)
investigação de organicidade negativa
MMS = 26
tratamento com antipsicóticos (3 classes diferentes)
resposta pobre sobre atividade delirante
melhora da adequação ao meio e do comportamento social
Caso 4: Sra. M.
quadro psiquiátrico de início recente, sem antecedentes pessoais de doença mental
filha teve depressão psicótica com delírio de Capgras
há 3 meses filha adotiva tentou colocá-la em asilo
complicações clínicas sobrepõem-se ao quadro psiquiátrico
tratada com ECT (remissão total); manutenção com nortriptilina 100mg/dia
“ Não adianta doutor, pois eu já estou morta. Um bicho que entrou por baixo e foi comendo tudo por dentro. Já chegou até a boca (solta uma gosma), está chegando na cabeça. Chame a polícia, não posso ficar junto com as pessoas, porque essa doença pega. Está tudo podre embaixo, nas partes íntimas. É um câncer, é um câncer, é um câncer. Tenho que ser levada para um isolamento. O coração está parado; já estou invisível. Não adianta receitar nada porque não consigo engolir. Não posso comer mais nada. As fezes estão todas aqui dentro, como posso viver? Quero morrer, não tenho outro remédio senão morrer. ”
Caso 4: Sra. M.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL (1)
Parafrenia Depressão Doença de Alzheimer
Distribuição / sexo
Fatores de risco
Fenomenologia
1 : 3 a 2 : 45
déficit sensorialalts. estruturaisisolamento socialestado civilpersonalidade
delírios/alucinaçõeshumor, psicomotricidade,cognição. ritmos biológicospreservados
1 : 1-2envelhecimentohistória familiardoença física drogaseventos vitaisestado civilsuporte social
humor depressivopsicomotricidadecogniçãoinsônia, anorexiadelírios/alucinações
1 : 1idade história familiar apoE -4antec. depressãohipotireoidismotraumatismo cranianonível de instruçãodoença cerebrovascular
demênciadelírios/alucinaçõesdepressão,agitação/inibição,dist. sono/alimentar
Parafrenia Depressão Doença de Alzheimer
Curso
Tratamento
Resposta
Exames deneurimagem
sintomas positivosestáveis/inalterados
antipsicóticosprótese auditivacorreção visualsuporte social
pobre
inespecíficossubstância branca,aumento ventricularinfarto posterior D
episódios agudoscronificaçãomortalidade suicídio
antidepressivosECTantipsicóticos
remissão possível
inespecíficossubstância branca,aumento ventricularinfarto anterior E
deteriorantealt. comportamentomorte (6-12 anos)
anticolinesterásicosantipsicóticosantidepressivosmedidas de suporte
paliativo + suporte
pouco específicosalts. substância branca,alargamento ventricular fluxo T-P-O
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL (2)
Diagnóstico diferencial dos transtornospsicóticos em idosos
Sra. C. – “tijolinhos”
Sra. E – “roupas e impostores”
Sr. H. – “cobra e genocídio”
Sra. M. – “vermes”
Caso 1:Sra. C.: transtorno alimentar (não delirante)
pica de origem não-orgânica em adulto (F50.8)Caso 2:
Sra. E.: demência na doença de Alzheimer (F00.1) com manifestações psicóticas (BPSD)
Caso 3:Sr. H.: transtorno delirante persistente (F22.0)
(parafrenia tardia)Caso 4:
Sra. M.: episódio depressivo grave com sintomas psicóticos (F32.3) (depressão psicótica)
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