4º Seminário de Relações Internacionais da ABRI
27 e 28 de setembro de 2018
UNILA – Foz do Iguaçu/PR
Área Temática: Economia Política Internacional
O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA CHINA NO
BRASIL NOS ANOS 2000
Emerson Maciel Junqueira
Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas UNESP – UNICAMP – PUC-SP
Resumo
O Brasil é um dos principais destinos de investimentos externos diretos (IED) na América
Latina, tanto pelos Estados Unidos, quanto pela República Popular da China (RPC). O
Investimento Estrangeiro Direto (IED), em um sentido amplo, pode ser definido como a
movimentação de capitais visando à criação ou aquisição de operações produtivas no
exterior, possuindo entre os elementos chaves para o seu estabelecimento o tamanho do
mercado interno, o PIB per capita e o nível de produtividade. Entre seus benefícios, segundo
o Banco Mundial, estão a geração de emprego, transferência de tecnologia e saldo positivo
na balança de pagamentos. No entanto há críticas quanto a este tipo de investimento como
as altas remeças de lucros para suas matrizes e ausência de efeito spillover para o restante
da economia, resultando em setores desconectados da economia nacional. Segundo a
Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) os IEDs
americanos no Brasil, no período de 2001 a 2012, atingiram o valor de 48 bilhões de
dólares, enquanto os chineses (RPC e Hong Kong) alcançaram 4,85 bilhões de dólares no
mesmo período. Para além da diferença monetária, as estratégias e fatores de atração de
investimento variam em alguns pontos, as empresas chinesas possuem grande presença
estatal, ao contrário das americanas, as áreas de investimento da China concentram se no
setor primário, já os americanos no setor de manufaturas. O presente trabalho tem como
objetivo analisar as similaridades e diferenças entre os investimentos externos diretos dos
Estados Unidos e da China no Brasil nos anos 2000
Palavras-Chave: IED; Estados Unidos; China.
1. Introdução
O Investimento Estrangeiro Direto (IED) é uma forma de as empresas realizarem
investimentos em mercados estrangeiros de acordo com sua estratégia de
internacionalização. No caso do Brasil, com o processo de reformas pró-mercado nos anos
90 e o crescimento econômico dos anos 2000 o país tornou-se um dos principais destinos
de IED da América Latina. Nos últimos anos a imprensa e a comunidade acadêmica vêm
analisando os IEDs realizados pela China no país e no mundo. Porém em termos de
valores, segundos dados oficiais do Ministério do Comércio Chinês e o Serviço de Análise
Econômica do governo americano, o IED chinês é inferior ao IED dos EUA no Brasil. Assim
este trabalho visa demonstrar as principais características do IED americano e chinês no
Brasil. O artigo se estrutura em uma primeira sessão pela revisão sobre as principais
literaturas de IED, seguido pela seção do investimento americano e chinês no Brasil.
2. Teorias sobre IED
O IED é definido pelo Banco Mundial como sendo um tipo de investimento que
demonstra interesse a longo-prazo realizado por uma empresa estrangeira no país de
destino. Existem três formas de realizar este investimento: 1) estabelecimento de uma filial
em um país estrangeiro (greenfield); 2) capital acionário, quando o investidor compra ações
de uma terceira empresa em outro país, ao possuir pelo menos 10% do total de ações
considera-se uma forma de IED; 3) Empréstimos intrafirmas ou transações de débito
intrafirmas, de curto ou longo termo, entre a matriz e a filial.
Visando explicar e determinar os fatores que atraem o investimento estrangeiro
direto, na década de 1960, começou a surgir teorias para explicar este fenômeno. Os
primeiros estudos sobre IED utilizavam teorias de comércio para explicar o fluxo de capital,
no qual o capital se movia para países com alto retorno, isto é, países escassos em capital.
No entanto, começaram a surgir críticas a este modelo, o principal argumento era que o IED
necessitava de imperfeições de mercado, caracterizado como “vantagens de propriedade”,
para entrar em um novo mercado, como produtos diferenciados, novas tecnologias ou
patentes, a existência de economias internas ou externas de escala ou interferência do
governo para equilibrar as desvantagens de entrar em um mercado estrangeiro para
competir com as empresas locais (FAETH, 2009).
Entre os principais estudos sobre IED destaca-se o Paradigma Eclético de Dunning,
que sistematizou as principais ideias econômicas. Segundo esta teoria o investimento
estrangeiro direto é influenciado por três elementos: vantagens de propriedade; vantagens
de localização e vantagens de internalização.
Vantagem de propriedade faz alusão à existência de alguma forma única e
sustentável de vantagem (ou vantagens) em referência aos competidores internacionais que
permite a empresa investidora entrar em um mercado estrangeiro. Dentre os principais tipos
de vantagens de propriedade destaca-se a posse e a exploração do monopólio do poder, ou
seja, cria alguma forma de barreira para o produto final entrar no mercado, assim as
empresas que não possuem esta vantagem não conseguem desenvolver a mercadoria.
Uma segunda forma diz respeito à existência de recursos e capacidades escassas e únicas,
que refletem a capacidade tecnológica superior de uma empresa frente às demais, criando
barreiras a produção de bens intermediários (DUNNING, 2000).
Vantagem de localização diz respeito à existência de elementos no país de destino
dos investimentos que beneficiam a empresa multinacional. Assim dependendo do setor que
a multinacional atua os elementos que interferem no IED variam. Entre os fatores que
atraem investimentos estão o tamanho e taxa de crescimento do mercado consumidor,
disponibilidade de recursos naturais, barreiras alfandegárias e não-alfandegárias ao
comércio, ativos imóveis (trabalho, terra e infraestrutura), taxa de câmbio, baixo risco político
e baixos impostos (DUNNING, 2000).
A vantagem de internalização faz referência a decisão da empresa de estabelecer
uma filial no país de destino ou licenciar sua produção para uma firma nacional. De maneira
geral, as multinacionais preferem estabelecer filiais, pois mantem suas vantagens de
propriedade, sem o risco de outra empresa aprende-la, minimizando o risco de imitar
tecnologias e processos de produção, manter a reputação da empresa, reduzir o custo de
transação e coordenação, favorecer economia de escala, aumentar a sinergia e favorecer o
desenvolvimento de novas tecnologias (DUNNING, 2000).
Uma segunda linha de pesquisa enfatiza os elementos institucionais que favorecem
e estimulam o IED. De acordo com BÖCKEM e TUSCHKE (2010), a principal ideia das
teorias institucionais sobre IED afirma que o investimento além de possuir características
econômicas, também é afetado pela relação entre as empresas, na qual firmas imitam as
estratégias de outras companhias para minimizar riscos e ganhar prestígio. O prestígio não
é considerado na perspectiva econômica, porém exerce papel relevante na visão
institucional. Isto porque firmas bem conceituadas geralmente são utilizadas como exemplos
a serem seguidos pelas demais companhias. As empresas bem sucedidas possuem capital
humano e estrutura organizacional superiores, fazendo com que as demais firmas acreditem
que as primeiras possuem mais informações e estratégias superiores “(...) under the
institutional perspective, the prestige of successor firms in the decision sequence may play
an important role, because it may foster imitation (...)” (BÖCKEM e TUSCHKE, 2010, p.
270). Assim a probabilidade de uma empresa realizar IED em um país aumenta quando
multinacionais prestigiadas do mesmo setor investem neste país.
Entre as teorias institucionais de IED, GRAHAM (1996) argumenta que em geral elas
partem do princípio de um mercado oligopolístico equilibrado entre empresas rivais. Quando
uma empresa realiza um investimento no exterior, ela aumenta suas receitas, que podem
ser utilizadas para modificar a estrutura do mercado nacional. Assim, as demais também
realizam investimentos em países estrangeiros para não perder competitividade, tal modelo
é caracterizado como “siga o líder”. Um segundo modelo, “troca de ameaças”, diz respeito a
dois mercados monopolísticos, no qual uma empresa realiza IED no outro mercado, gerando
uma resposta da segunda empresa, que investe no mercado estrangeiro. Uma terceira diz
respeito a um cenário em que se realiza IED, na forma de aquisições, para formar
monopólios e oligopólios, e assim aumentar os lucros. BÖCKEM e TUSCHKE (2010)
argumentam que ambas as análises, econômica e institucional, são necessárias para
compreender o fenômeno do IED.
3. O IED norte-americano
O IED americano mudou após o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1950 o IED
americano estava distribuído de maneira semelhante entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento, a América Latina era destino de quase 40% do volume dos investimentos,
enquanto Canadá e Europa possuíam 30% e 15% respectivamente. Em 1966 a participação
da América Latina caiu para 19%, enquanto a Europa dobrou sua participação para 32% e o
Canadá manteve em 30%, tendência que manteve-se em 1986 com maior concentração na
Europa (47,4%) e queda na participação latino-americana (13,5%). A mudança no padrão do
IED americano durante a segunda metade do século XX decorreu das modificações na
economia norte-americana. Essencialmente antes da Segunda Guerra Mundial, os
investimentos americanos eram concentrados em recursos naturais, principalmente petróleo
e minérios. Assim os investimentos na América Latina e em outros países em
desenvolvimento visavam garantir recursos primários para a crescente expansão da
indústria manufatureira americana. Nas décadas de 1950 e 1960 o IED americano
concentrou-se no setor manufatureiro para incrementar ou estabelecer a presença de
empresas americanas em mercados consumidores em expansão dos países desenvolvidos,
principalmente na Europa Ocidental (CULPEPER, 1995).
Apesar da América Latina não ser o principal destino do IED americano, as
empresas americanas estão entre as principais investidoras da região. Desde 1982 os
governos latino-americanos modificaram suas legislações em relação ao investimento
estrangeiro direto, eliminando muitas de suas restrições, diminuindo ou extinguindo barreiras
alfandegárias, privatizando empresas estatais e simultaneamente cortando o nível dos
investimentos públicos. Um dos reflexos das mudanças nos governos latino-americanos em
direção a reformas pró-mercado foi a maior dependência em relação IED para promover
crescimento econômico (TUMAN, EMMERT, 2004).
Entre os fatores que atraem o IED americano na América Latina TUMAN e EMMERT
(2004) destacam o tamanho do mercado consumidor, demonstrando que as empresas
americanas tendem a favorecer países latino-americanos que apresentam aumento no
poder de compra do consumidor. Em relação ao impacto da inflação os autores afirmam que
estatisticamente não é um fator significante para determinar o IED na região, sugerindo que
as firmas americanas consideram mais a perspectiva de crescimento econômico do que o
impacto da volatilidade econômica. Outro elemento associado de maneira positiva com o
IED é o nível de abertura econômica, visto que as empresas americanas investem em
outros países para ter acesso ao mercado interno, realizar comércio intra-regional e exportar
para os EUA. Com efeito, uma vez que uma subsidiária é estabelecida ocorre o aumento do
comércio com os EUA, pois ela importa componentes da matriz e são montadas no país
latino-americano, e em alguns casos o produto final é exportado para o mercado americano,
como ocorre no México.
TUMAN e EMMERT (2004) também analisaram o impacto de fatores políticos no
fluxo de IED americano na América Latina. Em países onde movimentos revolucionários
causaram maior número de vítimas e houve protestos contra o governo, o IED americano
diminuiu. No entanto, em países onde ocorrem golpes de Estado perpetrados por militares
e violação aos direitos humanos os investimentos americanos aumentaram. Estes dados
demonstram a preocupação das empresas americanas com suas propriedades, ao retirar
investimentos de países com movimentos contrários ao governo e ao capital internacional.
Ademais mesmo em países em que os militares não permaneceram no poder por um longo
período de tempo, havia a sinalização de que as forças armadas atuariam contra políticos
com projetos de nacionalização e de esquerda. Assim, segundo os autores, os IEDs
americanos se concentram em países que passaram por governos autoritários “After
controlling for the effects of the other economic and political variables, countries with worse
rights records—including Argentina, Brazil, Chile, and Mexico—received more U.S. FDI
during the study period [1976-1998] than other countries.” (TUMAN, EMMERT; 2004, p. 21).
Para GARCIA-FUENTES et al. (2013) o IED americano é afetado negativamente
pela inflação e volatilidade da taxa de câmbio, contrariando a conclusão de Tuman, Emmert
(2004). Porém encontraram posição semelhante no que diz respeito à relação positiva entre
comércio e IED, demonstrando uma complementaridade entre os dois fatores, e também no
que diz respeito aos direitos políticos, que possuí um efeito negativo no IED americano na
América Latina.
Elementos semelhantes foram considerados por STALLINGS et al. (2008), no qual
estabilidade macroeconômica, crescimento econômico, capital humano e abertura
econômica são considerados positivos. Os autores também destacam que não existe
consenso sobre se o IED é benéfico ou não para o desenvolvimento econômico, pois a
experiência de cada país com o IED depende das características de cada um, como
políticas governamentais e nível de sofisticação do setor privado. No caso dos países latino-
americanos o IED americano influenciou o aumento de produtividade no México, ainda que
isto não tenha resultado no aumento dos salários e spillovers tecnológico. No caso
brasileiro, até o início dos anos 90 economia nacional era considerada fechada, e os autores
constataram que em economias fechadas o IED tende a ser menos benéfico ao país que
recebe o investimento, comparado a economias abertas com maior nível de competição.
O IED americano no Brasil subiu de 36.717 milhões de dólares em 2000 para de
64.438 milhões de dólares em 2016, o que representa 1,2% do IED americano no mundo e
7,6% do IED americano na América Latina, como indica a tabela 1. O fluxo do IED no
período cresceu no período, com exceção de 2002, 2008 e entre 2013 e 2015, ano que o
IED caiu comparado ao anterior. A maior parte dos investimentos destinados a América
Latina são concentrados no México, e o Brasil é em média destino de quase a metade dos
IEDs destinados a América do Sul.
Tabela 1
IED americano no mundo (em U$ milhões)
Ano Mundo América Latina América do Sul Brasil
2000 1.316.247 266.576 84.220 36.717
2001 1.460.352 279.611 76.809 32.027
2002 1.616.548 289.413 64.603 27.598
2003 1.769.613 297.222 66.256 29.553
2004 2.160.844 351.709 68.685 29.485
2005 2.241.656 379.582 73.311 30.882
2006 2.477.268 418.429 80.477 33.504
2007 2.993.980 556.160 104.732 48.807
2008 3.232.493 588.992 98.603 43.953
2009 3.565.020 718.478 119.765 55.380
2010 3.741.910 752.788 136.598 66.963
2011 4.050.026 788.987 149.562 74.840
2012 4.410.015 828.721 147.490 76.821
2013 4.579.713 788.772 140.871 69.760
2014 4.910.065 875.390 136.379 66.782
2015 5.048.773 873.398 124.523 57.579
2016 5.332.225 843.357 131.629 64.438
Fonte: Bureau of Economics Analysis – US department of commerce.
Ao analisar a distribuição por setores, predominam as manufaturas, principalmente
as indústrias químicas, máquinas e equipamentos de transporte, e serviços, que vem
aumentando sua participação nos investimentos americanos no Brasil como indica a tabela
2. Segundo a APEX-Brasil dentre os serviços, o setor de infraestrutura em tecnologia da
informação e comunicação, como serviços e sistemas de comunicação e centros de dados,
e serviços comerciais, que inclui administrativo, educacional, residencial e software, são os
principais investimentos.
Tabela 2
IED americano no Brasil por setores, em U$ milhões (valores aproximados)
Ano Recursos Naturais Manufaturas Serviços1
2000 680 17.688 18.349
2001 1.052 13.365 17.61
2002 903 9.652 17.043
2003 1.201 9.721 18.631
2004 1.747 12.377 15,264
2005 2.432 14.349 14.101
2006 3.011 15.339 15.154
2007 3.002 20.212 25.593
2008 1.992 19.951 22.012
2009 4.204 25.981 25.195
2010 5.622 29.117 32.184
2011 (D)2 29.259 33.61
2012 5.564 26.677 44.58
2013 5.275 25.619 38.866
2014 6.758 22.753 37.271
2015 7.351 17.388 32.840
2016 7.608 18.578 38.252
Fonte: Bureau of Economics Analysis – US department of commerce.
Entre 2003 e 2015 houve 999 projetos americanos no Brasil, com um volume de
capitais investidos próximo aos US$ 70 bilhões. A maioria do IED, cerca de 80%,
concentrou-se em investimentos do tipo greenfield, que contribui para a capacidade
produtiva do país. Dentre as empresas a International Business Machines (IBM) possui o
maior número de empreendimentos no Brasil, contando com 23 projetos, seguido pela
General Motors (GM) e General Eletric (GE), com 21 e 20 projetos, respectivamente (LIMA,
OLIVEIRA, 2015).
O Brasil é o segundo país da América Latina que mais recebe IED americano, sendo
a primeira posição do México, destino de mais da metade dos investimentos americanos na
região. Em ambos os países o IED americano é destinado a manufatura, finanças e
mineração, porém o volume de investimentos no México é quatro vezes superior ao
investimento no Brasil, demonstrando a maior integração produtiva entre México e EUA.
Dentre os motivos para tal diferença está o fato do México e EUA pertencerem a uma área
1 Incluem vendas em atacado, informações, instituições depositárias, finanças e seguro, serviços profissionais, científicos e técnicos. 2 O Bureau of Economics Analysis não divulga os dados de alguns segmentos em determinados anos. A justificativa é evitar a divulgação de dados de empresas individuais.
de livre comércio, estimulando a movimentação de fatores de produção, e a natureza destes
investimentos. Enquanto no México as empresas americanas se instalam para diminuir os
custos da produção e exportar para o mercado consumidor norte-americano, no Brasil as
firmas americanas estabelecem filiais para obter acesso ao mercado consumidor brasileiro e
dos demais membros do Mercosul (HORNBECK, 2014).
Em menor escala também ocorrem investimento estrangeiro direto brasileiro nos
EUA. Entre 2003 e 2015 ocorreram 130 projetos, com um volume de capital investido
próximo US$ 4,5 bilhões. As empresas com o maior número de projetos nos Estados Unidos
foram a Gerdau, do setor siderúrgico, a JBS, de alimentos e a Embraer, de aviação, com
11,11 e 9 projetos, respectivamente. Os investimentos de empresas brasileiras nos EUA
corroboram as análises do crescente papel das economias em desenvolvimento na
economia mundial, como ocorre com a China (LIMA, OLIVEIRA, 2015).
4. O IED chinês
O processo de abertura e reintegração a economia mundial da China começou no
final dos anos 70, acelerado com a sua adesão a Organização Mundial do Comércio em
2001. Segundo o Banco Mundial o PIB chinês atingiu 11.191 trilhões de dólares em 2016, o
aumento do PIB foi acompanhado pelo crescimento da participação chinesa no comércio
internacional e a partir dos anos 2000 houve também o aumento do volume de IED chinês
no mundo. De acordo com a CEPAL (2017) o IED chinês atingiu o recorde 183.1 bilhões em
2016, um aumento de 43% em relação ao ano anterior, e pela primeira vez os investimentos
chineses no mundo superaram os investimentos de outros países em sua economia,
colocando o país como o segundo maior fornecedor de IED no mundo (12%), posicionando-
o atrás apenas dos EUA, com 20%.
O IED chinês é em grande medida composto por empresas estatais, tendo em vista
que até 2003 era proibido para empresas privadas chinesas investirem no exterior.
BUCKLEY et al. (2007) destaca que uma das vantagens de propriedade das empresas
chinesas são justamente as imperfeições de mercado, como a disponibilidade de capitais
para empresas chinesas, em especial as estatais, com taxas de juros abaixo do mercado
por longos períodos de tempo. Ademais, enquanto as multinacionais, principalmente as
ocidentais, tendem substituir o IED por exportação ou uso de licença em país com elevado
risco político, visto que a incerteza política desencoraja realizar investimento de longo prazo,
no caso das empresas chinesas ocorre o oposto. Os autores encontraram uma relação
positiva entre o aumento do IED chinês e o grau de risco político. Dentre as explicações
sugeridas está a ideia que as empresas estatais chinesas não são orientadas
exclusivamente pela maximização dos lucros, os interesses estratégicos do governo e do
partido também influenciam as estratégias de internacionalização.
No entanto NOH e SHIN (2016) apresentam visão contrária aos estudos que
associam o risco político com o aumento do IED chinês. Segundo os autores as
multinacionais chinesas procuram reduzir os riscos de um novo investimento, assim como
qualquer outra empresa. Ao estabelecer uma nova firma, através de projetos greenfield ou
fusões e aquisições, existem elementos de incerteza como o ambiente político, legal, social
e cultural que diferem do país de origem. Visando lidar com estas questões as
multinacionais preveem os possíveis riscos e os minimizam, ocorrendo o mesmo com as
firmas chinesas “(...) the typified image of Chinese MNCs as aggressive risk-takers may not
accurately reflect their actual behavioural tendencies (...)” (NOH; SHIN, 2016, p.56-57). A
política “Going Global” desenvolvida por Pequim fornece diferentes ferramentas para reduzir
o risco dos investimentos no exterior, incluindo subsídios, empréstimos a juros baixos,
reduções fiscais e apoio diplomático. Assim é possível o IED chinês atuar em regiões que a
primeira vista apresenta elevado risco político, mas que possuem o apoio do governo
chinês.
Apesar do debate em torno do risco político, há consenso que experiências
anteriores em um país receptor do IED chinês aumentam a possibilidade das empresas
chinesas investirem no país novamente. Outro elemento que interferem positivamente no
IED chinês é a aproximação cultural, pois a distância cultural acarreta na falha de
compreensão das instituições, normas e valores do outro país, aumentando o nível de
complexidade e incerteza no processo de tomada de decisão da empresa (NOH; SHIN,
2016). BUCKLEY et al. (2007) também destaca a cultura, incluindo o argumento que a
presença de comunidades chinesas em outros países, com destaque para o Sudeste
Asiático, incentivaram o IED chinês, ao fornecer uma rede de contatos pré-estabelecida.
Ademais os autores também ressaltam que o tamanho do mercado consumidor, a legislação
em relação ao IED e a abertura comercial possuem um efeito positivo sobre o IED chinês.
RAMASAMY et al. (2012) apontam que as empresas chinesas também são atraídas por
regiões ricas em recursos naturais e países com vantagens de propriedade, como
tecnologia e processos inovadores.
Chinese investments are made with a strategic intention of acquiring technology, brands, marketing, management and other know-how (…) The intention of such acquisition is not only to increase the capacity to compete in the global markets, but also to maintain market shares at home (RAMASAMY et al., 2012, p. 24)
Em termos de regiões o IED chinês se concentra nos países asiáticos, cerca de 70%,
com a América Latina ocupando a segunda posição, com 13%. Nos países latino-
americanos o IED chinês é concentrado no setor de recursos naturais, possuindo
companhias petrolíferas em todos os países exportadores de petróleo da região, com
exceção do México (NOGUEIRA, HAFFNER, 2016). Apesar de a região ser o segundo
destino do IED chinês, cerca de 90% é destinado a paraísos fiscais, sendo o restante
destinado a países como Argentina, Brasil e Peru. Assim utilizar dados oficiais para rastrear
os investimentos chineses não corresponde à realidade, tendo em vista o uso de centros
financeiros e paraísos fiscais não é o destino final do IED chinês (CEPAL, 2013).
Em termos de valor o IED chinês concentra-se no setor extrativista, porém em
termos de número o setor de manufaturas é o principal destino do capital chinês. A maioria
dos investimentos em manufatura é destinada ao mercado consumidor local, com destaque
para o Brasil, no qual as filiais importam os componentes da China (CEPAL, 2013). Nos
últimos anos o setor de serviços vem recebendo atenção – como geração e transmissão de
eletricidade, tecnologia da informação, comunicação, finanças e transporte – demonstrando
confiança das empresas chinesas em conquistar o mercado consumidor latino-americano
(AVENDANO et al., 2017).
O Brasil é o principal destino do IED chinês na América Latina, com quase 35% do
total dos investimentos, como indica a tabela 1. Ao contrário do IED americano concentrado
na América Central e México, a América do Sul possui é o destino da maior parte dos
investimentos chineses.
Tabela 1
IED chinês entre 2005 e 2017, em U$ bilhões (valores aproximados).
Mundo 1.870.59 América Latina 178.22 América do Sul 163.41
Brasil 60.76 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do China Global Investment Tracker. In: American Enterprise
Institute.
No Brasil o IED chinês foi inexpressivo até o início dos anos 2000, e apesar de
alguns investimentos em meados da primeira década do século XXI, foi em 2010 que os
investimentos aumentaram consideradamente, como indica a tabela 2. O principal destino
do IED chinês foi no setor energético, com destaque para o petróleo, ao realizar fusões e
aquisições com empresas já instaladas no território brasileiro, e em 2013 ao participar da
licitação da exploração do pré-sal.
Tabela 2
IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 (em milhões U$)
Ano Valor
2005 430
2006 1.630
2007 0
2008 0
2009 900
2010 13.890
2011 8.060
2012 2.850
2013 2.900
2014 1.900
2015 5.520
2016 12.960
2017 9.720
Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).
Em termos de setor, como indicam os gráficos 1 e 2, concentra-se no setor
energético com cerca de 75% do total de investimentos entre 2005 e 2017. Além do setor
primário, que também inclui mineração e agricultura, o IED chinês também é destinado ao
setor automotivo, de transporte e químico, e recentemente em finanças, imobiliário e
tecnologia.
Gráfico 1
Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).
05000
100001500020000250003000035000400004500050000
IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 (em milhões U$)
Gráfico 2
Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).
Em relação aos investimentos do Brasil na China o valor do IED brasileiro é muito
menor comparado ao IED chinês e ao investimento brasileiro nos EUA. Isto porque, a China
proíbe ou limita os setores que empresas estrangeiras podem atuar, ademais em muitos
casos é necessário estabelecer uma parceria com uma empresa local para poder atuar no
mercado chinês. A distância cultural e institucional também são fatores que limitam a
inserção das empresas brasileiras, já que elas não contam com uma rede de apoio do
governo, como ocorre com as firmas chinesas (BRAGA; OLIVEIRA; WOLF, 2013).
Conclusão
O investimento estrangeiro direto americano e chinês apresentam motivações
semelhantes para atuar no Brasil, em geral são atraídos pelo tamanho do mercado
consumidor, lucro e pelo baixo risco político. No caso americano o setor de manufaturas e
serviços são os principais destinos de IED, em parte, pois o país já avançou em seu
processo de industrialização, diminuindo a necessidade de recursos naturais, possibilitando
a diversificação de investimentos. Ao contrário do IED chinês, cujo principal setor é o
energético, tendo em vista a demanda por energia do país asiático. Porém nos últimos anos
as empresas chinesas vêm realizando investimentos em outros setores econômicos,
demonstrando a capacidade de competirem em mercados estrangeiros.
0500
100015002000250030003500400045005000
IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 em milhões U$(exceto setor energético)
Referência bibliográfica:
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