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R E S U M O OmonumentoMV1apresentaumaparelhoortostáticodexisto,sendoconstituídopor

uma câmara circular e um corredor relativamente longo. A sua função, pelo grupo que o

construiu,terásidoapenasadesantuário,aocontráriodosucedidocomoutrosmonumen‑

tossimilares,queapresentamumcaráctersepulcralbemvincado.Asuaconstruçãoeessa

primeira utilização, tendo em conta o espólio que lhe está associado, será datável de um

momentorecuadodoCalcolítico,eventualmentenatransiçãodoIVparaoIIImilénioa.C.

Posteriormenteaoabandonodomonumentopelogruporesponsávelpelasuaconstrução,

partedacâmaraserviuparalocaldeenterramentodeumindivíduoadulto,oqualeraacom‑

panhadodedádivasfuneráriasintegráveisnodenominadoHorizontedeFerradeira.Adata‑

çãoabsolutapeloradiocarbonodeumfragmentocranianodoesqueletopermitiu,pelapri‑

meiravez,umaatribuiçãocronológicaprecisaparaoscontextossimilaresintegráveisnaquele

Horizonte.Acalibraçãodadataobtida(Beta‑1940273900±40BP)levaacolocarosreferidos

contextosnoterceiroquarteldoIIImilénioa.C.,istoé,nacharneiraentreoCalcolíticoea

IdadedoBronzenoSuldePortugal.

A B S T R A C T ThemegalithicmonumentMV1isaslenderorthostaticmonumentbuiltup

withschistslabs,withacircularchamberandarelativelongpassage.Contrarilytomonu‑

mentswithsimilarstructuralfeatures,thatarecollectivetombs,MV1didnotexhibitafune‑

rarycharacterand,perhaps,itmustbeconsideredasasanctuary.Itcontainedsomepottery,

fourretouchedflintblades,oneaxeandoneadzeandafragmentofanengravedgreenschist

idol‑plaque.AllthesegoodspointtoanearlymomentintheChalcolithic,probablyinthe

transitionfromthe4thtothe3rdmillenniumBC.Aftersomecenturiesfromitsfirstuse,an

individualwasburiedinthechamberofthemonument.Thegravegoods,includinganunde‑

coratedbeakerpotteryvaseandtheburialitselfpointtotheso‑calledHorizontedeFerra‑

deira.RadiocarbondatingbyAMSofasmall sample fromthecranialbonegavethedate

Beta‑1940273900±40BP,whichaftercalibrationputthefunerarycontextinthethirdquar‑

terofthe3rdmillenniumBC,i.e.inthetransitionfromtheChalcolithictotheBronzeAgeof

theSouthernPortugal.

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

AnTónIOM.MOngESOARES*

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51

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António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

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1. Introdução

OmonumentoMontedaVelha1(MV1)foi localizado,em1974,conjuntamentecomumoutro monumento megalítico (MV2), este já objecto de estudo e publicação (Soares e Arnaud,1984). Enquanto MV2 é um sepulcro de tipo dolménico, MV1 é um monumento de aparelhoortostático,comcâmaracircularecorredorrelativamentelongo.Distanciando,entresi,cercade750m,situam‑seambosnafreguesiadeVilaVerdedeFicalho,concelhodeSerpa,correspondendoaMV1asseguintescoordenadas(Fig.1):37º56’55’’n;7º20’09’’Wgreenwich.

Omonumentoencontra‑seimplantadonotopodeumapequenacolinacomumacotade235m,ladeadaaoesteeasulporumribeiro,paraondedescemasencostasbastanteinclinadas.Omesmoacontecealeste,enquanto,anorte,acolinaseprolongaporumaáreaaplanadadecotaligeiramentemaiselevada(doisoutrêsmetros).TodaazonadoMontedaVelhaintegra‑se,geolo‑gicamente,nasformaçõesCâmbricasouPré‑Câmbricas(complexocristalofílicoconstituídoporrochasverdesequartzo‑feldspáticas),largamenterepresentadasnestaregiãodoAlentejo(Carva‑lhosa,1968),encontrando‑se,actualmente,cobertadeolivaisemontados.

Aescavaçãodomonumentotevelugarem1975.Apósumaprimeiralimpezadaservasexis‑tentesnoterreno,quecolocouadescobertootopodemuitasdaslajesconstituintesdeMV1,aformadomonumentotornou‑selogoaparente—umacâmaracircularcomcercade3mdediâme‑troeumcorredoralgocurvo(Fig.2),comumadirecçãoaproximadaSW‑nE.

Estabeleceram‑sedoiseixosortogonais,umdelesorientadosegundoocorredorecruzando‑‑senocentrodacâmara.Apartirdesteseixosmarcou‑seumaquadrículade1mdelado.Aescava‑çãodesenrolou‑sedentrodomonumento,istoé,nacâmaraenocorredor,osquaisforamescava‑dos,inicialmente,porcamadasartificiais.Encontrando‑selogo,apoucaprofundidade,nametadesudestedacâmara, indíciosdeumaestrutura,queseviriaarevelarcomofazendopartedeum

Fig. 1 LocalizaçãodosmonumentosmegalíticosMV1(1)eMV2(2)naCartaMilitardePortugal,Esc.1:25000,Folha534,InstitutogeográficodoExército,3.ªed.,2000.

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enterramentosecundário,alémdeque,nessaáreainte‑riordacâmara,existiatambémumaárvore(umzambu‑jeiro—Olea europaea sylvestris—verFig.2),optou‑seporescavar, em primeiro lugar, essa metade sudeste até àrochavirgeme,posteriormente,orestodacâmara,tendojá em conta a estratigrafia revelada no perfil assimobtido. Tomou‑se para ponto de cota relativa igual azerootopodeummarcodepropriedadequeseencon‑travapróximodomonumento,tendotodasasestrutu‑raseespólioencontradosidoreferenciadoseregistadosemrelaçãoaoseixosortogonaisecotadosemrelaçãoaoponto0referido.

Pormotivosdiversosnãofoipossível,nessafasedeintervençãoemMV1,investigaropresumíveltumulusdomonumentoeacabaraescavaçãodaporçãoterminaldocorredor,oquesóviriaaacontecerem1999/2000,nãopormim,massimsobaorientaçãodosDrs.AntónioJ.M.Silva, primeiro, e Maria Duarte S. gonçalves, depois,numaacçãopatrocinadapelaCâmaraMunicipaldeSerpa,integradanumProjectodeSalvaguardaeValorizaçãodosMonumentosMV1eMV2edanecrópoledoBronzedoSudoestedoTalhodoChaparrinho(ver,noqueserefereaestanecrópole,Soares,1994).Amavelmente,disponibili‑zaram‑meosregistosaqueprocederam,eque,conjuga‑doscomosqueelaboreiaquandodaescavaçãode1975,serviramparacompletaralgumasdasobservaçõeseregis‑tosdessaaltura,bemcomoalgumasdasfigurasapresen‑tadasnestetrabalho.

2. Descrição do monumento

2.1. O pseudo­‑tholos

Trata‑sedeummonumentoque,comojásereferiu,apresentacâmaraecorredor,ambosdetipoortostático,podendoclassificar‑secomoumpseudo‑tholos,comosejustificaráempormenormaisadiante.nolocal,arochavirgem,umarochaxistosavermelho‑esbranquiçada,muitofractu‑rada,encontra‑sequaseàsuperfícieemesmoafloranteemalgumaszonas.Aproveitando,provavel‑mente,umarededefracturaseaprofundando‑as,foiimplantadaacâmaraeocorredor(Figs.3,4e5),sendoochãodomonumentoconstituídopelarochavirgemaplanada.

Acâmaracircular,comcercade3mdediâmetro,édefinidapor19esteiosdeumxistoverde,porvezes,detonsazulados.Acâmaraapresentaumaentradaanordeste,definidaeflanqueadapelos seus dois maiores esteios que, dada a sua protuberância no espaço do corredor, parecemtambémterservidodebatentesaumaporta(dematerialperecível?)queaípoderiaterexistido.

Ocorredor,comumcomprimentodecercade4,5m,divide‑seemdoistroços—ummaislongo,ligadodirectamenteàcâmara,eumoutro,quesepoderáconsiderarcomoátrio,separado

Fig. 2 AspectosdeMV1apósalimpezadoterreno.a–emprimeiroplano,ocorredor(vistodenorte);b–acâmaracircular,tambémvistadenorte.

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Fig. 3 Levantamentotopográficodotopodacolina,cominserçãodomonumento(combasenolevantamentoefectuadoem1999porAntónioJ.M.Silva).

Fig. 4 PlantafinaldeMV1(cotasemmetros;atracejadolevearochavirgem).Baseadanasuamaiorparte—todaaáreaenvolventedeMV1—naplantalevantada,em1999,porAntónioJ.M.Silva.

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doprimeiroporumaporta(depedra)comdoisbatentes.Aportafoiencontradanoátrio,ligeira‑menteinclinadaparaoexterior,tendosidocolocadanaposiçãovertical,quandodostrabalhosderestauroeconservaçãodomonumento(Fig.6).Osesteiosdocorredoredoátrio,maisnumerososdoladoeste,sãodomesmotipodexistoutilizadonaconstruçãodacâmara;noentanto,oátrioterminaporblocosdepedradematerialidênticoàrochavirgemaflorantenolocal.

Fig. 5 Plantaealçados(segundoalinhaAB)deMV1.

Fig. 6 a–portadocorredor,talcomofoiencontrada,vistadenorte(notem‑se,emsegundoplano,osbatentesdamesma);b–aportaemposiçãovertical,nofinaldaescavação,encostadaaosbatentes(oátrioemprimeiroplano).

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Deveránotar‑sequeocorredor,queseinicia,apartirdacâmara,comumaorientaçãoSW‑nE,vaicurvandoespaçadamenteparaterminarnumátrioqueseabreanorte.Estaorientaçãodoátriodeveráestarrelacionadacomofactodequesomentequemseaproximardomonumentovindodazonaaplanada,ligeiramentemaiselevada,quelheficanavizinhançanorteimediata,podeterumavisãoglobaldeMV1.Sabendo‑sedocaráctertambémritualdestetipodemonumentos,nãoserádifícildeverificarouimaginarquequalquerprocissãoqueseaproximassedeMV1ofariavindadoladonorte,poissóassimselhedeparariaatotalidadedomonumento,mesmoaumacertadistân‑cia,abrindo‑seàsuafrenteoátriodomesmo.

nãofoiencontradoqualquervestígiodacoberturadeMV1.Ocorredorencontrava‑sepreen‑chido praticamente só por terra, na qual dificilmente se distinguiam duas camadas — uma demaior espessura, com algum espólio arqueológico, sobreposta por uma camada superficial derevolvimento,commuitasraízesdeervas(Fig.7b).Porseulado,acâmaraapresentavaduasreali‑dadesdistintas,quesepodiamconsiderarseparadasgrosso modopelalinhaCDrepresentadanaFig.5—ametadesudeste,revolvidapeloenterramentosecundário,jáatrásreferidoequesedescreverácomdesenvolvimentomaisadiante,noponto2.2,e,actualmente,tambémpelasraízesdeumzam‑bujeiro;ametadenoroeste,comumaestratigrafiarelativamentesimplesebemdefinida(Fig.7a),constituídaportrêscamadas,correspondendoacamada1àutilizaçãoprimitivadomonumento,a2,commuitosblocosealgumaspequenaslajesdexisto,aoseuabandono,ea3aumacamadadeterraarávelrevolvidapelaslavourasrecentes.SeseobservaraFig.4,verifica‑sequenãoexistemvestígiosdeumtumuluspropriamentedito,nemdequalquerbasedeumaestruturapétreadefalsacúpula. O espaço entre os “afloramentos” de rocha virgem e a estrutura ortostática do monu‑mentoencontra‑sepreenchidaporblocospétreosdispostoscaoticamenteeacamada2dacâmara,dadaasuapequenaespessuraeconstituição,tambémnãopareceindiciaraexistênciaprimitivadequalquerfalsacúpulaempedra.Tudoistosugere,porconseguinte,queatersidoestemonumentocoberto,essacoberturaterásidodeelementosperecíveis,provavelmentedeorigemvegetal(madei‑raseramosdeárvores,porexemplo).

Fig. 7 a‑estratigrafiadametadenoroestedacâmara(aolongodalinhaCD‑verFig.5):1‑terracastanha,comespólioarqueológico,2‑terracastanha,decorligeiramentemaisescura,commuitaspedrasdexisto,3‑terracastanha,commuitasraízesdeervas;b‑estratigrafianocorredor(aolongodalinhaEF‑Fig.5):1‑terracastanhacomalgumespólio(correspondeàcamada1dametadenoroestedacâmara),2‑terracastanha,ligeiramentemaisescura,commuitasraízesdeervas(correspondeàcamada3dacâmara).

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2.1.1. Espólio

Oespóliorecolhido,atribuívelàprimeiraocupaçãodomonumentoequeaseguirsedes‑creve,encontrava‑se,nageneralidade,muitofragmentado, tendo,noentanto,sidopossível,emalgunscasos,areconstituiçãodealgunsvasosdecerâmica(Fig.8).Oespólioempedraencontra‑se,porseulado,todoele,representadonasFigs.9e10.

• MV1‑4‑Taçacarenada(Fig.8).Superfíciesavermelhadasenúcleocastanho.Pastafriável.E.n.p.degrãofinoemédio.Muitofragmentada.

• MV1‑5‑Possívelcopo,aquefaltaobordoeofundo(Fig.8).Superfíciespolidascastanhas,apresentandoaexternaalgumasmanchasnegras;núcleonegro.E.n.p.degrãomédioegros‑seiro.Muitofragmentado.

2.1.1. Espólio

Oespóliorecolhido,atribuívelàprimeiraocupaçãodomonumentoequeaseguirsedes‑creve,encontrava‑se,nageneralidade,muitofragmentado, tendo,noentanto,sidopossível,emalgunscasos,areconstituiçãodealgunsvasosdecerâmica(Fig.8).Oespólioempedraencontra‑se,porseulado,todoele,representadonasFigs.9e10.

• MV1‑4‑Taçacarenada(Fig.8).Superfíciesavermelhadasenúcleocastanho.Pastafriável.E.n.p.degrãofinoemédio.Muitofragmentada.

• MV1‑5‑Possívelcopo,aquefaltaobordoeofundo(Fig.8).Superfíciespolidascastanhas,apresentandoaexternaalgumasmanchasnegras;núcleonegro.E.n.p.degrãomédioegros‑seiro.Muitofragmentado.

Fig. 8 CerâmicadaprimeiraocupaçãodeMV1.

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• MV1‑6‑grandevasoesférico(Fig.8).Superfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro.E.n.p.abundantesdegãomédioegrosseiro.Partidoemdoisfragmentos.

• MV1‑7‑Fragmentodeummamilooblongo(nãodesenhado).Superfícieexternaepastacastanhas.Pastafriável.E.n.p.muitoabundantesdegrãogrosseiro.

• MV1‑8‑Bordo(Fig.8).Superfíciescastanhasenúcleocastanho‑acinzentado.Mamilojuntoaobordo.E.n.p.abundantesdegrãomédio.Partidoemdoisfragmentos.

• MV1‑9‑Pequenovasohemisférico,aberto,deparedesgrossas(Fig.8).Pastafriávelcastanho‑‑avermelhadaesuperfíciesdamesmacor,mascorroídas.E.n.p.raros.

• MV1‑10‑Pequenovasoatenderparaofechadoedebordoengrossadoexternamente(Fig.8).Superfíciescorroídascastanho‑avermelhadasenúcleocastanho‑escuro.Pastamuitofriável.E.n.p.raros.

• MV1‑11‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhas,comalgumasmanchasnegras,enúcleocinzento(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:6mm.PoderápertenceraovasoMV1‑5.

• MV1‑12‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleocinzento‑escuro(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:7mm.Poderá,igualmente,pertenceraovasoMV1‑5.

• MV1‑13‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleocastanho‑acinzentado(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédio.Espessura:10mm.DeverápertenceraovasoMV1‑8.

• MV1‑14‑Trêspequenosfragmentosdeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:6mm.

• MV1‑15‑Fragmentodeumvasodesuperfíciesbemalisadascastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:7‑8mm.

• MV1‑16 ‑ Dois fragmentos de um vaso de superfícies castanho‑avermelhadas e núcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:9a11mm.PoderápertenceraovasoMV1‑6.

Fig. 9 ArtefactoslíticosdaprimeiraocupaçãodeMV1.

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• MV1‑17‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:11a13mm.Poderá,igualmente,pertenceraovasoMV1‑6.

• MV1‑18‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:11a12mm.Poderá,também,pertenceraovasoMV1‑6.

• MV1‑19‑Pequenovasohemisférico,aberto,deparedesgrossas(Fig.8).Pastamuitofriávelcastanha‑avermelhadaesuperfíciesdamesmacor.E.n.p.raros.

• MV1‑28‑Bordo(Fig.8).Superfíciesenúcleocastanho‑avermelhados.Pastamuitofriável.E.n.p.degrãofino.

• MV1‑29‑Fragmentodeumvasodesuperfíciesenúcleocastanhos(nãodesenhado).E.n.p.muitoabundantesdegrãogrosseiro.Espessura:13mm.PoderápertenceraovasoMV1‑7.

• MV1‑22‑Lâminadesílexcastanho(Fig.9‑a4).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodosbordos.

• MV1‑23 ‑Fragmentomesialde lâminadesílexcastanho‑acinzentado (Fig.9‑a3).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodeumdosbordos.

• MV1‑24‑Lâminadecalcáriosilicificadodecorcremeclara(Fig.9‑a1).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodeumdosbordosenaextremidadedistal.

• MV1‑25‑Fragmentodistaldelâminadesílexcinzento(Fig.9‑a2).Secçãotrapezoidal,comalgunsretoquesaolongodosbordos.

• MV1‑20‑Machadodeanfibolito,desecçãorectangular,muitobempolidonogumeeempartedassuperfíciesanterioreposterior;simplesmenteafeiçoadonassuperfícieslateraisenotalão(Fig.9‑b1).Semvestígiosdeuso.

• MV1‑21‑Enxódeanfibolitototalmentepolida(Fig.9‑b2).Semquaisquervestígiosdeuso.• MV1‑26‑Fragmentodeplacadexistoverde(Fig.10).Decoradanasduasfacescomzigue‑

zagueshorizontaiseverticais.

A distribuição no espaço do monu‑mento do espólio atrás descrito, o qual sepoderáatribuiràprimeiraocupaçãodeMV1,encontra‑seregistadanaFig.11.Todoeleseposicionanascamadas1dacâmaraedocor‑redor,comexcepçãodosfragmentoscerâmi‑cos MV1‑15 e MV1‑18 e da lâmina de sílexMV1‑24,osquaisseencontravamnaáreadoenterramento secundário, onde tambémcresceuozambujeiro.Terãosidoestesrevol‑vimentosqueprovocaramoposicionamentoemcotasaltasdeMV1‑18edeMV1‑24.Poroutrolado,deveránotar‑sequeexistiamfrag‑mentos de um mesmo vaso em posiçõesdiversas.ÉocasodovasoMV1‑4,cujosfrag‑mentos surgiram em dois locais da câmara

Fig. 10Fragmentodeplacadexisto,decorverde,muitopoucoduro,comdecoraçãonasduasfaces.

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enumdocorredore,tambémprovavelmente,dovasoMV1‑6emquatrolocaisdacâmara,dovasoMV1‑5emtrêsou,ainda,dovasoMV1‑7comfragmentosemdois locaisdiferentes.Contraria‑menteaestadispersãoefragmentaçãodacerâmica,indiciadoradosrevolvimentoshavidos,ovasoMV1‑10 deveria encontrar‑se na sua posição primitiva, assente no chão da entrada da câmara,encostadoaoesteioestedessaentrada.Omesmoaconteciacomosúnicosinstrumentosdepedrapolidaencontrados,omachadoMV1‑20eaenxóMV1‑21,osquaisestavamposicionadosnochãodacâmara,a5cmumdooutro.

2.2.­O­enterramento­secundário

naFig.12encontra‑serepresentadooenterramentosecundárioeasestruturasqueoacom‑panhavam.nointeriordacâmaradeMV1,acercadeummetrodaentrada,logonoiníciodaesca‑vaçãodaquela,surgiramapoucaprofundidadeduaslajesrectangularesdexisto.Encontravam‑seencostadaspelotopoumaàoutra,àcotade‑0,40m,assentesemterra,acercade20cmdochãodacâmaraeafastadasentresi,nabase,cercade40cm.Aslajes,comumaespessurairregular(entreos3eos10cm),formavam,porconseguinte,umânguloagudoeoespaçoporelasdelimitadoorientava‑se,noseumaiorcomprimento,segundoadirecçãon‑S.Estaestruturaprotegia(istoé,encontrava‑seentreasduaslajes)umconjuntocerâmicoconstituído(Fig.13)pelovasoMV1‑1,quecontinhaovasoMV1‑2,oqualporsuaveztinha,entreoseuenchimento,váriosfragmentos(osúnicosencontrados)dovasoMV1‑3.

A sul desta estrutura, a cerca de meio metro, encontrava‑se uma laje colocada de cutelo,assentesimplesmente,semqualquerapoiolateral,nosolodacâmaraecomotoposensivelmenteàmesmacotadotopodaestruturaprecedente.Entreessalajeeaestruturareferida,masnavizi‑nhança imediata desta, ao nível do solo da câmara, encontravam‑se os fragmentos do crânio

Fig. 11Distribuiçãoemplantaeemalçadodoespóliocorrespondenteàprimeiraocupaçãodomonumento.

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(áreaA,naFig.12),enquantooutrosfragmentosósseosdoesqueletoseposicionavamespalha‑dos(áreaB)atéaosesteiosdacâmara,entreascotas‑0,80me‑1,00m,tendoalgunssidoreferen‑

ciadosmesmopordebaixodosvasoscerâmi‑cos e, por conseguinte, por debaixo daestruturadasduaslajes.

Dequalquermodo,oesqueleto,alémdemuito fragmentado, não parecia estar com‑pleto,nãose encontrandoosossosemposi‑çãoanatómica.Tratar‑se‑ia,antes,deumaglo‑merado de ossos em que, no entanto, erapossível isolar os fragmentos cranianos, queseposicionavamjuntoaosoutros,massemsemisturaremcomeles.

2.2.1. Espólio (Fig. 13)

• MV1‑1 ‑ Taça hemisférica. Pasta castanho‑‑avermelhada, com manchas escuras nasuperfícieexterna.Superfíciespolidas.E.n.p.degrãomédio.Várias fracturas, embora seencontrepraticamentecompleta.

• MV1‑2 ‑ Vaso campaniforme liso. Superfí‑ciescastanhascomalgumasmanchasescu‑ras.núcleomaisescuro.Superfíciespolidas.E.n.p. abundantes de grão fino. Fracturaantiga, faltando um fragmento do bordo.Encontrava‑se, assente pelo fundo, dentrodeMV1‑1.

• MV1‑3‑Taçahemisférica.Pastacastanho‑‑avermelhada.Superfíciespolidas.E.n.p.degrãofino.Muitofragmentada.Osfragmen‑tosconstituemumpoucomenosdemetadedovaso,maspermitemasuareconstituiçãototal.Os fragmentosencontravam‑seden‑trodeMV1‑2.

Fig. 12OenterramentosecundárioemMV1.Azonaondeseencontraramosrestosósseosencontra‑serepresentadaatracejadolargo:A‑área,àcotade‑1,00m,comfragmentosdocrânio;B‑região,entreascotasde‑0,80me‑1,00m,comfragmentosdeossoslongos.Asduaslajesinclinadas,próximodocentrodacâmara,protegiamasdádivasfunerárias,emcerâmica.Atracejadofino,alajedexistovertical,assentenochãodacâmaraequepareciadelimitar,asul,oenterramentosecundário.

Fig. 13Dádivasfuneráriasdainumação.OvasoMV1‑1continhaovasoMV1‑2,que,porsuavez,tinha,noseuinterior,osfragmentosrecuperadosdeMV1‑3.

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3. Integração cronológico‑cultural

Peranteoatrásdescrito,quernoreferenteàarquitectura,queraoespóliodomonumentoemestudo,poderiaafirmar‑se,emprimeiraaproximação,quese tratariadeum tholos.noentanto,segundoVictorgonçalves(1992),entende‑seporumtholos“ummonumentofunerário,normal‑mentedestinadoaenterramentocolectivo,geralmentecompostoporcâmaraecorredor,sendoaprimeiraconstruídasegundoosistema de falsa cúpula”(p.237).Ostholoisão,poroutrolado,“monumentos muito diferentes entre si, tanto em termos morfológicos como, muito possivel‑mente,cronológicos.Basicamente,todos têm uma cobertura de falsa cúpula,deonde,porvezes,seremreferidoscomo«monumentos de falsa cúpula»”(gonçalves,1995,p.271).Existem,porconseguinte, duas características básicas dos tholoi que não se encontram presentes no registoarqueológicodeMV1—osistemadefalsacúpulaeaevidênciadodestinofuneráriodomonu‑mentoporquemoconstruiu.

EmboraoconteúdodeMV1seencontrasserevolvidopeloenterramentosecundárioqueneletevelugare,talvez,atéporrevolvimentosanteriores(quepoderãoserumaexplicaçãoparaoestadodefragmentaçãodacerâmicanaszonasdomonumentoaparentementenãorevolvidaspelosauto‑res do enterramento secundário, como sejam o corredor e a metade noroeste da câmara), esserevolvimentonãojustificaaausênciadequaisquerrestosósseoshumanos.nomonumentoMV2,anterioroucontemporâneodeste,foipossívelobservareisolarosdiversosenterramentosqueneletiveramlugar(Soares&Arnaud,1984).MV2encontra‑seimplantadoemterrenosxistosos,ácidos,domesmotipoousimilares,paranãodizer idênticos,aos terrenosondese implantaMV1.DoenterramentosecundáriodeMV1foipossívelrecuperardiversosfragmentosósseosidentificáveis(Silva,Ferreira&Cunha,2008)emesmodatarporradiocarbonoumfragmentodacalotecraniana,umavezquenosseusfragmentossetinhamconservadoaminoácidos(colagénio)suficientesparaestetipodeanálise.nãoécrível,porconseguinte,queseMV1tivessesido,algumavez,utilizadocomocâmarafuneráriapelosseusconstrutores,dessautilizaçãonãotivessemrestadoquaisquervestígios,istoé,quaisquerrestosósseos.

Quantoaosistemadeconstrução,tambémnãofoiencontradaqualquerevidência,quernointeriordacâmara,quernoseuexterior,daexistênciadeumafalsacúpula.Omonumento,atersidocoberto,tê‑lo‑iasidocommateriaisperecíveis—deorigemvegetal,porventura—dequenãoresta‑ramquaisquervestígios.Tambémquaisquervestígiosdotumulus eraminexistentes(verFig.4).

SeaintegraçãodeMV1nomundomegalíticoe,maisespecificamente,nomundodostholoi,encarados aqui estes como expressão de vivências e de rituais de uma determinada época, nãopareceoferecerdúvidas,faltam‑lhe,contudo,característicasbásicasdestesúltimosmonumentos,peloquesepreferedenominá‑lodepseudo‑tholos.

Deverá, por outro lado, notar‑se que existem, por vezes, particularidades regionais nosmonumentosmegalíticos,eventualmentecausadaspelotipodematerialutilizadonasuacons‑trução,queospodemtornarúnicosnoregistoarqueológico.Bastará,aqui, lembrarqueMV2,encontradocomacâmaraintactaquandooescavámos,nãotinha,nemnuncaterátidoqualquer“chapéu”,comoédenorma,masapresentavasimumapedravolumosadexistoacobrirapenasapartecentraldacâmara,sendoorestanteespaçoentreestapedraeosesteiosdacâmara,tambémdexisto,preenchidoporpequenaslajesdomesmomaterial,imbricadasumasnasoutras(Soares&Arnaud,1984).OcasodeMV1nãosepodeconsiderarparaleloaodeMV2,umavezqueomate‑rialutilizadonaconstruçãodeMV1éomesmoousimilaraoqueénormalmenteusadonostholoideaparelhoortostático.UmaexplicaçãoparaoobservadoemMV1poderáresidirnosignificadodeordemritualaatribuiraestemonumento.Segundoalgunsinvestigadoresostholoi poderãoter

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tidocomoprimeirafunçãonãoadenecrópole,masadesantuário.Éoqueteráacontecido,porexemplo, com o tholos de Paimogo, em que a existência de um altar e a riqueza do mobiliárioencontrado,designadamentedeobjectosvotivos,apontanessadirecção(gallay&al.,1973).EmMV1,seamaiorpartedosartefactosencontradosseapresentavamfragmentadoseatéalgunsfragmentos do mesmo artefacto posicionados em locais diversos do monumento, havia, noentanto,outros,comoaenxóeomachadoeopequenovasoMV1‑10,queseencontrariamin situnochãodacâmara,peloquenãoserádescabidoatribuir‑lhesumcarácterdedeposiçãovotivanãoassociadaaqualquerinumação,que,aliás,erainexistente.Portudoisto—deposiçãovotivadeartefactos,ausênciadefalsacúpula,ausênciadetumulus—nãoserádespropositadosuporqueMV1terá tidoapenasuma funçãode santuário.Aorientaçãodoátrio, abrindo‑separanorte,comojáatrásfoireferido,quandodadescriçãodomonumento,parecetambémcorroborarestainterpretação.

Diversos tholoi,deaparelhoortostáticomuitosemelhantesaMV1,existemnoAlentejo,algunsdelesjáestudadosepublicados.Sãooscasos,porexemplo,dotholosdoMontedasPereiras(Serra‑lheiro&Andrade,1961),queapresentaumacâmaracirculareumcorredortambémdivididoemdoissectores,odoMalhaFerro(Viana,Andrade&Ferreira,1960),odaAmendoeiranova(Viana&al.,1959)oudoMontedoOuteiro(Viana,Ferreira&Andrade,1961),emboranesteaslajeslate‑raisnãofuncionemcomoesteios,massimcomorevestimentoparietaldacâmara.Outros tholoiexistemnoAlentejo,publicadosounão(comoéocasodosdeBarrancos—verZbyszewski&Fer‑reira, 1967), sendo de ressaltar o seu polimorfismo: aparelho ortostático ou de pedra vã, falsacúpulaapartirdabaseoudocimodosesteios,lajesdacâmaraafuncionaremcomoesteiosouapenascomorevestimentoparietal,câmaracomdivisóriasinternas,câmarascomnichos,etc.Épossívelqueestepolimorfismotenhaumacorrespondênciacronológica,emboraglobalmentesepossadizerqueostholoi“correspondemaomundoespecíficodosprospectoresemetalurgistasdocobre”(gonçalves,1999,p.14),oqueemtermosdecronologiaabsolutaenglobariaofinaldoIVmilénioetodooIIImilénioa.C.(gonçalves,1999,p.14).

AmaiorpartedasescavaçõesdostholoifoiefectuadaemmeadosdoséculoXX,porvezescommetodologiasnãomuitoadequadas,oquetornade interpretaçãoalgodifícilmuitodosdadospublicados.Alémdisso,asdataçõesabsolutasdecontextosregistadosemtholoisãotambémemmuitopequenonúmero.Umtratamentoestatísticodessasdatas,depoucosignificadodadooseunúmero(apenasseis),alémdequeduassãomuitoprovavelmenteanómalas(adotholosdeAdosTassosSa‑1993320±200BP,bemcomoadotholosdaPraiadasMaçãsH‑2048/14583650±60BP),colocamacronologiadestesmonumentosentre2800e2000calBC(probabilidade50%)ouentre2880e1850calBC(1s)ouentre3050e1300calBC(2s)(Soares,1999).Poroutrolado,otholos daFarisoa foi datado pela Termoluminescência, obtendo‑se o valor OxTL‑169j 2675±270 a.C.(Whittle&Arnaud,1975),inteiramentecompatívelcomosintervalosatrásreferidosoucomastrêsdatasobtidasparaotholosdeaparelhoortostáticoOP2b(gonçalves,1995):ICEn‑9564180±80BP;ICEn‑9554290±100BP;ICEn‑9574130±60BP.Deigualmodo,oCalcolíticodoSuldePortu‑galdeverásituar‑se,combaseem37datasderadiocarbonodecontextoscalcolíticosdessaregião,entre3039e2610calBC(prob.50%)ouentre3362e2156calBC(2s)(Soares&Cabral,1993).Parece, pois, correcta a atribuição do início da utilização de tholoi ao final do IV milénio a.C.,prolongando‑seaconstruçãoeusodestesmonumentos,pelomenos,pelaprimeirametadedoIIImilénioa.C.

OespólioquefoiconsideradocomopertencenteàprimeiraocupaçãodeMV1nãocontinhaquaisquermateriaisorgânicossusceptíveisdedataçãopeloradiocarbono.noentanto,acerâmicaeomateriallíticopoderãoforneceralgumasindicaçõessobreoseuposicionamentocronológico

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dentrodoCalcolítico.AtaçacarenadaMV1‑4,ovasoMV1‑8commamilo juntoaobordoeopossívelcopoMV1‑5parecemapontarparaummomentorecuadodentrodoCalcolíticodoSul.Poroutro lado,o fragmentodeplacaMV1‑26, emxistoverdee comumadecoração invulgar,poderiaserindicativa,pelocontrário,deummomentoavançadodentrodoCalcolítico,umavezqueomaterialeadecoraçãoutilizadaindiciariamumadegenerescêncianadecoraçãodestesarte‑factos ideotécnicos, possivelmente correlativa de uma fase terminal do seu uso. na região deReguengosdeMonsaraz,segundogeorgeVeraLeisner(Leisner&Leisner,1951,p.115),asplacasdexistoverde,quesãomuitoraras,apresentamtambémornamentaçõesmenosvulgares,tendosidoencontradasnaAnta1doCebolinho,naAnta1doPassoenaAntagrandedoOlivaldaPega,ondepredominavam,emlargamaioria,asplacasvulgaresdexistoazulouazul‑acinzentado.Amuitoprovávellargadiacroniadosenterramentosnestasantasnãopermitemaatribuiçãodeumacronologiafinaseguraparaestetipodeplacasdexistoverde.Poroutrolado,osziguezaguesgravadosnaplacadeMV1têmparalelosrelativamentepróximosnadecoraçãorealizadaporfinasincisõese/ouporpinturaemalgunsdosesteiosdomonumentode falsacúpuladegranjadeToniñuelo(Badajoz),datáveldeumperíodocompreendidoentreoneolíticoFinal/CalcolíticoInicialeoCalcolíticoPleno(BuenoRamírez&BalbínBehrmann,1997).Destemodo,nãoserádescabidoatribuirumadatarecuada,dentrodoCalcolítico,paraaconstruçãoeprimeirafasedeutilizaçãodeMV1,dataessaquepoderásernatransiçãodoIVparaoIIImilénioa.C.Aserassim,MV1serácontemporâneoouumpoucoanterioràsegundafasedeenterramentosdeMV2,quesecaracterizamporlhesestarassociadasplacasdexistoreaproveitadas,entreelasumacomolhosgravadosemformadesol(Soares&Arnaud,1984).

Apósestaprimeirafasedeutilização(comosantuário?)deMV1,algumascentenasdeanosmaistarde,acâmaradeMV1serviudelocalparaumenterramentocomcaracterísticasqueoper‑mitemintegrarnodenominadoHorizontedeFerradeira(Schubart,1971).OHorizontedeFerra‑deira,segundoSchubart,corresponderiaaoEneolíticofinalouaosprimeirosmomentosdaIdadedoBronzenoSudoestepeninsular(maisespecificamente,noBaixoAlentejoenoAlgarve).nessaépoca, teriamsurgido,pelaprimeiravez,apósossepulcroscolectivosdomundomegalítico,osenterramentos em sepulturas individuais, construidas para o efeito, ou em reaproveitamentos,parainumaçõesindividuais,desepulcroscolectivosanteriores.Asdádivasfuneráriasconsistiamemvasoscerâmicoscampaniformeslisosassociadosaoutrasformascerâmicas,designadamentetaçashemisféricas,eapontasdesetatipoPalmela,punhaisdecobrecompontadeencabamentoemformadelingueta,braçaisdearqueiroebotõesdeossocomperfuraçãoemV.Deveránotar‑seque,quandoSchubartdefiniuoHorizontedeFerradeira,acerâmicacampaniformeerapratica‑mentedesconhecidanoBaixoAlentejoenoAlgarve(conhecia‑se,apenas,umfragmentodeumataçatipoPalmela,provenientedopovoadodeMangancha,Aljustrel),bemcomo“nãoseconhecem[conheciam]nessasregiõespovoadoselevados,daIdadedoCobreoudoBronze”(Schubart,1971,pp.7‑8).Opanoramaé,hoje,totalmentediferente—têmsidoidentificados,emgrandenúmero,povoadoscalcolíticoseacerâmicacampaniformedecoradaencontra‑serepresentadaemmuitosdeles,porvezes,comonopovoadodePortoTorrão(FerreiradoAlentejo),emquantidadesaparen‑tementesuperioresàsexistentesnospovoadosdaspenínsulasdeLisboaoudeSetúbal(Arnaud,1993).AdataobtidaparaaocupaçãodePortoTorrão(ICEn‑60/614220±45BP),estatisticamenteidênticaaoutrasobtidasparaoZambujal(grn‑70094200±40BP)eparaLeceia(Sac‑13174220±50BP) (Cardoso & Soares, 1990‑1992), indicia uma grande antiguidade desta cerâmica dentro doCalcolítico,emesmonoAlentejo,precisamentenumadasregiõesondeseriaaplicáveloconceitodeHorizontedeFerradeira.Todosestesdadoscolocamemcausaospressupostosqueestãopordetrásda“criação”desseHorizonte.noentanto,oscontextosatribuíveisaoHorizontedeFerra‑

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deiranãodeixamdeterumacertaespecificidadeecoloca‑seoproblemaquerdasuacronologiaabsoluta,querdasuafiliaçãoculturalprecisa,istoé,seserãoatribuíveisaoCalcolíticoouaoBronzeInicialouseestarãonacharneiraentreessasduasépocas.

O enterramento secundário em MV1 seria o de um indivíduo adulto, com mais de 35/40anos,nãolhetendosidodetectadas,nospoucosrestosósseosrecuperados,quaisqueralteraçõespatológicas (Silva, Ferreira & Cunha, 2008). O posicionamento desses restos ósseos, nomeada‑menteadimensãodaáreaporelesocupada,encontrando‑semesmoalgunspordebaixodasdádi‑vascerâmicasedaestruturapétreaqueasprotegia,bemcomooestadodefragmentaçãoemqueseencontravam,tudosugerequenãosetratariadeumainumaçãoprimária,massimdeumasegundainumação.nomesmosentidopoderãoapontarasfracturasantigasdeMV1‑2eoestadodefrag‑mentaçãodeMV1‑3, cujos restos seencontravamno interiordeMV1‑2.Essesvasos, conjunta‑mentecomMV1‑1,poderãoteracompanhadoaeventualinumaçãoprimáriaedaíafragmentaçãoverificada.

Adisposiçãodosdoisvasos,emposiçãovertical,encaixadosumnooutro(MV1‑2encaixadoemMV1‑1)eosrestosdeMV1‑3dentrodeMV1‑2,temparalelosmuitopróximosemsepulturasmegalíticas penínsulares, designadamente numa das grutas artificiais de São Pedro do Estoril(Leisner,Paço&Ribeiro,1964)enaAnta1dasCasasdoCanal,Estremoz(Leisner&Leisner,1955).nagruta1deSãoPedrodoEstoril,“oachadomaisimportanteconstoudetrêsvasosemposiçãoverticalencaixadosunsnosoutros:umgrandevasosemiesféricobaixo,umvasocampaniformequeocupavaolugarmédioe,dentrodaquele,umvasolisohemisférico”(Leisner,Paço&Ribeiro,1964,p.64).noentanto,ovasocampaniformereferidoéuma“caçoila,deperfilsuave”,decoradaamatrizpontilhada,bastantediferente,porconseguinte,dovasocampaniformelisoqueocupavaaposição intermédiaemMV1.naAnta1dasCasasdoCanal, emboraasdádivascerâmicas seencontrassem muito fragmentadas pelos revolvimentos ocorridos no monumento, foi possívelverificarqueumvasocampaniformelisoteriasidocolocadoencaixadonumacaçoilacampani‑formecomdecoraçãoincisa,filiávelnocomplexoCiempozuelos.Éinteressanteobservarquenestesectordomonumento,ondeseencontravaoconjuntocerâmicoemcausa,“no ladodacâmaraestavam,encostadascontraalajedaporta,duaslajesdexistobastantefracasedepoucocompri‑mento”(Leisner&Leisner,1955,p.6),oquesugereaexistênciadeumaestruturaemxisto,porven‑turasimilaràqueprotegiaosvasosdeMV1.

QuantoàformadovasocampaniformelisodoenterramentosecundáriodeMV1,talcomoparaasoutrasformasdoconjuntocerâmicoondeseintegrava,paralelosmuitoestreitos(formascerâmicaspraticamenteidênticas)encontram‑senasdádivasdasegundafasedeinumaçõesnotholos do Monte do Outeiro, as quais são típicas do Horizonte de Ferradeira (Schubart, 1965,1971).

Até hoje, desconheciam‑se datas absolutas para os contextos integráveis no denominadoHorizontedeFerradeira.Foi,agora,possível,dadaaboaconservaçãodosfragmentosósseosdacalote craniana do indivíduo inumado em MV1 (o que, curiosamente, já não acontece com osrestosdosossoslongosrecuperados),datarpelaprimeiravez,peloradiocarbono,umdestescon‑textos.Adataobtida

Beta‑194027 3900±40BP (δ13C=‑19,4‰)

quandocalibrada,fazendousodoprogramaCALIBRev5.0.1(Stuiver&Reimer,1993)edacurvaInTCAL04(Reimer&al.,2004),conduzaosseguintesintervalos,comasseguintesdistribuiçõesdeprobabilidade(entreparênteses):

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para1s:2465‑2343calBC(1,)para2s:2479‑2280calBC(0,97096);2250‑2230calBC(0,021764);2219‑2211calBC(0,007276)

EstadataçãopermitesituaroenterramentodoHorizontedeFerradeiradeMV1noterceiroquarteldoIIImilénioa.C.

Datasestatisticamentenãodiferenciáveisdestasãoasobtidasparaalgunscontextoscampa‑niformesdapenínsuladeLisboa(Cardoso&Soares,1990‑1992):

Casa2daPenhaVerde ICEn‑1275 4000±50BPCasaEndeLeceia ICEn‑1241 3950±90BPSep.2deVerdelhadosRuivos grn‑10971 3960±40BPSep.4deVerdelhadosRuivos grn‑10973 4000±35BPSep.indeterminadadeVerdelhadosRuivos ICEn‑1242 3940±45BP

Deigualmodo,asdatasderadiocarbonoobtidasapartirdeossoshumanosda“deposição«familiar»naCâmara”daAnta2daHerdadedosCebolinhos,correspondentesàFase4dautiliza‑çãodestemonumento(gonçalves,2003a),sãotambémestatisticamenteidênticasaBeta‑194027:

Beta‑176899 3900±40BPBeta‑177471 3840±40BP

Infelizmente,desconhece‑seoconjuntodeartefactosqueacompanhariaestesenterramentos,umavezquenapublicaçãoqueselhesrefere,omesmonãoédescritoeasfigurasondeestariarepresentado,comcertezaporlapso,nãoforampublicadas(vergonçalves,2003a,p.157).

Deveránotar‑seque,comojáreferido,oCalcolíticodoSuldePortugalsesituaráentre3039e2610calBC(paraumaprobabilidadede50%)ouentre3362e2156calBC(paraumaprobabi‑lidadede95,4%)(Soares&Cabral,1993),oque,emprincípio,levariaaatribuirtodososcontex‑tos atrás mencionados, incluindo o do enterramento secundário de MV1, a este período cul‑tural.

Poroutrolado,oúnicocontextodatadopeloradiocarbonocomumaatribuiçãoprovávelaoBronzeInicialdoSudoeste,aestrutura1doMontenovodosAlbardeiros(gonçalves,1988‑1989),teráumacronologiasituadadentrodoúltimoquarteldoIIImilénioa.C.(ICEn‑5293760±100BP,quecalibrada—CALIBRev5.0.1—conduzaos intervalos:para1s2330‑2030calBC;para2sσ2470‑1930calBC).Outrasdatas,estatisticamentenãodiferenciáveisdestadoMontenovodosAlbardeiros, são as obtidas para a última reutilização funerária da Anta 3 de Santa Margarida(gonçalves,2003b):

Beta‑166418 3780±40BPBeta‑166417 3770±40BPBeta‑166420 3720±50BPBeta‑166421 3730±40BP

Uma outra data estatisticamente idêntica a estas, recentemente publicada (Schubart & al.,2004,p.83),referenteaoiníciodaocupaçãodaladeirasuldeFuenteÁlamo,colocaoiníciodaCul‑turadeElArgar—ElArgarA1(Schubart,2000)—tambémnoúltimoquarteldoIIImilénioa.C.:

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Bln‑47723738±39BP,quecalibrada,conduzaosintervalos2201‑2045calBC,para1s,ou2282‑2029calBC,para2s.

Todosestesdadosdecronologiaabsolutasão,noentanto,emnúmeroaindamuitoescassoparaindiciaremcomsegurançaumaatribuiçãoculturalprecisa(emtermosclássicosdeCalcolíticooudeBronzeInicial)paraodenominadoHorizontedeFerradeira.EsteHorizonte,admitindoasuavalidade,integra‑se,antes,numarealidadeque,comoescreveVictorgonçalves(2003b,p.220),“temquevercomumdoscontextospiorconhecidosnafachadaatlânticadaPenínsulaIbérica,ou,maisadequadamente, no Centro e Sul de Portugal: as comunidades do fim do Calcolítico, imediata‑menteanterioresaoadventodassociedades,igualmentemuitomalconhecidas,daIdadedoBronzeAntigo”.Aliás,serátalvezalturadecolocaraquestãosobreoqueéquediferenciaaquelas“comuni‑dades”daquelas“sociedades”.Osrituaisfunerários?Oacervoartefactual?Ametalurgia?Aimplan‑taçãoterritorialouomododessaimplantação?EmboraexistaaindaeapenasesseconhecimentoreduzidodequefalaVictorgonçalves,delenãopareceresultarqualquerdiferenciação,peloquenãoseráútilreflectir,antes,sobreavalidadedosconceitos,queparecemvigorar,deCalcolíticoFinaledeIdadedoBronzeAntigonoSudoestepeninsular?

4. Conclusões

OmonumentoMontedaVelha1 (MV1),deaparelhoortostáticoconstituídopor lajesdexistoesverdeado,comcâmaracircularecorredorrelativamentelongo,poderáclassificar‑secomoumpseudo‑tholos,umavezquelhefaltamalgunsatributosdostholoi,designadamenteacoberturadacâmarapor falsacúpulapétreaeoseuusocomosepulcrocolectivo.Acoberturadomonu‑mento,aterexistido,terásidodemateriaisperecíveis,dosquaisnãorestaramquaisquervestígios.Apresençadeelementosvotivosentreoespólio,aausênciadetumuluseoposicionamentodocor‑redor,queterminaemátrioviradoanorte,abrindo‑se,dessemodo,aquemseaproximassepeloacessomaisfácil,sugeremaatribuiçãodeumcarácterritualàutilizaçãodomonumentopelosseusconstrutores(poderáserconsideradocomoumsantuário),interpretaçãoestaquetemsidosugeridaparaumprimeiromomentodeutilizaçãodealgunstholoi(veja‑se,porexemplo,gallay&al.,1973).Oespólio,cerâmicoelítico,associadoaestaprimeirautilizaçãodeMV1permiteatribuir‑‑lheumacronologiadoiníciodoCalcolítico,istoé,dosfinaisdoIVmiléniooudosiníciosdoIIImilénioa.C.Entreesseespóliodeverádestacar‑seumfragmentodeplacadexistoverde,gravadanasduasfaces,comumadecoraçãoinéditanestetipodeartefactoideotécnico,mascujosmotivostêmumparalelopróximoemarterupestregravadae/oupintadanomonumentodefalsacúpuladagranjadeToniñuelo(BuenoRamírez&BalbínBehrmann,1997).

ApósestaprimeirafasedeutilizaçãodeMV1,algumascentenasdeanosmaistarde,acâmaradestemonumentoserviudelocalparaumenterramentoindividual,comcaracterísticasqueoper‑mitemintegrarnodenominadoHorizontedeFerradeira.Paraisso,aproveitandoalgunsesteiosdacâmaraeumalajedexisto,colocadadecutelo,foidelimitadogrosso modoumespaçoondesepro‑cedeuàdeposição,muitoprovavelmenteemsegundainumação,deumindivíduoadultodeidadesuperiora35/40anos.Comodádivasfuneráriasregistaram‑setrêsvasosdecerâmica,metidosunsnosoutroseprotegidosporumaestruturaconstituídaporduas lajesdexisto,encostadaspelotopoeformandoumânguloagudo.Entreessesvasos,destaca‑seumvasocampaniformeliso,comparalelosmuitopróximosnasdádivasfuneráriasdasegundafasedeinumaçõesdotholosdoMontedoOuteiro(Schubart,1965,1971).Foipossíveldatarumfragmentodecalotecraniana,tendo‑seobtidoadataBeta‑1940273900±40BP,aprimeiraparaumcontextoatribuívelaoHorizontede

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REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5150

Ferradeira.Destemodo,contextosdestetipodeverãointegrar‑senacharneiraentreoCalcolíticoeaIdadedoBronzedoSuldePortugal.

Agradecimentos

Agradece‑se,reconhecidamente,aoscolegasAntónioJ.M.SilvaeAnaMariaDuarteS.gon‑çalvesaamabilidadeemmedisponibilizaremoslevantamentostopográficoseasplantasdocon‑textoexterioraMV1,nasuavizinhançaimediata,equeseencontramreproduzidosnasFigs.3e4,comasnecessáriasadaptações.Agradece‑se,também,aoRuiMongeSoaresotratamentodigitaldamaiorpartedasimagenspublicadasnestetrabalho.

Osmeusagradecimentos,igualmente,paraasDoutorasAnaMariaSilva,MariaTeresaFer‑reiraeEugéniaCunha,quetornarampossível,eaquemsedeve,oestudodosescassosrestosósseosdoenterramentosecundáriodeMV1,osquaisseencontravam“perdidos”alguresnasreservasdoDepartamentodeAntropologiadaUniversidadedeCoimbra,ondetinhamsidopormimentre‑guesnolongínquoanode1976.

Porfim,omeumuitoobrigadoaoJoséManueldosSantosPaulinoeaseuPai,proprietáriosdoolivalondeMV1seencontraimplantado,quemeautorizaramoestudodomonumentoetêmveladopelasuaconservaçãoaolongodestesanos.

NOTAS

* LaboratóriodeRadiocarbono,InstitutoTecnológicoenuclear,Estradanacional10,2686‑953Sacavém

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