O suicídio de escravos na Província de Sergipe (1849-1878)
José Marcos Santos Maciel1
O estudo do suicídio de escravos é um ramo proficiente e que desperta a
curiosidade dentro da historiografia brasileira contemporânea. Inúmeras são as questões
que surgem quando nos aproximamos de tal problemática, como: o suicídio de cativos
em Sergipe foi uma forma de negociação? Foi uma resistência individual contra o sistema
escravista? Foi uma contestação contra os castigos recebidos pelos seus senhores?
Decorrência da cultura africana? Ou foi resultado do banzo uma nostalgia da terra natal?
Essas são questões importantes que procuraremos responder no decorrer desta
pesquisa.
Imagem I2
1 Professor da Prefeitura Municipal de Boquim e Itabaianinha e Licenciado em história pela Universidade
Federal de Sergipe. 2 Imagem retirada do livro: Laços de família e direitos no final da escravidão de Hebe M. Mattos de
Castro in: História da vida privada no Brasil; 2, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 346.
O tipo de morte mostrada na figura acima foi muito comum em Sergipe do
período em estudo, principalmente entre os cativos.
Conforme Emile Durkheim, o suicídio é “todo caso de morte que resulta, direta
ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima e que
ela sabia que deveria produzir esse resultado”3.
Para o sociólogo, “a tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes
que resultasse na morte (...)”4.
Ainda de acordo com o sociólogo, cada sociedade está predisposta a fornecer um
contingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o
suicídio é a análise de todo o processo social, dos fatores sociais que agem não sobre os
indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada sociedade
possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio.
3 DURKHEIM, Émile. O suicídio, Apud. RODRIGUES, José Albertino, Ática, São Paulo-SP, 2000, p.103. 4 Idem.
Durkheim, divide os suicídios em três etapas: o altruísta, o egoísta e anômico. O
suicídio egoísta é aquele em que o ego individual se firma demasiadamente face ao ego
social, ou seja, há uma individualização. As relações entre os indivíduos e a sociedade se
afrouxam fazendo com que o indivíduo não veja mais sentido na vida, não tenha mais
razão para viver, pois segundo Durkheim, “nesse caso se afrouxa o laço que liga o homem
à vida, é que o laço que o liga à própria sociedade se relaxou”5.
O sociólogo Francês, abrange em três variáveis o suicídio altruísta (o facultativo,
o agudo e o obrigatório). O suicídio altruísta é referido pelo mesmo, como insuficiência
de individualização, ocorrendo mais frequentemente naquilo que Durkheim, chama de
sociedades primitivas, onde os indivíduos estão de tal forma sobreposto pelo coletivo que
por vezes tem o dever de se matar e o fazem, sendo imbuído inclusive de certo sentimento
de heroísmo. Contudo, a pesar de tais suicídios forem praticados com mais frequência nas
sociedades inferiores pode-se encontrá-los também entre as civilizações modernas,
segundo Durkheim. Como por exemplo, os mártires cristãos, como os neófitos “que, se
matavam, se faziam voluntariamente matar”6.
Então, o suicídio altruísta é aquele em que o ego não o pertence, confunde-se
com outra coisa que se situa fora de si mesmo, isto é, em um dos grupos a que o indivíduo
pertence. Podemos também citar os casos dos kamikazes japoneses, os muçulmanos que
colidiram com o World Trade Center em Nova Iorque, em 2001 entre outros.
Por fim, o suicídio anômico para o sociólogo é aquele que ocorre em uma
situação de anomia social, ou seja, quando há ausência de regras na sociedade, gerando o
caos, fazendo com que a normalidade social não seja mantida. Em uma situação de crise
econômica, por exemplo, na qual há uma completa desregulação das regras normais da
sociedade, certos indivíduos ficam em uma situação inferior à que ocupavam
anteriormente. Assim, há uma perda brusca de riquezas e poder, fazendo com que, por
isso mesmo, os índices desse tipo de suicídio aumentem. É importante ressaltar que as
taxas de suicídio anômico são maiores em países ricos, pois os pobres conseguem lidar
melhor com as situações.
5 DURKHEIM, op. cit. p.111. 6 DURKHEIM, op. cit. p.115.
Em nossa pesquisa foi encontrado 58 suicídios e 4 tentativas praticados pela
população livre e escrava sergipana de 1849-1878 presentes nos Relatórios de Presidentes
da Província.
Dos 55 suicídios que identificamos a condição social e as causas das mortes,
acreditamos que os mesmos estão mais próximos da classificação de suicídio egoísta, já
explicado anteriormente. Porém, afirmamos que o suicídio é um ato complexo praticado
por seres humanos, que cujos trazem consigo suas manifestações, sentimentos e
inquietações, por isso não é altamente explicável, como mostraremos no decorrer de nossa
pesquisa que não houve um só motivo para que livres e escravos de Sergipe cometessem
os suicídios.
Observando ainda tais relatórios, percebemos que o suicídio foi uma prática
comum em Sergipe provincial, entre a população livre e escrava, sendo que ocorreu três
no ano de 1858, cinco em 1861, três em 1863, doze em 1865, nove em 1866, sete em
1867, duas em 1868, sete em 1869, quatro em 1870 e quatro em 1873, dois em 1875.
Iremos abaixo descrever os suicídios ocorridos na província conforme os
relatórios de 1849-1878, onde alguns trazem riquezas de detalhes, outros omitem algumas
informações, porém ambos são importantes fontes históricas para o estudo de suicídios
das populações livres e escravas de Sergipe no período em estudo. Entretanto, estamos
cientes, que para um estudo mais detalhado e aprofundado do assunto, seria preciso fazer
uso de outras fontes históricas, como jornais e processos crimes. Sobretudo, utilizamos
de fontes bibliográficas que tratam do referido tema, para dar suporte ao nosso método
investigativo, juntamente com os Relatórios de Presidentes de Província.
Os registros policiais de Sergipe presente nos relatórios, geralmente descreviam
a condição social dos suicidas (livre e escravo), a causa e os métodos praticados por estes,
e em alguns casos apareciam as localidades que aconteceu os fatos. Contudo, a cor não
foi um elemento apresentado na documentação consultada, divergindo de Recife7. A
documentação policial da província sergipana, muitas das vezes, apresentam casos com
parcas informações, na maior parte técnicas (limitando-se aos métodos, as causas das
7 CANARIO, Ezequiel David do Amaral. É mais uma scena da escravidão: suicídio de escravos na cidade
do Recife, 1850-1888. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, fevereiro, 2011.
mortes e as vezes os locais), havendo anos em que não localizou nenhum registro de
suicídio em toda a região de Sergipe.
Devemos ressaltar que existia uma grande fragilidade nas fontes policiais, por
conta da ineficiência no momento de registrar os fatos ocorridos, isso na Bahia de 1850-
1888, observado por Jackson Ferreira, contudo, acreditamos que em Sergipe da segunda
metade do século XIX ocorria o mesmo. O autor referido analisando um relato policial
enviado ao Presidente de Província do ano de 1852 na Bahia, observa que
a extensão da Província, a falta de correios, em alguns municípios, e a
morosa comunicação com as comarcas longínquas, além do pouco zelo,
e aptidão de muitos Funcionários públicos do interior da Província, e
quase sempre a ausência de Juízes letrados em tais lugares, são, como
já tive ocasião de ponderar, a causa de alguma demora na remessa à
essa secretaria de Estado de trabalhos estatísticos, como os que hora
transmito, acrescendo também a necessidade de muitas vezes de
desenvolverem à grandes distancias, trabalhos parciais, para serem
reparados alguns, e notáveis faltas, que de certo poriam obstáculos à
exata organização dos mapas gerais8.
Sobre os correios sergipano no período de 1849-1878, esta repartição era pouco
eficiente, pois atrasava com frequência os seus serviços, devido principalmente um
número diminuto de funcionários que ficavam a frente do Correio Geral, onde havia
muitos extravios de malas em que os estafetas levavam cartas, ofícios e outros
documentos por meio de cavalos. Por conta disto, o presidente de Sergipe de 1851
Amancio João Pereira de Andrade, solicitou desde o princípio de sua administração
algumas providências para que as agências dos correios fossem mais bem distribuídas
pela Província. Porque muitas vezes, conforme o presidente, as autoridades mais centrais
não tinham notícias que lhes são expedidas, ou quando tinham era somente quando estas
eram publicadas pela imprensa. E além do mais, um grande número de ofícios que eram
enviados pelas agências dos correios voltavam e eram retardados de 3 até 4 anos sem
terem destinos9.
No ano de 1861 o Administrador do Correio Geral de Sergipe, Ignacio José de
Souza, comentado ao presidente da província do corrente ano, que precisava-se criar mais
sete agências dos Correios na Província e que por causa das diminutas agências alguns
8 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888). Afro-
Ásia, 2004, p. 200. 9 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1859 do Dr. Amancio João Pereira de Andrade, p. 28.
Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 06/01/2016.
crimes não eram solucionados, em virtude que “não podendo por tais occasiões ser alguém
acusado, visto como não ha meio estabelecido para seu transporte, e só diligencia bem arriscada
dos Agentes effectua-se a entrega”10.
Em todos estes anos frisados, totalizamos 58 mortes provocadas por suicídios,
visto que, cerca de 69% destas foram praticadas por escravos e aproximadamente 31%
por livres11. Tais dados nos remetem afirmar que os suicídios praticados em Sergipe
segundos os relatórios de 1849 a 1878 foram praticados em sua maior parte por escravos.
Tratando desse assunto, Kátia Mattoso, também argumenta que “os escravos
suicidaram-se em muito maior número do que os homens livres”12. Tal historiadora para
cimentar sua hipótese, relata casos de suicídios em Sergipe, Rio de Janeiro e Bahia. Por
exemplo, no primeiro Estado citado, Mattoso, afirma que no ano de 1865 de cada cinco
casos desse tipo de morte, quatro são de cativos13. Também encontramos esses dados no
relatório do presidente Cicinnato Pinto da Silva, do ano de 1865.
O fato de haver mais suicidas escravos do que indivíduos livres é explicado pelo
presidente de província Dr. Cincinnato Pinto da Silva, em sua fala ele afirma que “não
ha duvidas que a escravidão é, como todas as grandes aberrações da lei moral, uma
origem funesta de excessos, crimes e horrores, ante as quaes se perturba e se confrange
o sentimento e espirito humano”14.
Porém, é bom mensurar que as pessoas livres ocultavam os casos de suicídios e
também de tentativas, pois segundo o historiador João José Reis, estes procuravam evitar
sanções morais e religiosas15. Por isso, possivelmente em Sergipe do período em estudo
houve mais casos de suicídios de livres que não foram relatados nos relatórios.
Neste sentido Ferreira cita o caso do coronel Raimundo Francisco de Macedo
Magarão que morava na freguesia da Vitória, em Salvador. Ele suicidou-se em março de
10 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1861 do governo de Dr. Thomaz Alves Junior, p. S7-
2. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 20/01/2016. 11 Como não sabemos a classe social dos suicidas do ano de 1858, ou seja, se estes eram cativos ou livres,
e os motivos de sua mortes, então não calculamos os três suicídios ocorridos neste ano para facilitar os
cálculos.
12 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil, São Paulo: Brasiliense, 2003, p.155. 13 Idem. 14 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1865 do governo do Dr. Cincinnato Pinto da Silva, p.
S9-13. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 05/01/2016. 15 REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX, São
Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 192.
1871 e utilizou o método do envenenamento, todavia, tentou encenar que foi uma morte
por afogamento. Mas seu plano deu errado, pois foi encontrado “o frasco contendo
láudano, que no dia anterior se encontrava em sua mesa de trabalho, foi encontrado na
praia no mesmo local onde ele havia sido resgatado. A suspeita de suicídio foi
confirmada pela autópsia”16.
Com isso então o autor afirma que “apesar do coronel Magarão não ter logrado
êxito no seu objetivo, é provável que outros suicidas o tivessem”17.
Ainda com relação aos suicídios de escravos, Roger Bastide propõe que isto seria
um motivo de protesto contra a escravidão, cujo seria um meio de se libertar de uma vida
de pleno castigos, como também seria resultante das saudades da terra natal18.
Conforme Antônio Muniz de Souza, os rigorosos castigos, o intenso trabalho na
labuta diária dia e noite, sol e chuva, “cada hum destes motivos he para hum escravo
cauza bastante de morrer até voluntariamente”19. Este mensura, ainda, que os cativos
tiravam suas vidas de diversas formas e uma delas era se precipitando nos rios20.Para
Mary Karasch, uma das razões para a tentativa e o suicídio era a crença, entre os cativos,
de que após a morte os seus espíritos iriam retornar à África21.
Em relação a fuga, a escrava Maria, no ano de 1866, “tentou fugir diversas vezes,
mas ao ser capturada era castigada e tentou o suicídio, porém não teve êxito”22.
Karasch, em intenso estudo na primeira metade do século XIX, no Rio de
Janeiro, através de variados tipos de fontes, identificou como práticas mais corriqueiras
16 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888). Afro-
Ásia, 2004, p. 200-2001. 17 FERREIRA, op. cit. 2001. 18 BASTIDE, Roger. Os suicídios em São Paulo, segundo a cor. Apud: OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA,
Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da
escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 384. 19 SOUZA, Antonio Muniz. Viagens e observações de um brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro, 1834, p. 32,
In: Rubens Borba Alves de Moraes, Brasiliana, USP, cópia digital disponível no site
https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1. 20 SOUZA, Antonio Muniz. Viagens e observações de um brasileiro. 3 ed., Salvador: IGHB, 2000pp.
172-173, In: SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e
mulheres escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888), Salvador, 2004, Dissertação (Mestrado
em História). Pós-graduação em História Social - Universidade Federal da Bahia, pp 156-157. 21 MARY, Karash C. A vida dos escravos no Rio Janeiro (1808-1850), São Paulo: Companhia das
letras, 2000, pp.397-438. 22 SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e mulheres
escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888), Salvador, 2004, Dissertação (Mestrado em
História). Pós-graduação em História Social - Universidade Federal da Bahia, p. 156.
para os suicídios, o afogamento, o enforcamento ou estrangulamento e o uso de armas
branca e de fogo. Em nossa pesquisa podemos enxergar que em Sergipe essas foram as
práticas mais utilizadas pela população livre e escrava. Com relação ao que levaram as
causas dos suicídios, a seguinte historiadora:
Levanta e comenta o que considera as principais motivações para os
suicídios: rebeldia contra a condição cativa e consequência dos maus-
tratos; a nostalgia chamada de banzo e outras perturbações mentais
graves; e desejo de retorno espiritual à África. Quanto ao último ponto,
procura estabelecer conexões entre as crenças religiosas de grupos
étnicos africanos mais presentes no Rio de Janeiro da época (como os
ali chamados de congos, oriundos do centro-oeste africano) e o uso de
métodos de suicídios como enforcamento ou afogamento, que
facilitariam a desejada viagem espiritual à terra natal23.
Tratando do banzo, este é relacionado por Clóvis Moura como “estado de
depressão psicológica que se apossava do africano logo após seu embarque no Brasil.
Geralmente os que caíam nessa situação de nostalgia profunda terminavam
morrendo”24.
Provavelmente o escravo do tenente coronel João Dantas Martins dos Reis,
chamado Liandro, morreu de banzo. Por que de posse do livro de óbito de Riachão do
Dantas, visualizamos que a causa da sua morte foi ocasionada pela fome. Liandro era
solteiro e faleceu em 10 de abril de 1859, aos 45 anos de idade e foi enterrado no cemitério
da vila de Riachão25.
Para esclarecer melhor a respeito das informações apresentadas sobre a maneira
como foram praticados e as causas que levaram os suicídios. Vejamos os gráficos e tabela
logo a seguir.
23
OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo, O suicídio de escravos em São Paulo
nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15,
n. 2, 2008, p. 374. 24 MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil, São Paulo, Edusp, 2004, p. 63. 25 Livro de óbito de Riachão do Dantas de 1856 – 1873, p. 17v.
Gráfico 1 - Suicídios da população livre e escrava de Sergipe (1849-1878)
Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878
Vislumbrando o gráfico 1, percebemos que o enforcamento foi a prática mais
comum dos suicidas livres e escravos sergipanos, com 63,6%, conforme os relatórios
pesquisados. Tal método foi praticado em maior índice pela população escrava (29) e
livre (06), ou seja, quase 83% dos enforcados eram cativos. Outra forma de suicídios
bastante realizados pela população cativa e a livre foi o envenenamento, com 12,7%,
porém, os indivíduos livres executaram com mais frequência esse tipo de técnica que os
cativos, com cerca de 57% para 43% respectivamente.
De acordo com a documentação pesquisada, podemos afirmar que tanto o
enforcamento como o envenenamento foram às táticas mais empregadas por livres e
escravos, pois dos suicídios ocorrido entre 1849 a 1878 presentes nos relatórios,
aproximadamente 76% utilizaram-se destes métodos. Enquanto os afogamentos,
navalhadas no pescoço, arma branca e de fogo representam 24% dos suicídios. Os dois
primeiros foram métodos praticados por cativos e os outros por livres, com exceção de
um escravo que se matou com arma de fogo.
12,7%
63,6%
5,5%3,6%
7,3%7,3%
Suicídios: meios como foram praticados (%)
substância venenosa
enforcamento
afogamento
navalhadas no pescoço
arma branca
arma de fogo
TABELA 1- Suicídios da população escrava de Sergipe e métodos praticados
(1849-1878)
Métodos Quantidades Porcentagem
Substância venenosa 03 7.9%
Afogamento 03 7.9%
Enforcamento 29 76.3%
Navalhadas no pescoço 02 5.3%
Arma de fogo 01 2.6%
Total 38 100%
Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.
Analisando a tabela a cima percebemos que os cativos de Sergipe utilizaram em
maior quantidade como prática de suicídios o enforcamento. Em seguida vem com o
mesmo percentual as substâncias venenosas e o afogamento. Por fim, as práticas menos
utilizadas pelos escravos suicidas foram navalhadas no pescoço com 5.3% e a arma de
fogo 2.6%.
Em relação aos suicídios de livres encontramos 17 no decorrer desta pesquisa.
Estes foram divididos na ordem decrescente da seguinte maneira: 6 enforcamentos que
representa 35.3% dos suicidas livres. Depois vem representados com o mesmo percentual
23.5% cada (substância venenosa e arma branca). E por último vem os suicídios
perpetrado por arma de fogo com duas mortes representando 17.7% dos suicídios dos
livres.
Em São Paulo, Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda na
pesquisa “O suicídios de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da
escravidão” segundo estes autores os meios mais utilizados pelos suicidas escravos foram
enforcamento, afogamento e arma de fogo. Já a população livre utilizou-se com mais
frequência o uso de arma de fogo e envenenamento26.
26 OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo
nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15,
n.2, abr.-jun. 2008, p. 381.
Tratando do suicídio de escravo na Bahia, Jackson Ferreira encontra um número
de 155 cativos que tiraram suas vidas. As práticas mais comum encontradas por ele foi o
enforcamento (44,5%), o envenenamento (21,9%) e afogamento (19,4%)27.
Ainda de acordo com o mencionado autor, o que fazia com que o cativo
escolhesse o método de sua morte era que “em primeiro lugar, o objetivo no ato conta
muito na escolha do meio”28. Ou seja, para os escravos que desejasse somente forçar uma
situação de negociação com seu proprietário, mostrando a seu senhor que o mesmo
poderia perder a sua valiosa mão de obra. Então, Ferreira indaga que “a opção pelas
armas brancas era mais eficaz, já que 31,3% dos suicidas malsucedidos optaram por
essa modalidade”29.
Em Sergipe do período em estudo encontramos três escravos utilizando da arma
branca (faca) para tirar sua vida, mas ficou na tentativa. Supomos que os escravos que
acabaram sobrevivendo, após tais atos negociaram com seu senhor melhores condições
no cativeiro, assim argumentado acima por Ferreira.
Além destas tentativas de suicídios houve o caso de uma africana livre de nome
Virginia que morava na rua São Cristóvão em Aracaju que no dia 07 de agosto de 1875,
em casa do africano de nome Sebastião, também tentou se suicidar com uma faca. A ex
escrava mencionada, felizmente escapou da morte, porém o ferimento foi grave30. No
documento não consta o motivo que levou Virginia a fazer tal ato. Em nossa pesquisa
observamos também que quatro homens livres suicidaram-se usando este tipo de método.
Todavia, assim como Ferreira pontua que o enforcamento foi a modalidade mais
praticada pelos escravos baianos, em Sergipe este método também foi o mais praticado
pelos cativos com 76.3% como podemos ver na tabela 1 anteriormente. Assim
concordamos com o dito autor, quando este afirma que:
a disponibilidade do instrumento utilizado é outra questão que
não pode ser desprezada, pois para muitos escravos era mais fácil
encontrar cordas com as quais poderiam subtrair a própria vida
27 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888), Afro-
Ásia, 2004, p. 221. 28 Idem. 29 FERREIRA, op. cit. p. 221-222. 30 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1875 do governo de Antonio dos Passos Miranda, p.
18. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 04/01/2016.
do que uma arma de fogo, instrumento perigosíssimo nas mãos
de um escravo e por isso mais longe de seu alcance31.
Contudo, se a disponibilidade do instrumento for o fator determinante na escolha
do escravo, então porque em nossa pesquisa o envenenamento foi equiparado ao
afogamento com 3 mortes cada, pois o veneno era restrito aos cativos?
Este fato é explicado pela historiadora Mary Karasch, quando esta afirma que o
suicídio praticado por afogamento era mais comum do que o registrado. Isso porque os
cativos que tiravam suas próprias vidas utilizando-se desta modalidade não eram
identificados como suicidas, exceto caso tivesse testemunha.
Houve uma morte de asfixia por submersão (afogamento), a do escravo Nicolao
acusado de cometer um crime de morte na Vila de Simão Dias, foi preso pelo delegado
de Jeremoabo e passando com a escolta que o conduzia sobre uma ponte no ribeiro Caiçá,
já perto daquela vila, lançou-se ao ribeiro no dia dez de outubro, aparecendo dias depois,
onde o seu cadáver encontrava-se em estado de putrefação adiantada, ou seja, neste caso
houve testemunhas. Por conseguinte, segundo Karasch, neste caso as autoridades
policiais registravam apenas os números de mortos encontrados, sem se preocuparem em
averiguar as causas das mortes32. Por isso, acreditamos que houve em Sergipe mais casos
de suicídios por afogamentos praticados por escravos, do que os três casos encontrados.
Conforme Jackson Ferreira, a escolha de um escravo em morrer enforcado em
uma árvore, pode estar ligada a razões culturais, ou possivelmente à maior disponibilidade
de cordas ou cipós. Em Sergipe encontramos três cativos que se utilizaram deste método
no ano de 1865. Em 12 de abril, foi encontrado no Termo de Santa Luzia o escravo Olavo,
suspenso a uma árvore preso por um laço de cipó no pasto do engenho do Comandante
Superior Antonio Martins Fontes-senhor deste. Também foram encontrados da mesma
maneira, os escravos David e Luiz. O primeiro era cativo do Tenente Coronel Joaquim
José de Calasans Bittencourt e foi visto no pasto de seu senhor, morto como Olavo, no
dia nove de maio, no mesmo Termo em Santa Luzia. O segundo era escravo de Guilherme
José Barboza e foi achado no sítio Jardim perto da cidade de São Cristóvão no dia dez de
31 FERREIRA, op. cit. p. 222. 32 MARY, Karash C. A vida dos escravos no Rio Janeiro (1808-1850), São Paulo: Companhia das
letras, 2000, p. 416.
dezembro, morto do mesmo modo que os dois, de asfixia por estrangulação
(enforcamento).
De acordo com Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda:
Os meios empregados pelos suicidas podem refletir maior ou
menor determinação de morrer e ter sido escolhidos conforme
sua letalidade presumida (muito alta no caso de enforcamento,
por exemplo), mas certamente considerando sua disponibilidade.
Os poucos casos de escolha de arma de fogo parecem estar
associados ao acesso a esse meio, muito restrito no caso de
escravos; já o enforcamento poderia ser executado de várias
maneiras, usando objetos e circunstâncias disponíveis, tal como
descrito nas notícias (com cordas, peças de roupa, em árvores,
nas grades da cadeia etc.). De forma semelhante, instrumentos
cortantes de uso cotidiano, como facas de cozinha, canivetes ou
navalhas, poderiam ser obtidos pelos escravos sem muitas
dificuldades.
Henry Coor, frisa que os cativos de origem da Costa do Ouro, por exemplo,
preferiam se suicidar cortando a garganta, já os escravos das regiões interioranas
priorizavam o enforcamento. Conforme o mesmo autor, na Jamaica quatorze escravos por
conta dos castigos excessivos, fugiram para a floresta e cortaram as suas gargantas33.
Também encontramos dois casos de escravos utilizando-se de navalhas e que se
suicidou cortando o pescoço. Um no ano de 1865 e outro em 1873. O primeiro cortou a
garganta com golpes de navalhas, devido ter sido castigado com prisão e também foi
ameaçado de ser vendido. O segundo era originário da Chapada (atual Cristinápolis), usou
também a navalha para suicidar cortando a sua própria garganta, sendo o motivo por tal
ato alienação mental.
Karasch propõe que alguns métodos que os africanos usavam para tirar suas
próprias vidas ligava-se ao desejo de retorna à África, e que
O afogamento e o enforcamento em árvores, significativos no
contexto das crenças africanas, facilitariam a passagem de seus
espíritos para a terra natal. Os que se afogavam talvez
acreditassem que a água era a barreira (Calunga) que detinham
de cruzar para chegar à África e reunir-se aos ancestrais34.
33 COOR, Henry, apud: FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia
(1850-1888), Afro-Ásia, 2004, p. 223. 34 Karasch, op. cit. p. 418.
Além disso, o afogamento e o enforcamento é visto por Roger Bastide como
sendo conectado a representações da gênese africana, por estes métodos facilitarem o
regresso à África, por intermédio da reencarnação35.
Gráfico 2 - Suicídios da população livre e escrava de Sergipe (1849-1878)
35 BASTIDE, Roger. Os suicídios em São Paulo, segundo a cor. Apud: OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA,
Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da
escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 382.
Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878
Observando o gráfico 2, podemos visualizar que 58,2% das causas dos suicídios
foram ignorados (não consta) na documentação o motivo porque as pessoas se mataram.
Foram 32 o número de mortes ignoradas, sendo aproximadamente 81% de escravos e
19% de livres.
Segundo os relatórios de presidente de província de 1849 – 1878, os motivos que
mais levou a população livre e escrava sergipana a tirarem suas próprias vidas foram
castigos excessivos (escravos) e perturbação mental. De acordo com os relatórios, das 8
mortes ocasionadas pela perturbação mental, 62,5% foi por livres e 37,5% por escravos.
Depois vêm as prisões e punições como criminoso (cativos), ciúmes e paixões (livres).
Por fim, aparece a falta de recursos financeiros, embriagues, prisão e ameaças de ser
vendido. Os dois primeiros foram fatores determinantes que levaram pessoas livres a
cometerem suicídios e o último de um cativo.
1,9% 1,9%
58,2%12,7%
1,8%
3,6%
1,8%14,5%
3,6%
Suicídios: causas que determinou as
mortes (%)falta de recursos
embriagues
ignorada
castigos excessivos
prisão e punição comocriminoso
ciúmes
prisão e ameças de servendido
pertubação mental
paixão
Se analisarmos as causas dos suicídios em Sergipe do século XIX por condição
social encontraremos os seguintes dados: a maioria das causas das mortes dos escravos
foram ignoradas, conforme os relatórios de 1849-1878, sendo que, dos 38 suicídios
cometidos pela população cativa, 25 não consta as causas. Encontramos que 7 suicídios
foram ocasionados por conta dos castigos excessivos, 3 foram devido a perturbação
mental, 1 captura após fuga, e os outros dois foram 1 prisão e ameaças de ser vendido e
1 prisão e punição como criminoso de morte. Já dos 17 suicídios cometidos pelos livres,
6 foram ignoradas as causas, 5 suicídios foram ocasionados pela perturbação mental, 2
por paixão, 2 por ciúmes, falta de recursos e embriagues um cada.
De forma semelhantes, aos casos, de São Paulo e Bahia, onde Oliveira e Oda e
Ferreira, apontaram que as causas diretamente submitidas à escravidão (captura após
fuga, ameaça de venda e castigo) foram responsáveis por metade das possíveis
motivações dos suicídios. Em Sergipe, dos 13 casos que constam os motivos das mortes,
9 estavam ligadas diretamente à escravidão, ou seja, cerca de 69%.
Os suicídios de livres e escravos ocorreram em maior número em Santa Luzia e
em Itabaianinha com 6,9% (4) suicidas cada, do total que constam os nomes das
localidades em que aconteceram as mortes. Em seguida estão: Maruim, Estância, Rosário,
São Cristóvão, Divina Pastora e Lagoa Vermelha, ambos com dois suicídios, sendo
representado no gráfico por 3,45% e totalizando 20,7% dos suicidas em Sergipe do
período. Representando 10.3% dos suicidas sergipanos, estão: Laranjeiras, Chapada,
Campo do Brito, Socorro, Simão Dias e Riachuelo com 1 morte por município.
Infelizmente 32 suicídios da nossa amostra não constam nos relatórios os nomes das
localidades que se sucederam, o qual representa 55,4% do total de 58 mortos que tiraram
suas vidas na Província no período estudado.
Se dividimos os suicídios por freguesias e as condições sociais fica da maneira
a seguir.
TABELA 2 - Suicídios por localidades e condições sociais
Localidades Livres Escravos Não informa
Santa Luzia 01 02 01
Itabaianinha - 01 03
Maruim - - 02
Estância - - 02
Rosário 01 - 01
São Cristóvão 01 01 -
Divina Pastora - - 02
Lagoa Vermelha 01 01 -
Simão Dias - 01 -
Socorro - 01 -
Riachuelo - 01 -
Laranjeiras - - 01
Chapada - 01 -
Campo do Brito 01 - -
Total 05 09 12
Fonte: Relatórios de Presidentes de Província de Sergipe de 1849-1878.
Dos 26 suicidas que é declarada a localidade em que aconteceu o ato,
encontramos 05 suicídios de livres, 09 de cativos e 12 não consta as condições sociais nos
relatórios. Dessa amostra 34.6% são escravos, 19.2% são livres e 46.2% não consta a
condição social. Vejamos abaixo a tabela referente a condição social dos suicidas por
década.
TABELA 3 - Condição social dos suicidas em Sergipe por década
Década Escravo Livre Total
1849-1859 - - 0336
1860-1869 31 14 45
1870-1878 07 03 10
Total 38 17 58
Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.
Analisando a tabela 3, podemos averiguar que a década que aconteceu mais
suicídios de escravos e livres foi a de sessenta com aproximadamente 80%. Nos anos
setenta do século XIX, ocorreu dez suicídios, o qual representa 17,2%. Os suicídios da
década de sessenta tiveram um aumento de 1.500% em relação a década anterior, um
número absurdamente alto. Contudo, se compararmos os suicídios da década de sessenta
36 Só houve três suicídios nesta década, mais especificamente no ano de 1858, porém, não sabemos as
condições dos suicidas.
com a posterior houve uma diminuição de aproximadamente 563%, também é um número
bastante alto.
Sobre a assertiva que denota a década de 60 do século XIX, com uma grande
superioridade de suicídios da população livre e escrava de Sergipe, colocaremos algumas
hipóteses. A primeira é que na década de 50 do devido século, a província sergipana foi
massacrada pelo cólera-morbo, ceifando inúmeras vidas. O que pode ter ocasionado a
mudança de foco das autoridades para solucionar o dito problema, deixando talvez de
registrar os suicídios que aconteceram neste período, explicando o baixíssimo número de
mortos que se utilizaram desta prática. Segundo, que a dita epidemia massacrou tanto
livres como cativos reduzindo o número de habitantes em Sergipe e consequentemente o
número de suicídios. Terceiro, que na década de sessenta, houve uma diminuição nas
mortes ocasionadas pelo cólera, mas não foi o fim, pois postulamos que tal flagelo
continuou matando pessoas nos primeiros anos da mesma década, porém, não com a
mesma intensidade dos anos cinquenta. Então, com um pouco de alívio dos sergipanos
em relação a dita doença, provavelmente as autoridades passou a registrar com mais
frequência os suicídios.
Se levarmos em conta a conjuntura em que estava passando o povo sergipano,
onde viviam tempos difíceis devido o cólera, que matou milhares de pessoas, ocasionando
falta de mão de obra e a carestia dos alimentos, conforme os relatórios consultados. Na
década de 70 do século XIX, o cólera parou de ceifar vidas em Sergipe. Entretanto, outro
flagelo ganha destaque, a varíola, que no ano de 1873 toma caráter epidêmico
principalmente na Capital, Maruim, Laranjeiras, Estância e Divina Pastora. Inclusive em
Aracaju causou neste mesmo ano 274 mortes. Talvez este motivo explica a grande
diminuição no número de suicídios nesta década, pois as autoridades estavam
preocupadas em solucionar o problema com a varíola e provavelmente não registrou os
suicídios corretamente. Outro fator que pode ter contribuído para a diminuição dos
suicídios é que no período de 1873 a 1886, ocorreu uma redução no número de escravos
na Província sergipana conforme Passos Subrinho:
Já vimos com base nos dados fornecidos pelos boletins estatísticos de
atualização da matrícula de escravos de 1873, que no período 1873-86
a população escrava teve uma redução de 10.192 pessoas. Deste total,
5.376 deve-se às mortes, 3.526 às alforrias de escravos e 893 à
exportação líquida de escravos37.
Também segundo o autor frisado, assistiu-se em Sergipe na segunda metade da
década de 70 do século XIX “uma retomada das exportações de escravos”38. Estes são
fatores que possivelmente pode ter acarretado decisivamente na diminuição de suicídios
em Sergipe, principalmente da população escrava.
Um fato é importante que devemos mencionar é que em Sergipe em todas as
décadas o suicídio de escravo foi superior ao livre. Enquanto na Bahia houve uma
acentuada diminuição nos suicídios de escravos entre 1850-1888 e os livres ocorreu
oscilações nas diferentes décadas e inclusive sendo superior nas décadas de 70 e 8039.
Tabela 4 - Sexo e condição, nos relatos policiais publicados nos relatórios
de Presidente de Província de Sergipe40
Sexo Escravos Livres
Suicídios Tentativas Total Suicídios Tentativas Total
Masculino 37 (100%) 03 (100%) 40 (100%) 17
(94,5%)
0 17
(89,5%)
Feminino 0 0 0 1
(5,5%)41
1
(100%)42
2
(10,5%)
Total 37 (100%) 03 (100%) 40 (100%) 18
(100%)
1 (100%) 19
(100%)
Fonte: Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.
Na tabela 4, percebe-se que os homens predominaram nos suicídios entre livres
e cativos. E nas tentativas entre escravos o sexo masculino também foi superior. Com
37 PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho
livre no Nordeste açucareiro, Sergipe 1850-1930. Aracaju: Funcaju,2000, p. 133. 38 PASSOS SUBRINHO, op. cit. 2000, p. 129. 39 FERREIRA, op. cit. p. 206. 40 Em relação ao gênero dos suicidas em alguns relatórios existiam tabelas que continham os números de
suicídios, sendo indicados da seguinte forma: escravos e livres, mas não indicando o gênero. Contudo,
computamos como gênero masculino, pois em outros relatórios quando aconteceu uma tentativa, suicídio
e até homicídio foi divulgado o sexo feminino. 41 Esta mulher que praticou o suicídio chamava-se Virginia de tal. Acreditamos que esta era uma ex cativa. 42 Computamos juntamente com os livres o suicídio da africana liberta que também chamava-se Virginia.
relação ao segundo grupo o baixo número de mulheres utilizando-se de tal procedimento,
possivelmente está ligado a posição social destas, que as tornava exclusiva ao lar e com
isso eram preservadas da exposição pública de seus atos suicidas, especialmente nos casos
das famílias mais abastadas e declaradas importantes, assim relatado por Oliveira e Oda
em São Paulo43. Tanto em São Paulo como na Bahia umas das razões para a superioridade
de homens escravos praticando o suicídio está relacionado o predomínio destes nos
plantéis, devido a preferência do tráfico negreiro por homens44.
Todavia, não podemos reportar tais conclusões para Sergipe, pois a diferença
entre sexo na província era pequena. E inclusive segundo a matricula de escravos de 1872
e 1887 havia mais mulher cativa que homem de mesma condição. Por exemplo, 1872
tinham 11.193 cativas e 10.302 cativos e em 1887 o número de mulheres escravas era de
8.728 para 8.147 escravos45. Supomos que o fator da superioridade masculina cometendo
o ato suicida está relacionado as pressões no cativeiro que era exercida com maior vigor
sobre os homens, assim proposto por Ferreira.
Por diversas razões, as escravas conseguiam mais facilmente a
liberdade que seus companheiros. Não obstante, as mulheres também
se suicidavam. O fato de ser mãe e não querer o mesmo destino de
humilhação e cativeiro para seus filhos pode ter pesado na decisão de
algumas escravas de tentar o suicídio46.
Ferreira, ainda cita o caso da escrava Joaquina que cometeu suicídio em 1853,
por meio do enforcamento na freguesia de Santo Antônio, estando grávida. Então, o autor
frisado, argumenta que “por outro lado, filhos e família podem ter servido como
mecanismo de proteção contra o suicídio, diminuindo a proporção de escravas entre os
que cometiam esse ato”47.
A liberdade do cativeiro não representava uma melhor condição de vida
materialmente para os libertos, porque os mesmos tinham que sobreviver concorrendo o
43 OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São
Paulo nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro,
v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 381. 44 OLIVEIRA & ODA, op. cit. p. 381. FERREIRA, op. cit. p. 229. 45 PASSOS SUBRINHO, op. cit. 2000, pp. 425 e 430. 46 FERREIRA, op. cit. p. 229. 47 Idem.
mercado de trabalho com seus ex-companheiros48. Isto provavelmente intermediou na
tentativa de suicídio da africana liberta de nome Virginia, já apresentado.
Considerações finais
Haja vista, o que foi abordado, concluímos que em Sergipe do período de 1849-
1878, os escravos cometeram tentativas e suicídios em maior quantidade que a população
livre, conforme os relatórios analisados.
Portanto, a história social da escravidão pontua o caráter humano de
proprietários e cativos, assim como sua ação como agentes históricos, mas não
desconsiderando as desigualdades de posições sociais pertinente à escravidão. Não
obstante, é nesta perspectiva, que o suicídio de escravos pode ser enxergado também,
como uma maneira de protestar contra a situação proveniente do cativeiro, porém não
unicamente. Porque devemos considerar a complexidade da experiência da escravidão e
sem deixar de pautar a capacidade humana de encontrar outras formas de viver em
variadas situações e condições.
É neste sentido, que esclarecemos que o fenômeno do suicídio entre cativos no
Brasil e em Sergipe não são altamente explicável, pois os atos suicidas são sobretudo
manifestações humanas e que deve sempre ser esplanadas e ligadas ao contexto histórico
em que se passa. Por isso, esperamos que esta pesquisa traga novos olhares e embate
sobre o suicídio de escravos no Brasil e principalmente em Sergipe, pois na historiografia
sergipana este tema é debatido de forma “simplória”, ou seja, quase sempre de passagem,
geralmente acompanhando comentários genéricos sobre fugas, homicídios, formação de
quilombos, e outras formas de violências que expressam a rebeldia ou meios de
negociações dos escravos e esporadicamente recebeu tratamento meticuloso. E estamos
cientes que esta pesquisa não está pronta e acabada, e que precisa futuramente ser
retomada, estudada e aprofundada com novas fontes históricas, confrontando-as com os
relatórios estudados para tornar a pesquisa mais rica e dinâmica. Esperamos também que
48 FERREIRA, op. cit. p. 232.
através desse estudo novos pesquisadores se interessem sobre a temática e tragam novas
abordagens sobre os suicídios de cativos e livres em Sergipe do século XIX.
Referências
FONTES MANUSCRITAS
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS). Relatórios de Presidente de província
de Sergipe. Disponível no site http://wwwapps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe.
Livro de óbito de Riachão do Dantas de 1856 – 1873, p. 17v.
FONTES IMPRESSAS
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1834, p. 32, In: Rubens Borba Alves de Moraes, Brasiliana, USP, cópia digital disponível
no site https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1.
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Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas
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Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, fevereiro, 2011.
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FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-
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