OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sobre a variação e mudança na forma, na
função e na referência do pronome você
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA DE CONCENTRAÇÀO LINGUÍSTICA E LINGUA PORTUGUESA
OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sobre a variação e mudança na forma, na
função e na referência do pronome você
Por
VALÉRIA VIANA SOUSA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração: Linguística e Língua Portuguesa, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Elizabeth Afonso Christiano
Co-orientador: Prof.Dr. Dermeval da Hoa Oliveira
JOÃO PESSOA2008
VALÉRIA VIANA SOUSA
OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sociofuncional sobre o pronome você
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________Profa. Dra. Maria Elizabeth Afonso Christiano (UFPB)
(Orientadora)
_____________________________________________________Prof. Dr. Dermeval da Hora Oliveira(UFPB)
(Co-orientador)
_____________________________________________________Profa. Dra. Maria Cristina de Assis Fonseca (UFPB)
(Examinadora)
_____________________________________________________Prof. Dr. Camilo Rosa Silva(UFRN)
(Examinador)
_____________________________________________________Prof. Dr. Aloísio de Medeiro Dantas (UFPB)
(Examinador)
_____________________________________________________Prof. Dr. Márcio Martins Leitão(UFPB)
(Suplente)
____________________________________________________Profa. Dra. Maura Regina S. Dourado(UFRN)
(Suplente)
À minha família, que sempre achei que “fez a pós-graduação comigo”, sendo sacrificada, adiada, embora a todo tempo eu fizesse uma busca vã e tentasse conciliar ser filha, mãe, companheira e, sobretudo, ser bipresente;
Aos meus pais, Tina e Souza, por toda a minha história de vida possibilitada por eles, pela construção do ser que sou;
Às minhas filhas Lua e Mar, duas figurinhas que cresceram junto com as idéias dessa tese, estimulando-me desde o início com perguntas linguisticamente surpreendentes e compreendendo a ausência e a “pseudopresença” da mãe durante esses anos;
Ao meu companheiro Gildelson, que aprendeu a lançar o seu olhar sobre o você e a ser pai / mãe simultaneamente.
AGRADECIMENTOS
A viagem. É chegada a hora de aportar em um terno canto e realizar os agradecimentos. São muitos e, profundamente, sentidos. Os caminhos. Os descaminhos. Os percursos, por vezes, largos; por vezes, estreitos; por vezes, íngremes; por vezes, dúbios; por vezes, intercruzados; por vezes, com inúmeros caminhos e, por vezes, sem aparentes saídas. Uma longa jornada... de estradas prazerosas, mas também de estradas acidentadas. No meio do caminho, encontrei, contudo, “seres” que aliviaram e contribuíram com essa viagem, tornando-a mais prazerosa e iluminando os meus caminhos.
O meu agradecimento carinhoso aos amigos e colegas do lado de cá, da Paraíba: a Cida, meu anjo; a Cida Lima e a Neide, grandes amigas de longas conversas acadêmicas e pessoais; a Rose, a minha irmã paraibana; a Telminha, um aconchego em tantos momentos; a Leilane, uma companheira de vivências; a Mag, um amigo luz que a vida me presenteou; a Alessandra, a Ana Clarissa, a Sílvia, a André, sempre tão amigos e tão especiais.
O meu agradecimento aos amigos e colegas do lado de lá, sempre colo, sempre ombro, Cida, Gorette, Luzimare, Zoraide e a Paulo, meu irmão, Eliana e Lavínia, sempre presentes em minha vida.
O meu agradecimento também à turma do VALPB e à turma do VARSUL, às professoras Edair Gorski e Izete Lemkull, aos amigos Marco Antônio e Iva;
O meu agradecimento aos que fizeram parte da construção do meu conhecimento: aos professores que me orientaram durante as disciplinas, Lucienne Espíndola, Maura Regina Dourado, Mônica Nóbrega, Cristina Assis; aos professores que me ensinaram em outros espaços informais, como Ana Cristina Aldrigue, Eliana Ferraz; a Dermeval da Hora, pela amizade e incentivo, pelas palavras sábias e pela rapidez das idéias sociolinguísticas. E, em especial, à Beth Christiano, pela compreensão e tolerância quase “sobre-humana” de entender os meus momentos e pela sua contribuição aos meus estudos.
Os meus agradecimentos às instituições que viabilizaram a pesquisa: ao Departamento de Estudos Linguísticos e Literários (DELL) e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) pela liberação e apoio à pós-graduação; em especial, à Área de Linguística e Língua Portuguesa (ALPL), pela compreensão e respeito ao meu momento de estudo; À FAPESB, pela ajuda financeira que possibilitou a realização dessa pesquisa;
Ao Ser que me iluminou cada dia, me trouxe forças e me mostrou que um longo caminho só é possível a partir dos primeiros passos.
De coração, a todos que se inscreveram nessa minha vivência, por terem transformado a minha jornada solitária em uma jornada solidária, por terem retirado pedras e colocado flores em tantos momentos, por terem minimizado a extensão desse caminho,
o meu muito obrigada!
RESUMO
Esta pesquisa consiste em um estudo que teve como objetivo discutir a referencialidade provocada pelo pronome você. Para isso, iniciamos o nosso texto com a história do pronome você, mostrando a origem desse pronome na locução nominal Vossa Mercê e o seu extensivo uso na atualidade, sobretudo em meios midiáticos. Em seguida, apresentamos uma discussão teórica, composta por estudos sociolinguísticos labovianos que nortearam a análise das nossas variáveis sociais; por estudos funcionais norte-americanos sobre a gramaticalização, que nos forneceram subsídios para compreender os motivos linguísticos que provocaram a mudança da forma Vossa Mercê para a forma você; por estudos de referencialidade, que nos permitiram refletir sobre os sentidos e valores provocados pelo você no ato discursivo e, ainda, por um estudo no qual esboçamos um contraste entre a compreensão da gramática tradicional e da gramática funcional sobre as classes gramaticais e as nuances e alterações sofridas pelos itens que a compõem. Examinamos, a partir dessas correntes teóricas, o pronome você no corpus de Variação Linguística da Paraíba (VALPB). Foram analisadas 60 entrevistas, nas quais localizamos 2004 ocorrências, sendo 944 femininas e 1060 masculinas, distribuídas em três faixas etárias (15 a 25 anos, 26 a 50 anos, mais de 50 anos) e em cinco níveis de escolarização (sem nenhuma escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11 anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização). Interessou-nos saber se os falantes paraibanos usam outras referencialidades do pronome você, quais são essas e qual é o perfil sociolinguístico do falante que usa uma ou outra forma. A partir desses resultados, propomos a discussão sobre o pronome você no espaço escolar. Os nossos resultados apresentaram que o uso do você com a referencialidade genérica e do você com a referencialidade em P1 ocupou 57, 1% nas entrevistas femininas e 66, 7% nas entrevistas masculinas. A tese defendida, então, é de que, na atualidade, tomando como mostra o corpus do VALPB, o pronome você é mais utilizado com outras referencias do que com a referência canônica, única reconhecida pela tradição gramatical. A presente pesquisa conta com o financiamento da FAPESB e com o apoio da UESB.
Palavras-chave: Sociolinguística. Funcionalismo. Gramaticalização. Referencialização. Pronome Você.
ABSTRACT
This research consists of a study that had as objective discusses the referencialidade provoked by the pronoun you. For that, we began our text with the history of the pronoun you, showing the origin of that pronoun in the nominal locution Your Favor and his/her extensive one uses at the present time, above all in means midiáticos. Soon afterwards, we presented a theoretical discussion, composed by studies sociolinguísticos labovianos that orientated the analysis of our social variables; for North American functional studies on the gramaticalização, that supplied us subsidies to understand the linguistic reasons that you/they provoked the change of Your form Favor for the form you; for referencialidade studies, that allowed to contemplate on us the senses and values provoked by the you in the discursive action and, still, for a study in which we sketched a contrast among the understanding of the traditional grammar and of the functional grammar about the grammatical classes and the nuances and suffered alterations for the items that compose her. We examined, starting from those theoretical currents, the pronoun you in the corpus of Linguistic Variation of Paraíba (VALPB). 60 interviews were analyzed, in which we located 2004 occurrences, being 944 feminine and 1060 masculine, distributed in three age groups (15 to 25 years, 26 to 50 years, more than 50 years) and in five education levels (without any education, 1 to 4 years of education, 5 to 8 years of education, 9 to 11 years of education and more than 11 years of education). it Interested in the knowledge if the speakers paraibanos use other referencialidades of the pronoun you, which you/they are those and which is the speaker's profile sociolinguístico that uses an or other form. To leave of those results, we propose the discussion on the pronoun you in the school space. Our results presented that the use of the you with the generic referencialidade and of the you with the referencialidade in P1 occupied 57, 1% in the feminine interviews and 66, 7% in the masculine interviews. The protected theory, then, is that, at the present time, taking as display the corpus of VALPB, the pronoun you are more used with other references than with the reference canonical, only recognized by the grammatical tradition. To present he/she researches bill with the financing of FAPESB and with the support of UESB.
Keyword: Sociolinguistic. Funccional. Gramaticalizacion. Referecializacion. Pronoum You.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Número de ocorrência.............................................................................137Figura 2 -.................................................................................................................140Figura 3 –.................................................................................................................141Figura 4 - Referencialidade do pronome você a partir dos sexo/gênero.................152Figura 5 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas
ocorrências femininas...............................................................................155Figura 6 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas
ocorrências masculinas.............................................................................156Figura 7 –.................................................................................................................157Figura 8 –.................................................................................................................158Figura 9 –.................................................................................................................159Figura 10 –...............................................................................................................161Figura 11 - Referencialidade do você no sexo/gênero feminino..............................164Figura 12 - Referencialidade do você no sexo/gênero masculino...........................164
LISTA DE QUADROS
Quadro - Tipos Textuais segundo Werlich (1973). .................................................. 150
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - quantidade de ocorrências dos valores do pronome você.....................137Tabela 2 -.................................................................................................................140Tabela 3 -.................................................................................................................141Tabela 4 -.................................................................................................................144Tabela 5 - Referencialidade do pronome você a partir dos sexo/gênero................152Tabela 6 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas
ocorrências femininas...............................................................................155Tabela 7 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas
ocorrências masculinas.............................................................................156Tabela 8 -.................................................................................................................157Tabela 9 -.................................................................................................................159Tabela 10 -...............................................................................................................159Tabela 11 -...............................................................................................................161Tabela 12 -...............................................................................................................163Tabela 13 -...............................................................................................................163
CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS FALANTES
Identificação Sexo Anos de escolarização Faixa etáriaAFD M nenhum ano 15 a 25 anosAJM M nenhum ano mais de 50 anosALA M mais de 11 anos 26 a 49 anosASF M 1 a 4 anos mais de 50 anosASS M 5 a 8 anos mais de 50 anosEEL M 9 a 11 anos 26 a 49 anosFP M mais de 11 anos 15 a 25 anosFS M 1 a 4 anos 15 a 25 anosGG M 9 a 11 anos 26 a 49 anosGHS M 5 a 8 anos 15 a 25 anosGLX M 1 a 4 anos mais de 50 anosGSN M 5 a 8 anos 15 a 25 anosHBC M 9 a 11 anos 15 a 25 anosJJS M 9 a 11 anos mais de 50 anosJM M nenhum ano 26 a 49 anosJN M 1 a 4 anos 15 a 25 anosJS M nenhum ano 26 a 49 anosJS M 5 a 8 anos 26 a 49 anosLGP M 5 a 8 anos 26 a 49 anosLGP M mais de 11 anos mais de 50 anosMCC M 9 a 11 anos mais de 50 anosMV M mais de 11 anos 15 a 25 anosNP M 1 a 4 anos 26 a 49 anosNPL M 1 a 4 anos 26 a 49 anosRRB M 5 a 8 anos mais de 50 anosRVA M mais de 11 anos 26 a 49 anosSVS M nenhum ano 15 a 25 anosVLF M 9 a 11 anos 15 a 25 anosWAC M nenhum ano mais de 50 anosWL M mais de 11 anos mais de 50 anosAAM F mais de 11 anos mais de 50 anosAHS F 9 a 11 anos 15 a 25 anosCP F 9 a 11 anos mais de 50 anosDPQ F nenhum ano 15 a 25 anosEBC F 9 a 11 anos mais de 50 anosEFS F 1 a 4 anos 15 a 25 anosGPS F 5 a 8 anos mais de 50 anosGSF F 5 a 8 anos 15 a 25 anosHMG F 1 a 4 anos mais de 50 anosIFS F 5 a 8 anos mais de 50 anosIMS F nenhum ano 26 a 49 anosJAS F 1 a 4 anos 15 a 25 anosJNA F mais de 11 anos 26 a 49 anosJPS F 1 a 4 anos 26 a 49 anosJRM F nenhum ano mais de 50 anos
LS F 9 a 11 anos 26 a 49 anosMGI F nenhum ano 15 a 25 anosMJC F 5 a 8 anos 26 a 49 anosMJS F nenhum ano mais de 50 anosMLT F 5 a 8 anos 15 a 25 anosPAM F mais de 11 anos 15 a 25 anosRAM F 5 a 8 anos 26 a 49 anosRCR F mais de 11 anos mais de 50 anosRTO F mais de 11 anos 26 a 49 anosSCP F 9 a 11 anos 15 a 25 anosSMS F nenhum ano 26 a 49 anosTCS F 1 a 4 anos 26 a 49 anosTOS F 1 a 4 anos mais de 50 anosVDN F mais de 11 anos 15 a 25 anosVEF F 9 a 11 anos 26 a 49 anos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................15
CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DO VOCÊ...........................................................181.1 A história: via principal ou atalho?.............................................................191.1.1 Você nos tempos de outrora..................................................................212.1.2 Você nos tempos de agora.....................................................................242.1.2.1 Alguns princípios funcionalistas sinalizam o caminho.........................252.1.2.1.1 A trilha da iconicidade......................................................................262.1.2.1.2 A trilha da marcação.........................................................................282.1.2.1.3 Você em outdoors............................................................................302.1.3 Você e a hipótese de perda silábica.......................................................36
CAPÍTULO II - ALGUNS CAMINHOS COM VOCÊErro! Indicador não definido.2.1 Nos caminhos da sociolinguística.............................................................412.1.1 Entendendo a trilha da sociolinguística..................................................412.1.2 Dois caminhos que se unem: a história da língua(ística) e a história da mudança linguística.........................................................................................422.1.3 Um novo caminho: a sociolinguística.....................................................512.1.3.1 No meio do caminho, uma comunidade de fala..................................532.1.3.2 No meio do caminho, o falante de uma comunidade de fala...............542.1.3.3 Princípios e problemas presentes nesse novo caminho.....................542.1.4 Algumas palavras...................................................................................592.2 Nos caminhos da Gramaticalização..........................................................612.2.1 Entendendo a trilha da gramaticalização...............................................612.2.2 Localizando a origem do percurso funcionalista.....................................612.2.3 Situando alguns funcionalistas nesse caminho......................................642.2.4 E por aí vem a gramaticalização............................................................662.2.4.1 Algumas propostas de estágios da gramaticalização..........................702.2.5 Outras palavras......................................................................................802.3 Nos caminhos da referenciação................................................................822.3.1 Entendendo a trilha da referenciação.....................................................822.3.2 Teoria do signo: uma avenida................................................................822.3.3 A questão da referência: uma outra avenida..........................................902.3.4 A referência e a referenciação: caminhos paralelos?.............................942.3.5 As duas vias: objetos do mundo X objetos do discurso.........................962.3.6 Mais algumas palavras...........................................................................972.4 O pronome você nas veredas da gramática tradicional e funcional........1002.4.1 Entendendo essas veredas..................................................................1002.4.2 Classes Gramaticais: via considerada principal...................................1012.4.3 Prototipia: via alternativa......................................................................1022.4.4 Pronomes.............................................................................................1032.4.4.1 Pronomes pessoais...........................................................................1082.4.4.1.1 Pronomes Você..............................................................................1102.4.4.2 Discutindo atributos: caminhos cruzados..........................................1132.4.2.2.1 A pessoalidade...............................................................................113
2.4.4.2.2 O gênero........................................................................................1152.4.4.2.3 O número.......................................................................................1152.4.5 A gramática tradicional e a gramática funcional em uma mesa redonda1172.4.6 Ainda algumas palavras.......................................................................120
CAPÍTULO III - METODOLOGIA E A ESTRUTURAÇÃO DAS VARIÁVEIS.1223.1 Descrição do corpus................................................................................1223.2 Procedimentos para a análise.................................................................1243.3 Variáveis linguísticas...............................................................................1263.3.1 Variável linguística associada ao estilo e ao discurso..........................1263.3.1.1 Variável referência semântica do sujeito...........................................1273.3.1.1.1 Você se metamorfoseando em P1.................................................1293.3.1.1.2 Você legitimando o p2....................................................................1323.3.1.1.3 Você se pluralizando......................................................................1353.3.2 Variável tipo textual..............................................................................1373.3.3 Tipo de interlocução.............................................................................1423.3.4 Enunciados interessantes surgiram também por esse caminho..........1453.4 Variáveis extralinguísticas.......................................................................1483.4.1 Variável sexo/gênero............................................................................1493.4.2 Variável grau de escolarização............................................................1523.4.3 Variável faixa etária..............................................................................160
CAPÍTULO IV - DEPOIS DE MUITOS CAMINHOS, UMA PONTE...............1664.1 A gramática.............................................................................................1674.2 A norma...................................................................................................1694.3 O livro didático.........................................................................................1704.4 Poucas palavras......................................................................................178
CAPÍTULO V - UNS DESVIOS NO CAMINHO ESTABELECIDO: OCÊ E CÊ1825.1 Um pouco d’ocê pelo caminho................................................................1825.2 Cê por aqui..............................................................................................1845.3 Cê cliticiza ou se cliticiza.........................................................................187
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................190
REFERÊNCIAS.............................................................................................191
Primeiro momento...
Fui abordada por minha filha, em uma de muitas perguntas do seu repertório
infantil, e, ao tentar respondê-la ou, minimamente, tentar satisfazer a sua
abordagem, ela interveio, dizendo: - Você fala você, mas eu nunca faço isso!!!
Observei, nessa nesga de instante, que ela tinha apresentado para mim
possibilidades do você que, embora eu realizasse, não me dava conta de tal uso.
Pouco tempo depois, Luís Inácio Lula da Silva é eleito presidente e é
convidado para uma entrevista nos meios televisivos. O repórter o questionou
sobre as mudanças de estratégias na atual campanha e o comportamento de
aceitação ou não dos correligionários diante desse novo formato do candidato.
Lula, ao responder, disse - Sabe quando você é candidato pela quarta vez (...).
Nesse momento, o meu tempo parou. Novamente, o meu olhar tinha sido
lançado para a observação de ampliação do sentido do pronome você. Devorei
gramáticas a fim de verificar o que diziam a respeito. Fui a Câmara Jr., também
nessa tentativa de satisfazer o que, por hora, inquietava-me: Quem é, de fato, você?
Segundo momento...
Não tendo encontrado resposta que saciasse a minha necessidade, recorri às
teorias linguísticas.
Fui absorvendo estudos sociolinguísticos, sobre variação e mudança de
formas linguísticas; idéias funcionais, sobre a gramaticalização que itens lexicais
sofrem; concepções de referenciação, sobre a constituição dos signos
linguísticos. E, assim, fui delineando Alguns caminhos com você...
Terceiro momento...
Feita a abordagem teórica, realizada a análise de dados, percebi a
necessidade de historiar o pronome você e de observá-lo como recurso na
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atualidade. Não me contive e propus essa discussão ao espaço escolar. Nesse
instante, senti que o você perpassa não apenas por caminhos, mas também
existem Os (des) caminhos do você.
E conhecer esses (des) caminhos do você é o meu convite a você, leitor,
nesse momento...
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esse caminho não-linear, irregular e acidentado chamado língua (gem)
sempre foi permeado por fenômenos de variação e mudança. No entanto, nem
sempre essa perspectiva foi consensual nos estudos linguísticos.
Na escola estruturalista, Ferdinand Saussure postulava a língua como um
sistema regido por leis próprias e dotado de homogeneidade. Para esse teórico, a
língua constituía uma instituição supra-individual da qual os indivíduos não
participavam efetivamente. Nesse sentido, toda variação representava um fato
idiossincrático e disfuncional. Na escola gerativista, os estudos chomskyanos
sobre a competência e o desempenho foram enfatizados, e a fala e as suas
variações individuais ou coletivas foram, por sua vez, consideradas como
resultado de misturas dialetais ou variações livres e, dessa forma, novamente,
ocuparam a posição periférica dos estudos linguísticos.
Em algumas escolas, como a dos neogramáticos e a dos funcionalistas,
encontramos nuances que orientam uma suposta credibilidade na variação e
mudança linguística. Mas, apenas com William Labov, na década de 60, é posta
concretamente a impossibilidade de se estudar a língua isentando-a das relações
com o sujeito e, consequentemente, das relações de ordem social. Assim, a
língua passa a ser concebida como heterogênea, tendo em vista que reflete a
variabilidade social e as diferenças no uso das variantes linguísticas que, por sua
vez, correspondem às diversidades dos grupos sociais.
Nessa pesquisa, atentos ao fenômeno de mudança linguística, elegemos
como objeto de estudo: o pronome você.
O você teve a sua origem primeira no item linguístico mercê, que significava
uma solicitação ou uma generosidade concedida pela figura real. Era comum, em
meados dos séculos XIII, os súditos solicitarem a mercê ou agradecerem a mercê
concedida pelo soberano. Com as mudanças sócio-econômicas em Portugal e,
por conseguinte, nas classes sociais, fez-se urgente a necessidade de uma forma
que fosse digna de referência ao Rei. Assim surgiu a locução nominal Vossa
Mercê no século XV substituindo o pronome vós como referência real.
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Amplamente utilizada, logo passou a referir-se também a outras funções na Corte
e foi transformada pela “boca do povo” em vossemecê, vosmecê e, entre outras,
na forma pronominal você.
Na atualidade, o você é amplamente utilizado como pronome pessoal do caso
reto e está totalmente integrado ao sistema de pronomes pessoais, ocupando
reconhecidamente o lugar de segunda pessoa na maior parte do Brasil, embora
seja ainda classificado, na maioria dos compêndios gramaticais e escolares, como
pronome pessoal de tratamento, herança da sua forma primeira, circunscrito ao
tratamento familiar e íntimo.
Nesse estudo, em específico, ressaltamos o emprego do você na interlocução
e, assim, apresentamos este pronome com outros valores além da referência à
segunda pessoa, função P2 (Utilizamos para essa análise a categorização
realizada por Câmara Jr. (2006), na qual são seis as pessoas pronominais: P1 -
primeira pessoa do singular, P2 - segunda pessoa do singular, P3 - terceira
pessoa do singular, P4 - primeira pessoa do plural, P5 - segunda pessoa do
plural, P6 - terceira pessoa do plural). Através de análise de excertos de fala,
constatamos o uso desse pronome, por vezes, como primeira pessoa, quando o
falante, ao usar essa forma, faz referência a si próprio, função P1; e como
genérico, quando o falante refere-se a um grupo maior de pessoas que
compartilham de idênticas condições que as mencionadas por ele.
As hipóteses que nortearam a nossa pesquisa foram que:
O pronome você sofreu um processo de gramaticalização, no qual o item
linguístico mercê transformou-se na locução nominal vossa mercê e esta no
pronome você;
O pronome você, na atualidade, exerce a função de pronome pessoal do caso
reto, embora, nos compêndios gramaticais, continue a ser classificado como
pronome pessoal de tratamento;
O pronome você sofreu um processo de ampliação semântica no evento
discursivo e tem sido utilizado com outras referências além da função P2;
O pronome você como P1 e como genérico são motivados por textos
argumentativos e o pronome você P2 por textos narrativos.
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Para nós, a língua (gem) é um complexo totalitário do ser, que dizendo,
redizendo ou não-dizendo, se constrói-se a partir dela, com e por ela. A língua
(gem), em sua essência, é síntese. É antítese e é tese. É significado, é
significante e é mais, é também referente. É o momento, a sincronia, e o
somatório de momentos, a diacronia. É paradigma e é sintagma. É forma e é
função. Constitui-se na regularidade da língua e na irregularidade da fala também.
Revela-se quando é marcada, mas também quando está na condição de não-
marcada. É presença e, ao mesmo tempo, ausência de traços. É o produto da
gramática e é o processo da gramaticalização. É objeto do mundo, mas é
sobretudo objeto do discurso.
Com esse sentimento de união de valores dialéticos para a melhor apreensão
do todo, o nosso propósito, neste estudo, é discutir a variação e a mudança
linguística do pronome você, observando a construção e transformação,
realizadas pelos falantes, da forma, da função e da referência desse pronome.
Para tanto, estruturamos o nosso trabalho em cinco seções, que são introduzidas
por essas Considerações Iniciais, a saber:
A seção I, A história do você, é o nosso ponto de partida. Consideramos
importante a caracterização do percurso histórico desse pronome, tendo em vista
que, a partir dele, delineamos a origem do pronome você, buscando a sua forma
primeira no item linguístico mercê e, em seguida, na locução nominal Vossa
Mercê. Esboçamos, nessa seção, o você nos tempos de outrora, através de um
corpus de documentos antigos , e o você, nos tempos de agora, através de um
corpus de mensagens veiculadas no suporte outdoor. Foi a nossa intenção, nesse
instante, revelar o você em sincronias distintas e, por esse viés, explicitar o
quanto os aspectos sociais se encontram refletidos nos elementos linguísticos.
Na seção II, Alguns caminhos com você, temos um bloco teórico, formado por
quatro subseções, nas quais realizamos uma revisão de literatura com os
pressupostos teóricos adotados. Sempre que possível, estabelecemos um diálogo
entre a teoria e o nosso objeto de estudo.
Iniciamos esse aporte com Nos caminhos da sociolinguística. Neste,
historiamos sucintamente os primeiros estudos linguísticos e mostramos o
surgimento da sociolinguística. São introduzidas, então, questões que versam
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sobre a variação e a mudança linguística e apresentamos os princípios e
problemas dessa teoria, segundo a ótica da sociolinguística laboviana. Interessou-
nos, em especial, evidenciar que o fenômeno da mudança linguística é inerente
às questões da língua, focalizar a variação e a mudança da forma e compreender
a importância do estabelecimento da correlação entre as variáveis linguísticas e
extralinguísticas. Nesse momento, pretendíamos buscar subsídios que
corroborassem para a resposta sobre qual é o perfil social do falante que utiliza o
você com um ou outro valor.
Em seguida, Nos caminhos da Gramaticalização, situamos os estudos
funcionalistas da língua. Fundamentados nos estudos norte-americanos,
discutimos aspectos sobre a variação e a mudança linguística, agora focalizados
na função que a forma lexical assume no ato discursivo. Expomos a
gramaticalização, algumas propostas de estágios desse percurso e mostramos
como o item linguístico Mercê passou à condição de locução nominal Vossa
Mercê e, depois, à condição de pronome você.
Nos caminhos da Referenciação buscamos a teoria do signo linguístico, bem
como concepções e discussões sobre significado, significante e referente.
Travamos ainda um diálogo entre referência e referenciação e entre objetos do
mundo e objetos do discurso. Utilizamos, entre outras, as contribuições suíças de
Saussure e de Lorenza Mondada. Pretendíamos, nesse momento, colher material
para uma melhor compreensão dos motivos que levam um significante linguístico
com um determinado significado a metamorfosear-se em outros significados,
assim como ocorreu com o pronome você que, sofrendo uma ampliação
semântica, tem o seu uso como a função de interlocutor, mas também com a
função de primeira pessoa e com a função genérica.
Terminamos esse bloco teórico com O pronome você nas veredas das
gramáticas tradicional e funcional, nessa nesga de tempo, situamos o você
morfologicamente e mostramos, por um lado , a rigidez da taxonomia das classes
gramaticais e , por outro, o trato funcional dessa questão, através da teoria dos
protótipos, que traz a noção dos tênues limites que demarcam as categorias
gramaticais. Apresentamos os atributos de pessoalidade, de gênero e de número
dos pronomes pessoais do caso reto e propomos um diálogo entre a gramática
tradicional e a gramática funcional acerca do tema em estudo.
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Na seção III, Metodologia e estruturação das variáveis e análise de dados,
trazemos o corpus do nosso trabalho, sessenta entrevistas que se encontram
transcritas no Projeto de Variação Linguística da Paraíba – VALPB , e
apresentamos a metodologia adotada na análise, a seleção e estruturação das
variáveis. Nas entrevistas, selecionamos os itens você encontrados, um total de
duas mil e quatro (2004) ocorrências. Correlacionamos o fenômeno linguístico do
você como primeira pessoa, como segunda pessoa e como genérico às variáveis
linguísticas associadas ao estilo e ao discurso (variável referência semântica do
sujeito, variável tipo textual, variável tipo de interlocução) e às variáveis
extralinguísticas sexo/gênero (masculino e feminino), faixa etária (15 a 25 anos,
26 a 49 anos e mais de 50 anos) e grau de escolaridade (nenhum ano de
escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11
anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização) . Por fim,
apresentamos os dados quantitativos encontrados mensurados e
avaliados/analisados qualitativamente.
Na seção IV, Depois de muitos caminhos, uma ponte, discorremos sobre os
termos gramática, norma e livro didático, a fim de apresentarmos uma discussão
das referencialidades do pronome você no espaço escolar. É nosso desejo, nesse
momento, estabelecer uma linha de comunicação (uma ponte) entre o que foi
evidenciado sobre o pronome você no decorrer da tese e a maneira como esse
pronome é ensinado na escola e, dessa forma, provocar uma reflexão sobre o
ensino da língua.
Na seção V, Uns desvios no caminho estabelecido: ocê e cê, mostramos
sucintamente, algumas ocorrências dessas formas reduzidas do você e uma
possibilidade de clitização do cê, ancorados teoricamente em Kato et al (1996),
em Vitral (1996, 1999) e Vitral e Ramos (1999).
Por fim, as considerações finais, momento no qual, retomando as hipóteses
apresentadas inicialmente, estabelecemos um fio condutor com os resultados
obtidos e ratificamos a tese de que o pronome você com outras referencialidades
tem sido mais usado do que o pronome você como segunda pessoa.
25
26
1 A HISTÓRIA DO VOCÊ
Desejando analisar mais detalhadamente o nosso objeto de estudo, o
pronome você, entendemos que seja necessário, em princípio, tecer algumas
considerações acerca de sua história. Através desse estudo diacrônico,
pretendemos situar a mudança social que implicou a mudança linguística ocorrida
nessa forma antes nominal e agora pronominal.
Propomo-nos, então, observando a evolução da forma de tratamento Vossa
Mercê, entender melhor o nosso ponto de chegada, o pronome você. Para isso,
entrecruzaremos a história social e a história linguística do pronome, mostrando, em
excertos de documentos e cartas, que as repercussões linguísticas foram oriundas
de influências sociais e de desejos refletidos no seio de uma comunidade. Desta
maneira, produzimos a subseção você nos tempos de outrora.
Em seguida, focalizamos o pronome você na atualidade. Observamos, então,
que esse pronome destaca-se como o mais produtivo, sobretudo em meios
midiáticos, e, com essa perspectiva de análise, compomos o subseção você nos
tempos de agora.
Como aponta Faraco (1996, p. 52), “as mudanças nas formas de tratamento
estão correlacionadas com as mudanças nas relações sociais e valores culturais”, o
pronome você não foge a essa regra.
Então, vamos à história!
1.1 A história: via principal ou atalho?
Para o lugar que o vós deixou vago no sistema, apresentou-se o você (...)semelhante pelas origens às referidas fórmulas, mas muito mais evoluído dos pontos de vista semântico e fonético, estava o caminho aberto para a progressiva invasão e expansão (...) (CINTRA, 1986, p. 35).
27
Ancorados em Nascentes (1956), Cintra (1986), Faraco (1996), teceremos
um breve escorço histórico-social a fim de estabelecer uma interface entre história,
sociedade e língua.
A economia da Europa Ocidental inaugurou uma nova fase, no século XII,
quando aconteceu um crescimento de suas atividades artesanais e comerciais.
Como consequência desse momento, houve a concentração da organização
econômica nas cidades e a formação de uma nova classe social, a burguesia, que, a
partir de então, seria a classe que competiria com a nobreza na disputa pelo poder
político e econômico.
Em Portugal, essa mudança sócio-econômica era demonstrada em uma vida
de luxo e na penetração da burguesia no espaço da Corte, que, a cada dia, ocupava
mais espaço. Em 1254, em função dessa ascensão, a burguesia se encontrava
dividindo a representação da Corte, ao lado da nobreza e do clero. Em 1415, o
cenário social de Portugal já era outro. Tinha sido transformado em um vasto império
da era moderna, fato que foi responsável pela migração de um significativo número
de proprietários de terra para Lisboa, recebendo em troca uma renda, denominada
moradia, paga pelo governo.
Com esse processo de expansão colonial e o surgimento das novas
demandas sociais, os cargos públicos foram multiplicados e distribuídos entre a
classe que agora ocupava a nova aristocracia. Somente ligados diretamente ao Rei,
como vassalos, existiam duas mil pessoas. Toda essa mudança social não
aconteceu isoladamente, implicou mudanças no cenário global. Por conseguinte,
essa alteração nas funções sociais fez com que as pessoas mudassem também os
seus hábitos na indumentária, na alimentação e, consequentemente, na linguagem.
Portugal vivia um coroado momento histórico. Privilegiado pela riqueza e,
assim ,também pelas mudanças sociais. A nobreza, em decadência, cedia espaço à
alta burguesia, dando início a uma sociedade aristocrática. Como resultado, as
pessoas, em massa, deslocavam-se do campo para a cidade e a estrutura feudal
era deixada de lado. Iniciava-se, dessa forma, um caminho rumo a uma burguesia
urbana e, dessa maneira, os personagens desse espaço deixavam de ser senhores
feudais para serem reis.
28
Tal transformação exigiu uma reestruturação social e, como as formas de
tratamento estão diretamente relacionadas ao uso social, a alteração dessas formas
foi inevitável. A desigualdade das classes e dos valores sociais vigentes e a busca
de uma nova estabilidade desencadeavam um desequilíbrio linguístico e um
rearranjo pronominal.
O Rei, considerado nos tempos da Reconquista, como um chefe militar, a
quem cabiam as demandas da corte, assume um outro status, o de ser o detentor do
poder absoluto. Em uma sociedade de valores hierárquicos tão arraigados, na qual
subjaz a idéia de que devam existir formas específicas de tratamento para cada
camada da sociedade, esse novo status reclama uma forma de tratamento
diferenciadora e, com isso, a forma pronominal de tratamento vós1 é substituída por
não ser mais adequada para a referência real.
Até então, a forma pronominal vós era uma forma amplamente usada. Era a
forma eleita pelos reis, rainhas, nobres para o tratamento com os vassalos e,
concomitantemente, também era a forma utilizada pelos vassalos para se dirigirem
as seus superiores. Além disso, o vós era usado entre os pares eclesiásticos,
plebeus e nobres. Mas, como resultado de uma desigualdade social, um
desequilíbrio linguístico foi desencadeado e a forma vós, antes usada para fazer
referência à figura singular do rei, é substituída por Vossa Mercê, forma que, nesse
período, demonstrava ter mais expressividade e dignidade de referência ao Rei.
A utilização de uma ou outra forma de referência nem sempre se deu de
maneira tranquila. Observemos:
(1)Como milhor sabe Vossa Alteza que hua das propriedades do magnânimo he querer ante dar que receber (...). e, como quer que em vossos factos se podessem achar cousas assaz dignas de grande honra, de que bem poderees mandar fazer vellume, Vossa Senhoria, husando como verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto he vossa magnanimidade mais grande quanto a cousa dada he mais nobre e mais excellente. Pollo qual, stando Vossa Mercee o anno passado em esta cidade, me dissestes quanto desejavees veer postos em scripto os feitos do Senhor Iffante dom Henrique vosso tyo... (apud CINTRA, 1986, p. 80)
1 O tu era usado informalmente para referi-se a uma pessoa no singular e o vós era usado formalmente para referi-se a uma pessoa no singular ou, ainda informalmente ou não para referi-se a pessoas no plural. Esse nível de informalidade do tu versus a formalidade do vós e, depois, de outras formas (Vossa+ Nome), persistiu por muito tempo.
29
Esse registro, datado em 1453, explicita o convívio de três formas de
tratamento distintas: Vossa Alteza, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, usadas para
referência a uma única pessoa, D. Afonso V. Segundo Cintra (1986, p. 20), ancorado
nas atas das Cortes, “Esse momento de convivência de vários tratamentos para a
mesma pessoa foi depressa ultrapassado.” Foram, logo, criadas as “pragmáticas”
conhecidas por “leis das cortesias”, objetivando prescrever o uso adequado das
formas de tratamento, que deveriam ser seguidas por todos que desejavam não
incorrer na deselegância de tratar inadequadamente uma pessoa.
As leis de cortesia indicavam que o tratamento para o rei e a rainha devia ser
Vossa Majestade; Príncipes, princesas, infantes e parentes do rei deveriam ser
tratados por Vossa Alteza; e duques de Bragança, por Vossa Excelência. As formas
compostas por Vossa + Nome2 imperavam nesse período e eram dotadas, na sua
essência, de um elemento diferenciador das classes sociais.
1.1.1 Você nos tempos de outrora
A expressão Vossa + N, Vossa Mercê, formada pelo pronome possessivo
vossa adjungido ao nome mercê, teve a sua origem no item linguístico mercê,
sinônimo de graça, de favor, de merecimento, de generosidade. Era comum as
pessoas dirigirem-se ao rei e solicitarem a ele a “vossa Mercê”. Com esse uso
constante e rotinizado, essa expressão transformou-se na expressão ideal para
referi-se ao Rei.
Segundo Nascentes (1956, p. 114-115), há um caráter dúbio no uso do Vossa
Mercê. i) Ora esta expressão era marcada pela noção de causa, quando
expressava uma estratégia argumentativa utilizada pelos súditos que, ao solicitarem
algo ao Rei, apresentavam os requerimentos utilizando o habitual pronome vós,
pediam uma graça por mercê e, assim, agregavam este vocábulo ao pronome
possessivo em concordância com o pronome utilizado, formando a expressão vossa
mercê. Expressão essa “que afagava a vaidade e o amor próprio” do soberano; ii)
2 Há diversas locuções nominais formadas por Vossa (pronome de tratamento possessivo relativo ao vós)
acrescido ao N ( nome/substantivo), como: Vossa Alteza,Vossa Senhoria , Vossa Excelência etc.
30
Ora era marcada pela noção de efeito, quando expressava a recompensa,
denominada de mercê ou mercede, que era dada pelos reinantes aos súditos em
troca dos serviços prestados. Conforme exemplos que seguem:
(2)Outro sy, Senhor, os vossos Fidalgos e vossos naturaes dos vossos Regnos fazem saber a a Vossa Mercee que elles recebem grande agravo dos Vossos Rendeiros das vossas imposições que vos poedes pela guisa que vossa Mercee he (...) e muitos destes, Senhor, acharedes que mais lhe levam e levaram per esta guisa do que elles ham, nem averam da conthia nem das mercees, que lhes vós fazedes, se vossa Mercee nom for de o temperar dóutra guisa: porque senhor, vos pedem por mercee que vos lembreis delle. (Grifos nossos) (artigos requeridos ao Rei D. João I Nascentes , apud NASCENTES,1956, p. 115)
O período de existência do pronome Vossa Mercê é datado de 1331 a
1481/1482 (SANTOS LUZ, 1958) ou, segundo Cintra (1986), entre 1460 a 1490,
quando deixa definitivamente de ser utilizado como forma de referir-se ao Rei. Vossa
Mercê vai perdendo a expressividade e tornando-se opaca, à medida que, por força
da imposição, os criados e subalternos começam a fazer uso dessa forma para se
referirem aos fidalgos. Nascentes (op.cit., p.116) justifica o fato, afirmando que
“Vossa Mercê agradava a todo mundo. A classe humilde não tardou a apoderar-se
da fórmula nova para uso próprio” .
Ao tempo em que Vossa Mercê vai desaparecendo, outras formas concorrem,
neste período, para a ocupação desse lugar, formas como Vossa Alteza e Vossa
Senhoria. No final do século XV e início do século XVI, três formas de tratamento
formais conviviam, em ordem decrescente de hierarquia, a forma Vossa Senhoria, a
forma Vossa Mercê e o vós. A primeira empregada para a aristocracia, a segunda
para os demais casos, uma espécie de tratamento de cortesia para os que não
tinham senhoria e, por fim, o vós3, usado indiscriminadamente.
Isso significa que, entre os séculos XIV e XVIII, a língua portuguesa não
apenas registrou diversas formas de tratamento, mas alterou e muito a sua forma de
tratar o interlocutor, saindo do sistema duo de tu/vós e vós para as formas de V+
3 A forma pronominal vós para o tratamento de mais de um interlocutor foi preservada apenas em estilos mais formais, em textos escritos ou em textos orais de natureza escrita. Embora o vós tenha passado por um processo de arcaização, o vosso sobreviveu com seu antigo valor de tratamento.
31
nome qualitativo (Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Alteza,
Vossa Excelência, Vossa Majestade).
Essa época de ampliação e generalização do Vossa Mercê e,
consequentemente, simplificação fonética, em Portugal, culmina com a época na
qual os portugueses vieram para o Brasil como colonos, na segunda metade do
século XVI. Nesse século, com a massiva migração dos portugueses para o Brasil,
os seus hábitos linguísticos, como sabemos, também invadiram o repertório
linguístico dos nossos nativos. Tal processo de transformação ocorrido de Vossa
Mercê > você não se deu de forma isolada, mas é perceptível que, ao tempo em que
se configurava a mudança social, ocorriam também mudanças linguísticas. Por essa
razão, esse fenômeno é considerado como o resultado de uma mudança encaixada
linguística e socialmente.
Vejamos, a título de exemplo, a Carta de Pero Vaz de Caminha que se refere
ao Rei através da forma Vossa Alteza.
(3)E neesta maneira Senhor dou aquy avossa alteza doque neesta vossa terra vy ese aalguu pouco alomguey, ela me perdoe, cao desejo que tijnha de vos tudo dizer mo fez asy poer pelo meudo. E pois que Senhor he ceroi substituído to que asy neeste careguo que leuo como em outra qualquer coussa que de vosso seruiço for uosa alteza há de seer de mym mujto bem seruida, a ela peço que por me fazer simgular mercee mãde vijr dajlha de sam thomee jorge dosoiro meu jenrro, o que dela rreceberey em mujta mercee. ( Carta a El Rei D. Manuel.)
É interessante observar que, na Carta de Caminha, a forma Vossa Mercê não
mais é usada como tratamento real, sendo substituída por outra forma Vossa + N ,
nesse caso, Vossa Alteza; o pronome vós continua sendo usado como referência
formal a um indivíduo e a forma pronominal vossa sobrevive com seu antigo valor.
Faraco (1996, p. 32), comentando sobre a ampla expansão do uso da forma
Vossa Mercê, observa que esse fato aconteceu em duas direções: uma, na qual a
forma manteve-se conservada e, a outra, na qual a forma sofreu perda de massa
fônica.
De um lado, ela manteve sua integridade formal e seu valor como uma forma de tratamento relativamente respeitosa num estilo cuidado entre a pequena burguesia urbana, mas foi arcaizando-se durante os séculos XVII e XVIII, ao mesmo tempo em que sua rival abreviada (você) estava se tornando dominante (...) de uso corrente (...) em especial no português brasileiro, no tratamento da segunda pessoa do discurso.
32
No século XVI, Vossa Mercê ainda representava uma marca de respeito,
embora não fosse mais honorífica. Servia, por exemplo, e era muito usada no
encerramento do gênero carta, como revela o texto que segue:
(4)DEOS Guarde a VosSa Mer-│cê, muitos annos. Bahia e Cama│ra vinte de Novembro demil sete│centos e onze annos “matheus │de Góes Araújo”João de Barros Ma-│chado”Brás Pereira do Lago. (Documentos históricos do Arquivo Municipal. Cartas do Senado 1710-1730) (Grifo nosso)
No entanto, havia ainda uma notável preocupação das classes superiores de
não serem mais tratadas por Vossa Mercê, que não representava a forma mais
digna, e também (talvez principalmente) a preocupação em serem tratados por suas
formas simplificadas, vítimas de preconceitos linguístico e social. Cintra (op.cit.,
p.27) apresenta uma cena do Auto do Fidalgo Aprendiz, escrito em 1946, no qual,
através do diálogo de D. Gil Cogominho com o criado Afonso é possível perceber
esse sentimento de decadência diante da expressão Vossa Mercê, que demonstra
um falta de cortesia perante o interlocutor.
(5)AFONSO: Que manda Vossa Mercê?
GIL: Que tenhais mais cortesia! (Grifo nosso)
O ápice da história do Vossa Mercê é constituído pelo período em que essa
expressão tem o seu uso marcado como forma de referência real. É uma forma que,
diante de tantas mudanças sócio-econômicas, desbanca o vós e, com o passar do
tempo, como consequência de novas mudanças, é, por sua vez, desbancada por
outras expressões. Segundo Nascentes (1956, p. 114):
[o forma pronominal Vossa Mercê] degradou-se, fonética e semanticamente, a tal ponto que mutilou extraordinariamente a sua forma e, de tratamento real, pronominalizando-se, chegou a tratamento empregado para inferiores. (Grifo nosso)
Se, por um lado, o Vossa Mercê foi substituído por outras locuções e o vós
tornou-se expressão de valor rústico, sendo associada, por vezes, a uma má
formação “(...) ficou-se o vós, e a brandura dele para os amigos e para os mal
33
ensinados(...)”(CINTRA, op.cit.,p.14); por outro lado, surge no sistema pronominal
uma forma que se candidata a esse lugar: você.4 Cintra registra que o você já se
encontra em textos do século XVIII como tratamento simétrico entre amigos5, mesmo
de uma classe mais elevada como a alta burguesia.
1.1.2 Você nos tempos de agora
Nos tempos atuais, é facilmente visível que a forma pronominal você ocupa o
lugar do pronome mais produtivo nos eventos discursivos. Os meios de
comunicação demonstram isso como muita precisão.
Essa popularidade do você é estabelecida por ele atuar na língua como uma
espécie de “pronome curinga”. Um pronome que direciona o texto especificamente
para um leitor/ouvinte ao tempo em que também é capaz de direcionar a um grupo
mais particular ou a um grupo mais amplo. Por esses predicativos e facilidades, o
pronome você nos atinge massivamente nos tempos de agora através de panfletos,
de cartas comerciais publicitárias e de mensagens veiculadas em outdoor.
São muito comuns e têm, recentemente, povoado o nosso universo, slogans
que contenham o pronome você. Vejamos alguns: Praia, sol, baladas e espelho. Taí
um monte de motivos pra você ficar em forma. (veiculado por uma academia); Você perde muitas oportunidades quando não sabe inglês e espanhol (veiculado por um
curso de idiomas); Aqui você tem variedade e verdade (veiculado por uma empresa
de informática); No Banco X, seu 13º. chega quando você quiser; Aqui você antecipa seu 13º. e todas as suas realizações;No banco X, você encontra seguros
adequados às necessidades da sua Empresa; Abra e conheça esta oportunidade
exclusiva para você;Você foi escolhido a dedo para receber em mãos esta
oportunidade (veiculados por empresas bancárias); Descubra você também
(veiculado por uma agência de turismo); Uma oferta especial para você (veiculado
4 Em 1789, Morais Silva, define o você como abreviatura de Vossa Mercê usada por familiaridade e amizade.
5 Inicialmente, a marca de intimidade era registrada pelo tu, e não pelo vós referindo-se a alguém no singular. Atualmente, no Brasil, o você avança esse espaço e o tu sinaliza intimidade apenas em algumas regiões do Sul do país.
34
por revista). Como um dos slogans encontrados veicula, parece mesmo estarmos O
tempo todo com você.
Observando, em específico, o suporte outdoor6, percebemos que o pronome
você aparece como mais produtivo e, a partir da constatação de que o pronome
você configurava-se como o mais frequente, buscamos apoio nos princípios de
iconicidade e de metaiconicidade para analisar como o você age na atualidade.
1.1.2.1 Alguns princípios funcionalistas sinalizam o caminho
Ao discutirmos sobre o uso do pronome você, em mensagens veiculadas em
outdoor, adotamos o modelo teórico do funcionalismo linguístico de orientação
givoniana, como aporte teórico. Antecipamos para essa análise temas da teoria
funcionalista, que será mais detalhada em Nos Caminhos da Gramaticalização.
De acordo com Givón (1991), dois princípios de abordagem funcionalista se
sobrepõem: o princípio da iconicidade, no qual há uma relação direta e uma
conexão não-arbitrária entre a forma de uma palavra e seu significado, e o princípio da marcação, no qual há a veiculação de uma distinção entre as formas linguísticas
mais e menos usuais.
1.1.2.1.1 A trilha da iconicidade
Apoiados na idéia de que há uma motivação que rege a estrutura sintática e
que a relação entre forma e significado é sempre motivada, Bolinger (1977), Givón
(1979), Hopper e Thompson (1980), entre outros funcionalistas, defendem o
princípio da iconicidade. Essencialmente, acredita-se que um ícone é “traduzido” em
um signo que detém a qualidade do objeto e, assim, representa-o. A representação,
dessa maneira, em um processo cíclico, remete ao objeto e relaciona-o ao signo
instituído.
6 As essas mensagens presentes nesses veículos compõem um gênero intrinsecamente associado a esse suporte (uma superfície física em formato específico, que suporta, fixa e mostra um texto). E, dessa maneira, um se alimenta do outro de tal forma que, não raras vezes, confundem-se, sendo um citado como se fosse outro. Como afirma Marcuschi (2003b, p. 13) “o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”.
35
Hopper e Traugott (1993), por sua vez, assimilam a iconicidade como
propriedade de similaridade entre um item e outro que resulta em uma postura
contrária à arbitrariedade do signo linguístico. Mesmo diante desse arrazoado, a
posição entre os funcionalistas não é unânime. Votre (1996, p. 32-33) assegura que
a motivação forma e significado nem sempre é notória e, assim, que “nem tudo na
língua é icônico”, daí afirma:
(...) todo item ou construção que, num determinado estágio da mudança é icônico e transparente na sua relação com o conteúdo será ou tenderá a ser um dia, opaco e aparentemente arbitrário em termos dessa mesma relação.
Alguns princípios norteiam a iconicidade, entre eles: quantidade, distância ou
proximidade, independência, ordenação.
a. quantidade - a quantidade de informações presentes no texto e,
consequentemente, o tamanho do texto, tem relação diretamente proporcional com a
quantidade de informações que ele veicula. Assim, quanto maior o texto, mais
informações são veiculadas nesse texto.
b. distância ou proximidade - a grande ou reduzida distância linguística entre as
expressões tem relação com a distância conceptual que as separa ou as aproxima.
c. independência - a separação linguística da expressão revela a independência
conceptual de um objeto ou evento que ela representa.
d. ordenação - a ordem das formas está estritamente relacionada ao grau de
importância que o falante atribui a um determinado conteúdo em sua relação com as
demais informações a serem veiculadas. Essa característica reflete-se tanto no nível
da oração quanto na organização do texto como um todo.
Para Bolinger (1977), o princípio da iconicidade pode ser analisado em dois
parâmetros.
A iconicidade forte, na qual a condição natural de uma língua é preservar uma
forma para um significado e um significado para uma forma; e a iconicidade branda,
na qual há a existência de um continuum de transparência que pode evoluir até
atingir níveis extremos de opacidade. 7
7 Nesses níveis, não há mais a possibilidade de depreensão formal pelo papel funcional (BOLINGER, 1977).
36
Givón (1995) acrescenta que a gramática é construída a partir de princípios
icônicos cognitivamente transparentes. No entanto, a relação de um-para-um entre
forma e função não é categórica, pois as línguas, como temos visto, nos exemplos
citados, estão sujeitas a pressões diacrônicas que provocam desgastes das formas.
Algumas formas de língua, motivadas originalmente, segundo esse funcionalista,
podem tornar-se opacas, fossilizadas. Tal qual aconteceu com a forma Vossa
Mercê.
A iconicidade deve ser compreendida em um continuum e três princípios
corroboram para melhor compreender isso:
a. subprincípio da quantidade, no qual é sustentado que o volume de formas
codificadoras da informação será diretamente proporcional à quantidade de
informação;
b. subprincípio da proximidade, no qual é defendido que a relação entre distância
linear das expressões e os significados denotam uma maior facilidade de
codificação;
c. subprincípio da ordenação linear, no qual há uma correlação entre
sequenciação temporal e ordem de ocorrências em eventos descritos.
Givón (1991) reconhece que a iconicidade do código linguístico é vítima de
pressões corrosivas ora na forma (estrutura), ora na função (mensagem). No que diz
respeito à forma, a título de exemplo, a forma nominal Vossa Mercê, ao longo dos
séculos, sofrendo uma constante erosão, transformou-se, entre outras formas, em
vossemecê, vosmecê, vossuncê, voncêm. Hoje, é enunciada, muitas vezes, na
oralidade, apenas como cê. O que, visivelmente, demonstra uma relevante perda de
massa fônica. No que diz respeito à função, à mensagem a que faz referência, o
pronome você também sofreu alteração a mercê das necessidades vigentes de
comunicação.
É válido ressaltar que essas alterações sofridas pelo pronome você, quer seja
na forma, quer seja na função, surgem a partir da necessidade de uma maior
37
expressividade linguística, fenômeno denominado por Hopper (1987) como
Gramática Emergente8.
1.1.2.1.2 A trilha da marcação
A marcação, princípio destacado por Givón (1995) pela relevância para a
análise das tendências de mudança e estabilização da língua em uso, é considerada
como metaiconicidade. Dessa forma, categorias cognitivamente marcadas são, ou
tendem a ser, estruturalmente marcadas. Para o teórico, há três critérios que
caracterizam a marcação:
a. complexidade estrutural
A estrutura linguística complexa ou maior é a considerada como mais
marcada. Nesse sentido, a locução nominal Vossa Mercê, observada sua extensão,
pode ser considerada como uma estrutura mais marcada que a forma pronominal
você. E esta forma, por sua vez, ainda elegendo como foco de observação a
extensão, é mais marcada que a forma cê.
Assim seria um esboço decrescente da complexidade estrutural das formas
citadas: Vossa Mercê < você < cê.
b. distribuição de frequência
A estrutura linguística menos usual é considerada como a forma mais
marcada.
As formas pronominais ocê e cê, em nosso corpus,conforme veremos em Uns
desvios no caminho estabelecido : ocê e cê, são consideradas como formas mais
marcadas do que a forma você, tendo em vista que são formas menos empregadas
8 Ao fazermos referência à Gramática Emergente, postulada por Hopper (1987), ressaltamos que a mesma é
referendada pela fluidez que caracteriza a própria gramática diante da atividade do sujeito que a torna
instável e móvel. Construindo nesse objeto antes fixo e inalterável, um objeto no qual há constantemente a
presença do ato de fazer e refazer-se em um contínuo. O que, de certa forma, nega, ao tempo em que, ameaça
os valores arraigados de manutenção das formas impostas por uma tradição gramatical. Neste espaço, a
fixidez das estruturas lingüísticas é posto em xeque.
38
pelos informantes. Todavia, é válido ressaltar que, segundo Givón (1995), a
marcação é um fenômeno dependente do contexto e, assim, uma mesma estrutura
pode ser marcada em um contexto e não-marcada em outro. E, nessa perspectiva,
no século XVI, com a intensa migração dos portugueses para o Brasil e,
consequentemente, com a invasão dos seus hábitos linguísticos, essa mesma forma
era considerada como menos marcada, tendo em vista que foi a época em que seu
uso estendeu-se.
Atualmente, o pronome você é bastante utilizado e, em mensagens de
outdoor, após observações, podemos constatar que é o pronome mais frequente.
Diante disso, apegando-nos ao critério de frequência em outdoor, podemos afirmar
que o pronome você constitui a forma menos marcada em comparação aos outros
pronomes que poderiam ser utilizados nesses contextos.
c. complexidade linguística
A estrutura linguística mais marcada é aquela que exige um tempo maior de
processamento e um grau maior de esforço mental, é mais complexa
cognitivamente.
Atentos a esse critério, observamos que o pronome você também é uma
categoria menos marcada em relação aos outros pronomes pessoais, visto que a
demanda (necessidade) de atenção e tempo de processamento são pequenos.
Os itens ou expressões linguísticas podem ser analisados sob a percepção de
que há uma polaridade cujos extremos assinalam níveis limítrofes de marcação. As
categorias mais marcadas (Grupo A) são menos frequentes, mais complexas
estrutural e cognitivamente em detrimento das categorias menos marcadas (Grupo
B) que são mais frequentes, menos complexas estrutural e cognitivamente.
Esquematizando temos:
Quadro 1: Critérios de marcação
GRUPO A GRUPO B
+ marcado - marcado- frequente + frequente
+ complexidade estrutural - complexidade estrutural
39
+ complexidade cognitiva - complexidade cognitiva
Possivelmente, pela junção desses critérios, ou seja, por conseguir reunir
simultaneamente características como a de um vocábulo de pequena extensão,
muito usado e que não exige grande esforço cognitivo, pertencendo, aqui, ao que
denominamos de grupo B, o item linguístico você configura-se como sendo o
pronome mais produtivo em mensagens veiculadas em outdoors. Isso ocorre
porque, nesse tipo de veículo, há uma notória preferência por vocábulos que
permitam, com fluidez, uma rápida leitura, sobretudo, em se tratando de um
pronome, que, embora seja um elemento importante no texto por ser o responsável
maior da focalização do interlocutor, não costuma centralizar o conteúdo principal a
ser divulgado.
Assim, havendo uma certa leveza nesse tipo de vocábulo, tem-se a
permissão para que se possa trazer outros vocábulos para compor a mensagem,
aqueles que, de fato, transmitem a informação, em um nível que exija um maior
esforço cognitivo. Uma espécie de acordo que visa garantir o equilíbrio da
mensagem veiculada.
1.1.2.1.3 Você em outdoors
Selecionamos doze (12) mensagens para observarmos o uso do você na
atualidade, bem como para analisarmos e discutirmos a referência do pronome você
realizada nesses textos9.
Ressaltamos que a categorização que utilizamos para demonstração e
análise das mensagens veiculadas em outdoor, nesse momento, é diferente da
categorização que usamos para a referencialidade do pronome você no decorrer do
trabalho. Uma vez que os corpora trabalhados atendem a distintos gêneros , outdoor
e entrevista, e , assim, a diferentes demandas.
9 O estudo foi realizado em 30 mensagens de outdoor, alguns recolhidos em Vitória da Conquista, outros em João Pessoa e outros no site www. outdoor. com. br. Em 18 mensagens , havia pronomes pessoais do caso reto.
40
Nas mensagens selecionadas no suporte outdoor, você foi empregado
sempre como referência à segunda pessoa (P2). Por essa razão, optamos por
categorizar as mensagens veiculadas de forma diferenciada. Propusemos agrupá-
las em três (03) blocos, a saber:
P2a - sujeitos mais específicos;
P2b- sujeitos menos específicos; Um enunciado e dois pronomes você.
O pronome você apareceu, na grande maioria dos exemplos, como P2, ou
seja, ocupando a função canônica de fazer referência ao interlocutor, como
podemos observar nos exemplos que compõem o bloco P2a - sujeitos mais específicos:
Ilustração 1: Outdoor 1
Ilustração 2: Outdoor 2
41
Ilustração 3: Outdoor 3
Ilustração 4 : Outdoor 4
Ilustração 5 : Outdoor 5
Ilustração 6: Outdoor 6
No bloco, intitulado P2a - sujeitos mais específicos, elencamos mensagens
veiculadas em outdoors que trazem o pronome você com uma referência mais
específica a um ser. Temos, nas ilustrações 1 e 2, mensagens que apresentam,
como referência ao pronome você, os P2 - pais; na ilustração 3, referência à mãe;
nas ilustrações 4,5 e 6, referências à mulher e ao homem, respectivamente.
42
Na mensagem do outdoor 1, embora apareça uma figura de um bebê, a
intenção é de sensibilizar os pais ou responsáveis pela criança para prevenção da
doença, tendo em vista que o bebê mostra-se indefeso, desprotegido, em uma
posição passiva diante da doença que se aproxima. A referência do pronome você é
estabelecida a partir de inferências, uma vez que não está marcada no texto.
Diferentemente, na mensagem do outdoor 2, o vocativo “senhores pais”, preposto ao
pronome vocês, e, na mensagem do outdoor 3, o vocativo “mamãe”, posposto ao
pronome você, explicitam as referências do pronome nas mensagens.
Interessante perceber que se não houvesse a presença do vocativo mamãe
reforçada, obviamente, pela figura que a representa no plano não-verbal, o pronome
você, na mensagem veiculada, poderia atingir outros auditórios10.
Nas mensagens de outdoor 4, 5 e 6, estamos, mais uma vez, diante de uma
articulação entre linguagem, conhecimento de mundo e manobras publicitárias. Na
mensagem do outdoor 4, ao pronome você é realizada uma associação com o
pronome possessivo seu que acompanha o substantivo biquíni. O que nos permitir
inferir, a partir do conhecimento de mundo de que quem usa biquíni são mulheres e
que essa mensagem tem como finalidade atingir ao público feminino. Nas
mensagens 5 e 6, os referentes são a figura masculina. Em 5 é acoplada a figura de
um homem musculoso e os termos Deus grego e Rei Momo ao pronome você; além
da presença da figura masculina, há a exploração de uma relação opositiva
estabelecida entre o pronome você, sujeito do verbo tirar, e o pronome elas, sujeito
do verbo arrancar, que ratificam o você, nesse contexto, como elemento masculino.
Em todos os exemplos que compõem esse primeiro bloco, o você P2 aponta
claramente em direção ao seu público alvo. No segundo bloco, P2b - sujeitos menos específicos, no entanto, elencamos mensagens veiculadas em outdoors
que trazem o pronome você com uma referência menos específica a um ser, uma
referência que se aproxima de um auditório maior.
10 Auditório, acepção semântica, público para o qual a argumentação se desenvolve e para o qual o discurso é dirigido (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2002).
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Ilustração 7 : Outdoor 7
Ilustração 8 : Outdoor 8
Ilustração 9 : Outdoor 9
Ilustração 10 : Outdoor 10
Analisando as mensagens veiculadas nos outdoors desse bloco, notamos que
o pronome você refere-se a um indivíduo, qualquer que seja ele, mas, ao mesmo
44
tempo e sobretudo, refere-se a um grupo que compartilha daquele anseio. Assim, a
reciclagem, ilustração 7, é responsabilidade, simultaneamente, de um único
indivíduo, e do conjunto de indivíduos, responsáveis pelas futuras gerações; no
ilustração 8, em oposição à poncã, que serve basicamente ou exclusivamente, para
as vias respiratórias, o produto anunciado é recomendado para você, como
representação de todos os indivíduos, diante de qualquer problema.
Em “Coca-cola e você. Juntos na paixão pelo futebol”, temos elementos
singulares, escritos em um coração, que originam um outro elemento plural no
enunciado: juntos. O pronome você, nesse outdoor, ativa o senso comum de que
todos os brasileiros apreciam o futebol.
Na campanha dos outdoors 10, o pronome você veicula o olhar coletivo de
todas as pessoas. Pressupõe que qualquer pessoa que esteja olhando essas
imagens veja as mesmas coisas: um jovem escutando música, um jogo de
computador. Uma oposição é marcada, através do pronome a gente que, nesse
contexto, é ressignificado como um grupo capacitado para perceber e propiciar
conhecimento através dessas ações. Assim, o você, aqui, é plural, está relacionado
a todos. No entanto, o a gente é singular, particulariza um grupo.
Por fim, no terceiro bloco, Um enunciado e dois pronomes você, trazemos
duas (02) mensagens de outdoor que registram duas vezes o pronome você.
Ilustração 11: Outdoor 11
Ilustração 12 : Outdoor 12
45
No outdoor 11(Ilustração 11), procuramos perceber, inicialmente, se haveria
diferença no conteúdo da mensagem veiculada se retirássemos um item você ou,
até mesmo, os dois. Vejamos:
a. O celular que você queria por um preço que não esperava.
b. O celular que queria por um preço que você não esperava.
c. O celular que queria por um preço que não esperava.
A essência do conteúdo não é alterada em nenhum dos enunciados
propostos acima, como é possível perceber. Todavia, a orientação com o uso
repetido do pronome você estabelece com o interlocutor uma relação mais
direcionada, tentando aparentar, através do uso enfático, que este celular com tais
características é justamente para ele (no caso você a ser atingido). Um ele que, vale
ressaltar, pode ser qualquer um.
No outdoor 12( Ilustração 12), conforme fizemos com a mensagem anterior,
retiramos o item você para melhor analisarmos a sua importância no enunciado.
Vejamos:
a. Prepare-se: em breve você vai ouvir o som que vai tocar.
b. Prepare-se: em breve vai ouvir o som que vai tocar você.
c. Prepare-se: em breve vai ouvir o som que vai tocar.
Nesses exemplos, como temos o você exercendo as funções de sujeito e
objeto, respectivamente, a retirada do pronome causa efeitos diferenciados.
Percebemos que você, na condição de objeto, é necessário para a especificidade de
um som tocar em um ser e não apenas de um som ser tocado, como pareceria a
partir da sua ausência. O uso do você, como sujeito, é facultativo, mas, aqui, como
no outdoor 11, há a busca por uma particularização do interlocutor.
Ainda que usando um número limitado de mensagens, essa análise permite-
nos constatar, em relação aos gêneros textuais presentes nos suportes outdoors,
que o pronome mais utilizado é o você, por isso este pronome é considerado como
o mais produtivo e também o menos marcado, levando em conta o princípio de
quantidade.
46
No gênero textual veiculado em outdoor, o pronome você exerce, na maior
parte das vezes, a função de interlocutor (P2), porém essa função representa, em
algumas vezes, grupos mais restritos de interlocutores e, em outras vezes, grupos
mais ampliados, aproximando-se de uma referência genérica.
A escolha do pronome você para esse tipo de veículo é justificada porque ele
se apresenta como o mais adequado para se atingir aos diversos grupos. É de
pequena extensão, por isso também menos marcado, e, ao tempo em que atinge a
um grupo específico (auditório particular), com ele também se alcança um grupo
maior (auditório mais ampliado). Sendo assim, conseguindo ser o menos marcado
em relação aos demais pronomes pessoais, o você o vocábulo mais funcional para
esse veículo.
Fizemos um percurso que cruzou séculos. Nesse ínterim, em linhas gerais,
foram esboçadas as razões do surgimento e também os motivos da decadência da
locução nominal Vossa Mercê, coisas dos tempos de outrora. Também,
consequentemente, expomos a chegada do você e a sua atuação, coisas dos
tempos de agora. Daqui pra frente, desfilaremos por quatro caminhos teóricos que
irão nos subsidiar na análise do nosso objeto.
Iniciaremos a nossa jornada em alguns caminhos com você. Inicialmente,
pelos caminhos da sociolinguística; em seguida, unidos pelo mote da mudança,
cruzaremos os caminhos da gramaticalização; depois, iremos pelos caminhos da
referenciação e, por fim, aportaremos nas veredas das Gramáticas tradicional e
funcional.
Sigamos em frente buscando viver o você por todos os caminhos!
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48
49
2.1 Nos caminhos da Sociolinguística
2.1.1 Entendendo a trilha da sociolinguística
Ainda que reconhecendo a importante contribuição de Ferdinand Saussure
aos estudos linguísticos, discernindo esse nome, entre outros, e atribuindo a ele a
grande responsabilidade pela maneira de pensar e fazer linguística moderna, uma
linguística sincrônica que se opunha aos estudos históricos dos séculos anteriores,
nesta subseção daremos enfoque a um aspecto contrário ao posto por esse teórico:
a heterogeneidade linguística, tendo em vista que compreendemos o traço da
heterogeneidade como uma característica imanente à língua.
Realizamos, então, no decorrer da subseção “Nos caminhos da sociolinguística”, um passeio teórico, no qual serão colhidas contribuições de
alguns estudiosos sobre a ciência da língua. Objetivamos constatar que os
fenômenos linguísticos sempre estiveram sujeitos e sensíveis à variação e à
mudança, embora, a rigor, tais questões não tenham sido o cerne dos estudos que
antecederam a sociolinguística. Com isso, almejamos desmistificar a concepção tão
fortemente arraigada da impossibilidade de estudo e análise de tais fenômenos.
Pretendemos, dessa forma, que esses pensamentos que ora teorizamos,
superficialmente distintos, possibilitem-nos realizar a defesa de que a língua falada
de nenhuma forma pode ser considerada uniforme e homogênea. Somos seres
mutáveis e plurais, e a língua reflete os seres que dela fazem uso enquanto
instrumento de interação.
2.1.2 Dois caminhos que se unem: a história da língua(ística) e a história da mudança linguística
A língua deve ser vista não como uma estrutura estática, mas como um sistema social dinâmico, que está continuamente se movendo, mudando e interagindo (GUY, 1995).
50
Saussure11, em 1916, por meio de seus discípulos Bally e Sechehaye,
apresentava à sociedade, através da publicação do Curso de Linguística Geral,
doravante CLG, uma análise linguística com caráter científico, dotada, obviamente,
de objeto de estudo, método, observação dos fatos, hipótese, experimentação e
teoria adequada. A linguística, até então, segundo esse teórico, “jamais se
preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo” e, para ele, isso era
uma questão sine qua non para que a mesma se legitimasse enquanto ciência, pois
“sem essa operação elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método
para si própria.” (SAUSSURE, 1995, p. 10).
O estudo da linguística, desde então, com status de ciência, foi proposto, pelo
mestre genebrino, a partir da visão de sistema, pois “(...) o fenômeno linguístico
apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não
vale senão pela outra.” (op.cit., p. 15). E esse sistema, por sua vez, foi apresentado
através das dicotomias12 langue (língua) e parole (fala); diacronia e sincronia;
paradigma e sintagma; significado e significante.
Ao falar sobre a dicotomia langue e parole, Saussure estabelece um corte
metodológico no qual determina que o objeto de estudo da linguística é a língua e
afirma, ainda, que essa constitui um sistema regido por leis próprias e dotado de
homogeneidade. Segundo o próprio estruturalista, “a linguística tem por objetivo
único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma.”
(op.cit., p. 314). Ou ainda, definindo a língua, declara que esta é “a soma de sinais
depositados em cada cérebro dum conjunto de indivíduos” e que constitui “a parte
social da linguagem (...).” (op.cit., p. 22).
Por ser a língua, nessa perspectiva teórica, ao contrário da fala, o objeto
capaz de formar um sistema, tendo em vista que possui natureza homogênea, ela é,
então, a escolhida como prioritária aos estudos linguísticos. A língua, na vertente
saussuriana, é concebida como exterior ao indivíduo e por isso não é possível ao
falante “nem criá-la nem modificá-la”.
11 Faz-se necessário ressaltar que embora Saussure seja, geralmente, apresentado, nos manuais de história da lingüística, como pai da lingüística moderna, somente na década de 20, a partir da realização de três grandes eventos, a saber: Primeiro Congresso Internacional de Lingüística (HAIA,1928), Primeiro Congresso dos Filólogos Eslavos (PRAGA, 1929) e Primeira Reunião Fonológica Internacional (PRAGA,1930), o obra tornou-se, de fato, uma referência.
12 A complexidade desses pivôs epistemológicos da teoria estruturalista, embora convertidos em fontes duais, em termos contrários e disjuntos, são somente entendidos através da síntese dos pólos tomados como tese e antítese.
51
Para atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem pode-se, enfim,
fazer valer o argumento de que a faculdade natural ou não de articular palavras não
se exerce senão com a ajuda de instrumentos criados e fornecidos pela coletividade;
não é, então, ilusório dizer que é a língua que faz a unidade da linguagem (op.cit., p.
18).
Lopes (1997, p. 121), ratificando o mestre estruturalista, manifesta que a
linguística, de fato, deva focalizar como objeto primeiro a langue, pois é nesta que as
identidades são estabelecidas e, para esse teórico, a questão das identidades é
prioritária e geral nos estudos da língua, pois é nesta questão que são contemplados
problemas, como a natureza do signo, caracteres das entidades linguísticas.
Talvez, pensando na Sociologia, ciência que na época já gozava de prestígio
e influenciado possivelmente pelos estudos de Durkheim e Tarde, Saussure diz “a
linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um
sem o outro” e ainda acrescenta, tentando minimizar as oposições, que a língua e a
fala são “objetos (...) estreitamente ligados e se implicam mutuamente: a língua é
necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta
é necessária para que a língua se estabeleça”. Mesmo diante desse arrazoado,
Saussure (1995, p. 27-28) afirma, referindo-se à língua, que “Unicamente desta
última é que cuidaremos.”
Encrevé (1977, apud HORA, 1997, p.163) assinala dois aspectos sobre a
concepção de língua na teoria saussuriana. Um aspecto é o de que a língua a que
Saussure faz referência é a língua da massa falante e não a língua do falante em si,
enquanto indivíduo isolado, e o outro aspecto é o de que a língua parece pertencer
ao sentido da audição. Dessa forma, a definição de língua na ótica de Saussure, traz
segundo Encrevé, um considerável equívoco, pois constitui a língua do sujeito
ouvinte e não a do sujeito falante.
Labov (1972) diz sobre essa questão, que se todos os falantes têm um
conhecimento da língua (langue) - sistema virtual existente em cada cérebro, como
proposto por Saussure, será possível obter dados para a descrição da língua a partir
de um único falante. E, em contraposição, a fala - ato individual - só poderá ser
estudada mediante o contexto social. Dessa maneira, a partir de um único indivíduo
é possível analisar o lado social da linguagem e somente a partir da interação entre
52
duas ou mais pessoas será possível estudar o aspecto individual da linguagem. Está
posto, dessa forma, o “paradoxo saussuriano”.
Labov (1972) assinala que não é possível estudar a língua isentando-a das
relações com o sujeito e, consequentemente, das relações de ordem social. Para
ele, todo enfoque linguístico deve estar relacionado ao aspecto social, em virtude da
própria natureza do fenômeno da linguagem. A língua, sob essa ótica, não
representa uma entidade homogênea, como pressupõe a visão saussuriana e os
estudos linguísticos realizados até então, mas, sim, uma entidade heterogênea,
tendo em vista que reflete a variabilidade social e as diferenças no uso das variantes
linguísticas que, por sua vez, correspondem às diversidades dos grupos sociais. Sob
a perspectiva social da língua, a variação e mudança linguísticas podem ser
estudadas diacrônica e sincronicamente.
Tarallo (1997) diz que, quando na língua existem variações, há,
aparentemente, o reflexo de um “caos linguístico”, mas que essas variações podem
ser processadas, analisadas e, consequentemente, sistematizadas. Com isso,
Tarallo, leva-nos a entender que, no suposto “caos linguístico”, há uma possibilidade
real de organização, basta que miremos os fatores condicionantes que favorecem a
uma variação e que se perceba a regularidade presente.
Meillet, ainda que comumente classificado como discípulo de Saussure, por
vezes, realizava leituras diferenciadas do mestre em relação à língua e teorizava
outras possibilidades de caminhos. Enquanto o mestre genebrino centralizava a sua
abordagem na forma da língua e situava a língua como “fato social” e, ao mesmo
tempo, “um sistema que tudo contém”, Meillet (1965, p. 17) centralizava sua
abordagem nas funções sociais e dizia que “Por ser a língua um fato social resulta
que a linguística é uma ciência social e o único elemento variável ao qual se pode
recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social”. Por essa via de
associação entre fato social e língua, Meillet muito se aproxima da proposta de
heterogeneidade linguística.
Na tentativa de contribuir com essa discussão, Calvet (2002, p. 12) diz que
“as línguas não existem sem as pessoas que as falam e a história de uma língua é a
história de seus falantes.”
53
Em meio a essa gama de intervenções, um fato é certo: essas duas faces da
língua, homogênea e heterogênea, perduraram por todo o século XX.
Falar em línguas como sistema heterogêneo e em variações e mudanças
linguísticas, remete-nos ao termo sociolinguística. Esse termo, segundo Romaine
(1994), surgiu em 1950, quando se buscou fazer referências às relações intrínsecas
existentes entre linguistas e sociólogos e , juntas, essas ciências procuravam
esclarecer as influências da linguagem na sociedade e no contexto social da
diversidade linguística. Segundo Marcuschi (1975), o termo sociolinguística teve a
sua origem no ano de 1952, em um trabalho publicado por H. C. Currie sobre a
relação existente entre o comportamento linguístico e o status social.
Labov (1972) tece um valoroso comentário, ao afirmar que o uso da
nomenclatura sociolinguística parece demonstrar que exista uma teoria ou uma
prática linguística que não seja social. Calvet (2002), retomando essa justificativa,
diz que o termo deveria ser registrado da seguinte forma (sócio) linguística, na
esperança de que o afixo “sócio” um dia viesse a desaparecer e, dessa maneira, o
termo linguística, consequentemente, por si só já passasse a contemplar o estudo
da linguagem em sua relação natural com a sociedade.
Para finalizar a discussão sobre o termo, apresentamos a oportuna
advertência de Coupland e Jaworski
O termo ‘sociolinguística’ significa muita coisa para muitas pessoas, e com certeza ninguém tem uma patente na sua definição. De fato nem todo mundo cujo trabalho é chamado ‘sociolinguística’ está pronto para aceitar o rótulo e aqueles que não usam o termo incluem e enfatizam diferentes. (COUPLAND; JAWORSKI, 1997, p. 01).
Podemos afirmar e, assim, reconhecer que, de certa forma, os primeiros
esforços no que diz respeito à delimitação desse novo campo da linguística, a
disciplina Sociolinguística, deve-se a Bright. Em 1964, esse estudioso realizou, na
Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), um congresso sobre as
dimensões da sociolinguística e, em 1966, publicou, na obra Sociolinguistcs, os
trabalhos apresentados no referido congresso. Neste primeiro momento, Monteiro
(2002) registra que dois motivos contribuíram para que a sociolinguística pouco
avançasse: a desconfiança e, indubitavelmente, a resistência dos linguistas
54
seguidores das escolas anteriores e ausência de uma fundamentação teórica mais
precisa e consistente.
Ainda que com a presença dessas dificuldades, Bright (1964), acreditando
que só através da diversidade linguística fosse possível estabelecer a relação entre
variações e a estrutura social, conseguiu delimitar, como objeto de estudo dessa
ciência, a diversidade linguística que, na concepção dele, pode ser vista por três
ângulos ou dimensões: a identidade social do emissor ou falante, quando as
variações são realizadas pelo emissor em função da estratificação social; a
identidade social do receptor ou ouvinte, quando as variações são realizadas em
função do receptor, geralmente, diante de um superior ou indivíduo com uma
condição específica, como crianças, deficientes; e as condições da situação
comunicativa ou contexto social, quando as variações envolvem as identidades dos
indivíduos, bem como os fatores relevantes no ambiente onde a interação realiza-se.
Mesmo diante desses empenhos, é com Labov, que a sociolinguística, de
fato, concretiza-se. A descrição da heterogeneidade linguística avança e consegue
fortalecer-se através dos fenômenos de variação e mudança linguísticas e,
consolida-se, então, a teoria da variação.
Valendo-nos novamente do mestre genebrino, temos, no CLG, a proposição
de que, na linguística, “é o ponto de vista que cria o objeto.” (SAUSSURE, 1995, p.
23). Pensemos, então, que se, a partir de um dado momento, passamos a focalizar
o ângulo da heterogeneidade linguística e não mais da homogeneidade, essa nossa
nova perspectiva nos levará a perceber que a variação esteve presente em muitos
momentos na história da linguística, como tentaremos esboçar, a partir de agora,
nesse texto.
Ainda que voltemos o nosso olhar, por exemplo, para um tempo mais
longínquo, poderemos ver, que seja qual for o nosso recorte, quer seja na dimensão
da profundidade - As variações diacrônicas; quer seja na dimensão da largura - As
variações geográficas; ou na dimensão de altura - As variações sociais
(VANDRESEN, 2006), os fenômenos da variação e mudança linguísticas sempre
estiveram presentes.
Na tradição hebraica, há presença da variação linguística na história bíblica
da torre de Babel; na tradição indiana, há a história do Asuras, considerados pelos
55
brâmanes como povos bárbaros, pois não falavam o sânscrito, mas uma língua dita
corrompida, uma língua modificada; ou ainda, na Grécia, onde há a discussão dos
anomalistas e analogistas.
Com a linguística comparativa e histórica, a linguagem passa a refletir a sua
própria imagem. Ousamos dizer isso, uma vez que, antes desse momento, a
linguagem, relacionava-se com outros estudos, como lógica, retórica, poética. Os
comparatistas, através de seus representantes, pretendiam, nas próprias palavras
de Saussure (1995, p. 8), comentando sobre Franz Bopp, “(...) foi êle (sic) quem
compreendeu que as relações entre línguas afins podiam tornar-se matéria duma
ciência autônoma. Esclarecer uma língua por meio de outra, explicar as formas
duma pelas formas de outra, eis o que não fora ainda feito.”
No final do século XVIII13, com a descoberta de que havia traços semelhantes
entre o sânscrito, o grego e o latim, os estudiosos comparatistas procuraram
demonstrar, através de estudos de correspondências sistemáticas entre essas
línguas, que as línguas eram “genealogicamente” aparentadas e descendentes de
uma língua mais antiga: o indo-europeu ou o proto-indo-europeu.14 Com esses
filólogos comparatistas também a variação esteve presente nos trabalhos que
desenvolviam com o subgrupo românico das línguas indo-européias e estudos das
variações geográfica, horizontal ou espacial de uma mesma língua e ainda com
primárias observações sobre variações social, vertical ou estrática, através da
distinção entre o latim vulgar e o latim padrão clássico.
A escola dos neogramáticos, no final do século XIX, destacava-se pela
demonstração da ação e do princípio da regularidade da mudança linguística. Para
estes estudiosos, um pesquisador da língua deveria primar, através do estudo das
línguas vivas atuais, pela compreensão da mudança e não se fixar na reconstrução
de uma protolíngua.
É salutar acrescentar que, em 1878, através de um manifesto, H. Osthoff e K.
Brugmann apresentaram as críticas dessa nova escola à escola comparatista, tendo
em vista que, na linguística comparada, a prioridade era o estudo comparativo das
13 William Jones, um juiz inglês, nos últimos anos do século XVIII, inquietou-se ao conhecer o sânscrito e ao perceber que entre essa língua, o latim e o grego existiam traços comuns.
14 Protolíngua aparece na literatura como sinônimo de um estágio de língua, não necessariamente atestada em textos, que, na verdade, permite resgatar possíveis relações entre grupos de línguas diferenciadas (TARALLO, 1990, p. 29).
56
línguas indo-européias através de documentos escritos em detrimento do estudo da
fala e do sujeito falante ou ainda, segundo Tarallo (1990, p. 45), os neogramáticos
consideravam que o equívoco da escola comparatista foi:
ter se fixado única e exclusivamente no aspecto da fala humana, totalmentedesconsiderando a operação de fatores psicológicos que têm atuado (eatuam) em inúmeras mudanças e inovações fonológicas, e em casos deanalogias nos sistemas.
Dois princípios neogramáticos sobressaíram-se no manifesto por eles
apresentado.
O princípio da regularidade das Leis Fonéticas:
(...) há aqueles que dirão que o mesmo som, no mesmo contexto, mudou em algumas palavras de uma forma e, em outras, de outra. Aquele que isso fizer e que ainda vir nessas exceções não motivadas, favorecidas por ele mesmo, algo muito normal que ele acredita decorrer da própria natureza da mudança fonológica mecânica, e aquele que então - como sói acontecer - transformar essas exceções na base de suas conclusões, que devem abolir a consistência da mudança fonológica observada, este necessariamente cairá vítima do subjetivismo e da arbitrariedade. Em tais casos ele pode até levantar conjeturas bastante engenhosas, mas nenhuma que mereça crença, e ele então não deve se queixar quando rejeitado friamente. Que o movimento ‘ neogramático’ não esteja em uma posição de explicar todas as ‘exceções’ às mudanças fonológicas, não constitui, obviamente, uma base de objeção contra o princípio da regularidade (TARALLO, 1990, p. 47).
O princípio da analogia
Muitos acreditam que as formações analógicas principalmente naqueles estágios de uma língua quando o ‘sentimento pela língua’ tenha sido ‘degenerado’ ou, como também se diz, quando ‘a consciência da língua tenha sido enfraquecida’; e assim acredita-se na impossibilidade de se esperar formações analógicas nos períodos mais antigos de uma língua. Uma maneira estranha de se encarar os fatos! (...) Se o movimento ‘neogramático’ com seus princípios metodológicos abandona muitas das formas indo-européias originais que têm circulado há tempos pela ciência e que são provavelmente muito queridas para muitos, e se o movimento não se encontra no momento em posição para acompanhar o “vôo idealista” em direção aos períodos da língua primitiva e pré- primitiva – e esse vôo é agora tão frequentemente alçado -, e se o movimento neogramático com sua atitude cética parece menosprezar todos aqueles que estão sempre à caça da língua primitiva, e se ele parece inferior em eficiência ao movimento mais antigo, certamente ele pode se consolar com o pensamento de que para uma ciência jovem, como a linguística comparada o é apesar de seus sessenta anos, o movimento deve preocupar-se mais com voar tão seguramente a tão longe quanto possível (TARALLO, 1990, p. 47-8).
57
Já cientes das oportunas críticas que, certamente, surgiriam, os
neogramáticos afirmavam que toda crítica seria aceita, desde que houvesse a
postura de respeito e compreensão pelas posições analíticas adotadas por esses
estudiosos. E, de fato, os princípios foram alvos de muitas críticas. O primeiro pela
excessiva manipulação da regularidade. Ao afirmar no manifesto que “qualquer
mudança fonológica, por ocorrer mecanicamente, acontece de acordo com leis que
não admitem exceção”, os neogramáticos demonstraram a não-aceitação à
possibilidade de exceções às mudanças. E, o segundo, pelo exagerado uso do
mecanismo de analogia quando havia necessidade de explicar as exceções às
mudanças, no presente ou no passado, como pode ser constatado em “acredita-se
na impossibilidade de se esperar formações analógicas nos períodos mais antigos
de uma língua. Uma maneira estranha de se encarar os fatos!.”
Apesar de todas as críticas, a teoria neogramática também possui seus
méritos, como o de estudar dialetos falados na época para então descrevê-los e o
de perceber a regularidade na mudança de sons. Fato que distingue os
neogramáticos dos linguistas históricos que restringiam os seus estudos aos
documentos escritos em busca de uma protolíngua. Temos, aqui, incipientes
registros de estudos voltados à mudança da língua.
Para o alemão Humboldt (1971), um dos linguistas mais influentes do século
XIX, a língua era dotada de duas fases bem delineadas. A primeira fase é marcada
pela presença da criação de sons da língua e a outra é marcada pela redução desse
impulso físico criador. Esta fase é considerada por ele como a que maior tendência
apresenta ao surgimento de transformações na língua.
Segundo Humboldt ainda, a língua em si constituía uma energeia (atividade) e
não uma ergon (produto de uma atividade). Com isso, o teórico iluminava a
discussão, postulando que a língua, concebida como representação de uma obra
não acabada, era, acima de tudo, o conjunto de regras que possibilitava aos falantes
a produção de um número ilimitado de enunciados e não apenas o conjunto de
enunciado elaborado pelos falantes e, ainda, que a língua era dotada de uma
atividade ininterrupta de mudança, mesmo quando estava posta em texto escrito. A
língua não constituía a representação externa do pensamento, mas o instrumento
que viabilizava o pensamento.
58
Dessa maneira, a língua era, em essência, um processo (energeia) com
valores de transitoriedade, devido o continuum do trabalho mental que agia sempre
sobre o produto (ergon) formando, reformando e transformando o mesmo.
Bloomfield (1964), expoente da escola estruturalista americana, considerava
que o processo de mudança linguística deparava com a impossibilidade de
observação e realização de estudos dos mecanismos que a fomentava. Para
Bloomfield (apud HORA, 1997, p. 164), então, a mudança fonética pode ser
explicada “como a mudança no hábito de realizar o movimento que produz sons, um
fenômeno mecânico impossível de ser captado na sua dinâmica” e a explicação para
as mudanças resume-se à imitação por parte do falante dos hábitos de fala de
prestígio de outros falantes.
Jakobson (1973), ainda que centralizando os estudos linguísticos
desenvolvidos no Círculo Linguístico de Praga na função da linguagem, admite
haver um código linguístico de natureza multiforme e dividida em subcódigos
ordenados hierarquicamente pelo falante.
Nos estudos chomskyanos, em meados de 1950, foi focalizada a figura do
falante-ouvinte ideal, membro de uma comunidade linguística completamente
homogênea. Nessa escola gerativista, os conceitos de langue e parole foram, de
certa forma, reditos através dos termos competence (competência) - saber que o
falante possui de sua língua - e performance (desempenho) - execução por meio de
regras da competência em situações concretas, e os estudos sobre a mudança
ocuparam uma posição periférica. A fala, por sua vez, foi considerada como
manifestação agramatical e as variações individuais ou coletivas como resultado de
misturas dialetais ou variações livres. Afinal, a grande preocupação desses
estudiosos era com o dispositivo mental inato que deveria ser explicado pela teoria
da gramática universal. Assim, a variação linguística ocupou, nessa teoria, a posição
marginal dos estudos.
A partir dessa época, então, os linguistas, conforme Labov, puderam agrupar-
se em dois segmentos:
Grupo A, o grupo ‘social’, que presta atenção especial aos fatores sociais na explicação da mudança, vê funções expressivas e diretas da língua intimamente inter-relacionada com a comunicação da informação referencial; estuda a mudança em progresso e vê o prosseguimento da
59
mudança refletido em mapas dialetais; e enfatiza a importância da diversidade linguística, línguas em contato e o modelo oscilante da evolução linguística.
(...) Grupo B, o grupo ‘associal’, focalizam puramente os fatores interno- estruturais ou psicológicos – na explicação da mudança; segregam a comunicação afetiva ou social da comunicação das ‘ idéias’; acreditam que a mudança fonética em progresso não pode ser estudada diretamente, e que os estudos da comunidade ou os mapas dialetais mostram nada mais do que os resultados de empréstimo dialetal; eles consideram uma comunidade homogênea, monolíngue como típica (...)15 (LABOV, 1972, p. 264-5).
2.1.3 Um novo caminho: a sociolinguística
Em meio a essa concepção de língua homogênea e no momento auge da
gramática chomskyana, surge a Sociolinguística. Tânia Alckmin (2001) registra que
a constituição dessa ciência parece dar continuidade aos estudos e pesquisas sobre
a Antropologia Linguística, desenvolvidos anteriormente por F. Boas (1911) e seus
discípulos E. Sapir (1921) e B. Whorf (1941).
Embora esses estudos iniciais, voltados, por vezes, à antropologia e à
dialectologia, tenham contribuído para a noção de uma ciência que refletisse os
estudos linguísticos e sociais, a década de 60 é que efetivamente representa o
marco desse saber. Em 1963, Labov publica um trabalho sobre a comunidade da
ilha de Martha’s Vineyard, no litoral de Massachussets (E. U. A.), no qual evidencia a
variação linguística a partir dos fatores sociais, como idade, sexo, ocupação, origem
étnica e atitude ao comportamento linguístico. E, em 1964, Labov fixa o modelo
metodológico da Teoria da Variação ou Sociolinguística Variacionista, no qual a
descrição e a interpretação dos fenômenos linguísticos são observados no contexto
social.
15 Thus linguistics seems to fall into major groups in the matter. Group A, the ‘social’ group, would pay attention to social factors in explain change; see expressive and directive functions of language closely intertwined with the communication of referential information; study change in progress and see on-going change reflected in dialect maps; and emphasize the importance of linguistic diversity, language in contact, and the wave model of linguistic evolution.[…] Group B, the ‘asocial’ group, focus upon purely internal structural or psychological-factors in explaining change; segregate affective or social communication from the communication of ‘ideas’; believe that sound change in progress cannot be studied directly, and that community studies or dialect maps show nothing but the results of dialect borrowing; they would take the homogeneous, monolingual community as typical, working within the Stammbaum model of linguistic evolution. It would be unfair to argue that Group B linguists would disregard social factors entirely in explaining linguistic change […] (LABOV, 1972, p. 264-265).
60
Essa ciência também conhecida como Sociolinguística Quantitativa, por
trabalhar com números e dados estatísticos, tem como objeto de estudo a língua
falada, observada, descrita e analisada em situações reais de uso. Examinam,
assim, quais são as variáveis linguísticas e extralinguísticas (variáveis sociais) que
orientam o comportamento verbal dos falantes em situações de interação, tendo em
vista que a língua apresenta-se como “um objeto histórico e cultural que se constitui
a partir da interação social entre os membros de uma determinada coletividade.”
(LUCHESI, 1998, p. 210).
Nessa concepção laboviana, a língua falada em e por qualquer comunidade é
representada por um conjunto de variedades linguísticas. Se, nas escolas que
antecederam a sociolinguística, as formas variantes eram percebidas como partes
constituintes de sistemas diferenciados (formas que existiam junto a outras formas
ou que configuravam alternativas cuja escolha era livre e assistemática), ficando
sempre à margem desses estudos, para os variacionistas, isso não constitui
literalmente um problema, mas uma característica inerente à língua. Assim, cabia à
sociolinguística a tarefa de operacionalizar esses fenômenos através de teoria e
metodologias próprias, acreditando que a heterogeneidade presente na fala é
possível de sistematização.
Os estudos variacionistas, realizados nos anos 60, cumpriram esse objetivo.
Primaram por coletar material na comunidade de fala e, através de análises,
demonstrar a sistematicidade, regularidade e padrão na variação.
Várias são as questões que cercam os fenômenos da variação e mudança,
como:
Como ocorre uma mudança?
Por que ocorre uma mudança?
Por que a mudança é operada em um sentido e não no outro?
Por que a língua muda?
Por que na língua há mudança de determinadas formas e de acordo com
determinadas linhas?
Weinreich, Labov e Herzog (doravante WLH, 1968, p. 188) afirmam que “nem
toda a variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística envolve mudanças,
61
mas toda mudança envolve variabilidade e heterogeneidade.” Em Tarallo (1997, p.
64), encontramos o seguinte trocadilho sobre variação e mudança: “Nem tudo o que
varia sofre mudança; toda mudança linguística, no entanto pressupõe variação.
Variação, portanto, não implica mudança; mudança, sim implica variação. Mudança
é variação.” E, para esclarecer essa proposição, o teórico usa uma interessante
metáfora. Diz que há o momento do duelo, no qual convivem diversas formas
linguísticas, e há o momento da consagração do vencedor, no qual uma forma
linguística estabelece-se em um grupo em detrimento de outra (s) forma (s)
linguística (s). No primeiro momento, momento da coexistência das variedades
linguísticas, há a variação; e, no segundo momento, momento da consolidação de
uma forma, há a mudança. A variação, além de predicar um condição essencial na
língua, é também uma condição sine qua non para a mudança linguística.
Observamos, assim, que a variação linguística é perceptível na sincronia, mas
apenas a diacronia é capaz de demonstrar a mudança e, ainda que haja a existência
da variação em um dado momento não há a garantia de uma mudança linguística.
2.1.3.1 No meio do caminho, uma comunidade de fala
A sociolinguística variacionista, de posse do seu objeto, a língua falada, e de
sua finalidade, a de compreender melhor o sistema linguístico como um todo, a partir
das variáveis linguísticas e extralinguísticas, elege como amostra para a realização
do seu estudo o registro das falas de uma comunidade.
Entendendo que a mudança linguística não se dá em um único indivíduo, mas
no conjunto de indivíduos, que interagem em uma relação social e discursiva, a
comunidade de fala mostra-se como o meio mais adequado para retratar a realidade
linguística dos grupos sociais.
Uma comunidade de fala reflete o vernáculo utilizado pelos falantes,
entendidos nessa teoria, como tipos sociais e não indivíduos16, projetados e
estratificados pelas variáveis sociais, de acordo com o as suas características de
sexo/gênero, faixa etária, anos de escolarização, profissão etc. A comunidade de
16 Tendo como fundamento de que a variação e a mudança lingüísticas ocorrem em comunidades e não idioletos.
62
fala melhor subsidiará os estudos sociolinguísticos por espelhar, na mostra
individual, a gramática de um grupo de falantes mais amplo do qual o indivíduo faz
parte, e, por assim revelar, segundo Labov (2001), o leque de recursos da língua
disponíveis no repertório linguístico desse agrupamento do qual participa.
Labov (op.cit., p. 34) enfatiza que a investigação em uma comunidade de fala,
embora seja estudada em uma fala de um indivíduo, a gramática que ali emerge não
é fruto de um idioleto, mas de recursos linguísticos presentes nas regras de língua
utilizadas pela comunidade da qual faz parte.
Como a amostra, geralmente, acontece a partir de um número significativo de
falantes, as hipóteses inferidas pelo estudioso são confirmadas a partir da presença
ou ausência do fenômeno em observação e, dessa forma, tem-se a radiografia da
fala de um coletivo estudado com um todo. Quanto mais espontânea for a fala, mais
próxima ao vernáculo espontâneo, usual e real ela se encontrará e mais adequado
será o corpus para a realização de estudos sociolinguísticos.
2.1.3.2 No meio do caminho, o falante de uma comunidade de fala
Na busca pela explicação para o fato dos falantes de uma mesma
comunidade de fala efetuarem em seu repertório linguístico a escolha de uma forma
em detrimento da outra, a teoria variacionista procura desvelar o sujeito falante a
partir da sua estratificação social. Grupo de fatores sociais ou extralinguísticos, as
denominadas variáveis sociais, são estabelecidos para identificar o perfil social dos
falantes que, como diz Tarallo (1985, p. 64), “(...) favorecem ou desfavorecem a
seleção de uma ou outra das formas variantes que disputam determinado emprego.”
Ao se mapear uma variante, em particular, observamos que há uma tendência
de que a frequência da ocorrência dessa variante esteja sendo usada, em um ato
comunicativo, em indivíduos que concentrem certas características sociais, tais
como o pertencimento ao mesmo gênero/sexo, faixa etária, grau de escolaridade,
profissão etc. Isso, no entanto, embora dotado de uma forte probabilidade, a partir
das correlações linguísticas e sociais estabelecidas, não é um pré-requisito.
63
A estrutura linguística heterogênea é a tradução legítima da estrutura social
heterogênea. Se a sociedade é dividida em classes, o estudo da estrutura da língua
é estratificado, também, em fatores.
2.1.3.3 Princípios e problemas presentes nesse novo caminho
Ora, se a finalidade da sociolinguística é melhor compreender o sistema da
língua a partir dos aspectos linguísticos e extralinguísticos e a sua evolução ao longo
do tempo, Labov (1972, p. 184) chama a atenção para uma preocupação maior: “as
formas das regras linguísticas (...) as restrições impostas sobre elas, sua
combinação dentro de sistema, e a evolução dessas regras e sistema ao longo do
tempo” e, assim, propõe que, para o entendimento da mudança linguística, seja
fundamental basicamente o esclarecimento de três aspectos:
A origem da mudança, que envolve a compreensão do motivo que levou a
seleção de uma dada variação no uso da fala realizada por um grupo de
pessoas;
A propagação, que reflete o momento no qual um grupo de falante adota
aquela forma de uso e passa a consolidá-la em detrimento a formas já
existentes na língua;
E a realização completa, quando a forma “vencedora” se estabelece.
Podemos compreender esses aspectos supracitados, como o exemplo do
pronome vós. Abriremos, aqui, um rápido momento e, mais adiante, aprofundaremos
as discussões acerca desse tema.
O pronome vós, a título de exemplo, servia como forma digna de tratar todas
as pessoas em Portugal. No entanto, a partir de mudanças sociais e da recém
necessidade de mudanças de tratamento, uma nova forma linguística foi reclamada
para referência à figura real (origem da mudança).
Diante dessa demanda, a forma nominal Vossa Mercê começou a ser
utilizada para um tratamento diferenciado ao Rei, que não devia mais ser tratado
como se tratavam as demais pessoas (propagação).
64
E essa forma permaneceu durante o período de 1331 a 1481/1482,
substituindo a forma anterior vós (realização completa).
WLH, em 1966, propuseram em um texto apresentado no simpósio sobre
linguística histórica, realizado na Universidade do Texas (EUA), cinco princípios
empíricos para a teoria de mudança linguística. A saber:
O problema das restrições (constraints problem), no qual são enfocadas as
mudanças linguísticas e os fatores linguísticos e extralinguísticos que favorecem ou
restringem essa mudança.
Se, por um lado, o estudo das questões de restrições tende a clarear o
processo de mudança, por outro lado, conforme Luchesi (2004), pode fornecer uma
orientação genérica dos fenômenos, o que configuraria um equívoco. Por isso, em
Labov, há a seguinte reflexão:
A busca por uma restrição estritamente “universal” é, portanto, uma busca por uma faculdade da linguagem isolada, que não está encaixada na matriz mais ampla da estrutura linguística e social. Nada do que nós descobrimos até agora sobre a linguagem sugere a existência de tais estruturas isoladas Parece-me, portanto, que a formulação do “problema das restrições” em Weinreich, Labov e Herzog (1968) e em 2.1 estava equivocada, e que o problema das restrições deveria ser fundido com o problema do encaixamento (LABOV, 1992).
O problema da transição (transition problem), no qual há o estudo de como
e por quais caminhos existe a mudança na língua, a própria projeção histórica da
variação de uma estrutura A prévia para uma estrutura A’ posterior.
A ênfase do problema de transição é o percurso pelo qual cada mudança
realiza-se e uma questão que cerca tal problema é o de caracterizar o processo pelo
qual a mudança acontece como um estágio discreto ou continuum. Para WLH (1968,
p. 184), “A mudança se dá (1) à medida que um falante aprende uma forma
alternativa, (2) durante o tempo em que as duas formas existem em contato dentro
de sua competência, e (3) quando uma das formas se torna obsoleta.” Esse
processo não se realiza abruptamente, nem simultaneamente para todos os
falantes, é gradativo e contínuo.
65
O problema do encaixamento (embedding problem), no qual há a análise do
“encaixamento” das hipóteses linguísticas e extralinguísticas na variável estudada.
Subjaz nesse problema ainda um raciocínio estruturalista quando estabelece,
na mudança, uma relação com o sistema linguístico, notadamente reconhecido
pelos autores, “Haverá pouca discordância entre os linguistas de que as mudanças
linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no sistema
linguístico como um todo.” (op.cit., p. 185). Em contraposição, há um avanço
significativo no que diz respeito à relação existente entre mudança e o encaixamento
na estrutura social.
Há, contudo, uma necessidade, também ponderada pelos autores, de se
dividir esse problema em duas partes distintas: i)Encaixamento da variável na
estrutura linguística, como alternativa para descrever a estrutura linguística na qual
as formas em processo de mudança estão situadas; e ii) Encaixamento da variável
na estrutura social, buscando identificar os grupos sociais aos quais as formas se
vinculam (op.cit., p. 185).
O problema da avaliação (avaluation problem), no qual os membros de uma
comunidade apresentam seu julgamento sobre a variável que está sendo analisada
e como essa avaliação afeta a mudança. Nas palavras de WLH (1968, p. 186), “(...)
o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança linguística.”
É de se notar que esse problema vai de encontro ao postulado saussuriano
de aceitação passiva por parte do indivíduo do processo de estruturação da língua.
Ao tempo, em que também procura perceber em que medida a avaliação subjetiva
do indivíduo interfere no processo de mudança linguística. Nessa perspectiva, a
mudança pode ser detida, congelada, revertida, difundida, facilmente assimilada por
consequência do estigma social que subjaz.
O problema da implementação (actuation problem), no qual há o
esclarecimento do motivo da mudança linguística ter ocorrido naquele determinado
tempo e espaço/lugar.
Nesse problema, a questão posta é: Por que uma dada mudança ocorre em
um dado momento e em um dado lugar e não em outro momento e em outro lugar?
Procura-se, então, descrever os mecanismos de causa e efeito que constituem o
66
processo de mudança linguística e, assim, “os estímulos e restrições tanto da
sociedade quanto da estrutura da língua.” (op.cit., p. 186).
O problema da implementação está relacionado aos demais problemas, pois, para se entender as causas da mudança é necessário saber pontuar em que parte da estrutura social e da estrutura linguística a mudança teve origem (problema do encaixamento); é necessário saber como se deu a propagação da mudança para outros grupos sociais (problema da transmissão) e, também, é necessário saber quais são os grupos linguísticos e sociais que demonstraram maior resistência ou aceitação a essa mudança (problema da restrição e problema da avaliação) (LABOV, 1994, p. 3).
Em linhas gerais, podemos delinear a passagem Vossa Mercê > você a partir
desses problemas propostos. Segundo Labov (1972, p. 23), as inovações
linguísticas individuais são constantes, mas a mudança efetivamente só ocorre se
uma dada forma for adotada pela comunidade de fala, se os membros de uma
comunidade de fala aceitarem a mudança como parte de sistema linguístico,
fazendo uso dessa forma, ou minimamente, compreendendo o uso que dela fazem.
A locução nominal Vossa Mercê, em Portugal, ainda no século XV,
popularizou-se, à medida que tinha uma boa aceitação da comunidade de fala e
encontrava um ambiente que favorecia o seu emprego, estendendo o seu uso para
as relações assimétricas (inferior dirigindo-se a superior), em referência aos nobres
e burgueses e não mais apenas para a figura real, como inicialmente, quando coube
a locução pronominal Vossa Mercê a substituição da forma vós.
Concomitantemente, por força desse extensivo uso, a expressão Vossa Mercê,
também passou por um processo de simplificação fonética, transformando-se em
vossemercê, vosmecê, você.
É perceptível que essa mudança não se deu de forma isolada, mas sim, que,
ao tempo em que, configurava-se a mudança social, havia o resultado linguístico.
Podemos afirmar, então, que esse fenômeno representa o resultado de uma
mudança encaixada linguística e socialmente e que razões de natureza linguísticas
e extralinguísticas uniram-se para justificar a variação de uma estrutura A (Vossa
Mercê) para uma estrutura A’ (você). Com esse evento, uma outra proposição
67
laboviana é atenuada: a difusão social da mudança não é outra coisa, que não a
mudança em si mesma.
Ainda sobre variação, acrescemos que a variação linguística pode ocorrer em
quatro modalidades especificas: a) histórica ou diacrônica – perceptível em pelo
menos dois estágios sucessivos de uma língua quando uma forma em uso de um
período substitui uma outra forma já existente e oriunda de um período anterior; b)
variação diatópica ou geográfica, observável nas distintas formas de pronúncia dos
sons, construções sintáticas e no uso característico do vocabulário particular dos
falantes de uma região; c) variação diastrática ou social, caracterizada pelas
variáveis de gênero, faixa etária, grau de escolaridade, profissão, nível sócio-
econômico; e d) a variação diafásica, na qual a depender da situação ou contexto,
uma forma de uso é escolhida pelo falante em detrimento de uma outra. Para Preti
(2000), as variações diatópica e diastrática estão associadas aos planos horizontal e
vertical da língua, respectivamente, tendo em vista que aquela está presente nas
regiões e esta acontece na estratificação social das classes.
É fundamental registrar, encerrando temporariamente a discussão sobre
heterogeneidade linguística, que, do ponto de vista exclusivamente linguístico, todas
as variedades linguísticas têm organização gramatical própria, exercem interação
linguística entre os falantes, refletem a comunidade que as usa e, sobretudo, que
todas as variações equivalem-se e que, em um processo de mudança, inter-
relacionam-se.
2.1.4 Algumas palavras...
Feito esse passeio, fica imprimido em nós, entre tantas convicções, duas que
gostaríamos de ressaltar. A primeira de que a variação e a mudança linguísticas
configuram estudos extremamente complexos e, por isso, difíceis de serem
reduzidos a explicações únicas. A segunda é que quem ousar enfrentar esse
caminho deverá estar convencido de que a variação linguística, por vezes
considerada livre por algumas teorias linguísticas, é condicionada sistematicamente
por fatores de ordem social e linguístico , assim “(...) o único elemento variável ao
qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social e
68
esta não se circunscreve nos limites internos do sistema linguístico.” (MEILLET,
1965, p. 117).
Diante do exposto, o estudo realizado por nós resolveu apontar como um
caminho a sociolinguística. Assumimos, como princípio determinante, o
reconhecimento da heterogeneidade da língua, da importância da interface entre as
variáveis linguísticas e extralinguísticas e o interesse científico focado na estrutura
discursiva, fotografia original da comunidade de fala em estudo, na qual procuramos
evidenciar a variação/mudança linguística pela qual passa o pronome você,
descobrindo padrões de uso realizados pelos falantes, em sua comunidade de fala,
e relacionando estes às variáveis de sexo/gênero, faixa etária e anos de
escolarização. Essa prática possibilita-nos observar as tendências de variabilidade a
partir do cruzamento das informações sobre as características de ordem social dos
falantes.
Reafirmamos, nesse jogo linguístico, onde os contextos sociais são
estratificados e a estrutura linguística também é resultado dessa estratificação
social, que é impossível compreender a língua sem estar com os olhos voltados para
a sociedade.
Sigamos em frente, agora,atentos à variação e à mudança linguística da
função sofrida pelo item linguístico mercê que se transforma na locução pronominal
vossa mercê e, em seguida , no pronome você.
69
70
2.2 Nos caminhos da Gramaticalização
2.2.1 Entendendo a trilha da gramaticalização
Na subseção Nos caminhos da gramaticalização, continuamos a discutir a
variação e a mudança linguísticas. Contudo, agora, focalizamos a mudança a partir
dos holofotes do funcionalismo americano, apresentando algumas reflexões
abrigadas na perspectiva de uma nova reorientação na análise de dados.
Se, na Sociolinguística, a compreensão da mudança linguística perpassa pela
coexistência de duas ou mais formas para uma mesma função, sob essa perspectiva
atual, na mudança linguística, há a concorrência de duas ou mais funções para uma
mesma forma. Os funcionalistas não desprezam as formas, apenas direcionam a
importância em conhecê-las a partir da função que estas exercem no ato discursivo.
Afinal, nessa teoria , a forma é subordinada à função que desempenha.
Concebemos, agora, não apenas o fenômeno da variação e mudança
linguísticas, mas também estabelecemos como seu porto seguro o funcionamento
discursivo - textual. Não queremos, com isso, afirmar que essas duas correntes –
funcionalismo e sociolinguística – sejam contrárias, mas reafirmá-las como teorias
que dialogam sobre o mesmo assunto: a mudança na língua.
Vejamos.
2.2.2 Localizando a origem do percurso funcionalista
O senhor (...) mire e veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou (GUIMARÃES ROSA).
71
Historicamente, a teoria funcionalista está enraizada no Círculo Linguístico de
Praga17 que, já em 1920, ainda que sombreada pelo estruturalismo e por estudos
voltados às questões da função da linguagem, desponta inquietações acerca da
mudança no sistema linguístico. Nas palavras de Paveau e Sarfati (2006, p. 118),
funcionalistas são definidos como:
(...) estruturalistas na medida em que seu objeto é de fato a língua como sistema, mas eles acrescentam uma outra dimensão, aquela contida justamente no termo funcional, que as classificações históricas retiveram unicamente. Diante de uma interrogação em termos de sistema e estrutura, eles acrescentam um questionamento em termos de funções e tarefas.
Indagações como a da mudança na língua ser analisada em relação ao
sistema por ela afetado e o reconhecimento da intercomplementariedade dos
estudos sincrônicos e diacrônicos para a compreensão do sistema são
preocupações que emergem aos funcionalistas. Givón (1995), posteriormente,
também, comunga com o questionamento sobre a rígida divisão entre diacronia e
sincronia, denominada por ele de “dogmas centrais da linguística estrutural”, e
argumenta que não é o fator tempo que está liderando a mudança, mas, sim, os
fatores de ordem cognitiva (GIVÓN, 1990, 1995) e os processos de transferência de
domínios (HEINE et al, 1991).
Jakobson , a esse respeito, expõe:
Se uma ruptura do equilíbrio do sistema precede uma certa mudança, e uma supressão do desequilíbrio resulta dessa mudança, não temos nenhuma dificuldade para descobrir a função desta mudança: a sua tarefa é restabelecer o equilíbrio. Todavia, quando uma um mudança restabelece o equilíbrio em um ponto do sistema, ela pode romper o equilíbrio em outros pontos e, em consequência, provocar a necessidade duma nova mudança. Assim se produz, muitas vezes, toda uma cadeia de mudanças estabilizadoras (JAKOBSON, 1973, p. 334, grifo nosso).
Já, aqui, são instauradas/esboçadas idéias como mudanças, rompendo com
um suposto equilíbrio do sistema. Uma noção de mudança cíclica que acarreta,
como “em um efeito dominó” uma outra mudança. Martinet (1978) corrobora com
essa proposição, afirmando que, por mais que o sistema linguístico seja bem
estruturado, não há o equilíbrio perfeito e isso favorece à mudança. Mudanças essas
17 O Círculo Lingüístico de Praga (CLP) é composto por um grupo de estudiosos que concebia a linguagem como instrumento humano de referência à realidade externa e a língua como um “sistema de meios apropriados a um fim” (THÈSES, 1929 apud ILARI, 1992, p.25).
72
geradas com uma função bem definida: recuperação de um desequilíbrio no
sistema, por sua vez gerado por uma outra mudança ocorrida anteriormente.
A história do funcionalismo sempre foi pautada a partir da instabilidade entre a
relação de estrutura e função. Os funcionalistas têm, então, como princípio chave da
sua teoria, a noção de que o sistema funcional das línguas é determinado para uma
finalidade e pela natureza das suas funções características. A língua, assim, é um
sistema de meios de expressão apropriados a um objetivo, a um propósito.
O ressurgimento do funcionalismo do século XX, de certa forma, ainda guarda
resquícios do funcionalismo do Círculo Linguístico de Praga. Ambos têm como lume
dos seus estudos a função18 e a idéia de que a construção da teoria ocorre no
interior do próprio sistema. Atualmente, no entanto, o funcionalismo aparece sob
uma nova roupagem, enfatizando do ponto de vista sistêmico e funcional no ato
discursivo.
O olhar do funcionalista, na contemporaneidade, está voltado não apenas
para as funções da linguagem em um eixo comunicativo, mas para o item linguístico
e a sua multifuncionalidade na estrutura discursiva. Os funcionalistas, influenciados
por fatores cognitivos nos atos de fala, direcionam a sua atenção para as situações
concretas das atividades linguísticas. Os componentes sintáticos e semânticos, sob
esse outro ângulo, são como fantoches que ganham vida na apresentação, nesse
caso, na interação verbal, onde ao componente linguístico é acrescido o valor de
componente pragmático e daí é analisada a sua atuação na cena discursiva, o seu
uso real.19
As estruturas linguísticas não são autônomas. Estão imbricadas às
circunstâncias discursivas e entrelaçadas aos aspectos cognitivos da produção,
onde se encontram envolvidas a informação pragmática do falante (crenças, valores,
práticas sociais) e a informação pragmática do destinatário (práticas sociais).
18 Há várias acepções acerca do termo função. Para Martinet (1994) como i) “papel”, “utilidade de um objeto ou de um comportamento; ii) “papel de uma palavra em uma oração; iii) grandeza dependente de um ou de diversas variáveis. Para Dilinger (1991), como “relação” quer seja entre uma forma e outra (função interna), quer seja entre uma forma e seu significado (função semântica), quer seja entre o sistema de formas e seu contexto (função externa). Para Nichols (1984), função se relaciona à interdependência, ao propósito, ao contexto, à relação e ao significado. Para Jakobson (1969), é um fenômeno x que serve como meio para realização de um propósito y. Para Halliday (1973), relaciona-se com o papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servido a demandas variadas (NEVES, 1997).
19 Ao concentrar-se no uso real, o funcionalismo centra as suas discussões no caráter dinâmico da linguagem, admitindo a força das pressões e motivações externas ao discurso.
73
Duas tendências, segundo Salomão (1994), emergem no funcionalismo à
procura de justificativas para a estrutura linguística: a externalista, que apóia-se no
contexto de uso discursivo, e a internalista, nos quais os processos mentais é que
são os responsáveis pela origem de tais estruturas. Givón, sabiamente, articula as
duas tendências e afirma que a mente é a razão de ser da língua, mas só é passível
de observação no discurso. Dessa forma, o funcionamento do que é externo é
evidência do funcionamento do que é interno.
Fica compreendido, então, que o crucial em um estudo funcionalista é
verificar como acontece a comunicação em uma língua, reconhecendo que há uma
estrutura pertencente à língua e que essa sofre pressões de uso, de ordem
cognitiva, por parte dos falantes. Essas pressões são pancrônicas, acontecem
atemporalmente, e fazem com que determinados itens usados antes com a função A
passem a ser usados e rotinizados, além dessa, para outras funções, como A’, B’
etc., a exemplo do que ocorreu com mercê >vossa mercê>você. Dessa maneira, as
estruturas das expressões linguísticas tornam-se configurações das funções que
exercem no discurso.
2.2.3 Situando alguns funcionalistas nesse caminho
Na esteira dessa nova forma de pensar a linguagem, podemos apontar alguns
funcionalistas, como:
(i) Halliday, que reflete sobre o uso e as escolhas feitas pelo sujeito como
elementos determinantes de um propósito específico, produtoras de um
significado. Enfim, sobre a função da linguagem na vida dos falantes. Esse teórico
propõe uma tríade formada pelas metafunções20 ideacional e textual (de caráter
extralinguístico) e a interpessoal (de caráter intralinguístico). As metafunções,
segundo a sua ótica, são manifestações no sistema linguístico com os propósitos
de entender o ambiente (ideacional); influir sobre os outros (interpessoal); conferir
relevância (metafuncional). 20 Para Halliday, as metafunções configuram tentativas teóricas de articulação entre as formas
internas da linguagem (formas lingüísticas) e a utilização dessas formas nos contextos sociais. Essas metafunções se manifestam no sistema lingüístico com propósitos diverso.
74
A teoria funcional de Halliday é uma teoria sistêmica. Mas, como toda
linguística é, em sua essência sistêmica, o que esse funcionalista propõe é uma
linguística funcional sistêmica em oposição à linguística formal sistêmica
(BEAUGRANDE, 1993, p. 20).
Ser sistêmico implica estabelecer escolhas de termos em um paradigma para
produção do significado. Essa escolha varia de um grau de subconsciência até um
grau de explícita consciência.
(ii)Dik, que desvela como os falantes da língua conseguem estabelecer uma
comunicação adequada usando as expressões linguísticas e, através delas,
avalia a capacidade que os falantes têm de orientar o seu ouvinte a uma dada
argumentação, a determinados efeitos pragmáticos ou suscitá-lo a certas
emoções no discurso. A linguagem, por esse prisma, tendo uma estreita relação
com a comunicação, é dirigida para um significado.
Para Neves (2006, p. 19), “A teoria da gramática [concebida por Dik] constitui
um subcomponente integrado da teoria do ‘usuário da língua natural”, na qual estão
incluídas a referência ao falante, ao ouvinte e a seus papéis e estatuto. Em linhas
gerais, a teoria postulada por Dik tem como princípio a investigação de ‘como os
falantes e os destinatários são bem sucedidos comunicando-se uns com os outros
por meio de expressões linguísticas.’
Esse teórico defende, ainda, que acoplada à capacidade de produzir e
interpretar corretamente expressões da língua independente da sua complexidade
(capacidade linguística), o falante tem a capacidade de construir, manter e explorar
uma base de conhecimento organizado (capacidade epistêmica); tem a habilidade
de realizar inferências por meio do raciocínio lógico (capacidade lógica); tem a
condição de derivar conhecimento a partir de suas condições e usar esse
conhecimento em prol da produção e recepção de expressões linguísticas
(conhecimento perceptual); e também tem a capacidade de saber o que dizer e de
como dizer ao seu interlocutor em uma situação comunicativa a fim de atingir os
objetivos desejados. Essas capacidades supracitadas interagem umas com as
outras o que possibilita a ação de cada uma.
75
(iii) Givón que, na sua ótica sobre funcionalismo, caracteriza o sistema linguístico
como não-autônomo e articula as tendências externalista e internalista da língua,
mostrando que o funcionamento do que é assimilado como interno é refletido no
funcionamento do que é externo. Ao analisar, por exemplo, um discurso, defende
que temos um produto concreto oriundo de um processo cognitivo de elaboração
abstrata que não pode ser desconsiderado e, dessa forma, avalia impertinente
conceber esta elaboração sem a vinculação com a materialização no discurso. E
esse processo materializado – que constitui o discurso em si – é o foco das
realizações funcionais da língua.
Givón, ainda, põe pelo caminho algumas relevantes considerações, entre
outras, como:
a linguagem como reflexo de uma atividade sócio-cultural;
a estrutura a serviço de uma função cognitiva ou comunicativa;
a estrutura não sendo arbitrária, mas motivada e icônica;
as categorias não são discretas;
a estrutura é não rígida, maleável;
o significado dependente do contexto.
Com a intenção de descortinar essa correlação existente entre a
estrutura/sistema gramatical e o uso da língua/funcionamento discursivo, ressurgiu,
na década de 70, uma vertente nos estudos sobre a mudança linguística que
encontrou o seu ninho no funcionalismo: a gramaticalização.
2.2.4 E por aí vem a gramaticalização
Ao afirmarmos que a gramaticalização ressurgiu no século XX, o fazemos
porque, na verdade, noções de gramaticalização já tinham sido apresentadas, desde
o século X, na China, quando os escritores registravam a diferença existente entre
símbolos linguísticos plenos e símbolos linguísticos vazios e, na França, quando, no
século XVIII, o filósofo Etienne Bonnot de Condillac afirmava que as unidades
gramaticais vêm de lexemas e que os afixos vêm de formas livres.
76
Ainda no século XVIII, em 1746, Condillac explicou as desinências pessoais
do verbo pela aglutinação de pronomes pessoais e afirmou que o tempo verbal vem
da coalescência de um advérbio temporal com o tema verbal e, no século XIX, em
1822, Humboldt já anunciou a idéia de que um estágio evolucionário da língua
precedeu a estrutura gramatical das línguas humanas, quando somente idéias
concretas eram expressas.
No século XX, a gramaticalização , segundo Meillet (1965, p. 131), um
processo no qual há uma “atribuição de um caráter gramatical a um termo palavra
anteriormente autônomo”, constitui um tipo de mudança linguística sujeita a alguns
princípios como reanálise, analogia, reduções fonológicas, alterações semânticas,
unidirecionalidade, transparência metafórica e metonímica.
Para ele, há, inicialmente, três classes de palavras: as palavras principais, as
palavras acessórias e as palavras gramaticais e, entre essas, acontece um processo
de transição – a gramaticalização. Na tentativa de concretizar a transição de uma
construção lexical para outro como um processo continuum, Meillet compara a
gramaticalização à imagem de um espiral, figura que reflete continuamente um
processo cíclico, inacabado, infinito.
Hodge (1970) e Givón (1971) marcaram esse ressurgimento com os slogans
clássicos, respectivamente, “A sintaxe de ontem é a morfologia de hoje” e “A
morfologia de hoje é a sintaxe de ontem.” Givón afirmava com isso, a partir de
estudos sobre línguas africanas, que as formas verbais atuais, radicais com afixos,
derivam da combinação de pronomes com verbos independentes.
Para Hopper e Traugott (1993, p. 15), a gramaticalização é definida como “o
processo pelo qual itens e construções gramaticais passam, em determinados
contextos linguísticos, a servir a funções gramaticais, e, uma vez gramaticalizados,
continuam a desenvolver novas funções gramaticais.” Sob os olhares de Hopper e
Traugott (op.cit., p. 2), a gramaticalização representa a dimensão diacrônica do
processo de que resultam as mudanças de categorias das formas linguísticas e a
gramaticização, por sua vez, constitui o fenômeno de transição entre categorias
linguísticas em uma perspectiva sincrônica.
Castilho (1997) corrobora com essa proposição, afirmando que se, por um
lado, o fenômeno da gramaticização reflete a transição categorial, em um plano
77
diacrônico, e é bem perceptível na emergência da gramática conversacional; por
outro lado, o fenômeno da gramaticalização configura o resultado da própria
gramaticização em um plano diacrônico. Com relação a isso, Hopper e Traugott
(1993) observam ainda que o termo gramaticalização tem uma maior inclinação à
perspectiva histórica e o termo gramaticização a uma perspectiva sincrônica. E
essas perspectivas, no processo de gramaticalização, resultaram em uma outra
divergência, embora, atualmente, possamos assegurar que o termo
gramaticalização é usado para abarcar ambos os processos.
Mas, ainda, com relação a essa divergência, observamos que, até 1970, os
estudos sobre gramaticalização focalizavam prioritariamente a diacronia, uma vez
que os linguistas preocupavam-se em apresentar, em seus resultados, análises da
evolução da língua, a reconstrução da história de uma(s) língua(s) ou a comparação
da estrutura linguística de um momento com a estrutura linguística de um outro
momento. Após 1970, o foco deslocou-se para o entendimento da gramática
sincrônica. Começou a ser observada ,então, a variação pela qual os itens lexicais
estavam passando em um determinado recorte temporal. Na ótica sincrônica, o
processo parece ser dotado de um caráter instantâneo e, na ótica diacrônica, por
sua vez, de um caráter gradual.
Do ponto de vista diacrônico, Traugott e Konig (1991) afirmam que a
gramaticalização tem como referência primeira o processo dinâmico, unidirecional e
histórico. Neste, os itens lexicais, ao longo do tempo, vão adquirindo novo status
quer seja como gramatical, quer seja morfossintático. As relações anteriormente não
codificadas passam a ser codificadas ou codificadas de forma diferenciada.
Nessa perspectiva, algumas questões vêm à tona, conforme Traugott e Heine
(1991):
A distinção entre gramaticalização e mudança linguística;
A determinação das condições necessárias para que haja gramaticalização
em uma construção;
A identificação de fatores externos que desencadeiam a gramaticalização;
A determinação do espaço de tempo em que ocorre a gramaticalização.
78
Embora, muitas vezes, não encontremos na gramaticalização uma unidade
teórica ( a unilateralidade conceitual21 que ansiamos), pisamos em um terreno sólido
quando afirmamos que podemos assimilar gramaticalização como um processo
através do qual os itens lexicais tornam-se mais gramaticais ou os itens gramaticais
se tornam ainda mais gramaticais. E quando pensamos que essa teoria tem,
fortemente cristalizada, a aceitação à interdependência das dicotomias língua / fala,
(mais) categorial / menos categorial, (mais) fixo / menos fixo na língua, (mais)
marcado / menos marcado, (mais) discreto / menos discreto, sincronia / diacronia e,
assim, sistema linguístico e uso. Essas dicotomias são preocupações/temas
constantes e consensuais nos estudos de gramaticalização.
Parece-nos importante ainda fazer algumas considerações. Estudos têm
evidenciado que essas mudanças apresentam uma inclinação em direção a certas
classes lexicais, mais suscetíveis à gramaticalização, e a certos itens lexicais, mais
suscetíveis ao status de fonte para a gramaticalização.
A gramaticalização surge, em certos itens lexicais, a partir da necessidade de
se obter maior expressividade na língua, tendo em vista que os termos
gramaticalizados, em princípio, concorrem com formas já existentes na língua e, por
essa razão, poderiam ser desnecessários. Contudo, a necessidade discursivo –
pragmática impõe a gramaticalização de outros itens em busca de uma maior
maximização de informação e de um termo que melhor represente o seu
pensamento ou a orientação cognitiva que se pretende conseguir.
Quanto à determinação do espaço temporal em que ocorre a
gramaticalização é uma questão muito subjetiva. Às vezes, a gramaticalização é
processada de forma lenta e, outra vezes, de forma mais acelerada, variáveis de
ordem linguística e extralinguística estão presentes, influenciando esse processo.
As categorias gramaticais aparentemente dotadas de rigidez, na ótica da
gramaticalização, sofrem pressões por uma necessidade de maior informatividade
ou expressividade dos falantes. Temos, de um lado, a língua, como um sistema que
comporta categorias parcialmente acomodadas, e, do outro, a fala (a língua em uso)
que age como se desequilibrasse o sistema, alterando a sua estrutura, de forma
lenta e gradual. A gramática, no entanto, reorganiza no sistema os itens lexicais que
21 Até mesmo a sua designação oscila, muitas vezes, a entre grammaticization, gramatization e rammaticalization
79
se tornaram gramaticais ou os itens gramaticais que se tornaram ainda mais
gramaticais.
Pressupostos, como: o caráter não-discreto das categorias; a fluidez
semântica; a unidirecionalidade e gradualidade das mudanças; a coexistência de
etapas; a regularização, idiomatização e convencionalização contínuas, o interesse
dos falantes; as necessidades informativas e retóricas estão sempre presentes
nessas discussões.
Do ponto de vista sincrônico, Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) afirmam
que a gramaticalização fornece um desafio para noções de classes de morfemas ou
constituintes de sentença e acrescentam que a gramaticalização é, na verdade, um
processo pancrônico, pois envolve mudança, numa perspectiva diacrônica, e
variação, numa perspectiva sincrônica.
2.2.4.1 Algumas propostas de estágios da gramaticalização
Algumas propostas de análise das etapas pelas quais passa um item
gramatical em um processo de gramaticalização foram apontadas e discutidas por
diversos funcionalistas. Às vezes, essas propostas divergem em determinados
pontos e, em vezes, convergem muito entre si.
Na tentativa de estabelecer uma comunicação constante com o nosso objeto
de estudo, à medida que formos apresentando algumas propostas, realizaremos
uma sucinta análise do você.
Humboldt (1922) categoriza que a significação das formas gramaticais sofre
uma mudança em quatro estágios, que são:
1. as categorias gramaticais estão completamente escondidas nos lexemas e
nas configurações semântico-sintáticas de expressões idiomáticas;
2. as palavras passam a ter uma ordem fixa, e algumas formas vacilam entre
palavras plenas de conteúdo e palavras esvaziadas, com funções gramaticais;
3. estágio da aglutinação: as “palavras vacilantes” são aglutinadas e sufixos
grudam-se a palavras plenas;
80
4. estágio da flexão: palavras gramaticais ligam-se a raízes, com alteração do
esquema acentual, apagamento dos limites entre as palavras e criação de
regras de ligação.
Hodge (1971), estabelecendo um diálogo com esse teórico, simplificou os
estágios em dois. A saber:
1. sintaxe forte e morfologia fraca, que correspondem aos estágios 1 e 2 de
Humbolt;
2. sintaxe e morfologia forte, que correspondem ao estágios 3 e 4 de Humbold.
Segundo Castilho (1997, p. 31), a gramaticalização constitui
o trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do qual ele muda de categoria sintática (recategorização), recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações morfológicas, fonológicas e semânticas, deixa de ser uma forma livre, estágio em que pode até mesmo desaparecer, como consequência de uma cristalização extrema (...) é a codificação de categorias cognitivas em formas linguísticas (...).
Assim, temos no processo da gramaticalização, visivelmente, quatro fases:
Sintaticização; Morfologização; Redução fonológica; Estágio Zero, que foram
organizadas e esboçadas por Lehmann (1982, p. 13) da seguinte forma:
Fases da gramaticalizaçãoNível Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofonêmica > Zero
Técnica Isolante > Analítico > Sintético-aglutinante > Sintético –flexional
FaseSintaticização (quando uma classe de palavra X passa à classe de palavra Y)
Morfologização (quando há uma criação de formas presas, quer seja afixo
flexional, quer seja afixos derivacional)
81
Desmorfemização (quando formas livres fundem-se com outras formas
livres, transformando-se em formas presas.
Processo GRAMATICALIZAÇÃO
Analisando essas fases e o pronome você , teríamos:
(i) A sintatização de um item linguístico é a sua recategorização. A esse despeito,
a expressão nominal Mercê recategorizou-se para a forma nominal Vossa Mercê, e,
posteriormente, para a forma pronominal de segunda pessoa você. Observemos:
Mercê (item lexical) > Vossa Mercê (forma nominal de tratamento).
Vossa Mercê (forma nominal de tratamento) > você (forma pronominal de tratamento).
(ii) A morfologização é o processo de perda de função e produtividade de
morfemas (HOPPER, 1994).Conforme discutiremos em Uns desvios no caminho
estabelecido : ocê e cê, a forma reduzida do você, o pronome cê, é analisado em
estudos atuais com um grande indício de cliticização.(Cf. Seção 5).
(iii) A desmorfemização ou redução fonológica, etapa considerada bastante visível.
É perceptível na perda de massa fônica ocorrida do Vossa Mercê > você. Nesse
processo, houve a redução de dois vocábulos para um vocábulo e,
consequentemente, de quatro sílabas para um vocábulo dissílabo.
(iv) O estágio zero seria o momento no qual a forma de tão utilizada vai deixando
de ser funcional e tornando-se “antifuncional” e, na busca, de uma melhor
representação do pensamento e de uma maior interação, outras formas vão sendo
utilizadas. Como aconteceu com o Vossa Mercê que foi substituído pelo você, ou
com o vós que foi substituído por vocês.
Após apresentar as fases da gramaticalização, Lehmann (1982) lista cinco
tendências que, simultaneamente presentes em um item, retratam o fenômeno da
gramaticalização:
(i) Paradigmatização: tendência das formas em se organizarem em paradigmas.
82
As locuções nominais Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Alteza são
exemplos de pronome de tratamento que são substituídos em um eixo
paradigmático, no qual a estrutura formada por Vossa + N permanece e apenas vão
ser alterados os N. Atentemo-nos para a regularidade da construção :
(6)Como milhor sabe Vossa Alteza que hua das propriedades do magnânimo he querer ante dar que receber (...). e, como quer que em vossos factos se
podessem achar cousas assaz dignas de grande honra, de que bem poderees mandar fazer vellume, Vossa Senhoria, husando como
verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto he vossa magnanimidade mais grande quanto a cousa dada he mais nobre e mais excellente. Pollo qual, stando Vossa Mercee o anno passado em esta cidade, me dissestes quanto desejavees veer postos em scripto os feitos do Senhor Iffante dom Henrique vosso tyo (...).
O paradigma encontra-se de tal forma cristalizado que, até mesmo quando a
concordância se faria através da forma pronominal sua, a forma vossa é a primeira a
ser lembrada, como podemos observar no fragmento seguinte, no qual utiliza-se a
forma vossa e, percebendo o equívoco, faz a correção, optando pela forma sua.
(7)(...) Vossa mercê │o constado das Listas que sepagão │emcada hum quartel de trez meszes em cada anno e o da arrema-│taçam dos Contractos que pela bre-│vidade não vai neste nos enten│demos que o governador e Ca-│pitam Geral escreve a Vossa digo│a Sua Magestade sobre esta ma-│teria (...) (apud ANDRADE, 1990,CARTAS DO SENADO, p. 18)
(ii) Condensação: tendência das formas a sofrerem redução.
A locução nominal Vossa Mercê, por força do uso, sofreu redução em sua
forma que passa a ser vossemecê, vosmecê e, posteriormente, você. Observemos a
convivência da formas Vossamercé e Vossa Mercê em um mesmo texto.
(8)Pella Frota recebemos a Carta de Vossamercé de doze de Abril do-pre-│zente anno com as copias │incluzas edellas vemos os │termos emque seachão os │negocios deste Senado que │esperamos do zello eactivi-│dade de Vossa mercê se │concluão com abrevidade │possível, ecomo dezejamos│para devermos a Sua deli-│gencia esta fortuna. Nes-│ta occaziam senos oferese │dizer a Vossa Mercê que │tornamos asuplicar(...) (apud COSTA, 1952,SILVEIRA, 1710-1730, p. 133).
(iii) Obrigatoriedade: tendência das formas a se tornarem obrigatórias.
Você, nessa disputa com os outros pronomes pessoais, torna-se a forma
eleita e mais produtiva na linguagem coloquial. É usado diversas vezes em um
mesmo enunciado, conforme 8, e também é empregado para substituir outros
83
pronomes . No exemplo 9, substitui o pronome de primeira pessoa e, no exemplo 10,
é empregado para referir-se à segunda pessoa.
(9)Porque + hoje em dia eu num tenho condição de teø um trabalho bom + porque em todo lugaø que você procura um emprego + tem que ter uma referência, né? (MLS).
(10)E eu tô decepcionado, porque você sabe que dificuldade pra pessoa na [mi] minha idade chagar a um colégio hoje pra ensinar (WL).
(iv) Aglutinação/ coalescência: tendência das formas adjacentes a se aglutinarem
Em um estágio mais avançado do você, o cê, agindo como clítico, aglutina-se
ao verbo. (11)Bom, cê diø se eu, se eu ganhasse, né? (WL).
(v) Fixação: a tendência das formas a se fixarem em uma determinada ordem
linear.
O cê, clítico, penúltimo estágio da gramaticalização, tem o seu uso fixado nas
posições pré-verbais. Enquanto o você ocupa posições pré-verbais e pós-verbais,
como sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal.
(12)você levanta só uma vez (sujeito) (JAS).
(13)O amigo mesmo não é só aquele que vê você com dinheiro e chega perto de você. (objeto direto e complemento nominal) (JN).
(14)você trabalha pra você (sujeito e objeto indireto) (MLT).
Ao passo que o cê permanece inalteravelmente como sujeito.
(15)você vai, você faz seu pedido, bota lá, cê abraça um amigo, cê ora, você canta (RAM).
Para Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), o processo de gramaticalização
estabelece-se em uma escala crescente de abstratização - do mais concreto para o
menos concreto - sendo determinada por uma transferência do universo referencial
para o gramatical. Martelotta, Votre e Cezário (1996) concebem também a
gramaticalização como processada em uma gradação de abstraticidade que envolve
quatro diferentes níveis e apontam-nos:
84
(i) cognitivo, no qual , através do processo de mudança metafórica, elementos do
mundo concreto (do léxico) migram para um mundo mais abstrato (da gramática);
(ii) pragmático, no qual é manifestada a intenção comunicativa do falante que
visando facilitar a compreensão do ouvinte, utiliza conceitos mais concretos e mais
conhecidos para expressar idéias novas.
(iii) semântico, no qual o falante explicita um sentido novo para o ouvinte,
baseando-se em significados mais velhos.
(iv) sintático, no qual a gramaticalização é estimulada por certos contextos/aspectos
sintáticos que pressionam e justificam por que a mudança tomou um
determinado caminho e não outro.
Com relação à gramaticalização sob o olhar da abstraticidade, podemos
constatar que, em princípio, a forma mercê sai do léxico, cujo sentido é
agradecimento, generosidade, graça, pedido e, adjungida ao pronome possessivo
relativo a P5, vossa, transforma-se na locução Vossa Mercê, forma de referência
usada , inicialmente, à figura real e, posteriormente, aos superiores. Há um
processo de migração da forma que sai do léxico, como mercê, e vai para a
gramática, como Vossa Mercê, conforme previsto no nível cognitivo.
A seguir, exemplos retirados de uma carta de D. João I e de carta datada no
século XVII, nas quais aparecem a forma mercê significando graça,pedido e a forma
Vossa Mercê sendo usada como referência à autoridade.
(16)(...) porque todos recebião dele grandes e aynadas merces, cada huu em seu estado.
(17)(...) porque sempre lhes procurarião dapno e morte deshomrra, que lhe pedião por mercê (...).
(18)(...) outros sy lhe outorguamos e damos as gracças e merces, doações e liberdades e privilegio em capitolos juço escritos contheudos (apud COSTA, 1952,D. JOÃO I, p. 3; 5; 9).
(19)Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanço que por cá lhe faltava.
V. M., que sempre foi injusto venerador das Côrtes estranjeiras, me diz que se acha muito só na nossa Corte; porém, nela melhor que nas outras viverá V. M., ainda que em menos concurso com menos concorrentes (apud COSTA, 1952,CARTA DE 25 DE AGOSTO DE 1697, COLEÇÃO DE CLÁSSICOS SÁ DA COSTA, p. 2).
85
Ou constatemos ainda nas Cartas Históricas da Paraíba (Séc. XVIII e XIX), na
qual há a convivência das formas Merces (mercê), Vossa Mercer (Vossa Mercê) e
Vosse (você).
(20)(...) Que sendo elle presente as duvidas que tem ocorrido na Chancellaria Mor do Imperio, sobre a exacta arrecadaçaõ dos Novos Direitos, que saõ devidos a Fazenda~Naional, pelas Merces, de todos os officios de Justiça, e Fa=zenda: Hey por bem novamente Ordenar=.sendo estas as primeiras, que recebi suas posto Vossa Mercer me assevere já serem duas, apesar deque eu pela minha parte tão bem tem si=do omeu silencio endescupavel.Quero hoje receber de Vosse um favor do qual espero me ofará, por o naõ ser dificultozo (apud FONSECA, 2003,ARQUIVO HISTÓRICO, DOCUMENTOS IMPERIAIS, C. 117; C 97; C 203).
O você, no discurso, comporta-se ora como P2, função canonicamente
reconhecida, mas também como P1 e como genérico, a depender do efeito de
sentido que o falante queira produzir. Ele utiliza uma forma já gramatical e atribui a
essa forma um sentido novo, tal qual propõe os níveis semântico e pragmático. Os
exemplos seguintes retratam um mesmo falante usando o item você com diferentes
sentidos. (21)até se você quisesse filar, ele não tava nem aí. (genérico) (EFS).
(22)você me pegou. (P2) (EFS).
(23)Eu creio que é a coisa: pior que existi você: ser violentado por qualquer que seja a pessoa, qualquer coisa. (P1) (EFS).
Hopper (1991), buscando oferecer suportes que auxiliassem a identificação
de um item gramaticalizado, em um estágio ainda inicial e não em um estágio
adiantando ,como a proposta supracitada de Lehmann, estabelece cinco princípios
básicos que desvelam a gramaticalização de um item relacionando aspectos
sincrônicos e diacrônicos e, esses princípios, é que serão os faróis da nossa análise.
Estratificação (layering) - Compreende o momento no qual, dentro de um
domínio funcional amplo, novos estratos estão continuamente emergindo. Ao
emergir um novo estrato, os antigos não são necessariamente descartados,
podendo, pois, permanecer e co-existir com os mais recentes em uma mesma
sincronia.
Dentro de um domínio funcional, sempre podem coexistir formas novas com
formas já existentes na língua. A título de exemplo, apresentamos dois fragmentos
86
de cartas, um do final do século XVIII e outra do início do século XIX, nas quais a
forma nominal Vossa Mercê convive com a forma pronominal você.
No princípio da estratificação, percebemos que há a constatação de que uma
das consequências da gramaticalização é a convivência de soluções gramaticais
distintas em um mesmo corte sincrônico,
(24)(...) fazendo VossaMercê ao mesmo tempo todaz as observaçoenz, que lheforem possiveiz para se haver deformar humMappa domesmo Continente (...) (apud RUMEU, 2004,CARTA OFICIAL MARQUÊS DI LAVRADIO. RJ, 15. 02. 1774).
(25)Você tem sido batido na Câmera pelos Hollandezes (...) (CARTA NÃO- OFICIAL. J. F. DA C. MIRANDA. RJ, 30. 07. 1835).
Divergência - Significa que, quando uma forma lexical gramaticaliza-se, a
forma fonte original pode permanecer como um elemento autônomo e, enquanto tal,
sofrer as mesmas mudanças a que estão submetidos os itens lexicais que integram
sua classe. Assim, há a existência na língua de pares de formas de etimologia
comum, mas de funcionalidade diversa.
Atentamos para o fato de que, embora, na passagem do vocábulo mercê
(substantivo) para Vossa Mercê (pronome), tenha acontecido uma evolução de um
item lexical para um item mais gramatical (pronome), o item original mercê tem a sua
forma e significado preservados, como no fragmento de carta no qual o item mercê,
é usado com o sentido de graça, no início do século XIX, uso que diverge do
exemplo (25), também datado no século XIX.
(26)Havendo Sua Alteza Real o Príncipe Regente feito Merce’a Jozé Francisco de Andrade Almeida (...). (apud COSTA, 1952,CARTA OFICIAL. JOZÊ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA. RJ, 21. 06. 1822).
Especialização - Refere-se ao estreitamento das possibilidades para se
codificar uma determinada categoria (redução de variantes), à medida que uma
destas opções começa a ocupar mais espaço pela sua condição de mais
gramaticalizada. Uma consequência, indício, portanto, desta especialização, é o
aumento na frequência de uso da forma mais adiantada no processo de
gramaticalização e, assim, há a tendência de uma forma tornar-se mais obrigatória,
já que a escolha e uso da outra forma diminuem.
87
Temos, como exemplo, o uso do Vossa Mercê que, ao se pronominalizar,
começa a assumir a função de sujeito, função inerente a das formas pronominais,
como em:
(27)MEUS SENHORES = As copias incluzas hé do que tenho escripto a Vossas mercês despois dachegada da frotta eagora o continuo o remetendo as segundas vias (...). (apud COSTA, 1952, CARTA OFICIAL. MANOEL DA SILVEIRA MAGALHAENS. BA, 1727).
Persistência - Diz respeito à manutenção de traços semânticos da forma
fonte, por parte da forma em processo de gramaticalização. A preservação dos
traços perceptível nos estágios iniciais e intermediários da gramaticalização pode se
diluir nas etapas mais avançadas. Todavia, mesmo imperceptível aos olhos leigos
em linguística, é a persistência que, em muitos casos, explica certas restrições
experimentadas por um dos estratos. A função sintática assumida pelo Vossa
Mercê, sujeito pleno permanece na forma pronominal você, como pode ser
contatado em (28) , (29) e (30):
(28)(...) Vossa mercê nos escreve que vinhão respondidas as Cartas passadas digo as cartas que na frota passada (...) esperamos dever a Vossa mercê toda aplicaçam neste particular pela grande utilidade da Sua conceSsão resulta como ellas também escreveam a Vossa merce (...). (apud COSTA, 1952,CARTA OFICIAL. CAMARA DA BAHIA, 22 de março de 1721).
(29)May0 num é p0a da0, no dia que você fo0 (MHS).
(30)Você sabe que tem professores que não tratam o aluno condignamente
(WL).
Decategorização - Remete à perda, por parte da forma em processo de
gramaticalização, dos marcadores opcionais de categorialidade e de autonomia
discursiva. Os nomes deixam de identificar participantes no discurso e, os verbos, de
reportar novos eventos.
As formas, em geral, tendem a perder os traços das categorias mais lexicais
ou plenas e passam a assumir marcas de categorias secundárias. Neste caso, há
um processo de encaixamento das classes gramaticais de categorias maiores em
categorias menores, como no esboço:
88
Nome Adjetivo Preposição
Verbo Advérbio Conjunção
Em nosso objeto de estudo, o deslocamento do Vossa Mercê para o você não
alterou a permanência desses itens no sintagma nominal (SN). No entanto, no
primeiro momento, ainda enquanto locução nominal, o Vossa Mercê é um nome (N)
reescrito através de um determinante (det) e de um nome (N) e, no segundo
momento, como você, configura-se apenas como pronome (Pro).
SN SN
Det N Pro
Convencido de que os princípios de Hopper “combinam processos e estágios
aos princípios propriamente ditos”, o que significa dizer que há, nos princípios, uma
fusão entre “os mecanismos que levam uma categoria lexical a transformar-se em
uma categoria gramatical, e de outro lado há os princípios gerais que regem essa
mudança de estatuto”, Castilho (1997, p. 52) propõe quatro princípios que
caracterizam , a nosso ver, melhor os estágios de gramaticalização.
Analogia - Princípio, em um eixo paradigmático, no qual as formas já
existentes na língua passam a desenvolver outras e novas funções. Não há o
surgimento de novas estruturas linguísticas, mas sim de “novas” funções que
passam a ser desempenhadas pelas “velhas” formas (estruturas) já existentes.
Reanálise - Princípio, em um eixo sintagmático, no qual as formas já
existentes, como resultado de reflexos de novas interpretações e inferências, sofrem
alteração semântica. Esse princípio possibilita o surgimento de novas formas, em
oposição ao anterior.
Continuidade e gradualismo - Princípio no qual há a compreensão de que a
gramaticalização é um processo clítico e efetiva-se de forma contínua e gradual.
Assim, a variação não constitui apenas o ponto de partida, mas também o ponto de
chegada da trajetória de uma mudança.
89
Unidirecionalidade - Princípio que ocupa lugar central nas discussões sobre
gramaticalização. Defendido por Hopper e Traugott (1993), diz respeito à linearidade
que o processo de gramaticalização acontece, desenvolvendo-se sempre da
esquerda para a direita, havendo invariavelmente um estágio A que deve ser
seguido pelo estágio B, sem a possibilidade do caminho inverso, ou seja, (A B).
Assim, esboçada, temos :
Item lexical pleno>palavra gramatical>clítico>afixo derivacional.
É válido ressalvar que, nesses princípios propostos por Castilho para
compreensão das etapas de gramaticalização, não são colocados os limites da
obrigatoriedade, da simultaneidade e nem do isolamento e não há hierarquia de
precedência entre eles para que o processo de gramaticalização de um item se
efetive.
No item estudado, chamamos a atenção para o você que, inicialmente, surge,
no evento discursivo, ocupando a função de interlocutor e que, na atualidade, amplia
o seu leque de sentidos para a primeira pessoa e como genérico. Esse pronome,
oriundo da forma Vossa Mercê, sofre redução para formas como cê, ocê, tornando
patente a continuidade e gradualismo e, ao elencarmos o mercê, vossa mercê, você
e cê constatamos a trajetória unidirecional vivida por esse item.
Consoante Givón (1979), a unidirecionalidade está estreitamente relacionada
ao processo cíclico e, dessa forma, o esquema processual deve ser assim
compreendido. Para esse teórico, inicialmente, alguns itens lexicais começam a ser
usados em determinados contextos pelos falantes, desempenhando certas funções
gramaticais, ainda não cristalizadas na língua, mas reconhecidas pelos
interlocutores que fazem parte daquela enunciação. Por meio da frequência
repetitiva de uso, o item linguístico, antes com características inovadoras, torna-se
previsível, regular e, como resultado desse novo status atingido por esse item
linguístico , ele sofre (re) construções sintática e morfológica próprias e, ainda, pode
desenvolver-se como um clítico ou afixo, formas menos dependentes.
Posteriormente, a partir de um possível desgaste formal e funcional, certamente, um
novo ciclo será iniciado. Algo que aconteceria na língua, dessa forma:
90
Discurso> sintaxe> morfologia> morfofonêmica>zero
Corroborando com isso, Heine et al (1991) asseguram que uma propriedade
intrínseca do processo de gramaticalização é a unidirecionalidade.E, nesse
processo, algumas características emergem: precedência do desvio funcional
(conceptual ou semântico) sobre o formal (morfossintático e fonológico);
descategorização de categorias lexicais prototípicas; possibilidade de
recategorização, com restabelecimento da iconicidade entre forma e significado;
perda da autonomia de um elemento (palavra autônoma > clítico > afixo); erosão e
enfraquecimento formal. Assim, com um grau de abstração crescendo, os itens
lexicais passando da condição de mais concretos para menos concretos, há uma
nítida inclinação destes a perda de transparência semântica em relação ao
significado de origem, podendo ou não mudar de categoria gramatical, mas
obedecendo à escala gradativa proposta. Parte-se, então, da noção de espaço,
podendo ou não passar pela noção de tempo e indo em direção a uma categoria
mais abstrata de texto. O que poderia ser representado da seguinte forma:
Pessoa>objeto>espaço>tempo>qualidade
ou
Espaço> (tempo) > texto
Outras discussões funcionalistas, no entanto, questionam mais do que os
termos utilizados no percurso; questionam o critério da unidirecionalidade da
mudança e, a partir dessa reflexão, sugerem outros possíveis caminhos como a
desgramaticalização, a ressemantização. (CASTILHO, 1997).
Pensamentos contrários à unidirecionalidade, por exemplo, são formulados
por alguns teóricos que, acreditando na condição do sistema de (re) formatar ou (re)
habilitar itens linguísticos, defendem que a direção da gramaticalização possa ser
realizada de forma diferente. 22
É salutar ainda elencar outros temas que são veiculados nessa teoria, como
iconicidade, marcação, prototipia, gramática funcional. Termos que por ora apenas
mencionamos, pois retomaremos com detalhes em outras discussões presentes
nesse estudo.
22 A esse respeito, ver Traugott (1995) e Alves (2004).
91
2.2.5 Outras palavras...
Em linhas gerais o percurso da gramaticalização foi realizado. No caminho,
vislumbramos a sua origem, os teóricos funcionalistas e suas propostas,
intercalando ,sempre que possível, a análise do nosso objeto de estudo.
O que se constitui verdade maior, nesse momento, é a idéia de que os itens
linguísticos dispostos no repertório de uma língua não estão terminados, estão em
um constante processo de formulação e reformulação por motivações internas ou
externas ao sistema, “afinando e desafinando”.
Partimos com o personagem mercê, como item linguístico de uma cadeia
linguística, que por força das pressões externas e motivações, em uma cena
discursiva, torna-se uma outra personagem Vossa Mercê, item gramatical, e que, ao
longo dos anos e por força de um uso frequente, metamorfoseia-se em você. Essas
duas formas concorrem para a mesma função e a forma você se estabelece.
Atualmente, também, transformada no afixo cê.
mercêVossa Mercê
você você > cê
Na próxima subseção, veremos questões sobre referenciação, que irão nos
subsidiar para compreender a ampliação semântica ocorrida com o pronome você.
92
93
2.3 Nos caminhos da referenciação
2.3.1 Entendendo a trilha da referenciação
Nesta subseção , iniciamos o nosso percurso pela via do signo linguístico.
Apresentamos e revisitamos, então, um caminho que se subdivide em dois pontos
de vista: a definição de signo proposta por Saussure e a definição de signo de
Ogden e Richards, na qual é acrescida ao signo um terceiro elemento, a referência,
não considerado pela teoria estruturalista.
Em seguida, discutimos referência e referenciação e manifestamos os
motivos que nos levam a optar por esta trilha e, ainda, completando esse percurso,
trazemos uma discussão sobre o objeto do discurso e o objeto do mundo,
observando se a correspondência existente entre palavras e coisas é preexistente
ou construída em uma inter-atividade.
Nas discussões realizadas, procuraremos discorrer sobre as convergências e
complementaridades das abordagens teóricas.
Vamos lá!
2.3.2 Teoria do signo: uma avenida
O próprio da linguagem é, antes de tudo, significar. Benveniste
Cronologicamente, na 1ª. metade do século XX, houve a extradição do
referente23 no domínio da ciência linguística, sob a justificativa de que a língua era o
único e legítimo objeto da linguística, período fortemente influenciado pelas idéias
saussurianas que privilegiavam a língua em detrimento da fala. Na segunda metade
do século XX, houve a reabilitação da importância do discurso e da enunciação no
seio da ciência linguística sob a orientação de Benveniste. O sentido, então,
23 Cardoso (2003, p.130) diz que não se pode afirmar categoricamente que Saussure extraditou a referência do quadro da lingüística moderna, por incorrer no erro de defender um ponto de vista demasiadamente radical e ignorar o fato de que a questão da referência trabalha em profundidade o pensamento de Saussure.
94
reaparece com “ares” de dependência do contexto, da situação, dos interlocutores e,
no final do século XX, correntes que estudam o discurso erguem a bandeira da
reciprocidade e interdependência da linguagem e da realidade, reconhecendo,
sobretudo, a heterogeneidade discursiva.
É interessante observar que a linguagem, no século XX, perpassa do conceito
inicial e singular de expressar o pensamento ou agir apenas como instrumento de
comunicação para uma atividade que atua interativamente em uma formação
discursiva sobre os interlocutores. É, assim, fortalecido o entendimento de que a
linguagem resulta na ação, ou melhor, na interação. Essa concepção de linguagem
será a estrela que guiará, abrirá novos caminhos e respaldará novas discussões
linguísticas, como veremos adiante.
A realidade é traduzida para o homem através da linguagem, mais
especificamente, através dos signos24 e, dessa forma, é somente o que a nossa
língua nomeia que é percebido por nós no mundo. As palavras criam conceitos e os
conceitos ordenam a realidade, categorizam, organizam e interpretam o mundo e,
dessa maneira, independente do que nomeiem, formam um sistema autônomo e
representam o mundo de forma diversa. Fiorin (2000, p. 57) chama a atenção, no
entanto, de que “a língua não é uma nomenclatura aplicada a uma realidade cuja
categorização preexista à significação.”
Falar em signo linguístico é quase que sinônimo de falar em Saussure. Com
ele, a Linguística avança da condição de ciência de um objeto dado para a condição
de um objeto instituído por ela e é com esse teórico que procede a teoria do Signo
Linguístico.
Ao estabelecer uma crítica aos estudos realizados sobre a língua até aquele
século, a saber, século XX, Saussure (1995, p.22) afirma ser equivocado conceber a
língua como uma “lista de têrmos (sic) que correspondem a outras tantas coisas.”
Para o teórico estruralista, essa concepção é susceptível à crítica por, entre outros
fatores:
supor a existência de idéias feitas antecedendo (preexistentes) às palavras;
supor que a relação existente entre nome e coisa constitua uma operação
simples.
24 Na Idade Média, o signo era definido como aliquid pro aliquo, alguma coisa em lugar de outra..
95
Hjelmslev (1973) apresenta uma outra concepção de signo e assegura que o
signo resulta da união de um plano de conteúdo a um plano de expressão e que, em
cada plano há dois níveis: a forma e a substância. Dessa maneira, existem uma
forma do conteúdo e uma substância do conteúdo (conceitos) e uma forma da
expressão e uma substância da expressão (sons), nas quais se articulam as
diferenças fônicas, semânticas e as suas regras combinatórias.
Para Arnauld e Lancelot (2001), no entanto, o alicerce que fundamenta a
linguagem são os signos do pensamento, cuja função é expressar o pensamento do
homem através de som e de caracteres. Dessa forma, os gramáticos reconhecem
que primeiro advém o pensamento e, depois, o signo exterioriza-o, expondo tanto a
concepção de mundo como os valores e julgamentos dos usuários da língua.
A palavra não é necessária ao ato do pensar, mas para significar o
pensamento a palavra é essencial, tendo em vista que é ela que media a relação
entre as coisas e o pensamento. Na concepção estruturalista, o signo linguístico é
uma entidade psíquica de duas faces intercomplementares: um conceito,
convencionalmente estabelecido, a uma imagem acústica, que pode ser pensada (a
palavra) ou falada, relacionados de tal forma que um reclama o outro, e não apenas
se ajustam como mero resultado da associação entre uma coisa e uma palavra.
Esses elementos, nomeados como significado e significante, poderiam ser
representados da seguinte forma:
Ilustração 13 : Signo Linguístico
Neste esboço, as setas unilaterais, em direções inversas, refletem o
movimento do conceito e da imagem acústica pelo qual perpassa o signo. É certo
que um significante unicamente torna-se signo ao manifestar a relação com o
elemento significado, mas essa proposição nem sempre encontrou terreno estável.
Para os clássicos, havia a concepção de representação externa na qual um signo
era sempre signo de alguma coisa, ou seja, tinha a função de representar o
96
Conceito
Imagem acústica
Imagem
acústica
elemento; ou a representação interna, na qual o signo era a própria coisa, a própria
representação do elemento.
Ao discutimos, posteriormente, a referência do signo você, elegemos a
concepção, ancorados em Foucault (1997), de que o signo representa, ao tempo,
em que também é preciso que essa representação esteja intrínseca nele no ato de
enunciação. Uma espécie de jogo de espelho no qual o signo representa e é
representado simultaneamente. Somente a partir dessa fundamentação é possível
compreender a homologação dos interlocutores diante de significados diferentes
para um mesmo significante. O elemento significante (se) torna-se signo exatamente
porque representa, mas é condição essencial que essa representação ache-se
também representada nesse significante.
Richards e Ogden, em 1923, retomando os estóicos25, propõem, com relação
à teoria do signo linguístico, o acréscimo de um outro elemento: a coisa referida ou
referente. Saussure excluiu o referente do signo como uma tentativa de anular
historicamente o momento contratual de nomeação e de afirmar que recebemos o
pacote língua já pronta, fruto de uma herança de épocas anteriores. Essa
representação do signo linguístico, ora binária, através do significante e do
significado, passaria a ser uma relação triádica26, esboçada, agora, assim:
pensamento ou referência ( significado)
símbolo referente ou coisa referida
(significante) (objeto)
25 Os estóicos apresentaram uma tripartição para definir o signo. A questão da referência encontra-se entre as vértices 2 e 3 do triângulo.
26 Eco (1997 apud CARDOSO, 2003, p.10) apresenta um inventário dessa terminologia:1.Significado: interpretante (Peirce), sentido (Frege), intensão (Carnap), comotação (Mill), imagem mental (Saussure, Peirce), conceito (Saussure), conteúdo (Hjelmeslev).2.Palavra: signo (Peirce), veículo sígnico (Morris), expressão (Hjelmeslev), representamen (Peirce), significante (Saussure), símbolo (Richards), significatum (Morri).3. Referente: objeto (Frege, Peirce), denotatum (Morris), significado (Frege), extensão (Carnapi), denotação (Russell).Às vezes, segundo Cardoso (2003), essas diferenças encerravam apenas divergências terminológicas e, outras vezes, são conceituais.
97
------------------ Ilustração 14 : Proposta de Richards e Ogden
A proposta apresentada por Richards e Ogden preserva a relação entre
significante e significado estabelecida por Saussure e, ainda, adiciona o elemento
denominado referente ou coisa referida que, no discurso, representa o elemento
associado à realidade sociocultural. Com essa representação, esses estudiosos
estariam, de certa forma, compensando (reparando) a extradição do referente
realizada no estruturalismo e trazendo a realidade, o elemento, nesse momento,
visto como necessário, para compor a relação entre significante e significado.
A arbitrariedade do signo, “elo que une o significante ao significado é
arbitrário” (SAUSSURE, 1995, p. 103), desloca-se nessa proposta. Assim,
reconhecemos que as formas sofrem variação, quiçá mudança, nos eixos temporal e
espacial motivadas por fatos de ordem social e interativa. Saussure refere-se a isso
como “elemento imposto de fora” e Benveniste (1995, p. 58) associa sabiamente à
referência.
Para nós, essa tríade legitima a própria noção de sistema saussuriano, uma
vez que compreende a língua como um todo e, dessa maneira, fortalece a
impossibilidade de desvencilhar os signos da enunciação e o agir/atuar da realidade
sobre o significado e sobre o significante.
Enquanto Frege (1978) e Russel (1978) postulavam que a referência das
palavras (o que elas designam) devia ser feita abstraindo o fato de sua enunciação,
Benveniste afirma ser impossível, ao usar a palavra, não deslocá-la para o interior
da própria enunciação e, daí, estabelece uma crítica que respinga na concepção
saussuriana de arbitrariedade do signo linguístico, porque embora o estruturalista
advogue a favor disso, não enxerga essa característica como fruto da relação do
signo com a realidade, pois esta é quem determina o significante.
É válido refletir, a nosso ver, sobre a definição de Blikstein (1983) com relação
à realidade. Esta para ele não passa de um produto de nossa percepção cultural.
Dessa forma, a percepção dos objetos pelo falante está estreitamente relacionada
(ou mesmo condicionada) as suas práticas culturais que, por sua vez, têm
sustentação e sentem-se representadas na linguagem. Por conseguinte,
compreender o signo linguístico precede o estabelecimento da relação signo e
98
realidade e esta, por sua vez, precede, da relação com a cultura. Pensar em signo
sem fazer essas relações é antifuncional, tendo em vista que a prática social é o
grande acelerador do referente, o ativador de crenças, atitudes e propósitos
comunicativos.
O signo, mesmo diante das resistências impostas, parece conseguir romper o
significado já cristalizado, sobrepor e apropriar-se de um outro significado. Isso se
dá através da configuração do referente em um discurso, pois a presença do signo
no ato discursivo não representa a realidade autônoma e em si mesma, mas a
realidade que passa a ser construída ou mesmo reconstruída no ato discursivo com
a ação dos interlocutores.
A par disso, argumentamos que seja uma verdade a existência de uma
suposta organização dos signos no nosso universo de conhecimento e,
evidentemente, uma correlação de sentido que associamos a esse signo. Mas há
outras verdades que dizem respeito à fluidez semântica do signo, que possibilita o
deslocamento do significado de um mesmo significante. Parece-nos que,
inicialmente, os falantes, arquivam em sua memória o sentido primeiro, literal, em
estado de dicionário, canônico e, com o tempo, tendo esses sentidos de origem, em
seus aparatos psicológico e biológico, passam a ter mecanismos de associação,
compreensão, que os permitam ativar/estabelecer os sentidos outros em um dado
contexto. Uma espécie de sentido “primitivo” armazenado que, diante da
situação/contexto, gera um sentido “derivado”.
Os sentidos, dessa maneira, não são previamente ofertados por uma relação
unívoca significado (so) - significante (se), mas são, antes de tudo,
edificados/consolidados em uma relação de interação /negociação. “A língua não é o
limite da realidade, nem o inverso. Língua é trabalho cognitivo e atividade social que
supõe negociação” ( KOCH; MARCUSCHI, 1998) . Assim, a referência é negociada
em função de contextos e dos interlocutores, da interação e das necessidades
enunciativas, mas afirmar isso não equivale dizer que os signos partem do grau zero
de significância, mas, sim, evidenciam que “não há realidade independente de
posturas, aspectos e pontos de vista.” (SEARLE, 2000, p. 28).
O falante opera o material linguístico que tem a sua disposição, realiza
escolhas adequadas e representa as coisas de modo condizente com o sentido que
99
pretende estabelecer. Ao usar o pronome você com distintas representações,
entendemos que o falante faça uso de um significante que carrega em si a
possibilidade de significados distintos e transporte os significados do você para o
que deseja dizer.
Na nossa análise, podemos constatar que, em um eixo paradigmático, há o
estreitamento de significado para o significante você e esse signo, constituído pelo
mesmo significante que ora carrega o significado 1, ora o significado 2 e ora o
significado 3, é sancionado no ato discursivo pelos falantes que participam dessa
enunciação.
significante significado
VOCÊCom valor de primeira pessoa (P1)
Com valor de segunda pessoa (P2)
Com valor genérico
Quadro 2 : Significados do você
O sujeito, na interação verbal, opera com o material linguístico que dispõe no
seu repertório, realizando escolhas significativas que melhor expressem e
concretizem a sua proposta de sentido. Temos um pronome você, bem produtivo,
uma boa forma a ser utilizada e que o falante, no processamento do discurso, vai
metamorfoseando o seu sentido para que ali esse signo obedeça ao seu querer
dizer. No quadro seguinte, há uma interface entre o significante você e o significado
que este assume quando usado plenamente no evento discursivo, através de
fragmentos de fala do corpus do VALPB.
significante Uso no evento discursivo
VOCÊ ( (31)Às vezes você vai com o dinheirinho contadinho. A semana passada eu
levei, deu, aí quando chegar lá já num é, você faz a metade, quer dizer, que
100
(P1)você com dinheiro você num vai se preocupar com isso, né? (VEF).
VOCÊ
(P1),(P2) e (P1)(32)Olhe, você quando quer mandar escrever uma carta, por exemplo, eu
não sei ler, aí eu mando você escrever uma carta pra mim: você sabe (IMS).
VOCÊ
(GENÉRICO)
(33)A causa é problema produtivo do Brasil e distributivo de renda, porque
[se você] nós nós tamoø no interior produzindo tivemoø trabalhar (LGP).
Quadro 3 : A realização do você no evento discursivo
Essa é uma atividade de linguagem, na qual o objeto-de-discurso você é
construído e reconstruído com o objetivo de imprimir nos enunciados em que se
inserem orientações argumentativas propostas pelos produtores das falas.
Na fala (31) ,observe que VEF, ao responder a pergunta sobre a importância
do dinheiro, alterna entre o pronome você e o pronome eu. Afirma que levou o
dinheiro contado, mas faz isso a partir do pronome você, muda para o pronome eu e
retorna ao pronome você. Fato que sinaliza, explicitamente, que, ao usar o você, a
falante refere-se a ela e a uma situação vivenciada por ela.
Na fala (32), ao ser perguntado sobre a importância de saber ler, IMS, que
não possui essa habilidade, usou o você, claramente no sentido P1, e, em seguida,
reforçou esse argumento usando o pronome eu. Interessante observar que,
posteriormente, fazendo referência ao interlocutor que sabe ler, novamente, em
duas situações, foi usado o pronome você, curinga na situação, para referir-se ao
interlocutor.
Na fala (33), para comentar sobre o problema produtivo do Brasil, a intenção
é discutir o assunto de forma generalizada, não falando especificamente de uma
pessoa, mas de um coletivo. Dessa forma, LGP utiliza, primeiramente, o você e
depois o pronome nós, confirmando o valor de genérico naquele pronome.
Questionamos, então:
(i) Existirá um significado único e estável para o significante você, conforme
ilustração 16?
101
(ii) Ou o significado (pensamento ou referência) para o significante (símbolo) você é
dependente do contexto discursivo e só poderá ser identificado no discurso no qual
está sendo realizado/ou inserido, conforme ilustração 17?
2.3.3 A questão da referência: uma outra avenida
Na teoria gramatical, essa liberdade que o vocábulo encontra na fala é
cerceada. Há uma forte tendência à conservação e, assim, as classes gramaticais
assumem papéis específicos e pontuais. A palavra carro-chefe da vertente da
Gramática Tradicional é estabilidade.
Contrapomo-nos a essa suposta estabilidade com um outro olhar voltado para
a instabilidade da referenciação. Pensemos, agora, não mais em elementos que
parecem ter nomes escritos nos rótulos, elementos etiquetados previamente e que
devem carregar, ao longo de sua existência, esses valores; mas em termos que, no
discurso, perdem, em certos momentos, aqueles seus conhecidos rótulos e
adquirem outros.
A esse respeito, Mondada (2003, p. 19) diz que, no lugar de pressupor uma
estabilidade a priori das entidades do mundo na língua, é possível considerar a
questão partindo da instabilidade constitutiva das categorias por sua vez cognitivas e
linguísticas, assim como de seus processos de estabilização.
Essa instabilidade do signo é considerada como um problema para alguns,
em especial para os gramáticos, tendo em vista que abala a estrutura do que é visto
como universal e único. Mas é importante entendê-la como o resultado de um
processo interacional de uma língua em uso e, sobretudo, reconhecê-la como uma
propriedade inerente a um discurso do qual participam sujeitos sócio-cognitivos27.
O discurso abarca a relação entre linguagem, mundo e pensamento. A partir
dessa proposição, concebemos que os seus referentes não são entidades
apriorísticas e estáveis, com um significado sempre relacionado a um mesmo
significante, mas, sim, entidades construídas, nas quais o significado revela-se no
27 Tomamos aqui a noção de sujeito sócio-cognitivo de Mondada (2003, p. 20). “[...] sujeito [que] constrói o mundo ao curso do cumprimento de suas atividades sociais e o torna estável graças as categorias notadamente às categorias manifestadas no discurso.”
102
evento discursivo. Temos, então, em um processo discursivo, referentes que
constituem objetos de discurso - entidades alimentadas e reproduzidas pela
atividade discursiva e não objetos de mundo - entidade extra discurso e extra
mentais.
Para Koch (2002, p. 79),
A referência passa a ser considerada como o resultado da operação que realizamos quando, para designar, representar, ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidade designadas são vista como objetos-de-discurso e não como objetos-do-mundo.
Daí, não nos parece possível afirmar que o pronome você possua apenas um
referente único, estável independente do processamento discursivo-textual do qual
participa. A palavra /signo você, por possui esse caráter de mobilidade, é orientada
em dada situação a uma outra significação.
Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) postulam que a questão da referência
circunscreve-se nas operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso
desenvolve-se. Ao discurso, cabe construir aquilo a que faz remissão, ao tempo que
é tributário dessa construção. Assim, o evento discursivo constrói uma
representação que opera com uma memória partilhada, homologada e fortalecida
pelo próprio discurso.
Koch e Marcuschi (1998, p.167), entendendo que a referenciação ora se
encontre explícita e ora se encontre implícita no texto, propõe a seguinte tipologia.
Referenciação explícita, na qual há uma vinculação textual entre os termos e o
termo antecedente está marcadamente expresso.
O rapaz está procurando por você. Ele perguntou agora.
Paulo, você já chegou?
Referenciação implícita, na qual há uma vinculação textual, há uma
correferenciação e não uma co-significação.
O casal brigou. Ela estava nervosa.
Referenciação implícita, na qual há uma vinculação contextual, há uma
correferenciação e não uma co-significação.
103
Lá, os carros são barulhentos e as normas chata;, aqui ,não.
Referenciação implícita, na qual há uma vinculação situacional, não- textual.
Não há correferenciação nem co-significação.
O rapaz caiu. O esperto logo se limpou e saiu disfarçadamente.
Ai, ai... sabe quando você acorda para vida, olha para o seu lado e vê
que está com três filhos e sozinha no mundo? (você = eu)
Marcuschi (2001), discutindo sobre a característica da linguagem de ser uma
atividade colaborativa e isso ter uma estreita relação com a questão referencial,
questiona :é interessante indagar-se como é que alguém sabe, por exemplo, que com uma dada expressão ‘X’ ele refere uma entidade ‘Y’? Mais: como é que um indivíduo A supõe com tanta segurança que um outro indivíduo B saiba o que ele sabe quando usa a expressão ‘X ’para referir ‘Y’? De duas uma: ou ele (s) sabe (m) isso antes ou depois. Se sabe (m) antes, então isso já estava lá e a língua era um espelho; se sabem depois, isso veio de algum lugar ou por algum tipo de esforço produzido por ele (s). No primeiro caso, temos que resolver quem pôs esse ‘Y’ lá e se esse ‘Y’ é invariante para todos os indivíduos (de uma dada comunidade) que usam a expressão ‘X’. No segundo caso, temos que resolver que lugar é esse e que esforço é esse que produz um ‘Y’ interativamente e se esse ‘Y’ assim produzido tem alguma consistência ou se ele se esgota em subjetivismo aleatório.
Neste jogo linguístico, analisamos o pronome você e constatamos que,
embora o signo você possua um único significante, é dotado de um significado
móvel, que fica, de fato, a mercê do ato discursivo e da interação entre os falantes,
podendo ora atuar com um sentido, ora atuar com outro sentido. Tomando assim, no
discurso, o valor que o interlocutor deseja, a fim de atingir aos seus objetivos
comunicativos.
Se fora da unidade texto, o signo você refere-se a um conteúdo determinado,
a referência cristalizada da segunda pessoa, na língua em funcionamento esse
signo está sujeito às coerções de uma escolha. A referência textual está
estreitamente ligada à enunciação e é, nesse espaço e nesse movimento, que
adquire uma referência particular.
É válido ressaltar que, no processo discursivo-interacional, embora os
referentes não estejam lexicalizados nem anterior nem posteriormente ao pronome,
os interlocutores, a rigor, sem maiores problemas, conseguem entender a referência
104
a que o pronome você em uso está a serviço. Podemos afirmar que os sujeitos,
responsáveis pela existência das referenciações, tendem a “estabilizar a
instabilidade” momentânea. Os interlocutores, portanto, fazem inferências do que se
é tratado referencialmente, o que nos permite considerar que a “flutuação da coisa
referida”, suscitada com o uso do pronome você, não causa descontinuidade, nem
instabilidade ao texto, e, dessa forma, não compromete a coerência discursiva do
mesmo.
Salvo em certas ocasiões, como nos diálogos seguintes, no qual há um
conflito entre diferentes interpretações, de algum lugar ou por algum tipo de esforço
produzido pelo sujeito. Nesses casos, parecem existir etiquetas mais “verdadeiras”,
em termos de adequação à situação discursiva, que outras.
(34) - Olha, pense no momento em que você está andando no shopping, vendo vitrines e... - Eu não vou ao shopping olhar vitrines.
Nesses casos, o falante acredita que possa contar com o conhecimento de
mundo do ouvinte e com a situação interacional para que sua fala seja homologada.
Assim, faz uma hipotética suposição de um conhecimento e uma compreensão
comuns e partilhados por ambos, mas, havendo problemas na interação, o ouvinte
reage por não conseguir estabelecer adequadamente a referência proposta. Diz
Benveniste (1995, p. 56) “o espírito só acolhe a forma sonora que serve de suporte a
uma representação identificável para ele, se não, rejeita-o como desconhecida e
estranha.”
No exemplo (34), o pronome você teria como referência a função P1 e a
função genérica respectivamente, mas esses foram entendidos pelo ouvinte apenas
como P2. Se os enunciados fossem assim: “Imagine (...) eu no shopping, olhando
vitrines”. Provavelmente, este novo excerto seria uma versão que atenderia melhor a
interação entre os falantes.
A “estabilidade”, segundo Mondada (2003, p. 27-29), resulta, de fato, de um
ponto de vista realista que relaciona as categorias às propriedades do mundo –
como se a objetividade do mundo produzisse a estabilidade das categorias e a
105
instabilidade estivesse ligada (e está) às ocorrências situadas em práticas
dependentes dos processos de enunciação e das atividades cognitivas.
O sujeito abandona o único status de “encarnado” e passa a ser sócio-
cognitivo, mediador de uma relação entre discurso e mundo. Cabe ao sujeito, nessa
nova ordem, como atividades sociais, construir o mundo e torná-lo categorizável,
dando sentido a ele e constituindo social e individualmente as entidades, propondo,
especificando, convencionalizando os usos categoriais.
Fica evidente para nós, no que foi exposto, que dominar uma língua vai além
do conhecimento de regras gramaticais; também se faz necessário o saber lidar com
as atividades interdiscursivas. É preciso que reconheçamos que, nesse jogo
linguístico, as peças “signo” são vivas, móveis e estão constantemente evoluindo
tendo em vista que a língua é o espaço do movimento e da interação e, sobretudo, é
uma atividade humana, na qual os interlocutores atuam na construção ativa de
sentidos.
A língua não é o limite da realidade, nem o inverso. Língua é trabalho
cognitivo e atividade social que supõe negociação. Não pode ser identificada com
instrumentos prontos para usos diversos (KOCH;MARCUSCHI, 1998).
2.3.4 A referência e a referenciação: caminhos paralelos?
Tradicionalmente, a referência vem sendo compreendida como um problema
que diz respeito à representação do mundo real e, consequentemente, o foco de
observação desse estudo se reduz à correspondência das formas linguísticas
selecionadas na língua à representação dos objetos do mundo.
Contemporaneamente, no entanto, correntes mais modernas 28 desviam-se desse
caminho e, ampliando o foco de visão, relacionam referência ao mundo discursivo, à
construção desse mundo e aos seus participantes.
Nesse processo de deslocamento e de ampliação de visão, a referência
torna-se referenciação, o estudo do significante passa a estudo da significação, a
importância do enunciado é transferida para a enunciação, as relações
28 Fazemos menção, em particular, às correntes sociocognitivas, interacionistas, pragmáticas.
106
linguagem/pensamento e língua/representação transfiguram-se em linguagem/
mundo e em discurso/construção.
Adotamos o termo referenciação, enquanto concepção, no lugar de referência
por ser a nossa intenção enfatizar a essência do processo do qual resulta a
construção da referência a algum elemento da língua em uma prática cognitivo-
discursiva e interacional. Referir não é apenas relacionar, associar significante (se) e
significado (so) em uma língua estável, mas é o construto de uma relação entre
significante, significado e referente, uma atividade conjunta, colaborativa e situada
em uma língua instável, heterogênea e intersubjetiva, dependente de falantes, da
relação com o outro, do contexto, de intenções, relacionada ao comportamento do
locutor ou do ouvinte. Conforme afirma Rastier (1994, p. 19), “[a referenciação não
é] uma relação de representação das coisas ou dos estados de coisas, mas a uma
relação entre texto e a parte não-linguística da prática em que ele é produzido e
interpretado.”
A nossa intenção é admitir uma instabilidade constitutiva das categorias por
sua vez cognitivas e linguísticas e os seus processos de estabilizar ao invés de
apenas pressupor uma possível estabilidade das entidades no mundo e na língua.
Cabe ao sujeito, o cumprimento de suas atividades discursivas e, na busca
dessa realização, agir sobre a língua, o mundo, o outro e dar sentido a eles. Nessa
perspectiva, reconhecemos o discurso, além de fundamental, como histórico, o que
corrobora para compreender o motivo que leva um significante (se) a ser retomado
pelo falante, em um ato discursivo, em um outro momento, carregando um outro
significado (so). Uma troca, uma negociação que não ocorre gratuitamente, mas na
qual subjazem intenções e propósitos. Backtin decreta que o signo, assim criado no
meio social, adquire significações ideológicas, pois para ele “tudo que é ideológico é
um signo.” (BACKTIN,2003, p. 31).
O problema, ao passar da referência para a referenciação, desloca-se do
“como a informação é transmitida” e do “como os estados do mundo são
representados” para “como as atividades humanas de natureza cognitiva e
linguística estruturam-se e dão sentido ao mundo.”
A questão da referenciação opera um deslizamento (...) não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas a relação intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas,
107
avaliada em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em curso dos enunciadores (MONDADA, 2003,p. 35).
Ainda nessa linha de pensamento, podemos afirmar que a alteridade do signo
linguístico é relativizada pelo contexto enunciativo pois, só e somente só, nesse
espaço, que acreditamos que o signo “tome vida”, ou seja, que o significado (so) se
estabeleça naquele significante (se), como algo já estabelecido há muito tempo (por
isso conhecido e facilmente reconhecido, ostentando um status de canônico); há
pouco tempo ou até mesmo naquele momento, como resultado de necessidade de
uma maior expressabilidade em uma interação29. Uma legítima atividade de
construção colaborativa de referentes como objetos, antes objetos do mundo, agora,
objetos de um discurso, “objetos cuja existência é estabelecida discursivamente,
emergindo de práticas simbólicas e intersubjetivas.” (MONDADA, op.cit,p. 35).
2.3.5 As duas vias: objetos do mundo X objetos do discurso
Ao iniciar a fundamentação dessa dicotomia, diríamos que uma questão
emerge: a língua configura um sistema de etiquetas que se ajustam adequadamente
às coisas do mundo ou a língua constitui um sistema no qual os sujeitos atuam e
constroem as etiquetas através da sua prática discursiva?
Na primeira assertiva, a responsabilidade do falante é de escolher a etiqueta
que melhor se relaciona a coisa do mundo representada e dela fazer uso. Na
segunda assertiva, no entanto, o falante, agindo com ator em cena, a par de um
leque de etiquetas existentes na língua, faz a sua escolha e constrói, no ato
discursivo do qual participa, a sua representação para as palavras.
Optando pela primeira proposição, estamos diante de uma visão de língua
estável, no qual os objetos nelas representados são objetos preexistentes e, por
isso, objetos do mundo. Na segunda proposição, a língua é concebida como variável
e flexível, os objetos não são dados previamente, mas elaborados e reelaborados no
curso de atividades discursivas e, portanto, objetos do discurso. Conforme Mondada
(2003), “os referentes passam a ser objetos de discursos e não realidades
29 Interação está sendo usada no sentido proposto por Marcuschi (2001), no qual esta representa um ponto de convergência para a construção de referentes ou de sentidos, mas não a fonte do sentido.
108
independentes (...)” os objetos de mundo não preexistem ‘naturalmente’ à atividade
cognitiva interativa dos sujeitos falantes, mas devem ser concebidos como produtos
– fundamentalmente culturais – desta atividade (APOTHÉLOZ; REICHELER-
BÉGUELIN, 1995, p. 228).
Ao finalizar essa discussão, diríamos que o que emerge agora é uma ruptura
com a ilusão de uma descrição única, homogênea e estável do mundo e das coisas
do mundo. Isso não significa o caos, já falado nos caminhos da sociolinguística, mas
o reconhecimento da capacidade dos sujeitos de construírem e de reconstruírem
permanentemente os objetos do discurso e de estabilizarem o aparentemente
instável, através das suas competências linguística e discursiva.
Searle (2000, p. 71) corrobora com essa proposição, argumentando que “de
fato, não há realidade independente de posturas, aspectos e pontos de vista” e,
dessa forma, o que realizamos através do discurso não reflete apenas nomes
etiquetas fixados nos objetos coisa, mas a categorização do mundo é resultado de
um complexo trabalho que envolve percepção e inúmeras estratégias de significar,
mais adequadamente, o mundo e as coisas do mundo.
O objeto de discurso caracteriza-se pelo fato de construir progressivamente
uma configuração, enriquecendo-se com novos aspectos e propriedades, suprimindo
aspectos anteriores ou ignorando outros possíveis, que ele pode associar com
outros objetos ao integrar-se em novas configurações, bem como de articular-se em
partes suscetíveis de autonomizarem-se por sua vez em novos objetos. O objeto
complementa-se discursivamente.
2.3.6 Mais algumas palavras...
Diante do caminho realizado, fica em nós a certeza de que não existe língua
fora dos sujeitos sociais que a usam e fora dos eventos discursivos nos quais eles
participam, ativando os seus saberes linguísticos, sociocognitivos. Língua não é
apenas um código e, por meio de formas nominais, os sujeitos constroem e
reconstroem os objetos-de-discurso.
109
Os objetos de discurso, assim, não preexistem “naturalmente” à atividade
cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, mas são antes os produtos culturais e
sociais dessas atividades. O falante propõe constantemente nos seus atos de fala
construções de sentido dinâmico àquilo que, na aparência, demonstra ser uma
representação estabilizada.
A nossa maneira de ver o real não coincide exatamente com o real. Por isso,
nós, na condição de sujeitos sociais, reelaboramos o lido ou o ouvido para fins de
apreensão e compreensão não apenas para nomear o mundo, mas, sobretudo, para
interagirmos sobre ele, ou melhor, para nele inter+agirmos.
A linguagem e as suas nuances são as formas encontradas pelo homem de
habitar o seu espaço, de se constituir /legitimar enquanto ser.
Segue adiante a última subseção do aporte teórico, na qual confrontaremos
os valores das gramáticas tradicional e funcional.
110
2.4 O pronome você nas veredas das gramáticas tradicional e funcional
2.4.1 Entendendo essas veredas
Na subseção “O pronome você nas veredas da Gramática Tradicional e Funcional”, percorremos uma arriscada trilha, mas, como correr riscos também faz
111
parte de um caminho de buscas, aceitamos o desafio de por a Gramática Tradicional
(GT) e a Gramática Funcional (GF) em uma mesa redonda.
A nossa discussão tem início com a origem das classes gramaticais –
vertente da GT - e, contrapondo, mostramos a prototipia – vertente da GF -, uma
forma diferenciada de categorizar os elementos da língua.
Verticalizando a discussão, apresentamos pronomes, em seguida, pronome
pessoais e, por fim, o pronome você, sob perspectiva de gramáticos e teóricos da
linguagem. Pretendemos com isso direcionar um olhar atento às zonas de
imprecisão existentes nas categorias gramaticais.
2..4.2 Classes Gramaticais: via considerada principal
(...) o estabelecimento de classes se torna imperativo (PERINI, 1998, p.
308).
O hábito cristalizado pelas gramaticais tradicionais (doravante GT) de agrupar
palavras existentes em um léxico de uma língua em classes gramaticais30 e, assim,
realizar o estudo dessas como paradigmas, conforme as semelhanças presentes
nas formas (eixo paradigmático) que possuem, nas funções (eixo sintagmático) que
desempenham ou podem desempenhar e, por vezes, no sentido (eixos sintagmático
e paradigmático relacionados ao eixo linguístico) que expressam ou podem vir a
expressar, traz, por vezes, vantagens e, inúmeras vezes, desvantagens. Entre as
razões positivas existentes nessa prática, Perini (1998) aponta a economia
descritiva.
Sem dúvida, a taxonomia das classes propicia uma economia ao reunirem,
em grupos, conjuntos numerosos de vocábulos que trazem características e
comportamentos morfológicos e sintáticos semelhantes. Se a economia em reduzir
duas afirmações ou classificações a uma pode parecer pequena por um lado, Perini
ressalta o valor e a grandiosidade dessa economia se pensarmos em descrições
30 Existem outras definições para o termo, como: partes da oração (resgatando a origem da gramática latina, partes orationis); partes do discurso (fundamentada na tradição francesa, parties du discours); classe de vocábulos (Evanildo Bechara); espécie de vocábulos ( Câmara Jr).
112
gramaticais que se ocupam de línguas inteiras, e, assim, um repertório bastante
vasto de palavras.
É essa praticidade em simplificar as descrições da língua que compõe a maior
fundamentação/justificativa para a existência das classes gramaticais de palavras.
Dessa forma, o estabelecimento da taxonomia das classes torna-se, de fato,
imperativo.
O problema, então, não está centrado nas classes gramaticais em si, na
seleção e divisão propriamente dita das palavras em agrupamentos, mas no como
essa seleção e divisão são feitas e, principalmente, no ostracismo que encerra a
discussão sobre a classificação das palavras a partir dos objetivos
(pré)estabelecidos. E, dessa maneira, tão fortemente arraigados que se torna difícil
a percepção de que um mesmo conjunto de elementos pode ser (re) classificado se
os objetivos forem alterados.
O problema provém em parte da atitude dos gramáticos, que não se
preocupam em justificar previamente as classificações propostas, contentando-se
em repetir o que a tradição fornece. Em outras palavras, falta consciência dos
objetivos da classificação (PERINI, 1998, p. 311).
Os conceitos gramaticais encontram-se de tal forma cristalizados que, ao
invés, de cumprirem com o objetivo de auxiliar os estudos, estão, a nosso ver,
trazendo prejuízos aos estudos linguísticos, à medida que propõem uma visão
equivocada e, sobretudo, unilateral, por desconsiderar as classes gramaticais como
categorias pertencentes ao discurso, por ignorar as chamadas “zonas de
imprecisão” e por ostentar uma suposta estabilidade que nega a dinamicidade
subjacente no constante desenvolvimento da língua.
2.4.3 Prototipia: via alternativa
(...) processos de categorização têm levado em conta as propriedades distribucionais que os itens possuem, segmentando-os em blocos relativamente estáveis (DUBOIS et al, 1997).
Na ótica da teoria funcional, há o reconhecimento da vaguidade presente nos
limítrofes das categorias gramaticais, o que gera uma discussão em torno da noção
de protótipo.
113
Por outro lado, através da teoria dos protótipos, a nosso ver, as categorias
podem ser classificadas com uma maior exatidão. O elemento linguístico que reúne
um maior número de atributos caracteriza uma categoria e é considerado como
protótipo dessa classe. Esse elemento é responsável pela classificação dos demais
membros da categoria, conforme o “grau de semelhança” que possua com os
demais elementos. Em uma espécie de “os iguais se atraem”, as propriedades que
associam os elementos são as justificativas da existência de uma classe comum.
Inicialmente, o protótipo configurava a entidade núcleo em torno do qual a
categoria era organizada. Assim, o espaço central era preenchido por elementos que
possuíam atributos mais semelhantes, que ocupavam o posto de membros centrais
das categorias de nível básico, e os que possuíam menor semelhança
distanciavam-se e ocupavam o espaço marginal. Depois, o protótipo passou a ser
reconhecido como uma entidade construída com bases fundamentadas nas
propriedades intrínsecas da categoria, aquele que detém atributos mais centrais
(mais prototípicos) que outros.
Givón (1995) argumenta que os itens pertencentes a uma dada categoria
compartilham, em uma escala proporcional diferenciada, de traços ou propriedades
dessa categoria.
Duas características sobressaem-se nessa forma de conceber a taxonomia
das classes e, em especial, atraem a nossa atenção.
O reconhecimento de que:
a imprecisão das fronteiras das categorias gramaticais existe e, assim, a
percepção de que se um elemento distanciar-se muito do elemento central –
aquele que possui mais atributos prototípicos – pode estar se aproximando
mais de uma outra categoria.
os elementos integram essas categorias gramaticais em diferentes níveis, de
acordo com a maior ou menor semelhança entre eles.
2.4.4 Pronomes
114
O surgimento da classe pronomes31 deu-se com o intento de evitar a
deselegância em função de uma repetição desnecessária de palavras em um
mesmo enunciado. Arnauld e Lancelot (2001, p. 54) dizem, que “Como os homens
foram obrigados a falar muitas vezes das mesmas coisas num mesmo discurso e
fosse monótono repetir sempre as mesmas palavras, inventaram certos vocábulos
para substituir esses nomes, sendo por isso denominado pronomes.” Acrescido a
isso, caberia a essa classe de palavras, substituir os nomes daqueles que atuavam
como falantes, como ouvintes no discurso, bem como daqueles que eram citados
por esses interlocutores. Continuam os autores:
31 Segundo Menon (1989), os pronomes se inserem nas obras de DONATO, MARTIM DE DÁCIA, SANCTIUS, BRACHET; DUSSOCHET, DAMOURETTE; PICHON, entre outros, tradicionalmente, no segmento denominado de partes do discurso, cuja descrição tem uma importância reconhecida na tradição gramatical.
115
Antes de tudo, reconheceram que muitas vezes era inútil e de mau gosto nomear-se a si próprios; assim introduziram o pronome da primeira pessoa, para colocá-lo no lugar do nome daquele que fala: Ego, moi, je (“eu”). Para não serem obrigados igualmente a nomear aquele a quem se fala, houveram por bem designá-lo por uma palavra que denominaram pronome da segunda pessoa.: Tu, toi ou vous (“tu”ou “vous”). E, para não serem também obrigados a repetir os nomes das outras pessoas ou das outras coisas de que se fala inventaram os pronomes da terceira pessoa: Ille, illa, illud, il, elle, lui etc. (...)(ARNAULD; LANCELOT, 2001, p. 54).
Essa noção de pronome já remonta muitos séculos. João de Barros, na
Gramática da Língua Portuguesa, em um capítulo dedicado a esse tema, para definir
pronome já compartilha a idéia de que “Uma parte da oração que se põe no lugar do
próprio nome, e por isso dizemos que estava junta a ele por matrimônio e daqui se
formou o nome”32 e para exemplificar tal fenômeno sugere a oração “ Eu escrevo
esta Gramática para ti.”33
Esta parte eu se chama pronome, a qual basta para se entender o que disse, sem acrescentar o meu próprio nome João de Barros, em cujo lugar de Antônio,como se dissesse: Eu, João de Barros, escrevo esta Gramática para tu, Antônio. E, tirando de cada nome destes o seu pronome, dizendo: João de Barros escrevo Gramática para Antônio, fica uma linguagem imperfeita. Assim podemos dizer que foi inventada esta parte de oração para boa ordem e perfeito entendimento/ da linguagem. A qual tem estes seis acidentes: espécie, gênero, número, figura, pessoa e declinação dos casos.34 (BARROS, J., 1971, p. 319-21).
No entanto, os pronomes não se restringem a essa faceta. E, da mesma
forma, não são apenas travestidos de pronomes pessoais, mas há, ainda, as
subclassificações dos pronomes pessoais, como os do caso reto, do caso oblíquo e
de tratamento, além dos demais tipos, como pronomes demonstrativos, possessivos,
relativos, interrogativos, indefinidos.
32 Ûa parte da óraçam que se põe em lugar do próprio nome, e por isso dissemos que era conjunta a ele per matrimmónio e daqui tomou o nome.
33 Eu escrevo ésta Gramática pera ti.34 Ésta parte eu se chama pronome, a qual basta pêra se entender ó que disse, sem acreçentar o
meu próprio nome Joám de Barros, em cujo lugár sérve. Ésta, também é pronome da Gramática; ti está em lugar de António, como se dissésse: Eu, Joám de Barros, escrevo ésta Gramática pera tu, António. E, tirando [a] cada nome destes o seu pronome, dizendo: Joám de Barros escrevo Gramática pêra António, fica ésta linguagem imperfeita. Assi que podemos dizer ser inventáda ésta parte de óraçám pêra boa ordem e perfeito intendimento/da linguagem. A qual tem estes seis acidentes : espécia, gênero, número, figura, pe [s] soa e declinaçám per casos.
116
A classe gramatical dos Pronomes, observam Ilari e Basso (2006, p. 114), por
ser uma das mais heterogêneas, reúne “palavras que exercem funções, muito
diferentes, e procuram lidar com o problema assim criado, trabalhando, na prática,
com várias subclasses distintas de pronomes (...).” Benveniste (1995) acrescenta
ainda que devido a essas especificidades umas classificações de pronomes
pertencem à sintaxe da língua e outros às instâncias discursivas.
A classe gramatical pronomes é, comumente, definida como palavras que
“desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos
nominais. Servem, pois: a) para representar um substantivo (...)b) para acompanhar
um substantivo determinando-lhe a extensão do significado (...)” (CUNHA; CINTRA,
1985, p. 268) ou por Bechara (2000, p. 162) “como classe de palavras
categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um
significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto.”
Algumas questões podem, a partir dessas definições, serem suscitadas,
como:
Ao falar em substituição
Apenas os vocábulos rotulados como pronomes substituem outros nomes? E,
dessa forma, devemos classificar outros referenciadores do nome também
como pronome? Como classificar, então, os termos gramática tradicional,
gramática, GT, quando são usados para substituírem o mesmo referente? E
até que limite aceitar essa substituição como adequadamente perfeita em
termos de potenciais semânticos do nome?
Ao falar de acompanhamento
Partindo do princípio de que o adjetivo e os artigos também acompanham o
substantivo, o pronome tem a mesma natureza sintática dessas outras
classes?
Ao falar sobre o papel desempenhado, que os pronomes cumprem funções
semelhantes às funções do nome
Teriam o pronome e o substantivo a mesma função sintática, mas, no
entanto, estão enquadrados em classes distintas?
117
Etimologicamente, pronome quer dizer palavra que substitui o nome. Essa
função existe, mas está longe de ser a única e, para alguns linguistas, não é sequer
a função primordial, pois a função de substituir nomes não tipifica por si só a classe
dos pronomes.
Jespersen (1975, p. 83) ressalta que os vocábulos que compõem a classe
gramatical dos pronomes poderiam, por vezes, ser classificados como pro -
adjetivos, pro - advérbios, pro - infinitos, pro - verbos e pro - sentenças. Macambira
(2001, p. 54), ratificando essa afirmação, define pronome como “um tipo de nome
que admite a oposição de pessoas gramaticais”, atribuindo ao nome as classes
gramaticais de substantivo, adjetivo, pronome, infinitivo e particípio. Cita como
exemplos
a) Substantivo: O verdadeiro amor precisa de outro amor que o sustente;
b) Adjetivo: Bela, sempre o foste;
c) Pronome: O amor, como as trepadeiras, morre se não tem o que abraçar;
d) Infinitivo: Amar-te, nunca o prometi.
Said Ali (2001, p. 74) ainda complementa, ao tecer comentários sobre a
faculdade da linguagem em definir pronomes, que “Nada autoriza a crer que o
homem, ao designar pela primeira vez os seres por meio de nomes com que os
distingue uns dos outros, se lembrasse ao mesmo tempo de criar substitutos para
esses nomes.” Reflexão que se contrapõe à proposição de Arnauld e Lancelot,
exposta anteriormente.
Definir a classe gramatical dos pronomes sempre foi uma trilha árdua. A priori,
não é nada fácil estabelecer fronteiras entre o que seria nome, o que seria verbo e o
que seria pronome. Para Apolônio (apud NEVES, 2005, p. 188), o pronome tem uma
natureza dupla, sendo por isso duplamente flexionado: como o nome, tem caso e,
como verbo, tem pessoas. Holtz, analisando o discurso de Donato, apresenta que,
segundo Varrão, na lista das partes do discurso da gramática latina, coloca-se o
pronome na sequência imediata a do nome, porque um e outro mantêm estreitas
relações e não poderiam estar separados. Para Beauzée, nome e pronome, por um
lado, comungam características em comum, pois eles produzem o mesmo efeito no
discurso; mas, por outro lado, ele critica as definições que afirmam que pronomes
118
são palavras empregadas no lugar do nome, para ele os pronomes acompanham
pari passu os nomes (MENON, 1989).
Alguns gramáticos apostam que as diferenças residem mais efetivamente nos
modos de significação do que na significação em si. Outros como Jespersen (1975)
defendem que, na classe de pronomes, os pronomes pessoais são os mais
importantes, ainda que flexíveis semanticamente ao contexto, como se fossem os
legítimos. Bloomfield (1964) lê, nessa categoria, que os pronomes são vocábulos
portadores de significado. Hjelmslev (1973), por sua vez, declara que os pronomes
não são dotados de nenhum conteúdo significativo. Lemos (1994) assinala a esse
respeito que há um equívoco em focalizar o significado quando o referente é que
deveria ser focalizado, já que o significado existe e é sempre o mesmo, mas o que
sofre alteração de valor são os referentes. Assim, o pronome eu, por exemplo,
significa sempre o falante em uma dada situação comunicativa como o tu/você
significam sempre o ouvinte, o que sofre alteração, no entanto, são os referentes do
eu e do tu/você em cada situação, que dependem do falante e do ouvinte que
participam daquela interação.
O problema do pronome, então, é alargar a caminho que é apenas semântico
e incorporar a via pragmática, tendo em vista que o referente instala-se no âmbito da
enunciação e, somente observando os fatores situacionais e contextuais presentes
na fala, é que é possível desvendá-los.
Lyons (1981) assegura ainda que inexistem distinções de naturezas sintáticas
e semânticas muito profundas entre artigos e pronomes pessoais. Para Partee
(1976), pronomes não são mais que artigos, e pronomes pessoais são nomes na
estrutura profunda e artigos na estrutura de superfície, embora o pronome distinga-
se do artigo, por coloca-se no lugar do nome e não ao lado do nome, como estes
costumam fazer.
Outros argumentam que os nomes têm caráter de símbolos, representam e
designam seres, enquanto os pronomes são sinais ou índices, indicam em uma
dada situação. Noção que remonta a afirmação realizada por Apolônio de que o
nome expressa qualidade de um sujeito corpóreo e o pronome apenas indica a
existência desse sujeito. O pronome, nessa perspectiva, tem a condição de, através
de um vocábulo, levar a ver a qualidade expressa pelo nome, mas nunca revelá-la.
119
Jakobson (1973) vai de encontro ao fato dos pronomes não terem significado
próprio. Para ele, os pronomes têm significado mediante a referência da mensagem
que compõem. Desse modo, os pronomes acumulam funções de símbolo e de
índice.
EU, ao designar o falante, corresponde ao significado
SÍMBOLO
EU, ao designar um determinado interlocutor em uma cena comunicativa,
corresponde à referência.
íNDICE
O ocasional, neste caso, em uma cena discursiva, não é o significado, mas o
referente. E é este o elemento que sofre flutuação ao situar em um determinado
cenário/espaço o referente que atua como falante ou como ouvinte.
2.4.4.1 Pronomes pessoais
Dioniso, o Trácio (apud NEVES, 2005) inaugura o debate sobre as pessoas35
do discurso, indicando as três pessoas: a que fala (“de quem parte o discurso”);
aquela a quem se fala (“a quem se dirige o discurso”) e aquela de quem se fala
(“sobre quem é o discurso”). Apolônio Díscola propõe, diante da insuficiência vista
por ele nessa definição, que deva ser acrescentado à primeira pessoa “a que fala de
si própria”; à segunda pessoa, “a respeito dela é que se fala”; e à terceira pessoa,
definida em termos negativos, “não é a que fala sobre si própria”, conforme a
primeira pessoa, nem “aquela a quem se fala”, conforme a segunda pessoa.
A rigor, os gramáticos perpetuaram a divisão tripartida das pessoas, na qual
há a 1ª. pessoa – eu – correspondente ao falante e a 2ª. pessoa -tu -
correspondente ao ouvinte; e a 3ª. pessoa – ele ou ela que corresponde ao assunto,
aquela que aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação
comunicativa. Estão, dessa forma, representadas as três pessoas do singular (eu,
35 Curioso saber que o nome pessoa é oriundo da metáfora prósopon, uma máscara que os atores usavam em uma representação cênica.
120
tu, ele/ela) e as três pessoas do plural36 (nós, vós, eles/elas) que se encontram a
serviço dos falantes da língua para “substituírem os nomes no discurso”.
No entanto, os pronomes, ditos pessoais, deveriam fazer referência
“exclusivamente” às pessoas do discurso e, dessa forma, as pessoas, obviamente,
seriam: a que fala e a que ouve, primeira e segunda pessoas respectivamente.
Considerar a terceira pessoa como fazendo parte dos pronomes pessoais é como
abolir a noção de pessoa. A terceira pessoa deveria fazer parte de um outro sistema,
já que faz referência a um elemento que não está presente no discurso e que possui
função e natureza distintas da primeira e segunda pessoas.
Se pensarmos, por exemplo, que os pronomes pessoais têm atributos como
[+ - humano], [+ - ouvinte], [+ - presente], [+ - presente no discurso] e que, além
disso, o pronome pessoal legítimo não traz marca de gênero e de número, damos
conta e convencemo-nos de que, no pronome pessoal de terceira pessoa, esses
traços não estão contemplados em oposição aos de primeira e segunda pessoas
que, por outro lado, os carregam.
Neves (2000, p. 449), ao discorrer sobre a natureza dos pronomes pessoais,
identifica nos mesmos uma natureza fórica (capacidade de fazer referência pessoal)
e, assim, distingue os pronomes pessoais de primeira e segunda pessoas que fazem
referência a um dos interlocutores pertencentes ao circuito da comunicação da
terceira pessoa que se refere “a uma pessoa ou coisa que foi (...) ou vai ser (...)
referida no texto.”
O interlocutor, ao fazer uso do pronome de primeira pessoa, eu, assume o
pronome como pleno e assume-se como sujeito daquele discurso. De forma
semelhante, ao usar o pronome de segunda pessoa, delega a função de ouvinte ao
outro interlocutor daquela instância discursiva. É óbvio que esses papéis são
trocados ao longo do discurso. Daí, Benveniste (1995) caracterizá-los como signos
únicos, mas móveis.
Ainda recorrendo à Neves (2000, p. 457)
Uma das funções básicas dos pronomes pessoais é a de constituir expressões referenciais que representam, na estrutura formal dos enunciados, os interlocutores que se alternam na enunciação:
36 Bechara (2000, p. 134) registra que “O plural nós indica eu mais outra ou outras pessoas e não eu + eu.”
121
a) primeira pessoa: aquela de quem parte o discurso, e que só aparece no enunciado quando o locutor faz referência a si mesmo (auto - referência);
b) segunda pessoa: aquela a quem se dirige o discurso, e que só aparece no enunciado quando o locutor se dirige a ela;
c) aquela sobre a qual é o discurso.
Diante disso, dois eixos, segundo a autora, emergem. O eixo subjetivo, no
qual as pessoas estão envolvidas na interação verbal e têm os seus papéis
discursivos bem definidos, caso da primeira e segunda pessoas, e o eixo não-
subjetivo, que comporta os elementos (pessoas ou coisas) não implicadas na
interação verbal, como é o caso da terceira pessoa. Para Benveniste (1995, p. 282),
a terceira pessoa diferencia-se das duas anteriores por representar “o membro não
marcado da correlação de pessoa” e, assim, realmente constitui o que se pode
denominar de "não-pessoa”.
2.4.4.1.1 Pronome você
O pronome você costuma aparecer em gramáticas37 e livros didáticos como
pronome pessoal de tratamento e, salvo, em algumas exceções, é reconhecido
como pronome pessoal do caso reto, na função de substitutivo do pronome tu38,
ocupando o lugar de 2ª. pessoa/ouvinte e trazendo, consequentemente, para o ato
discursivo as características pertinentes a essa pessoa, com exceção do verbo com
o qual concorda que, como resultado da concordância com a forma original pronome
você, a forma nominal de tratamento Vossa Mercê, continua a ser realizada na
terceira pessoa.
Ao iniciar o estudo sobre pronomes pessoais, Rocha Lima (1998, p. 316)
apresenta o quadro de pronomes que compõem as formas retas (ou subjetivas) e,
neste quadro, traz o você como pronome de 2ª. pessoa. Afirma “O pronome você
pertence realmente à 2ª. pessoa, isto é, aquela com que se fala” e justifica que
“posto que o verbo com ele concorda na 3ª. pessoa”. No entanto, em páginas
anteriores, o citado gramático registra as formas você e vocês como pronomes de
tratamento familiar. Luft (1987,p. 116), classifica o pronome você como 2ª. pessoa
37 Almeida (2005), Bechara (2006), Cunha e Cintra (1985), Rocha Lima (1998), Sacconi (1986)38 Menon e Loremi (2002) ressaltam que trabalhos históricos e/ou sincrônicos vêm demonstrando
que, em muitas regiões do Brasil, provavelmente, o você teria sido o primeiro pronome implantado e não teria nunca substituído o pronome tu, tendo em vista que este pronome não teve existência nessas regiões.
122
indireta, por atuar no discurso como 2ª. pessoa e por requerer simultaneamente os
termos da 3ª. pessoa para concordância.
Coutinho (1974) corrobora com essa discussão e apresenta o pronome você
como resultado da possível evolução do vossa mercê> vossemecê > vosmecê >
você, resultado de uma mudança interna e externamente encaixada. Outros
gramáticos, como Cunha e Cintra (1985), Bechara (2000), Said Ali (2001) ainda não
apresentam o pronome você como integrante do quadro das pessoas gramaticais e
Sautchuk (2004, p. 64), ao discutir sujeitos indeterminados, elenca, como pronomes
de 3ª. pessoa, “ele (s), ela (s), você (s)”. Dessa forma, embora a discussão não seja
sobre pronomes, o você é posto em um patamar idêntico aos pronomes de 3ª.
pessoa.
Para Lemos (1994), a criação do pronome você foi um marco para outras
modificações no sistema linguístico, como, a título de exemplo, a obrigatoriedade da
presença do sujeito para distinguir em enunciados, como: Vem. No qual não há
clareza sobre quem, de fato, vem. A intenção do falante, em um enunciado como o
apresentado, pode ser: Ela vem. Ele vem. Você vem. A gente vem. Isso sem
considerar o processo de simplificação verbal acometido pela segunda pessoa do
singular, tu, que costuma aparecer sem a desinência verbal de 2ª. pessoa, como em
Tu vem. Duarte (1995) constata em pesquisa realizada que, por força do
enfraquecimento da flexão (ou redução do quadro pronominal), o português
brasileiro perdeu a propriedade que caracteriza as línguas do sujeito nulo.
É certo que o primeiro a ser extinto do quadro pronominal foi o pronome vós,
adjungido a ele, o pronome oblíquo vos e, mais tarde, o pronome possessivo vosso,
formas todas substituídas por você (s), como podemos verificar nos exemplos:
( 35 ) Vós que estais no hospital, recomendo-vos repouso
Vocês que estão no hospital, (a vocês) recomendo (a vocês) repouso
A complexidade do pronome vós, que era regularmente usado no plural, para
referi-se a mais de uma pessoa, e, como instrumento de formalidade, para referi-se
123
a uma única pessoa (singular), pode ter sido uma possível causa do seu rápido
desaparecimento.
Um outro instantâneo desequilíbrio veio com o desuso do tu em detrimento de
uma generalização do pronome você. Interessante registrar que, diferentemente do
que houve com o pronome vós, o processo de desvalorização do pronome tu em
relação ao pronome você, não implicou o desaparecimento das formas oblíquas e
possessivas, sendo estas ,inclusive, usadas em um mesmo enunciado em
concordância com o pronome você.
(36)Você pode tá passanøo assim uma e alguém te pegáø (HBC).
(37)no dia que você fo0 da0 ele a ela eu quebro a tua cara na frente dela(MHS).
Assim, diz Lemos (1994, p. 153) “você ocupa não só a lacuna deixada pelo
vós mas ameaça a existência do tu, estabelecendo um molde nas relações de
tratamento que se resume a duas opções formais: você e senhor.”
Em tempos remotos, nas relações entre as classes sociais, havia uma
representação do poder de superioridade nas relações assimétricas. As classes
altas usavam o tu para referência a classe baixa e esta usava o vós para referência
àquela. Tal relação assimétrica estendeu-se a polidez em outras relações, como
empregado/patrão, filho/pais, aluno/professor. Uma marca de relação de “cima para
baixo” do pronome registrado através da 2ª. pessoa do singular e do uso de “baixo
para cima” do pronome de segunda pessoa do plural. Uma escolha pronominal
revestida de valores sócio-linguísticos.
O ato de discutir pronome de tratamento é também uma questão de natureza
sociolinguística, tendo em vista que estes pronomes estão estreita e explicitamente
vinculados ao uso social. Os jovens, em busca da concretização dos seus ideais de
liberdade e igualdade, corroboram demasiadamente para que o tratamento
assimétrico cedesse espaço, junto as suas conquistas, ao tratamento simétrico e,
assim, nas relações pai-filho, professor-aluno, a forma de tratamento senhor foi
sendo substituída pela forma de tratamento você, tratamento que trazia em si a
marca desses valores de igualdade tão defendidos. As relações assimétricas
ascendentes (de inferior para superior) e assimétricas descendentes (de superior
para inferior) foram conduzidas a uma relação simétrica.
124
Menon (1995) questiona se as relações assimétricas ainda não têm
resquícios em eventos, como por exemplo, ao ligar para uma empresa ou a chegar
em algum lugar e, mesmo se referindo a um única pessoa, fazer uso da forma
vocês, ao perguntar:
(38) - Vocês fazem isso? Ou
- Vocês fornecem o produto x?
Não seria essa ainda uma permanência da forma plural para referência a um
elemento no singular, como marca de polidez? É, sem dúvida, uma questão a ser
pensada, mas não há o descarte da possibilidade de usar o plural, no sentido de
querer saber não exatamente se aquela pessoa ou funcionário faz ou fornece o
produto, mas no propósito de saber se a empresa, como um todo, disponibiliza tal
serviço.
Até aqui, realizamos uma revisão da literatura gramatical, a fim de sustentar a
nossa reflexão e, em alguns momentos, recorremos a estudos linguísticos
realizados. A partir de agora, afastaremo-nos definitivamente dos estudos
linguísticos que não relacionam os itens da língua ao seu real funcionamento
discursivo e colocaremos na mesa redonda a Gramática Tradicional e a Gramática
Funcional, a fim de melhor analisarmos o pronome você em excertos de fala,
desvendando a função ocupada por esse item no discurso, reconhecendo as
nuances desse pronome e estabelecendo uma relação entre forma e função do
pronome você.
2.4.4.2 Discutindo atributos: caminhos cruzados
Baseados na Teoria dos Protótipos e com a explícita pretensão de identificar
traços categoriais que caracterizam as pessoas pronominais, analisaremos os
atributos de 1ª. e 2ª. pessoas em relação à 3ª. pessoa. Os traços apresentados
aproximam a 1ª. e 2ª. pessoas ao centro da prototipia de pronomes pessoais, ao
tempo em que deslocam 3ª. pessoa para a margem dessa prototipia, conforme
veremos:
125
2.4.2.2.1 A pessoalidade
O protótipo de pronome (pro) deveria ser um elemento linguístico que
englobasse de forma bem clara a noção de pessoalidade, tendo em vista que esse
atributo heteronímico é o fundamental para distinguir as categorias de pronome e
nome. Contudo, os pronomes, em geral39, distanciam-se desse atributo. Razão
suficiente para considerar a possibilidade de aproximarem-se mais de outra
categoria que não a de pronome. Seria, a nosso ver, ancorados em Jespersen
(1975), uma outra categoria de pro.
A teoria gramatical relaciona os pronomes pessoais a uma tríade: falante,
ouvinte e alguém ou algo que faz referência. Mas, em termos de prototipia,
observando a natureza e a função, essa tríade passaria a díade: falante e ouvinte.
A terceira pessoa rompe a simetria do sistema de atributos relacionados à 1ª.
e à 2ª. pessoas, daí lembrarmos, mais um vez, que Benveniste (1995) qualifica-a
como a não-pessoa. Algumas justificativas podem ser aqui delineadas:
A 1ª. e 2ª. pessoas encontram-se presentes na situação discursiva, enquanto
a 3ª. pessoa encontra-se no eixo externo de interlocução;
A 1ª. e 2ª. pessoas, necessariamente, são definidas na situação discursiva, a
3ª. pessoa pode encontrar-se indefinida;
A 1ª. e 2ª. pessoas, na maioria das situações, referem-se a seres humanos, a
3ª. pessoa, muitas vezes, faz referência a animais e coisas;
A 1ª. e 2ª. pessoas estabelecem-se no discurso com papéis bem definidos;
A 1ª. pessoa – eu – quem fala e a 2ª. pessoa – tu/você – quem ouve, ambos
são inversíveis e, simultaneamente, intercomplementares, pois, no ato
discursivo, o eu (falante) refere-se ao tu/você (ouvinte) e esses papéis são
trocados no discurso. A 3ª. pessoa, por sua vez, pode referir-se a uma
infinidade de seres e não comunga dessa troca de papéis no ato discursivo;39 Fazemos referência aos pronomes indefinidos (quem, tudo, nenhum); pronomes demonstrativos
(aquilo, isto, aquele); pronomes interrogativos (quem, quanto).
126
A 1ª. pessoa (eu) carrega a correlação de subjetividade em relação a não-
subjetividade da 2ª. pessoa (tu/você);
Por fim, podemos afirmar que os pronomes de 1ª. e 2ª. pessoas referem-se
sempre às pessoas do discurso e o pronome de 3ª. pessoa (ele, seu, dele)
relaciona-se a nomes dos quais são substitutos. A terceira pessoa, então, é
pronome legítimo, porém não pessoal e as 1ª. e 2ª. pessoas são legítimas
pessoas do discurso, mas, a rigor, não tão legítimos pronomes.
2.4.4.2.2 O gênero
A 1ª. e 2ª. pessoas são desprovidas de gênero. O eu e o tu/você servem,
portanto, para serem utilizados por seres do sexo masculino ou feminino,
tomando a sua forma no discurso.
A 3ª. pessoa é provida de formas que sugestionam o masculino e o feminino.
Esse atributo aproxima a 3ª. pessoa à categoria dos nomes. Tal como ele/ ela
temos também mestre/ mestra, elementos nos quais a formação do feminino
dá-se pelo acréscimo da desinência e elisão da vogal temática.
2.4.4.2.3 O número
De forma idêntica à categoria de nome, o plural da categoria dos pronomes
faz-se pelo simples acréscimo da desinência de plural. Nos pronomes, três pessoas
compõem o quadro do singular e três compõem o quadro do plural segundo a GT.
Se, por um lado, o falante, ao usar a 3ª. pessoa no singular (ele/ela), faz referência a
um ser fora do eixo interlocutório; por outro lado, se desejar, o falante pode utilizar a
3ª. pessoa no plural (eles/elas) para fazer referência a mais de um ser externo ao
eixo interlocutório. O uso do singular ou do plural nesse caso traz, indiscutivelmente,
a compreensão de que se refere a um ser ou a mais de um ser e constitui um uso
plenamente aceitável.
No entanto, ao realizar essa pluralização nas 1ª. e 2ª. pessoas, como em :
127
eu nós
tu/você vós/vocês
O sentido existente no singular de uma pessoa falando ou uma pessoa
ouvindo não é automaticamente substituído pelo sentido de várias pessoas falando
ou ouvindo.
O pronome nós deve ser interpretado como eu, somado a uma ou mais
pessoas, nas quais o ouvinte pode ou não estar incluído. O nós não é como o plural
da forma eu. As formas nós, vós e vocês são formas, em essência, plurais, mas que
não se correlacionam morfo-semanticamente com as formas eu, tu/você. Direções
contrárias são tomadas pelas formas ele/ela e eles/elas.
Diante dessas justificativas elencadas, não podemos, então, aceitar que a
terceira pessoa seja vista como partilhando dos mesmos atributos da primeira e
segunda pessoas e que a noção de singular/plural nestas pessoas se realizem da
mesma forma. O esquema de flexão de gênero e de número na terceira pessoa
realiza-se com os mesmos traços da categoria de nome. Com isso, optamos por
adotar em nossa análise a proposta /sugestão de Câmara Jr. (2006) para compor o
sistema de pronome em português, uma relação que para nós é mais ampla do que
a simples oposição das formas do singular e do plural.
Para Câmara Jr., os pronomes estão distribuídos em seis (06) pessoas e não
apenas em três (03) pessoas como estão prescritos na tradição gramatical. Essa
distribuição das pessoas pronominais será por nós adotada no decorrer da análise
do você.
P1 eu / falanteprimeira pessoa do singular
P2 tu / ouvintesegunda pessoa do singular
P3ele ou ela /todos os seres que ficam fora do eixo do
falante/ouvinteterceira pessoa do singular
P4 nós/ falante que pode associar a si uma ou mais pessoasprimeira pessoa do plural
P5 vós/ mais de um ouvintesegunda pessoa do plural
P6eles, elas / todos os seres que ficam fora do eixo
ouvinte/falanteterceira pessoa do plural
128
Quadro 4 : Pessoas pronominais
2.4.5 A gramática tradicional e a gramática funcional em uma mesa redonda
Em contraposição à concepção de gramática tradicional (GT), que prescreve,
dita as normas e que tem a intenção de uniformizar e conservar a língua, uma língua
concebida como estática e homogênea, há a gramática funcional (GF) que pensa o
estudo da língua assentado na interação social. Uma gramática que concebe a
língua como algo maleável às pressões do uso e estas, por seu turno, interligadas
aos anseios e intenções do falante, ao contexto e situação de uso, à interpretação
do ouvinte. Enfim, uma concepção de gramática susceptível aos aspectos
discursivo-pragmáticos, sustentada na inter-ação dos falantes.
A competência comunicativa dos falantes, quando discutida nessa
perspectiva teórica, distancia-se do codificar e do decodificar da GT e aproxima-se
dos movimentos do usar e do interpretar expressões, que não são mais objetos
descontextualizados, mas que são instrumentos manipulados pelos falantes em uma
cena comunicativa.
A escolha de uma forma linguística em detrimento de outra forma é, aqui,
interpretada como um esforço do falante em atender com uma maior adequabilidade
e presteza os requisitos necessários àquela cena comunicativa através da forma
escolhida e, parece-nos que, quando essa forma já não consegue contemplar o
sentido desejado, funções novas são realizadas por formas já existentes, a fim de
atingir aos objetivos desejados no processo de construção dos enunciados. A noção
de pragmática integra-se, assim, à gramática.
A GF, iniciando o seu percurso no uso e interpretação das expressões
linguísticas, procura esboçar como tais expressões codificam-se gramaticalmente.
Se, na discussão anterior o pronome você é analisado como uma estrutura fixa,
Pronome Pessoal de Tratamento, e, por vezes, classificado como Pronome Pessoal
do Caso Reto, substituindo o tu, na GF aceita-se uma força dinâmica presente no
ato discursivo no qual essas categorizações sofrem (re)construções e adaptam-se
às necessidades interativas.
129
Sustentado na perspectiva de que a gramática nunca está completa, mas está
constantemente e em um processo do fazer-se, Hopper (1987, p. 142) discute a
noção de “gramática emergente” e afirma que “a gramática emerge continuamente
no discurso, não havendo, portanto, gramática, mas gramaticalização, um
movimento em direção à estrutura, que nunca se completa totalmente.”
No uso diário de uma língua, temos por um lado, a regularização dos
vocábulos como resultado de um uso repetido das fórmulas gramaticais. No entanto,
por outro lado, essas fórmulas gramaticais, constantemente utilizadas, são também
frutos de re-arranjos que podem vir a gerar uma forma inovadora. A gramática não
constitui-se como algo em si, isolado, distinta do discurso, mas, essencialmente, é o
repertório das escolhas linguísticas, orientadas por fatores de ordem comunicativa,
argumentativa, estrutural e social40, utilizadas no discurso, em cada cena
comunicativa, que consolida o que denominamos gramática. Esta gramática,
inicialmente, surge com a rotinização das expressões inovadoras que,
posteriormente, tornam-se habituais, por aparecerem com frequência em
determinados contextos, com isso gramaticalizam-se e, em sendo gramaticais,
gramalicalizam-se para outras funções ainda mais gramaticais.
Hopper (1987) assegura a não-existência de uma forma concreta, com
modelos fixos e estáticos, de um enunciado, mas apresenta a constatação de uma
forma linguística que ganha seus contornos no discurso, mediante as experiências
dos falantes em suas trocas comunicativas. Dessa maneira, as formas são modelos
susceptíveis à negociação na cena comunicativa, na qual os interlocutores, legítimos
jogadores, moldando-as, fazem com elas adaptações.
Nessa linha de pensamento, relacionando dois focos intercomplementares,
gramática e discurso, apresentamos o que acontece com o pronome você, no
corpus estudado, ou seja, como a expressão linguística você está, na atualidade,
sendo codificada gramaticalmente na perspectiva da gramática funcional, ao tempo
em que na gramática tradicional tem o uso cristalizado como pronome de tratamento
e, por vezes, pronome pessoal de 2ª. pessoa.
40 Du Bois (1985) afirma que, ao nos comunicarmos, sofremos influências de forças de naturezas diversas, tais como: cognitivas, comunicativas, sociais, estruturais. Estas forças agem no discurso exercendo uma pressão maior ou menor sobre um dado fenômeno lingüístico.
130
Ao analisarmos o pronome você nas falas, constatamos que este pronome
tem o seu emprego oscilante, sendo utilizado como pronome pessoal do caso reto,
às vezes, como substituto do tu, uma função reconhecida na GT, como em:
(39)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito”! Num mando você i0 p0acima dos outro0.” (MHS).
(40)(...) você perguntou onde eu gostaria de morar. (ALA).
Mas, inegavelmente, o você também é usado, no discurso, como uma
expressão que tem como referente a primeira pessoa. O falante, nesse momento
discursivo, ao utilizar o você não se dirige mais ao seu interlocutor, como feito
anteriormente, mas fala de experiências que são suas e que pertencem ao seu
universo particular, como em:
(41)Quer dizer que, é como num vestibular, você faz um é um minivestibular que tem. Até hoje tem. Você faz a prova tudinho como eu passei. (ALA).
(42)Atendimento ao público em geral. Eu tô num setor de cobrança. É um dos setores mais delicados, né? Você tem que ter uma boa conversa assim É mais a coisa [psi] psicóloga, né? Você é é um verdadeiro atendente, mas um psicólogo. (ALA).
E, ainda, em outros momentos discursivos, o falante traz como referente para
o você um valor genérico, apresentando o pronome em um elevado grau de
indeterminação. A ação exposta pelo falante, agora, não é de pertencimento
exclusivo do ouvinte, como nos excertos de fala a e b; não é de pertencimento
exclusivo do falante, como nos excertos de fala c e d; mas demonstra uma
universalidade que pode ser compartilhada por várias pessoas.
(43)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de-leite. (JPS).
(44)Mesmo você entrando no curso errado, mas sai, termine, sai entre no outro, que a vida é longa. Então, o estudo pode ser longo também. Até você morrer.(ALA).
Com isso, parece emergir em nosso estudo a convicção de que o falante age
na língua, com certa liberdade, porque busca, nas estruturas fixas, limitadas e já
131
existentes da gramática, formas para a construção do discurso. Nesse caso, o
pronome você.
Aflora, a partir do visto, a certeza de que há o deslocamento da referência do
pronome você, orientada a partir da intenção que deseja provocar na informação
pragmática do ouvinte, como que “empacotando” uma dada informação para
apresentá-la ao ouvinte e, sobretudo, emerge a certeza de que há um componente
discursivo que orienta, molda e adapta o componente gramatical ao ato discursivo.
Neves (2006, p. 25) parece precisar toda a essência da GF quando,
remetendo ao discurso de Schriffrin, declara:
A língua ocorre sempre em um contexto (cognitivo, cultural, social), é sensível ao contexto (domínios culturais, sociais, psicológicos e textuais que penetram em todos os níveis da linguagem), é sempre comunicativa (sempre endereçada a um recebedor) e é projetada para a comunicação (a própria redundância é projetada para facilitar o processo de comunicação). Fica assentado que a língua é usada (e, portanto, organiza estruturas) a serviço das metas e intenções do falante (que são tomadas e realizadas em relação aos ouvintes), e é da organização dessas metas que emerge a ação (ou realização de ações) discursivas.
Perguntamo-nos: por quais caminhos as discussões da GT trilhariam diante
do exposto? Agendemos para mais tarde esse assunto.
2.4.6 Ainda algumas palavras...
Diante do arrazoado de que a nossa análise tem como essência a gramática
surgida no seio de uma comunidade em eventos discursivos, estamos convencidos ,
a partir dessa subseção, de que a Gramática Funcional, através da sua concepção,
dos seus objetivos, da teoria dos protótipos, oferece subsídios mais adequados para
a análise a que nos propomos fazer e, assim, optamos por trilhar esse caminho.
Realizados esses quatro caminhos com você e coletadas as contribuições
oferecidas pela teoria da sociolinguística laboviana, pela teoria do funcionalismo
norte-americano e da gramaticalização, pela teoria do signo linguístico e da
referenciação, desatamos, por agora, o nó da faixa de chegada e encerramos a
seção de fundamentação teórica. Estamos prontos para a largada em um outro
percurso : metodologia, estruturação das variáveis e a análise de dados.
132
133
3 METODOLOGIA , ESTRUTURAÇÃO DAS VARIÁVEIS E ANÁLISE DE DADOS
3.1 Descrição do corpus
O corpus analisado é composto por 60 (sessenta) entrevistas, realizadas
entre 1993 e 1994, na cidade de João Pessoa. Esse material compõe o corpus do
Projeto de Variação Linguística da Paraíba (VALPB), que tem como objetivo
apresentar, a partir das transcrições das entrevistas realizadas, a realidade
linguística da comunidade paraibana. Os dados desse corpus encontram-se
disponibilizados em forma impressa (5 volumes) e em forma digital41.
A metodologia utilizada para a obtenção do corpus foi orientada por trabalhos
sociolinguísticos que se fundamentam na perspectiva variacionista laboviana. A
técnica de amostra realizada para as entrevistas foi a aleatória por área.
O gênero entrevista constitui um evento comunicativo primordialmente oral42,
marcado por perguntas e respostas que tendem a variar em conformidade com os
objetivos e a natureza dos atos em propósito. Como em um jogo de papéis, o
entrevistador abre, direciona, avança em alguns aspectos de interesse, recua em
outros, incita a transmissão de informações, em um movimento contínuo de
orientação e reorientação do ato discursivo. Tudo isso em nome de um propósito
pré-estabelecido.
No corpus utilizado, os pesquisadores em geral, tiveram a preocupação em
apresentar perguntas abertas que permitissem que o entrevistado discursasse
livremente sobre o tópico proposto. Quando isso não acontecia de imediato, o
entrevistador insistia, buscando a ampliação das respostas através de explicações,
justificativas e detalhamentos e, quando a resposta da entrevista oferecia uma nova
possibilidade de tópico discursivo, o entrevistador focalizava esse tópico novo.
O questionário sociolinguístico do corpus contém uma variação entre 80 a 100
questões em média, dependendo da espontaneidade do falante. Nessas questões,
com o objetivo de obter a naturalidade interdiscursiva dos informantes e, assim,
41 O corpus em forma digital segue anexo. 42 Ainda que esteja escrita ou transcrita, em geral, primeiramente, a entrevista é realizada oralmente.
134
conhecer melhor a realidade linguística dessa comunidade, são abordadas,
geralmente, informações de cunho pessoal, profissional e escolar; situação
econômica; orientação religiosa; atitudes; histórias de vida e avaliações pessoais.
Algumas questões, no entanto, foram elaboradas pelos pesquisadores no momento
da entrevista a partir das possibilidades que o diálogo sugeria.
A linguagem utilizada foi simples, informal e objetiva, permitindo sempre uma
fácil compreensão e uma boa interação entre entrevistador e entrevistado.
Essas entrevistas do corpus VALPB foram utilizadas por nós para elucidar o
fenômeno linguístico em estudo. Focalizaremos apenas as respostas43 fornecidas
pelos informantes, sem, contudo, perder de vista a contextualização que as
perguntas oferecem-nos.
Para a seleção dos informantes, dois critérios foram observados pelos
pesquisadores, a saber: o falante deveria ser natural da cidade de João Pessoa ou
morar nessa cidade desde os cinco anos de idade e nunca deveria ter se ausentado
da cidade por mais de dois anos consecutivos.
Os 60 (sessenta) falantes que compõem esse corpus estão classificados
segundo três variáveis sociais: sexo (masculino e feminino), faixa etária (de 15 a 25
anos, de 26 a 49 anos, mais de 50 anos) e anos de escolarização (nenhum ano de
escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11
anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização). Distribuídos da
seguinte forma:
1. Sexo
Masculino 30 informantes
Feminino 30 informantes
2. Faixa Etária
15 a 25 anos 20 informantes
26 a 49 anos 20 informantes
mais de 50 anos 20 informantes
3. Anos de escolarização
Nenhum 12 informantes
43 Ainda que alguns estudos, como o de ANDRADE(2004), utilizem, por escassez de exemplos, as perguntas dos entrevistadores, a focalização desse estudo será restrita ao enunciado dos entrevistados.
135
1 a 4 anos 12 informantes
5 a 8 anos 12 informantes
9 a 11 anos 12 informantes
mais de 11 anos 12 informantes
A partir dessas três (3) variáveis extralinguísticas, a equipe de pesquisa
aplicou um ficha social, entrevistou os informantes e, posteriormente, transcreveu e
armazenou eletronicamente os dados.
3.2 Procedimentos para a análise
Inicialmente, selecionamos, no corpus , o fenômeno linguístico em estudo.
Dessa maneira, todas as ocorrências do pronome você presentes nos enunciados
dos entrevistados foram coletadas. Encontramos 2004 ocorrências de você, que
estão estratificadas da seguinte forma:
1. Sexo/Gênero
Masculino : 1060 ocorrências
Feminino : 944 ocorrências
2. Faixa Etária
15 a 25 anos : 631 ocorrências
26 a 49 anos : 672 ocorrências
mais de 50 anos : 701 ocorrências
3. Anos de escolarização
Nenhum : 204 ocorrências
1 a 4 anos : 407 ocorrências
5 a 8 anos : 434 ocorrências
9 a 11 anos : 369 ocorrências
mais de 11 anos : 590 ocorrências
Ainda que o interesse maior fosse focalizar o pronome em estudo,
estabelecemos, posteriormente, recortes nesses enunciados sem causar prejuízo ao
136
contexto e, consequentemente, à análise da função que aquela forma estava
desempenhando naquele fragmento textual, que seria validado pela relação perfil do
falante acrescido à resposta e à pergunta.
Por reconhecermos que as variáveis sociais eleitas no corpus do VALPB são
propulsoras da variação da referencialidade do objeto em estudo, correlacionamos
as variáveis sociais (sexo/gênero, faixa etária, grau de escolaridade) às variáveis
linguísticas de referencialidade do pronome (P1, representando a pessoa que fala;
P2, representando a pessoa com quem se fala; e genérico, representando um grupo
social que compartilha de semelhantes características e atitudes), a fim de
percebermos em que medida estas condicionam os usos desse pronome estudado
por nós, de que forma as variáveis agem conjuntamente favorecendo ou não o
fenômeno abordado. Essas investigações serviram como uma tentativa de
sistematizar a “suposta desordem” ou, nas palavras de Tarallo (1999), o “caos
linguístico” provocado por essa variação na língua.
Dessa forma, a análise do pronome você foi realizada a partir do
intercruzamento das variáveis sociais e das variáveis linguísticas, sustentando o
defendido e proposto “Nos caminhos da Sociolinguística”, em que o falante
sociolinguístico não possui uma linguagem absoluta e imutável, mas uma linguagem
constituída e construída a partir dos elementos sociais que o cercam.
Correlacionar as variáveis estruturais e as variáveis sociais para nós
representa uma associação entre o que se diz (condição do enunciado) e o
significado social do que foi dito (representação das variáveis sociais). Em cada
enunciado analisado, observamos de qual sexo/gênero, de qual faixa etária e de
grau de escolarização essa voz ecoava.
Interessa-nos, em princípio, que, a partir da análise quantitativa e qualitativa,
seja possível esclarecer:
a.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade P1?
b.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade P2?
c.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade
genérico?
137
d.Esse grupo de homens ou mulheres que mais usa essa forma pertence, em sua
maioria, a qual faixa etária?
e.Esse grupo de homens ou mulheres que mais usa essa forma possui qual grau de
escolaridade?
f.Há um tipo de texto que possibilita mais o uso de uma referencialidade em
detrimento de outro uso?
g.A fala de prestígio, ao ser associada às mulheres, estaria, de alguma forma,
favorecendo ou não a uma determinada referencialidade desse pronome?
3.3 Variáveis linguísticas
A fim de verificar as possíveis variáveis linguísticas que corroboraram para
acentuar a produtividade do item em estudo no discurso, buscamos apresentar
elementos que, substancialmente, contribuíram para o favorecimento de tal
fenômeno.
Esses elementos, ora elencados, estiveram bem representados
quantitativamente nas ocorrências, o que nos permite relacionar a frequência dos
dados linguísticos, a referencialidade do pronome você e a presença das variáveis
linguísticas observadas.
A partir dessa relação, as variáveis linguísticas que apontamos são a variável
linguística associada ao estilo e ao discurso, que se subdivide em variável referência
semântica do sujeito e variável tipo de texto, e variável tipo de interlocução.
3.3.1 Variável linguística associada ao estilo e ao discurso
As variáveis linguísticas são, concomitantemente, ações e reações da
estrutura já existente da língua materna. O falante, na sua condição de sujeito, atua
sobre a língua que, embora sombreada por uma aparente camisa de forças, abre-se
diante das possibilidades de refacção, de atualização, de o melhor dizer44. Dessa
44 Melhor dizer, aqui, no sentido de dizer de forma mais adequada à situação.
138
forma, a língua sujeita-se ao funcionamento discursivo, ao propósito estabelecido e
desejado pelo falante e o falante, como que em um jogo, apropria-se do sistema
linguístico e nele inscreve as suas marcas de identidade.
Borges (2004), ao estudar o item a gente, estabelece a variável linguística
associada ao estilo e ao discurso como uma das possíveis variáveis presentes
nesse pronome. Adotamos essa variável, mas a subdividimos de forma diferenciada,
com vistas a atender ,de forma mais adequada, ao propósito da nossa investigação.
3.3.1.1 Variável referência semântica do sujeito
O uso do você vem, a cada dia, especializando-se em outras funções além da
função de referência ao interlocutor. Ressaltamos que, embora esses outros usos
estejam fixando-se na língua, não excluem o uso original do pronome, herdado do
Vossa Mercê, de referência ao interlocutor, o que estabelece uma linha de
comunicação com o Princípio da Persistência proposto por Hopper, no qual há a
previsão de que traços semânticos da forma-fonte (Vossa Mercê) continuem a atuar
na forma gramaticalizada você.
O uso do você como genérico, conforme está sendo demonstrado na análise,
tem sido uma escolha linguística realizada pelo falante em um grande número de
ocorrências. A frequência de uso da forma você com essa referencialidade faz-nos
refletir sobre essa forma estar especializando-se e ocupando o uso mais
gramaticalizado nesse processo.
Se, por um lado, temos no pronome a gente a tendência à redução da
generalização e a especificação do sujeito; no pronome você, a tendência mostra-se
contrária. Classificado como pronome de tratamento, vem ocupando o espaço do
pronome de segunda pessoa, lugar já reconhecido por alguns autores; ocupando
também o lugar de pronome de primeira pessoa e, sobretudo, o lugar de referência
ao genérico. Dessa forma, temos o a gente singularizando-se em uma pessoa e o
você pluralizando-se e representando um coletivo, funções opostas às funções
desempenhadas anteriormente por esses pronomes.
A partir dessas considerações, propomos para a análise
139
O você como P1, quando faz referência ao próprio falante
O você como P2, quando faz referência ao interlocutor
O você como genérico, quando faz uma referência genérica, indeterminadora.
3.3.1.1.1 Você se metamorfoseando em P1
Existe no repertório da língua portuguesa um pronome específico para ser
utilizado pela pessoa que fala: o eu. O uso desse item é indicado quando o falante
deseja expressar suas atitudes e seus sentimentos . No entanto, o falante, de posse
do conhecimento linguístico que possui, utiliza o pronome você também para essa
finalidade. Classificamos esse uso do você como P1.
Embora reconheçamos que exista uma tênue linha imaginária estabelecida,
em muitos casos, entre uma classificação de você (P1) e você (genérico), os
exemplos em que constatamos o P1 são fortemente justificados a partir de um
contexto de características pessoais que sustentam, naquele excerto de fala, que o
informante está se referindo a ele próprio.
Observemos alguns exemplos.
O primeiro esboça a condição da informante EFS, que possui a característica
de ter sido mãe precocemente e, ao ser indagada, pelo entrevistador sobre a sua
gravidez na adolescência, afirma:
(45)Ser mãe jovem eu acho que num: num é muito bom, não, porque você perde: um poøco da sua juventude. Você: tem que se voltar pra aquela gravidez, tem que se voltaø pra sua casa, pra marido, cuidaø em [fa], aí meu Deus!, fazeø o enxoval, aí vem: tudo isso pela frente, né? Você perde um poøco da sua liberdade.(EFS)
Embora a gravidez na adolescência não seja exclusividade dessa falante, ao
contrário disso, seja um fato comum, a pergunta foi dirigida para ela na entrevista
por ela ter passado por isso. EFS começa a responder com uma expressão que
marca explicitamente a sua forma de pensar “eu acho que”. Depois, ao falar sobre o
período de sua gravidez, enumera ações como estar mais reclusa à casa, ter que se
140
dedicar mais ao marido, arrumar enxoval e, sobretudo, a perda da liberdade, a partir
do pronome você.
Observemos que nem toda gravidez na adolescência implica
necessariamente casamento e, em suas enumerações, EFS cita isso “voltaø pra sua
casa, pra marido” como algo tão óbvio à gravidez como a necessidade de fazer um
enxoval. A referência, então, é ao que ela vivenciou e, assim, podemos afirmar que,
certamente, o você faz referência ao P1.
A falante VDN, ao ser questionada sobre a importância do dinheiro,
argumenta que:
(46)Se você queø participaø de um congresso, você precisa teø dinheiro pra pagaø sua inscrição, pra viajaø; se você queø lê um livro, se você queø iø a um cinema, se você se você se você... é inegável, né? e aí você você realmente vê assim, é é muito explícito que quem tem mais dinheiro, quem pode mais financeiramente (...) (VDN)
Interessante que VDN é estudante de psicologia e, assim, os elementos de
consumo enumerados por ela refletem diretamente essa realidade. A associação do
ter dinheiro para ela é feita a partir da condição que esse lhe possibilita de participar
de congresso, pagar inscrição, adquirir livros “você queø participaø de um
congresso, você precisa teø dinheiro (...) você queø lê um livro”. Desejos próprios
de quem é estudante e interessa-se pela vida acadêmica, como ela demonstrou ao
longo da entrevista.
O entrevistador, ciente de que a informante LTO é adepta ao espiritismo,
pergunta a mesma como isso teve início em sua vida. Inicialmente, ela remonta ao
tempo e, em seguida, fala sucintamente do que sentia naquela época: a presença
dos “espírito obicessores que tão ali com você.” Como a crença na existência de um
espírito obsessor é algo mais restrito a um grupo da sociedade e a certeza de que
isso esteja acontecendo com uma pessoa em específico é ainda mais peculiar, o
uso do você, na fala de LTO, sinaliza que a informante está referindo-se a um fato
vivenciado por ela, algo que confirma depois ao afirmar “eu comecei sentir esse
negócio dentøo de casa.”, substituindo o pronome você pelo pronome eu.
(47)Foi há muito tempo, muita gente queria que eu fosse, poøque esse caso que eu tenho já faz, já fazem uns quatro anos que eu sinto + esse esse negócio que eu sentia. + Eu sei lá, parece manifestada, é uma palavra tão tão chata mays, + que num é manifestada; é eles usa obicedada, são os
141
espírito obicessores que tão ali com você. + E: isso faz uns quatro anos que começou eu comecei sentir esse negócio dentøo de casa.(LTO)
MJC, em sua entrevista, deixa bem marcada o seu estilo em usar o você
fazendo referência ao P1. Diversas vezes, ao longo da sua interlocução, expressa
peculiaridades suas como a rotina de limpar a casa “Você limpa a casa hoje”;o fato
de ter um neto de 2 anos que considera como filho “você fica preocupada” e apego
emocional que estabeleceu com a família com a qual trabalha na casa “você passa
a semana, todos os dias”.
(48)Você limpa a casa hoje, ontem passei o pano ontem, passei hoje, amanhã... você- você seu filho sai daqui ali, você fica preocupada; por pequeno que ele seja, porque eu tenho esse de dois anos, esse neto de dois anos, quando eu penso qu’ele tá aqui, ele tá lá distante, <o pe-> os meninos saia carregando (...)Sente falta, sente falta, é como fosse uma família, porque você passa a semana, todos os dias, <na-> trabalhando, convivendo com aquele pessoal; é uma ôutra família, é uma familia que a gente constrói lá fora. (...)(MJC)
Também NPL, ao opinar sobre casamento e família, começa usando ,para a
primeira pessoa, o eu e continua usando o você com valor de P1
(49)Bom, eu, simplesmente só apareceu <proble-> me casei, começou aparecer familia; não ligava muito pra o o estudo, lavarei a minha vida mais em brincadeira, em trabalho. Desda idade de dez, onze anos que eu trabalho pra ajudar meus pais; tempo que é bom nunh tinha praticamente naquela épuca pra estudar. Até chegô o ponto de me casar e ficô puraí; cumeço aparicer familha; trabalhano a noite, trabalhano o dia pra subriviver, purque naquela épuca se ganhava muito pouco por mais que você ganhasse, não tinha condições de manter o lar da su- seu lar de jeito ninhum; e familha e mais familha vem apariceno; (inint) você fica sem ter a como fazer aquilo que realmente vai lhe prejudicar no futuro(...) (NPL)
Ainda ao falar sobre o trabalho, alterna para referir-se a ele mesmo o eu e o
você. (50)Quer dizer, (hes) s’eu fossi usar um carru <da-> particular, eu num tinha
condições, a repartição num dá. (est) Você (“fayh”)- trabalhar vinti i trêys anus na repartição, entrar im setenta, sofrer qui neym u diabu sofreu na cruy, para hoji ganhar cinquenta e seti mil. Pensi direitjinhu. É mehmu quandu você hoji entrar <nu-> ganha u saláriu mínimu, cê <gan-> entrô- entrô muitu beym, cê entrô muitu beym; ora s’eu entrei hoji, tô ganhanu u saláru mínimu iguá a quem tá cum trinta i seti (hes), cum quasi <trin-> trinta i cincu anu ali, omi, falta só (gaguejo) um meys pra si apusentar, tá intendenu agora? (est) Você num sofreu nada.(NPL)
A quem o pronome você, de fato, faz referência se não aos próprios
informantes, tendo em vista que a realidade exposta e os fatos e ações
mencionados em suas respectivas falas são seus, pertencem ao seu universo ?
142
Para ratificar, trazemos um outro exemplo no qual, explicitamente, há a substituição
do pronome você pelo pronome eu, mostrando ainda mais a exclusividade de
pessoa sugerida pelo você.
A falante JPS, ao ser perguntada sobre a campanha da fome, diz que:
(51)Olhe, a campanha da fome foi a coisa mais importante que tem acontecido no mundo. Se todos os mundo se todo mundo se interessasse pela campanha da fome, num ixistia fome no mundo. + Muita gente passa fome onde você <ve-> eu vejo assim ótimo exemplo tanta gente cum tanta coisa na mesa, tanta gente cum pratos deliciosos na mesa (MJC).
Questionada sobre a violência, MJC exemplifica que:
(52)violência gera violência, é você ó porque - ó, já aconteceu comigo, não- uma vez eu vinha do mercado central tinha feito a fêira aí vinha do mercado central. *Eu subi no ônibus, coloquei as duas sacolas no ônibus e fui subir quando eu coloquei a- a sacola no primêiro degrau do ônibus, coloquei a ôutra mais em cima, fui pe- de cá- assim de lado mesmo eu peguei a ôutra sacola pra colocar, eu senti aquilo puxando a minha mão, sabe? (JPS).
Ou ainda,
(53)Mas eu quero dizer que o ambiente, o meio, a história de vida pode levar uma pessoa (...) por exemplo: Se você agora, eu gostaria de ser mai, mais naquela época, eu num: num [gost]. Agora eu {inint} porque agora? (AAM).
No exemplo (53), AAM, argumentando sobre o desejo de ser mãe, usa
inicialmente o pronome você “ Se você agora”, assim como JPS e MJC e,
cuidadosamente, com receio de que esse pronome não seja homologado como P1,
que parece ser a intenção dessas falantes nesse momento, substitui o mesmo pelo
o pronome “legitimamente” reconhecido como de primeira pessoa “eu gostaria de
ser mai”
3.3.1.1.2 Você legitimando o P2
143
A função mais reconhecida do pronome você nos meios oficiais e conversas
formais e informais, ainda que posta, muitas vezes, nos compêndios, apenas
ocupando as notas de rodapé ou como meras observações, é a função de referência
ao interlocutor. O você é homologado como um pronome que substitui o pronome tu
em algumas regiões e que convive com esse pronome em outras tantas regiões do
país.
No corpus analisado, o pronome você aparece nas ocorrências com o valor
P2, a rigor, utilizado pelo informante para dirigir-se ao interlocutor ou ao historiar
fatos acontecidos.
Os falantes, em geral, marcam no seu discurso as três referências do
pronome você propostas. Evidentemente, há, em cada entrevista, usos de
referências do você que se sobressaem mais em detrimento de outros usos. No
entanto, ao analisar o você como P2, despertaram a nossa atenção os falantes que,
na entrevista, fizeram uso exclusivo do pronome você na segunda pessoa.
Isso aconteceu com 07 informantes: MHS, que utilizou 38 vezes o pronome
você; JRM, que usou 29 vezes; GPS, que usou 12 vezes; JS, que usou 7 vezes;
JAS, que usou 04 vezes; SVS e JM, que usaram 02 vezes. Em todas essas
ocorrências, a referência exclusiva do você foi a de segunda pessoa. Em linhas
gerais, podemos afirmar que, para esse grupo, o você possui unicamente essa
referência ou que essa é a referência mais utilizada e mais necessária para esses
falantes.
A referência à segunda pessoa em nossa pesquisa ocorreu de duas formas.
a. Com o informante dirigindo-se ao entrevistador, que ocupava a função de
interlocutor, conforme os exemplos (44-49):
(54)Ah {inint} você me pegou (EFS).
(55)Por exemplo, um exemplo muito aqui que você vai ver se num era da dessa forma (JS).
(56)Você quéø sabêø sobre cinema em geral ôø vídeo também <tá> pode tá incluído? (MV).
(57)Mays, de repente eunum sei onde eu encontrei forças e tô aqui conversan0o com você. Não foi a minha hora não (SCP).
144
(58)Que eu mais gosto? Você acredita que eu num tenho?(IMS).
(59)A novela que ela ela feyz, qu’eu gostei muito, foi essa novela qu’eu digo a
você: é Antonio e Maria o nome da novela (JPS).
b. Com o informante fazendo referência à fala de outros interlocutores ou a dele
mesmo, conforme exemplos (60-62):
(60)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0. ” Você se afaste desse + dessas menina0, porque se você não se afastar, nesses dias a gente se deixa (JAS).
(61)Aí eu peguei fui limpa0, e depois eu fui chora0 lá no banhêro, cum raiva, aí mãinha disse: “pra que você tá choran0o”? (MLT).
(62)Quando a gente chegou lá aí mãe disse. “É: já que num tem jeito mais mesmo, eu vou deixar você casar” (RAM).
Interessante registrar ainda que, por vezes, nessas falas, nas quais o você se
refere à 2ª. pessoa, o falante faz uso indiscriminado também de outras formas como
cê e tu, nos mesmos enunciados, também para reportar-se ao interlocutor.
(63)Eu disse: “Nove meses, nove dias.” Ele disse, aí mandou sentar lá fez o toque tudinho, aí depois, ele disse: “Cê tá, dar pra você vim de tarde?” (RAM).
(64)“*Se você quiser, Caidi, [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar.” *Eu mesma eu tinha feito isso, sabe? Eu tinha feito isso, mas Mineiro é muito acertadinho, num sabe? (IFS).
(65) “por que tu não investe teu dinhêro numa mercadoria ? Tu num já trabalhasse cum bijoteria quando era criança, por que você num investe?” (MLT).
(66)ficou o homem sem teø campo nenhum, que a máquina, tu vai vê, se a gente for vivo daqui uns anoø, chegaø num comprebem desse você compra, e você sozinha lá e a máquina registra e nem, você vê pela Americana, aquelas meninaø ali as bichinhaø fica ali, uma pessoa pra empacotar, e: pra registrar (RTO).
O valor P2 é uma referência de fácil constatação. Se, por um lado, admitimos
as nuances que cercam os valores P1 e genérico, provocando dúvidas que precisam
ser sanadas no contexto e nas pistas que a entrevista nos oferece; por outro lado,
afirmamos a convicção que nos permite classificar uma referência do você como P2.
Conforme exposto acima, os exemplos circundam diálogos ou entre o entrevistado e
o entrevistador, ou diálogos contados pelos entrevistados. No entanto, em algumas
ocorrências, o valor do P2, a nosso ver, transita da referência realizada para um
145
interlocutor para uma referência genérica. Nesse momento, o P2 deixa de lado a
suposta unidirecionalidade da referência.
Um convite a observação de alguns exemplos:
(67)Minha irmã foi morar na Bahia, aí deu a casa pra elas, aí, você sabe, se acomoda, né? Agora Aí meu Deu do céu! + fico você tá vendo aí já a seca, a caristia que nós estamos é a seca é porque num tem nada, plantaram e num deu nada + e e vai ser mais (RTO).
(68)Ah, naquele tempo era, pra você vê, brincava de roda, brincava de adivinhações, brincava de de anel, aquela estorinha do anel, né? Botava o o anel na mão pra o outro colega saber. Onde é que está o anel? E tal. [na] Naquela época era assim (CP).
(69)Por sinal, era era uma inocência tão grande que a gente num ligava pra isso e hoje você vê as meninas adolescentes têm toda a liberdade de falar de sexo e e, num é? Fala de sexo até com rapazes mesmo, fala de sexo. E eu acho que isso é muito bom, hoje, num é? (...)O rádio: deixa as pessoas bem informadas, né? É um veículo muito importante de comunicação, o rádio. E que você queø veø a importância é se você for numa cidadezinha do interior, lá dos confins, do Cariri, do Sertão, aí você vê aquele pessoal que mora em sítio, assistir as missas pelo rádio (CP).
(70)Você sabe que é meio genérico: porque: tem: as mães, quer dizer, hoje, quando a criança nasce, a partir do primeiro dia, ela tem aquele amoø (EFS).
Os exemplos nos quais os pronomes você adjungem-se aos verbos saber e
ver dão-nos a impressão de que supostamente os falantes podem estar se referindo
ao entrevistador em específico, como também podem estar generalizando as ações.
Essas expressões, então, estariam substituindo formas indeterminantes, como:
sabe-se, vê-se. Se o uso fosse realizado através do cê, essa proximidade semântica
de indeterminação e sintática de clítico estaria ainda mais acentuada.
(71)Pode ir uma favela dessa não, pode ir uma favela dessa, cê vê, cê passa a rua assim, pelo buraco da parede cê vê um tv (LGP).
(72)Tá acabando cum esporte [brasi] o esporte no Brasil são os calendários. pode ir uma favela dessa não, pode ir uma favela dessa, cê vê, cê passa a rua assim, pelo buraco da parede cê vê um tv,, esse times têm jogo em cima de jogo, um time disputando três (...) (LGP).
3.3.1.1.3 Você se pluralizando
146
Há, na língua portuguesa, inúmeras formas de indeterminar. Substantivos,
como pessoa, multidão, povo, têm sido amplamente utilizados para tais fins, mas
também esse propósito tem sido alcançado através do uso de pronomes como nós,
a gente, alguém e você. A esse uso do você classificamos como genérico.
Em nossa análise, essa referência do você é a que tem mais se
especializado. Segundo Hopper (1991), uma forma vai se especializando à medida
que vem se configurando como a forma que vai sendo mais escolhida pelos falantes
dentro do leque de opções que a língua oferece. Os exemplos ( 73-75) ilustram bem
a generalização ativada com o uso do pronome você, tendo em vista que essa forma
pronominal divide o enunciado com formas como o a gente e o alguém.
(73)A gente pode ajudaø: contribuinøo com alguma coisa, um quilo de feijão, arroiz, tudo aquilo que a gente deø é útil, tudo ajuda, uma roupa que você num num tiveø mais: usanøo, você dá, doa. O que você pudeø fazer: é bem aceito, né?(...)O rádio é uma coisa muito importante, porque de repente você: tem gente que num tem um tevê pra sabeø duma noticia, mas de repente, tem aquele radinho de pilha, já serve (AHS).
(74)Você alguém poderia até dize0, “Simone, você tá vendendo o seu voto”, e eu digo, “quando eles chegam lá em cima eles nos vendem: a qualque0 preço. Eu pediria e na maio0 cara de pau (SMPS).
(75)+ Vai ser muito difícil porque: é muitas + e não só é aqui que a gente vê esse essa essa violência, porque que você assistinøo televisão (SMPS).
Exemplos tradicionais de generalização também ocorrem em casos, como o
seguinte, nos quais, utiliza-se o você para determinar uma pessoa, que, nesse caso,
simboliza um coletivo, a praticar ações. Geralmente, essas ações expressam
elementos consensuais, como uma execução de uma receita, a crença em Deus.
(76)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de- leite, bota inci-> dentro, bota milho, bota muitas coisaø. Então, fica um prato muito gostoso. Eu sei fazer isso (JPS).
(77)I* Deus é a pessoa mais importante na vida da gente. (risos). É uma pessoa maravilhosa que: se: tudo o que você fizeø, primeiramente, tem que pensaø em Deus, porque se: se você num pensaø em Deus, ói, nada dá certo. Tudo:, ói, o que você pretendeø fazeø na sua vida, pode butaø, ói, [le] levaø o pensamento a ele na certeza você conseguirá (JPS).
147
Outras vezes, fatos na vida que também são, de alguma forma, tidos como
universais, como lutas com uma doença, lutas na vida,
(78)*Pra você lutar com doença, você lutar com casa você lutar com trabalho e com criança; nem que você quêira, nem que você tenha- mesmo que você tenha tempo de estudar, mai você não vai conseguir:: como você quer, o estudo como você quer, purque, você já pensôu ter que fazer <uma pro-> uma prova daqui a dois ou três dias aí tem uma matéria, duas pra estudar onde é que’eu vou pegar tempo (MJC).
(79)Eu acho que é certo, cada um tem a sua religião, como você tem a sua, eu tenho a minha, eu acho isso certo. A católica também, minha mãe já foi católica, mays acho que o mais certo que eu acho é a assembléia, é a religião de crente, né? apesa0 que muita gente num gosta de quem usa saia cumprida, não vai á praia, num vai à festa, num vai a canto nenhum. Mays + a católica é não) a católica já é diferente, você usa short, você usa tudo; a assembléia não, é um pouco rígida (TCS).
(80)No ônibuø você vem todo mundo quer lhe mataø pisado (TCS).
Um outro exemplo interessante foi trazido por JN, ao argumentar sobre as
vantagens e desvantagens da televisão, ele afirma “ Então, existeø esses marginais
que eles já começa até olháø é como assim a rôøbáø, forma de você atacáø o ser
humano”. Certamente, ao falar que a televisão ensina você a atacar o ser humano
para que seja facilitado o assalto, JN não se refere nem a si próprio, nem ao seu
interlocutor.
Esse uso do você foi amplamente realizado em nosso corpus e superou o uso
das demais formas, como pode ser observado na figura 1. Nas quais, em média, o
valor P1 teve 20%, o P2 teve 38% e o genérico 42% das realizações do você.
148
Número de ocorrências
38%
20%
42%
P1 P2 genérico
Figura 1 - Número de ocorrências do pronome você.
3.3.2 Variável tipo textual
Tipos textuais constituem, segundo Marcuschi (2006), uma espécie de
sequência de enunciados que ocupam o interior de um gênero, teoricamente
definida pela natureza linguística de sua composição, através de um conjunto de
aspectos lexicais e sintáticos, tempos verbais e relações lógicas predominantes em
sua estrutura.
São cinco as designações teóricas das bases temáticas típicas que originam
os tipos textuais.
BASES TEMÁTICAS TRAÇOS LINGUÍSTICOS1. Descritiva Esse tipo de enunciado textual tem
uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar.
2. Narrativa Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no passado, um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação.
3. Expositiva (...) temos uma base textual denominada de exposição sintética pelo processo de composição. Aparece um sujeito, um predicado (no presente) e um complemento com um grupo
149
nominal. Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos. (...) temos uma base textual denominada de exposição analítica pelo processo de decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como: “contém”, “consiste”, “compreende”) e um complemento que estabelece com o sujeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de ligação de fenômenos.
4. Argumentativa Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é um adjetivo). Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidade.
5. Injuntiva Vem representado por um verbo no imperativo. Estes são os enunciados incitadores à ação. Estes textos podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir por exemplo a configuração mais longa onde o imperativo é substituído por um “deve”. Por exemplo, “Todos os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino devem comparecer ao exército para alistarem-se.”
Quadro 5 - Tipos Textuais segundo Werlich (1973)45
Van Dick (2000), ao discutir texto, avalia que os esquemas são usados para
descrever a forma global de um discurso, possuem natureza fixa e convencional
para cada tipo de texto. As superestruturas textuais ressignificam esses esquemas
e, assim, cabe a elas organização a macroestrutura temática.
Dessa forma, temos três superestruturas que dão suporte às categorias
esquemáticas: a descritiva, na qual há o tema, os subtemas e as expressões que
caracterizam tais elementos; a narrativa, na qual há um esquema de resumo,
orientação, complicação, solução, avaliação e coda (LABOV, 1967) e argumentação,
na qual há tese, argumentos e nova tese.
O corpus do nosso trabalho, como descrito anteriormente, é composto pelo
gênero entrevista. Observamos, nesse gênero, qual tipologia textual está presente e
45 Fonte : Marcuschi (2006,p.18)
150
de que forma esses tipos textuais favorecem a uma determinada referencialidade do
pronome você.
Constatamos, nas 2004 ocorrências do pronome você, que houve registro de
1551 ocorrências argumentativas e 453 ocorrências narrativas. Dessas ocorrências,
o gênero/sexo masculino realizou 861/1060 ocorrências argumentativas e 199/1060
narrativas e o sexo/gênero feminino , 690/944 ocorrências argumentativas e
254/944 narrativas . Ressaltamos que, em nenhum enunciado, houve o texto
descritivo.
Dessas ocorrências, estratificadas, inicialmente, em idade e, em seguida,
realizando o cruzamento da variável faixa etária com a variável sexo/gênero, temos:
No primeiro grupo, 15 a 25 anos, foram realizadas 505 ocorrências
argumentativas e 126 ocorrências narrativas. Sendo, no perfil feminino,
registradas 170/256 ocorrências argumentativas e 86/256 ocorrências
narrativas; e, no perfil masculino, 335/375 argumentativas e 40/375
narrativas;
No segundo grupo, 26 a 50 anos, foram realizadas 500 ocorrências
argumentativas e 172 ocorrências narrativas. Sendo que as mulheres
realizaram 259/349 ocorrências argumentativas e 90/349 ocorrências
narrativas; e os homens, 241/323 argumentativas e 82/323 narrativas;
No terceiro grupo, mais de 50 anos, foram realizadas 546 ocorrências
argumentativas e 155 ocorrências narrativas.Sendo 261/339 ocorrências
argumentativas e 78/339 ocorrências narrativas no sexo/gênero feminino e,
no sexo/gênero masculino 285/362 ocorrências argumentativas e 77/362
narrativas.
Vejamos a figura 2.
151
Figura 2 – Tipologia textual e o uso do você segundo a faixa etária.
Conforme dados expostos, a utilização do você em textos argumentativos,
nos dois sexos e nas três faixas etárias, é superior à utilização do você em textos
narrativos. A diferença entre o feminino e o masculino limita-se, em linhas gerais, na
primeira faixa etária, pois, na idade de 15 a 25 anos, as mulheres produzem menos
e os homens produzem mais textos argumentativos, usando o você.
Em contraposição, os resultados são inversos nos textos narrativos. As
mulheres usam uma quantidade maior em relação aos homens. O que sinaliza que
os homens estão mais voltados à argumentação do que as mulheres na 1ª. faixa
etária. Estas , por sua vez, estão mais inclinadas aos textos narrativos nessa
camada.
Nas demais faixas etárias, ainda que em proporções distintas, há uma
semelhança no uso do você por parte dos homens e das mulheres.
Estratificados em grau de escolarização, verificamos o você nos textos
argumentativos e narrativos e depois, correlacionamos a essa variável o
sexo/gênero. Observamos que o sexo/gênero feminino, excetuando a camada sem
nenhum ano de escolarização, tende a usar o você em textos argumentativos em um
número maior de vezes e o sexo/gênero masculino, por sua vez, começa a fazer uso
do você em termos argumentativos a partir do ensino fundamental I.
Assim temos:
Masc.
0
50
100
150
200
250
300
350
FFem. Masc. Fem. Masc.
argumentativo narrativo
15 a 25 anos 26 a 49 anos mais de 50 anos
152
Nenhum grau de escolarização, houve 66 ocorrências argumentativas e 138
ocorrências narrativas. Sendo 30/131 ocorrências femininas e 36/73
ocorrências masculinas argumentativas e 101/131 e 37/73 ocorrências
narrativas femininas e masculinas, respectivamente;
1 a 4 anos de escolarização, houve o registro total de 358 ocorrências
argumentativas e 49 ocorrências narrativas. Dessas, 170/200 femininas e
188/207 masculinas para o tipo textual argumentativo e de 30/200 enunciados
femininos e 19/207 masculinos em textos narrativos;
5 a 8 anos de escolarização, foram 231 ocorrências argumentativas e 293
narrativas. Sendo 92/167 ocorrências femininas e 139/267 ocorrências
masculinas argumentativas e 75/167 e 128/267 ocorrências narrativas
femininas e masculinas;
9 a 11 anos de escolarização, os falantes dessa camada totalizaram 347
ocorrências argumentativas e apenas 22 ocorrências narrativas. Em 129/147
realizações femininas e em 218/222 masculinas encontramos ocorrências
argumentativas e em apenas 18/147 femininas e 4/222 masculinas
localizamos ocorrências narrativas;
Mais de 11 anos de escolarização, tivemos 549 ocorrências argumentativas,
distribuídas em 269/299 ocorrências femininas e em 280/291 ocorrências
masculinas, e 41 ocorrências narrativas, distribuídas em 30/299 femininas e
11/291 masculinas .
A realização de narrativas femininas por falantes sem nenhuma
escolarização, usando o pronome você, é bastante elevado e destaca-se frente
aos usos argumentativos masculinos e narrativos femininos e masculinos.
Entretanto, nos graus de 1 a 4 e 5 a 8 anos de escolarização, a realização
narrativa feminina destaca-se por ser a forma menos produtiva. A partir de 9 anos
de escolarização , evidenciamos uma tendência ao uso do pronome você para
fins argumentativos em ambos os sexos, conforme ilustra a figura 3.
É nosso interesse afirmar que , nas variáveis sexo/gênero, grau de
escolaridade e faixa etária, o uso do você como elemento que subsidia o texto
argumentativo foi bastante produtivo.
153
0
50
100
150
200
250
300
nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos
argumentativo Fargumentativo Mnarrativo Fnarrativo M
Figura 3 - Tipologia textual e o uso do você segundo a escolarização
É válido acrescentar que, em alguns textos narrativos, há fragmentos de
textos injuntivos, quando os enunciados, diálogos diretos inseridos, provocam
atitude, como em:
(81)eu tô danøo a ele o que ele nunca, o que eu, a chance que eu nunca tive, eu as veyz ele “Mainha, num quero ir pro colégio. ” Digo: “Não, você tem que ir meu filho, olhe, você: veja sua mãe e seu pai se num se tivesse estudado, agora não vivia que nem: a gente veve.” (SMPS).
(82)Primeiro, eu dava uma casinha a cada um pra morar, depois procurava empregar todos eles, mays (hes.) eu daria uma casa assim: “Dava uma casa, papel passado”. Se você vendeø essa daí, você vai preso. Tinha que pressionar, porque a maioria faz assim, ganha uma casinha, aí o que faz? (TCS).
3.3.3 Tipo de interlocução
A depender dos anseios do falante na interação, tendo como foco, sobretudo,
o possível interlocutor e a sua forma de redizer o acontecido, o falante marca mais o
seu discurso com uma forma ou com outra de referencialidade do você.
Observando isso, optamos por analisar a variável tipo de interlocução que
corrobora para o condicionamento desse uso e a subdividimos em:
1. Discurso para o entrevistador – é o discurso no qual o entrevistado dirige
diretamente ao entrevistador, almejando sanar dúvidas, esclarecer algo que não
154
foi compreendido na pergunta, ou, apenas, interagir com ele resgatando algumas
informações.
(83)Tinha um cara, eu já lhe falei já; num sei se você se lembra, que me pediu em casamento. Eu num falei? (MLS).
(84)Num vê aquele respeito de tio pra sobrinho, de sobrinho pra tio. Num tem. E as criança é::, criança mesmo, né? Laura, que você conhece (ASF).
(85)I* Eu adoro cinema. Você quéø sabêø sobre cinema em geral ôø vídeo também <tá> pode tá incluído?(...) Então são filmes que têm uma cultura, mostra o sofrimento. Esse filme, (inint) não seø se você assistiu (MV).
(86)tô aqui conversan0o com você (SCP).
(87)Em que sentido você diz? (JPNA).
(88)Como, você diz como, sobre o que? (GPS).
Ou ainda, desejando que o entrevistador compartilhe algumas informações e
que adira ao que o informante diz: (89)Por exemplo, um exemplo muito aqui que você vai ver se num era da dessa
forma (JS).
(90)I* (risos I*) É, você sai cunh cada uma, né? (falando rindo). Mays como assim? Sonhu, im palestra cunh os colegas? (NPL).
O enunciado seguinte desperta interesse por serem a entrevistadora e a
entrevistada do mesmo sexo, ao ser questionada sobre os jogadores, a informante,
dividindo uma suposta intimidade relacionada ao sexo/gênero comum, diz:
(91)Sobre os jogadores da seleção (hes) como homens que você feyz essa pergunta, são tão são todos bonitos, não pela pela sua [bun-] mays ele se tornaram tão famosos pelo pelo que pela sua técnica, pelo seu conhecimento, pela sua garra, que eles são tão [bon-] são bonitos não pela pela pelas coxaø, pela bunda, sabe? (PAM).
Ou ainda como resultado de uma cumplicidade muito maior, como em:
(92)I* Infância? Eu comecei logo quan0o eu, parece que eu tinha uns + sete ano0. Eu comecei logo lavan0 carro, é: vô0 dize0 logo p0á você aqui, que isso vai fica0 só prá gente me0mo + rô0bei um pô0quinho, ali no Centro Administrativo, ali sabe? E agora tô nisso. Comecei a trabalhá0 (SVS).
No próximo segmento de fala, a entrevistada , como em um jogo de
idéias,devolve a pergunta ao entrevistador, ao ser questionada sobre o seu sotaque. (93)Num sei nem dizer. *Você nota alguma coisa? (PAM).
155
2. Discurso relatado – é o discurso para o entrevistador, ao discorrer sobre fatos,
relata ao entrevistador, além de ações, as falas das pessoas envolvidas.
O discurso relatado, por sua vez, pode ser dividido em:
a. discurso relatado de primeira pessoa, quando as ações e falas mencionadas são
mais peculiares ao entrevistado, como se esse assumisse a postura de um
narrador personagem e estivesse envolvido na história, apresentando a sua fala
ou apresentando a fala dos outros para ele em um dado momento.
(94)Digo: “E esse pessoa que você fala, falano de tal, assim e assim.” (ERG).
(95)Eu disse “Olhe o seguinte é esse, se você tem sua mulhéø, eu nunca se meti na sua vida, no dia que você bateu na cara dela na frente de todo mundo, certo? de seus amigoø, quando você tava bebo, eu nunca se meti na sua vida não, então por favôø num se meta na minha não.” (GSN).
(96)I* Ah, nesse quando a gente se separou ela avisou. Ela disse: “Eu num naquela época eu num avisei você que num ia dar certo o casamento. Eu num lhe avisei que isso ia acontecer? Que essa mulher depoiø, sempre ela ia ela num da num era mulher pra você. Porque você num num escutou.” (JS).
(97)eu sou honesto, sou, tem que ser decente mesmo; o resultado, ela dizia: “Qualquer falta de você, pode botar um bilhete no bolso dele, ou dá um recado que ele me dar.”(RRB).
b. discurso relatado de terceira pessoa, quando as ações e falas de outra
pessoa são mencionadas pelo entrevistado, como se estivesse assumindo a postura
de um narrador observador.
(98)ele lá deu aula à professora: “Mas rapaz [lá você] e ensinaram tudo isso lá?”. “Tudo isso! Sei de tudo isso”. Quando o professor vinha com aquela matéria no quadro: “Professor! isso aí num é assim não!”. “Mas como é não é o quê? Você nunca estudou isso!” Eu digo: “Eu já sei disso tudim!”. “Mas num é possível! Venha, demonstre!”. E ele fazia! + Era assim. Hoje é engenheiro no Rio de Janeiro +(ERG).
(99)“Olha, Célia”. Ela dizia a mulhéø de meu irmão “Olha, Célia. Dona Terezinha pela frente de tu é uma pessoa e por trás é ôøtra. Fala mal de você, certo? Diz que você num presta, diz tanta da coisa <qui você> só você imaginanøo, e eu provo isso.” (GSN).
c. discurso composto por falas hipotéticas, quando o informante cria supostas falas
para compor a sua argumentação.
156
(100)Mays mays a pessoa com estudo sempre é melhor. Já pensou a gente, a gente chega num cartório, aí diz assim: “-Você assina?” A gente responde: “-Não, num assino não”. E só dizer o não, isso já é uma palavra muito triste, né? Então é é muito triste pra quem num tem seu estudo (JS).
Em nossa análise, o você teve um maior uso feminino como discurso relatado de
1ª. pessoa para o narrador. São textos narrativos nos quais o entrevistado narra os fatos e
relata as falas que foram direcionadas a ele de forma direta. No sexo/gênero masculino, o uso
mais evidenciado foi o dirigido para o entrevistador, refletindo a estratégia argumentativa
utilizada de envolver o interlocutor a fim de que compartilhe as suas histórias e opiniões. Os
resultados podem ser conferidos na quadro 6.
Tipo de interlocuçãoOcorrências
feminina % masculina %Discurso relatado de 1ª. pessoa pelo narrador 76 22 75 23, 8
Discurso relatado de 1ª. pessoa para o narrador 155 45 99 31, 4
Discurso relatado de 3ª. pessoa por outras pessoas 24 7 11 3, 5
Discurso para entrevistador 86 25 115 36, 5Discurso composto por falas hipotéticas 4 1 15 4, 8
Quadro 6 - Tipo de interlocução segundo sexo/gênero
Constatamos que a relação tipo de texto e referencialidade do você, a rigor
funciona assim:
1. quando se trata de uma narrativa de fatos, buscando contar fatos pessoais,
cotidianos da vida, geralmente o uso do você P2 é supremo. Nesses excertos de
fala, o narrador insere a fala dele para outra pessoa, ou de outra pessoa para ele.
Por vezes, também, traz falas de outros, em eventos nos quais ele esteve
presente como observador, para contar ações;
2. quando se trata de um texto argumentativo, buscando defender o seu ponto de
vista sobre determinado tema, o entrevistado usa o P2, para referir-se ao repórter,
sobretudo com os verbos ver e saber, objetivando a sua adesão, ou usa o P2,
para colocar falas hipotéticas que venham corroborar com a sua proposta.
3. quando se trata de textos argumentativos, o uso categórico do você é realizado
com a referência do genérico e do P1. Alternativas encontradas pelo falante
157
como estratégias para defesa de uma tese proposta.
3.3.4 Enunciados interessantes surgiram também por esse caminho
Alguns informantes forneceram enunciados que evidenciaram interessantes
elementos para a análise. A informante MHS, por exemplo, realizou 38 ocorrências
do você, todas com valor de P2 e estas são geradas a partir de textos narrativos,
nos quais:
ora a interlocutora usa o você como componente da sua própria fala:
(101)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0.”Eu digo: - “Eu tô dizen0o a você que é verdade.” (MHS).
ora a interlocutora usa o você como componente da fala de outra pessoa para
ela: (102) Mas aí hoje em dia ela briga comigo por causa dele. - “Que você é safada que tá com ele, num sei o que. Ele: -“ Arrume mesmo. Agora se você arruma0 você nem vem nem praqui pra dentro.”(MHS).
ora a interlocutora usa o você como componente de conversas entre outras
pessoas:
(103)Pronto que nem hoje, hoje é o dia das mãe0, hoje ele chorou po0que num deu um presente a minha mãe. Minha mãe foi e disse: “Você todo ano da0, esse ano como você num pode: deixe pra lá meu filho, eu num vou faze0 (MHS).
A informante JPS realizou, também em sua entrevista, curiosas construções
com o você. Sobretudo, usando–o de forma recorrente para dirigir-se ao
entrevistador, como em:
(104)Você vê + que a maioria dos crimeø (...)você viu, a chacina daquelas criançaø pobreø (...)Eu num sei se você se lembra (...)você sabe quem é. (...) qu’eu digo a você (...)Ela num sabe chamar você (JPS).
Além disso, ela traz, em sua entrevista, um outro gênero textual, a receita
culinária, e usa o você como indeterminador para indicar as ações que devem ser
realizadas.
158
(105)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de- leite, bota <inci-> dentro, bota milho, bota muitas coisaø. Então, fica um prato muito gostoso. Eu sei fazer isso.
Há uma alternância entre o preenchimento do sujeito como em orações “você pega a carne (...) você pega (hes) creme-de leite” e a presença do sujeito nulo como
em “corta ela (...) bota todos temperos que for necessário (...).” Tal qual acontece
com LS, ao ensinar uma outra receita:
(106)Você pega a carne + você pega a carne, aí pega o bife, né? aí lava, pega a verdura + tomate, cebola, pimentão e coentro, né? bota no liquidificador; bota alho, cominho, + vinagre, e colorau, e sal; passa tudinho no liquidificador, depois despeja em cima da do bife, passa de um lado pa o outro, bota no fogo, quando ferver bastante, aí você tira, aí bota pa fritar, bota numa bandeja. Menina, é (falando rindo) delicioso. (...)Numa bandeja. + Tem <pe-> tem + Você pode botar, também, queijo ralado, ne? por cima uma rodelinha de tomate, de cebola pra enfeitar. Fica delicioso. (LS)
Em IMS, percebemos claramente a simetria linguística entre empregador e
empregado a partir do pronome você que é usada tanto por uma, quanto por outro
em seus diálogos46, embora socialmente haja uma assimetria.
(107)Empregadora: “Ô Isaura, por que você não veio ontem? ”Empregada: “Ô Francisca, eu num vim onte0 porque você me pagou, aí eu só tenho o dia de domingo de folga e no dia de domingo, lá em baixo, o comércio é fechado. Aí eu fui comprar umas coisaO pra mim, tava precisando, aí fui comprar. ”Empregadora “Mas você não sabe que você não pode passar assim um dia sem vir?” Empregada: “Por quê? Se eu num trabalho de carteira assinada, mesmo se eu trabalhasse de carteira assinada, eu ainda podia passar um dia, eu ainda perdia um dia, quanto mais que eu trabalho clandestina! Você não me paga nem direito, você não me paga!” (IMS)
Em contraposição, na fala de HMG, há a simetria linguística como resultado
de uma simetria social.
(108)Ah! só assim: “Como vai? Tudo bem? Tudo em ordeø”?. Disse: “Tá”. Ele disse: “A mais tarde posso falar com você?”, eu disse: “Você num tá falando comigo?” (HMG)
46 A fala de IMS foi convertida em diálogo para melhor esboçar o nosso propósito.
159
A informante VEF usa muito do genérico. Ao discutir sobre temas que variam
de regras de jogo ou dinheiro, entre outros, utiliza-se do você como forma de
indeterminar. Conforme exemplos seguintes.
(109)Regra do jogo: você não pode pisar na área, você pra bater lateral, tem
que pisar naquela linha da lateral, né?. Você pode passar três segundos com a bola na mão, não pode andar com a bola e:: faz muito tempo que eu parei de jogar também, mudou algumas coisa. Se você, você num leva mais advertência, leva logo dois minutos e assim mudou um bocado, né, desde:: depois que parei de jogar, é mudou um bocado. Também nunca mais fui assistir jogo nenhum. Se você num tem dinheiro, como é que você vai comprar uma roupa, um, numa doença como é que você:: você vai, olhe, hoje em dia é assim: a pessoa adoece vai pra um hospital, assim, municipal, ou mesmo hospital que vai, chega lá num é atendido da maneira que você vai pra um particular, quer dizer, que você vai pra um particular com quê? Ou vai se você paga Golden Cross, ou vai Unimed, tudo isso aumenta todo mês, e é bastante caro, é bastante cara a mensalidade desses convênio e você você com esses né, de de Golden Cross, pois é, né? E dinheiro tem outras vantagem também. Se você vai a uma feira toda semana, quando você chega pra fazer feira já é outros preços. Às vezes você vai com o dinheirinho contadinho. A semana passada eu levei, deu, aí quando chegar lá já num é, você faz a metade, quer dizer, que você com dinheiro você num vai se preocupar com isso, né? O dinheiro é muito importante na vida. (VEF)
Essas sentenças poderiam ser ditas também com estruturas do tipo: “não se
pode pisar na área” ou “quando não se tem dinheiro, como é que se compra roupa”.
No entanto, ao fazer a escolha lexical para elaboração do seu discurso, a falante
opta pela forma você genérico.
O falante JN também nos fornece interessantes exemplos em sua entrevista.
Usa o pronome você com valor de P1 e mostra a peculiaridade da fala na cidade de
Recife , exemplo (100) . Entretanto, ainda nessa entrevista, no exemplo (101) usa o
você com o valor genérico e afirma que a televisão ensina as pessoas a roubarem,
nesse momento, evidentemente, ele não estaria usando o você como P1 ou como
P2.
(110)Em Recife o pessoal tem um sotaco de de todo munøo dizêø “é ruim” Você fala uma coisa “É ruim eu fazêø isso”. Vá fazêø aquilo “é røim eu fazêø aquilo ôøtro \ Já João Pessoa não.(JN)
(111)Então, existeø esses marginais que eles já começa até olháø é como assim a rôøbáø, forma de você atacáø o ser humano. Então, isso <num> são coisas que não traiø nem um a validade”.(JN)
160
Em outro momento, exemplo (102), usa indiscriminadamente o P2 através das formas você e cê:
(112)Eu quero cê” E eu falei assim pra ela “Eu quero você com namorado, menina, você deste tamanho “(JN)
3.4 Variáveis extralinguísticas
Eckert (1997, p. 215) demonstra a importância das variáveis extralinguísticas
e a equidade entre essas e as demais variáveis, afirmando que “O gênero, como a
etnia, a classe social e a idade, é uma construção social e pode entrar em qualquer
variedade de interações, como outro fenômeno qualquer.” Embora o estudo seja
linguístico, a compreensão de que a língua é intrinsecamente heterogênea faz-nos
eleger ambas as variáveis para a composição de um estudo que reflita melhor o
fenômeno.
Roberts (1999, p. 134), por sua vez, realça a flexibilidade existente nessas
variáveis, argumentando que “gênero, etnia e idade, na construção da fala da
comunidade não é fixa, mas socialmente negociável e continuamente modificável”.
O movimento dos falantes, a subjetividade presente nas classificações das variáveis
e, por vezes, a falta de um ponto corte claro e preciso entre o que seja o limite de
uma faixa etária e outra, por exemplo, fazem-nos compreender a maleabilidade
dessas variáveis e a necessidade que se impõe de estudá-las de forma inter-
relacionada, evitando o perigo que incorremos em camuflar a tendência do
fenômeno linguístico de uma dada comunidade ao estudá-las isoladamente.
Apresentamos, no entanto, inicialmente, essas variáveis separadas por
questões didáticas, mas, ao final, buscando uma análise “multivariacional”,
intercruzaremos as mesmas.
3.4.1 Variável sexo/gênero
Muito se ouve dizer sobre diferenças lexicais entre homens e mulheres, como
se a estas coubesse o uso de determinadas palavras e àqueles o uso de outras.
Cientificamente, podemos afirmar que os estudos que correlacionam a variação
161
linguística à variável social sexo tiveram seu início quando foram analisadas
diferentes realizações do sufixo ing (gerúndio da língua inglesa) entre homens e
mulheres, estudo realizado por Fischer (1958). Outros estudos realizados
posteriormente corroboraram em sustentar que há, na fala feminina, uma preferência
pelas formas linguísticas de valor mais prestigiado socialmente.
Um interessante elemento de caráter flexível é o fato de a mulher ser, na
maior parte das vezes, a pessoa que prima pela conservação das formas linguísticas
e, simultaneamente, ser também tida como o sexo que lidera muitas vezes a
mudança linguística. Devemos levar em conta, nesses casos, o valor da variante
inovadora: se ela for considerada como uma variante de elevado fator social,
possivelmente o grupo feminino estará à frente da mudança de formas.Mas se, por
outro lado, a forma inovadora tiver um prestígio social menor que a forma existente,
provavelmente o grupo feminino mostrará a sua natureza conservadora.
Ao tempo em que registramos uma maior tendência, ou mesmo sensibilidade
do segmento feminino às formas que estejam mais prestigiadas socialmente,
reiteramos que por ser a língua um fenômeno estritamente social nem sempre essa
bipolaridade entre variante de maior e de menor prestígio está presente em todas as
mudanças linguísticas.
É evidente que, ao relacionarmos uso de maior prestígio às mulheres, não
fazemos isso isolado-a da situação social, tendo em vista que essa questão para
nós está intrinsecamente/visceralmente relacionada à sociedade na qual a mulher
está inserida e, obviamente, na função que exerce em tal contexto, função esta
determinada por razões socioculturais. Daí há de se perceber que, no Ocidente, a
mulher está relacionada à manutenção/conservação do padrão culto da língua e, no
Oriente, onde os valores socioculturais são outros, essa função de manutenção da
forma de prestígio está mais relacionada ao homem.
Por essas considerações é salutar associar o gênero, então, às questões de
atuação na sociedade e, assim, relacioná-lo à variável sexo, conforme fizemos em
nossa análise. Se, antigamente, tínhamos o registro de mulheres que ocupavam
prioritariamente o espaço privado, como dirigentes familiares, voltadas à
coordenação das atividades domésticas; hoje, temos mulheres que, além desse
espaço, ocupam também espaços públicos, como estudantes ou como profissionais.
162
Cada avaliação nesse sentido, no entanto, deve primar por reconhecer a
peculiaridade da organização social de cada comunidade linguística.
Propomos, portanto, para a análise, a utilização da variável gênero acoplada
à terminologia sexo, oriunda do corpus utilizado, por acreditarmos que as diferenças
entre homens e mulheres não se limitem à natureza biológica, mas sejam também
sociais e culturais. O termo sexo/gênero, utilizado na presente pesquisa, a nosso
ver, reflete de forma mais adequada o caráter dinâmico da sociedade e a função que
os indivíduos ocupam na sociedade.
Mollica e Braga (2003, p. 35) assinalam que essas diferenças extrapolam
questões de ordem fonética-fonológica, morfossintática e avançam para o campo do
interacionismo, pois a análise de conversações espontâneas tem permitido mostrar
diferenças significativas na forma como homens e mulheres conduzem a interação
verbal. Enquanto os homens tendem a manifestar um estilo mais independente e
uma postura que garanta seu prestígio, as mulheres orientam sua conversação de
uma forma mais solidária, que busca o envolvimento do interlocutor.
No corpus analisado, foram encontradas 2004 ocorrências do pronome você
nas falas dos informantes entrevistados. Essas ocorrências do pronome você
distribuem-se na variável sexo/gênero da seguinte forma:
SEXO/GÊNERO FEMININO: 944 ocorrências
SEXO/GÊNERO MASCULINO: 1060 ocorrências
No sexo/gênero feminino, constatamos um número de 944 ocorrências. Após
análise destas, verificamos que em 405/944 ocorrências, que equivale ao percentual
de 42, 8%, a referência do pronome você realizada pelos falantes é de P2,
correspondendo ao uso canônico da forma, estabelecido pela gramática tradicional e
“legitimamente” reconhecido; em 410/944 ocorrências, 43, 4 %, os falantes utilizam o
pronome você com um uso genérico, ao tecer comentários sobre ações, atitudes
que se assemelham a um grupo de pessoas; por fim, em 129/944 ocorrências, 13,
7%, o falante menciona o pronome você fazendo referência a sua própria pessoa
e/ou a uma realidade vivenciada por ele.
163
No sexo/gênero masculino, a tendência , apresentada no sexo/gênero
feminino , com relação ao uso da referencialidade do você se manteve. Dessa
forma, o você genérico foi utilizado em 445/1060 ocorrências, 42%; o você P2, em
seguida, foi registrado em 353/1060 ocorrências, 33, 3%; e, por último, o você P1
que surgiu em 262/1060 das ocorrências, representando 24, 7 %.
Em nosso corpus de análise, embora o pronome você tenha sido mais
frequente na fala masculina, 52, 8%, do que na fala feminina, 47, 2%, podemos
asseverar que não houve discrepância em termos de uso, como também não houve
em termos de referencialidade.
Em ambos, o você genérico foi o mais utilizado, seguido pelo você P2 e pelo
você P1. Diferentemente, da função única estabelecida para o pronome você nos
compêndios gramaticais de pronome de tratamento e, no máximo, de segunda
pessoa, o que a figura 4 revela é que o você com outras referencialidades foi
plenamente utilizado pelos falantes do VALPB.
24,7%
13,7%
33,3%
42,9% 42,0% 43,4%
P1 P2 Genérico
Masculino (%) Feminino (%)
Figura 4 - Referencialidade do pronome você segundo sexo/gênero.
É válido ressaltar que o produtivo uso do você genérico na fala feminina
demonstra que a forma inovadora é bem aceita, tendo em vista que , no perfil
feminino, há uma maior preocupação com o uso de formas de prestígio.
164
3.4.2 Variável grau de escolarização
Há uma forte tendência à associação da instituição escolar a um sistema de
valores arraigados, cujo objetivo maior é a preservação de formas de prestígio da
língua. Dessa maneira, a compreensão que se tem é a de que os indivíduos que a
frequentam tendem a mudar a sua forma de falar e de escrever diante dos valores
que lhes são passados.
Assim, se tivéssemos a intenção de elencar os adjetivos que costumam
caracterizar os falantes que frequentam a escola, teríamos a escola associada ao
prestígio social e econômico, ao contexto mais formal e elitizado, ao convívio com
modelos e exemplos das formas do bem falar e escrever, à língua padrão, à
literatura oficial, às gramáticas normativas em detrimento de uma outra camada que
não tem acesso à escola e é colocada à margem desses valores.
No corpus apresentado, a variável grau de escolaridade avança em uma
escala crescente que inicia no indivíduo sem nenhuma escolarização e finaliza no
indivíduo que está no ensino superior. Essa escala, na sociedade, corresponde
inversamente ao estigma que o indivíduo carrega. Assim, o indivíduo sem nenhuma
escolarização é o mais estigmatizado, enquanto o estudante do nível superior tem
um menor estigma social, por se compreender que esse tem a posse do
conhecimento legitimado.
É preciso atentarmos, no entanto, que, embora seja da escola o mérito de ser
responsável por uma parcela relevante de conhecimento socializado, em geral, o
conhecimento tido como de prestígio social, é o uso efetivo de uma forma linguística
que cristaliza, fixa e gramaticaliza as expressões preferidas pelos membros de uma
comunidade e, dessa forma, continuamente, os mecanismos de regularização vão
criando e abrindo espaço para as novas formas surgirem. Essa criação, essa
propagação e essa cristalização de um item linguístico, então, independem da
instituição escolar.
Na nossa análise, a escolarização foi verificada, inicialmente, de forma
separada. Observamos o número de ocorrências do você por grau de escolaridade e
analisamos essa ocorrência segundo a referencialidade do você em cada grau.
Os resultados obtidos foram:
165
O grupo sem nenhum ano de escolarização produziu 204 ocorrências. Sendo:
10 com valor P1; 174 com valor P2 e 20 com valor genérico.
O cruzamento dessa variável com o sexo/ gênero feminino apresentou os
seguintes resultados :131/944 ocorrências do você. O você como P2 foi utilizado
destacadamente em 122/131 ocorrências, em 93, 1%; o você como genérico em
06/131 ocorrências, em 4, 6 %; e o você como P1 em apenas 03/131 ocorrências,
representando uma pequena parcela de 2, 3%.
O grupo masculino com essa condição de escolaridade realizou apenas 73/
1060 ocorrências do você, sendo que 71,2% dessas ocorrências, 52, foram com a
referencialidade do P2. Esse valor foi completado com o valor de P1 em 7/73
ocorrências, em 9, 6%, e com o valor genérico em 14 ocorrências, representando
19,25%.
O grupo de 1 a 4 anos de escolarização produziu 407 ocorrências. Sendo :
113 com valor P1; 129 com valor P2 e 165 com valor genérico.
Os resultados apresentados com o cruzamento dessa variável com o sexo/
gênero foi uma produção de 200/944 ocorrências. Neste grupo, 44 ocorrências,
22%, do você como primeira pessoa; 68 ocorrências, 34%, foi com o pronome você
como segunda pessoa; e, com o uso mais alargado, o você genérico com 88
ocorrências (44%).
No sexo/gênero masculino, a produção foi de 207/1060 ocorrências. Dessas,
o genérico obteve um maior número de realizações, 77 vezes (37, 2%); seguida do
P1 com 69 ocorrências, (33, 3 %) e, curiosamente, o menor uso foi da representação
P2, com 61 ocorrências ( 29, 5 %).
O grupo de 5 a 8 anos de escolarização, que corresponde ao fundamental II,
realizou 434 ocorrências. Sendo : 86 com valor P1; 245 com valor P2 e 103
com valor genérico.
Correlacionando ao sexo/gênero, tivemos 167/944 ocorrências femininas do
você. A maior realização voltou a ser do você /P2 com 55, 1%, 92/167 ocorrências;
em seguida, o genérico com 57/167 ocorrências ( 34, 1 %); e, por fim, o você P1
com 18/167, representando 10, 8% dessas realizações.
166
No perfil masculino, houve a realização de 267/1060 ocorrências. O P2
também destaca-se como mais produtivo, 153/267 ocorrências do você ( 57, 3%); o
P1 aparece com 25, 5%, em 68 ocorrências e o genérico, que estava no grau de
escolarização anterior com maior uso, surge agora em apenas 17, 2%, em 46 /267
ocorrências.
No quarto grupo de escolaridade, formado pelos estudantes do ensino médio,
houve 369 ocorrências do você. Sendo : 70 com valor de P1; 58 com valor de
P2 e 241 com valor genérico.
Ao associarmos essa variável ao sexo/gênero, tivemos :147/944 ocorrências
femininas e 222/1060 ocorrências masculinas do pronome você. Com mais de dois
terços, o você genérico volta a liderar na ala feminina. Foram registradas, como
genérico, 113 ocorrências, 76, 9%; com 20, 4%, 30 ocorrências o você como P2 e
com apenas 2, 7% o você na função de P1, em 04 ocorrências.
Nos homens, o genérico sobressai ocupando mais da metade das ocorrências,
com 57, 6%, em 128/222 itens; valores que são seguidos por você P1 em 66/222
ocorrências, 29, 7% e, por você P2, que novamente aparece em último lugar de uso,
com apenas 12, 6%, em 28/222 registros.
O quinto grupo de escolaridade realizou 590 ocorrências. Sendo : 112 como
P1; 152 como P2 e 326 como genérico.
O você com esse valor foi registrado em 146/299 realizações femininas e em
180/291 realizações masculinas, perfazendo 48, 8% e 61, 8% respectivamente;
seguido por você P2 com 93/299 (31, 1%)das ocorrências femininas e por 59 (20,
3%) das ocorrências masculinas; e, em último, o você como P1, no perfil feminino,
com 60 ocorrências, representando 20, 1%, e, no perfil masculino, com 52
ocorrências, representando 17, 9%.
Observemos os resultados obtidos demonstrados através das figuras 5 e 6:
167
0
20
40
60
80
100
120
140
160O
corr
ênci
as fe
min
ino
nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos
Escolaridade
P1P2Genérico
Figura 5 - Referencialidade feminina do você segundo escolarização
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Oco
rrên
cia
mas
culin
o
nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos
Escolaridade
P1P2Genérico
Figura 6 – Referencialidade masculina do você segundo escolarização
Realizando, agora, uma outra leitura, correlacionando as variáveis
sexo/gênero e grau de escolaridade e focalizando os valores do você, constatamos
que :
168
Com relação ao P1
O P1 teve o seu uso restrito a 129/944 (13, 6%) ocorrências no perfil feminino
e a 262/1060 (24, 7%) no perfil masculino. No sexo/gênero feminino, o P1 atingiu os
seus maiores índices de uso, considerando o ponto corte em 20%, nos falantes que
estão entre 1 a 4 anos de escolarização e com mais de 11 anos de escolarização,
22% e 20, 1% respectivamente. No sexo/gênero masculino, o P1 teve um uso
frequente no grupo de 1 a 4 (33, 3%), de 5 a 8 (25, 5%) e de 9 a 11 (29, 7%).
0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0%
nenhuma
1 a 4 anos
5 a 8 anos
9 a 11 anos
mais de 11 anos
Esco
larid
ade
P1 - Feminino P1 - Masculino
Figura 7 – Referencialidade do você P1 segundo sexo/gênero e escolarização.
Há exemplos interessantes nos quais o entrevistador pergunta ao
entrevistado o que ele (sujeito) pensa a respeito de alguma coisa, solicitando a sua
opinião pessoal a respeito do tema. Ao responder, o falante usa o você, embora
deseje evidenciar notoriamente uma opinião pessoal a respeito do assunto. No
primeiro excerto de fala, o entrevistador pergunta sobre a opinião a respeito do
sotaque pessoense ( 101) e, no segundo, o entrevistador questiona sobre a
superação do rádio pela tv (102), o falante, ao responder, inicia com você e, depois,
usa o eu, reafirmando o pronome você como primeira pessoa,
(113)I* Bom, se se eu acho que falo diferente das pessoas de João Pessoa? Bom, é como eu acabei de dizêø agora. Existeø pessoa em João Pessoa olhanøo sotaco da palavra? Não, porque nóys pessoenseø falamoø tudo num sotaco só. Tudo é, como diz a história, tudo fala nordestino mehmo, quéøenøo ôø não mas tudo é nordestino. Então, existe só a diferença em termo de de de de pronúncia de palavras, mas em termo de sotaco tudo se baseia numa só. É como se chegáø em Recife é existe coisa diferente
169
daqui. Em Recife o pessoal tem um sotaco de de todo munøo dizêø “é ruim” Você fala uma coisa “É ruim eu fazêø isso”. Vá fazêø aquilo “é røim eu fazêø aquilo ôøtro”. Já João Pessoa não. João Pessoa é tudo um sotaco só. Só existe diferença de pronúncia de palavra, mas o <sotaco> é o mesmo (JN).
(114)I * Rapayz, em cem por cento eu acho que não. Mays uns noventa por cento, sim. Que hoje você chega em casa, a prime0ra coisa que você fayz eu acho que é ligá0 a televisão. Eu mesmo faço assim, quan0o eu ent0o ligo logo a televisão (VLB).
Com relação ao P2
O P2 ocupou o segundo lugar de uso no percentual geral masculino e
feminino, 405/944 e 353/1060 respectivamente. Esses números foram elevados
entre os falantes de nenhum grau de escolarização feminino (93, 1%) e masculino
(71, 2%) e reduzidos nos falantes de 9 a 11 anos de escolarização 20, 4%
ocorrências femininas e 12, 6% masculinas. Deve ser registrado, no entanto, que
excetuando o grupo masculino de 9 a 11 anos de escolarização, em todos os
grupos, o uso de você com valor de P2 foi acima de 20%, o que demonstra um
efetivo uso dessa forma como segunda pessoa. Conforme evidenciam os dados
demonstrados na figura 8 :
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%
nenhuma
1 a 4 anos
5 a 8 anos
9 a 11 anos
mais de 11 anos
Esco
larid
ade
P2 - Feminino P2 - Masculino
Figura 8 – Referencialidade do você P2 segundo sexo/gênero e escolarização.
Com relação ao genérico
A escolha do item você como forma de indeterminar demonstrou, em nosso
corpus, ser a forma mais usada desse pronome, principalmente, nos grupos de 1 a 4
anos, de 9 a 11 anos e de mais de 11 anos masculinos e femininos. Entre as
170
mulheres, em 410/944 ocorrências (43.4%), e entre os homens, em 445/1060
ocorrências (42%), houve a tentativa de utilizar esse item linguístico como forma de
generalizar um sentimento, uma ação. Confiramos os resultados na figura 9 :
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%
nenhuma
1 a 4 anos
5 a 8 anos
9 a 11 anos
mais de 11 anos
Esco
larid
ade
Genérico Fem. Genérico Mas.
Figura 9 –O uso do você genérico segundo sexo/gênero e escolarização
Analisando o primeiro grau de escolaridade, sem nenhuma escolarização, em
relação ao último, como mais de 11 anos, constatamos que à medida em que os
indivíduos passam a ter maior contato com ambiente escolar , ampliam o seu leque
de opções linguísticas e , assim, há um crescimento do emprego do você como P1 e
como genérico .
3.4.3 Variável faixa etária
Pretti (1982) comenta que a variável faixa etária, por vezes, limita-se ao
vocábulo e que nem sempre isso é facilmente perceptível. Em outros estudos, no
entanto, a variável faixa etária é valorizada por possibilitar a percepção, através da
análise do tempo aparente, de que está acontecendo uma implementação de uma
dada forma linguística, quando o uso da variante é significativamente mais alto nos
falantes jovens que na faixa etária mais avançada.
171
Há uma hipótese clássica na qual é postulada que o comportamento
linguístico de cada geração reflete um estágio da língua. Os falantes mais velhos, a
terceira faixa etária, apresentam uma inclinação às formas conservadoras e os
falantes mais jovens preferem as formas inovadoras. Dessa forma, as primeiras
faixas etárias seriam responsáveis pela introdução de novas alternativas linguísticas
na língua e que, por sua vez, substituiriam gradativamente outras presentes e
caracterizadoras da fala de indivíduos nas faixas etárias mais avançadas.
Com essa variável, em específico, a nossa pretensão é conseguir
correlacionar a referencialidade do você a um determinado estágio da vida,
observando como está acontecendo essa variação na língua.
Inicialmente, no corpus do VALPB, observamos o comportamento dos grupos
etários . Encontramos:
na 1ª. faixa etária, a realização de 631ocorrências do pronome você.Sendo :
189 com valor de P1; 196 com valor de P2 e 246 com valor genérico;
na 2ª. faixa etária, a realização de 672 ocorrências do pronome você. Sendo
129 com valor de P1; 257 com valor de P2 e 286 com valor genérico;
na 3ª. faixa etária, a realização de 701 ocorrências do pronome você. Sendo
73 com valor P1; 305 com valor de P2 e 323 com valor genérico.
Em seguida, cruzamos as variáveis faixa etária e sexo/gênero e constatamos
que :
no grupo 1, formado por pessoas de 15 a 25 anos, o sexo/gênero
feminino tem preferência, em escala crescente, por você P2 (42, 2%),
você genérico (33, 9%) e você P1(23, 8%) em contrapartida ao
sexo/gênero masculino que prefere o você genérico (42, 4%), você
P1(34, 1%) e o você P2(23, 5%);
no grupo 2, formado por pessoas de 16 a 50 anos, as mulheres
passam a usar mais o você genérico (51%), seguido pelo você P2(36,
4%) e o você P1(12, 6%) e os homens passam a usar mais o você P2
(40, 2%), seguido do você genérico (33, 4%) e do você P1 (26, 3%);
no grupo 3, formado por pessoas com mais de 50 anos, a ala feminina
usa mais o P2 (50, 1%), o genérico(42, 8%) e o P1(7, 1%), tal qual o
172
grupo 1 feminino, e a ala masculina, utiliza o genérico (49, 2%), o P2
(37, 3%) e o P1(13, 5%).
Vejamos esses resultados na figura 10:
Fem MasFem
Mas
Fem Mas
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Faixa Etária
15 a 25 anos 26 a 49 anos mais de 50 anos
P1 P2 Genérico
Figura 10 – O uso do você segundo faixa etária e sexo/gênero.
A análise da figura 10 expõe peculiaridades bem interessantes. Embora os
três grupos etários façam uso das três formas de referencialidade do pronome você,
temos um comportamento diferente de cada faixa etária para a variante em questão.
O você, como P1, forma que obteve um menor índice de realização no perfil
feminino e nas faixas etárias a partir de 25 no perfil masculino, apresenta uma
preferência de uso na primeira faixa etária, sinalizando para uma possibilidade de
mudança em progresso. Já que os índices percentuais decrescem em relação ao
avanço da faixa etária.
Assim, entre 15 a 25 anos, temos 23, 8% das ocorrências femininas e 34, 1%
das ocorrências masculinas em contraposição aos grupos de entre 26 a 49 anos, 12,
6% das ocorrências femininas e 26, 3 % das ocorrências masculinas e, entre os
173
mais de 50 anos, um número reduzido de 7, 1% para as mulheres e de 13, 5% para
os homens. Números que sinalizam para nós que a utilização do você com valor de
P1 tem sido trazido para a língua através dos jovens e que, embora a sua utilização
seja feita também nas demais faixas etárias, tem um decréscimo considerável no
perfil dos falantes acima de 50 anos.
O você P2, nos grupos masculino e feminino, teve a sua maior presença nas
últimas faixas etárias e a menor presença nas primeiras faixas etárias. A forma
canônica está sendo mais utilizada pelos falantes acima de 50 anos é compreensível
por esse grupo manter valores arraigados e explorar mais a forma legitimamente
reconhecida, forma que provavelmente foi mais usada durante toda a história de
vida desses falantes, seja na escola ou fora dela.
O você genérico foi mais utilizado pelas mulheres no grupo 2. Há a hipótese
de que a maior utilização dessa forma demonstre a necessidade que esse grupo tem
de envolver o interlocutor no ato discursivo a fim de melhor atingir aos seus
propósitos. Afinal, é uma faixa etária que possui uma maior preocupação com a
defesa dos seus interesses, com a inserção no mercado de trabalho e com a
ascensão profissional. Nos homens, no entanto, o grupo 2 foi o que menos utilizou o
genérico (33, 4%) em detrimento do grupo 1, (42, 4%) e do grupo 2 (33, 4%).
O uso do item linguístico você é elevado. Como afirmamos, nesse texto, o
você é um pronome curinga que serve para provocar alguns efeitos de sentido em
eventos discursivos e, por isso, tem sido amplamente utilizado.
Ambos os sexo/gênero, no corpus em análise, usam mais o você com a
referencialidade de genérico. O perfil feminino faz esse uso com maior frequência na
faixa etária de 26 a 49 anos, ao passo que, no perfil masculino, os nossos registros
apontaram para um maior uso a partir dos 50 anos. Elas, frequentando o ensino
médio (9 a 11 anos de escolarização) e, eles, cursando o ensino superior (+ de 11
anos de escolarização).
Isso pode ser melhor visualizado a partir das figuras 11 e 12 :
174
Figura 11 - Referencialidade do você no sexo/gênero feminino
Figura 12 - Referencialidade do você no sexo/gênero masculino.
Se comprovamos em nosso texto, a partir dos estudos quantitativos
realizados nas variáveis isoladas e no cruzamento das variáveis, que há um uso
maior do você com outras referencialidades, ou seja, genérico e P1( em 57, 1% nas
entrevistas femininas e em 66, 7% nas entrevistas masculinas) do que com a
referencialidade apontada pela tradição gramatical, ocupando a segunda
pessoa(P2), acreditamos que esteja na hora de levarmos essa discussão para o
espaço escolar e é sobre essa questão que discutiremos na próxima seção .
Referencialidade do você no sexo/gênero feminino
57,1%42,42,9%
P1 e genérico P2
Referencialidade do você no sexo/gênero masculino
6666,7%3333,3
P1 e genérico
P2
175
176
4 DEPOIS DE MUITOS CAMINHOS, UMA PONTE
A nossa pretensão nesse momento é estabelecer um diálogo entre o que
absorvemos pelo caminho, através das veredas teóricas e dos textos analisados, e o
desafio que nos aparece de como ensinar o pronome você, no espaço escolar,
diante desse novo olhar.
Mais uma vez, enfrentamos a palavra ordem. Por uma vertente, estamos
cientes de que seja impossível sair imune diante do que vimos, o que, de certa
forma, abala as estruturas do que a instituição escolar insiste em conservar. Não se
trata, no entanto, de desordem, de caos. Há um aparente desequilíbrio no sistema
gerado pela força das necessidades expressivas de uma comunicabilidade mais
adequada.
Os valores greco-latinos de língua correta, homogênea, modelo de imitação,
exemplo a ser seguido, demonstração de uma suposta perfeição, de superioridade
intelectual e cognitiva são imperativos e perpassam entre as gerações. Uma visão
que se distancia da científica, pois, embora sedimentada historicamente, não tem
como objeto de estudo o fenômeno linguístico, mas, sim, valores arraigados. É
preciso perceber que esse não é um caminho de mão única.
Na estrutura escolar, a manutenção dos valores da gramática tradicional
continua a ser repassado. O livro didático, fiel escudeiro da Gramática Tradicional na
escola, permanece com a função de orientar práticas e, nestas, o pronome você é
posto, geralmente, como pronome pessoal de tratamento e continua a não ser
analisado e percebido com outros valores. O uso que dele fazem os falantes,
177
verdadeiros donos, não é observado em detrimento da ordem dos vigilantes de
plantão de salvaguardar a língua.
Não desejamos, no entanto, atiçar um confronto. Entendemos que a
gramática deva ser o ponto inicial dos estudos e reconhecemos o seu processo de
construção que remonta aos estudos greco-latinos. Apenas, não conseguindo mais
lançar o mesmo olhar sobre esse pronome depois do anunciado e fundamentado,
propomo-nos a oferecer, nesse momento, um olhar diferenciado, respaldado em
uma investigação realizada sobre um fenômeno linguístico.
É essa uma das nossas mais ambiciosas pretensões. A maior talvez seja que
esse e outros objetos estudados consigam ocupar espaços fora da tese, fora da
academia, “consigam efetivamente ganhar e disputar espaço nas ruas”.
Com esse propósito, no nosso texto, seguem algumas considerações sobre
a(s) gramática(s), a(s) normas(s) e o livro didático.
4.1 A gramática
A gramática tradicional teve sua origem com reflexões filosóficas dos gregos
antigos que intencionavam, segundo Azeredo (1997, p. 16),
explicar a natureza da linguagem;
descrever a estrutura e funcionamento das línguas; e
regulamentar seu uso consoante padrões quer lógicos quer literários de
expressão.
No século III a.C. em Alexandria, centro cultural de referência na época,
Dionísio Trácio elaborou a primeira gramática da Língua Grega, fruto de anseios dos
intelectuais da época que se reuniam preocupados em preservar e divulgar as obras
literárias helênicas. Com a publicação da gramática ,seria possível explicar a língua
dos autores helênicos e conservá-la distante das corrupções dos falares populares.
Os estudos gramaticais romanos absorveram exatamente esse tom. No final
da Idade Média, um novo sentimento de auto-afirmação nacional surge e divide a
178
atenção dada à valorização da cultura clássica. Como consequência dessa defesa
das línguas vernáculas, são publicadas as primeiras gramáticas da Língua
Espanhola (A gramática de la lengua castellana, Antonio Nebrija, 1492) e da Língua
Portuguesa (Gramática da linguagem portuguesa, João de Barros, 1540). Esse
antagonismo entre a valorização das línguas vernáculas e a valorização das línguas
clássicas persistiu ao longo do século XVI.
Desses momentos,deveríamos ter herdado apenas os estudos investigativos
sobre a linguagem realizados pelos filólogos. No entanto, trouxemos também os
resquícios da não-distinção entre a língua falada e a língua escrita; a valorização da
modalidade escrita, especialmente a dos clássicos; a idéia fixa de que a língua deva
ser homogênea e de que qualquer desvio desse padrão corrobore para a corrupção
do idioma nacional.
A gramática normativa (GN)47 surge como resultado dessa ideologia
cristalizada e, embora, por vezes, variações entre si costumem ser apresentadas
nesse gênero literário , a GN continua a ser um instrumento de consolidação da
ordem, da ideologia de manutenção do discurso político e administrativo presentes
desde o surgimento da Gramática Tradicional (GT).
Reconhecemos a importância da GT, como valorosa ferramenta de
investigação dos processos cognitivos que possibilitam ao ser humano fazer uso da
linguagem, mas recusamo-nos a aceitar a falsa ideologia de que através da GT se
possa/deva controlar a língua. A dinamicidade dos falantes provoca mudanças no
sistema e essas mudanças devem ser objetos de descrição, análise e reflexão.
A GT surgiu com o intuito de cuidar da língua escrita literária e a GN segue
como um código de leis que deve orientar o uso oral ou escrito de uma língua. Na
verdade, é preciso que haja o resgate na GN da necessidade de investigar o
fenômeno da linguagem, objetivo primeiro da GT, e quem faz isso na atualidade não
é o gramático, mas, sim, o linguista.
Luft (2007, p.31) apresenta curiosamente como subtítulo de um capítulo “AS
DUAS GRAMÁTICAS: GRAMÁTICA E GRAMÁTICA” e afirma que duas acepções 47 Usamos as palavras de Bagno (2001a, p. 15) para apresentar a distinção entre Gramática
Tradicional (GT) e Gramática Normativa (GN): “a GT é o ‘espírito’, a ‘mentalidade’, a ‘doutrina’(a ideologia) que dá alento, vigor e ex-sistentia ao ‘ser’, ao ‘objeto’, à ‘coisa material’que podemos adquirir, manusear e submeter aos nossos sentidos,chamada gramática normativa [...] A GT [...] estaria no mundo numênico, no ‘plano das idéias’ de Platão, mundus intelligibilis, metafísico, enquanto as GN estariam no mundo fenomênico, mundus sensibilis, físico.”
179
cobrem esse termo. Uma relacionada ao conjunto de regras que “gera” frases em
uma língua, o saber linguístico, e a outra relacionada à disciplina ou ao livro que
comporta esse conjunto de regras, por isso grafada com letra maiúscula. A partir
disso, é categórico em dizer: “a Gramática disciplina ou livro só vale, obviamente,
como registro exato ou cópia fiel da gramática competência ou saber linguístico.”
(op.cit., p. 32).
A gramática é colocada em um pedestal no papel do onipotente e, assim, a
grande e única referência da língua passou a ser ela, como se mais nada fosse
necessário para buscar o primor e a interação nas atividades da linguagem. Os
manuais passaram não apenas a prescrever a língua, mas serem reconhecidos
legitimamente como a língua em si ou como um representante exclusivo da língua.
Como diante dessa visão unilateral discutir a língua em uso? As questões que
a cercam e que não estão previstas nos compêndios? Nenhum manual consegue
cobrir a totalidade da língua. A língua é geral e móvel e os manuais são peculiares e
estáveis e, nesse sentido, a língua é maior. Para Bagno (2000, p. 27), a língua não
precisa do gramático, este é que precisa da língua.
Na nossa compreensão, é como se precisássemos de uma gramática para
cada situação e de uma gramática que nos servisse em cada situação desejada.
Desta forma, teríamos o controle sobre a mesma e mostraríamos, então, como
propõe Veríssimo (apud LUFT, 1985, p.12),quem é que manda na língua.
A língua, além da gramática, tem o léxico e ele está à disposição dos falantes
para a construção de enunciados, recobrindo, revelando diferentes funções, unidade
de sentidos que vão se materializando, mediando a intenção do falante e, assim,
expondo não apenas o seu significado, mas ressignificando também. Por isso
reafirmamos: a língua é gramática, mas não apenas gramática. Há entre eles, uma
interdependência, mas nunca uma relação hierárquica de superioridade.
Martelotta (2008, p.63) estabelece melhor essa relação quando diz que o
discurso e a gramática possuem uma relação de simbiose, na qual “o discurso
precisa dos padrões da gramática para se processar, mas a gramática alimenta-se
do discurso, renovando-se para adaptar-se às novas situações de interação”
180
4.2 A norma
Norma, no sentido lato, corresponderia ao que é, efetivamente, regular e
usual no diálogo entre os falantes, ao que é tradicional dentro de uma comunidade.
E, no sentido estrito, seria relacionada à normatividade, à prescrição de como o uso
deva acontecer. Nos compêndios gramaticais, a segunda acepção é a legitimada e,
assim, a norma é associada aos conceitos de correto e de errado.
Outras visões são trazidas por Cunha (1985) que distingue norma objetiva,
aquela que diz respeito aos padrões que são observados na atividade linguística
realizada por um grupo, e norma subjetiva, aquela que toma como norte um sistema
de valores e que propicia o julgamento de forma subjetiva do desempenho
linguístico dos falantes . Ou ainda por Lucchesi (1998) que afirma que há norma-
padrão, aquela que reúne as formas prescritas pelas gramáticas normativas, e a
norma culta, que retrata as formas linguísticas utilizadas pelos segmentos
escolarizados.
No entanto, a norma culta, em geral, é esboçada como a forma de falar
exemplar, aquela que possui o “selo de qualidade e excelência”, sinônimo de forma
de falar de quem tem o maior prestígio social e, assim, consequentemente, a norma
culta reveste-se do escudo da “ norma prestigiada”. Em contraposição a essa norma,
em um outro ponto, as formas de falar que se afastem desse modelo são
consideradas como inferiores e menos qualificadas e são normalmente associadas a
pessoas que possuem uma condição social inferior. Não precisamos de lentes de
aumento para visualizar com a clareza necessária que a questão que por aqui
perpassa é muito mais de cunho social que linguístico.
Ademais, uma questão: as normas, como os falantes, não vivem
encapsuladas. Elas se movem, convivem entre si, interpenetram-se, entrecruzam-
se, exercem influência umas sobre as outras e, assim, modificam-se mútua e
constantemente.
Há de se reconhecer, então, a presença de normas cultas e não apenas de
uma única e exclusiva norma culta “normas que são uma mistura de diferentes
tendências; normas mescladas, difusas, cujos contornos de diferenciação são
bastante fluidos.” (ANTUNES, 2007, p. 91). Ainda sobre isso, a autora menciona a
181
norma culta ideal e a norma culta real. Aquela correspondendo à norma concebida,
pensada, prevista e proposta como norma representativa dos usos da língua tidos
como cultos e esta, aos usos efetivamente realizados.
4.3 O livro didático
Há uma sombra irreal de que nós, professores, ao ensinarmos a Gramática
Tradicional com todas as suas regras e nomenclaturas, estamos, verdadeiramente,
ensinando a língua, mantendo a norma culta. Essa sombra parece levantar os
ânimos dos pais, diretores e alunos com uma falsa idéia de que conseguirão, dessa
forma, a partir da apreensão do que julgam ser a língua, fazer com que os
educandos sejam bem sucedidos na vida profissional.
Há uma espécie de fala consensual que lateja assim “A gramática da língua é
difícil, mas como alento é ela que proporcionará uma melhor condição profissional
para todos. Portanto, ela é fundamental, necessária.”
Professores que ousem mostrar outras vias de ensino, através do texto e,
quando falamos em textos, referimo-nos aos mais diversos gêneros textuais que nos
cercam, estarão sujeito a inúmeras críticas, pois nem todos compreendem essas
atividades como fórmulas válidas para o conhecimento da língua. Existe uma
associação de que os usos da língua devem estar imbricados ou submetidos à
aplicação das regras gramaticais e de que, em um texto, isso não existe.
Devemos pensar que as regras que “regulam, dirigem, regem e governam”
uma língua estão vivas e em seu pleno exercício no espaço do texto, seja ele escrito
ou falado. No texto, no entanto, diferente de fragmentos isolados, há o
reconhecimento de que essas regras não são rígidas, imutáveis, inflexíveis,
intocáveis e indiscutíveis, pois, com o propósito de serem funcionais, sofrem
relativizações e são maleáveis à ação dos falantes em busca de seus propósitos e
escolhas.
Não é comum os autores dos Livros Didáticos proporem inovações através de
textos e exercícios nos quais seja provocada nos alunos a percepção dessas
variações e relativizações. E, dessa forma, a escola fixa-se nos valores de padrão
182
ideal, um ideal estabelecido em tempos remotos, em detrimento do padrão real.
Uma prática que tenta controlar a língua, como se fosse possível, apenas através do
não-reconhecimento das mudanças, mumificar a língua, reter as águas que insistem
em correr rio abaixo.
Pensamos que seja preciso explicitar para os alunos a condição de sujeitos
atuantes que podem deliberar por uma ou outra forma lexical, por determinada
construção sintática ou não. É preciso atenuar para os alunos a flexibilidade
existente na língua, pois a inflexibilidade é, por vezes, o único adjetivo conhecido e
reconhecido na língua que está sobre o seu comando. É preciso apontar os
caminhos para que ele domine o que precisa realmente ser dominado: a interação
no processo comunicativo. Ao invés de fazermos isso, caminhamos em um rumo
contrário aos fatos.
Conforme percebemos no decorrer do trabalho, o pronome você está
registrado nas gramáticas como pronome pessoal de tratamento, excetuando-se
algumas nas quais este é apresentado como substitutivo do tu. Vimos, no entanto,
que, na oralidade e nos textos publicitários, o você ocupa reconhecidamente o
espaço de pronome pessoal do caso reto e, dessa forma, age, por vezes, como
substitutivo do tu48, mas, também, aparece como referência à primeira pessoa e
como genérico.
Embora cientes de que se restringir a gramática é limitar-se a um dos seus
componentes, nos livros didáticos (LD), os autores continuam a perpetuar a GT, a
GN e a norma culta, reescrevendo e parafraseando-os sem maiores análises e
reflexões. Percorremos oito (08) coleções de livros didáticos nos capítulos ou partes
em que os autores propunham-se a discutir pronomes. Verificamos que os autores,
a rigor, expõem a associação do pronome pessoal à pessoa do discurso a que se
referem e, em seguida, apresentam o quadro dos pronomes pessoais, tal qual
constatamos no Manual de Português, compêndio da década de 60, elaborado por
Cunha.
48 É válido ressaltar que, em algumas regiões e comunidades de fala, o você é a única referência de segunda
pessoa conhecida, utilizada e legitimada. Dessa forma, o pronome você, para esses falantes, nunca estaria
substituindo o tu.
183
Apresentamos a seguir o quadro com os nomes das obras, todas da 5ª. série
do ensino fundamental (6º. ano). Nesses compêndios, no capítulo dedicado ao
estudo dos pronomes, elegemos os itens que nos interessam, como: conceito, você
como pronome pessoal do caso reto e você como pronome de tratamento e assinalamos
os itens que estão presentes em cada obra. Em seguida, discorremos sobre a forma como o
assunto é proposto no livro didático e sugerimos algumas reflexões.
Livros didáticos conceitovocê – pronome pessoal do caso
retovocê – pronome de tratamento
Português: linguagem e realidade (Roberto Melo Mesquita e Cloder Rivas Martos)
X X X
Toda linguagem: língua portuguesa(Hermínio Sargentim, Ma. Délia Fernandez Sargentim)
X X
Tudo é linguagem (Ana Borgatto, Terezinha Bertin, Vera Marchezi) X
Registrado em apenas uma observação
Português: leitura, produção e gramática (Leila Lauar Sarmento) X X
Linguagem: criação e interação (Cássia Leslie Garcia de Souza e Márcia Paganini Cavéquia)
X
Descobrindo a gramática: nova proposta (Gílio Giacomozzi, Gildete Valério, Cláudia Molinari Redá)
X
Linguagem Nova (Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto Moura) X
Novo diálogo: língua portuguesa (Eliana Santos Beltrão, Tereza Gordilho)
X X X
Quadro 7 : Livros didáticos e o ensino do pronome você
Mesquita e Martos (1995, p. 58) asseguram que o pronome você “é hoje o
pronome mais empregado em lugar da pessoa com quem se fala, substituindo o tu.
É pronome pessoal de tratamento (...).” É oportuno observar que os autores
reconheceram o você como mais usado como referência ao interlocutor, mas, ainda
assim, mantiveram paradoxalmente a classificação do você como pronome de
tratamento. Apresentado isso, os autores trazem um exercício para que as lacunas
nos enunciados sejam preenchidas com o pronome tu ou com o pronome você.
A nosso ver, por mais que os autores desse livro tenham procurado explicitar
que o você é mais usado e mais funcional no contexto atual, ainda estão presos aos
valores da GT quando fazem questão de manter o tu no mesmo nível do você nos
184
exercícios propostos e quando optam por manter o você no quadro dos pronomes
de tratamento.
Sargentim e Fernandez Sargentim (2006, p. 113) definem pronomes pessoais
como “aqueles empregados no lugar de um substantivo.” Seguindo essa
conceituação, há a apresentação dos quadros de pronomes pessoais. Neste quadro,
o você e sua forma plural vocês estão colocados como pronomes pessoais de
terceira pessoa.
Interessante que, inicialmente, o você e o vocês são classificados como
pronomes de terceira pessoa e, em seguida, ao falar que os pronomes pessoais
substituem os elementos que entram em um processo de comunicação e, por isso,
têm a função de indicar a pessoa que fala (eu/ nós), a pessoa de que se fala (ele
(s)/ela(s)), os autores colocam o você e o vocês como pessoas com quem se fala
junto ao tu e ao vós. Ou seja, em uma mesma página, há o registro dos pronomes
você e vocês como pronomes de segunda e terceira pessoas do singular e do plural.
Borgatto, Bertim e Marchezi (2006) seguem o estabelecido: definem o
pronome pessoal associando-o à pessoa do discurso. O pronome você não é
incluído nessas pessoas, mas, em uma observação, as autoras registram que, no
Português do Brasil, na maioria das regiões, os pronomes de tratamento você e
vocês têm substituído os pronomes pessoais tu e vós e, assim, esclarecem o motivo
pelo qual estes pronomes são considerados como pronomes de segunda pessoa,
pois fazem referência à pessoa com quem se fala.
Assinalam ainda, sem maiores detalhes, que o tu em muitos lugares do Norte,
Nordeste e Sul do país é o pronome de segunda pessoa mais usado.
Sarmento (2006, p.82) conceitua pronomes e, em seguida, pronomes
pessoais; associa as pessoas do discurso e, ampliando as informações que
geralmente estão presentes nos outros LD, traz:
eu/ nós – a pessoa que fala, o emissor (1ª. pessoa, o narrador na prosa
ou eu lírico na poesia);
tu/ vós – a pessoa com quem se fala, o receptor ou interlocutor (2ª.
pessoa, o leitor ou algum personagem);
185
ele(a)/ele(as) – o assunto, a pessoa ou a coisa da qual se fala (3ª.
pessoa).
Embora a autora forneça um número maior de informações sobre cada
pessoa, o você é excluído do quadro de pronomes pessoais do caso reto e posto no
quadro de pronomes de tratamento, empregado no trato familiar.
Souza e Cavéguia (2006, p.35) não discutem questões gramaticais ao longo
do livro e remetem os leitores ao suplemento no final da obra. Neste, o pronome
você está indicado, no quadro de tratamento, para pessoas íntimas.
Giacomozzi, Valério e Redá (2004) abrem a discussão sobre pronomes com o
gênero textual charge. Nesta charge, a partir da fala de uma personagem, “A Helga
parece ser louca por você”, os autores propõem-se a discutir pronomes. Solicitam
que o leitor observe a palavra você e informe qual o substantivo que ela representa.
Apesar desse bom anúncio de discussão, o você continua a ocupar o quadro dos
pronomes de tratamento para referência familiar nesse livro.
Faraco e Moura (2007, p.84) também elegem uma charge para iniciar a
discussão sobre pronomes. Nesse texto, Mafalda, dirigindo-se a Miguelinho, diz
“Foram umas férias maravilhosas, Miguelinho! Tu não achas?” E o pronome tu é o
mote para a discussão. Os autores questionam aos leitores se há outro pronome
equivalente ao tu e qual é o mais usado nas conversas cotidianas.
Apesar desse questionamento, no quadro de pronomes pessoais, a tradição é
mantida. Interessante perceber que há uma insinuação de que o pronome você é, na
atualidade, mais usado apenas em conversas cotidianas, como se estivessem a
sugerir que o pronome tu pudesse ocupar outros espaços mais formais.
Por fim, trazemos Beltrão e Gordilho (2007, p. 136) que descortinam o estudo
a partir de um diálogo entre dois personagens:
186
Ilustração 15 : O uso do você em charge
Em seguida, as autoras questionam os leitores acerca do uso adequado ou
não das falas empregadas pelos personagens e solicitam que eles informem nas
falas das personagens a pessoa que fala, a pessoa com quem se fala e a pessoa de
quem se fala.
Somente, após essa introdução, definem pronomes pessoais e mostram o
quadro desses pronomes. O pronome você não aparece apresentado na quadro de
pronome pessoais. No entanto, ao classificá-los, o você é exposto junto ao tu nos
pronomes de caso reto e também ocupa lugar no quadro dos pessoais de
tratamento.
Uma ressalva aparece no início da discussão: “Em algumas regiões do Brasil,
o falante emprega o tu, 2ª. pessoa do singular, como forma de tratamento, e em
outras regiões emprega-se o você.”
Entendemos que o tu e o vós devam ser ensinados aos alunos, afinal
compõem o quadro de pronomes reconhecido pela GT e, talvez, se os alunos não
tiverem acesso a essas formas no LD, nem se deparem com essas formas
pronominais em outros gêneros. No entanto, não é necessário nos estágios iniciais
um trabalho rigoroso com tais formas, tendo em vista que são vocábulos que estão
distantes do uso dos alunos em suas produções textuais.
Com uma postura diferenciada, Abaurre e Pontara (2006)49 assinalam que
você e vocês são pronomes “considerados” de tratamento, empregados
49 Esse livro didático não está incluso no quadro 6 por não pertencer a 5ª. série.
187
frequentemente na linguagem cotidiana e que são formas usadas em muitas
variedades brasileiras, substituindo o tu e o vós. As autoras resgatam a origem do
pronome na forma Vossa Mercê e mencionam as reduções fonológicas sofridas por
essa forma. Ainda, nessa discussão, expõem o você no quadro como 2ª. pessoa do
discurso empregada com a forma verbal de 3ª. pessoa.
É necessário, a nosso ver, que, ao estudarmos os pronomes pessoais , além
dessas questões expostas por Abaurre e Pontara, as discussões sobre as diferentes
referências do você estejam presentes. No ensino do pronome pessoal, o você deve
estar elencado como segunda pessoa, embora a sua concordância seja feita , por
questões de natureza histórica, com o verbo em terceira pessoa, e outros textos
devem ser apresentados para que os alunos percebam o uso que os falantes fazem
e reflitam sobre o que é prescrito e o que pode ser descrito no uso, no qual subjaz
um rol de intenções que devem ser analisadas.
De posse da noção de que a língua dispõe do pronome você, o falante usa-o
para substituir o tu, ocupando a segunda pessoa com a concordância de terceira
pessoa. O uso dessa forma para referência ao interlocutor é validado pela forma
original do você, Vossa Mercê, que os súditos utilizavam como referência ao rei,
primeiro interlocutor.
Ousando mais, o falante experimenta e usa o você para falar de algo que
acontece com o próprio falante e não com o seu ouvinte. Assim, diz:
(115)Eu chego tarde em casa e como e é aquela coisa... se você come tarde ... ... então, eu engordo.
Tendo conseguido que o seu discurso seja compreendido pelo seu
interlocutor, passa a usar o você como referência à primeira pessoa.
Ou, ainda, conforme vimos, usa o você genérico, ativando um sentimento
coletivo, como em:
(116)Sabe quando você não acorda de bem com a vida.
O estudioso da linguagem não deve apenas preocupar-se com o “como” o
enunciado foi estruturado, mas deve dar conta também do “por que” foi estruturado
assim e não de outra forma. Dessa maneira, a análise não estaria circunscrita
188
apenas à construção sintática, à observação morfológica, mas realizaríamos um
trabalho no qual a busca seria por determinar as estruturas argumentativas e
textuais e por compreender a língua como um todo.
O famoso “falar e escrever bem” estaria assim mais próximo ao “falar e
escrever adequadamente” para melhor atingir aos propósitos almejados. O falante
deixaria de ser “homem (...) escravo e prisioneiro de estruturas” para ser o “homem
(...) criador e transformador de estruturas.” (LUFT, 2007, p. 46).
Estaríamos mais próximos a uma gramática que procurasse compreender a
dinâmica da língua, o movimento dos enunciados gerados e mais distantes da
gramática que concebemos estática, que apenas prescreve a partir de enunciados
que efetivamente já não refletem as nossas falas.
Dessa forma, teríamos um sistema que está com a porta entreaberta, a
serviço do lado criador, do potencial expressivo do falante. Em outras palavras, a
serviço da gramática que cada ser possui. Uma gramática diferente como são
diferentes as nossas identidades, porque, entre outros, a nossa história e o nosso
nível sócio-econômico-cultural são diferenciados também.
Infelizmente, a intervenção da linguística, como ciência, pouco conseguiu
mexer com as estruturas arraigadas do ensino da língua. Estamos muitas vezes em
um processo que se assemelha a um revés de um parto, ensinamos para que
nasçam nos alunos textos orais e/ou escritos adequados às suas necessidades e,
ao contrário disso, temos a impressão de que o que conseguimos foi provocar a
inibição /castração no falar e no escrever desses sujeitos.
Ainda que a Gramática (acepção 2 de LUFT,2007) não prescreva tal
condição, os falantes de posse do “saber linguístico” que possuem, da noção de
formação de frases com base no código gerador que domina, usam e abusam da
sensibilidade e intuição que detêm, geram novas frases e produzem novos sentidos
a partir das possibilidades que a língua oferece.
É um jogo. Se der certo a tentativa, é provável que vire uma estratégia. Se der
errado, intuitivamente, o falante perceberá que necessita de uma reformulação.
Aceitar isso significa respeitar a atuação linguística do falante que vem com o
domínio sobre a língua e significa, sobretudo, para o gramático descrever essas
possibilidades e para o professor da língua materna apresentá-las e discuti-las.
189
Os usos, então, do pronome você em outras situações seria inadmissível,
quando, na verdade, não há nada de complicado e, pelos exemplos que coletamos e
analisamos, todos sabem dizer o que querem dizer, como querem dizer, como
precisam dizer e são compreendidos em suas falas e propósitos.
Há uma idéia simplista e ingênua de que apenas a norma culta segue uma
gramática. E, dessa forma, alguns que se intitulam estudiosos da linguagem,
sobretudo na mídia, costumam afirmar que você é um vício, uma mania, um
cacoete.
Cipro Neto (2001, p. 173) destina um capítulo ao emprego do você e, embora
seja notório perceber, tanto nos textos usados por ele quanto nas afirmações que
ele faz, que reconheça os usos múltiplos do você, categoricamente sugere “(...) é
bastante desejável a eliminação desse cacoete. É cansativo, pobre e enfadonho o
uso da palavra você com indicador de algo genérico (...).” E, no final do capítulo,
imperativamente afirma: “pare com esse cacoete de usar ‘você’ que não é
você.”(op.cit, p. 176)
Assim, comportam-se os vigilantes de plantão. Entendem que estão
preservando a língua, embora percebam que um universo de falantes aja sobre a
mesma, modificando-a e interagindo e sendo compreendido pelos pares. Ainda
assim, esses estudiosos da língua apenas desejam atenuar o que acontece,
etiquetar como errado e eliminar tal alternativa do rol de opções plausíveis de
produção.
Perguntamo-nos, então, o que é legítimo fazer enquanto estudioso da língua?
Parece-nos que o caminho não seria o da negação do que acontece, mas o da
descrição, da análise e da reflexão.
Observemos o enunciado seguinte:
(117) Interlocutor A: Fale-me o que você está sentindo?Interlocutor B: Sabe, amiga, quando você percebe que precisa mudar a sua vida. Precisa dar novos rumos, fechar ciclos, romper com relacionamentos que não a levam a nada? Sabe, nesse momento, você descobre que está grávida... tudo se torna um complexo território.
É um enunciado no qual o você é usado pelo interlocutor B para referir-se a
uma situação vivida pela própria falante. A primeira ocorrência do você nesse
190
enunciado ativa um sentimento mais genérico de mudança de vida e, na segunda
ocorrência, o você é bem específico ao falante, que, no instante da fala, encontra-se
grávida. Esse enunciado é tão legítimo quanto o primeiro no qual o interlocutor A usa
o você com valor de segunda pessoa.
A utilização do você com outros fins não existe por si só, existe em função do
uso que fazem do mesmo, um uso coletivo, homologado entre os interlocutores,
aceito como natural no contexto discursivo.
Uma única pessoa é capaz de usar o mesmo pronome com diferentes
referencialidades em apenas um enunciado. Ou, como aconteceu acima, usar um
sentido do você para interagir com uma questão no qual havia um outro você. Uma
atitude espontânea de uso da língua na qual o falante percebe, ainda que em uma
gramática implícita50, a força argumentativa de tal pronome.
Se o objetivo maior do ensino escolar é a inclusão social dos alunos,
entendemos que essa se dê pela articulação das vias da competência na leitura, na
escrita, na oralidade, pelas vias da análise, da reflexão, da crítica dos componentes
da língua. Diante da exposição dessas reflexões para o aluno, acreditamos que ele,
na condição de produtor, torne-se mais consciente e competente na escolha de
palavras (recurso da língua) para a construção dos seus textos, bem como para
compreender e interagir com diversos textos.
O que é uma GN impondo o valor “correto” de uso de uma determinada forma
diante do uso que é realizado pelos falantes? O que significa conhecer uma língua?
E quem é que pode afirmar que conhece ou usa melhor a língua?
São inquietações que provocamos e deixamos como pedras no meio do
caminho.
4.4 Poucas palavras
50 Gramática implícita “[...] é a competência lingüística internalizada do falante (incluindo os elementos – unidades, regras e princípios – de todos os níveis de constituição e funcionamento da língua: fonológico, morfológico, sintático, pragmático e textual-discursivo) e que seria implícita, porque o falante não tem consciência dela, apesar de ela estar em sua ‘mente’ e permitir que ele utilize a língua automaticamente, quando dela necessita para qualquer fim, em situações específicas de interação comunicativa.” (TRAVAGLIA, 2000, p. 33).
191
Vivemos sub judice de um ensino que insiste em impor os conteúdos oriundos
das gramáticas greco-latinas e, assim, convivemos há tempos com usos
metalinguísticos dos estudos da língua, falhos e inconsistentes, mas que
permanecem sem alterações nas Gramáticas Normativas/compêndios gramaticais e,
por sua vez, nos livros didáticos.
Por que, em específico, no caso do você, haveria uma forma de uso mais
recomendada que outra? Discutimos isso e mostramos que a escola que
concebemos é aquela que se debruce sobre as descobertas e aceite de peito aberto
a amplitude e relevância da linguagem sob a ação dos falantes. Para nós, está na
hora de publicar o anúncio (e não denúncia) de que precisamos refazer certas
veredas.
Ousemos imaginar que, ao invés, de propor uma visão unilateral e
reducionista dos compêndios, apresentássemos aos alunos o que é proposto nas
gramáticas e como, na prática, isso é realizado de outras formas. Propuséssemos
uma discussão sobre o propósito do falante a usar uma determinada forma e outra
para que os alunos percebessem nos exemplos (excertos de fala e/ou linguagem
cotidiana) os sentidos do você realizados e a referencialidade no seu uso.
Dessa forma, ressaltaríamos discussões e análises sobre as intenções que se
fazem presente no falante ao usar o você (P1) para referir-se a ele mesmo, quando
poderia ser utilizado o pronome convencional de 1ª. pessoa – o eu - ou quando o
falante usa o você para falar de um grupo quando poderia escolher uma outra forma
lexical.
Com isso, além de trabalharmos a língua portuguesa, através de
morfossintaxe, da argumentação, da textualidade, trabalharíamos a língua como
instrumento social de inserção do sujeito, na condição de ser político, cidadão e
usuário capaz de agir, reagir de abordar e transbordar a partir dos elementos
linguísticos de que dispõe. Sairíamos do foco reducionista do ensino da língua em si
mesma para o foco ampliado do ensino da língua para a formação de um ser.
A escola que desejamos é aquela que se liberte dessas grades que insistem
em separar os mundos. Um espaço que propicie a discussão, a pesquisa em torno
das palavras e dos seus efeitos de sentido das palavras em função do que se deseja
extrair das mesmas. Um espaço que concretize um mo(vi)mento de pesquisa em
192
torno dos itens linguísticos e no qual os alunos não apenas se acomodassem em
suas carteiras para receber informações sobre uma língua da qual ele participa da
construção, da criação e da recriação, da significação e da ressignificação.
Será que assim não teríamos ,um dia, alunos mais questionadores e capazes
de assumirem uma atuação/situação discursiva de forma mais relevante, mais
fundamentada, crítica e como maior nível de adequabilidade?
Entendemos que deva ser explicitado para o aluno que a língua é um
caminho que é feito, de certa forma, por ele, ao caminhar.
Por fim, esperamos que o exposto possa vir a contribuir para uma maior
participação da sociedade na condução do estudo da gramática e na condução do
ensino como um todo.
A seguir, sairemos da via principal e observaremos os desvios que sugiram
em nosso caminho: a presença do ocê e do cê em nosso corpus.
193
194
5 UNS DESVIOS NO CAMINHO ESTABELECIDO: OCÊ E CÊ
Ainda que o nosso objeto de estudo seja o pronome você e tenhamos, ao
longo do texto, fixado-nos basicamente nele, por vezes, buscando a sua origem e o
sua atuação na atualidade e, por vezes, procurando teorias que fundamentassem o
seu uso no discurso, estabeleceremos, por ora, um caminho desvio, mostrando
como ficam as formas ocê e cê, nesse processo de gramaticalização.
Realizaremos essa trilha, por entendermos que essas formas também fazem
parte do processo de gramaticalização do você , embora tenham se mostrado pouco
produtivas em nosso corpus.
As formas ocê e cê, oriundas também da forma lexical Vossa Mercê,
aparecem no nosso corpus com 06 ocorrências femininas e 193 ocorrências
masculinas.
5.1 Um pouco d’ocê pelo caminho
Pelo número reduzido de ocorrências da forma ocê, em apenas 4/60
informantes, foi possível constatar que o seu uso não é categórico na região
paraibana, diferentemente, por exemplo, do estado de Minas Gerais, onde essa
forma é bastante recorrente.
A forma ocê foi registrada em falas nas quais também eram usados, no
mesmo enunciado, os itens você e cê, sem que houvesse distinção semântica e/ou
sintática entre os pronomes.
Verifiquemos alguns usos :
(118)Mays eu achu ocê pudia precisar mays di ôtra manêra, né? Im parti di financêramenti você istaria mais tranquilu (...)mays qui dê pr’ocê isperar até
meiu-dia, issu é munhitu bom, {exessu} na casa da genti (est) (NPL).
(119)você escolha dos esportes que você gosta. É caçar, pescar ou jogar futebol. Um <ocê> fica, aí eu fiquei caçando e pescando e o futebol eu abandonei. (risos F) (GLX)
195
(120)Cê pode tá salvo daquilo que ocê, ocê praticar (gaguejo) [ma] mas lá em cima você num tá salvo não (ASC).
(121)São os momento que ocê tiver com uma pessoa é um amor, uma amizade é uma coisa boa mesmo (TOS).
O uso do ocê pode ser favorecido pela presença de uma preposição, exemplo
do pr’ocê em (106), mas a sua realização não é condicionada por essa categoria
gramatical. O falante utiliza-se de uma forma ou outra indiscriminadamente.
Em todas as ocorrências do ocê, o comportamento dele se assemelha ao
comportamento sintático do você e esta forma poderia ter sido também usada sem
que houvesse nenhum prejuízo de ordem gramatical ou semântica. Observemos:
1. ocê pudia precisar
você pudia precisa
2. qui dê pr’ocê isperar
qui dê pra você isperar
3. um <ocê> fica
um você fica
4. daquilo que ocê, ocê praticar
daquilo que você, você praticar
5. que ocê tiver com uma pessoa
que você tiver com uma pessoa
196
5.2 Cê por aqui
A forma pronominal mais reduzida cê teve um uso maior. Foi utilizada em
33/60 informantes. Sendo 26 ocorrências femininas em 9/30 informantes e 167
ocorrências masculinas, sendo 24/30 informantes. Pelo o expressivo número, esse
fato leva-nos a refletir sobre a ordem proposta, por Hopper e Traugott, no processo
de gramaticalização de um item :
Item lexical > item gramatical > clítico > afixo
Observando o nosso objeto de estudo, a ordem poderia ser assim delineada:
Item lexical MERCÊ
Item gramatical forma nominal VOSSA MERCÊ
Variante VOSMECÊ
Item gramatical forma pronominal VOCÊ
Variante OCÊ
Clítico CÊ
Afixo flexional Ê51
Ilustração 16 : Percurso do item lexical ao afixo flexional
O item linguístico Mercê adjungido ao pronome possessivo vossa gera o item
gramatical (forma nominal) Vossa Mercê, período no qual convive com a variante
vosmecê. Essa forma nominal, por sua vez, gera o item gramatical (forma
pronominal) você, que tem como variante a forma ocê. Em seguida, no penúltimo
estágio de gramaticalização, aparece o clítico cê, forma mais atualizada e mais
avançada da gramaticalização do você, segundo Vitral (1996), Vitral (1999) e Vitral e
Ramos (1999), considerado como clítico.
51 Vitral (1996) registra que, em Goiás, ocorre a seguinte expressão: “ê é besta sô!”. Expressão que significa dizer “Você é besta sô! E, assim, o autor aponta esse ê como uma possível etapa da afixação flexional.
197
Os clíticos no português brasileiro falado apresentam-se sempre antepostos
ao verbo, fato contrário ao que ocorre no português europeu. O cê, assim como o
você e o ocê, pode ocupar no sintagma oracional, tranquilamente, a posição pré-
verbal, como em :
(122)Isso aí: é o <-cê> sabe, né? (IMS).
(123)[cê-] vai passar um ano na casa sem pagar (IFS).
(124)Cê tem que tá no canto, sozinho, quieto (GSN).
(125)cê veja uma mexicana no SBT(risos), não teim quem aguente, não é isso? Os atores são legais, são bacanas (MCC).
Em todos esses exemplos, o lugar de cê, anteposto ao verbo, poderia ser
ocupado pela forma você ou ocê sem que isso acarretasse problemas de
agramaticalidade nas sentenças. No entanto, o uso de cê em outras posições faz
com que a frase deixe de ser gramatical. Comportamento diferenciado do que
acontece com o você e com o ocê, que poderiam ser utilizados nas hipotéticas
frases elaboradas a partir dos enunciados anteriores.
A forma cê não pode receber estruturas com foco ou ênfase. (126)* Foi cê quem tinha que tá no canto, sozinho, quieto.
Foi você (ocê) quem tinha que tá no canto, sozinho, quieto.
(127)* Aí chega cê que tinha que ficar no canto, sozinho, quieto. Aí chega você (ocê) que tinha que ficar no canto, sozinho, quieto.
A forma cê não pode ser modificada por advérbio (128)* Só [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar.
Só você (ocê) vai passar um ano na casa sem pagar.
(129)* Até [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar. Até você (ocê) vai passar um ano na casa sem pagar.
A forma cê não pode receber o acento que caracteriza a entoação de uma
construção de topicalização (130)* Cê, ele já viu passar em casa. Você (ocê), ele já viu passar em casa.
198
Também não há o uso do cê na função de item topicalizado, como elemento
que atua como resposta sozinha, pois a atonicidade impede a realização do
clítico com essa atuação52.
(131)- Quem passou em casa? * - Cê? - Você (ocê)?
E ainda não pode ser usado após preposição ou como elemento coordenado
com outro pronome, pois esse é um ambiente propício para as formas
tônicas. (132)*Eu passei pra cê.
Eu passei pra você (ocê)
As frases mostram a existência de uma distribuição complementar: a forma cê
não pode ocorrer em todos os ambientes em que você e ocê ocorrem. Embora todos
sejam pronomes e oriundos de uma mesma forma lexical, não possuem os mesmos
traços e nem os mesmos comportamentos sintáticos. Você e ocê são itens da
gramática, podendo estar posicionados antes e após o verbo, e a forma cê caminha
rumo a um processo de clitização , estando o seu uso restrito a determinadas
posições.
Em todos esses casos (126-132), percebemos que o comportamento da
forma cê equivale ao comportamento de um clítico e, assim, há a justificativa de que
é pré-requisito para um clítico ser hospedeiro de um outro elemento; por isso o cê,
naqueles contextos, sem elementos em que pudesse se escorar (condição natural
de um clítico) é agramatical.
Roberts; Kato (1996, p. 262) estabelecem uma distinção entre os pronomes
fortes, como você e ocê, que podem ocupar a posição de tópico, pois carregam a
ênfase, e os pronome fracos, como cê, que apenas podem se ligar a um elemento
anterior em posição de tópico. Nossos exemplos sinalizam isso, ou seja, que a forma
reduzida cê constitui um item que se posiciona sempre em adjacência ao verbo.
52 O acento presente na forma cê não sinaliza a tonicidade, mas sim o fechamento da vogal.
199
5.3 Cê cliticiza ou se cliticiza
O processo de gramaticalização, além dos estágios Item lexical > item
gramatical > clítico > afixo, implica a perda de conteúdo semântico e a perda de
substância fônica “evolução pela qual as unidades linguísticas perdem em
complexidade semântica e substancia fonética”53 (HEINE; REH, 1984 apud
TRAUGOTT; HEINE, 1991). É visível tanto na evolução do Vossa Mercê > você,
como na evolução do você > cê, essa perda de substância fônica e, como resultado,
a permanência da sílaba tônica final como herança da forma primeira. Interessa-nos
mostrar ainda que o cê clítico, assim como o pronome você, perde conteúdo
semântico e passa a trilhar (além de referência a um interlocutor) por um caminho de
indeterminação. Nesse estágio, aproxima-se bastante de um outro clítico : o se.54
Ancorando em Kato, Vitral (1996) argumenta que a ênclise não é um
fenômeno naturalmente do português brasileiro, mas que surge como resultado do
contato com a escrita e/ou com a escola. Corrêa (1998), comparando a fala e a
escrita de estudantes paulistas da 1ª. a 8ª. séries e universitários, indica que para o
primeiro grupo a ênclise aparece em 9, 3 % e, para o segundo grupo, 86, 7 %. Tais
resultados confirmam a posição de Kato de que os clíticos só são adquiridos no
processo de escolarização e Pagotto (1992) ratifica que a próclise é a posição
natural do clítico, impera como tendência generalizada, e a ênclise é resultado de
um movimento suplementar do verbo. Em exemplos, como:
(133)você pega num caibo assim, cê pindura assim (AJM).
(134)Cê [pe] pega os livros, o problema é cê ler muito (LGP).
Assim como o clítico se tem o seu uso indeterminador, como em: “então se
entra nos mínimos detalhes” e “parte-se um ovo e serve-se“55, o cê nas ocorrências
supracitadas aponta em uma direção de indeterminação, tal qual é realizado pelo se.
53 evolution whereby linguistic units lose in semântica complexity … and phonetic substance … 54 Apesar dessa proximidade vale ressaltar que não se deva falar em homogeneização absoluta em
relação ao comportamento dos clíticos. 55 Exemplos retirados de Galves, Charlotte e Abaurre, Maria Bernadete Marques. Os clíticos no
português brasileiro: elementos para uma abordagem sintático-fonológica.
200
Essa função de indeterminação são processos mais recentes dessa forma. Mais
uma vez, o nosso convite à observação.
(135)você pega num caibo assim, cê pindura assim
pendura-se (136)Cê [pe] pega os livros,
pega-se
(137)O problema é cê ler muito (MLT)
lê-se
A falante MLT ainda oferece-nos, para convalidação das nossas hipóteses, o
seguinte enunciado: ” se você- <se’u-> se deixa. No qual percebemos que “se você deixa ” foi substituído por “se deixa”. Ambas estão refletindo formas de
indeterminação.
A utilização do cê pode, então, ser pensada como uma das alternativas de
que o falante dispõe na língua para a indeterminação. A perda de conteúdo
semântico pode ser interpretada como perda de traços semânticos que caracterizam
a referência virtual, ou seja, traços semânticos que permitem ao item selecionar
diretamente um referente no universo do discurso, caminhando para uma tendência
à significação geral e passando de um item referencial para um item não referencial
(tendência também sugerida por HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p. 157).
As ocorrências da forma cê em nosso corpus, evidenciaram-nos que:
1.Há uma tendência do sexo/gênero masculino de usar mais a forma que o
sexo/gênero feminino;
2.Há uma tendência gradativa e proporcional do uso do cê e da faixa etária,
aumentando sempre o uso à medida que a faixa etária também avança.
Na primeira faixa etária (15 a 25 anos), houve 40 ocorrências do cê.
201
Na segunda faixa etária (26 a 49 anos), houve 56 ocorrências do cê.
Na terceira faixa etária (mais de 50 anos), houve 97 ocorrências do cê.
3.Há uma tendência diferenciada entre o sexo/gênero feminino e o sexo/gênero
masculino. Naquela camada, o uso do cê é mais acentuado entre os informantes
que tem de 5 a 8 anos de escolaridade, 11/26, e nessa camada, entre os
informantes que tem mais de 11 anos de escolaridade, 74/167 ocorrências.
Embora o nosso passeio pelo cê, tenha sido en passant, em função de não
ser o nosso foco de análise, o discutido permite-nos inferir que está acontecendo
uma especialização no uso do cê no sexo/gênero masculino, com mais de 50 anos
de idade e com escolaridade superior a 11 anos. Essa tendência à especialização,
no entanto, não impede de se identificar um processo de gramaticalização em
andamento da forma mais avançada da locução nominal Vossa Mercê, uma forma
fonologicamente reduzida e sintaticamente dependente.
202
CONSIDERAÇÕES FINAISTenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto
( Fernando Pessoa)
Hora da chegada.
Após todo esse percurso, todos esses caminhos, aportamos por aqui com
algumas idéias sobre o pronome você que emergem e nos levam à reflexão.
O pronome você entrou na língua como pronome de tratamento e teve o seu
uso generalizado no Brasil, quer seja nas relações simétricas, entre os pares;
quer seja nas relações assimétricas, sendo usado por superiores para referir-se a
inferiores. Segundo Biderman (1972/1973) os critérios de idade, como ser mais
velho, e os de posição social, como pertencer a uma classe superior a do outro,
marcavam de forma determinante estas relações.
A inserção do você na língua portuguesa foi agente de uma série de
repercussões gramaticais/linguísticas. Focalizando o seu encaixamento no
subsistema dos pronomes pessoais, podemos, seguramente, afirmar que ele
causou um aparente desequilíbrio no sistema que logo foi se ajustando às
necessidades comunicativas.
É própria das formas de tratamento, segundo Monteiro (1994), conseguir
ultrapassar os limites e desfazer as restrições das regras de combinações
impostas pela língua, é o você foi exemplo disso através do seu processo de
variação e mudança na forma, na função e na referência.
Quanto à forma, conforme vimos em A história do você, havia um pronome
vós que foi substituído por Vossa Mercê, por razões que refletem questões de
ordem política, econômica e linguística. Essa forma fonte teve o seu uso alargado
e sofreu, consequentemente, um processo de simplificação fonética, tendo a sua
massa fônica reduzida a vossemecê, vosmecê, entre outros, e, finalmente, a
forma você. Nos dias atuais, o você é um pronome chave, de pequena extensão,
203
que exige pouco esforço cognitivo e serve para dirigir-se a um grupo menor ou
maior de pessoas, ao tempo em que se refere apenas a um único indivíduo. É
comum também encontrarmos a forma ocê, em determinadas regiões, e a forma
cê, em todo o território nacional. Às vezes, essas formas são usadas
indistintamente em diálogos.
No espaço cibernético, a redução dessa forma, atinge outras esferas, sendo
escrito, nessa modalidade de gênero, por vezes, como vc ou, até mesmo, apenas
como c. Há ainda estudos, como Vitral (1996), que sinalizam a realização da
forma reduzida ê, em determinada região brasileira. Podemos assegurar, apenas,
que o percurso da forma teve como ponto de partida o Vossa Mercê e que há
uma tendência explícita de redução. O que confirma a nossa hipótese do percurso
sofrido do mercê > vossa mercê > você e da significativa perda de massa fônica
por parte da locução nominal.
Dessa forma, a hipótese de que o pronome você tenha sofrido um processo
de gramaticalização
Quanto à função, a locução nominal Vossa Mercê gramaticaliza-se como
pronome você. Este passa a ocupar, segundo a tradição gramatical, a posição de
pronome de tratamento, herdado da forma fonte. No entanto, no paradigma
pronominal, o você apropria-se do lugar de segunda pessoa, distanciando-se,
nesse aspecto, do valor da forma original.
Como segunda pessoa, concorre com o pronome já existente na língua para
essa função e, assim, convive com o tu em algumas regiões e suplanta o uso do
tu em outras.
Age na concordância, provocando a “mistura entre pronomes”, tendo em vista
que, na condição de pronome de segunda pessoa, deveria trazer rigorosamente
as marcas de concordância dessa pessoa, assim como ocorre com as demais
pessoas pronominais. No entanto, traz cristalizadas características de
concordância da sua forma fonte, marcas de terceira pessoa. Assim, é comum
termos contato com estruturas nas quais o falante coloca o você em concordância
com os pronomes oblíquos te, contigo ou com os pronomes possessivos teu, tua,
204
relativos à segunda pessoa, embora o você, na condição de pronome vindo da
terceira pessoa, devesse estar organizado sintaticamente com pronomes do P3.
Além de agir na língua, provocando essa flutuação entre pessoa e elementos
que concordam com ela, provoca uma alteração na marca verbal de segunda
pessoa, razão pela qual, em diversas regiões, o pronome tu é acompanhado de
verbos sem a marca de desinência número pessoal equivalente a essa pessoa,
havendo uma uniformização da forma empregada para o tu e para o você. Dessa
maneira, teríamos as seis pessoas pronominais e suas respectivas realizações
contempladas em basicamente quatro formas: eu estudo/tu, ele/ela/você estuda/nós, a gente estudamos/eles, elas, vocês estudam.
Por essa razão, mais um rearranjo surge. O traço de realização do sujeito
nulo em nossa língua foi alterado e passou a ser preciso a realização do sujeito
pleno (Cf. Duarte, 1995) para que se pudesse especificar claramente o sujeito
utilizado no enunciado, já que cada forma verbal exposta acima, excetuando P1,
pode ser utilizada para mais de uma pessoa. Monteiro (1994, p.153) diz a esse
respeito que:
(...) a criação do pronome você foi um passo decisivo para outras modificações. É possível imaginar-se até que a tendência para a obrigatoriedade da presença do sujeito, confirmada para os dados da norma culta, tenha começado a acentuar-se a partir daí.
O você ocupa, assim, a categoria dos pronomes pessoais do caso reto, com
características bem peculiares. Pertence à segunda pessoa, mas tem a
concordância verbal de terceira pessoa, fato que, conforme vimos, influenciou até
a ausência da marca de realização da segunda pessoa.
Traz o número de 3ª. pessoa. Assim como o ele/ela pluralizam-se em
eles/elas, a partir do acréscimo da marca de plural s, o você se opõe, em número,
ao vocês, de forma similar; diferentemente da realidade da segunda pessoa, na
qual temos tu em oposição a vós.
Com relação ao gênero, há uma neutralidade na forma que se desfaz
mediante o contexto discursivo. O você pode referir-se a um homem ou a uma
205
mulher. Traço comum ao que ocorre com o tu, mas não ao que ocorre com ela e
ele.
Em linhas gerais, podemos afirmar que, com relação ao número e à
concordância, estão arraigados os valores da forma fonte e com relação à pessoa
pronominal e às características de gênero tem semelhanças com o tu.
Quanto à referência, temos, no pronome você, o reconhecimento nas
gramáticas e livros didáticos de que é um pronome de tratamento e, por vezes,
em anotações e observações periféricas, identificam-no como pronome pessoal
de caso reto com valor de segunda pessoa.
Com uma ampla disseminação desse pronome, era de se esperar que a sua
referência também sofresse alteração, assim como a sua forma e a sua função.
Nos nossos dados, o você revelou-se como um pronome que se
metamorfoseia em três referências: P1, em exemplos como: “+ Quer dizer eu num
achei rim ter tido meu filho não. Pelo contrarøo a emoção é tão forte quando a
gente ta isperando o filho que você tá sofrendo pur’ele você num sente tanta dor
assim, sente mais aquela emoção, e pra mim (JPS) ; P2, em referências ao do
tipo : “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0.”(MHS); e como
genérico, “Se você fizéø um bom segunøo grau, você com certeza vai se dáø
muito bem na univeøsidade e: vai sabêø se expressáø, principalmente,
né?”(HBC)
Dessa forma, afora o já discutido em Metodologia, estruturação das variáveis
e análise dos dados, acrescentamos que, a análise das variáveis linguísticas e
extralinguísticas possibilitou-nos afirmar que o pronome você com valor de
genérico tem sido efetivamente a referência mais utilizada dessa forma
pronominal, atingindo um índice de 43,4% das ocorrências femininas e de 42 %
nas ocorrências masculinas.
Na variável sexo/gênero, o você genérico foi bem menos produtivo que os
outros usos. Na variável faixa etária, houve um crescimento proporcional do você
P2 e genérico à medida em que se avançava na idade e inversamente
proporcional ao uso do P1 que foi mais produtivo na primeira fase e teve menor
206
realização na terceira fase; e , em ambos os sexos, os informantes com mais de
11 anos de escolarização realizaram um extensivo uso do você , sobretudo,em
textos argumentativos em detrimento dos textos narrativos;
Observamos assim que a escola, ainda que com sua atitude normativa e
conservadora, não conseguiu inibir o uso do você com outras referências. Esse
uso tem se alastrado na língua, sofrendo um processo de ampliação semântica,
conforme anunciado na hipótese do trabalho.
Podemos assegurar que o falante paraibano, como reflexo do falar brasileiro,
no momento atual, encontra-se seduzido pelo você com outras referências além
da segunda pessoa, e esses outros valores do você configuram a variante
inovadora.
Por fim, fica em nós a certeza de que trilhamos vários caminhos, entretanto
muitos ainda faltam ser percorridos. Nessa pesquisa, não tivemos a pretensão de
exaurir a discussão acerca do tema, mas de propor vias que pudessem contribuir
para melhor compreender o fenômeno linguístico de mudança e variação na
forma, na função e na referência do pronome você.
207
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