UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
INSTITUTO DE CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA
OS FUNDAMENTOS DA BASILEIA HELENIacuteSTICA PTOLOMEU SOTER E A
CRIACcedilAtildeO DA DINASTIA LAacuteGIDA
FERNANDA ALVARES FREIRE
BRASIacuteLIA
2015
FERNANDA ALVARES FREIRE
OS FUNDAMENTOS DA BASILEIA HELENIacuteSTICA PTOLOMEU SOTER E A
CRIACcedilAtildeO DA DINASTIA LAacuteGIDA
Monografia apresentada ao Departamento de
Histoacuteria do Instituto de Ciecircncias Humanas da
Universidade de Brasiacutelia para a obtenccedilatildeo do
grau de licenciado em Histoacuteria Defesa oral 07
de Dezembro de 2015
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Henrique Modanez de SantrsquoAnna (Presidente)
Prof Dr Andreacute Gustavo de Melo Arauacutejo (HIS)
Prof Dr Gabriele Cornelli (FIL)
Agradecimentos
Em primeiro lugar agradeccedilo ao meu pai e agrave minha matildee pelo apoio incondicional em
todas as minhas decisotildees acadecircmicas por ter acreditado desde o iniacutecio no meu sucesso e na
minha capacidade Vocecircs sempre seratildeo os principais responsaacuteveis por todas as minhas
conquistas Aos meus amigos e familiares agradeccedilo por todo o amor e apoio Especialmente agrave
minha irmatilde muito obrigada pelos conselhos e por revisar muitos dos meus textos Danilo
Bernardino Isabela Parucker e Evelyn Dosso sem vocecircs tudo teria sido muito mais difiacutecil
Gostaria de agradecer ao Prof Dr Henrique Modanez de SantrsquoAnna cuja orientaccedilatildeo
foi importante para a realizaccedilatildeo deste trabalho Sua dedicaccedilatildeo ao seu trabalho e orientandos
foi fundamental para o meu crescimento acadecircmico e pessoal Muito obrigada por quatro anos
de conselhos valiosos aulas de grego reuniotildees indicaccedilotildees e amizade
Agradeccedilo igualmente aos professores que atuaram na minha formaccedilatildeo
principalmente agrave Profordf Drordf Maria Filomena P da C Coelho ao Prof Dr Andreacute Gustavo de
Melo Arauacutejo e ao Prof Dr Estevatildeo Rezende Martins Obrigada por inspirarem a busca pela
excelecircncia e amor agrave profissatildeo Ao Prof Dr Vicente Dobroruka agradeccedilo por ter sido meu
primeiro orientador e por toda a ajuda
Finalmente agradeccedilo agrave Universidade de Brasilia e ao CNPq pelo apoio agrave pesquisa a
mim conferidos atraveacutes da participaccedilatildeo em dois projetos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica responsaacuteveis
pelo meu amadurecimento acadecircmico
Lista de Figuras
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico
Figura 2 Mapa do Egito Laacutegida
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 321-
315 aC
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 315-
305 aC
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I (Alexandria c 305-285 aC)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo delinear alguns dos aspectos histoacutericos (contexto
histoacuterico eventos poliacutetico-militares apropriaccedilotildees e inovaccedilotildees) do estabelecimento da dinastia
Laacutegida no Egito a partir das vicissitudes poliacuteticas do periacuteodo posterior agrave morte de Alexandre
aleacutem de explicitar os fundamentos do poder legiacutetimo de Ptolomeu oriundos de uma releitura
da basileia de Alexandre Para tanto seratildeo utilizados os tipos de dominaccedilatildeo de Max Weber
aleacutem da anaacutelise das relaccedilotildees de poder empreendidas por Ptolomeu no estabelecimento de sua
dinastia O presente trabalho organiza-se portanto em trecircs partes 1) a consolidaccedilatildeo de seu
poder no Egito frente aos outros diaacutedocos 2) uma anaacutelise a respeito da basileia e suas
caracteriacutesticas 3) uma anaacutelise a respeito dos diaacutelogos de manutenccedilatildeo do poder engajados por
Ptolomeu
Palavras-chave basileia Egito Ptolomeu carisma poder legitimaccedilatildeo
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
FERNANDA ALVARES FREIRE
OS FUNDAMENTOS DA BASILEIA HELENIacuteSTICA PTOLOMEU SOTER E A
CRIACcedilAtildeO DA DINASTIA LAacuteGIDA
Monografia apresentada ao Departamento de
Histoacuteria do Instituto de Ciecircncias Humanas da
Universidade de Brasiacutelia para a obtenccedilatildeo do
grau de licenciado em Histoacuteria Defesa oral 07
de Dezembro de 2015
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Henrique Modanez de SantrsquoAnna (Presidente)
Prof Dr Andreacute Gustavo de Melo Arauacutejo (HIS)
Prof Dr Gabriele Cornelli (FIL)
Agradecimentos
Em primeiro lugar agradeccedilo ao meu pai e agrave minha matildee pelo apoio incondicional em
todas as minhas decisotildees acadecircmicas por ter acreditado desde o iniacutecio no meu sucesso e na
minha capacidade Vocecircs sempre seratildeo os principais responsaacuteveis por todas as minhas
conquistas Aos meus amigos e familiares agradeccedilo por todo o amor e apoio Especialmente agrave
minha irmatilde muito obrigada pelos conselhos e por revisar muitos dos meus textos Danilo
Bernardino Isabela Parucker e Evelyn Dosso sem vocecircs tudo teria sido muito mais difiacutecil
Gostaria de agradecer ao Prof Dr Henrique Modanez de SantrsquoAnna cuja orientaccedilatildeo
foi importante para a realizaccedilatildeo deste trabalho Sua dedicaccedilatildeo ao seu trabalho e orientandos
foi fundamental para o meu crescimento acadecircmico e pessoal Muito obrigada por quatro anos
de conselhos valiosos aulas de grego reuniotildees indicaccedilotildees e amizade
Agradeccedilo igualmente aos professores que atuaram na minha formaccedilatildeo
principalmente agrave Profordf Drordf Maria Filomena P da C Coelho ao Prof Dr Andreacute Gustavo de
Melo Arauacutejo e ao Prof Dr Estevatildeo Rezende Martins Obrigada por inspirarem a busca pela
excelecircncia e amor agrave profissatildeo Ao Prof Dr Vicente Dobroruka agradeccedilo por ter sido meu
primeiro orientador e por toda a ajuda
Finalmente agradeccedilo agrave Universidade de Brasilia e ao CNPq pelo apoio agrave pesquisa a
mim conferidos atraveacutes da participaccedilatildeo em dois projetos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica responsaacuteveis
pelo meu amadurecimento acadecircmico
Lista de Figuras
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico
Figura 2 Mapa do Egito Laacutegida
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 321-
315 aC
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 315-
305 aC
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I (Alexandria c 305-285 aC)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo delinear alguns dos aspectos histoacutericos (contexto
histoacuterico eventos poliacutetico-militares apropriaccedilotildees e inovaccedilotildees) do estabelecimento da dinastia
Laacutegida no Egito a partir das vicissitudes poliacuteticas do periacuteodo posterior agrave morte de Alexandre
aleacutem de explicitar os fundamentos do poder legiacutetimo de Ptolomeu oriundos de uma releitura
da basileia de Alexandre Para tanto seratildeo utilizados os tipos de dominaccedilatildeo de Max Weber
aleacutem da anaacutelise das relaccedilotildees de poder empreendidas por Ptolomeu no estabelecimento de sua
dinastia O presente trabalho organiza-se portanto em trecircs partes 1) a consolidaccedilatildeo de seu
poder no Egito frente aos outros diaacutedocos 2) uma anaacutelise a respeito da basileia e suas
caracteriacutesticas 3) uma anaacutelise a respeito dos diaacutelogos de manutenccedilatildeo do poder engajados por
Ptolomeu
Palavras-chave basileia Egito Ptolomeu carisma poder legitimaccedilatildeo
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
Agradecimentos
Em primeiro lugar agradeccedilo ao meu pai e agrave minha matildee pelo apoio incondicional em
todas as minhas decisotildees acadecircmicas por ter acreditado desde o iniacutecio no meu sucesso e na
minha capacidade Vocecircs sempre seratildeo os principais responsaacuteveis por todas as minhas
conquistas Aos meus amigos e familiares agradeccedilo por todo o amor e apoio Especialmente agrave
minha irmatilde muito obrigada pelos conselhos e por revisar muitos dos meus textos Danilo
Bernardino Isabela Parucker e Evelyn Dosso sem vocecircs tudo teria sido muito mais difiacutecil
Gostaria de agradecer ao Prof Dr Henrique Modanez de SantrsquoAnna cuja orientaccedilatildeo
foi importante para a realizaccedilatildeo deste trabalho Sua dedicaccedilatildeo ao seu trabalho e orientandos
foi fundamental para o meu crescimento acadecircmico e pessoal Muito obrigada por quatro anos
de conselhos valiosos aulas de grego reuniotildees indicaccedilotildees e amizade
Agradeccedilo igualmente aos professores que atuaram na minha formaccedilatildeo
principalmente agrave Profordf Drordf Maria Filomena P da C Coelho ao Prof Dr Andreacute Gustavo de
Melo Arauacutejo e ao Prof Dr Estevatildeo Rezende Martins Obrigada por inspirarem a busca pela
excelecircncia e amor agrave profissatildeo Ao Prof Dr Vicente Dobroruka agradeccedilo por ter sido meu
primeiro orientador e por toda a ajuda
Finalmente agradeccedilo agrave Universidade de Brasilia e ao CNPq pelo apoio agrave pesquisa a
mim conferidos atraveacutes da participaccedilatildeo em dois projetos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica responsaacuteveis
pelo meu amadurecimento acadecircmico
Lista de Figuras
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico
Figura 2 Mapa do Egito Laacutegida
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 321-
315 aC
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 315-
305 aC
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I (Alexandria c 305-285 aC)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo delinear alguns dos aspectos histoacutericos (contexto
histoacuterico eventos poliacutetico-militares apropriaccedilotildees e inovaccedilotildees) do estabelecimento da dinastia
Laacutegida no Egito a partir das vicissitudes poliacuteticas do periacuteodo posterior agrave morte de Alexandre
aleacutem de explicitar os fundamentos do poder legiacutetimo de Ptolomeu oriundos de uma releitura
da basileia de Alexandre Para tanto seratildeo utilizados os tipos de dominaccedilatildeo de Max Weber
aleacutem da anaacutelise das relaccedilotildees de poder empreendidas por Ptolomeu no estabelecimento de sua
dinastia O presente trabalho organiza-se portanto em trecircs partes 1) a consolidaccedilatildeo de seu
poder no Egito frente aos outros diaacutedocos 2) uma anaacutelise a respeito da basileia e suas
caracteriacutesticas 3) uma anaacutelise a respeito dos diaacutelogos de manutenccedilatildeo do poder engajados por
Ptolomeu
Palavras-chave basileia Egito Ptolomeu carisma poder legitimaccedilatildeo
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
Lista de Figuras
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico
Figura 2 Mapa do Egito Laacutegida
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 321-
315 aC
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I do Egito Alexandre Atena c 315-
305 aC
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I (Alexandria c 305-285 aC)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo delinear alguns dos aspectos histoacutericos (contexto
histoacuterico eventos poliacutetico-militares apropriaccedilotildees e inovaccedilotildees) do estabelecimento da dinastia
Laacutegida no Egito a partir das vicissitudes poliacuteticas do periacuteodo posterior agrave morte de Alexandre
aleacutem de explicitar os fundamentos do poder legiacutetimo de Ptolomeu oriundos de uma releitura
da basileia de Alexandre Para tanto seratildeo utilizados os tipos de dominaccedilatildeo de Max Weber
aleacutem da anaacutelise das relaccedilotildees de poder empreendidas por Ptolomeu no estabelecimento de sua
dinastia O presente trabalho organiza-se portanto em trecircs partes 1) a consolidaccedilatildeo de seu
poder no Egito frente aos outros diaacutedocos 2) uma anaacutelise a respeito da basileia e suas
caracteriacutesticas 3) uma anaacutelise a respeito dos diaacutelogos de manutenccedilatildeo do poder engajados por
Ptolomeu
Palavras-chave basileia Egito Ptolomeu carisma poder legitimaccedilatildeo
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo delinear alguns dos aspectos histoacutericos (contexto
histoacuterico eventos poliacutetico-militares apropriaccedilotildees e inovaccedilotildees) do estabelecimento da dinastia
Laacutegida no Egito a partir das vicissitudes poliacuteticas do periacuteodo posterior agrave morte de Alexandre
aleacutem de explicitar os fundamentos do poder legiacutetimo de Ptolomeu oriundos de uma releitura
da basileia de Alexandre Para tanto seratildeo utilizados os tipos de dominaccedilatildeo de Max Weber
aleacutem da anaacutelise das relaccedilotildees de poder empreendidas por Ptolomeu no estabelecimento de sua
dinastia O presente trabalho organiza-se portanto em trecircs partes 1) a consolidaccedilatildeo de seu
poder no Egito frente aos outros diaacutedocos 2) uma anaacutelise a respeito da basileia e suas
caracteriacutesticas 3) uma anaacutelise a respeito dos diaacutelogos de manutenccedilatildeo do poder engajados por
Ptolomeu
Palavras-chave basileia Egito Ptolomeu carisma poder legitimaccedilatildeo
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
Capiacutetulo 1 - A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria 3
11 A questatildeo da sucessatildeo 3
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito 6
13 Antiacutegono I 8
Capiacutetulo 2 - A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία) 12
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora 14
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude 15
23 O caraacuteter divino do basileus 18
Capiacutetulo 3 - Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios 20
31 Os egiacutepcios 21
32 Os macedocircnios 24
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder 26
Consideraccedilotildees finais 29
Anexos 30
Bibliografia 32
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
1
Introduccedilatildeo
Uma anaacutelise histoacuterica da monarquia heleniacutestica instituiacuteda no Egito natildeo pode ignorar a
diversidade eacutetnica ali presente muito menos o contexto social poliacutetico econocircmico e cultural
de todo o mundo antigo no qual participava ativamente O estudo proposto nesta monografia
tem como objetivo esboccedilar os meios de legitimaccedilatildeo empregados por Ptolomeu I e
posteriormente desenvolvidos por seus descendentes
Para tanto a totalidade do trabalho foi dividida em trecircs principais capiacutetulos a saber da
atuaccedilatildeo de Ptolomeu nas contendas dos diaacutedocos ocorridas apoacutes a morte de Alexandre ao
conceito de basileia aos receptores do discurso de legitimaccedilatildeo assumido pelos Laacutegidas O
conceito de dominaccedilatildeo carismaacutetica proposto por Weber (1978) eacute de importacircncia central haacute
que se levar em consideraccedilatildeo ainda as noccedilotildees de poder monaacuterquico como campo de
negociaccedilatildeo (MA 2005) e das redes de obrigaccedilotildees muacutetuas (BINGEN 2007)
Todavia eacute necessaacuterio frisar que todas as divisotildees realizadas neste trabalho satildeo um
artifiacutecio analiacutetico utilizado e foram feitas com o objetivo de aplicar conceitos para facilitar a
inteligibilidade da anaacutelise proposta As divisotildees cronoloacutegicas conceituais (como a proacutepria
divisatildeo conceitual de Weber entre os tipos de dominaccedilatildeo ou a proposta de divisatildeo dos canais
atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel do rei de Walbank) eacutetnicas geograacuteficas natildeo satildeo
retratos viacutevidos e fieis da experiecircncia mas categorias histoacutericas uma vez que a proacutepria
experiecircncia soacute eacute alcanccedilaacutevel por meio de suas representaccedilotildees
A pesquisa seraacute baseada na anaacutelise conjugada das fontes primaacuterias com a
historiografia relacionada agraves monarquias heleniacutesticas e seus mecanismos de legitimaccedilatildeo com
ecircnfase no papel de Ptolomeu I no Egito
Nenhuma obra escrita contemporacircnea ao periacuteodo subsequente agrave morte de Alexandre
nos chegou a natildeo ser em fragmentos Todavia o periacuteodo foi documentado tanto em histoacuterias
universais como a de Diodoro da Siciacutelia (seacutec I aC) quanto em obras dedicadas a
personagens ou povos especiacuteficos Dessa forma as fontes mais importantes para a anaacutelise
proposta se baseiam em obras contemporacircneas do tema tratado poreacutem parcialmente perdidas
com o passar dos seacuteculos Trata-se portanto das obras de Arriano (Anaacutebase de Alexandre)
que aborda apenas alguns anos do periacuteodo determinado e dos relatos acerca dos eventos
sucessoacuterios que nos chegaram sob a forma de fragmentos organizados na obra Fragmentos
dos Historiadores Gregos (Die Fragmente der griechischen Historiker) de Jacoby Aleacutem
deles tem-se Diodoro da Siciacutelia que nos livros 18-30 de sua Biblioteca Histoacuterica relata os
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
2
acontecimentos do periacuteodo heleniacutestico sendo que dos livros 22-30 soacute restaram fragmentos
Plutarco eacute autor das ldquoVidas Paralelasrdquo nas quais compara os feitos de personagens por ele
considerados ilustres De especial importacircncia para esta anaacutelise satildeo as biografias de
Alexandre Demeacutetrio e Pirro do Eacutepiro Por fim O uacuteltimo livro da histoacuteria universal de Quinto
Cuacutercio tambeacutem alude aos anos apoacutes a morte de Alexandre
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
3
Capiacutetulo 1
A posiccedilatildeo de Ptolomeu na contenda sucessoacuteria
ldquoΤῷ ἀρίστῳ προορῶμαι γὰρ ἐπιτάφιον μέγαν ἀγῶνα
γενησόμενόν μοι τῶν φίλωνrdquo ([lego meu Impeacuterio] ao
melhor pois prevejo que grandes combates entre meus
amigos seratildeo meus jogos fuacutenebres) DIODORO 181
11 A questatildeo da sucessatildeo
A histoacuteria dos sucessores durante cerca de trecircs deacutecadas seguintes agrave morte de
Alexandre eacute tambeacutem a histoacuteria da fragmentaccedilatildeo de seu Impeacuterio Ele havia inaugurado uma
monarquia universal de caraacuteter essencialmente pessoal e beacutelico e perseguido seu ideal ateacute as
margens do rio Hiacutefaso Sua ausecircncia abria entretanto inuacutemeras possibilidades de ascensatildeo e
liberdade para seus generais e para as poleis
Sua poliacutetica entretanto havia criado um ambiente hostil pautado pela desconfianccedila
ldquoDesconfianccedila (ὑποψία) foi a doenccedila que matou o impeacuterio de Alexandrerdquo (HECKEL 2002 p
87) Influenciado por sua matildee Oliacutempia a natildeo confiar em nenhum de seus hetairoi
(companheiros) mesmo os mais proacuteximos Alexandre passou a desconfiar de todos O que
chamamos de poliacutetica da desconfianccedila foi um conjunto de medidas utilizadas por ele para
controlar o poder e a influecircncia de seus companheiros Sempre que designava alguma
proviacutencia que ficava para traacutes no avanccedilo da campanha aos cuidados de um de seus generais
deixava tambeacutem algueacutem de outro grupo de interesse (de dentro da proacutepria nobreza
macedocircnica ou mesmo da administraccedilatildeo nativa preacute-existente) como forma de contrapeso
Justamente por sua eficiecircncia em impedir que um de seus generais se destacasse e o
antagonizasse apoacutes sua morte nenhum deles era claramente superior e adequado para
assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica acima dos outros Dessa forma sem o topo da piracircmide um
liacuteder unacircnime as instituiccedilotildees e organizaccedilotildees subordinadas natildeo tinham lugar nem funccedilatildeo e se
organizaram a partir de entatildeo em torno das muitas figuras proeminentes que emergiram da
sombra do rei morto (HECKEL 2002 p 82-88) A descentralizaccedilatildeo do poder e da
administraccedilatildeo culminou no fim do impeacuterio tendo esse processo iniacutecio com a divisatildeo das
proviacutencias
Natildeo havia nenhum aparato legal ou tradicional estritamente definido que ditasse as
regras de sucessatildeo O corpo militar-administrativo que acompanhava Alexandre composto
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
4
por seus hetairoi era majoritariamente macedocircnico1 e a tradiccedilatildeo macedocircnica de sucessatildeo era
imprecisa Teoricamente a sucessatildeo seguia os princiacutepios da hereditariedade mas dependia
tambeacutem do reconhecimento da nobreza2 que poderia aclamar algueacutem que fugisse da linhagem
tradicional3
As deliberaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave sucessatildeo ocorreram entre os generais do rei e nesse
ponto haacute uma disparidade no relato das fontes Por um lado o que se pode inferir de
consonante dos relatos eacute o conflito entre a infantaria e os generais mais influentes aliados agrave
cavalaria em consequecircncia da escolha de Filipe Arrideu como sucessor pelas tropas Isso se
deve ao fato de o uacuteltimo natildeo ser considerado intelectualmente apto a governar4 Por outro
lado Diodoro omite qualquer referecircncia a Alexandre IV na narrativa da sucessatildeo entretanto a
partir de 18186 passa a referir-se a βασιλεῖς (reis) ao inveacutes de βασιλεὺς (rei)
Apoacutes a resoluccedilatildeo dos conflitos a configuraccedilatildeo do poder foi definida da seguinte
maneira Filipe Arrideu e Alexandre IV como sucessores ao trono teriam ao seu lado os
seguintes personagens no controle do legado de Alexandre Antiacutepatro Craacutetero e Peacuterdicas5
(ARRIANO FGrH 156 F 11-3) Essa espeacutecie de triunvirato era meramente teoacuterica uma vez
que a ausecircncia de Craacutetero e Antiacutepatro na Babilocircnia dava plenos poderes a Peacuterdicas (WILL
1992 27) O impeacuterio foi tambeacutem dividido em proviacutencias a administraccedilatildeo do Egito foi dada
a Ptolomeu a Traacutecia a Lisiacutemaco a seccedilatildeo ocidental da Aacutesia Menor (Liacutecia Panfiacutelia e Grande
Friacutegia) a Antiacutegono
Bevan (1968 p 18) sugere baseado na afirmaccedilatildeo de Tarn (1921 p 5)6 uma barganha
entre Ptolomeu e Peacuterdicas o primeiro garantiria a posse do Egito em troca de apoiar a
regecircncia de Peacuterdicas Parece razoaacutevel que para garantir sua posiccedilatildeo Peacuterdicas tenha feito
concessotildees em troca de apoio A anaacutelise da estrutura semacircntica do relato de Diodoro indica
que de fato Peacuterdicas designou ativamente a proviacutencia a Ptolomeu De acordo com Diodoro
(1831) ldquoΟὗτος δὲ παραλαβὼν τὴν τῶν ὅλων ἡγεμονίαν καὶ συνεδρεύσας μετὰ τῶν
ἡγεμόνων Πτολεμαίῳ μὲν τῷ Λάγου τὴν Αἴγυπτον ἔδωκενrdquo (Ele tendo assumido o
1 O uacutenico estrangeiro a ter um papel de protagonismo nas querelas sucessoacuterias entre os anos de 323 e 301 aC eacute
Eumenes de Caacuterdia um grego natildeo macedocircnio Isto eacute os sucessores de Alexandre eram em sua totalidade de
origem helecircnica 2 Ou aclamaccedilatildeo pelas tropas 3 O caso da ascensatildeo de Filipe II ao poder ilustra essa questatildeo Foi marcada pela irregularidade da linhagem que
determinava que um de seus sobrinhos filhos do rei predecessor fosse coroado 4 Diodoro descreve Filipe Arrideu como portador de algum tipo de deficiecircncia mental 5 Os trecircs teriam o controle do impeacuterio ateacute que Alexandre IV atingisse idade para governar Antiacutepatro continuaria
como strategos da Europa locado na Macedocircnia Craacutetero foi escolhido como prostates dos reis responsaacutevel pela
sua guarda e representante de suas decisotildees Peacuterdicas jaacute tinha a funccedilatildeo de quiliarca desde a morte de Hefesto
funccedilatildeo proveniente dos cargos hieraacuterquicos persas que o designava o 2ordm em comando 6 ldquoDe fato eacute oacutebvio que deve ter havido uma barganha entre Peacuterdicas e Ptolomeu o preccedilo de Ptolomeu para
reconhecer Peacuterdicas era o Egito []rdquo (TARN 1921 p 5)
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
5
comando de tudo e tendo se reunido em conselho com os comandantes designou o Egito a
Ptolomeu filho de Lagos)7
Considerando-se a possibilidade da existecircncia de um acordo entre ambos surge a
questatildeo das razotildees da escolha do Egito por Ptolomeu uma vez que os interesses de Peacuterdicas
satildeo claros A posiccedilatildeo estrateacutegica e riqueza (trigo e ouro) do Egito satildeo dois bons motivos para
a escolha poreacutem natildeo satildeo determinantes uma vez que a Babilocircnia tambeacutem era
economicamente atrativa e a Aacutesia-menor era um ponto econocircmico-militar estrateacutegico de
passagem entre a Europa e a Aacutesia A ligaccedilatildeo da imagem e prestiacutegio de Alexandre com a
cidade epocircnima fundada por ele na costa do Mediterracircneo eacute outra razatildeo muito provaacutevel
Os argumentos apresentados natildeo satildeo todavia excludentes mas complementam-se A
importacircncia poliacutetica da associaccedilatildeo agrave imagem de Alexandre eacute tatildeo relevante quanto o
argumento do interesse econocircmico do Egito Ora em um contexto poliacutetico no qual a forma de
autoafirmaccedilatildeo mais efetiva era a militar e no qual o poder militar era dependente da
capacidade de contar com forccedilas mercenaacuterias o controle de uma proviacutencia rica tinha grande
funccedilatildeo estrateacutegica
Natildeo obstante alguns autores acreditam que o objetivo uacuteltimo de Ptolomeu teria sido o
Egito desde a morte de Alexandre (BEVAN 1968 STEWART 1993 WALBANK 1993 WILL
1984) Natildeo haacute como atribuir a Ptolomeu uma previsatildeo da fragmentaccedilatildeo do impeacuterio sem
arriscar incorrer em uma anaacutelise teleoloacutegica Se considerarmos o contexto poliacutetico em 323
percebemos que o impeacuterio era sustentado pelo seu caraacuteter beacutelico Aleacutem disso a fragilidade
dos sucessores abria caminho para a ascensatildeo de um novo rei Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil
imaginar que um dos generais teria se contentado com o comando de uma proviacutencia sabendo
que seus oponentes disputariam o poder supremo Os mesmos argumentos para o
visionarismo de Ptolomeu podem ser usados para justificar suas estrateacutegias nas guerras pelo
controle imperial Garantir a posse do Egito era uma estrateacutegia importante desse ponto de
vista e as atuaccedilotildees no mediterracircneo e na Aacutesia Menor podem ser analisadas pela mesma
perspectiva
A partir do seu estabelecimento no Egito Ptolomeu precisou assegurar sua posiccedilatildeo
frente aos diaacutedocos em meio aos conflitos ligados agrave sucessatildeo que ocorreram principalmente
7 Pausacircnias oferece um relato dissonante Para ele apoacutes a morte de Alexandre o responsaacutevel pela divisatildeo das
proviacutencias teria sido o proacuteprio Ptolomeu ldquoApoacutes a morte de Alexandre tendo se oposto agravequeles que guiavam
Arrideu o filho de Filipe ao poder ele se tornou o principal responsaacutevel por ter dividido vaacuterias naccedilotildees em
reinosrdquo (τελευτήσαντος δὲ Ἀλεξάνδρου τοῖς ἐς Ἀριδαῖον τὸν Φιλίππου τὴν πᾶσαν ἄγουσιν ἀρχὴν ἀντιστὰς αὐτὸς μάλιστα ἐγένετο ἐς τὰς βασιλείας αἴτιος τὰ ἔθνη νεμηθῆναι) (PAUSANIAS 163)
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
6
entre 323-301 ‒ os anos entre a morte de Alexandre e a batalha de Ipso8 e dividido em duas
principais fases a primeira fase sob a regecircncia de Peacuterdicas e a segunda dedicada agraves
investidas de Antiacutegono
12 A regecircncia de Peacuterdicas e a invasatildeo do Egito
Assim que assumiu o comando do impeacuterio na Babilocircnia Peacuterdicas deparou-se com dois
principais problemas a serem resolvidos O primeiro deles era o relacionado ao sepultamento
de Alexandre De acordo com a tradiccedilatildeo macedocircnica o rei deveria ser sepultado em Aigai
Entretanto ele havia mencionado o desejo de ser sepultado em Siwa onde em 332 havia
visitado o templo de Amon e sido designado filho de Zeus-Amon pelo oraacuteculo As duas
possibilidades eram um perigo para Peacuterdicas na Macedocircnia ou no Egito pois a tumba do rei
representava um aumento de prestiacutegio para dois possiacuteveis adversaacuterios poderosos na luta pelo
trono O segundo problema refere-se agrave escolha do centro administrativo sendo que a escolha
mais oacutebvia era retornar agrave Macedocircnia uma vez que o motivo principal da campanha de
Alexandre como hegemon9 dos gregos jaacute havia sido cumprido Todavia voltar implicava
entrar em conflito com Antiacutepatro strategos da Europa ao explicitar sua subordinaccedilatildeo a
Peacuterdicas (ERRINGTON 2008 p 15-17)
Para Errington esses dilemas se apresentam como os principais motivos para Peacuterdicas
ter buscado firmar uma alianccedila com Antiacutepatro por meio do casamento com uma de suas
filhas Niqueia sendo que assim aliaria suas forccedilas agraves dele e garantiria um forte aliado poliacutetico
(2012 p 15) Isso resolveria o eventual conflito da escolha da capital administrativa na
Macedocircnia Todavia agraves veacutesperas do casamento com Niqueia outra proposta de alianccedila
matrimonial foi feita ao regente Cleoacutepatra a meia-irmatilde de Alexandre Aceitar esta proposta
permitiria a ele tornar-se parte da dinastia argeacuteada Ainda assim decidiu casar-se com a filha
de Antiacutepatro para evitar conflitos mas planejava casar-se posteriormente com Cleoacutepatra que
seria fundamental para seu empreendimento de conquistar o poder supremo (DIODORO
1822)
8 Ainda que haja conflitos ateacute c270 o recorte apresentado aqui foi escolhido por apresentar os eventos que
sucederam agrave morte do rei e levaram seus sucessores especificamente Ptolomeu a assumir o tiacutetulo de basileus e
assim inaugurar um novo tipo de monarquia A escolha da batalha de Ipso representa a morte de Antiacutegono
Monoftalmo o pretendente mais bem-sucedido ao trono 9 Hegemon eacute o tiacutetulo concedido a Alexandre enquanto representante dos gregos na campanha contra os persas
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
7
Entretanto uma desavenccedila com Antiacutegono acabou com os planos de Peacuterdicas
Antiacutegono foi convocado pelo regente para responder por alguma acusaccedilatildeo natildeo especificada10
Diodoro afirma que Peacuterdicas pretendia eliminaacute-lo sob algum pretexto qualquer e que
desconfiado Antiacutegono fugiu para a Europa (1823) Ele foi entatildeo ao encontro de Antiacutepatro e
relatou o que acontecera na corte11 Isso aumentou a desconfianccedila de Peacuterdicas e dessa forma
deflagrou a oposiccedilatildeo de Antiacutepatro Antiacutegono Craacutetero e Lisiacutemaco Peacuterdicas Ptolomeu natildeo
demoraria a juntar-se a eles jaacute que mantinha contato com Antiacutepatro e havia firmado com ele
um tratado de cooperaccedilatildeo
Peacuterdicas tentou controlar Ptolomeu da mesma maneira que Alexandre fizera com seus
generais manteve Cleoacutemenes como seu subordinado no Egito para controlar as accedilotildees do
saacutetrapa (BEVAN 1968 p 22) E Ptolomeu natildeo tardou em eliminaacute-lo por ser fiel a Peacuterdicas e
portanto desleal a ele (PAUSANIAS 163) Todavia o estopim da primeira guerra entre os
diaacutedocos foi o rapto do cortejo fuacutenebre de Alexandre por Ptolomeu Segundo Diodoro
Arrideu12 o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre levava o corpo do rei da Babilocircnia para o Egito
e foi interceptado por Ptolomeu e seu exeacutercito (DIODORO 18282-3 PAUSANIAS 163)
Peacuterdicas decidiu entatildeo invadir o Egito e lidar com o mais perigoso de seus inimigos
Ptolomeu que comandava uma das proviacutencias mais ricas e contava com o prestiacutegio conferido
pela tumba de Alexandre Todavia essa decisatildeo o levou para a proacutepria morte O uacuteltimo
resquiacutecio de autoridade que detinha se foi com repetidas demonstraccedilotildees de maacute lideranccedila A
vitoacuteria militar era outro preacute-requisito da autoridade frente ao exeacutercito profissional
macedocircnico Alguns episoacutedios retratados nas fontes demonstram uma seacuterie de maacutes decisotildees
militares que levaram seus proacuteprios generais a esfaqueaacute-lo durante a noite
1 ldquoἐπιχειρήσας δὲ διώρυγά τινα παλαιὰν ἀνακαθαίρειν καὶ τοῦ ποταμοῦ λάβρως ἐκραγέντος
καὶ τὰ ἔργα λυμηναμένου πολλοὶ τῶν φίλων ἐγκαταλιπόντες ἀπεχώρησαν πρὸς τὸν
Πτολεμαῖονrdquo (Quando tentou desocupar um antigo canal e o rio rebentou violentamente e
destruiu todo seu trabalho muitos dos seus amigos desertaram e foram para o lado de
Ptolomeu) (DIODORO 18331)
10 Plutarco afirma que Antiacutegono era responsaacutevel por auxiliar Eumenes na conquista da Paflagocircnia e da
Capadoacutecia que lhe haviam sido designadas na divisatildeo das proviacutencias (Vida de Eumenes 3) Este poderia ser o
motivo da convocaccedilatildeo citada por Diodoro 11 Diodoro ainda afirma que ao encontrar-se com Antiacutepatro Antiacutegono relatou as intenccedilotildees de Peacuterdicas em ocupar
a Macedocircnia como rei apoacutes seu casamento com Cleoacutepatra 12 Ο Arrideu aqui referido natildeo eacute Filipe III Temos indiacutecios disso em 18367 onde Diodoro se refere a um
Arrideu que foi o responsaacutevel pelo cortejo fuacutenebre de Alexandre e que se tornou somatophylax dos reis natildeo
podendo portanto tratar-se do proacuteprio rei Aleacutem disso em 182 quando aclamado rei seu nome passa a ser
Filipe E de fato ao referir-se ao basileus Diodoro usa Φίλιππος ὁ Βασιλὲυς o rei Filipe (como em 19113
por exemplo) e natildeo Ἀρριδαῖος
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
8
2 Ao tentar atravessar o rio Nilo para alcanccedilar uma ilha formada por um banco de areia a
movimentaccedilatildeo da areia no leito do rio fez com que este se tornasse mais fundo o que tornou a
travessia extremamente perigosa Como natildeo seria possiacutevel atravessar todo o exeacutercito Peacuterdicas
ordenou que voltassem para a margem Na travessia de volta ldquoἀπολομένων δὲ πλειόνων ἢ
δισχιλίων ἐν οἷς καὶ τῶν ἐπιφανῶν τινες ἡγεμόνων ὑπῆρχον ἀλλοτρίως τὸ πλῆθος ἔσχε πρὸς
τὸν Περδίκκανrdquo (como mais de duzentos mil homens foram perdidos entre eles alguns dos
comandantes proeminentes as tropas do exeacutercito se tornaram desfavoraacuteveis a Peacuterdicas)
(DIODORO 18361)
13 Antiacutegono I
Apoacutes os eventos que culminaram na morte de Peacuterdicas e Craacutetero13 os diaacutedocos se
reuniram em Triparadiso em 320 para fazer uma nova distribuiccedilatildeo das proviacutencias O
principal objetivo dessa assembleia era acomodar as figuras proeminentes em uma nova
configuraccedilatildeo de poder e tambeacutem satisfazer os interesses dos oficiais envolvidos no golpe
contra Peacuterdicas Antiacutegenes e Seleuco liacutederes do golpe contra Peacuterdicas por exemplo que
passaram agrave posiccedilatildeo de saacutetrapas de Susiana e da Babilocircnia respectivamente (DIODORO 1839
ERRINGTON 2012 p20)
A decisatildeo mais importante foi a definiccedilatildeo de Antiacutepatro como epimeletes14 dos reis
Antiacutegono como strategos da Aacutesia15 e Cassandro como seu quiliarca A divisatildeo dos poderes
dava-se em dois poacutelos Europa e Aacutesia pois trazia os basilei de volta agrave Macedocircnia e dava o
controle dos territoacuterios orientais a seu strategos Essa configuraccedilatildeo abriria espaccedilo para o
desenvolvimento das ambiccedilotildees de Antiacutegono salvo que a supremacia do rei macedocircnico natildeo
fosse questionada bem como natildeo houvesse interferecircncias no continente Europeu (ERRINGTON
2012 p 21) Todavia no ano seguinte logo antes de morrer Antiacutepatro nomeou
Poliperconte16 como seu sucessor (DIODORO 184814) Essa decisatildeo revoltou seu filho mais
velho Cassandro e apesar da aclamaccedilatildeo do exeacutercito provocou inquietude nos outros
diaacutedocos
13 Craacutetero havia ficado responsaacutevel por parte do exeacutercito na batalha contra Eumenes que defendia o Helesponto
para impedir a travessia dos inimigos do regente agrave Asia (DIODORO 18291-3) 14 Uma espeacutecie de guardiatildeo 15 Segundo Diodoro Cassandro foi nomeado quiliarca de Antiacutegono para garantir que ele natildeo pudesse perseguir
suas ambiccedilotildees sem ser detectado (18397) 16 A nomeaccedilatildeo de Poliperconte como epimeletes dos basilei apresenta um grande problema o fato de Antiacutepatro
ter escolhido seu sucessor Teoricamente ele natildeo tinha essa prerrogativa ainda que o exeacutercito tenha aclamado a
escolha essa era uma decisatildeo que cabia a assembleia dos diaacutedocos (cf CHAMOUX 2002 p45)
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
9
Teoricamente Antiacutepatro natildeo possuiacutea autoridade suficiente para indicar seu sucessor
uma vez que ele mesmo era somente regente do Impeacuterio e que depois de sua morte uma nova
assembleia deveria eleger um sucessor (CHAMOUX 2002 p 45 WILL 2008 p 41)
Imediatamente Cassandro deixou clara sua insatisfaccedilatildeo e buscou o apoio de Antiacutegono
Ptolomeu por sua vez aproveitou a situaccedilatildeo confusa para expandir seu domiacutenio sobre a
Feniacutecia (DIODORO 1843) sempre cauteloso para que seus movimentos natildeo fossem
considerados qualquer tipo de ameaccedila ao status quo Natildeo era o momento para nenhum dos
diaacutedocos reivindicar deliberadamente uma posiccedilatildeo de supremacia pois os basilei sustentavam
a estrutura aparente da organizaccedilatildeo do poder e qualquer objeccedilatildeo a isso seria violentamente
evitada A manutenccedilatildeo do status quo era portanto a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio do poder entre
os diaacutedocos se um deles causasse desequiliacutebrio como Antiacutegono viria a fazer provocaria uma
uniatildeo dos outros contra si
Nesse momento accedilotildees importantes aconteciam simultaneamente na Europa e na Aacutesia
Na Europa acontecia a disputa pela Macedocircnia e pela influecircncia sobre as poleis entre
Poliperconte e Cassandro (DIODORO 1854-57) sagrando-se o uacuteltimo vitorioso conseguindo
inserir-se no seio da dinastia Argeacuteada ao casar-se com Tessalocircnica irmatilde de Alexandre e
tornar-se responsaacutevel pela tutela de Alexandre IV (DIODORO 1949-52 CHAMOUX 2003 p
45-47) Cassandro detinha o poder sobre a Macedocircnia17
Jaacute na Aacutesia Antiacutegono conquistava seu espaccedilo enquanto perseguia Eumenes ateacute
finalmente em 316 vencecirc-lo18 (DIODORO 1944) Ele passara a ter entatildeo o controle das
regiotildees entre a Aacutesia Menor e o Iratilde (WILL 2008 p 46) aleacutem de ter aumentado
consideravelmente seu poder financeiro e militar ao recolher o que podia dos tesouros
regionais Antiacutegono demonstrava cada vez mais suas intenccedilotildees tentou impor diretamente sua
autoridade sobre Seleuco ao exigir dele o tesouro da Babilocircnia Seleuco negou e temendo
sofrer retaliaccedilotildees procurou abrigo junto a Ptolomeu a quem relatou o ocorrido (DIODORO
1955)
O estado de equiliacutebrio fora rompido as conquistas de Antiacutegono eram preocupantes e
os outros diaacutedocos se uniram em uma coalizatildeo contra ele Com o conflito deflagrado
17 Alguns autores atestam que muitos dos diaacutedocos perseguiam algo chamado de ldquomiragem macedocircnicardquo que eacute o
ideal de que o trono da Macedocircnia seria o ldquouacutenico investido de legitimidaderdquo (CHAMOUX 2002 p 45) Isso
acontecia principalmente com aqueles que visavam suceder Alexandre no domiacutenio do impeacuterio Para a maioria
dos autores entretanto Ptolomeu natildeo era seduzido por essa miragem (WALBANK 2008 p 64 WILL 2008 p
41) 18Eumenes era aliado de Perdicas Na invasatildeo do Egito foi o responsaacutevel por guardar o Helesponto e impedir a
passagem de Craacutetero e Antiacutepatro aliados de Ptolomeu Na batalha Craacutetero foi morto A partir da derrota de
Peacuterdicas Eumenes foi considerado inimigo da Macedocircnia e a Antiacutegono foi dada a tarefa de persegui-lo e mataacute-
lo
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
10
Antiacutegono escancaradamente ampliava suas conquistas Em 315 invadiu a Cele-Siacuteria forccedilando
Ptolomeu a recuar e acabou por sitiaacute-lo em Tiro Nessa ocasiatildeo Antiacutegono fez um manifesto
no qual declarava a liberdade das poleis de guarniccedilotildees macedocircnicas e do domiacutenio externo
aleacutem de denunciar Cassandro pela morte de Oliacutempia e por deter sob seu poder Alexandre IV e
Roxana (DIODORO 1961)
A liberdade das poleis gregas como eleutheria pouco importava de fato para os
diaacutedocos Para eles o verdadeiro interesse era conseguir apoio ampliar seus domiacutenios e se
aproximar do controle do Impeacuterio (BRAUND 2003 p 25-26) Aleacutem disso ao declarar a
liberdade das poleis conseguiam um pretexto para se livrar da influecircncia dos seus oponentes
Ptolomeu tinha ainda outro motivo para assumir o ideal de liberdade das poleis ele
sabia que se Antiacutegono conseguisse o apoio poliacutetico e militar das poleis provavelmente
tornaria o Egito seu proacuteximo alvo Dessa forma garantir a liberdade significava defender a
soberania em seus proacuteprios territoacuterios que eram em uacuteltima anaacutelise seu grande trunfo
(ERRINGTON 2008 p 31 WILL 2008 p 47-48)
Em 312 uma batalha decisiva anunciou uma treacutegua Demeacutetrio tinha a incumbecircncia de
guardar a regiatildeo sudeste da Siacuteria e por esta razatildeo suas tropas e as do saacutetrapa do Egito se
opuseram em Gaza19 Demeacutetrio sofreu uma derrota avassaladora Tendo em vista a derrota
sofrida Antiacutegono buscou fazer um acordo de paz com seus oponentes em 311 Esse acordo
trazia novamente a manutenccedilatildeo paciacutefica do status quo ainda que breve (WILL 2008 p 50)
Jaacute no ano seguinte Cassandro articulou o assassinato de Alexandre IV e Roxana
(DIODORO 19105) Isso significa que natildeo havia mais nenhum impedimento legal para que os
diaacutedocos se autoproclamassem como basileis o que de fato natildeo tardaria a acontecer
(BRAUND 2003 p 27) O argumento da proteccedilatildeo da basileia da dinastia argeacuteada cessa de
existir nesse momento e haacute novamente uma vacacircncia no poder Dessa forma apoacutes Demeacutetrio
triunfar sobre Ptolomeu em Chipre em 306 Antiacutegono e ele assumiram o tiacutetulo real e
passaram a usar o diadema ndash siacutembolo da basileia heleniacutestica Seus oponentes natildeo tardaram a
seguir seus passos e assumir formalmente o tiacutetulo real (DIODORO 2053 BEVAN 1968 p 27
ERRINGTON 2008 p 43)20
Em 306 Antiacutegono e Demeacutetrio encorajados pela vitoacuteria em Chipre investiram contra
o Egito com o objetivo de depor Ptolomeu Mas o general usando a seu favor as
caracteriacutesticas geograacuteficas da regiatildeo derrotou e expulsou os invasores de seus domiacutenios
19 A batalha de Gaza eacute especialmente importante para o contexto do mundo heleniacutestico porque a vitoacuteria de
Ptolomeu abriu caminho para que Seleuco voltasse agrave Babilocircnia onde estabeleceria uma basileia tatildeo duradoura
quanto a de Ptolomeu (CHAMOUX 2003 p 49-50) 20 A derrota em Chipre afetou severamente o poder ptolomaico no mar Mediterracircneo
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
11
(DIODORO 2073-76 ERRINGTON 2008 p 44 BEVAN 1968 p 27 33-34) E foi a partir
dessa vitoacuteria que Ptolomeu assumiu os tiacutetulos de basileus para os gregos e macedocircnios e de
faraoacute para os egiacutepcios ldquo[] e ele proacuteprio apoacutes ter vencido outra batalha pelo Egito e estar
convencido de que o territoacuterio era seu como um precircmio de guerra retornou agrave Alexandriardquo
(αὐτὸς δὲ τὸ δεύτερον ἠγωνισμένος ὑπὲρ τῆς Αἰγύπτου καὶ νομίσας δορίκτητον ἔχειν τὴν
χώραν ἐπανῆλθεν) (DIODORO 20767)
Em ambos os casos o de Antiacutegono e Demetrio e o de Ptolomeu a base da
reivindicaccedilatildeo do poder real eacute a conquista militar Apoacutes uma vitoacuteria militar emblemaacutetica
Antiacutegono proclamou a si e a seu filho basilei frente agraves tropas e foi aclamado como tal
Ptolomeu por sua vez confirmou a posse do Egito apoacutes superar Peacuterdicas e sua invasatildeo em
321 e Antiacutegono e Demeacutetrio em 306
Em 304 Ptolomeu tornou-se portanto basileus e faraoacute do Egito Diferentemente de
Cassandro na Macedocircnia o desafio de Ptolomeu seria governar uma maioria nativa a partir da
legitimaccedilatildeo frente a uma elite sacerdotal local e a introduccedilatildeo de uma administraccedilatildeo
essencialmente macedocircnica Em muitos aspectos da administraccedilatildeo ptolomaica da primeira
geraccedilatildeo podemos perceber essa tentativa de legitimaccedilatildeo em duas frentes culturais Natildeo
obstante o principal puacuteblico alvo das demonstraccedilotildees de poder legiacutetimo natildeo era o egiacutepcio
ainda que fossem maioria e sim a elite macedocircnica detentora do poder militar A legitimaccedilatildeo
como faraoacute era articulada precisamente por ser uma necessidade muacutetua sendo necessaacuterio que
um faraoacute agisse como o intermediaacuterio entre o ceacuteu e a terra perpetuasse o mundo atraveacutes da
preservaccedilatildeo da maat (a ordem do mundo) a cultura e poliacutetica local exigiam um faraoacute e para
garantir-se no poder Ptolomeu precisava agir como tal (BINGEN 2007 p29 HOumlBL 2001
p1) O fim das investidas de Antiacutegono viria com sua morte em 301 na batalha de Ipso21
contra Liacutesimaco Cassandro e Seleuco
21 ldquoA batalha de Ipso significou natildeo soacute o fim do reinado de Antigono com a morte violenta do diaacutedoco
octogenaacuterio mas tambeacutem a falecircncia da uacuteltima tentativa seacuteria de reconstruir em uma unidade poliacutetica [] o reino
herdado do sonho de Alexandrerdquo (CHAMOUX 2003 p 54)
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
12
Capiacutetulo 2
A basileia heleniacutestica (περί βασιλεία)
Alguns aspectos da campanha expansionista de Alexandre satildeo de especial importacircncia
para a compreensatildeo do periacuteodo das monarquias heleniacutesticas estabelecido por seus sucessores
A transformaccedilatildeo do exeacutercito essencialmente macedocircnico em uma forccedila militar cosmopolita e
internacional leal ao rei antecipa a fundaccedilatildeo militar das monarquias pessoais do periacuteodo
heleniacutestico (WALBANK 1992 p 37) Quando ele parte em sua campanha asiaacutetica o faz
como rei macedocircnico e hegemoacuten dos gregos mas em 323 morre como rei Alexandre
detentor do poder de um impeacuterio conquistado pela forccedila das armas e sem um viacutenculo
territorial limitado Da mesma maneira pode-se definir os reinos formados por seus sucessores
que ao assumirem o tiacutetulo real o assumiam em nome de um territoacuterio virtualmente ilimitado
e indeterminado por natureza22 Quase como um convite agrave conquista a indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real eacute um reflexo do caraacuteter essencialmente militar e pessoal do sistema poliacutetico
instituiacutedo
Esse aspecto pessoal da monarquia heleniacutestica se deve agrave identificaccedilatildeo da basileia
como um tipo de governo cuja forma de dominaccedilatildeo eacute carismaacutetica segundo a teoria de Weber
Gerhke (2013) analisa os aspectos da monarquia heleniacutestica identificados nas fontes a partir
dessa tipificaccedilatildeo em funccedilatildeo de sua aplicabilidade Essa caracterizaccedilatildeo eacute atualmente corrente
na historiografia moderna a respeito do tema encontrando expressatildeo em trabalhos como os do
proacuteprio Gehrke (2013) aleacutem de Bingen (2007) Strootman (2014) Walbank (1984) Gruen
(1985) Chaniotis23 e Haake24
A Suda25 enciclopeacutedia histoacuterica bizantina apresenta uma definiccedilatildeo bastante
esclarecedora com relaccedilatildeo agrave natureza do poder dos reis heleniacutesticos
Basileia Nem a descendecircncia nem a justiccedila concedem monarquias
aos homens mas a capacidade de comandar um exeacutercito e de lidar
com circunstacircncias competentemente este foi o caso com Filipe e os
sucessores de Alexandre O parentesco de modo algum beneficiou o
filho natural [de Alexandre] por causa de sua fraqueza de espiacuterito ao
22 Ptolomeu por exemplo natildeo se identificava como basileus tou aegyptou A uacutenica exceccedilatildeo eacute o caso do rei da
Macedocircnia 23 Angelos Chaniotis War in the Hellenistic World Malden Oxford Victoria Blackwell 2005 24 Mathias Haake Agathocles and Hiero II Two Sole Rulers in the Hellenistic Age and the Question of
Succession In LURAGHI Nino (org) The Splendors and the Miseries of Ruling Alone Encounters from
Archaic Greece to the Hellenistic Mediterranean Sturttgart Franz Steiner Verlag 2013 p 99-128 25 A Suda foi elaborada no seacutec X dC tendo sido preservada em diversos manuscritos medievais foi
posteriormente no seacuteculo XIV editada e publicada A definiccedilatildeo do verbete utilizado remonta agrave tradiccedilatildeo
heleniacutestica todavia natildeo satildeo indicadas as fontes utilizadas
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
13
passo que aqueles sem conexatildeo [com Alexandre] tornaram-se reis de
quase todo o ecuacutemeno [heleniacutestico] (Βασιλεία οὔτε φύσις οὔτε τὸ
δίκαιον ἀποδιδοῦσι τοῖς ἀνθρώποις τὰς βασιλείας ἀλλὰ τοῖς
δυναμένοις ἡγεῖσθαι στρατοπέδου καὶ χειρίζειν πράγματα νουνεχῶς
οἷος ἦν Φίλιππος καὶ οἱ διάδοχοι Ἀλεξάνδρου τὸν γὰρ υἱὸν κατὰ φύσιν
οὐδὲν ὠφέλησεν ἡ συγγένεια διὰ τὴν τῆς ψυχῆς ἀδυναμίαν τοὺς δὲ
μηδὲν προσήκοντας βασιλεῖς γενέσθαι σχεδὸν ἁπάσης τῆς οἰκουμένης)
SUDA sv Basileia (2) (AUSTIN 2006 p 96)
Como brevemente apresentado anteriormente a descendecircncia ou ancestralidade e a
justiccedila ou amparo legal natildeo se apresentam como meios viaacuteveis de legitimaccedilatildeo sobretudo
segundo a definiccedilatildeo da Suda Segundo o verbete o meacuterito individual e a habilidade militar
datildeo legitimidade ao basileus (ou rei heleniacutestico) Isso se encaixa na definiccedilatildeo weberiana na
qual a dominaccedilatildeo carismaacutetica se apresenta como alternativa viaacutevel em casos nos quais natildeo se
pode contar com precedentes legais ou tradicionais de estabelecimento da dominaccedilatildeo O liacuteder
carismaacutetico excepcional por natureza deve afirmar-se como tal por meio da prova e do
sucesso
Gehrke constata entretanto a fragilidade estrutural do sistema monaacuterquico
estabelecido pelos diaacutedocos inerente ao viacutenculo fundamental com o heroacutei carismaacutetico (2013
p 79) Essa fragilidade eacute demonstrada em eventos nos quais o liacuteder sofre derrotas
significativas ou aparenta incompetecircncia militar o que segundo as fontes teria levado
Peacuterdicas a ter sido assassinado por seus generais Esse eacute um exemplo emblemaacutetico da
fragilidade do poder estabelecido pela dominaccedilatildeo carismaacutetica Se por um lado o desastre
poliacutetico e militar eacute capaz de destruir a autoridade poliacutetica e ateacute a vida de um liacuteder por outro
lado as demonstraccedilotildees vitoriosas ou virtuosas satildeo fundamentais para a manutenccedilatildeo do poder
Mais do que isso satildeo condiccedilotildees sine quibus non para o estabelecimento inicial das dinastias
dos diaacutedocos
Entretanto eacute essencial ressaltar que essa condiccedilatildeo para a dominaccedilatildeo ou o
estabelecimento de um governo legiacutetimo se refere a uma audiecircncia especiacutefica nesse caso o
puacuteblico militar macedocircnico e parte do puacuteblico helecircnico Especificamente referimo-nos aos
outros diaacutedocos aos generais agraves figuras poliacuteticas relevantes agraves tropas agraves poleis agrave elite
militar macedocircnica inserida nos novos reinos Este capiacutetulo trataraacute especificamente do
discurso de legitimaccedilatildeo do poder estabelecido no diaacutelogo entre o basileus Ptolomeu I e o
puacuteblico alvo supramencionado
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
14
O basileus construiacutea uma imagem com determinados atributos idealizados a serem
analisados e a tornava familiar atraveacutes dessa representaccedilatildeo em moedas esculturas
proclamaccedilotildees poesias tratados Partes dessa representaccedilatildeo idealizada satildeo o caraacuteter vitorioso
o conceito de lsquobom reirsquo o caraacuteter divino a doacutexa e a generosidade ou philanthropia
21 O caraacuteter vitorioso e a doriktetos chora
Segundo Weber a reivindicaccedilatildeo da dominaccedilatildeo carismaacutetica se baseia na transmissatildeo
por parte do liacuteder de que seu caraacuteter extraordinaacuterio eacute resultado de interferecircncia divina ou em
contexto heleniacutestico de sua fortuna (tyacuteche) (GEHRKE 2013 p76) Isso deve ser provado
entre outras formas a partir do sucesso em seus empreendimentos O caraacuteter extraordinaacuterio
dos basilei heleniacutesticos estava intimamente ligado agrave vitoacuteria militar e a reivindicaccedilatildeo por
legitimidade se apresenta no conceito da doriktetos chora ou princiacutepio da conquista pela
forccedila das armas
De tal forma que a maioria dos diaacutedocos se baseou em uma vitoacuteria militar contundente
para legitimar sua reivindicaccedilatildeo ao tiacutetulo real Este foi o caso de Antiacutegono e Demeacutetrio os
primeiros reis heleniacutesticos apoacutes a vitoacuteria em Chipre em 306 A accedilatildeo de ambos natildeo se
baseava em precedentes isto eacute natildeo era meramente uma tentativa de ocupar o lugar de
Alexandre como dito por Gruen uma inovaccedilatildeo em vez de tradiccedilatildeo se destaca aqui
Antiacutegono natildeo apelou agrave tradiccedilatildeo se apoiou em convenccedilotildees fixas ou evocou predecessores para
legitimar sua ascensatildeo Somente seus proacuteprios feitos importavamrdquo (GRUEN 1986 p 256)
Tampouco referiam-se ao objeto de sua regecircncia o que chamamos de indeterminaccedilatildeo eacutetnica
do tiacutetulo real
Contrariamente alguns historiadores defendem a divisatildeo dos diaacutedocos em dois grupos
no momento da reivindicaccedilatildeo do tiacutetulo real o primeiro de Antiacutegono e Cassandro que
reivindicavam o impeacuterio de Alexandre em sua totalidade o segundo composto pelos outros
diaacutedocos que reivindicavam reinos com territoacuterios razoavelmente definidos Natildeo obstante
Gruen (1986) refuta essa teoria principalmente a partir do argumento de que as fontes
apresentam as accedilotildees dos diaacutedocos como emulaccedilatildeo da reivindicaccedilatildeo pioneira de Antiacutegono
Para ele ldquoa coroaccedilatildeo dos diaacutedocos carregava um significado que ultrapassava o controle de
territoacuterios cidades e ateacute povosrdquo (GRUEN 1986 p 262)
Outro evento no qual se manifesta a legitimaccedilatildeo por meio da doriktetos chora ocorreu
apoacutes o assassinato de Peacuterdicas em 321 quando um novo acordo foi firmado em Triparadiso
para realizar novamente a divisatildeo das proviacutencias e as atribuiccedilotildees administrativas do impeacuterio
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
15
Laacute a posse do Egito foi confirmada a Ptolomeu uma vez que ldquoera impossiacutevel demovecirc-lo
pois ele mantinha a posse do Egito por virtude de sua proacutepria destreza como se fosse um
espoacutelio de guerrardquo (DIODORO 1839) O termo utilizado por Diodoro eacute ldquoδορίκτητονrdquo
conquistado pela lanccedila
22 A doacutexa o bom rei e a demonstraccedilatildeo de virtude
Quando as monarquias heleniacutesticas emergiram dos fragmentos do reino de Alexandre
jaacute havia um contexto ideoloacutegico formado pela especulaccedilatildeo poliacutetica e ideoloacutegica a respeito
desse tipo de governo (WALBANK1984) Para os gregos o conceito de lsquomonarquiarsquo estava
essencialmente ligado a um conceito preacute-arcaico com referecircncias em obras como a Iliacuteada e a
sua forma negativa a tirania (BINGEN 2007 p 17) Walbank utiliza o exemplo dado por
Aristoacuteteles (Poliacutetica III1322) de que se um homem eacute incomparavelmente superior a
qualquer um dos seus companheiros ele poderia de fato ser considerado um deus entre os
homens contudo nessa condiccedilatildeo ele seria provavelmente exilado da polis uma vez que natildeo
haacute lugar para homens desiguais numa sociedade na qual a igualdade eacute o objetivo (1984 p
76)
Independentemente de uma anaacutelise mais profunda de Aristoacuteteles o que interessa a esta
pesquisa eacute a presenccedila da noccedilatildeo de que a figura de um monarca eacute incompatiacutevel com o espaccedilo
de convivecircncia da polis Nesse sentido as relaccedilotildees de benefiacutecio localizam a subordinaccedilatildeo da
cidade como sendo um reconhecimento espontacircneo agraves atitudes graciosas de um rei isso pode
ocorrer com o pagamento de tributos o culto real pelo lado grego e a isenccedilatildeo tributaacuteria ou o
auxiacutelio de variadas formas por parte do rei
Muito comum entre as monarquias heleniacutesticas era a encomenda de tratados a respeito
da basileia (περι βασιλεια) feitos a filoacutesofos ou poetas por reis estes poderiam ser uma
forma de exaltaccedilatildeo do rei ldquoSobre os egiacutepciosrdquo (Aegyptiaca) eacute um desses textos escrito por
Hecateu de Abdera possivelmente por solicitaccedilatildeo de Ptolomeu Eacute possiacutevel que o primeiro
livro da coletacircnea de Diodoro tenha sido baseado nesse texto partindo desse princiacutepio
percebemos uma idealizaccedilatildeo da imagem do laacutegida e sua representaccedilatildeo como cumpridor fiel
dos ritos religiosos egiacutepcios em benefiacutecio do seu povo Aleacutem disso eacute perceptiacutevel o
vocabulaacuterio grego usado para tornar inteligiacuteveis os costumes egiacutepcios apresentados agrave
audiecircncia helecircnica pretendida (WALBANK 1984 p 77)
Apesar do caraacuteter essencialmente militar a basileia heleniacutestica natildeo era exclusivamente
militar O poder monaacuterquico vinculava-se ao mundo por meio de uma rede de obrigaccedilotildees
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
16
muacutetuas sendo que essas relaccedilotildees de obrigaccedilatildeo satildeo um pouco difusas e oriundas de um
consenso eacutetico cultural (BINGEN 2007 p 15-16) Alguns trechos selecionados apresentam
situaccedilotildees nas quais fica clara a importacircncia da associaccedilatildeo de certas caracteriacutesticas ao liacuteder
carismaacutetico
1 ldquoPtolomeu assumiu o comando do Egito e estava tratando os habitantes com bondaderdquo
(Πτολεμαῖος μὲν ἀκινδύνως παρέλαβε τὴν Αἴγυπτον καὶ τοῖς μὲν ἐγχωρίοις
φιλανθρώπως προσεφέρετο) (DIODORO 18141)
2 ldquo[] e o [Alexandre] honrando com sacrifiacutecios dignos de semideuses e com jogos
magniacuteficos ele [Ptolomeu] ganhou recompensa justa natildeo soacute dos homens como
tambeacutem dos deuses Pois os homens por conta de sua graciosidade e da nobreza de
coraccedilatildeo vinham entusiasmadamente de todos os lados para Alexandria e se alistaram
com prazer agrave campanha apesar de que o exeacutercito dos reis estava prestes a lutar contra
a de Ptolomeu e apesar de os riscos serem manifestos e grandes ainda assim todos
eles de bom grado assumiram a responsabilidade de preservar a seguranccedila Ptolomeu
a seu proacuteprio riscordquo (ἐν []ᾧ κηδεύσας αὐτὸν καὶ θυσίαις ἡρωικαῖς καὶ ἀγῶσι
μεγαλοπρεπέσι τιμήσας οὐ παρ ἀνθρώπων μόνον ἀλλὰ καὶ παρὰ θεῶν καλὰς ἀμοιβὰς
ἔλαβεν οἱ μὲν γὰρ ἄνθρωποι διὰ τὸ τῆς ψυχῆς εὐχάριστον καὶ μεγαλόψυχον
συνέτρεχον πάντοθεν εἰς τὴν Ἀλεξάνδρειαν καὶ προθύμως ἑαυτοὺς εἰς τὴν στρατείαν
παρείχοντο καίπερ τῆς βασιλικῆς δυνάμεως μελλούσης πολεμεῖν πρὸς Πτολεμαῖον καὶ
κινδύνων προδήλων καὶ μεγάλων ὄντων ὅμως ἅπαντες τὴν τούτου σωτηρίαν τοῖς
ἰδίοις κινδύνοις ἑκουσίως περιεποιήσαντο) (DIODORO 18284-5)
3 ldquoNo dia seguinte quando houve uma assembleia dos soldados Ptolomeu veio saudou
os macedocircnios e falou em defesa de sua atitude e como os seus suprimentos estavam
escassos providenciou a seu proacuteprio custo alimento em abundancia e outras coisas
necessaacuterias ao acampamentordquo (τῇ δ ὑστεραίᾳ γενομένης ἐκκλησίας ὁ Πτολεμαῖος
καταβὰς καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀσπασάμενος περί τε τῶν καθ αὑτὸν ἀπελογήσατο καὶ
τῶν ἐπιτηδείων ἐκλελοιπότων ἐχορήγησε σῖτόν τε δαψιλῆ ταῖς δυνάμεσι καὶ τῶν
ἄλλων ἐπιτηδείων ἐπλήρωσε τὴν παρεμβολήν) (DIODORO 1836)
No primeiro trecho selecionado Diodoro narra a adaptaccedilatildeo de Ptolomeu ao Egito e
para tanto o caracteriza a partir do modo com que tratou os habitantes o adveacuterbio
ldquoφιλανθρώπωςrdquo (philanthropos) O termo ldquoφιλανθρωπίαrdquo (philanthropiacutea) ou
generosidade era amplamente utilizado no periacuteodo heleniacutestico associado a basileis que eram
capazes de garantir justiccedila e paz entre seus suacuteditos (WALBANK 1984 p 83) Os atos de
generosidade de Ptolomeu contribuiacuteam para a reputaccedilatildeo de ser um homem justo e generoso
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
17
(DIODORO 1833) duas caracteriacutesticas apontadas por Walbank como fundamentais para um
basileus (2008 p 82)
Jaacute Turner associa o termo aos atos de clemecircncia tradicionalmente incorporados em
discursos feitos por faraoacutes em ascensatildeo a seus suacuteditos no Egito (1984 p 123) Isto eacute
demonstraccedilotildees de generosidade ou clemecircncia seriam importantes na construccedilatildeo da imagem
idealizada do basileus de acordo como imaginaacuterio da cultura grega tanto quanto importavam
na construccedilatildeo da imagem do faraoacute tradicional egiacutepcio
O segundo trecho relata a cerimocircnia de sepultamento de Alexandre promovida por
Ptolomeu apoacutes o rapto do cortejo fuacutenebre do rei Isso trouxe muito prestiacutegio a Ptolomeu aleacutem
de ter se tornado uma das principais estrateacutegias de legitimaccedilatildeo adotadas por ele atraveacutes do
culto de Alexandre na cidade epocircnima Nesse excerto a justificativa apresentada por Diodoro
para os homens se reunirem em Alexandria e alistarem-se no exeacutercito Laacutegida eacute a qualidade de
generosidade (μεγαλόψυχον) e caridade (εὐχάριστον) de Ptolomeu
O terceiro trecho apresentado remete ao fracasso da invasatildeo do Egito e do assassinato
de Peacuterdicas por seus proacuteprios generais Nesse caso o exemplo retrata uma dessas atitudes do
rei consideradas como generosidade apoacutes a trageacutedia da travessia do Nilo Ptolomeu
providenciou um funeral digno agravequeles que foram levados pela aacutegua para sua margem e
enviou seus ossos para os familiares e amigos (DIODORO 18361)
A importacircncia desses relatos estaacute relacionada aos benefiacutecios concedidos agraves poleis
tanto antes quanto depois da adoccedilatildeo do tiacutetulo real Garantir a liberdade das poleis auxiacutelio
militar ou mesmo promover a construccedilatildeo de monumentos ou templos tambeacutem eram
consideradas atitudes de generosidade Ambas instacircncias da generosidade ou benefiacutecio
promovidos pelo basileus estatildeo inseridas em uma dinacircmica de obrigaccedilotildees muacutetuas isto eacute eacute
atraveacutes dessas atitudes que a representaccedilatildeo de um liacuteder legiacutetimo era construiacuteda para os
receptores do benefiacutecio esse tipo de atitude era desejada para que participassem ativamente
do discurso de legitimidade (BINGEN 2007 p 15-16 MA 2005)
Essa seleccedilatildeo tem como objetivo demonstrar a relevacircncia da reputaccedilatildeo de Ptolomeu no
mundo heleniacutestico seu caraacuteter generoso e leal e sua fama de ser um general astuto e
experiente foram responsaacuteveis por diversas vitoacuterias e alianccedilas que culminaram na
possibilidade da reivindicaccedilatildeo da realeza e no estabelecimento da dominaccedilatildeo a partir do
carisma
ldquoCom o termo δόξα (doacutexa) deparamo-nos com uma interface na qual a conduta
carismaacutetica eacute transformada diretamente em um efeito legitimador uma vez que eacute precisamente
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
18
no prestigio que as conquistas do governante e sua gloria se unem com a admiraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo das pessoasrdquo (Gehrke 2013 p 83)
Essa importacircncia da imagem do liacuteder ou seja da reputaccedilatildeo ou δόξα (doacutexa) quer na
relaccedilatildeo entre os diaacutedocos em demonstraccedilotildees de cavalheirismo ou generosidade quer em
relaccedilotildees com exeacutercitos e suacuteditos tem um papel fundamental na accedilatildeo legitimadora do carisma
A legitimaccedilatildeo na monarquia baseava-se na conduta e na habilidade do indiviacuteduo carismaacutetico
em empreender o poder que detinha em conquistas que ressaltavam ou aumentavam sua
reputaccedilatildeo Ptolomeu I carregava no nome assim como muitos outros reis do periacuteodo
heleniacutestico sua caracteriacutestica notaacutevel que realccedilava sua reputaccedilatildeo Ptolomeu I Soacuteter (Gehrke
2013 p85)
23 O caraacuteter divino do basileus
Walbank identifica quatro principais canais atraveacutes dos quais a religiatildeo afeta o papel
do basileus nomeadamente 1) a proteccedilatildeo de certos deuses ou deusas sob a qual a dinastia
real e seus membros se submetiam e identificavam como tal 2) a assimilaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo
por parte dos reis com certos deuses 3) cultos em nome de reis e rainhas instituiacutedos por
cidades dentro ou fora do reino 4) o culto dinaacutestico isto eacute o culto dos membros da dinastia
real mortos ou vivos instituiacutedo oficialmente (1984 p 84-85)
Os dois tipos de cultos que interessam a essa pesquisa satildeo os cultos reais e os cultos
dinaacutesticos Os que entendemos por culto real eacute aquele oferecido ao rei em oposiccedilatildeo ao culto
dinaacutestico que eacute oficialmente instituiacutedo Assim sendo o culto real deve ser entendido como
um tipo de culto cuja iniciativa parte dos participantes do culto e natildeo de seu objeto Um
exemplo de sua ocorrecircncia no mundo heleniacutestico eacute o caso de Rodes em relaccedilatildeo a Ptolomeu I
soacuteter tendo este epiacuteteto sido dado em uma das relaccedilotildees de benefiacutecio supracitadas entre a
polis e o basileus A cidade de Rodes retribuiu o fato de Ptolomeu tecirc-los liberado de um
asseacutedio mantido por Demeacutetrio em 304 com a outorga do tiacutetulo (WALBANK 1984 p92) Os
habitantes de Rodes enviaram um grupo ao oraacuteculo de Amon para questionar se Ptolomeu
deveria ser honrado como um deus tal qual o oraacuteculo consentiu e em razatildeo disto foi
construiacutedo um templo chamado Ptolemaion (Πτολεμαιον) (DIODORO 201003-4)
Se recuperarmos o argumento de Aristoacuteteles veremos que segundo ele um homem
com caracteriacutesticas excepcionais poderia ser comparado a um Deus Da mesma maneira ao
considerar o basileus como um deus e cultuaacute-lo como tal as poleis comparam-no Chaniotis
atenta para o fato de que a frase grega comumente utilizada para descrever o estabelecimento
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
19
de honras divinas constata que o rei deve receber isotheoi timai (ἰσοθεοῖ τιμαι) o que
significa que receberaacute honras iguais agraves dadas ao deuses Esta eacute uma afirmaccedilatildeo ainda que sutil
de que os basilei natildeo eram de fato deuses (CHANIOTIS 2005 p434-435) com efeito a
relaccedilatildeo estabelecida se aproxima mais de uma comparaccedilatildeo do que de uma equivalecircncia
Exemplos como este se encontram normalmente ligados a uma ocasiatildeo especiacutefica na
qual algum benefiacutecio fora concedido ou seja descrevem o reconhecimento da natureza dos
serviccedilos oferecidos pelo rei e natildeo suas virtudes ideais (CHANIOTIS 2005 p 433 440
WALBANK 1984 p93) Por esta razatildeo eacute conveniente reforccedilar o caraacuteter essencialmente
praacutetico tanto das virtudes do liacuteder carismaacutetico quanto da idealizaccedilatildeo divina em suas
representaccedilotildees Isto significa dizer que o caraacuteter excepcional do basileus dependia no acircmbito
poliacutetico e religioso que aqui natildeo podem ser separados das suas accedilotildees de benefiacutecio e do
reconhecimento por essas accedilotildees Para tanto basta dizer que a disseminaccedilatildeo do discurso do rei
extraordinaacuterio deveria necessariamente ser baseado em accedilotildees verificaacuteveis para ser
reconhecido como legiacutetimo (nomeadamente a vitoacuteria e a generosidade)
Por outro lado ldquoo culto dinaacutestico fornecia-lhes um sistema de observacircncia religiosa
necessaacuteria para uma vida completa agravequela eacutepoca que aleacutem disso consolidava lealdade ao
reirdquo (WALBANK 1984 p 96-97) No Egito o estabelecimento desse tipo de culto se daacute com a
instituiccedilatildeo do culto a Alexandre que natildeo deve ser confundido com o dedicado a ele como
fundador (ktistes) de Alexandria A instituiccedilatildeo desse culto por Ptolomeu pode ser localizada
cronologicamente no mesmo momento em que ele traz o corpo do rei morto para Alexandria
A partir desse momento Alexandre eacute deificado e seu culto conta com um sacerdote epocircnimo
e uma imagem de culto do rei (STEWART 1993 p 230)
O culto dinaacutestico dos Laacutegidas comeccedila apoacutes a morte de Ptolomeu que foi proclamado
deus por seu sucessor Ptolomeu II simultaneamente teve seu culto como salvador instituiacutedo
bem como um festival chamado ptolemaeia Apoacutes a morte de sua esposa Berenice em 279 o
casal real passou a ser alvo do culto dos theoi soteres ou deuses salvadores (CHANIOTIS
2005 p 437)
Com efeito o papel do culto dinaacutestico como agente aglutinador do reino era muito
importante no caso do Egito especialmente aleacutem da heterogeneidade eacutetnica havia tambeacutem
uma divisatildeo tradicional entre as regiotildees do alto e baixo Egito (ROWLANDSON 2005 p250)
Imagens do basileus de diversos materiais e tamanhos circulavam amplamente pelo territoacuterio
do mesmo modo juramentos reais tinham grande importacircncia em empreendimentos formais
sacrifiacutecios aos reis faziam parte do cotidiano de qualquer oficial de alto escalatildeo (THOMPSON
2005 p 115)
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
20
Capiacutetulo 3
Legitimaccedilatildeo real entre egiacutepcios e macedocircnios
Os basilei apresentavam uma qualidade que podemos caracterizar como sendo
camaleocircnica isto eacute adaptando-se ao ambiente e apresentando diferentes aspectos de acordo
com ele Deste modo o basileus se apresenta executando diferentes papeacuteis locais e
representando imagens locais na interaccedilatildeo com as comunidades elites e tradiccedilotildees das
diferentes aacutereas as quais governava (MA 2005 p 179) Segundo Ma eacute precisamente essa
qualidade de diversidade que possibilita a unidade de um reino cuja principal caracteriacutestica eacute a
indefiniccedilatildeo eacutetnica a proacutepria existecircncia da basileia se sustenta na capacidade do liacuteder de
estabelecer uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica sem contar com nenhum tipo de apoio
legal ou tradicional Ou seja o meio atraveacutes do qual um rei heleniacutestico poderia garantir sua
legitimidade era estabelecer um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo com as vaacuterias tradiccedilotildees locais que
pertencem ao seu reino (indeterminado e em possiacutevel expansatildeo)
Eacute necessaacuterio adotar novamente uma divisatildeo analiacutetica Dividiremos portanto este
capiacutetulo entre duas das principais audiecircncias de Ptolomeu I no Egito os macedocircnios e os
egiacutepcios O caraacuteter estritamente metodoloacutegico desta divisatildeo se deve ao fato de que eacute
impossiacutevel separar ambos os grupos na medida em que interagiam em todos os acircmbitos da
vida social Portanto historicamente seria um equiacutevoco afirmar que egiacutepcios e macedocircnios
natildeo se engajaram em nenhuma forma de interaccedilatildeo social
Antes de mais nada eacute fundamental esclarecer que o contingente populacional do Egito
quando Ptolomeu tornou-se saacutetrapa jaacute era bastante heterogecircneo A composiccedilatildeo social e eacutetnica
das comunidades rurais da proviacutencia era muito mais complexa do que a simples dicotomia
entre colonos imigrantes helenos e nativos egiacutepcios A populaccedilatildeo de imigrantes dentro das
comunidades rurais era composta tambeacutem por egiacutepcios realocados graccedilas agrave ampliaccedilatildeo de
terras cultivaacuteveis havendo ainda imigrantes de grupos helenizados como traacutecios e caacuterios e
tambeacutem de siacuterios judeus e samaacuterios (ROWLANDSON 2005)
Por que entatildeo analisar a legitimaccedilatildeo de Prolomeu a partir da dicotomia macedocircnios
versus egiacutepcios Em primeiro lugar porque ela representa os dois maiores contingentes
populacionais na regiatildeo os egiacutepcios por razoes oacutebvias e os macedocircnios por representarem
cerca de 16 da populaccedilatildeo do Faium26 (ROWLANDSON 2005 p 256) e maioria absoluta da
populaccedilatildeo em cidades gregas no Egito (Alexandria Ptolemais e Naucratis) Em segundo
26 Nomo egiacutepcio irrigado por efluentes do rio Nilo
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
21
lugar o puacuteblico macedocircnico ou helecircnico eacute aquele com o qual Ptolomeu se identificava eacutetnica
e culturalmente assumindo portanto lugar de extrema importacircncia Em terceiro lugar a
basileia tinha um caraacuteter militar forte e o exeacutercito macedocircnico era fundamental para a
sustentaccedilatildeo deste tipo de governo Em quarto lugar a legitimaccedilatildeo frente a populaccedilatildeo egiacutepcia
local e o apoio da elite sacerdotal local eram essenciais ao estabelecimento da dinastia
31 Os egiacutepcios
O papel do faraoacute como liacuteder poliacutetico eacute indissociaacutevel de seu papel como principal
sacerdote do Egito (kemet27) Nesse sentido ele eacute definido primariamente em termos
religiosos e suas atividades satildeo basicamente relacionadas a cultos religiosos cujo propoacutesito eacute
impor e preservar a continuidade da ordem do mundo (Maat28) Sendo assim a manutenccedilatildeo
da harmonia do mundo em todos seus aspectos (poliacutetico social econocircmico as estaccedilotildees e ateacute
a cheia do Nilo) dependia da existecircncia de um faraoacute legiacutetimo os egiacutepcios necessitavam dessa
figura poliacutetica (HOumlBL 2001 p1)
Isso eacute vaacutelido tanto para o caso dos persas quanto para Alexandre e os Laacutegidas Se por
um lado Artaxerxes III29 era representado como faraoacute na tradiccedilatildeo local apesar de sua peacutessima
reputaccedilatildeo e seu desrespeito pela cultura local Alexandre por outro lado foi recebido sem
grandes relatos de resistecircncia pelos egiacutepcios por apresentar uma atitude diferente com relaccedilatildeo
agraves tradiccedilotildees locais (LLOYD 2011 p 87-89)30 Quanto aos persas Alexandre e Ptolomeu
diferiam principalmente por tentar agir de maneira relevante em relaccedilatildeo agraves tradiccedilotildees religiosas
como faraoacutes e assim contar com apoio e aceitaccedilatildeo (HOumlBL 2001 p 1)
Haacute entretanto uma semelhanccedila entre ambos o objetivo principal dos Aquemecircnidas era
a exploraccedilatildeo econocircmica da proviacutencia para Ptolomeu o fator mais atrativo do Egito quando o
escolheu em 323 era seu potencial econocircmico Por um lado as riquezas provenientes do
sistema agriacutecola permitiram a Ptolomeu desenvolver a economia local as fronteiras naturais
Por outro lado ajudavam-no a se proteger permitindo assim a consolidaccedilatildeo da sede de suas
27 Um dos nomes antigos para Egito em hieroacuteglifos Kemet eacute a transliteraccedilatildeo de Kmt representado por dois
caracteres a pele de crocodilo com as escamas que significa lsquopretorsquo e o ciacuterculo com uma cruz representando
paiacutes ou regiatildeo habitada Significa terra negra provavelmente em referecircncia agrave cor da terra do leito do rio Nilo 28 Maat pode referir-se tanto agrave deusa egiacutepcia homocircnima associada agrave ordem e justiccedila em oposiccedilatildeo ao caos quanto
ao conceito de equiliacutebrio ou harmonia coacutesmica presente nas leis egiacutepcias 29 Responsaacutevel pela reconquista do Egito pelos persas e portanto pelo segundo periacuteodo persa Eacute atribuiacutedo a ele o
assassinato de um touro-Apis e (a) promoccedilatildeo de um banquete com sua carne (LLOYD 2011) 30 Alexandre teria cumprido o ritual tradicional associado a ascensatildeo de um faraoacute visitou Helioacutepolis Mecircnfis
onde ele fez sacrifiacutecios aos deuses egiacutepcios como o deus Apis (ARRIANO Anaacutebasis 314) O ato de fazer
sacrifiacutecios era prerrogativa dos faraoacutes Essas realizaccedilotildees satildeo descritas no Romance de Alexandre por Pseudo
Caliacutestenes (HOumlBL 2001)
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
22
operaccedilotildees poliacuteticas e militares de forma efetiva e duradoura (THOMPSON 2005 p 107)
Muitas das medidas implementadas no Egito principalmente no que concerne agrave
burocratizaccedilatildeo e captaccedilatildeo de impostos foram iniciadas por Ptolomeu I mas consolidadas por
Ptolomeu II (HOumlBL 2001 p 25-26)
O governo estabelecido deveria portanto captar o maacuteximo de renda possiacutevel para
sustentar sua legitimidade (atraveacutes da manutenccedilatildeo de prosperidade) e seus empreendimentos
militares no exterior Como sabemos Ptolomeu I se envolveu em muitos conflitos militares
ampliou sua influecircncia no Egeu e anexou territoacuterios Para tanto foi estabelecido um complexo
e burocraacutetico sistema de captaccedilatildeo de renda e taxaccedilatildeo presente em quase todas as atividades
econocircmicas da regiatildeo (THOMPSON 2005 p 110)
Antes de mais nada uma digressatildeo geograacutefica e agriacutecola pelo Egito pode auxiliar a
compreensatildeo de algumas medidas implantadas Podemos dividi-lo em duas partes principais
o Baixo e o Alto Egito correspondendo respectivamente agraves regiotildees mais proacuteximas do Mar
Mediterracircneo e agraves que avanccedilam mais em direccedilatildeo agrave Aacutefrica e mais proacutexima portanto do Mar
Vermelho A maioria das cidades da proviacutencia se encontra proacutexima ao Nilo que durante o
periacuteodo de cheia transbordava e ao retroceder fertilizava as terras de suas margens criando
um ambiente extremamente propiacutecio para a agricultura Duas regiotildees importantes do Egito
satildeo o delta do Nilo onde o rio se divide em vaacuterios braccedilos e desaacutegua no Mediterracircneo e a
regiatildeo do Faium uma regiatildeo com depressotildees geograacuteficas irrigadas pelo Nilo e rodeadas por
montanhas e deserto (Ver Figura 2)
A presenccedila dos macedocircnios foi fundamental na regiatildeo do Faium onde as teacutecnicas de
drenagem macedocircnicas combinadas agraves teacutecnicas de irrigaccedilatildeo dos egiacutepcios resultou em uma
renovaccedilatildeo da regiatildeo em uma proviacutencia feacutertil (THOMPSON 2005 p108) Nesse sentido houve
um crescimento nos movimentos migratoacuterios internos para as novas regiotildees agriacutecolas Aleacutem
disso as comunidades que antes se restringiam agraves margens do Nilo agora ocupavam regiotildees
favorecidas pelo novo sistema de irrigaccedilatildeo introduzido Isso ampliava a capacidade de
produccedilatildeo agriacutecola natildeo soacute pelo aumento da aacuterea cultivaacutevel mas tambeacutem por um melhor
aproveitamento dos periacuteodos de cheia que permitia uma colheita razoaacutevel em tempos menos
proacutesperos (ROWLANDSON 2005 p 250-251)
Tambeacutem eacute importante notar que boa parte da estrutura administrativa preacute-existente foi
mantida mas adaptada a um sistema burocraacutetico grego As mesmas unidades de
administraccedilatildeo de terra por exemplo foram preservadas como os nomoi ou proviacutencias suas
subdivisotildees em toacutepoi ou toparchiacuteai e as komai ou vilas Da mesma forma foram mantidos
os cargos administrativos dos nomoi divididos entre a administraccedilatildeo civil sob o nomarca e a
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
23
administraccedilatildeo militar sob o estratego Havia ainda terras do rei (ge basilike) cultivadas por
agricultores subordinados agrave basileia (basilikoigrave georgoiacute) e muitas terras pertencentes a templos
(ge hieraacute) (HOumlBL 2001 p 25)
Grandes detentores de territoacuterios instituiccedilotildees econocircmicas desenvolvidas de poder
poliacutetico a elite sacerdotal egiacutepcia responsaacutevel pela administraccedilatildeo dos cultos e templos foi
essencial para o sucesso do estabelecimento Laacutegida no Egito (THOMPSON 2005 p 112) Isto
por que aleacutem de representarem a elite do maior contingente populacional transmitiam a
linguagem de legitimaccedilatildeo de Ptolomeu I como faraoacute seja em inscriccedilotildees nos templos na
realizaccedilatildeo de cultos ou na proacutepria disseminaccedilatildeo de um discurso legitimador atraveacutes de
imagens de apropriaccedilatildeo da cultura local
Era portanto fundamental que Ptolomeu agisse de acordo com a tradiccedilatildeo local de
ascensatildeo ao poder e de sua manutenccedilatildeo por meio de demonstraccedilotildees como a de Alexandre ao
realizar sacrifiacutecios aos deuses locais mas tambeacutem participaccedilatildeo nos cultos demonstraccedilatildeo de
piedade construccedilatildeo de santuaacuterios e promoccedilatildeo de cultos divinos (HOumlBL 2001 p 77 80
THOMPSON 2005 p 113) Em contrapartida a elite sacerdotal conferiria os meios atraveacutes dos
quais ele seria reconhecido como sucessor legiacutetimo dos deuses na terra por exemplo a
outorga de nomenclatura real no caso de Ptolomeu I ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo
similar ao de Filipe Arrideu
Um exemplo emblemaacutetico da importacircncia dada agraves tradiccedilotildees religiosas por Alexandre e
os Laacutegidas eacute o culto do deus-touro Apis Se por um lado Artaxerxes III havia ficado
conhecido por mataacute-lo Alexandre por outro ao realizar sacrifiacutecios agrave divindade em Mecircnfis
demonstrou claramente observacircncia agraves tradiccedilotildees e mais importante ainda enfatizou a
diferenccedila entre seu governo e o dos Aquemecircnidas colocando-se como libertador escolhido
pelos deuses (HOumlBL 2001 p 79-80) Do mesmo modo agiu Ptolomeu respeitando a agenda
religiosa inerente ao papel assumido e colocando-se em oposiccedilatildeo aos persas
Tambeacutem eacute associada a Ptolomeu I a fundaccedilatildeo de um culto a uma divindade
denominada Seraacutepis este culto se espalhou pelo mundo heleniacutestico Ademais credita-se a ele
um caraacuteter unificador da heterogeneidade eacutetnica presente no Egito Isto eacute por ser reconheciacutevel
e identificaacutevel com mais de uma soacute etnia diz-se que o culto foi inaugurado com a intenccedilatildeo de
fornecer uma divindade com a qual os helenos pudessem se identificar mas que natildeo fosse
completamente alheia agraves tradiccedilotildees locais Esta concepccedilatildeo tem um seacuterio problema a noccedilatildeo de
intencionalidade das accedilotildees de Ptolomeu de promover algum tipo de sincretismo ou
miscigenaccedilatildeo sendo tal afirmaccedilatildeo demasiada forte aleacutem de natildeo encontrar argumentos soacutelidos
o suficiente ela pode ainda ser associada a ideia de que Alexandre promoveu as bodas de
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
24
Susa e a integraccedilatildeo de jovens iranianos agraves tropas macedocircnicas com a mesma intenccedilatildeo
universalizante Ambos os casos satildeo incongruentes com o forte caraacuteter heleniacutestico das elites
governantes Rowlandson chama atenccedilatildeo ao fato de que essa noccedilatildeo ignora a importacircncia dos
elementos egiacutepcios no discurso real Segundo ela evidencias arqueoloacutegicas demonstram que a
cidade de Alexandria tinha muitos elementos arquitetocircnicos faraocircnicos (2005 p 252)
32 Os macedocircnios
Como visto o exeacutercito era parte fundamental da basileia e era composto com base nas
tradiccedilotildees de guerra macedocircnicas principalmente por macedocircnios gregos e mercenaacuterios de
outras etnias Nesse sentido a demanda de soldados era um problema para todos os basilei
uma tentativa anterior de introduccedilatildeo de iranianos agraves tropas alexandrinas natildeo foi bem recebida
por seus companheiros De tal forma que a poliacutetica de assentamento de soldados no Egito foi
extremamente bem sucedida tanto como forma de promoccedilatildeo da imigraccedilatildeo de helenos e
macedocircnios ao Egito quanto como forma de legitimaccedilatildeo do poder e da lealdade das tropas
por ser uma demonstraccedilatildeo de generosidade (TURNER 1984 p 124 THOMPSON 2005 p 108)
A esse respeito dois trechos fornecem informaccedilotildees importantes
1- ldquo[] dos quais eram macedocircnios mercenaacuterios muitos egiacutepcios dos quais alguns
estavam armados outros completamente equipados e preparados e uacuteteis para a
guerrardquo (ὧν ἦσαν οἱ μὲν Μακεδόνες οἱ δὲ μισθοφόροι Αἰγυπτίων δὲ πλῆθος τὸ
μὲν κομίζον βέλη καὶ τὴν ἄλλην παρασκευήν τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς
μάχην χρήσιμον) (DIODORO 19804)
2- ldquoInicialmente ele liberou os prisioneiros de todas as acusaccedilotildees e os distribuiu entre as
unidades de seus proacuteprios soldados mas quando eles fugiram para Menelau por que
seus pertences haviam sido deixados no Egito com Ptolomeu reconhecendo que eles
natildeo mudariam de lado []rdquo (τοὺς δ ἁλόντας τὸ μὲν πρῶτον ἀπολύσας τῶν
ἐγκλημάτων καταδιεῖλεν εἰς τὰς τῶν ἰδίων στρατιωτῶν τάξεις
ἀποδιδρασκόντων δ αὐτῶν πρὸς τοὺς περὶ τὸν Μενέλαον διὰ τὸ τὰς ἀποσκευὰς
ἐν Αἰγύπτῳ καταλελοιπέναι παρὰ Πτολεμαίῳ γνοὺς ἀμεταθέτους ὄντας)
(DIODORO 20474)
O primeiro trecho eacute um relato da composiccedilatildeo das tropas de Ptolomeu durante a batalha
de Gaza em 312 contra Demeacutetrio De acordo com ele boa parte das tropas era composta por
egiacutepcios todavia o treinamento ou posiccedilatildeo na formaccedilatildeo de batalha eacute incerto e natildeo
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
25
especificado O que nos parece claro eacute a provaacutevel irregularidade quanto ao equipamento dos
soldados egiacutepcios
Jaacute o segundo trecho se refere aos soldados assentados no Egito os kleruchoi O
contexto eacute a batalha em Salamina na qual Demeacutetrio sagrou-se vitorioso As tropas
ptolomaicas entretanto decidiram natildeo se juntar ao vencedor uma vez que haviam deixado
seus pertences para traacutes com Ptolomeu isto eacute no Egito O termo grego usado para referir-se
aos pertences dos kleruchoi eacute ldquoἀποσκευὰςrdquo (acusativo feminino plural de ἀποσκευή que
significa agrave letra as coisas do oikos ou ambiente domeacutestico) e se refere diretamente ao
oikos estabelecido no Egito
O Egito jaacute apresentava uma urbanizaccedilatildeo consideraacutevel quando Alexandre laacute chegou
sendo Mecircnfis e Tebas os dois mais importantes centros urbanos que contavam com ricos
complexos de templos A fundaccedilatildeo de muitas cidades era patrocinada por faraoacutes sendo
construiacutedas com base em um plano urbano encomendado Ainda assim havia muitas cidades
que surgiam espontaneamente devido a demanda local por proximidade de por exemplo um
siacutetio de construccedilatildeo de templo (ROWLANDSON 2005 p 250)
Eacute evidente que haacute diferenccedilas marcantes entre os centros urbanos encontrados no Egito
e as poleis31 Nesse sentido duas cidades gregas foram fundadas Alexandria por Alexandre
em 331 e Ptolemais Natildeo temos informaccedilotildees suficientes a respeito do crescimento
populacional de Alexandria seja pelo influxo de gregos que se tornaram cidadatildeos ou pela
presenccedila de natildeo cidadatildeos ao longo de um periacuteodo mais longo (judeus gregos natildeo-cidadatildeos
egiacutepcios)
A principal diferenccedila entre as poleis e centros urbanos do Egito e a chora ou campo eacute
a presenccedila de instituiccedilotildees e portanto autonomia naqueles enquanto nestes havia uma
dependecircncia dos oficiais reais em todos os acircmbitos administrativos Isso pressupotildee um poder
elevado nas matildeos de oficiais que eram responsaacuteveis pela soluccedilatildeo de querelas locais caacutelculo
fiscalizaccedilatildeo e recolhimento de impostos Por esta razatildeo segundo Rowlandson em alguns
lugares havia dois oficiais onde normalmente apenas um seria necessaacuterio dessa maneira
esperava-se que abusos de poder fossem evitados O que era muito importante jaacute que atitudes
abusivas afetavam a imagem de preservadores da Maat dos oficiais representantes do faraoacute
(2005 p 257-258)
31 A diferenciaccedilatildeo feita aqui entre poleis e centros urbanos que poderiam ambos ser denominados cidades
adveacutem da necessidade de se entender a polis ainda que no contexto egiacutepcio como um centro urbano
essencialmente helenizado com instituiccedilotildees gregas e uma cultura grega prevalecente enquanto os centros
urbanos como Mecircnfis Tebas Heliopolis natildeo necessariamente seguem esse padratildeo Na verdade apresentavam
aspectos nativos mais evidentes
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
26
Eacute importante notar que quando Ptolomeu assumiu o governo de Mecircnfis como cidade
oficial de residecircncia posteriormente transferiu toda a corte para Alexandria onde foi
instituiacutedo inclusive o culto do divino Alexandre Como centro de representaccedilatildeo do poder
real as cidades tem importacircncia fundamental era em Alexandria que eram realizados
festivais em nome de Alexandre e apoacutes sua morte de Ptolomeu e Berenice Elas eram
tambeacutem palco de representaccedilatildeo da corte real e da suntuosidade e grandeza do poder da
basileia
33 Linguagem da representaccedilatildeo do poder
Enfim no Egito Ptolomeu interagia com os templos e as elites sacerdotais
especialmente em Mecircnfis por meio de patrociacutenio visitas realizaccedilatildeo de sacrifiacutecios promoccedilatildeo
de construccedilatildeo de templos participaccedilatildeo nas atividades religiosas e cultos Por meio dessas
atividades ele agia como faraoacute e era identificado como tal assim essas atitudes podem ser
consideradas benefiacutecios no sentido daquilo que se oferece ou concede A elite egiacutepcia por
sua vez correspondia aos benefiacutecios promovidos pelo basileus com gestos de exaltaccedilatildeo
atraveacutes da outorga de tiacutetulos faraocircnicos Esses tiacutetulos se referiam a um benefiacutecio concedido ou
caraacuteter jaacute manifestado das atitudes do faraoacute como visto Alexandre era caracterizado como
ldquoescolhido por deusrdquo e Ptolomeu como ldquoescolhido por deusrdquo ou ldquofilho amadordquo (HOumlBL 2001
p 79-80 MA 2005 p 180)
Nota-se a semelhanccedila entre essa atribuiccedilatildeo de tiacutetulos como reconhecimento da
legitimidade do rei com o processo semelhante realizado pelas poleis nos cultos reais Aleacutem
disso nota-se tambeacutem a equivalecircncia dos tiacutetulos de Ptolomeu e Alexandre Isto natildeo eacute
nenhuma novidade uma vez que natildeo soacute ele mas todos os diaacutedocos usaram da emulaccedilatildeo da
imagem de Alexandre como artifiacutecio de legitimaccedilatildeo
No caso especiacutefico de Ptolomeu esse processo da imitatio Alexandri eacute notaacutevel na
cunhagem de moedas promovida no Egito Stewart oferece uma coleccedilatildeo de moedas
heleniacutesticas e uma rica analise da cunhagem de Ptolomeu agrave qual seguiremos (1993) A
primeira moeda apresentada aqui (Ver Figura 3) provavelmente foi produzida como
comemoraccedilatildeo agrave chegada do cortejo fuacutenebre de Alexandre ao Egito Nela Alexandre eacute
representado com o chifre de carneiro siacutembolo de Zeus-Amon a mitra de Dioniso e um
escalpo de elefante Destes o escalpo de elefante tem destaque especial segundo Stewart
pode ser interpretado como um siacutembolo de hegemonia universal e inegaacutevel (1993 p 236)
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
27
mais do que isso igualava seus feitos aos de Heacutercules32 e como parte do culto divino do rei
relegava Alexandre a um status divino A segunda moeda (Ver Figura 4) eacute emblemaacutetica pela
substituiccedilatildeo da imagem de Zeus no obverso pela de Atena com um escudo sobre uma aacuteguia
siacutembolo da dinastia ptolomaica em um raio A deusa protege a terra conquistada pela forccedila
das armas de Ptolomeu Por uacuteltimo um tetradracma de prata com Ptolomeu I Soacuteter basileus
no anverso (Ver figura 5) Nesta imagem o rei com o diadema real
A importacircncia da cunhagem de moedas se daacute por sua grande circulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo
natildeo soacute da imagem do basileus mas tambeacutem de um discurso de propaganda real As moedas
apresentadas sobretudo as duas primeiras natildeo tecircm como objetivo somente prestar
homenagem a Alexandre mas sim demonstrar que ele ocupava um novo lugar como
divindade protetora aleacutem disso veiculavam a imagem vitoriosa do rei atraveacutes do caraacuteter
comemorativo de algumas cunhagens O vocabulaacuterio essencialmente heleniacutestico empregado
nas imagens eacute evidente sua circulaccedilatildeo todavia natildeo se restringia
Ainda assim percebe-se atraveacutes destes exemplos (a cunhagem de moedas com
vocabulaacuterio heleniacutestico e o diaacutelogo com a elite sacerdotal local) o principal meio de
legitimaccedilatildeo da basileia isto eacute o diaacutelogo a interaccedilatildeo O cumprimento de papeacuteis determinados
local ou etnicamente por parte do rei estabelece um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo no qual demandas
satildeo cumpridas em troca da confecccedilatildeo e disseminaccedilatildeo de um discurso de legitimaccedilatildeo
O processo de interaccedilatildeo no qual reis falavam idiomas locais para as vaacuterias comunidades era
dinacircmico Comunidades locais mudavam por causa do diaacutelogo com os reis da mesma forma
reis aceitavam papeis localmente atribuiacutedos e significativos [] O processo colaborativo
reflete a necessidade de legitimidade do rei e de ser aceito pelas comunidades locais
consentimento era garantido atraveacutes dos termos locais (Ma 2005 p 182)
Nesse sentido a diversidade de papeacuteis assumidos pelo rei cumpre uma funccedilatildeo de
tornar seu poder universal por estabelecer com os grupos uma relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo Essa eacute a
noccedilatildeo do poder real como um campo de negociaccedilatildeo no qual a barganha e a acomodaccedilatildeo de
tradiccedilotildees locais de cidades elites grupos eacutetnicos tem grande protagonismo Esta noccedilatildeo do
poder real se encaixa perfeitamente nas noccedilotildees de rede de obrigaccedilotildees muacutetuas de Bingen
(2007 p 15-16) e na noccedilatildeo de dominaccedilatildeo carismaacutetica de Weber
As sociedades em quaisquer temporalidades estatildeo permeadas por intricadas relaccedilotildees
de poder o caso heleniacutestico natildeo foge agrave regra Assim sendo os grupos heterogecircneos com os
quais o basileus estabelecia o diaacutelogo de poder exigiam que este cumprisse os papeacuteis
32 A analogia a Heacutercules eacute proveniente da comparaccedilatildeo entre o escalpo de leatildeo usado por este como prova de seus
feitos e do escalpo de elefante usado por Alexandre como prova do alcance de suas conquistas
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
28
determinados localmente normalmente de concessatildeo de benefiacutecios para que assim pudessem
reconhecer e consentir a execuccedilatildeo do poder Isso se dava atraveacutes da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo idealizada do rei como provedor de benefiacutecios associada a um evento
especiacutefico Dessa maneira a imagem representada do basileus era de um indiviacuteduo
excepcional por natureza isto eacute a essecircncia de seu caraacuteter carismaacutetico estava na sua
capacidade de conferir benefiacutecios obter legitimaccedilatildeo para entatildeo atraveacutes de seu poder realizar
grandes feitos geralmente de caraacuteter militar
O caso de Ptolomeu I apresentado eacute portanto um exemplo que se encaixa nessa
concepccedilatildeo Ele estabeleceu um diaacutelogo de legitimaccedilatildeo e concessatildeo de benefiacutecios com trecircs
principais grupos as poleis os macedocircnios e as elites sacerdotais egiacutepcias Ao cumprir os
papeis estabelecidos pelos trecircs grupos individualmente conquistou seu apoio e participaccedilatildeo
na construccedilatildeo da imagem de um rei legiacutetimo (Salvador generoso sagaz) Tendo estabelecido
sua posiccedilatildeo no Egito e influecircncia nas cidades gregas tinha agrave sua disposiccedilatildeo riquezas captadas
no Egito e por impostos das cidades uma fonte de exeacutercito leal e assentada na chora egiacutepcia
recursos para a contrataccedilatildeo de mercenaacuterios e equipamentos de guerra Isso por sua vez
permitia que ele executasse o papel beacutelico da basileia empreendesse novas conquistas
agregasse qualidades excepcionais ao seu vocabulaacuterio legitimador e por uacuteltimo legitimasse
seu poder frente ao quarto grupo de diaacutelogo - os outros diaacutedocos e liacutederes poliacutetico-militares
relevantes pois estes ainda representavam ameaccedila agraves suas conquistas
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
29
Consideraccedilotildees finais
Entre os anos de 307-304 aC os sucessores de Alexandre assumiram o tiacutetulo e
indumentaacuterio real Ptolomeu foi coroado como rei (basileus) pelas tropas e aclamado como
faraoacute pelos sacerdotes e escribas egiacutepcios A partir de sua coroaccedilatildeo inicia-se o periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da dinastia Laacutegida e de uma monarquia heleniacutestica no Egito
Este trabalho dedica-se a essa consolidaccedilatildeo dinaacutestica sendo para isto fundamental
uma anaacutelise da atuaccedilatildeo de Ptolomeu em duas macro dimensotildees a primeira delas fazendo
alusatildeo a sua atuaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo dos crescentes poderes dominados pelos diaacutedocos e
outras figuras poliacuteticas emergentes no periacuteodo a segunda agrave atuaccedilatildeo de Ptolomeu no Egito em
relaccedilatildeo a seus habitantes e suas tradiccedilotildees Haacute ainda outra anaacutelise fundamental a anaacutelise da
basileia de suas caracteriacutesticas e fundamentaccedilotildees
Eacute indispensaacutevel que se ressalte alguns aspectos do trabalho historiograacutefico exigido
para a construccedilatildeo desta narrativa quais sejam o cuidado de analisar um periacuteodo histoacuterico de
acordo com sua proacutepria historicidade a complexidade das relaccedilotildees sociais poliacuteticas e
culturais de uma temporalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos para a facilitaccedilatildeo do processo de
inteligibilidade de um objeto histoacuterico como este
Portanto caracteriza-se as basileiai como modelos de governo especiacuteficos do periacuteodo
heleniacutestico com suas fundaccedilotildees na tradiccedilatildeo helecircnica e nas estruturas provenientes das
conquistas de Alexandre Essencialmente personalizadas e militares as monarquias instituiacutedas
pelos sucessores do rei podem ser tipificadas como carismaacuteticas segundo a teoria de Weber
Nesse sentido a anaacutelise da fundaccedilatildeo da dinastia Laacutegida por Ptolomeu I oferece um
quadro da complexidade das relaccedilotildees de poder entre o rei e seus diferentes puacuteblicos-alvo para
a consolidaccedilatildeo de um governo legiacutetimo Conclui-se que o principal meio de se estabelecer
como um liacuteder excepcional em um governo universal sem determinaccedilatildeo ou limitaccedilatildeo eacutetnica
era estabelecer diaacutelogos de concessatildeo de benefiacutecios com uma diversidade de objetos de
dominaccedilatildeo para enfim garantir a unidade de seu governo
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
30
Anexos
Figura 1 ndash Mapa do mundo Heleniacutestico
Figura 2 ndash Mapa do Egito
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
31
Figura 3 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC
Figura 4 - Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC
Figura 5 - Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC)
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
32
Bibliografia
Imagens
Figura 1 Mapa do Mundo Heleniacutestico In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the
Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 20
Figura 2 Mapa do Egito In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic
World Blackwell Publishing Oxford 2005 P 106
Figura 3 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Zeus C
321-315 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 4 Tetradracma de prata cunhado por Ptolomeu I Soacuteter do Egito Alexandre Atena C
315-305 aC In STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic
Politics Berkeley University of California Press 1993
Figura 5 Tetradracma de Ptolomeu I Soacuteter (Alexandria c 305-285 aC) In BINGEN Jean
Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley University of California
Press 2007
Fontes
ARRIAN The Anabasis of Alexander Traduccedilatildeo de PA Brunt London Heinemann 1929
DIODORUS SICULUS The Library of History Traduccedilatildeo de Russel Geer e Francis Walton
Cambridge MALondon Harvard University Press 2006
FGrH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der griechischen Historiker
LeidenBerlin 1923-
PAUSANIAS Description of Greece Traduccedilatildeo de W H S Jones Cambridge MA London
Harvard University Press 1933
PLUTARCH Parallel Lives IX (Demetrius and Antony Pyrrhus and Caius Marius
Alexander and Caesar) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London Harvard
University Press 1920
QUINTUS CURTIUS History of Alexander Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les Belles
Lettres 1947 2 vols
Bibliografia
BEVAN Edwyn The House of Ptolemy a history of Egypt under the Ptolemaic dynasty
Chicago Ares Publishers Inc 1968 (American edition)
BINGEN Jean Hellenistic Egypt Monarchy Society Economy Culture Berkeley
University of California Press 2007
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
33
CHANIOTIS Angelos The Divinity of Hellenistic Rulers In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 431-446
CHAMOUX Franccedilois The Diadochi and the Dream of Unity In The Hellenistic
Civilization Oxford Blackell 2002
ERRINGTON Malcom R A history of the Hellenistic world 323-30 bc Oxford Blackwell
Publishing 2012(5ordf ed)
______ From Babylon to Triparadeisus 323-320 bc The Journal of Hellenic Studies Vol
90 p 49-77 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies 1970
GRUEN Erich Coronation of the Diadochi In EADIE John OBERJosiah (eds) The Craft
of the Ancient Historian 253-271 University Press of America Lanham 1986 p 253-270
HECKEL Waldemar The Politics of Distrust Alexander and his Successors In OGDEN
Daniel (ed) The Hellenistic World New Perspectives Londres The Classical Press of Wales
and Duckworth 2002
HOumlBL Guumlnther A History of the Ptolemaic Empire New York Routledge 2001
LLOYD Alan B From Satrapy to Hellenistic Kingdom The Case of Egypt In ERSKINE
Andrew LLEWELLYN-JONES Lloyd (eds) Creating a Hellenistic World The Classical
Press of Wales Swansea 2011 p 83-105
MA John Kings In ERSKINE Andrew (ed) A Companion to the Hellenistic World
Blackwell Publishing Oxford 2005 p 177-195
MANNING Joseph Land and Power in Ptolemaic Egypt Cambridge The Cambridge
University Press 2007
MORKHOLM Otto Early Hellenistic Coinage from the accession of Alexander to the Peace
of Apamea (336-186 BC) Cambridge The University Press 1991
ROWLANDSON Jane Town and Country in Ptolemaic Egypt In ERSKINE Andrew (ed)
A Companion to the Hellenistic World Oxford Blackwell Publishing 2005 p 249-263
STEWART Andrew F Faces of Power Alexanderrsquos Image and Hellenistic Politics
Berkeley University of California Press 1993
STROOTMAN Rudolf The Hellenistic Royal Court Court Culture Ceremonial and
Ideology in Greece Egypt and the Near East 336-30 BCE 2007 Dissertaccedilatildeo 434 p
(Doutorado em Histoacuteria) Universidade de Utrecht Utrecht
TARN William W Alexanders ὑπομνήματα and the World-Kingdom The Journal of
Hellenic Studies Vol 41 pp 1-17 The Society for the Promotion of the Hellenistic Studies
1921
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
34
THOMPSON Dorothy J The Ptolemies and Egypt In ERSKINE Andrew (ed) A
Companion to the Hellenistic World Blackwell Publishing Oxford 2005 p 105-120
TURNER Eric G Ptolemaic Egypt In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 118-174
WALBANK Frank W The Hellenistic World Cambrigde MA Harvard University Press
1993
______ Monarchies and Monarchic Ideas In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 62-100
______ Sources for the period In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 1-22
WEBER Max Economy and Society Berkeley University of California 1978
WILL Eacutedouard The succession to Alexander In ASTIN A E FREDERIKSEN M W
WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume VII
Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
______ The formation of the Hellenistic kingdoms In ASTIN A E FREDERIKSEN M
W WALBANK Frank OGILVIE E M (eds) The Cambridge Ancient History Volume
VII Part I Cambridge University Press Cambridge 1984 (2ordfed) p 23-61
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
35
DECLARACcedilAtildeO DE AUTENTICIDADE
Eu Fernanda Alvares Freire declare para todos os efeitos que o trabalho de conclusatildeo
de curso intitulado ldquoOs fundamentos da basileia heleniacutestica Ptolomeu Soter e a criaccedilatildeo da
dinastia Laacutegidardquo foi integralmente por mim redigido e que assinalei devidamente todas as
referecircncias a textos ideias e interpretaccedilotildees de outros autores Declaro ainda que o trabalho eacute
ineacutedito e que nunca foi apresentado a outro departamento eou universidade para fins de
obtenccedilatildeo de grau acadecircmico nem foi publicado integralmente em qualquer idioma ou
formato
Brasiacutelia 07122015
Top Related