Parecer sobre a Proposta de solução CBDES como
forma de extinção do Contencioso CHESF-Mendes Jr.
Versão resumida
Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2010
Índice
1. Apresentação da Questão ................................................................................ 1
2. O Instituto da Transação.................................................................................. 3
3. Precedentes de transações entre entes públicos e privados com obrigação de
reinvestimento .............................................................................................. 5
4. Experiências internacionais e seus resultados ....................................................12
5. Questões Institucionais no Brasil .....................................................................14
6. Critérios de avaliação de projetos ....................................................................17
7. Governança corporativa e social ......................................................................19
8. Considerações finais.......................................................................................21
1
1. Apresentação da Questão
Em 1981, a Mendes Júnior S.A., que atua nas áreas de engenharia e tecnologia de
construção pesada, venceu concorrência pública para a o serviço de terraplanagem e
estruturas de concreto na Usina Hidroelétrica de Itaparica, que resultou em dois
contratos com a CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. Devido a atrasos
nos pagamentos por parte da CHESF, a Mendes Júnior foi obrigada a custear a obra com
recursos captados no mercado financeiro, o que representou pesado ônus financeiro e
prejudicou seu capital de giro, envolvendo custos extracontratuais inesperados.
Essa situação obrigou a Mendes Júnior a entrar com uma ação visando à obtenção
do direito de ressarcimento total e atualizado dos valores relativos a juros de mercado e
encargos financeiros com que, embora não previstos no contrato, foi obrigada a arcar.
Sentença em ação declaratória do Tribunal de Justiça de Pernambuco de 1990, relativa à
qual não cabe apelação, reconhece relação de crédito em favor da Mendes Júnior contra
a Chesf, da ordem de R$ 400 bilhões em janeiro de 2008, valor a ser atualizado
monetariamente segundo os parâmetros da decisão judicial. Trata-se de decisão
transitada em julgado e, portanto, irreformável, sendo a União constituída como
devedora solidária deste valor.
Face ao potencial impacto para a Chesf/Eletrobrás e a União de obrigação dessa
dimensão, a Mendes Júnior propôs transação que prevê a criação da CBDES – Companhia
Brasileira de Desenvolvimento Econômico e Social, o que transformaria aquele débito em
oportunidade de desenvolvimento econômico e social para o País, deixando de
representar ônus “impagável” para o Tesouro Nacional.
De maneira a fundamentar sua proposta para a sociedade brasileira, a Mendes
Júnior, assessorada pela consultoria ADVISIA, preparou consciencioso trabalho1 de
modelagem econômico-financeira e governança corporativa, buscando mensurar os
impactos da atuação da criação da CBDES sobre o erário público, de um lado, e a
arrecadação, de outro, além de delinear sua estrutura organizacional básica e seu
cronograma de implementação – complexo e realista plano de negócios. O documento,
anexo ao presente parecer, foi apresentado em janeiro de 2008 à diretoria do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, na pessoa do seu presidente, Dr.
Luciano Coutinho. Todos os documentos referentes ao caso podem ser acessados no
Dossiê Mendes Júnior no site <www.quebradecontrato.com.br>.
1 MENDES JÚNIOR. O Contencioso CHESF: o problema e a solução proposta pela Mendes Júnior. Rio de Janeiro. Disponível em: <www.quebradecontrato.com.br>.
2
Tendo em vista obter visão externa e imparcial sobre a proposta CBDES e avaliar
sua viabilidade institucional no contexto brasileiro, a Mendes Júnior solicitou o presente
parecer opinativo à nossa equipe, liderada por Marcílio Marques Moreira, ex-embaixador
do Brasil em Washington e ex-Ministro da Fazenda. A equipe é composta, ainda por Paulo
Gurgel Valente, Economista (UFRJ, 1974) com mestrado em Engenharia de Produção
(UFRJ, 1976, abt), ex-diretor financeiro de diversas empresas industriais brasileiras e
diretor da PROFIT Projetos e Consultoria; e pelo Professor Ronaldo Fiani, Doutor em
Economia (UFRJ, 1997) e diretor do Núcleo de Estudos Internacionais dessa instituição.
A CBDES será uma empresa com fins lucrativos, mas com o objetivo de fomentar
o desenvolvimento do País, levando em conta a dimensão social dos projetos a serem
promovidos. A empresa focará seus investimentos em setores carentes de investimento,
através de operações próprias ou empréstimos a terceiros, sempre que o potencial de
desenvolvimento social for considerável, tanto pelo impacto positivo dos próprios
projetos, quanto pelos recursos a serem gerados na forma de impostos. Os
investimentos serão avaliados de maneira a conjugar agilidade ao rigor da análise a ser
conduzida por pessoal competente, contando com estrutura adequada para garantir a
aderência aos objetivos de desenvolvimento econômico e social sustentável.
Neste parecer, analisaremos a solução proposta através do conceito de transação,
hoje permitido pelo artigo 31 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, como forma
pragmática e legal de terminar definitivamente, mediante concessões recíprocas, litígios
entre a União ou entes do poder público, de um lado, e entidades privadas, de outro. A
transação era até então vedada pelo artigo 1º da Lei nº 9469 de 10 de julho de 1997,
que regulamentava restritivamente a intervenção da União nas causas em que
estivessem presentes, como autores ou réus, entes da administração indireta e que
envolvessem pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judicial,
assim como pelo artigo 841 do Código Civil que só permitia transação “quanto a direitos
patrimoniais de caráter privado”.
O instituto da transação visa a compatibilizar as restrições de ordem fiscal
inerentes ao poder público – caracterizadas às vezes como decorrentes de autoridade
soberana, da Razão de Estado – com a legítima pretensão dos cidadãos-contribuintes,
pessoas físicas ou jurídicas, de ter assegurado o seu direito à propriedade privada e o
respeito aos contratos que contraírem com o poder público, no âmbito do Estado
democrático de direito. Mesmo que o preceito de Pacta sunt servanda não seja mais
considerado um direito absoluto, ele não pode, fora circunstâncias especialíssimas, ser
afastado por invocação pretensamente “soberana” do Estado, sob pena de se ver
3
comprometida a segurança jurídica e o grau de confiança inerentes ao respeito à
cidadania e ao florescimento de economia de livre iniciativa, princípios esculpidos, ao
lado da soberania, como fundamentos da República no primeiro artigo da Constituição.
Tal como visualizado no projeto CBDES, soluções da espécie, adotadas no
passado, resultaram, no decurso dos anos em que executadas, em significativa
contribuição para o desenvolvimento econômico e social do país.
Quanto ao projeto CBDES em si, empresa de natureza privada, mas focada no
desenvolvimento econômico e social do país e não apenas na criação de valor para seus
acionistas, nossa primeira preocupação será a de avaliar sua viabilidade do ponto de
vista institucional, premissa crucial que precederá ao exame de sua viabilidade
econômica, tópico distinto que se relaciona aos ganhos potenciais dos investimentos a
realizar, levando em conta tanto a demanda esperada pelos produtos ou serviços
gerados pelo investimento a ser realizado, quanto os custos desse investimento e de sua
operação. A avaliação da viabilidade institucional considerará os incentivos e obstáculos
que o empreendimento deverá levar em conta, haja vista a combinação, de um lado, de
sua estrutura organizacional e, de outro, o marco regulatório e o conjunto de normas e
agentes do ambiente de negócios em que se desenvolverão as atividades previstas.
2. O Instituto da Transação
A convivência da soberania do Estado com o respeito aos direitos do cidadão
nunca foi fácil, em especial nas situações em que o Estado assumiu natureza autoritária
ou absolutista. Essa tensão que inere à história mundial da relação entre o Estado e o
que hoje se conhece como sociedade civil, foi sentida de maneira especial no espaço
luso-brasileiro. Surgido na passagem da Idade Média à Renascença, o Estado português
se consolidou em torno do patrimônio do príncipe, o tesouro régio arrecadador de foros,
rendas, impostos, multas e toda sorte de cobranças e troca de favores ou licenças,
tendência que no Brasil – onde tivemos Estado antes mesmo que tivéssemos Povo - viria
a se perpetuar até hoje.
Em ensaio sobre o “Cristianismo e Razão de Estado no Renascimento Lusíada”,
Miguel Reale analisou o surgimento do conceito de “Razão do Estado”, como “cobertura
de legitimidade para atos que os governantes consideram úteis ao interesse público,
embora em si mesmos devam reputar-se injustificáveis”. Conclui que se trata de conceito
que esconde um “plano de legitimação de meios em razão de fins”, tradição da qual nos
4
ficou “tendência de respeito ao Poder e uma confiança talvez desmedida nos que
governam, donde a perene expectativa de medidas de salvação pública [...]” 2
Face ao predomínio da “Razão de Estado” no tradicional patrimonialismo estatal-
autoritário, Max Weber lembra que a economia moderna, em contraste, se baseia em
“oportunidades conquistadas por meio de contratos” e que a economia de mercado exige
o “funcionamento do direito calculável por meio de regras racionais”.3
Como já comentamos, sempre haverá uma tensão natural – e talvez até positiva
na medida em que for capaz de superar o conformismo paralisante – entre a “Razão de
Estado”, a defesa “soberana” dos interesses de Estado, e a justa reivindicação do
cidadão-contribuinte de, individualmente ou associado em empresa, de ver respeitado o
legítimo direito à propriedade privada e à liberdade de agir, produzindo, prestando
serviços, distribuindo e comercializando produtos e de ter asseguradas as oportunidades
e direitos que lhe foram conferidas pelos contratos que contraírem com agentes privados
ou entes públicos.
Haver-se-á, portanto, de encontrar meios eficazes para construir uma ponte entre
as pretensões “soberanas” do Estado, como a manutenção de sua higidez fiscal
necessária à estabilidade da moeda, e o preceito nuclear de Pacta sunt servanda, do
respeito aos contratos. É da essência que a construção dessa ponte não se transforme
em obra sem fim, como é comum em tantos litígios submetidos à esfera judicial, pela
utilização abusiva dos quase infinitos recursos processuais, visando menos à consecução
dos direitos que se quer defender, do que à sua postergação às calendas gregas,
contrariando o “prazo razoável” assegurado pelo artigo 5º, alínea LXXVIII, da
Constituição, reformulado pela Emenda nº 45.
O meio mais eficaz de aproximar os dois lados em conflito, sempre que exista
uma res dubia, é o instituto jurídico da transação, que, embora oriundo do Direito
Romano4, é utilizado com mais frequência em países regidos pela “Common Law”, o
direito costumeiro, talvez por este se inspirar antes no bom senso e na mútua confiança,
do que na interpretação formal de um código ou lei aplicável ao caso em disputa.
Segundo o Vocabulário Forense da Transação de Ana Farides da Silva, a transação,
juridicamente um contrato, pode ser definida como: “o ato jurídico em que as partes,
2 Miguel Reale. Cristianismo e Razão de Estado no Renascimento Lusíada. In: Horizontes do Direito e da História. São Paulo: Edição Saraiva, 1956, pp. 87 e 117. 3 Max Weber, Wirtschaft und Gessellschaft:Grundriss der Verstehenden Soziologie, 4ª ed. Vol. 1. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1956,p. 385. 4 Vide o capítulo 2, “A Transação no Direito Romano” in Carlos Alberto Dabus Maluf, A Transação no Direito Civil e no Processo Civil, 2ª Ed. rev. e aumentada. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, pp. 4 a 9.
5
mediante concessões mútuas, concordam em compensar-se reciprocamente, nas
obrigações relativas ao litígio, pondo termo à ação”.5
Como nos lembrou San Tiago, em parecer de 1953, o fim precípuo da transação
não é apenas a cessação da lide:
“O fim a que visa à transação quer judicial, quer extrajudicial, é produzir a segurança nas relações jurídicas que se apresentam duvidosas às partes nelas implicadas. A existência de uma res dúbia é, assim, o pressuposto da transação; as concessões recíprocas são o seu instrumento; a segurança jurídica o seu fim”.6
San Tiago aduz ainda, que as concessões mútuas podem incluir concessões não
reclamadas na ação em disputa, pois “nada mais natural, lógico e provável do que
incluírem-se nas concessões renúncias de direito, desistência, soluções para outras lides
possíveis, tudo no interesse daquela segurança de relações que move as partes a
transigirem entre si”.7
Como já referido, o artigo 31 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009,
restabeleceu em nosso ordenamento jurídico, a possibilidade de realização de acordos ou
transações em juízo para terminar litígios. Portanto, não podem mais subsistir dúvidas
quanto à utilidade, assim como quanto à validade ética e jurídica, da Transação proposta
pela Mendes Jr. para, através de concessões mútuas, respeitar o indispensável equilíbrio
fiscal do Estado, e, ao mesmo tempo, atender, pela criação do CBDES, à demanda
legítima da sociedade de buscar o bem comum por meio do desenvolvimento econômico
com sustentabilidade social e ecológica, mormente em regiões menos favorecidas.
E não menos relevante será a reafirmação do respeito aos contratos, para afastar
a insegurança jurídica, risco deletério tanto para o império do Estado de Direito, quanto
para o bom funcionamento da economia de mercado em benefício de todos brasileiros.
3. Precedentes de transações entre entes públicos e privados com obrigação de reinvestimento
O início da década de sessenta do século passado testemunhou, no Brasil, dois
fenômenos interligados: a aceleração inflacionária e a deterioração das contas externas.
5 Ana Farides da Silva, Vocabulário Forense da Transação. São Paulo, Edipro, 1995, pp 166-167. 6 San Tiago Dantas, Problemas de Direito Positivo: Estudos e Pareceres. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 248. 7 Ibid. p. 247.
6
A moeda perdia seu poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que a taxa cambial se
liquefazia dia a dia. O inevitável processo de reajuste sistemático de preços, para
compensar a deterioração do poder compra, enfrentou dificuldades mais intensas nos
setores de empresas concessionárias de serviços públicos, especialmente nas áreas de
energia elétrica, telecomunicação e transportes. As empresas nesses setores foram
perdendo a capacidade de arcar com as despesas de manutenção e com o custo dos
investimentos necessários à expansão de seus serviços em ritmo capaz de atender à
crescente demanda advinda de acelerado crescimento demográfico e de vigoroso
desenvolvimento econômico. Não é, pois, de surpreender que os usuários desses
serviços, de qualidade deteriorada, e aqueles que aspiravam a eles obter acesso,
formassem imagem crescentemente negativa dessas empresas.
Se o clima geral de animosidade dificultava a solução mais natural para sanar
essa situação de progressiva deterioração dos serviços prestados – ajustes frequentes
das tarifas a níveis que restabelecessem a viabilidade econômica das concessões – ele se
constituía em chão fértil ao populismo de governadores ávidos por conquistarem fama de
destemidos adversários de empresas “gananciosas”, como a AMFORP (American &
Foreign Power Company), a ITT (International Telephone and Telegraph) no Rio Grande
do Sul e o “polvo canadense” – a Brazilian Traction – no Rio de Janeiro. Os governadores
do Rio Grande do Sul e da Guanabara acabaram por encampar essas empresas,
realizando depósitos apenas simbólicos, como pretensa forma de atender ao preceito
constitucional de indenização prévia. Argumentavam que essas empresas já haviam
ganho o suficiente no decurso de sua presença no Brasil e argumentavam, assim, que
seu patrimônio, mesmo que contrariando os termos das respectivas concessões,
deveriam migrar, sem ônus, aos patrimônios estaduais.
Além de reagirem de forma imediata, como empresas privadas que eram, a ITT e,
de uma forma menos agressiva, a AMFORP, não tardaram em conseguir o apoio do
Governo americano, da imprensa e do Congresso Americano. A mobilização da ITT, em
particular, foi decisiva para conseguir que o Senador republicano, Bourke Hickenlooper,
conseguisse aprovação de emenda à legislação sobre auxílio externo, determinando que
a concessão de qualquer ajuda pública, quer em forma de empréstimo ou doação, ficasse
condicionada à plena indenização às empresas por qualquer desapropriação ou
encampação que tivessem sofrido. Em suas memórias8, o Embaixador em Washington,
Roberto Campos traça retrato da reação à encampação das duas empresas de capital
americano, que passou a ser um dos itens das conversações entre os Presidentes
8 Roberto Campos. A Lanterna na Popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p.471.
7
Kennedy e Goulart, por ocasião da visita deste a Washington, iniciada em 4 de abril de
1962.
Do registro das conversações preparada por Campos e transcrito em Relatório da
Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos
(CONESP), a política do Governo brasileiro enunciada na reunião na Casa Branca foi bem
recebida pelo Presidente Kennedy, que, enfatizou a esperança de que fossem tomadas
“providências rápidas para a execução dos planos de negociação global e específica” que
lhe haviam sido apresentados pelo Governo brasileiro, condensados em quatro pontos:
• “Observar o princípio de justo pagamento prescrito na Constituição Brasileira.
• Encontrar uma negociação global com as empresas estrangeiras para a nacionalização pacífica dos serviços de utilidade pública.
• Para atenuar o ônus financeiro e cambial, uma pequena parcela seria paga à vista e o restante em prestações cujo ritmo seria acordado durante as negociações.
• A fim de se evitar a migração de capitais e de limitar os encargos cambiais deveriam estatuir que a maior parcela do pagamento feito às empresas estrangeiras seria por elas reinvestido em setores considerados, pelo governo brasileiro, como vitais ao desenvolvimento do país. ”9
É digno de nota o quanto os quatro pontos expressos acima, como política do
governo parlamentarista de Goulart, coincidem com itens basilares da proposta da
Mendes Jr., para superar a lide objeto deste parecer. Se não, vejamos:
1º O compromisso com o princípio constitucional de justo pagamento significa um
compromisso com o Estado de Direito e o respeito às leis, portanto, com a segurança
jurídica; 2º Ao propor uma negociação global, a proposta foi de uma transação e não de
uma lide judicial; 3º Aliviar o ônus financeiro com o pagamento em prestações significa o
reconhecimento que o Estado tem limitações fiscais que não podem ser desprezadas e,
portanto, justificam que o credor privado proponha um esquema para sua atenuação; 4º
idéia de reinvestimento da “maior parcela” de pagamento converge com o proposto
Mendes Jr., que prevê que a totalidade de pagamento seja reinvestido.
Enquanto o Presidente Goulart, contando com a abalizada assessoria dos Ministros
San Tiago Dantas (Relações Exteriores) e Walther Moreira Salles (Fazenda) e do
Embaixador em Washington Roberto Campos, expressara ao Presidente Kennedy o
9 “Relatório da Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (CONESP) – 19-2-1963” in Revista Brasileira de Política Internacional. Ano VIII – nº 30 de junho de 1965, pp. 180-182.
8
compromisso com a agenda acima enunciada, com o intuito de “manter os direitos de
segurança que permitirão ao capital privado desempenhar o seu papel vital no
desenvolvimento da economia brasileira” 10,ao Primeiro Ministro Tancredo Neves coube
tarefa talvez mais difícil: a de convencer o Congresso e a opinião pública brasileira, da
conveniência de, evitando atrito com o Governo canadense, reafirmar o apreço pela
segurança jurídica, pedra angular de qualquer ambiente de negócios atraente a
investimentos privados, nacionais ou estrangeiros.
Na sua exposição à Câmara de Deputados, Tancredo baseia sua argumentação em
parecer do Consultor Geral da República, Antonio Balbino. Após afastar a hipótese de
encampação pelo governo Federal das companhias concessionárias de serviços públicos
que haviam chegado, “por circunstâncias óbvias”, a “um verdadeiro ponto de
estrangulamento de sua capacidade de expansão”, Balbino conclui que, “em termos
legais”, a federalização desses serviços poderia ser efetivada por meio da
desapropriação. Incontinente, ele afasta essa hipótese, para optar pela alternativa de
transação, a compra negociada, cuja legitimidade defende em suas considerações finais
aduzindo os seguintes argumentos:
“Tendo em vista, porém, razões de ordem prática, às quais nenhum jurista tem o direito de ser insensível, e considerando que além de traumatismo, desaconselhável na conjuntura, que sempre causam as desapropriações sem prévio entendimento, tal ato poderia vir a ter repercussão internacional desfavorável e inteiramente alheia aos objetivos e propósitos de governo.” 11
Tancredo Neves endossa por inteiro a sugestão do ilustre Consultor Geral da
República, ratificando a idéia da adoção, para o caso, de
“[...] critérios práticos de uma conciliação e de um entendimento com as empresas concessionárias, para que, através de uma composição amigável, fossem evitados os malefícios que redundariam para o País de uma desapropriação no plano internacional e do pesado ônus que a Nação [teria] de se impor para efetivar essa desapropriação.” 12
Ao caracterizar a solução como uma “composição amigável”, Tancredo se
aproxima da definição adotada pelos melhores teóricos do instituto da transação, entre
10 Ibid. p. 182. 11 Antonio Balbino, ‘Parecer’, Brasília 14 de dezembro de 1961 in Tancredo “A Posição do Governo...” in O Globo 09-04-1962, p. 18. 12 Tancredo Neves, 1962, p. 18
9
os quais assoma o renomado processualista italiano Francesco Carnelutti: “composição
da lide”, sendo que “lide” para ele é “pretensão contestada”. Carnelutti chama atenção,
ainda, que transação exige boa fé, pois não se pode admitir transação quando a
pretensão ou sua contestação não fosse de boa fé.13
Para atenuar a estridência de sua reclamação e pelo pequeno montante envolvido,
a lide com a ITT, foi a primeira a ser equacionada, inicialmente com um adiantamento
pelo Governo Federal, em dezembro de 1962 e depois por uma indenização definitiva.
Restaram, assim, os casos da AMFORP e da CTB. Em relação ao primeiro, o
Governo presidencialista de João Goulart seguiu a política traçada no ainda Governo
parlamentarista, que seria também endossada pelo Governo Castello Branco, em 1964.
No discurso que pronunciou, ao despedir-se como Ministro da Fazenda da Câmara
de Deputados, em 12 de junho de 1963, San Tiago Dantas lembrou que a escolha da
solução de compra, em vez da desapropriação havia-se firmado nos primeiros meses de
1962 e favorecia o Governo brasileiro, porque, de um lado, permitia que o pagamento
“estivesse na ordem de grandeza do investimento efetivo aprovado” e, de outro, evitava
o desembolso prévio do montante apurado, escalonando-o em prazos longos de 20 a 25
anos, o que atendia tanto a premência fiscal quanto a cambial.
“Obter das companhias que assim retiravam o seu capital que, ao invés de retirá-lo, o replicassem no Brasil. Não fez disso um privilégio, não desejou fazer disso um direito de que o próprio Governo não se pudesse desinteressar [...] Mas se for considerado conveniente, ele pode, inclusive, ser orientado para áreas selecionadas, as quais devem estar definidas no próprio contrato de compra ou através de algum órgão ou mecanismo que o contrato de compra indique devidamente.” 14
San Tiago lembrou ainda que a “fórmula do não-atrito”, de compra, já havia sido
utilizada, com êxito, no México e na Colômbia, e conclui destacando a legalidade, a
legitimidade e o sentido pragmático da compra negociada, verdadeira transação:
“Creio por isso, Senhor Presidente, que não podemos ter receio nenhum de enfrentar, de cabeça erguida, o Congresso e o País por esta transação que ainda não está concluída,
13 Francesco Carnelutti, “Sulla causa della transazione”, Rivista di Diritto Commerciale, 12:575 pt 2, 1914, apud Carlos Alberto Dabus Maluf. A Transação no Direito Civil e no Processo Civil; 2ª Ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1999, pp. 35-36. 14 San Tiago Dantas, Perfis Parlamentares 21: Discursos Parlamentares. Seleção e introdução de Marcílio Marques Moreira. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983 p. 245
10
mas que o Governo tem o propósito de concluir, não porque esteja sendo obrigada a isso por nenhuma potência estrangeira, mas por estar sinceramente convencido, já há bastante tempo, antes mesmo da atual administração, de que a melhor maneira de atender aos nossos interesses na nacionalização desses serviços não era seguir a via dos atritos, das dificuldades, dos incidentes, mas procurar uma negociação altiva e sincera, a via da harmonia, do entendimento mútuo, da amortização a longo prazo, de acordo com as possibilidades do País.” 15
Como orador principal por ocasião da cerimônia de instalação da Comissão de
Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos criada pelo Decreto
1.106, de 30 de maio de 1962, já havia defendido a fórmula de compra negociada das
concessionárias de serviço público, com reaplicação de parte substancial do capital
desinvestido, “em indústrias e empreendimentos agrícolas ou mesmo comerciais que
reúnam o duplo requisito de serem úteis ao desenvolvimento geral do País”, sem
estarem sujeitas ao regime de tarifas controladas, mas sim “às condições normais do
mercado”.16
Dois anos mais tarde, a negociação com a AMFORP foi submetida à consideração
de uma Comissão Interministerial que ratificou, grosso modo, preço, prazos e condições
gerais, mas introduziu mudança na cláusula de reinvestimento de parte do pagamento a
ser feito à AMFORP. Em vez de a AMFORP aplicá-la à medida do vencimento de cada
parcela em empresas de interesse para o desenvolvimento brasileiro, o reinvestimento
passou a ser em empréstimo à Eletrobrás de 20 anos estendendo, portanto, o
pagamento pela compra para 45 anos, vencendo juros de 6,5% a.a. em dólares17.
No caso da CTB, as negociações só vieram a ser concluídas dois anos mais tarde,
em 1966, talvez pela complexidade jurídica e tecnológica envolvida, como também pela
posição beligerante do governador Carlos Lacerda, que empunhara a bandeira
nacionalista contra a empresa, em tom que lembrava Catão no Senado Romano:
“Delenda est Carthago” 18. Já em 1962, o acordo minutado, mas não assinado, incluía a
obrigação da Brazilian Traction de aplicar os recursos “em investimentos de indubitável
15 Ibid, p. 250 16 Press release da Agência Nacional, mimeografado, de 18.6.1962. Cópia no arquivo pessoal de Marcílio Marques Moreira. 17 “Relatório da Comissão Interministerial para Conclusão das Negociações com a AMFORP”, Assinado por Octavio Marcondes Ferraz, Gabriel da Costa Carvalho, Arthur Luiz Pinheiro Guimarães, Marcílio Marques Moreira e Paulo Azevedo Romero in Revista Brasileira de Política Internacional, junho de 1965, ano VIII – nº 30, pp. 218 e 234. O Relatório foi aprovado e incorporado á Exposição de Motivos ao Exmo. Sr. Presidente da República em 19 de agosto de 1964, que encaminhou, por sua vez, Mensagem e Projeto de Lei para “cobertura dos objetivos enunciados”. Após acirradas discussões, o P.L. foi aprovado pelo Congresso Nacional, a compra efetivada e o reinvestimento efetivado em títulos da Eletrobrás. 18 Cartago deve ser destruída.
11
ou de especial interesse para a economia nacional” parte substancial, algo como 2/3 do
pagamento, a ser efetivado em parcelas. O acordo finalmente concluído em 1966
manteve o compromisso de reinvestimento. E embora a compra passasse a ser feita pela
Telebrás, em vez do BNDE, a este continuou cabendo a tarefa de avaliar e certificar
periodicamente se os reinvestimentos haviam de fato ocorrido em projetos de indubitável
interesse para o desenvolvimento brasileiro.
Este é, sem dúvida, o precedente mais eloqüente de que a CBDES é viável e pode
render bons frutos para as partes envolvidas. Aquela transação, a compra negociada,
evitou uma lide potencialmente longa e desgastante, enquanto o reinvestimento previsto
foi a origem da diversificação dos investimentos da Brazilian Traction no Brasil que,
mesmo depois de terminada a obrigação de reinvestimento, manteve a política de
investimentos diversificados em setores dinâmicos de nossa economia.
Para que o processo de diversificação e priorização dos reinvestimentos
merecesse, como de fato mereceu, a certificação do BNDE, a empresa criou uma
subsidiária especialmente dedicada a essa tarefa – a Empresa Técnica de Organização e
Participações, conhecida como TOP. Os anos se passaram, a Brazilian Traction, que
acabou vendendo, bem mais tarde, a Light à Eletrobrás, mudou de nome, primeiro para
Brascan, e mais recentemente para Brookfield, mas continuou expandindo seus
investimentos no Brasil de forma diversificada.
Segundo o site da empresa19, a Broookfield Brasil conta hoje com 5.600
funcionários e é uma das “maiores plataformas de investimentos no Brasil, com
aproximadamente R$18 bilhões de ativos sob sua gestão”, investidos nos mais diversos
setores de atividade econômica: Asset Management, Imobiliário – Residencial, Comercial
e Imobiliário – Shopping Centers, Energia Renovável, Terras agrícolas, Florestas
renováveis, Corretora de seguros, Engenharia e Construção, Serviços Financeiros e
Outros Serviços.
Não há como negar a relevância para a análise da proposta CBDES do precedente
de como transformar uma lide com alto potencial de gerar longos atritos e profunda
desconfiança quanto ao respeito a contratos, em uma transação negociada, e de como
transitar de uma companhia concessionária de serviços telefônicos para importante
plataforma diversificada de investimentos, gerando emprego, arrecadando impostos,
produzindo alimentos, além de dedicar-se a setores tão diversificados quão prioritários,
tais como energia renovável, residências de classe média ou populares, florestas,
19 http://www.brascan.com.br
12
fazendas de gado, Shopping Centers e serviços de gestão sócio-ambiental. O precedente
vem reforçar a convicção de viabilidade, conveniência e interesse nacional da proposta
da Mendes Jr. que, para terminar disputa de mais de 30 anos, propõe transação
simétrica acoplada ao compromisso formal de reinvestimento de 100% da indenização na
CBDES.
A CBDES estará dedicada a capitalizar, apoiar e financiar projetos diversificados e
bem geridos a instalar-se ou expandir-se no país, em especial, em regiões menos
favorecidas, visando ao desenvolvimento sustentável, responsabilidade social e respeito
ambiental. Sem causar impacto imediato e fragilizante sobre o erário público, estará
gerando empregos, renda e tributos, aliviando a pobreza, produzindo energia, alimentos,
educação, saúde, saneamento e conhecimento, chave para o futuro. Propõe-se, portanto,
a operar de forma ética, economicamente racional e socialmente responsável,
respeitando o Estado de Direito democrático, dinâmica e competitivamente inserido em
mundo de imensos desafios, riscos sorrateiros, oportunidades incomensuráveis.
4. Experiências internacionais e seus resultados
Do esforço de levantar referências a casos internacionais de instituições que
atuem em projetos de desenvolvimento econômico-social e de fomento regional ficou
evidente que o gênero de organização que mais se aproxima da proposta da CBDES é o
da International Finance Corporation (IFC), do grupo Banco Mundial.
O IFC20 tem como foco encorajar crescimento econômico sustentável em países
em desenvolvimento, financiando investimentos do setor privado, mobilizando capital no
mercado financeiro internacional e prestando consultoria a governos e empresas para a
implantação de projetos de desenvolvimento. Em cooperação com parceiros de
negócios, o IFC investe em projetos sustentáveis, sem a necessidade de garantias
governamentais. O órgão oferece produtos e serviços financeiros e desenvolve produtos
que auxiliem as empresas no gerenciamento de riscos e no acesso a mercados
financeiros nacionais e internacionais.
O financiamento direto ao setor privado é o que diferencia o IFC do Banco
Mundial. Apesar de fazer parte e ter suas ações coordenadas com as outras atividades do
banco, o IFC é legal e financeiramente independente. Como seus recursos são
administrados pela ótica do setor privado, como qualquer investidor ou emprestador
20 Site oficial do órgão: http://www.ifc.org/
13
privado, o IFC busca lucratividade, estabelece preços para seus empréstimos e serviços
segundo a média do mercado e compartilha riscos com seus parceiros.
Para ser elegível ao financiamento do IFC, o projeto precisa respeitar os seguintes
critérios: (i) estar localizado em um país em desenvolvimento membro do IFC; (ii) fazer
parte do setor privado; (iii) ser tecnicamente viável; (iv) ter boas perspectivas de
lucratividade; (v) trazer benefícios para a economia local; (vi) ser social e
ambientalmente viável, satisfazendo os padrões de sustentabilidade do IFC e do país em
questão. O IFC não realiza empréstimos diretamente para micro, pequenas e médias
empresas, ou empresários individuais. O financiamento para esses tipos de empresa se
opera por meio de intermediários financeiros.
Qualquer projeto proposto para financiamento pelo IFC é submetido a uma análise
sócio-ambiental de seus impactos. A análise inclui três componentes principais: (i)
impactos sócio-ambientais do projeto; (ii) compromisso e capacidade do cliente de
mitigar os impactos esperados e montar boa gestão sócio-ambiental; (iii) o papel de
terceiros envolvidos no projeto tem de conformar-se com os padrões de desempenho.
Como parte da avaliação do projeto, o IFC usa um sistema de categorização
sócio-ambiental, que (i) reflete a magnitude dos impactos, e (ii) especifica os requisitos
institucionais do IFC para a divulgação das informações sobre o projeto ao público, antes
de sua apresentação ao Conselho de Administração para aprovação.
Apesar de o IFC financiar, sobretudo, projetos do setor privado, ele pode conceder
empréstimos para companhias de capital misto (com participação governamental),
contanto que haja participação privada e o empreendimento seja lucrativo.
O IFC costuma buscar parceiros para joint ventures e procura levantar recursos
adicionais para o financiamento, por meio de incentivos a outras instituições para co-
investir em projetos por ele selecionados. Mobilização de recursos – catalisando recursos
de investidores e financiadores privados para projetos do setor privado nos países em
desenvolvimento – é uma das principais funções do IFC.
O IFC financia projetos nos seguintes setores: Agribusiness, Global Financial
Markets21, Global Manufacturing & Services22, Health & Education, Information &
21
Investimentos e serviços de consultoria a instituições financeiras nos países em desenvolvimento. 22
Indústrias-chave para o crescimento sustentável e que criam empregos, contribuem para as receitas do governo e estimulam o crescimento de empresas de pequeno e médio porte, tais como: materiais de
14
Communication, Infrastructure, Oil, Gas, Mining, & Chemicals, Private Equity &
Investment Funds, Subnational Finance23
Dessas áreas, as que parecem mais consistentes com a proposta CBDES são:
Global Manufacturing & Services, Health & Education, Information & Communication
Technologies, Infrastructure e Subnational Finance (que representam em torno de 42%
do portfólio do IFC), pois, pelo maior impacto direto na geração sustentável de renda e
emprego, são as áreas mais atraentes para o desenvolvimento econômico e social.
De acordo com o Relatório Anual de 2009, o IFC, dentro de sua linha em apoio a
empreendimentos privados promotores do desenvolvimento econômico e redução da
pobreza, mostra-se consistentemente lucrativo e tem crescido de forma sistemática.
Exceção ocorreu em 2009 e se explica pela crise financeira global.
5. Questões Institucionais no Brasil
Nesta seção do trabalho, foram eleitos setores similares aos em que atua o IFC, a
entidade escolhida como parâmetro para a análise da atuação da CBDES. Serão
discutidos os seguintes setores: pequenas empresas industriais e de serviços,
telecomunicações, saúde e educação e, finalmente, infra-estrutura, a fim de investigar
em que medida uma atuação semelhante à do IFC poderia ser reproduzida no Brasil,
dada a estrutura institucional do país.
As barreiras burocráticas e a excessiva informalidade da economia brasileira
podem vir a restringir o espectro de atuação da CBDES e constituir limitação à
consecução de seus objetivos. Em compensação, do ponto de vista do empreendedor, a
possibilidade de contar com um sócio relevante pode configurar incentivo significativo à
formalização da economia, tendo em vista que os critérios de alocação de recursos da
CBDES envolverão rigorosa análise dos demonstrações financeiras, adesão aos melhores
preceitos de governança corporativa e criterioso cumprimento da legislação vigente.
No caso do setor de Telecomunicações verifica-se surpreendente vigor
tecnológico, que se traduz em permanente transformação não apenas dos meios físicos
empregados, mas também dos conteúdos. É crescente a convergência de voz, vídeo e
construção, varejo, turismo e imobiliário, indústria farmacêutica e produtos florestais e equipamentos que consomem menos energia. 23
Serviços regionais de infra-estrutura essenciais como a água, saneamento, transporte, gás e eletricidade.
15
dados em uma mesma plataforma tecnológica, o que ocorre sem normas detalhadas que
regulem o processo.
Há dupla possibilidade de atuação da iniciativa privada no processo: tanto por
conta da ausência de regulação – que não impõe controles de entrada, como no caso da
telefonia fixa e móvel –, quanto pelas inovações tecnológicas que reduzem ou eliminam
barreiras à entrada, especialmente aquelas que redundam em monopólios naturais. A
forma da conexão também vem se transformando aceleradamente, dispensando as
onerosas estruturas físicas de cabeamento.
Essa mudança na estrutura física da conexão abre oportunidades interessantes ao
reduzir a necessidade de investimentos em capital fixo, tornando o fornecimento de
acesso à internet menos custoso e, portanto, mais acessível aos consumidores de baixa
renda. Essas e outras transformações tornam possível que empreendedores ofereçam
serviços de internet aos consumidores de áreas rurais e urbanas mais pobres, tarefa que
a CBDES poderia cumprir apoiando empreendimentos capazes de aproveitar os avanços
tecnológicos, que ao mesmo tempo reduzem os investimentos em máquinas e nas
instalações na rede.
Permite, portanto, o ingresso de pequenas e médias empresas na oferta de
serviços de acesso e redução – virtual eliminação – dos investimentos em cabeamento, o
que torna irrelevante problema econômico típico da expansão e universalização das
redes, o de garantir as chamadas economias de densidade.
Dessa ampla gama de possibilidades resulta divisão de competências
institucionais entre a ação do Estado e da CBDES, e universalização do acesso às
telecomunicações. Enquanto a função da CBDES seria apoiar a iniciativa privada para
aproximar a realidade do setor – especialmente no acesso à internet em áreas de baixa
renda – da fronteira de eficiência do mercado, reduzindo ou eliminando o hiato de
mercado, ao Estado caberia utilizar fundos setoriais para reduzir/eliminar o hiato de
acesso, onde a pobreza não permitir que as forças de mercado por si o promovam.
A prestação de serviços educacionais e de saúde, como atende a direitos
universais dos indivíduos, é responsabilidade do Estado, mas investimentos nessas áreas
podem ser realizados, também, pelo setor privado, contanto que respeitem as leis
específicas e as determinações dos ministérios e agências reguladoras competentes.
16
Uma análise da área de atuação e medidas legais correspondentes à abertura ou
investimento em instituições de ensino deve ser levada em consideração para cada setor.
Embora haja um arcabouço geral, há regras especiais para cada nível educacional
No site Saúde Legis24, estão disponíveis mais de 60 mil normas sobre o Sistema
Único de Saúde, no âmbito da esfera federal. Ainda podemos encontrar na Biblioteca
Virtual da Saúde25 outras publicações relativas à legislação federal da saúde. Há que
considerar-se a especificidade da regulamentação e as regras para cada atividade, com
maior ou menor complexidade no atendimento ambulatorial e hospitalar, nos serviços
laboratoriais, na produção e distribuição de medicamentos, e para profissionais de saúde.
No caso específico da infraestrutura, o Ministério das Cidades26 é o responsável
pelas Secretarias Nacionais de habitação, saneamento ambiental, transporte e programas
urbanos. Como cada um desses serviços apresenta leis federais próprias que os regem, é
necessário fazer um estudo particular para cada área específica, sobre a possibilidade de
investimento por parte do setor privado e sobre as regras e determinações legais para
sua continuidade.
Como os setores ligados à infraestrutura são de atribuição do Estado, o
investimento é permitido ao setor privado por meio de concessão, licitação ou consórcio.
Quem determina o tipo de contrato a ser implementado é o governo federal ou estadual,
cabendo ao setor privado decidir o quanto e como participar.
A lei que institui as normas para licitações e contratos da Administração Pública é
a de nº 8.666/9327. Nela estão descritos os critérios de estabelecimento do processo de
licitação, que deve ser público e que pode levar em consideração bens e serviços
produzidos ou prestados por empresas brasileiras ou estrangeiras, que invistam em
pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no país.
Além das modalidades de licitação, estão descritos os limites de aplicação nas
modalidades cabíveis, os casos indispensáveis e os inexigíveis à licitação, a
documentação necessária para habilitação, o procedimento e julgamento do processo e
as informações referentes à elaboração, formalização, alteração, execução e rescisão dos
contratos, assim como as possíveis sanções. Para qualquer tipo de contrato, há um tipo
de fiscalização e controle, por parte do governo. A definição de valores ou tarifas
24 Disponível em: http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/LEG_NORMA_PESQ_CONSULTA.CFM 25 Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/php/level.php?lang=pt&component=44&item=21 26 Mais informações sobre o Ministério das Cidades disponíveis em: http://www.cidades.gov.br/ 27 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm
17
cobrados para sua prestação também deve estar de acordo com determinações
governamentais.
Tendo em vista essas peculiaridades, observa-se que os limites institucionais para
o investimento do setor privado em áreas de infra-estrutura dependem das
características do projeto e das circunstâncias em que se insere. Antes de ingressar em
projeto desse tipo, cabe realizar levantamento das regras legais aplicáveis ao setor e à
região geográfica onde se realizará o investimento, e análise dos custos envolvidos – as
exigências ambientais, por exemplo, tem crescido exponencialmente - custos esses que
vem se somar aos de transação que também devem ser levados em conta na avaliação
da conveniência e retorno a ser esperado de financiamento ou participação no capital no
empreendimento considerado.
6. Critérios de avaliação de projetos
A CBDES deve ter critérios claros, definidos pelo Conselho de Administração, para
a análise de projetos de investimento, dentre as melhores técnicas disponíveis.
De modo a avaliar a viabilidade econômica da uma empresa privada de
investimentos em setores estratégicos para o Brasil, analisaremos o retorno sobre o
capital investido em algumas das principais empresas brasileiras, organizadas por setor
de atividade. Utilizamos a base de dados Economática, para empresas que operam no
Brasil e tem registro na Bovespa, no período de 2001 a 2009.
A análise da rentabilidade passada dos indicadores de empresas em determinados
setores não é garantia de continuidade desse desempenho no futuro, mas registra fatos
que devam ser levados em consideração pelo Conselho de Administração da CBDES,
cujos conceitos para aprovação de projetos a apoiar, via financiamento ou participação
acionária, devem ser abrangentes. Têm de considerar as dimensões econômicas e sociais
do desenvolvimento sustentável, como explicitado a seguir, e levar em conta as
projeções específicas para cada mercado ou setor. Conforme célebre colocação do
fisiologista Frances Charles Richet (1859 – 1935), Nobel de Medicina em 1913, “quem
acha que o laboratório é mais importante que a clínica ou que dá para fazer boa clínica
sem usar os dados de laboratório não entende nada nem de clínica, nem de laboratório”.
18
A análise dos principais indicadores das empresas brasileiras de capital aberto é
positiva, levando-nos a concluir que o investimento no Brasil é, em média, viável e
rentável.
Além dos critérios quantitativos tradicionais de análise de projetos, propõe-se a
adoção de critério qualitativo, de modo a assegurar a dimensão social dos investimentos.
O Investimento Socialmente Responsável (ISR) é um critério de alocação de recursos em
que os investidores analisam aspectos sociais, ambientais e éticos na escolha dos ativos
que compõem suas carteiras, além das considerações de risco e retorno.
A própria Bolsa de Valores de São Paulo criou um índice de Sustentabilidade
Empresarial (ISE), que atua como referencial para investimentos socialmente
responsáveis, para responder à demanda de “uma tendência mundial dos investidores
procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar
seus recursos.” (BM&F BOVESPA). Essa constatação converge com os resultados de
pesquisas que analisaram, no longo prazo, o destino das empresas engajadas com uma
“ética do futuro”. O caso clássico é a pesquisa de James Collins e Jerry Porras que no
clássico “Built to Last” (1997) chegaram à conclusão que a característica fundamental
das empresas “seculares” é sua fidelidade a um ideário central, ao mesmo tempo em que
estimulam flexibilidade e mudanças em tudo que não faz parte desse ideário nuclear.
O movimento por investimentos socialmente responsáveis já é prática largamente
utilizada com êxito por grandes gestores de recursos no mundo, dentre eles o CalPERS
(California Public Employees’ Retirement System), maior fundo de pensão norte-
americano, com ativos da ordem de US$ 200 bilhões em junho de 2010; e o USS
(Universities Superannuation Scheme), fundo de pensão dos professores universitários
do Reino Unido, com ativos sob gestão da ordem de £20 bilhões. Na Suécia foi
promulgada lei em 2001 que obrigou todos os fundos de pensão estatais (mais de €65
bilhões em ativos) a utilizarem critérios sócio-ambientais e de governança na definição
de sua política de investimentos.
Apesar desse maior apelo por atividades que visem ao bem-estar da comunidade,
resta a pergunta se investimentos socialmente responsáveis são capazes de apresentar
retornos econômicos que justifiquem os esforços empreendidos, sejam financeiros ou de
custo de oportunidade. Um estudo28 buscou avaliar o retorno financeiro de projetos
28 YACHNIN & ASSOCIATES; SUSTAINABLE INVESTMENT GROUP LTD.; CORPORATE KNIGHTS INC. The sdEffect™: Translating Sustainable Development into Financial Valuation Measures – A Pilot Analytical Framework. February 2006. Disponível em <http://www.sdeffect.com/report.html> Acessado em 23/08/2010.
19
voltados para a sociedade e seus funcionários, logrando êxito em relacionar ganhos
finaneiros a iniciativas consideradas socialmente positivas.
De modo geral, existem quatro ferramentas para a execução de política
socialmente responsável de investimentos: filtros negativos, filtros positivos, integração
e engajamento. Essas ferramentas são amplamente utilizadas pelos principais fundos
internacionais na tomada de decisão de investimentos, com variações e peculiaridades. A
definição clara dos filtros e critérios que assegurariam o caráter social dos investimentos
da CBDES ficará a cargo do Conselho de Notáveis e do Conselho de Administração. Eles
definirão as diretrizes da política de investimento e o peso das preocupações sócio-
ambientais que os técnicos da CBDES deverão adotar em suas análises.
7. Governança corporativa e social
A Constituição Federal de 1988 vinculou o uso da propriedade ao bem-estar
social29, e o mundo dos negócios tem dedicado maior atenção à responsabilidade social
das empresas com a comunidade social em seu entorno, e com as partes relacionadas
(stakeholders), funcionários, clientes, fornecedores, etc.
A proposta de transação entre a iniciativa privada e o poder público, com a criação
da CBDES tem, além do balizamento constitucional e da responsabilidade com as partes
relacionadas, forte componente - a transparência absoluta de suas atividades e o
controle de qualidade dentro das melhores práticas existentes.
Governança Corporativa é hoje um dos mais importantes temas relativos à
organização da empresa moderna, o que tem exigido mudanças significativas nas
práticas de governança em todo mundo, inclusive, é claro, no Brasil. Ela estabelece
estrutura institucional, lastreada em ideia-força pela qual as partes envolvidas no
destino da empresa podem, sempre que necessário, discutir esse destino, os meios de
realizá-lo, os instrumentos de controle e, eventualmente, a correção de desvios do
destino almejado. Obviamente, as partes envolvidas terão capacidades diferenciadas
de interferir na deliberação e execução desse destino, pois têm comprometimentos
diferenciados com a empresa, suportando riscos diversos. Uma boa estrutura de
Governança reconhece essas diferenças no momento de se discutir os rumos da
empresa, sem admitir relações de poder no interior da empresa que marginalizem as
partes minoritárias em favor das majoritárias.
29
Constituição Federal, Art. 5º, incisos XXII e XXIII e Art. 170, incisos II, II e VI.
20
A discussão acerca da Governança Corporativa ganhou proeminência no início
dos anos 90, como reação à remuneração dos executivos norte-americanos,
frequentemente tida como excessiva. Mas, a preocupação com o tema é mais remota.
Podemos identificar a sua origem em livro30 de Adolf Berle e Gardner Means, publicado
em 1932, que já identificava a tendência à dispersão das ações das grandes empresas
em um grande número de pequenos acionistas. Estes não têm interesse,
individualmente, em controlar as decisões dos executivos das empresas em que detêm
ações. O problema se tornou conhecido como separação entre gestão (a cargo dos
executivos) e propriedade (dispersa pelos acionistas).
Essa preocupação acabaria por resultar na Teoria Agente-Principal, que analisa
situações em que um principal deseja que o agente atue no seu interesse. O problema
reside no fato de que o Agente possui liberdade de ação, seus objetivos não são
idênticos aos objetivos do Principal, que não consegue observar tudo o que o Agente
faz. A partir dessa situação, a Teoria Agente-Principal discute possíveis incentivos e
controles que façam com que o Agente atue no interesse do Principal.
É possível identificar que o problema da Governança Corporativa é um tipo de
problema Agente-Principal, em que os executivos são os Agentes e os acionistas e
credores, os Principais. Discutir princípios de Governança Corporativa visa a reduzir as
assimetrias entre executivos e acionistas, melhorando a capacidade de controle destes
últimos.
No caso da CBDES, a questão Agente-Principal irá alcançar nível ainda mais
profundo. A proposta da CBDES fará com que o principal seja toda a sociedade
brasileira. Tendo em mente que se trata de estrutura empresarial pioneira no País, a
empresa deve ser cercada dos melhores e mais avançados cuidados de Governança,
para operar com regras claras de aderência a seus objetivos corporativos e sociais. A
transparência nas operações e nos processos será ponto chave de controle pela
sociedade na condução da CBDES.
Portanto, instrumentos ainda mais avançados de Governança que visem
garantir essa aderência ultrapassando a prática habitual do mercado, estão sendo
propostos, destacando-se o Conselho de Notáveis, que será composto por brasileiros
de elevada reputação e projeção em seus ramos de atuação. Colocado acima do
Conselho de Administração, fiscalizará a eficácia dos instrumentos de controle e
elegerá os membros externos do Conselho de Administração, tanto pessoas da
30
Adolf Berle e Gardiner Means. The Modern Corporation and Private Property. New York: MacMillan, 1932.
21
sociedade civil quanto do governo.
Adicionalmente, o Conselho de Notáveis também será responsável pela escolha
do Conselho Fiscal, que será composto em sua completude por pessoas externas à
empresa. Assim pretende-se garantir a plena observância das regras contábeis na
confecção dos demonstrativos financeiros, com pareceres independentes, além de
garantir a fiscalização dos atos dos administradores e a verificação do cumprimento de
seus deveres legais e estatutários. A presença de um Conselho Fiscal totalmente
externo à empresa visa a conferir-lhe plena independência, eliminando qualquer
conflito de interesses potencial, principalmente no seu relacionamento com a auditoria.
8. Considerações finais
Os capítulos anteriores deixaram claras, a nosso ver, a viabilidade econômica e
institucional, a consistência ética e a compatibilidade jurídica da transação que a
construtora Mendes Jr. está propondo ao poder público, para dirimir litígio que se
arrasta há quase trinta anos, apesar de a empresa já ter sido contemplada com
sentença a seu favor, tramitada em juízo, de que não cabe mais apelação.
A transação agora proposta inclui a obrigação de, através da CBDES, reaplicar
em projetos de inquestionável interesse para o desenvolvimento econômico e social do
país a totalidade do que lhe for pago, após as atualizações monetárias do que lhe for
devido e os descontos que estiver disposta a conceder em benefício de solução pronta
e exequível.
Mostramos, em nosso estudo, que transações do gênero têm precedentes
convincentes entre nós, como a que concretizou a compra pela Telebrás da Companhia
Telefônica Brasileira, em 1966; precedentes amplamente reconhecidos jurídico e
politicamente. Nas várias décadas de sua execução, tais transações, além de não
sobrecarregarem o erário público pelo dilatado prazo de desembolso e pela
arrecadação gerada pelos reinvestimentos, vieram viabilizar plataforma diversificada de
investimentos economicamente sadios, socialmente responsáveis e ambientalmente
sustentáveis.
No plano internacional, o tipo de organização que mais se aproxima do projeto
CBDES é a International Finance Corporation (IFC), do grupo Banco Mundial. O IFC visa
a promover o crescimento econômico, de forma sustentável, em países em
22
desenvolvimento. Para isso, financia investimentos do setor privado e presta serviços
de consultoria para governos e empresas em projetos de desenvolvimento. O IFC tem
se mostrado historicamente uma instituição lucrativa, com boa liquidez e cuja atuação,
em expansão e aprimoramento continuado, respeita o meio ambiente, sem se
deslembrar da indispensável dimensão social do desenvolvimento.
É claro que na criação e na operação da CBDES será necessário precaver-se
quanto a entraves institucionais que possam criar dificuldades para sua atuação, pelo
que analisamos setores similares àqueles em que o IFC atua. No caso de pequenas e
médias empresas industriais e de serviços, por exemplo, identificaram-se uma série de
limitações que convém ter em conta, tais como: custos de transação na transmissão da
propriedade, complexidade fiscal, peso das leis trabalhistas, necessidade de licenças e
registros de várias espécies e dificuldades na execução de contratos. No campo das
telecomunicações, por sua vez, há um hiato de mercado no acesso aos serviços de
internet, passível de ser atendido por empreendimentos privados. Investimentos nas
áreas de educação e saúde também podem ser realizados pelo setor privado, na
medida em que respeitarem a legislação pertinente, o que demanda análise criteriosa.
Para investimentos em infraestrutura, cada modalidade apresenta leis próprias
– técnicas, ambientais e econômicas – o que demanda estudos cuidadosos para cada
área particular (transportes, saneamento, energia etc.). Os investimentos do setor
privado em áreas de infraestrutura vão depender das características de cada projeto e
das circunstâncias em que se inserem.
Como empresa de investimentos voltada para o desenvolvimento, a CBDES
deverá desenvolver atuação rigorosa, clara e ágil na seleção dos projetos e na análise
das empresas que pleiteiem seus recursos. Para tanto, deve contar com áreas de
pesquisa e acompanhamento setoriais solidamente estruturadas, capazes de
fundamentar os estudos individuais dos projetos, tanto em termos da plausibilidade
das premissas internas quanto do ponto de vista do alinhamento aos objetivos de
desenvolvimento. Do ponto de vista tanto geral quanto setorial, investir no Brasil é,
normalmente, viável e rentável. Além das técnicas tradicionais de análise,
eminentemente quantitativas, sugere-se a adoção estatutária da perspectiva do
Investimento Socialmente Responsável (ISR), como metodologia qualitativa de análise
de projetos, garantindo-se, assim, aderência estrita aos objetivos sociais.
Tendo em vista a sua natureza peculiar, privada, mas com clara missão de
atender a objetivos públicos prioritários, a estrutura de governança da CBDES tem de
23
adotar, as melhores práticas internacionais, garantindo a total transparência de suas
operações. O principal objetivo da empresa não será apenas satisfazer seus acionistas
e demais stakeholders, mas a sociedade brasileira, o que exigirá mecanismos que
assegurem essa inerente dimensão pública. As duas estruturas desenhadas
especificamente para o cumprimento desse compromisso são o Conselho de Notáveis e
um Conselho Fiscal formado apenas por membros externos. No primeiro estará
representada a sociedade brasileira, e o segundo garantirá a inexistência de conflito de
interesses e, portanto, a objetividade e imparcialidade na produção dos relatórios e
demonstrativos contábeis.
Atendidas as recomendações expostas nos comentários à proposta de solução, em
que a CBDES é a pedra angular da transação proposta, ela se ajusta como uma luva ao
ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que se conforma à legislação brasileira
vigente e atende às exigências do direito societário, da ética empresarial e dos ditames
de governança exigidos pelas melhores práticas, tanto no Brasil, quanto globalmente. A
proposta de solução enfrenta, de maneira engenhosa e realista, uma séria contingência
não declarada que, pela sua dimensão de grandeza macro-econômica, afeta a
transparência e a solidez financeira tanto das empresas estatais envolvidas, quanto a do
erário público federal.
Estar-se-á, assim, trilhando novo caminho, economicamente viável, socialmente
responsável e juridicamente consistente, de reger as relações entre o Estado contratante
e o setor privado contratado, com pleno respeito ao Estado de direito democrático e
afastando as tantas vezes alegadas “razões de Estado” que “justificariam” a quebra de
contratos e sua conseqüente inadimplência. Isso frustraria a consolidação de ambiente
de negócios saudável, competitivo e dinâmico, e, paradoxalmente, acabaria, provocando
a médio e longo prazo, pesado ônus para as finanças públicas e prejuízo para a
produtividade da economia como um todo, por desestimular investimentos privados
domésticos e internacionais. Tenderia, também, a provocar, natural aumento nos preços
dos contratos a serem concluídos, na medida em que os empreendedores privados
procurarem aumentar as margens cobradas, para mitigar o risco de inadimplência
embutido nesse tipo precário de contrato, em que uma das partes se reserva, através do
sorrateiro manto de “soberania” do Estado, o direito de não honrá-lo.
Além desse benefício indireto, o de contribuir para a consolidação da confiança no
Estado de Direito democrático, a fórmula proposta levará no curso de sua consecução a
um significativo aumento da arrecadação pela União, enquanto responsável final solidário
pelas macro-contingências envolvidas. Serão gerados impostos de toda ordem sobre os
24
novos empreendimentos estabelecidos ou expandidos pela CBDES, aí envolvendo escopo
muito mais amplo de tributos diretos e indiretos, federais, estaduais e municipais, além
de receitas previdenciárias, relativas aos empregos a serem criados.
Uma vez respeitado o espírito esclarecido que permeia a proposta de transação e
o compromisso concomitante de criação de uma dinâmica plataforma de investimentos a
se desdobrar em anos e décadas a vir, ela atende, plenamente, tanto às exigências e aos
propósitos públicos quanto aos legítimos interesses e direitos privados que ao Estado de
Direito cabe defender e respeitar. A concepção da CBDES reflete visão moderna do
futuro, consciente dos desafios e oportunidades da sociedade moderna do conhecimento,
da economia de baixo carbono e defesa do meio ambiente e, ainda, do crescimento
econômico sustentável e da impostergável inclusão social produtiva.
É o que nos parece.
Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 2010
Marcilio Marques Moreira OAB/RJ nº 10005 Professor Ronaldo Fiani Diretor do Núcleo de Estudos Internacionais da UFRJ Doutorado em Economia (UFRJ, 1997) Paulo Gurgel Valente Economista UFRJ, 1974, Mestrado Engenharia de Produção (UFRJ 1976, abt) CRE/1ª Região nº 7799