UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE
LINGUAGENS, CAMPUS-I
ALAN OLIVEIRA MACHADO
IDEOLOGIA E DISCURSO NA MÚSICA BRASILEIRA:
1964 A 1968
SALVADOR - BAHIA 2009
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ALAN OLIVEIRA MACHADO
IDEOLOGIA E DISCURSO NA MÚSICA BRASILEIRA:
1964 A 1968
Dissertação desenvolvida como quesito obrigatório à obtenção do grau de mestre em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia, no Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens-Ppgel, sob a orientação do Professor Pós-Doutor João Antônio de Santana Neto.
SALVADOR- BAHIA 2009
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ________________________________________________________
M149 Machado, Alan Oliveira. Ideologia e discurso na música brasileira: 1964 a 1968 [manuscrito] / Alan Oliveira Machado. – 2009.
f. 103
Orientador: João Antônio de Santana Neto Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas, 2009. Bibliografia.
1. Ideologia 2. Discurso 3. Jovem Guarda. 4. Música popular brasileira I.
Santana Neto, João Antônio. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. III. Título.
CDU: 81'42
_________________________________________________________________________
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ALAN OLIVEIRA MACHADO
IDEOLOGIA E DISCURSO NA MÚSICA BRASILEIRA:
1964 A 1968
Dissertação desenvolvida como quesito obrigatório à obtenção do grau de mestre em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia, no Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens-Ppgel, sob a orientação do Professor Pós-Doutor João Antônio de Santana Neto.
______________________________________________ Professor Doutor João Antônio de Santana Neto
Orientador
__________________________________________________ Professora Doutora Maria Amélia Chagas Gaiarsa
_________________________________________________ Professora Doutora Jaciara Ornélia Nogueira de Oliveira
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Dedico este trabalho, em primeiro plano, a minha esposa Anairam Gamper,
a minha filha Líris, a Laércio Nora Bacelar e Vitor Hugo Martins, a João Santana
e, enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a sua
existência.
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Agradecimentos:
Agradeço ao Professor Dr. João Antônio de Santana Neto, meu orientador,
pela liberdade perigosa a mim concedida, prova indiscutível de confiança e de
crença no meu potencial. Agradeço também aos professores, colegas e
funcionários do mestrado, pela convivência amistosa, solidária e produtiva.
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“Conforme o viver de um homem, seu ermo cede” Manuel de Barros (Livro de pré-coisas)
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RESUMO
Neste trabalho procura-se, a partir das condições de produção do discurso,
identificar algumas formações ideológicas, imaginárias e relações interdiscursivas
presentes nos movimentos musicais Jovem Guarda e Música Popular Brasileira
(MPB), no período de 1964 a 1968, tendo como fontes primárias as letras de
músicas produzidas por representantes expressivos desses dois movimentos. O
processo de identificação dessas formações ideológicas e imaginárias é levado a
efeito por meio da análise das temáticas presentes nas letras de cada movimento,
amparadas na reflexão sobre as marcas discursivas que caracterizam cada
temática, obtendo como resultando dessa análise, a constatação da existência de
duas formações ideológicas básicas: a da Música Popular Brasileira, que reflete
as orientações do pensamento de esquerda, corrente no período estudado e a da
Jovem Guarda, reflexo da mentalidade de consumo plenamente instituída no
período estudado. O confronto entre as temáticas de cada movimento permitiu-
nos apontar o discurso da Música Popular Brasileira como o avesso do discurso
da Jovem Guarda.
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia, discurso, Jovem Guarda, Música Popular Brasileira
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ASTRATTO
Questo documento cerca, attraverso dalle condizioni di produzione del discorso,
identificare formazioni ideologici, immaginari e relazioni interdiscorsivo presente
nel movimenti musicali Jovem Guarda e MPB, nel periodo dal 1964 al 1968,
hanno come fonti primarie le lettere delle canzoni prodotte per il representante
espressivo di questo due movimenti musicali. Il processo identificazioni di queste
formazioni ideologici e immaginari viene effettuata attraverso l'analisi delle
tematiche presenti nelle lettere di ogni movimento, supportato in discorsiva
riflessione sui segni che caratterizzano ogni soggetto, ottendo come risultati di
questa analisi, il confronto tra due formazioni ideologici: la Musica Popular
Brasileira e la Jovem Guarda, riflesso della mentalità del consumo pienamento
stabilito nel periodo studiato. Il confronto tra i soggetti di ogni movimento, che ci
permette di portare il discorso della MPB, come l'inverso del discorso della Jovem
Guarda.
PAROLE-CHIAVE: ideologia, discorso, Jovem Guarda, MPB
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10
1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO............................................ 16
2 “COMO VOU VIVER SEM UM CARANGO PRA CORRER”?...................... 31
2.1 CARROS E VELOCIDADE .......................................................................... 36
2.1.1 Festas e bailes.......................................................................................... 39
2.1.1.1 Praia como diversão............................................................................. 41
2.1. 1. 1. 1 Histórias infantis e amores infantilizados.................................... 43
3 “VAMOS PASSEAR NA AVENIDA, ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM”. 48
3.1 ANDAR A PÉ COMO APELO À MUDANÇA E O PROTESTO POLÍTICO... 54
3. 1.1 Trabalhador das camadas populares..................................................... 66
3.1.1.1 Cotidiano do mundo industrializado................................................... 69
CONCLUSÃO........................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 79
ANEXOS............................................................................................................. 83
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INTRODUÇÃO
No correr da história contemporânea, diversas vezes a juventude se
movimentou buscando afirmar novos costumes e novos valores. No Brasil, a título
de exemplo, na década de 1940, amplos segmentos jovens se uniram em prol da
campanha “O petróleo é nosso”, (MENDES JUNIOR, 1981) que culminou com a
fundação da Petrobras. Mais adiante, na segunda metade dos anos de 1950, a
juventude se movimentava em torno do rock e de ideias e projetos de renovação
do cinema nacional e da música nativa, lançando as primeiras sementes do
Cinema Novo e da bossa nova1, que iriam florescer nos anos da década seguinte
com grande força transformadora.
Nos anos de 1960, momento situacional da solidificação dessas novas
tendências culturais encabeçadas pela juventude, o golpe militar ocorrido em
1964 por um lado estagnou a dilatação dessas novas ideias e, por outro, produziu
uma tensão entre o campo de interesses do Estado e as movimentações dessa
juventude. Essa tensão pôs em evidência, ao mesmo tempo, a adequação de
parte da juventude aos propósitos do Estado, por meio de movimentos de menor
extensão crítica e a radicalização com o regime por parte de segmentos jovens
ligados a movimentos culturais de maior amplitude crítica e política.
A situação de embate entre as diversas forças políticas refletiu na
formação de dois grandes campos de atuação da juventude pós-golpe: a Música
Popular Brasileira (MPB), desenvolvida por jovens ligados aos festivais de música
realizados no Brasil naquele período e a Jovem Guarda, mais associada à
indústria cultural de consumo.
A MPB estava fortemente arraigada às ideias de identidade nacional e às
estratégias de enfrentamento do regime militar sustentadas por correntes
oriundas do Partido Comunista Brasileiro e a Jovem Guarda, por sua vez,
configurava-se como uma espécie de vertente do rock americano. Este, o rock,
em plena crise, esvaziado das características de protesto, marca praticamente
inexistente no rock produzido no Brasil daquele momento.
1 O termo “bossa nova”, com minúsculas, é correntemente utilizado pelos historiadores da música
brasileira para se referir, de modo amplo, ao estilo musical iniciado por João Gilberto no final dos anos de 1950. E o termo “Bossa Nova”, com maiúsculas, é adotado pelos historiadores quando estão se referindo especificamente à bossa produzida no Rio de Janeiro do início dos anos de 1960 pelo grupo de Ronaldo Boscoli. Neste trabalho respeitaremos essa tradição.
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A Jovem Guarda ganhou estofo de movimento de juventude a partir de
1965 e, conforme Muggiati (1985, p.64), há pelo menos quatro anos o rock já
havia se tornado um produto comercial:
A descompressão do rock’n’roll abriu brechas para outras manifestações entre 1959 e 1962. Uma quantidade de rótulos, geralmente ligados a novas danças, tomou conta da juventude americana e também, desta vez, dos ‘coroas’: começava a cooptação daquela nascente cultura alternativa pelo Establishment. Em outras palavras, o Sistema absorvia a novidade, esta entrava na corrente de consumo e perdia o seu caráter de contestação.
De forma semelhante, a MPB surgiu a partir de 1965, com o advento dos
primeiros festivais de música, mas refletiu principalmente as inquietações da
juventude ligada ao meio universitário, aos espaços culturais mais elitizados e às
correntes de esquerda, presentes nesses meios.
Diante desse quadro, buscamos na Análise do Discurso os elementos
necessários para refletir sobre a ideologia e o discurso materializados por esses
movimentos. No entanto, nos limitamos a trabalhar com conceitos e reflexões
oriundas da corrente francesa de Análise do Discurso, desenvolvida a partir dos
estudos de Michel Pêcheux.
Esses estudos, que tomamos como referencial teórico para a nossa
dissertação, tiveram início em fins de 1960 e fazem parte de um momento em que
o avanço do estruturalismo francês fez com que intelectuais retomassem a leitura
das bases teóricas importantes do pensamento daquela época. Althusser
empreendeu uma releitura de Karl Marx, ordenando em seguida o conceito de
ideologia em aparelhos ideológicos do Estado. Lacan, por sua vez, propôs uma
volta ao Freud original, para mais adiante repensá-lo à luz da Linguística
Saussureana e Pêcheux, ao mesmo tempo em que Foucault, em meio ao
ambiente de questionamento, desenvolveu uma reflexão que se apropria
criticamente das sínteses elaboradas por Althusser/Lacan, assentando seu estudo
sobre a linguagem no tripé Marx/Freud/Saussure (GREGOLIN, 2004, p.13).
A Análise de Discurso de origem francesa (AD) é, conforme Orlandi (1996,
p.23) uma disciplina de entremeio. Isso quer dizer que ela não pode ser situada
como uma disciplina particular da Linguística, da História ou da Psicanálise,
embora esses três grandes campos de pensamento estejam na base constitutiva
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dessa disciplina. Essa base epistemológica diversa garante a AD certa
singularidade no trato do conhecimento.
Apresentada como uma perspectiva nova, a Análise de Discurso acaba por
inaugurar uma abordagem diferenciada da história e da linguagem. Conforme
Pêcheux (2006, p. 44-45):
é preciso antes sublinhar que em nome de Marx, de Freud, e de Saussure, uma base teórica nova, politicamente muito heterogênea, tomava forma e desembocava em uma construção crítica que abalava as evidências literárias da autenticidade do ‘vivido’, assim como as certezas ‘científicas’ do funcionalismo positivista.
Os principais conceitos utilizados pela Análise de Discurso evocam
elementos dos três campos acima apontados. Assim, quando nos referimos a
discurso em AD, levamos em conta a constituição do Sujeito nos seus elementos
inconscientes (Freud, Psicanálise), na sua localização dentro de um contexto
histórico determinado (Marx, História), mobilizador de uma memória discursiva e
pensamos também na língua como lugar de materialização linguística do discurso
(Saussure, Linguística). Todos esses elementos interferem na constituição das
condições de produção do discurso. As condições de produção, segundo
Pêcheux (1990, p. 83) compreendem fundamentalmente os sujeitos, a situação e
a memória discursiva. O processo dinâmico que envolve esses elementos atua na
produção do discurso. Orlandi (1999, p. 30) completa a ideia da seguinte maneira:
“E se considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o
contexto sócio-histórico, ideológico”.
Desse modo, com base nos seus principais campos constitutivos, a Análise
de Discurso, ao longo dos anos, forjou seu instrumental teórico e conceitual:
formação ideológica, formação discursiva, formação imaginária,
interdiscurso, memória discursiva, heterogeneidade, condições de
produção etc. O domínio desse instrumental permite ao analista compreender
que a linguagem não é transparente. Permite questionar a evidência dos gestos
de leitura, fazendo aparecer efeitos de sentido variados na produção de sentidos
que se pretendia clara e linear. Para a AD, o sentido não é mais algo da ordem da
imanência da linguagem (como queriam a Semântica e os estudos transfrásticos
iniciais), mas algo que depende de sua exterioridade, das relações de sujeitos
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entre si, com a história e com as ideologias. Sendo assim, a Análise do Discurso,
como nos faz crer Orlandi (1999, p.26):
não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma ‘chave’ de interpretação. Não há essa chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender.
Nosso estudo, além de identificar as relações entre ideologia e discurso
nos movimentos musicais pesquisados, procura analisar suas convergências e
descontinuidades. Quer entender também as interferências de um movimento no
outro, as apropriações de um pelo outro, observando essas tensões ideológicas
na materialidade linguística das letras de música.
Partindo das condições de produção do discurso, identificamos as
formações ideológicas e formações imaginárias presentes na MPB e na Jovem
Guarda, no período de 1964 a 1968, tendo como fontes primárias as letras de
músicas produzidas por representantes expressivos desses movimentos
musicais.
O corpus está dividido, em princípio, em dois blocos: de um lado, a MPB
produzida a partir dos festivais, em que se inclui a Tropicália e de outro lado, a
música da Jovem Guarda. Fizemos levantamento de dados sobre as condições
de produção do discurso (capítulo um); análise individual de cada bloco de dados
com a finalidade de entender quais são seus elementos constitutivos, de modo a
explicitar as marcas discursivas que apontam as diferentes temáticas indicativas
de distintas formações ideológicas, imaginárias e possíveis relações
interdiscursivas (capítulos dois e três). Em seguida, são efetuados cotejos das
temáticas que compõem os dois blocos (as letras das músicas) onde vemos o
discurso da Jovem Guarda como avesso do discurso da MPB e vice-versa
(conclusão). Em suma, respondemos as seguintes perguntas: quais forças estão
em confronto dentro do ambiente político e cultural que se estende de 1964 a
1968? Qual a natureza de tais forças? Em algum momento essas forças se
interpenetram? Que tipo de interpelação ideológica se manifesta nas letras de
músicas dos principais movimentos desse período? Como se manifesta?
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O que constatamos é que na música produzida no Brasil entre 1964 e
1968, há uma dicotomia ideológica presente entre as letras produzidas no período
dos festivais, incluindo as da Tropicália (ou seja, MPB) e as da Jovem Guarda.
Essa dicotomia se manifesta nessas letras por meio das escolhas temáticas, dos
interdiscursos e do tratamento dado a cada tema. As temáticas e os
interdiscursos remetem a posicionamentos distintos, até mesmo dentro de
movimentos que se supunham coerentes, produzindo acirrado debate.
O segundo capítulo deste trabalho trata especificamente das letras da
Jovem Guarda. Seu título “Como vou viver sem um carango pra correr”?, é um
verso de “O calhambeque”, música cantada por Roberto Carlos e símbolo do
programa de televisão “Jovem Guarda”. No terceiro capítulo, nos detemos na
reflexão sobre as letras da MPB e com semelhante intenção o nomeamos com
uma combinação do título e de um verso da música “Enquanto seu lobo não vem”,
de Caetano Veloso: “Vamos passear na avenida, enquanto seu lobo não vem”,
por entendermos que, entre tantas, a letra sintetiza bem as características que
discutimos nas músicas da MPB do momento.
A pesquisa desenvolvida tem caráter teórico analítico com fundamentação
em base bibliográfica e comparação de dados levantados em letras de músicas,
uma vez que toma como elementos para alcançar os seus objetivos a leitura
crítica de material bibliográfico referente ao tema escolhido, tal como a análise de
letras de música colhidas na discografia referente ao recorte temporal no qual se
situa o corpus.
Pelo menos de 1980 para os dias atuais, uma quantidade razoável de
trabalhos sobre a juventude e a música dos anos de 1960 foi publicada no Brasil.
A título de ilustração, basta tomarmos nota dos trabalhos de Heloisa Buarque de
Hollanda (1986) Olgária Mattos (1983), Carlos Calado (1997). Ricardo Pugialli
(1999), Paulo de Tarso C. Medeiros (1984), Marcelo Fróes (2000), Zuza Homem
de Mello (2001), entre outros presentes nas nossas referências. Ocorre que a
quase totalidade dos trabalhos a que tivemos acesso privilegiam um ou outro
movimento cultural, enfatizam um aspecto particular de um movimento, arriscam
uma análise histórica, às vezes tentando construir um enredo político envolvendo
o movimento e o momento histórico, outras simplesmente glorificando líderes de
tais movimentos, ou particularidades, sem levar em conta que tais movimentos
em conjunto com os demais formam um todo complexo de influências múltiplas.
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No que se referem à música, as produções editoriais têm se detido
predominantemente na apresentação individual de cada movimento. Encontramos
muitos trabalhos sobre Tropicália ou sobre Jovem Guarda; sobre Chico Buarque,
Caetano Veloso, Roberto Carlos etc. Não encontramos produção intelectual que
tenha procurado fazer uma reflexão sobre as relações e as diferenças entre esses
movimentos, levando em conta a análise do discurso materializado nas letras de
músicas produzidas por eles. Assim, acreditamos que nossa pesquisa, além de
oferecer condições de abordagem pertinentes à linha na qual a estamos filiando:
Linguagens, Discurso e Sociedade, modestamente contribui para a reflexão do
tema com um olhar distinto sobre o assunto.
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1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO
O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi palco de uma série de
rupturas comportamentais no mundo e entre essas mudanças convém destacar,
para a nossa análise, as rebeliões da juventude e a imediata prosperidade da
indústria.
O monotônico patriarcalismo judaico-cristão do pré-guerra, situação de
domínio em que o pai era o centro das decisões, sofreu um grande choque de
credibilidade, devido aos horrores da guerra e à inclusão da mulher nos campos
de produção, já que à época a força de trabalho, predominantemente masculina,
servia os países na guerra. Esse choque fragilizou as estruturas sociais
conservadoras e pôs em descrédito a autoridade do pai e da família. Nessa
conjuntura, a juventude começou a se libertar do jugo familiar.
Nos Estados Unidos da América dos anos de 1950, espaço histórico de
movimentos da juventude que atingem posteriormente o Brasil, surgem os
beatniks, jovens rompidos com a família e com a lógica moral da sociedade, que
buscam situações sociais rejeitadas como forma de vida: desregramento
alcoólico, uso de drogas, vida ambulante ou grupal, alternativas sexuais e visuais:
jaquetas de couro, jeans, cabelos mal cuidados, uma verdadeira negação do
comportamento e da aparência tradicionais. No mesmo período já se ouve um
tipo de música que não é a oficial: o rock, fruto de experiências com o blues e o
country, músicas de negros oprimidos e brancos pobres. Elvis Presley, Bil Halley,
Chuck Bery geravam escândalo com uma dança meio erotizada e frenética
acompanhada por rasgos de guitarras.
Esses precursores da rebeldia passaram a ser imitados pela juventude
no mundo inteiro. A insatisfação não era algo localizado. Naquele momento, a
indústria e a tecnologia gozavam de intensa produtividade e não demorou para
que elas transformassem parte da rebeldia jovem em produto de consumo. A
cultura de massas vendia a rebeldia junto com carros, eletrodomésticos, peças de
vestuário, cosméticos etc. Então apareceram os Marlon Brandos com suas
jaquetas e lambretas velozes, os transviados como James Dean, com seus
carrões envenenados e sua repulsa à famíla e à ordem social vigente.
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Mais à frente, surgiriam os Beatles, e Mary Quant inventaria a minissaia,
fato que desencadeou uma espécie de libertação feminina de um padrão visual
conservador e poria o corpo feminino e a ousadia feminina em evidência.
No Brasil, a era Kubitschek (1956-1961) abriu o País para a intensa
industrialização. O Brasil foi invadido pelos produtos americanos e tudo era
consumido com o torpor desenvolvimentista provocado pelo governo, como se
fosse a fina flor da evolução. A indústria automobilística, de eletrodoméstico e de
insumos de toda natureza prosperava. O País entrava definitivamente na
modernidade capitalista. Conforme a Enciclopédia Brasileira (2006, on-line):
O nacionalismo da Era Vargas é substituído pelo desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961. Atraindo o capital estrangeiro e estimulando o capital nacional, JK implanta a indústria de bens de consumo duráveis, sobretudo eletrodomésticos e veículos, com o objetivo de multiplicar o número dessas indústrias e das fábricas de peças e componentes. Amplia os serviços de infra-estrutura, como transporte e fornecimento de energia elétrica. Com os investimentos externos e internos, estimula a diversificação da economia nacional, aumentando a produção de insumos, máquinas transporte ferroviário e construção naval. No início dos anos 60, o setor industrial supera a média de crescimento dos demais setores da economia.
De modo geral, a juventude, nessa conjuntura e nos anos seguintes da
década de 1960, dava vazão ao seu mal-estar consumindo o novo modo de se
comportar que se espalhava pelo mundo. O “bom moço” de cabelos bem cortados
e de gestos econômicos agora rebolava ao som do rock e imitava a rebeldia sem
causa de Dean e Brando, ou a “engajada” dos beats, criando inclusive um modo
próprio de falar cheio de gírias. A “moça de família” agora usava minissaia,
botinha sem meia e cortes ousados. A música jovem abandonava o ritmo
romântico tradicional e absorvia o frenesi roqueiro e as “as aventuras da onda”.
Conforme Medeiros (1984, p. 23), “Aquilo que mais tarde se chamaria Jovem
Guarda surgiu, pode-se dizer, no espaço disponível entre a inocência familiar de
Celly Campello e o ceticismo sem saída da ‘juventude transviada’, modelada no
estilo Marlon Brando e James Dean”.
Em 1964, o país sofreu um golpe militar, a juventude que curtia “as
aventuras da onda” pouco foi incomodada pelas instâncias militares uma vez que
sua música estava vinculada à indústria de consumo e praticamente não
questionava o regime político ou as condições de existência da sociedade. Mas o
modo de proceder, principalmente dos líderes da Jovem Guarda, afrontava
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costumes que já vinham sendo desabonados pela própria natureza da
industrialização por que passava o Brasil. A indústria recrutava a juventude como
mão de obra e ao mesmo tempo propiciava sua independência financeira para
consumir os mais variados produtos.Assim, surgiram os produtos exclusivos para
o segmento jovem, fragilizando o domínio da família e de certos preceitos
conservadores, empecílios ao consumo.
A turma de Roberto, Erasmo e Wanderléia, mesmo sem optar pelo
confronto político, promoveu uma revolução de costumes. Conforme Araújo2
(2006, p. 355):
Na época, a jovem guarda estava longe de ser encarada como uma coisa ingênua e sem maiores conseqüências. Para a parcela mais conservadora da sociedade, aquilo era a encarnação do mal. "Durante as turnês eu ouvia muitas histórias de fãs que nos procuravam para dizer que estavam assistindo ao show escondidos dos pais e que haviam levado uma surra por ter comprado disco de Roberto Carlos", afirma o empresário Geraldo Alves. Gostar de Roberto Carlos foi o primeiro ato de rebeldia para muitos jovens brasileiros nos anos 60”.
A constatação de Araújo (2006), consentânea com a de outros autores,
demonstra, ao contrário das muitas especulações que circularam no período
concernente à Jovem Guarda, que o referido movimento foi mais agressivo do
que imaginavam seus detratores, muito embora naquela época, conforme
Tinhorão (1998), tal movimento de juventude já fosse produto inventado e
controlado pela publicidade, financiado pela indústria como elemento de
canalização da explosão de consumo que tomava o país:
Ora, a mobilização dessa massa de jovens, ainda não politizada, no sentido do culto frenético de ídolos fabricados pela indústria do lazer – que começava a envolver o esforço conjunto dos produtores de discos, da rádio, do cinema e da televisão – , revelava -se a calhar para os objetivos do poder militar recentemente instaurado, vindo nesse ponto unir ademais o interesse político do Estado ao interesse econômico. É que com a criação da categoria jovem, indústria e comércio baixavam a idade de ingresso dos compradores no mercado, abrindo assim perspectivas para a produção de novos tipos de bens de consumo destinados aos intereses e perspectivas que os modernos profissionais da publicidade se encarregariam de detectar e estimular. (TINHORÃO 1998, p.336)
2 O livro “Roberto Carlos em detalhes”, de Paulo Cesar de Araújo, de onde extraímos essa citação e outras
mais adiante, teve sua venda proibida pela justiça. A fonte de nossas referências foi a edição integral
publicada on-line no PDL, página do portal detonando < http://www.portaldetonando.com.br >, conforme
consta em nossas referências.
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O que percebemos, contudo, é que, por outro lado, parte da juventude
vinha se posicionando contrariamente àquele modelo de comportamento. Jovens
oriundos em sua maioria do meio universitário e das correntes de esquerda
presentes na sociedade brasileira, desejosos de dar continuidade a um projeto de
construção da identidade nacional, combatiam o excesso de subserviência a
modelos comerciais estrangeiros iniciando um movimento de resistência ao
regime imposto pelos militares. Sufocada pelo endurecimento do regime militar,
essa juventude se esforçava para ocupar o seu espaço com uma rebeldia bem
mais corrosiva, crítica do sistema consumista, já que estava convencida do seu
papel na criação de alternativas que significassem mudanças estruturais no País.
Essa juventude propôs e apoiou a criação do cinema brasileiro, em lugar
do hollywoodiano (Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Glauber Rocha);
um teatro crítico, com linguagem e temática brasileiras (Guarnieri, Boal, Vianinha,
Martinez), em lugar da fria encenação clássica. Nesse caso, a linguagem nova,
tanto do teatro como do cinema se referia principalmente a uma temática que
explorasse questões sociais do País. Baseado nisso, tivemos no teatro os
espetáculos “Rei da Vela”, “Roda Viva”, “ Arena Canta Zumbi ” , “Opinião”, “Se
correr o bicho pega, se ficar o bicho come” etc. e no cinema produções como
“Cinco vezes favela”, “Vidas secas”, “Deus e o diabo na terra do sol”, “Terra em
transe” etc.
Com semelhante intenção, buscava-se uma música brasileira (MPB) que
procurasse tematizar a cultura local em suas especificidades. A pretenção de boa
parte desses compositores jovens era consolidar uma música genuinamente
brasileira no lugar do que entendiam ser o rock da Jovem Guarda, um pastiche
da música americana, alimentado pelas abundantes versões de letras e músicas.
Em descompasso com a postura jovenguardista, esses jovens
compositores e músicos estavam em sintonia ainda com a ideia de um novo
modelo de sociedade que, antes de ser baseada no consumismo, seria baseada
na igualdade e na divisão equitativa da riqueza.
Essa juventude, orientada pelas mais diversas correntes do Partido
Comunista, presentes no meio intelectual e universitário brasileiro, protagonizou
grandes embates tanto internamente, no movimento estudantil e nos festivais de
música brasileira, quanto externamente, com ações que perturbavam a ordem
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estabelecida. Sua principal característica, de acordo com Marciel (1996, p.73)
seria mesmo a luta por mudança social:
Se alguém me pedisse para dizer a principal crença da juventude da minha geração, eu diria sem titubear: a atribuição à arte de uma função transformadora da sociedade. Acreditava-se realmente que a arte poderia modificar a maneira das pessoas viverem.
Antes de tudo, seguindo uma orientação do “partidão”, via Centro Popular
de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), fundado em 1961, a
arte era um instrumento para se mobilizar o povo rumo à revolução. Essa
exigência de vinculação da arte à causa política, como mero veículo de
propaganda ideológica, deu origem mais à frente ao tom social das letras de
música popular brasileira, bem como o sentido de protesto de muitas músicas
presentes nos festivais de canção da época.
O enfoque se deslocou então para o conteúdo das letras que deveria ser
tão somente de cunho político social ou de matriz social nacionalista. Esse
deslocamento foi responsável pelas frequentes indisposições no interior da MPB
ocorridas nos festivais e pelo que foi chamado mais tarde de “patrulhas
ideológicas”, expressão cunhada por Cacá Diegues, um dos jovens cineastas
ligados ao CPC da UNE, para se referir à intransigência dos militantes de
esquerda com qualquer produção que não priorizasse a linguagem artística
exigida pelo partido.
Com relação ao enfoque cobrado pelas instâncias de origem comunista, o
relatório do CPC da UNE nos anos de 1960 aponta com clareza a direção em que
a arte precisava caminhar:
A tomada de consciência, por parte de artistas e intelectuais, da necessidade de se organizarem para atuar mais eficaz e consequentemente na luta ideológica que se trava no seio da sociedade brasileira levou-os a criar o Centro Popular de Cultura. Partindo dessa tomada de conciência, o CPC se propõe, desde o seu nascimento, a levar arte e cultura ao povo, lançando mão das formas de comunicação de comprovada acessibilidade à grande massa, e aprofundar nos demais níveis da arte e cultura o conhecimento e a expressão da realidade brasileira. Não é propósito do CPC popularizar a cultura vigente, mas sim, através da arte e da informação , despertar a consciência política do povo. É também preocupação da UNE a valorização e manutenção das expressões populares autênticas, sem se perder de vista que sua organização e manutenção é mais importante que o conteúdo alienado que com frequência nelas se encontra. (BARCELLOS, 1994, p.441-442)
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Do fragmento acima já podemos notar alguns dos erros que farão o campo
ideológico de esquerda se organizar em formações imaginárias distintas. As
formações imaginárias se caracterizam pela sobreposição da imagem às
situações empíricas. De acordo com Orlandi (1999, p. 40), “não são os sujeitos
físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na
sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no
discurso, mas as imagens que resultam de projeções”. Entre os equívocos
gerados pela intervenção imaginária estão o de sustentar a ideia de “levar arte e
cultura ao povo”, sem se estabelecer claramente qual é a cultura e a arte que o
povo não tem e de que necessita. A imagem de povo que emerge do discurso da
esquerda é incompatível com a realidade do povo brasileiro, até porque a certa
altura, contraditoriamente, esse segmento se propõe a valorizar a cultura popular.
Outro engano que podemos destacar é o fato de não se questionar a
compreensão paternalista e salvacionista presente no verbo “levar”, como se arte
e cultura fosse algo que se pudesse empacotar e levar para alguém que não as
possui. Esse salvacionismo está intrinsecamente ligado à imagem que os setores
de esquerda fazem de si mesmos: quem sou eu, senão aquele que pode salvar
os alienados, os ignorantes com a minha proposta de sociedade e com a minha
pujante cultura? Por fim, a ideia de “expressões populares autênticas” e de
alienação são questões ideológicas ligadas a esse jogo imaginário, propriamente
subjetivas, sujeitas constantemente ao equívoco da interpretação, principalmente
porque estamos entendendo por ideologia o sentido proposto na tese geral de
Althuser (apud, BRANDÃO, 1996, p.22): “a ideologia representa a relação
imaginária de indivíduos com suas reais condições de existência” e porque essas
condições reais de existência não excluem a interferência da memória por meio
dos elementos interdiscursivos, ou seja, por meio de elementos de memória
exteriores a determinada formação ideológica, mas que constituem seu ambiente
de materialização.
Mesmo com as limitações geradas pela determinação ideológica, esse
período de intensa agitação cultural e embate de tendências constituiu a base de
quase tudo que hoje reflete uma visão mais aprofundada no campo cultural, social
e político, de modo que um olhar crítico da Análise de Discurso dá grande
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contribuição àqueles que desejam fazer um melhor julgamento dos valores
constituintes daquele momento e das necessidades de ajuste ou renovação que
eles ou seus efeitos requerem na atualidade.
Embora, num primeiro momento, seja visível a tensão entre duas
formações ideológicas (FIs) básicas, a da Jovem Guarda e a da MPB, dentro do
movimento de juventude apreendido no período delimitado para a pesquisa, a
profusão de temáticas em ambas as formações ideológicas promove
interferências de uma força na outra, a apropriação de elementos de uma força
por outra. A essa altura, convém recorrer a Brandão (1996, p. 38), quando cita
Haroche et alii para esclarecer o que entendemos por formação ideológica:
falar-se-á de formação ideológica para caracterizar um elemento (...) suscetível de intervir como uma força confrontada com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em um momento dado; cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem “individuais” nem “universais”, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em conflito umas em relação às outras.
O que vamos perceber é que dentro do campo ideológico de esquerda, as
tendências mais próximas às orientações da direção do Partido Comunista vão-se
distanciar das que buscam a experiência estética e corporal como elemento
de mudança. As letras de música de compositores ligados à orientação dos
comunistas, embora apresentando recursos metafóricos, são mais diretas no
conteúdo, mais apelativas e de linguagem mais acessível, como as letras de
Geraldo Vandré, Carlos Lyra, Theo de Barros, ao passo que outros autores mais
independentes, mais preocupados com a orientação estética como instrumento de
ruptura com a cultura vigente, ou mesmo como forma de melhor representá-la,
vão trabalhar predominantemente no plano da linguagem, do estilo ou do
happening, como Caetano Veloso, Gil e Torquato Neto, aliás, fortemente
influenciados pela poesia concretista, condição assumida por Veloso (1997, p.
218): “...eu absorvia com grande presteza o sentido do trabalho deles [dos
concretistas]. Gostava de reconhecer nos poemas a complexidade que, muitas
vezes, à primeira vista eles não pareciam ter”. Essa influência bem antes havia
sido registrada por Ventura (1988, p.76-77):
Abandonando a torre de marfim em que intelectualmente viviam desde o Concretismo, os ‘trigênios’, no ano anterior [1967] , haviam resolvido
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saltar para o campo de batalha em que se transformara a MPB. Dos três, o mais militante era Augusto, que deu a Caetano e ao Tropicalismo um aval teórico e um prestígio cultural que nenhum outro movimento musical jamais teve, antes ou depois, nem mesmo a Bossa Nova de João Gilberto, guru de todos.
Os movimentos da juventude e das esquerdas que ora pululavam no
mundo, na década de 1960, no Brasil se agitavam então em torno de projetos de
renovação política e cultural para o país à medida que dividiam o espaço cultural
com a Jovem Guarda, um movimento jovem ligado à cultura de massa, com
traços de romantismo ingênuo e adolescente, e, sob certos aspectos, submetida
às influências da indústria cultural estrangeira.
Os movimentos musicais, a nosso ver, refletiram as convergências e
divergências desses projetos, suas continuidades e descontinuidades.
Constituíam o clima ambiente desses movimentos, o Teatro de Arena, os CPCs
da UNE, o Cinema Novo, os festivais de música, os programas de televisão
dedicados à juventude, como o Fino da Bossa, o Jovem Guarda, os bailes e
alguns jornais da Imprensa Nanica. Todos, de certo modo, contemplavam a
insatisfação com a situação do país seja nos seus aspectos políticos ou de
costumes. Uns se baseavam no paraíso oferecido pela indústria cultural, outros
em mudanças das estruturas sociais.
O contexto sócio-histórico no qual se desenrolam os movimentos
estudados neste trabalho tem duas características básicas muito fortes que vão
nortear as condições de produção do discurso dos referidos movimentos: a
plenitude industrial do País e a hegemonia da mentalidade de esquerda.
Por essa época, o Brasil alcançou sua total inserção no mundo capitalista,
patente no processo de industrialização que atingiu a sua plenitude, advindo daí
uma série de fatores. Entre esses fatores estão a necessidade do aquecimento
do consumo de bens industriais de toda natureza uma vez que na ordem
capitalista o ciclo de produção tem que ser contínuo e isso só se concretiza
quando o consumo acompanha pari passu o ritmo da produção. Caso isso não
ocorra, a produção sofre estagnação, ou por escassez ou por excesso, e o
sistema entra em colapso, com consequências sócio-econômicas graves.
Assim, a modernização do sistema de produção e a evidente abertura da
economia à intervenção estrangeira, sobretudo a norte-americana, aumentaram a
oferta e fomentaram concomitantemente a criação de estratégias para ampliação
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da demanda, de modo a corresponder à oferta. Portanto, com o processo de
modernização veio a publicidade e o aprimoramento dos meios de comunicação
para alcançar essa meta de funcionamento estável. Desse modo, a televisão, o
cinema e a indústria gráfica passaram a ser uma necessidade de primeira ordem,
na medida em que são canais de circulação de produtos que serão oferecidos
fartamente às massas.
A outra característica básica diz respeito às condições políticas singulares
em que o País atinge o auge de sua inserção no mundo capitalista moderno. O
Brasil chega a esse momento com um acelerado processo de hegemonização da
mentalidade de esquerda, nos mais significativos campos de atuação. As diversas
esferas sociais se encontram dominadas pelo pensamento de esquerda, infiltrado
pelos segmentos ou dissidências do Partido Comunista. A academia
(universidades e faculdades), a imprensa (principalmente a imprensa escrita) e o
meio artístico (teatro, cinema, música) atuam conjuntamente na propagação
dessas ideias de tal forma que nem os segmentos da Igreja e do campo escapam
dos posicionamentos que subjazem à reflexão acadêmica e jornalística. As ligas
camponesas e o envolvimento da Igreja nas questões de reforma agrária são
exemplo disso.
De acordo com Ianni (1978, p. 118), “Nesse contexto, a esquerda brasileira
teve um papel importante e criador abrindo o debate público em torno de
problemas que as outras correntes políticas interessadas não tinham condições
ou audácia para formular”.
A relação inevitável dessas duas características produz contrastes e
conflitos que vão propiciar a constituição de zonas de subjetivação e modos de
atuação alimentados por formações imaginárias distintas. O problema é que
dentro da dinâmica poderosa e voraz do capitalismo se instaurou a hegemonia de
um modo de pensar baseado nos desdobramentos das ideias de Karl Marx, que
preveem a constituição de uma nova sociedade, fundada na destruição do
capitalismo.
Vivendo sob as regras do capitalismo brasileiro, as forças ideológicas de
esquerda se tornaram arquitetas de ações e produções que o minariam caso
atingissem a posição de governo. O trabalho da imprensa, da academia e dos
segmentos artísticos nos anos de 1960 tendeu a abrir canais de ruptura e de
contestação ao sistema. Essa situação obviamente se intensificou com o advento
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do golpe militar em 1964. O golpe representou propriamente uma tentativa de
frear a chegada dessas forças ao poder, o que causou a deliberada inquietação
de seus segmentos. Conforme Hollanda e Gonçalves (1986, p.20):
Com o movimento de 64, interrompe-se a deriva ‘progressista’ por onde parecia ingressar o processo político brasileiro, é criada uma situação até certo ponto paradoxal: o país, encaminhado pelos trilhos modernos e selvagens da industrialização dependente, encontra suas elites cultas fortemente marcadas por uma disposição que, em sentido amplo, poderíamos dizer ‘de esquerda’.
A natureza das forças que se digladiam, nesse ínterim, pode ser
determinada num primeiro momento pela incompatibilidade entre o modo de
cristalização da realidade material e econômica e as ideias hegemônicas. A esse
respeito, vamos ver tomar forma, no correr dos anos de 1960, o delineamento de
ações afirmativas por parte da esquerda com a finalidade de transformar suas
ideias em práticas diárias. Nesse quadro, a movimentação da ordem material e
econômica, para manter seu vigor, propicia a criação de costumes e modos de
interagir na sociedade que acabam se materializando como uma contra-ideologia.
Em nosso entender, o que ocorreu no meio musical, de 1964 a 1968, não
poderia ser rotulado como um jogo entre direita e esquerda. Temos evitado a
expressão “direita” por compreendermos que a luta era da esquerda contra o
sistema capitalista, mormente porque os setores conservadores também sofriam
com a revolução de costumes encarnada na Jovem Guarda.
Toda intervenção da esquerda se materializava tendo em vista a mudança
do sistema. A via revolucionária do levante, inclusive, já havia sido experimentada
em 1935 com a Intentona Comunista, sufocada por Getúlio Vargas. Mas há quem
aposte na polarização maniqueísta entre direita e esquerda. Araújo (2006, p. 214),
por exemplo, diz:
O embate entre a MPB e o iê-iê-iê foi também reflexo da guerra fria ideológica entre Estados Unidos e União Soviética. A jovem guarda era vista pelos nacionalistas como contraface, no campo da cultura, do golpe militar de 1964, sendo relacionada aos efeitos do entreguismo cultural e da alienação política.
A afirmação de Araújo apresenta um detalhe que reforça o que estamos
defendendo. Embora não possamos negar a evidência com que se configurou
uma força ideológica, a Jovem Guarda não se definia como força política e
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ideológica. O que podemos depreender das palavras de Araújo é que era a
esquerda nacionalista quem a buscava como contraponto ideológico para suas
crenças e práticas.
Por esse caminho, vão-se definindo no jogo social da época dois grandes
campos ideológicos: em inevitável convivência estão as camadas populares e
parte da elite. As camadas populares assujeitadas ao jogo ideológico do sistema
capitalista, que cria e solidifica valores intrinsecamente ligados ao consumo de
produtos, e grande parte da elite e classe média curiosamente subjetivada (em
nosso dizer, tornada sujeito) pela ideologia de esquerda difundida, como já nos
reportamos, na imprensa, na academia e no meio artístico, todos de acentuado
cunho nacionalista. O que podemos constatar, no caso da classe média, é que
sua vulnerabilidade aos apelos da esquerda não constituía um sinal de
consciência. Como argumenta Ianni (1978, p.132), essa simpatia a tais apelos:
resulta, em boa parte, da discrepância crescente entre as suas ambições e as possibilidades reais de atendimento delas. Essa politização progressiva decorre do fato de que o crescimento quantitativo da classe média dos setores médios, bem como a elevação dos seus padrões de exigência (indicados pela escolarização média, por exemplo), não foram acompanhados pela correspondente participação no produto.
Dada a natureza dessas forças, podemos refletir sobre que tipo de sujeito a
atuação dessas ideologias produz dentro do contexto específico dos anos de
1960. Como diz Pêcheux (1988, p. 148-149), citando Althusser, “a categoria de
sujeito... é a categoria constitutiva de toda ideologia”. Mais que isso “A Ideologia
interpela os indivíduos em sujeitos”, ou seja, o sujeito é constituído pela ideologia
e esta ganha materialidade, poder de massa por intermédio do sujeito dela
constituído.
Levando em conta que há uma dinâmica no jogo ideológico, dinâmica esta
que faz com que posições de poder se alternem em posições de hegemonia,
podemos pensar que obedecendo às condições sócio-históricas que propiciam
essas alternâncias, os sujeitos, nos anos de 1960, vão se configurando como
posições distintas, circunscritas a determinadas formações ideológicas.
Em determinado momento histórico, dentro de determinada ordem social,
os indivíduos chamados a se posicionar vão se constituindo como sujeitos. Só
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assim podem enunciar, podem manifestar o seu dizer e atribuir sentido a outros
dizeres.
Devemos acrescentar ainda que, interpelado pela ideologia, preso a uma
formação ideológica e regido por formações imaginárias, o indivíduo se sustenta
como sujeito devido ao esquecimento. É pelo esquecimento que ele acredita ser a
fonte do seu dizer, das suas ideias e é por esse caminho que sua relação com a
realidade vai ser exclusivamente mediada pelo imaginário. A partir de uma ilusão
de si, o sujeito determina o outro. Se o outro é percebido a partir de uma
disjunção do que o eu sujeito de fato é, uma vez que a origem desse eu está
opaca, apagada, resta concluir que o outro é também uma determinação ilusória.
Por esse viés, Pêcheux (In: GADET; HAK,1990, p.82) vai dizer que “o que
funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que
designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que
eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro”. O referido autor
prossegue o raciocínio afirmando: “Se assim ocorre, existem nos mecanismos de
qualquer formação social regras de projeção, que estabelecem as relações entre
as situações (objetivamente definíveis) e as posições (representações dessas
situações)”.
Assim sendo, dentro de uma formação ideológica de esquerda, regidos por
uma compreensão que poderíamos nomear da seguinte maneira: “os valores do
mundo capitalista devem ser rejeitados”, a juventude que produzia MPB a partir
de 1964 vai territorializar3 certos espaços sociais e, num jogo imaginário,
determinar tudo que for exterior a essas referências como alienado, capitalista,
estrangeiro e nocivo ao Brasil. Eis então que, presos a ideias nacionalistas, os
segmentos de esquerda ligados à MPB passam a eleger o que é e o que não é
nacional, o que é o que não é brasileiro, o que é e o que não é música.
Lógico que o exterior a essa formação ideológica também é ideológico. A
ideologia não tem exterioridade. O que julgamos ser sua exterioridade é também
ideologia. Nesse sentido, tudo que de certa forma não responder aos apelos de
identificação dos segmentos ligados a MPB, pela via do imaginário, vai se tornar
um negativo daquele campo ideológico.
3Aqui, no sentido de marcar e ocupar esses espaços com referências de sua ideologia.
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Tomados pelo esquecimento, pelas evidências que a ideologia a que
estão sujeitos produz; capturados pela ilusória transparência dos sentidos e da
linguagem, esses segmentos acreditam que a música que produzem é a
verdadeira música brasileira, que a realidade que defendem ou que questionam é
a realidade brasileira e que suas ideias de sociedade não de outra forma são as
mais adequadas para o Brasil.
Assim, pela ótica dos defensores e produtores de MPB, a Jovem Guarda
aparece, em meados dos anos de 1960, como música não brasileira e a
eloquência com que espalham e defendem tal afirmação atinge os próprios
cantores dessa corrente que, pressionados, não conseguem se definir como
representantes da música brasileira.
A naturalidade com que Roberto Carlos em entrevista concedida a Chico
Buarque e Geraldo Vandré, em 1966, assume sua música como produção não
brasileira sinaliza o domínio cultural do modo de pensar da esquerda, que
imprimia transparência a determinadas opiniões e posições nada transparentes:
Se você pudesse escolher entre a música brasileira e o iê-iê-iê, continuaria optando pelo iê-iê-iê?". Roberto não titubeou na resposta: "Gosto dos dois gêneros. E, além disso, comecei cantando bossa nova. A minha intenção, no início, era ser cantor de música brasileira. Depois que fiz uma experiência no iê-iê-iê, me acostumei com o gênero. Acabei achando nele alguma coisa boa, e passei a gostar. (apud, ARAÚJO, p. 227)
O entendimento dos interlocutores participantes da entrevista, pelo que fica
evidente na citação acima, é de que o “iê-iê-iê”, epíteto da música produzida pela
a Jovem Guarda, não era música brasileira. O próprio Roberto Carlos, aceitando o
sentido do que está posto na pergunta “Se você pudesse escolher entre a música
brasileira e o iê-iê-iê” (...) especifica o que vem a ser música brasileira quando
afirma que começou a carreira cantando bossa nova e que sua intenção no início
era ser cantor de música brasileira. Assim, os sentidos em acordo são de que a
bossa nova e o que derivou dela era a música brasileira e de que a produção da
Jovem Guarda era estrangeira.
O que é esquecido, para se chegar a essa transparência de sentido, é que
a bossa nova foi plasmada principalmente a partir das experiências feitas com o
jazz (música americana) e o samba, sintetizadas por João Gilberto em um estilo
particular de cantar e tocar. Esquece-se, no momento, que a música “Lobo Bobo”,
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composição dos bossanovistas Carlos Lira e Ronaldo Boscoli, conforme
Severiano e Mello (1999, p. 30), foi “feita meio de brincadeira, a partir do tema de
‘O Gordo e o Magro’ (Stan Laurel e Oliver Hardy)”, seriado americano transmitido
na TV brasileira nos anos de 1960. Ignora-se também, como podemos ver em
Severiano e Mello (1999, p.28) que “Nos Estados Unidos, por exemplo, o single
‘Desafinado’, com Stan Gets e Charlie Byrd, gravado em 1962, ultrapassou a
marca de um milhão de cópias e recebeu o prêmio Grammy de melhor
performance de jazz”. Da mesma forma faz-se silêncio sobre a declaração de
João Gilberto, em 1965, na saída do programa O Fino da Bossa, de Elis Regina e
Jair Rodrigues: “É melhor tocar iê-iê-iê do que este jazz retardado”
(PUGIALLI,1999, p. 207).
Esses e outros silenciamentos, convenientes ao imaginário dos setores de
esquerda, naturalizaram a bossa nova e seus desdobramentos como a música
genuinamente brasileira, mesmo que em termos de influência a bossa nova
guarde em seu íntimo a forte influência da música norte americana.
Mas o elemento crucial que movia o estigma do rock brasileiro como
música estrangeira, alienada, como se fosse crime fazer opções por modos e
estilos de cantar ou tocar, era perceber que a Jovem Guarda se disseminou
massivamente e com certa indiferença num período em que a realidade política
objetiva era a do regime militar. Para as forças de esquerda era inconcebível que
um regime que perseguia os seus opositores, que limitava a sua atuação
passasse despercebido por quem quer que fosse que estivesse vivendo sob seu
domínio.
Para os jovens do iê-iê-iê brasileiro, odiados por setores de moral
conservadora, por fazerem apologia a vícios e transgressões, por falarem gírias e
se vestirem de modo desajustado (ARAÚJO, 2008), ao contrário dos esquerdistas
que usavam terninhos e cortes comportados, pouco importava quem decidiu o
quê no país. Viviam o momento sem muito questionamento. A juventude liderada
por Roberto Carlos abraçava o que lhe parecia interessante, o que pudesse
chamar atenção no âmbito social, mas não especificamente no político. Preferia a
celebração do romantismo amoroso enviesado pela adrenalina dos carrões
velozes, das intrigas e aventuras de bailes e festas e da diversão nas areias das
praias.
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Plenamente integrada à conturbada vida do mundo industrializado,
celebrando os costumes daí provenientes, a Jovem Guarda administrou um
sucesso estrondoso, um visível domínio sobre a maioria da juventude do país até
1968. Por mais que setores de esquerda, por meio da imprensa, do meio político
ou intelectual tenham procurado negá-la ou depreciá-la em favor da bossa nova e
das gerações que a transformaram na MPB, a música que realmente foi popular
(no sentido de atingir a população e ser apreciada pelas massas) foi a música da
Jovem Guarda. Isso prova que embora houvesse certa hegemonia da esquerda
no campo das ideias, o apelo da indústria com seus produtos foi mais forte,
obteve maior penetração, tanto no sentido geográfico quanto no âmbito do desejo
popular.
Tendo em vista o exposto, vamos defender que o tipo de formação
ideológica que atravessa o desejo da Jovem Guarda é aquela que corresponde a
aceitar o mundo capitalista como ele é desde que se possa nele obter o que se
quer, agir como se pretende agir, independente de qualquer coisa. As letras da
Jovem Guarda não vão de encontro a esse princípio geral. Seus gestos de
rebeldia não negam o sistema capitalista, ao contrário, o celebram, o integram na
medida em que incitam a renovação de valores e costumes, abrindo caminho
para novos hábitos, que pressupõem reorientação no consumo.
A se julgar o que dissemos até o momento, temos no seio de uma
formação social um campo de tensão que envolve interesses econômicos, sociais
e políticos que agrupa os indivíduos tornando-os sujeitos de formações
ideológicas distintas: uma que afirma o capitalismo e outra que o nega.
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2 “COMO VOU VIVER SEM UM CARANGO PRA CORRER”?
Conforme Medeiros (1986, p.16), num primeiro momento, foi “um país
agrário em vias de industrialização” o ambiente que o rock encontrou no Brasil
para a sua germinação. Mas com a intensificação da política de desenvolvimento
praticada nos anos do governo de Juscelino Kubitschek, o país chegara aos anos
sessenta do século XX inserido em um processo de plena industrialização
proporcionada pela instalação de fábricas e indústrias de produção de bens de
consumo duráveis “onde se incluem os automóveis e as televisões que
encantariam as classes sociais beneficiadas com a criação de um razoável
mercado interno de consumo” (MEDEIROS, 1986, p.12).
Mais que qualquer outra manifestação musical da época, o rock brasileiro
se moldou a partir desses elementos de modernidade capitalista que passaram a
permear os desejos não apenas da juventude, como também de grande fatia da
população atingida pela incipiente produção de marketing e propaganda vinda no
bojo do desenvolvimento acelerado que atingira o País. Para Fróes (2000, p. 43),
assim como para outros historiadores desse fenômeno, esse parece ser um lado
pouco contestável da história do rock tupiniquim. Entre outros, Medeiros (1986,
p.17) assim caracteriza esse aspecto da gênese do rock desenvolvido no Brasil:
Respondendo à necessidade que seu próprio destino impunha, o rock, pelas vozes dos nossos primeiros roqueiros, entraria no mundo bem-posto e ávido de crescimento da sociedade de consumo, da indústria do disco e dos meios de comunicação.
Essa vinculação do rock ao capitalismo, ao consumismo, a muitos se
mostra como algo natural, consentâneo do mundo novo que se anunciava como
resultado do desenvolvimento industrial pelo qual o país passava. Porém o que
move a nossa reflexão é o viés ideológico que atravessa a expressão roqueira.
Qual tipo de configuração imaginária se materializa nas letras de suas canções,
ou melhor, como as letras de música expressam o mundo no qual transitam?
Quais marcas discursivas entrelaçam-se e se materializam nessas letras, gerando
efeitos de sentidos que filiam essas letras a determinada ideologia?
Para responder às questões levantadas, vamos nos deter em uma seleção
de letras de canções da Jovem Guarda (JG) levando em conta alguns critérios.
Devido à profusão de letras e versões produzidas no correr dos mais de quatro
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anos de JG, nos detemos em um recorte básico que segue, entre outros,
sugestões do trabalho desenvolvido por Ricardo Pugialli no livro, No embalo da
Jovem Guarda, que retrata o período da Jovem Guarda mês a mês e sugestões
do livro de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, publicado em dois volumes,
cujo título é A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras. Nesse cuidadoso
trabalho, os autores dividem a história da música brasileira em dois grandes
momentos, sendo que o primeiro momento, condensado no primeiro volume da
obra, estende-se de 1901 a 1957 e o segundo momento, registrado no segundo
volume, compreende o espaço de tempo transcorrido de 1958, marco de
surgimento da bossa nova, a 1985.
O trabalho de Severiano e Mello, em dois volumes, trata de listar e
comentar rapidamente, a partir de 1901, as músicas mais executadas e os discos
que tiveram maior destaque ao longo de cada ano. Utilizamos um corpus básico
coletado entre os anos de 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968, seguindo, dentro do
possível, o que os autores citados registraram em seus trabalhos, cientes de que
as músicas mais comentadas, mais executadas em rádios, a disposição nas
pesquisas dos referidos autores favorecem a um quadro significativo do que teve
mais penetração pública.
Antes de tudo, convém esclarecer que nossa pesquisa, embora utilize
letras de canções produzidas a partir de 1964, concorda que é pertinente a
limitação da Jovem Guarda entre 1965 e 1968, marca estabelecida, em
consonância com outros autores, por Fróes (2000, p.13), para quem a JG, “mais
que movimento ou programa de televisão (...) foi uma de nossas mais férteis
vertentes musicais nos anos 60. Ainda que tenha existido por um período
oficialmente curto (entre 1965 e 1968), a Jovem Guarda semeou uma infinidade
de talentos” (...).
Ressaltamos, antes de qualquer coisa, que, embora o rock mundo a fora
tenha sua história pontilhada de rebeldias frontalmente agressivas, na Jovem
Guarda essa rebeldia é abrandada por certa ingenuidade romântica, típica da
juventude do momento. As canções de sucesso invariavelmente trazem o tema
adolescente da conquista amorosa ou a idealização de garotas e garotos como
objetos amorosos. O que é chocante em algumas letras ou mesmo na atitude de
seus principais membros resulta da resposta dos jovens que, com uma formação
rígida predominante até início dos anos de 1960, passam a sentir os efeitos da
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veloz explosão industrial e da moderna sofisticação do capitalismo, adaptando-se
a essa nova realidade, o que previsivelmente acarretou o abandono de
determinados costumes.
Segundo Fernandes (2007, p. 60), “um discurso engloba a coletividade dos
sujeitos que compartilham aspectos socioculturais e ideológicos, e mantém-se em
contraposição a outros discursos”. Nesse sentido, entendemos o discurso da
Jovem Guarda como o relevante discurso de uma coletividade que se irmana em
um modo de estar dentro de dado momento histórico e que materializa a sua
expressão por meio de uma dinâmica que compreende os dois tipos de
esquecimentos descritos por Pêcheux (1988, p. 173) para explicar a ação da
ideologia na materialização do discurso. Tais esquecimentos, que também
determinam o nível de assujeitamento4 de quem materializa o discurso, são
descritos por Pêcheux, conforme a página já citada, da seguinte forma:
Concordamos em esquecimento n. 2 ao “esquecimento” pelo qual todo sujeito-falante “seleciona” no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e seqüências que nela se encontram em relação de paráfrase – um enunciado, forma ou seqüência, e não outro, que, no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada. Por outro lado, apelamos para a noção de “sistema inconsciente” para caracterizar um outro “esquecimento”, o esquecimento n.1 , que dá conta do fato de que o sujeito falante não pode, por definição, se encontrar no interior da formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento n. 1 remetia, por uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que - como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em questão. (grifos do autor)
Não se trata aqui propriamente de dizer o que é bom ou ruim, o que é certo
ou errado no modus vivendi que o jogo imaginário da Jovem Guarda transforma
em discurso nas suas letras de canções, ou se o nível de entendimento e
posicionamento ideológico reflete mais a predominância do esquecimento n. 2 ou
do n. 1. A nós, nos reservamos apenas a tarefa de fazer aparecer os elementos
discursivos que vão se ligar a uma formação ideológica específica.
Tendo em vista essa perspectiva, destacamos uma série de marcas
discursivas presentes nas letras em seguida apresentadas que remetem tão
somente àquilo que pode e deve ser dito no interior de uma formação ideológica.
Essas marcas constituem um ambiente discursivo no qual as temáticas às vezes
4 Termo de Louis Althusser, acolhido por Pêcheux, que caracteriza a impossibilidade de o sujeito ser dono do
seu dizer, uma vez que é a ideologia que o interpela em sujeito.
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se interpenetram no jogo de organização e materialização do discurso, mas
geralmente confirmando a formação ideológica da qual se originam. Pêcheux e
Fuchs (in GADET; HAK, p. 166) referem-se à formação ideológica para falar de:
um elemento (este da luta nos aparelhos) suscetível de intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em dado momento; desse modo, cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras. (as aspas são dos autores)
A partir do conceito apresentado, nos é forçoso perguntar quais são as
posições da Jovem Guarda e quais são as fontes de seus principais conflitos. O
ponto de partida para observar essas posições e situá-las historicamente são as
marcas discursivas, as escolhas lexicais que produzem os efeitos de sentido.
Aqui, convém concluir com Fernandes (2007, p. 19) que “As escolhas lexicais e
seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem, revelando igualmente a
presença de diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a posição de
grupos de sujeitos acerca de um mesmo tema”.
Dessa forma, no período que compreende os anos de 1964 a 1968
selecionamos as seguintes letras da Jovem Guarda5 para fazer um estudo
representativo da ideologia e do discurso predominante na época entre os
membros desse movimento. “Rua Augusta” (1964), com Ronnie Cord; “O
calhambeque” (1964/1965), com Roberto Carlos; “O carango” (1966), com
Erasmo Carlos; “Por isso corro demais” (1967), com Roberto Carlos; “Festa de
arromba” (1965), com Erasmo Carlos; “Garota do baile” (1965), com Roberto
Carlos; “Lobo mau” (1966), com Roberto Carlos; “O bom” (1966), com Eduardo
Araújo; “Sou fã do monoquíni” (1965), com Roberto Carlos; “Jacaré” (1964), com
Erasmo Carlos; “Exército do Surf” (1964), com Wanderléia; “ O broto do jacaré”
(1965), com Roberto Carlos; “Gente demais” (1966), com The Youngsters; “O
tijolinho” (1966/67), com Bobby di Carlo; “Caderninho” (1967), com Erasmo
Carlos; “O bilhetinho” (1967), com Erasmo Carlos; “Festa do Bolinha” (1966), com
Trio Esperança; “Brucutu” (1965), com Roberto Carlos; “A tartaruga” (1966), com
5 Todas as letras de músicas utilizadas neste capítulo foram colhidas em: http://letras.terra.com.br,
http://cifrantiga.blogspot.com e conferidas nas discografias originais disponíveis no site:
www.jovemguarda.com.br, bem como no s livros “A canção no tempo”, de Jairo Severiano e Zuza Homem
de Mello e “No embalo da Jovem Guarda”, de Ricardo Pugialli, ambos nas referências bibliográficas desta
pesquisa.
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Trio Esperança; “O Pica-pau” (1966), com Erasmo Carlos; “Chapeuzinho
Vermelho” (1967), com Jet Blacks; “Gasparzinho” (1966), com o Trio Esperança.
As respectivas letras, apenas um recorte da extensa produção gravada nos
anos efetivos da Jovem Guarda representam algumas temáticas básicas que, a
nosso ver caracterizam o imaginário da JG e, sobretudo, nos servem como
elementos identificadores da produção desse movimento bem como nos facilita
situá-lo ideologicamente dentro do momento histórico em que ele se desenrola.
Assim, destacamos as seguintes temáticas:
TEMÁTICAS DA JOVEM GUARDA
Carros e velocidade
Festas e bailes
Praia como diversão
Histórias infantis e amores infantilizados
Quadro demonstrativo 1
Das marcas levantadas mediante a cuidadosa leitura do corpus
apresentado e que se encontra anexo a este trabalho, com os devidos grifos
indicados, podemos destacar as temáticas acima como recorrentes na Jovem
Guarda do período. Em primeiro lugar, das letras de músicas que fizeram sucesso
nesse período, muitas, de uma forma ou de outra, se referem a carros e
velocidade. Destacamos então como um dos temas constantes, a presença do
automóvel e por consequência a velocidade, como exemplo da condição de
privilegiar o carro e a velocidade, no sentido de afirmação do poder, de
insubordinação, de posse e de instrumento de conquista da mulher. Há muitas
letras que se referem a carros e velocidade, porém destacaremos algumas que
colocam o carro e a velocidade como elementos centrais. Então vejamos as letras
de “O calhambeque”, “Rua Augusta”, “O carango”, “Por isso corro demais”, que
são significativas, além do mais poderíamos listar “O bom”, “Lobo mau”, “É papo
firme” entre tantas outras que fazem referência a automóveis e velocidade, como
se nesse período da Jovem Guarda fosse impossível não falar de carros.
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2.1 CARROS E VELOCIDADE
A presença do automóvel e de outros automotores nas canções da Jovem
Guarda, de acordo com Medeiros (1984, p. 32), se deve ao fato de tal bem
simbolizar naqueles tempos a desejada ascensão social e, sobretudo, porque: “o
automóvel na verdade constitui, segundo o historiador Ricardo Maranhão, ‘o
núcleo central do departamento de bens de consumo durável que se estrutura no
contexto de uma mudança do padrão de acumulação do capital durante o governo
JK’”. Ainda conforme Medeiros (1984, p.32), “o advento da indústria
automobilística no país ‘representou quase um símbolo característico da
integração brasileira ao capitalismo monopolista internacional, ao mesmo tempo
em que se apresentava como uma vitória da nação na luta pela independência’”.
Nas letras que selecionamos, o carro aparece como meio de transgressão
e insubordinação a regras, desse modo o encontramos sempre vinculado à
velocidade e a certa rebeldia sem causa. Aparece também como objeto de
conquista de garotas ou simplesmente como uma mercadoria de forte valor social,
que exerce um fetiche incontrolável sobre a juventude.
“Rua Augusta”, um dos primeiros rocks de letra puramente brasileira a falar
de carros, reforça esse primeiro sentido da relação entre juventude e automóveis.
O perfil do condutor que aparece na letra é exatamente o do jovem mau caráter
imbuído de uma rebeldia sem justificativa aparente. Na letra, esse jovem entra
dirigindo a 120 km por hora, na rua Augusta, rua paulistana, que verdadeiramente
era frequentada pela juventude roqueira nos anos de 1960. Para Medeiros (1984,
p.18), naquela época:
O barato, então, era descobrir a imagem e o movimento no cinema, acelerar ou disparar na garupa os roncos das lambretas picantes, beber café de máquina nas ruas mais badaladas da city, ‘espirrar’ gás de crush no terno dos quadrados ou envenenar qualquer escapamento à mão, mesmo que à mão não estivesse um Chevrolet 54 ou um Oldsmobile 56.
Além da velocidade absurda citada na letra de “Rua Augusta”, podemos
apontar algumas outras marcas para confirmar o tipo de discurso presente na
relação que esses jovens estabeleciam com o carro: “com 3 pneus carecas e sem
usar a buzina”, “quem é da nossa gangue não tem medo”, “Meu carro não tem
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breque, não tem luz, não tem buzina” “carburadores envenenados”, “Só passa se
tiver sinal fechado”.
O tipo de jovem presente nessa letra é o rebelde representado nos filmes
Juventude transviada e Sementes da violência, ambos de 1955. Juntemos essas
duas produções ao filme Ao balanço das horas, também desse período, e vamos
ter a mistura explosiva em termos de atitude jovem que alimentou o rock. Mais
precisamente os dois primeiros filmes retratam jovens desajustados, desligados
dos valores familiares e com atitudes totalmente condenáveis no convívio social.
Brandão (1992, p.24) resume bem a influência desses filmes:
Juventude transviada (Rebel without a cause), de 1955, com James Dean, revela os problemas individuais dos ‘rebeldes sem causa’ dos anos 50. Mas será Sementes da violência, também de 1955, que irá expor de modo mais didático (o tema do filme é a educação) toda a carga de hostilidade no relacionamento entre a juventude marginalizada e a sociedade. A música que anunciava o filme era Rock around the clock, o primeiro grande hit do rock’n’roll e que surgiu como um verdadeiro hino de guerra dos adolescentes. Essa música também foi usada como referencial do conflito entre professores (representando as regras estabelecidas pela sociedade) e alunos, numa cena altamente simbólica em que os jovens rebeldes quebram toda a coleção de discos com que o bem-intencionado mestre tenta iniciá-los nos encantos do jazz tradicional. A identificação do público com esse tipo de filme foi tão grande que as influências profundas por ele exercidas no comportamento da juventude da época se alastraram pelo mundo, incluindo o Brasil, que, em 1956, com o filme Ao balanço das horas (Rock around the clok), toma um contato mais direto com esse tipo de cultura jovem. A partir dos personagens desses filmes o cinema consegue retratar os dilemas de uma geração, ao mesmo tempo em que oferece um modelo visual e ideológico para a juventude dos anos 50.
Pneus “carecas”, falta de breque, luz e buzina são quesitos ilegais em um
carro. A lei não admite veículos com pneus “carecas” e sem os outros itens
listados na música, muito menos que se desrespeite o sinal fechado. Pois “Rua
Augusta”, além de alardear essas insubordinações como virtudes, ainda faz
referência direta ao tipo de rapaz rebelde como destemido membro de uma
gangue.
A letra de “O calhambeque”, embora com o significativo verso “como vou
viver sem um carango pra correr” segue outro caminho. Em vez de o carro
aparecer como essa arma agressiva a serviço da desordem ele é mostrado como
um sinal de status social e, mormente, como um instrumento de conquista
amorosa.
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Entre a condição de possuir um carrão Cadillac e a possibilidade de ficar
com um calhambeque e ter todas as garotas, o enunciador da letra escolhe a
segunda opção. Mas antes de perceber as vantagens do carro velho, o que tem
valor é o prestigio social de possuir um Cadillac: “Saí da oficina/ um pouquinho
desolado/ confesso que estava /até um pouco envergonhado”. Estar
envergonhado por ter que sair da oficina em um carro muito velho marca a
posição desprestigiada de possuir um calhambeque. Essa situação se desfaz nos
versos seguintes, entre eles destacamos: “uma garota fez sinal para eu parar/ e
no meu calhambeque fez questão de passear”; “não acreditei”, “existem mil
garotas querendo passear comigo/ mas é por causa desse calhambeque”.
Vemos, então, que carro é o grande objeto mágico, que, independente de ser
novo, propicia ao jovem sedento por companhia feminina a realização do seu
desejo. Notemos que é por causa do calhambeque que as mil garotas querem
passear com o enunciador da música.
Eis, então, a juventude entorpecida pelo jogo publicitário e comercial que
cobre a mercadoria carro com tantos poderes e possibilidades a ponto de o
sujeito constituído nesse jogo perceber-se não como proprietário do objeto, mas
como extensão deste. O carro então é esse objeto para ser exibido e para se
exibir. A letra de “O carango” segue esse raciocínio: “carro vai zarpar” “Botando
minha banca/ muito natural”, “Camisa verde clara, calça Santropê/ combinando
com o carango/ todo mundo vê”, “garota de menor não pode ser sem sol”, “Garota
saia curta/ essa moda é bem/ Todo mundo no carango/ não sobrou ninguém”,
“Capota levantada prá ninguém nos ver/Um abraço e um beijinho/ Isso é que é
viver”.
Os versos recortados seguem o caminho apontado em “O calhambeque” a
vida pontuada pela paquera, pela diversão e pelo namoro proporcionados pela
posse do automóvel. O “isso é que é viver” aparece no final da letra e o resumo
não pode ser outro: viver é ter um carro, estar na moda, enchê-lo de garotas para
se divertir e namorar muito.
Em plena vigência do regime autoritário, esse é o lado da juventude que
expressou a realidade conforme estava posta no seu cotidiano urbano pela força
da ideologia que comanda o capital. Essa juventude simplesmente se dirigia ao
mundo com os instrumentos que sua vivência diária lhe dava. Mergulhada no
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mundo de abundância em que consistia o capitalismo moderno, ao se expressar,
a juventude expresssou aquele mundo.
A letra de “Por isso corro demais” empreende a ligação do carro e da
velocidade à concretização do amor. O carro é apenas um elo entre o eu
enunciador da letra e o seu objeto amoroso. Ele possibilita a união e a satisfação
do desejo pelo outro: “corro demais/ só pra te ver/ meu bem!”. Isso se comprova
nos versos mais abaixo: “Se você está ao meu lado eu só ando devagar”. A essa
altura, carro e velocidado estão a serviço do romantismo da Jovem Guarda.
Assim, temos a presença do carro, comum nas letras da jovem guarda, sob
quatro aspectos distintos. Num primeiro momento, ainda cruamente vinculado ao
estilo americano divulgado pelo cinema, ele aparece sob o signo da rebeldia sem
causa, como arma potente e perigosa de transgressão a regras estabelecidas
(“Rua Augusta”). Numa fase mais associada às características comportamentais
do rock brasileiro, o carro aparece como sinônimo de status social, de riqueza e
autoafirmação e também surge como instrumento de conquista de garotas (“O
calhambeque” e “Carango”). Associado à velocidade, por fim, ele aparece como
canal de realização do romantismo da Jovem Guarda (“Por isso corro demais”).
2.1.1 Festas e bailes
A jovem Guarda celebra a vida imediata, a vida ansiosa da adolescência.
Viver o momento e as coisas boas que a vida oferece estão em sintonia com esse
movimento. Claro que coisa boa pode ser leitura, debate político, pintura etc. Mas,
vinculado a outra ordem ideológica, tudo indica que para esses jovens as coisas
boas da vida eram as que a televisão, o cinema, as histórias em quadrinhos
ofereciam: a sensação de poder dos super-heróis, a descomplicação que é a vida
sentida como um enredo de história em quadrinho etc.
O certo é viver de imediato pelo que você deseja, sem saber que o que
você quer não é necessariamente você quem quer: o cigarro, a bebida, a roupa, o
carro estão lá nos anúncios de TV, na tela de cinema, na banca de revistas.
Esses meios capturam desejos e determinam os sujeitos, os faz se
movimentarem. A vida é esse espetáculo de consumo que deve ser
experimentado ansiosamente. A diversão é calculada pelo potencial de produtos a
serem vendidos. Assim os jovens desse mundo urbano industrializado, perdidos
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em subúrbios ou centros, vão espelhando o meio espelhado pela ideologia
capitalista.
Esse viver imediato, com mais perspectiva de presente do que de futuro é
festa, diversão e avetura. As festas e bailes vão fazer parte do ideário da Jovem
Guarda porque nesses eventos os elementos importantes que compreendem o
modo de viver podem entrar na sua composição: o carro, a diversão, as garotas,
as pequenas transgressões comportamentais como fumar, beber, se exibir e
disputar espaço com os outros.
Três letras “Garota do baile”, “Festa do bolinha” e “Festa de Arromba” nos
servem como exemplo desse viver a vida como aventura e diversão, mas indicam
também que pelo rock, pela dança o jovem descobriu o potencial do seu próprio
corpo. O corpo ganha evidência como fonte de atenção, de prazer e de
experiências. Dançar, fumar, beber e namorar são experiências corporais vividas
com intensidade nessa época, por garotos e garotas. Conforme Medeiros (1984,
p.35), “Eis uma das riquezas desse canto: num clima de festa compatível com o
engate da sociedade eufórica nos trilhos do progressos, o rock brasileiro evoca,
no entanto, as primeiras manifestações do corpo como fonte de prazer”.
Nesse campo, “Garota do baile” é o retrato da timidez romântica e
adolescente, mas que reflete certo narcisismo por parte do enunciador, uma vez
que fala de uma garota centro das atenções no baile com quem todos querem
dançar e que no final escolhe o enunciador para a última dança. Quer dizer que a
disputa pela garota da festa foi vencida e “a multidão” que com ela queria dançar
teve que se resignar. Nas letras características desse período, o enunciador é
predominantemente masculino, ostenta certo individualismo e exibicionismo
narcisista, provavelmente efeitos do culto ao self, típico na cultura norte
americana.
Se a “Garota do baile” é ingênua e juvenil, a letra de “Festa do Bolinha” não
é diferente. Primeiro, explora personagens de história em quadrinhos e
animações, que chegaram com a proliferação de produtos culturais vindos dos
Estados Unidos. As refências principais dessa letra, portanto, são a televisão e os
gibis. A turma do Bolinha e da Luluzinha caracteriza os frequentadores da festa.
Os elementos presentes em tal festa são a bebida: “Aninha tropeçou e os copos”;
o namoro: “Glorinha / Toda assanhada, nunca ví igual/ Trocava mil beijocas com o
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Raposo no quintal “ e novamente a disputa masculina: “Pois Bolinha com ciúmes,
formou a confusão”.
Ao contrário das demais, a letra de “Festa de arromba” imprime um tom
adulto à festa, não deixando porém de apresentar a maioria dos elementos
característicos a que vimos nos referindo: beber: “Ronnie Cord Com um copo na
mão”; dançar: “a Rosemary Não parasse de dançar”; fumar: “Tony e Demétrius
fumavam no jardim”; e lógico, o carro: “Roberto Carlos /Em seu novo carrão”.
Como a letra descreve uma festa elitizada na qual aparecem as principais
estrelas da Jovem Guarda, naturalmente vamos ver também referências à
presença do rádio, do cinema, da televisão e dos jornais. Mais uma vez o que
temos é a constatação de que a vida é esse espetáculo limitado à diversão e ao
consumo.
Perceptivelmente o que vemos explorado nas letras que tratam de bailes e
festas são características do universo adolescente e há na reconstituição desse
universo a afirmação de uma imagem do jovem do sexo masculino e do sexo
feminino. Os elementos interdiscursivos evocados pelas letras indicam papéis
sexuais determinados na memória social: os garotos devem ser ativos, garotos
devem proteger as garotas como uma propriedade. As garotas devem ser
passivas, as garotas decentes não ficam se agarrando em festas e não devem
beber ou fumar, garotos e garotas não devem levar a vida muito a sério.
2.1.1.1 Praia como diversão
Tal como as festas, a praia aparece com bastante frequência nas letras da
Jovem Guarda, não como ambiente de trabalho ou de folga, mas como espaço
cotidiano de diversão, de namoro, de conquista. As letras “Sou fã do monoquini”,
“Broto do jacaré”, “Exército do surf”, “ A pescaria”, entre muitas outras
caracterisam essa temática.
“Sou fã do monoquini” tenta mostrar a ousadia de transgredir valores.
Como já dissemos, a Jovem Guarda descobre o potencial transgressor do corpo.
O monoquini era uma roupa de banho feminina cuja parte superior consistia em
duas tiras que subiam da parte inferior, parecendo um suspensório, e cobriam
muito pouco dos seios. Numa época em que poucas mulheres se arriscavam a ir
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à praia com biquini, a letra defende uma ousadia maior: “Broto tem que usar
monoquini/ Não suporto mais biquini”.
Porém, essa ousadia é traída na letra por uma marca discursiva ali
presente. Ao comentar o alvoroço que uma garota de monoquini causou na praia,
ao se exibir “Pra lá e pra cá”, o enunciador da letra declara: “O que eu vi não
esqueci/ E nem quero recordar”. O não querer recordar mobiliza sentidos
contraditórios à expressão “Broto tem que usar monoquini”. Mobiliza uma
memória de repressão ao corpo, de proibição da nudez. O impasse entre não
esquecer e não querer recordar reflete certo conflito entre realmente afirmar a
nudez do corpo no monoquini, caracterizando a transgressão, a rebeldia e a
negação dessa ousadia.
“Broto do jacaré” mostra a praia como espaço de aventura e conquista de
garotas, como lugar, portanto, de exibicionismo: “Ela sorriu e uma coisa então/ Eu
tinha que fazer para chamar sua atenção”. A ideia é a do adolescente surfista
(mais uma novidade divulgada pela Jovem Guarda) que fala gírias (broto, jacaré,
dar pé) e que gosta de se mostrar para as garotas em cima da prancha. Pouco
menos de um ano antes dessa música, Wanderléia fazia sucesso com “Exército
do surf” o curioso é como as condições de produção imprimem a marca do golpe
militar nessa letra: a letra praticamente se resume “Nós somos jovens/ somos o
exército do surf/ Quem não souber/ eu vou ensinar” , seguidos de mar, cantar e
outros infinitivos. Mas o termo “exército” chama atenção.
Essa música foi lançada em agosto de 1964, um mês depois de o
presidente militar Castelo Branco suspender por dez anos “os direitos políticos de
337 pessoas, incluindo três ex-presidentes Juscelino, Jânio e João Goulart”
(PUGIALLI, 1999, p. 154). Quem cultiva a liberdade, a rebeldia não deveria
evocar exército, sobretudo na conjuntura em que se encontrava. Mas esse é um
dos perigos de estar dominado por uma formação ideológica, ela arrasta muita
memória para o discurso. Olhando por outro lado, o “exército do surf” vai fazer o
quê? Vai tomar o poder, impor as leis do surf como regra, determinar os
costumes, censurar e perseguir tudo que não for surf ou se opor a ele?
“A pescaria” mostra uma realidade que transcende o mero tom adolescente
das anteriores, ela invoca o burguês que tem lancha: “pego o anzol/ ligo a
lancha” , que também se exibe: “Estufo o peito/ faço pose”. Essa pescaria não é
efetivamente profissão, mas diversão de fim de semana. E novamente na letra
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entra o jogo de sedução. O enunciador, não tendo pescado nada, compra um
peixe no mercado para impressionar a garota que provavelmente vai vê-lo chegar
da pescaria: “Ouço sempre ela falar/ Se ele é um bom pescador/ Serve pra ser
meu amor”.
Vale dizer que esses últimos versos nos remetem a um perfil de homem
para se “amar” (que não é impossível entender como casar), qual seja, o homem
bem-sucedido no trabalho, que, portanto, oferece condições de sustentar uma
família. Aí está, portanto, uma formação imaginária. O enunciador imagina que
para as mulheres o ideal de homem é aquele que tem condições de suprir a
família. Ele está tocado também pela ideia de que é obrigação masculina
alimentar a família. Baseado numa relação imaginária com o outro, ele cria as
condições para que sua imagem corresponda à imagem que ele conclui ser do
outro com relação a homens ideais para se amar.
2.1. 1. 1. 1 Histórias infantis e amores infantilizados
Outro tema que podemos apontar é a presença de histórias infantis e
amores infantilizados nas letras sob duas formas: sob a forma de certo tratamento
infantilizado dispensado às garotas e o uso de personagens de animações,
contos de fadas e histórias em quadrinhos. Quanto à infantilização do feminino,
podemos testemunhá-la sob a forma do uso abusivo de diminutivos referentes a
mulheres em muitas letras, entre as quais “Caderninho”, “Tijolinho”, “Bilhetinho”
como ilustrativas dessa temática. Entretanto, é possível perceber a presença
dessa marca discursiva disseminada nas letras da Jovem Guarda como uma
forma de realce juvenil do romantismo. A infantilização vai ser reforçada por letras
que falam de personagens de gibis e animações, conforme as canções, “Brucutu”
(1965), “Chapeuzinho Vermelho” (1967), “A tartaruga” (1966).
Esse viés dos gibis, animações e estórias infantis já vinha sendo
explorado pelos adeptos do rock brasileiro desde o início dos anos de 1960. Uma
das primeiras gravações de Roberto Carlos (que não é rock), com data de 1959,
chama-se “João e Maria”, a letra dessa música é uma recriação do conto de fadas
homônimo.
Mas é preciso entender que a dupla característica da infantilização na
verdade pode indicar a filiação a distintos interdiscursos e, portanto, a zonas de
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memórias distintas que convivem no interior de um campo ideológico. A
infantilização do feminino pode refletir uma formação imaginária acerca do que
representa a mulher na sociedade da época, ou seja, algo frágil, ingênuo e
passivo que, em termos de juízo, pouco se distingue de uma criança. Aliás, com
relação ao feminino tão presente nas canções da Jovem Guarda, vale citar
Bassanezi (in DEL PRIORI, 2006, p.608), quando reflete sobre a mulher dos anos
dourados (a partir da segunda metade dos anos de 1950):
As moças de família eram as que se portavam corretamente, de modo a não ficarem mal faladas. Tinham gestos contidos, respeitavam os pais, preparavam-se adequadamente para o casamento, conservavam sua inocência sexual e não se deixavam levar por intimidades físicas com os rapazes. Eram aconselhadas a comportarem-se de acordo com os princípios morais aceitos pela sociedade, mantendo-se virgens até o matrimônio enquanto aos rapazes era permitido ter experiências sexuais. Vistas por vezes como ingênuas ou perigosamente inconseqüentes e deslumbradas, era grande o medo de que as mocinhas se desviassem do bom caminho, a educação moral e a vigilância sobre elas se faziam necessárias.
O perfil feminino dos anos dourados traçado por Bassanezi encaixa-se no
perfil de romantismo infantilizado no qual insiste a JG.
Por outro lado, a valorização de personagens de histórias infantis, de
quadrinhos bem como de animação ecoam os efeitos da profusão de conteúdos
surgidos com o desenvolvimento da indústria cultural, com a popularização da
televisão, do cinema e das revistas em quadrinho. A propósito, uma das culturas
mais influentes nesse processo foi a norte americana.
Ainda nos anos de 1940, por exemplo, quando o país se abria ao
desenvolvimento capitalista, Walt Disney aproveitou o campo propício à entrada
de suas produções no Brasil e além de criar um personagem brasileiro, o Zé
Carioca, que passou a circular em gibis da Disney, lançou uma animação
dedicada ao Brasil, sonorizada com “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, e muito
samba.
Com estilos típicos da Jovem Guarda, “Caderninho”, “Bilhetinho” e
“Tijolinho”, são exemplos de canções românticas de sucesso que associam ao
romantismo inocente um tratamento infantilizado presente nas letras, na forma de
diminutivos. Invariavelmente, um enunciador masculino se dirige à namorada ou à
garota foco do seu desejo, moldando o discurso com expressões no diminutivo, o
que no contexto acentua o romantismo, porém realça certa infantilidade.
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Nas três letras, entre tantas que integram o acervo da Jovem Guarda, o
uso de diminutivos começa já no título e vai se espalhando ao longo da
declaração amorosa ou do lamento. Em “Caderninho”, além do título, temos as
seguintes marcas: duas vezes “ficar juntinho”, duas vezes “dizendo baixinho”,
duas vezes “na volta juntinho”, quatro vezes “seu caderninho”, duas vezes
“benzinho”. Adicionando o título, temos dose vezes o uso de diminutivos, sem
contar que a letra trata de um amor por uma garota que ainda frequenta escola,
nem colegial ainda é: “ficar juntinho de você/ Inclusive na escola”.
Mais modesta, a letra de “Bilhetinho” emprega dez vezes o diminutivo:
cinco vezes “bilhetinho”, três vezes “menininha”, uma vez “escolinha” e uma vez
“professorinha”. A letra de “Tijolinho”, mais simples, recorre oito vezes aos
diminutivos: quatro vezes “tijolinho”, três vezes “amorzinho” e uma vez
“pouquinho”.
Além das letras acima, a atmosfera infantil é evocada também em outras
letras por meio da referência a contos de fada, personagens de quadrinhos e de
demais histórias infantis. Podemos destacar, entre as músicas que exploram essa
atmosfera, as letras de “Chapeuzinho Vermelho”, de “Brucutu” e de “A tartaruga”.
“Chapeuzinho Vermelho” retoma dois traços comuns nas canções
jovemguardistas: a conquista de garotas e a rebeldia. O playboy tenta dissuadir a
garota com respeito aos conselhos da família para evitar aquele perfil de rapaz. A
letra baseia-se em uma reelaboração do conto de fadas homônimo, no qual o
enunciador se põe no suposto papel de lobo para incitar a menina a desobedecer
aos conselhos da família. “Ei menina do chapeuzinho vermelho/ não ligue pra
nenhum conselho/ dizem por aí que sou o lobo mau”. Em seguida faz um convite:
“a vovó pode esperar”, “Fique aqui pertinho de mim”. A letra segue com a
conversa de um “lobo mau” carente que promete até virar carneirinho. Essa letra
reflete a tentativa de desfazer a fama de maus garotos que os roqueiros
brasileiros vinham recebendo, uma vez que há bastante tempo os jornais vinham
publicando manchetes como esta: “Segurem suas filhas: aí vem o rock’n’roll”
(MEDEIROS, 1984, p. 11).
“Brucutu” explora personagens da história em quadrinhos homônima. O
personagem de quadrinhos dos anos de 1960 é um homem das cavernas, mas a
letra traz alguns elementos do cotidiano do rock brasileiro, o carro: “Seu carro é
um dinossauro”; a rebeldia: “briga sempre com prazer”, “gosta mesmo é de bater”;
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o baile: “foi ao baile que o rei Guz/ Todo mês costuma dar”; a disputa por garotas:
“Só porque outro rapaz/ pra sua noiva olhou”; “Brucutu ficou zangado/ e seu nariz
arrebentou”. Aqui o playboy da Jovem Guarda, que na letra anterior, comparado
ao lobo mau mostra que no fundo é cordeirinho, passa a ser um homem das
cavernas, “Mas no fundo Brucutu é bom”. As duas letras trabalham a imagem
social do jovem rebelde ligado ao rock, a comentada “fama de mau”: agressivo,
brigão, machista e tentam revertê-la sem negá-la: no fundo ele é “divertido até
demais” e bom.
A letra de “A tartaruga” aproveita o tema infantil que evoca a história da
lebre e da tartaruga em que a lentidão do quelônio vence a rapidez da lebre e,
como na Jovem Guarda, a velocidade é uma marca importante ligada à liberdade,
a letra não deixa de ridicularizar a tartaruga: “No seu passo jururu” e afirmar
“Nunca eu queria ser uma tartaruga/ pois eu gosto é de correr”.
Conforme podemos notar, pelas músicas e traços discursivos acima
destacados, o tratamento infantilizado nas letras ocorre de duas formas. A se
considerar as marcas destacadas de cada música no quadro acima teremos a
confirmação de que há uma insistência no uso do diminutivo na referência ao
feminino e que esse uso reflete um imaginário que denota o lugar que a mulher
deve ocupar na relação com o homem.
A bem da verdade, devemos concordar que o ideal de masculinidade e o
de feminilidade dominante na ordem social desse contexto é aquele do bom
moço: trabalhador, ordeiro, seguidor do modo de falar e dos costumes instituidos,
para o qual o futuro é uma repetição do passado: crescer, ter uma profissão,
casar-se, constituir família e sustentar esposa e filhos, além de dominá-los como
uma propriedade naturalmente destinada aos machos. O ideal de feminino é o da
moça de família, submissa, tolerante, apegada à forma padrão de falar, prendada
e desejosa de arrumar um bom moço para se casar e constituir família.
Diante do exposto, verificamos que as quatro temáticas básicas agregam
elementos que compõem o modo de estar dos jovens roqueiros no meio social.
Movem sentidos que caracterizam sua resposta (a dos jovens), como sujeitos, no
momento histórico. E não seria muito afirmarmos que essa resposta é rebelde
muito mais porque fere valores morais de uma sociedade conservadora,
fragilizada pelas investidas reais da indústria do consumo, do que porque
confronta a estrutura política do Estado.
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Quase sempre essas temáticas se interpenetram formando um feixe de
sentidos materializado nas letras. São poucas as letras desse período que, por
meio de marcas textuais, não atestam a presença de uma ou mais dessas
temáticas ou às vezes quase todas. Tomemos como ilustração as músicas “É
papo firme”, de Roberto Carlos e “O bom”, de Eduardo Araújo, nas quais
podemos destacar as referências ao carro, à praia e aos bailes.
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3 VAMOS PASSEAR NA AVENIDA, ENQUANTO SEU LOBO NAO VEM.
Segundo Severiano e Mello (1999, p.15), para os quais a música brasileira
se divide em duas grandes fases, a segunda grande fase de nossa música
começa em 1958 com o surgimento da bossa nova. A bossa nova representa
uma grande revolução na música produzida no Brasil do final dos anos de 1950.
Em princípio, refletia apenas uma mudança operada no comportamento musical
da juventude movida pela influência do jazz que chegara ao país naquele período
e que cativara significativa faixa da elite jovem da zona sul do Rio de Janeiro.
Segundo Castro (1990, p. 99), por volta da segunda metade dos anos de 1950,
“os long-playings (as pessoas ainda não se sentiam com intimidade para chamá-
los de LPs), mesmo os pequenos, de dez polegadas, eram artigos de tal luxo no
Brasil que só se gravava neles música de retorno certo”. O luxo incluía também o
acesso difícil, portanto, a maioria dos consumidores do jazz era composta por
jovens bem nascidos, que inclusive fundaram os primeiros fã-clubes como o
Sinatra/Farney, ponto de encontro para apreciar o jazz produzido por esses dois
ídolos.
Nesse período era generalizado no meio musical brasileiro o gosto pelo
bolero, pelo tango e pelo samba-canção. Naves (2001) explica que predominava
o tom operístico nas interpretações dessas modalidades musicais. Numa época
escassa em tecnologia sonora, na qual o rádio era o mais importante meio de
comunicação, não seria de fato incomum que cantores de vozes potentes fossem
mais valorizados. Assim, os gêneros musicais nos quais predominava como
característica a voz sobrepondo os demais instrumentos se faziam presentes no
cotidiano. Segundo Naves (2001, p. 11):
Os gêneros musicais então em voga sofriam bastante a influência do tango, do bolero e das baladas norte-americanas e européias, resultando numa proliferação de estilos, desde o pastiche de canções estrangeiras (ou a versão das canções para o português) a um desenvolvimento criativo dessas influências na sua juntura com o samba.
Foi nesse ambiente que, aos poucos, as experimentações envolvendo
samba, bolero e jazz foram dando forma a uma nova batida, a uma complexidade
harmônica e melódica e a um novo modo de interpretar. Essas experiências
culminaram na bossa. O comportamento musical ao qual Tom Jobim e Newton
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Mendonça se referem na letra de “Desafinado”, cantada por João Gilberto inclui,
além de uma nova estrutura harmônica e rítmica que envolve movimentações
provenientes do jazz e do samba, presentes na batida do violão, uma relação
solitária e solidária entre voz e instrumento em que um e outro interagem,
dialogam em vez de a voz suplantar o instrumento. Essa postura, aliada ao
ambiente intimista dos saraus da classe média alta fez nascer o estilo bossa
nova, do banquinho e violão e do cantar macio, baixinho e quase falado.
Conforme Medaglia (2003, p. 78), “música voltada para o detalhe, e para
uma elaboração mais refinada com base numa temática extraída do próprio
cotidiano: do humor, das aspirações espirituais e dos problemas da faixa social
onde ela tem origem”. Outro dado significativo é que a bossa nova é, sobretudo,
engenharia musical. Assim, a prevalência da música sobre a letra, num primeiro
momento, é inquestionável. Para isso basta lembrar o minimalismo de letras de
João Gilberto como “Ho-bá-lá-lá-lá” ou “Bim bom” que começa com a sequência
repetitiva “bim bom” seguida da pequena estrofe explicativa: “É só isso o meu
baião/ E não tem mais nada não. O meu coração pediu assim, só”... A esse
respeito, Castro (1990, p. 137-138), comentando o impacto do primeiro encontro
de Roberto Menescal com João Gilberto, diz:
A voz de João Gilberto era um instrumento – mais exatamente, um trombone – de altíssima precisão, e ele fazia cada sílaba cair sobre cada acorde como se as duas coisas tivessem nascido juntas. O que era espantoso, porque o homem cantava num andamento e tocava em outro. Na realidade, não parecia cantar – dizia as palavras baixinho (...)
Tanto nessas canções como em “Desafinado” o que prevalece é a técnica
musical. De acordo com Tinhorão (1998, p.310), a percussão popular com a
intuição rítmica e seu natural gosto para a improvisação foi substituída “por um
esquema cerebral: o da multiplicação das síncopes, acompanhada da
descontinuidade do acento rítmico da melodia e do acompanhamento”.
Assim, a bossa foi-se impondo, principalmente nos meios mais elitizados,
como o novo estilo de música brasileira, muito embora a sua origem pequeno-
burguesa fosse alvo de crítica e reprovação por parte dos setores mais
nacionalistas ligados à esquerda. Ao contarmos como meios pequeno-burgueses
os meios artísticos, jornalísticos e universitários, que naquele momento estavam
quase completamente tomados pela mentalidade de esquerda, podemos
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compreender o passo que essa nova música brasileira iria dar para se transformar
em “Música Popular Brasileira”, ou melhor, MPB, que, como vamos notar, tem
mais de político do que de popular.
A conjuntura de crise que se instaurou no Brasil com a renúncia de Jânio
Quadros seguida da chegada de João Goulart (1961 a 1964) ao posto maior da
República fortaleceu, por um lado, as expectativas dos setores nacionalistas de
esquerda, já que Jango mantinha a diálogo com esses canais políticos; por outro
mobilizou setores conservadores da sociedade, sobretudo os militares, que
assistiam às movimentações da guerra fria e manifestavam franca resistência à
expansão do comunismo no mundo.
A proximidade do governo João Goulart (Jango) com os setores de
esquerda era vista com reprovação pela nata conservadora do País uma vez que
poderia significar uma ameaça às elites estabelecidas, conforme houvera
acontecido em Cuba com a revolução poucos anos antes. Temia-se que Jango
mobilizasse os setores populares em favor de reformas profundas no País.
Se, por um lado, o Brasil estava em plena integração ao mundo
industrializado, por outro vivia forte crise econômica, política e institucional,
ocasionada por uma recente tentativa de golpe, a fim de impedir a posse de João
Goulart, que culminou na imposição, por forças conservadoras internas ao
Congresso Nacional, do regime parlamentarista. A esse respeito observa Toledo
(1983, p. 19):
Os congressistas julgavam-se vitoriosos, pois afirmavam ter evitado uma ‘guerra civil’ no país. Na verdade, o Congresso, através de sua maioria conservadora e liberal-democrata – com o incentivo dos militares dissidentes e com a anuência dos golpistas -, adiantou-se em oferecer tal solução, pois o avanço das forças populares passava a se constituir numa ameaça política indesejável.
Na verdade, no período de governo de Jango (de 1961 a 1964), os
movimentos sociais e políticos alcançaram uma capacidade de mobilização
jamais vista. A integração desses movimentos e o intenso diálogo com o meio
estudantil, artístico e intelectual garantiram uma hegemonia na ação inesperada
na história. Por trás da organização e do incentivo desses movimentos
naturalmente estavam as diversas tendências de esquerda que disputavam
espaço dentro e fora do PCB. Segundo Toledo (1983, p. 42):
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deve-se ressaltar que os tempos de Goulart constituíram-se em anos “extremamente férteis” na medida em que neles se processaram intensos debates sobre os rumos e direções que deveriam ser trilhados pela economia e sociedade brasileiras. Como observou um economista: “ao contrário dos anos anteriores, em que reduzidas minorias controlavam a formulação política, nestes anos novos agrupamentos passaram a fazer ouvir sua voz no processo de decisão social. A política econômica não foi indiferente a este contexto social mais complexo”
O Brasil parecia nitidamente dividido em dois campos. De um lado, os
liberais conservadores, os grandes proprietários, industriais, militares e o clero
se movimentavam com a finalidade de desestabilizar o já tumultuado governo
Jango; de outro, os movimentos de trabalhadores do campo liderados pela
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelos sindicatos, o
movimento estudantil, com os CPCs e os intelectuais ligados às correntes
comunistas pressionavam por reformas profundas no campo, na educação e na
economia. Desses dois campos, o que não tinha ramificações no poder
institucional, não tinha poder de decisão, se fez poder de mobilização e, assim,
ainda com Toledo (1983, p.9):
nos seus dois anos e meio de vigência (setembro de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-social emergiu no país. Este novo quadro caracterizou por uma intensa crise econômico-financeira, freqüentes crises político-institucionais, extensa mobilização política das classes populares, ampliação e fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo, crise do sistema partidário e acirramento da luta ideológica de classes.
Esse acirramento ideológico fortaleceu a polarização direita e esquerda,
sendo que essas células da esquerda propagam-se no seio da classe média e da
pequena burguesia que domina o meio acadêmico, estudantil e cultural brasileiro,
incluindo-se aí a imprensa. É por meio dessa influência, que se traduz em
orientações nitidamente ideológicas despachadas, na maioria das vezes, de
dentro das células do Partido Comunista, que acontece a reorientação da
produção de música brasileira, dessa vez desbancando as características
burguesas da bossa nova para inserir-lhe o dado nacionalista e o cunho
sociológico, político e de denúncia que veremos aparecer com força no período
pós-golpe.
Já em 1965, a bossa que era fina, burguesa, praiana, passou a Fino da
Bossa, nome que recebeu o programa musical apresentado por Elis Regina e Jair
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Rodrigues, a partir daquele ano. No Fino da Bossa, que teve como laboratório os
shows de Elis, dirigidos pelo coreógrafo norte americano Lennie Dale, no famoso
“Beco das Garrafas” de Copacabana, lugar da boemia fina e intelectualizada, em
lugar do intimista banquinho e violão, presenciavam-se as performances teatrais
de Elis Regina e os metais do Tamba Trio; em lugar do barquinho, da garota da
praia, da flor e do amor; a exaltação ao morro e ao trabalhador. “Arrastão”, com
Elis Regina (RIBEIRO, 2003, p.246), por exemplo, havia ganhado o primeiro lugar
do festival de Música da TV Excelsior, em 1965.
“Arrastão” fala do mar, mas não do mar contemplado pela janela do
apartamento da elite da Zona Sul Carioca, não do mar de Tom Jobim ou da pesca
esportiva de Roberto Menescal (um dos líderes da Bossa Nova). Fala do mar do
pescador, do povo, do mar da cultura popular, onde se encontram Iemanjá e o
pão de cada dia. Fala do mar como o lugar onde se vai trabalhar. De acordo com
Severiano e Mello (1998, p.83), “Arrastão” funcionou como uma espécie de divisor
de águas entre a bossa nova e um tipo de música inicialmente chamada de
‘música popular moderna’, ou MPM. Esta sigla depois seria impropriamente
trocada por MPB”...
A bossa, tomada pela política, vira-se, desse modo, para o povo e se abre
para uma inquieta transformação. Nesse período Carlos Lyra era também um de
seus representantes, vindo da militância nos CPCs da UNE, e é assim que ele
descreve essa mudança (in BARCELLOS, 1994, p. 97):
Reconheço que a Bossa Nova, por exemplo, nunca mais foi a mesma depois do CPC. Antes ela era a Bossa Nova do amor, do sorriso e da flor. Depois passou a criticar a influência do jazz e também a fazer uma análise das coisas que estavam influenciando a cultura brasileira naquele momento. Vem o tempo do ‘morro não tem vez’... Até o Tom Jobim, que era de direita, começou a mudar pela mão do Vinícius.
Várias frentes foram se organizando com o objetivo de propagar uma nova
visão do Brasil e fazer o País caminhar para uma revolução. Essa era a intenção
subjacente a todo o trabalho político generalizado nas mais diversas áreas.
Reforçando essa ideia, Kucinski (1991, p.21), se referindo à atividade artística e
jornalística ligada à imprensa, assim retrata o momento:
Um período em que as manifestações da intelectualidade brasileira, embora fragmentárias e heterogêneas em suas formas, teriam atingido um estágio superior de densidade, e um traço homogeneizador,
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unitário... (...) Trata-se de uma época de clara hegemonia do Partido Comunista nos campos das artes, da cultura e do jornalismo. Sônia Virgínia entende que havia um paradigma dominante, a ponto de se constituir em uma ‘cultura oficial de esquerda, embebida numa sociologia racionalista e nas visões clássicas das esquerdas.
Assim, notadamente tomada pela ação das esquerdas, a música brasileira
passa a refletir com toda força um universo social que abrange a cultura popular,
as lutas sociais, a exclusão, a pobreza e, sobretudo, o protesto e a crítica ao
sistema instaurado que, nesse caso, entra como o responsável pelas mazelas e
todo o atraso do País. Dessa forma, vamos ver alguns modos de dizer e algumas
temáticas se repetirem na MPB do período. Esses modos e temas configuram
formações imaginárias que juntas ecoam naquela unidade a que fez alusão
Kucisnski na referência acima.
A ênfase dada ao conteúdo sociológico e à elaboração das letras é uma
característica forte da MPB. Muito embora se tivesse já no início da bossa um
letrista poeta com a tarimba de Vinícius de Morais, como vimos, a preocupação
maior era com a partitura.
A situação de crise político-social faz o movimento político de esquerda e
de resistência se espalhar sob várias formas de expressão artística. Algo que
intelectuais comunistas ligados à militância, como Gullar (1978, p.21-22) não
deixam escapar nos seus balanços a respeito da luta pós golpe:
O golpe militar de abril de 1964 deteve, ao mesmo tempo, aquela ascensão popular e a experiência artística dos CPCS. Mas, enquanto o novo regime procurou deliberadamente “despolitizar” o País (liquidando as lideranças políticas, os partidos e pondo o Congresso sob controle), o teatro, o cinema, a música popular, a poesia e mesmo a pintura assumiram o papel de “repolitizá-lo” e já agora em termos muito mais amplos – como participação de autores – do que antes. O caminho aberto pelos CPCS foi interrompido, mas os seus integrantes, obrigados a retornar à produção de arte para o público comercial, trouxeram consigo uma rica experiência que veio incentivar (e incorporar-se) as manifestações artísticas posteriores a 1964. O interesse pelos problemas políticos, a temática popular, a incorporação da música do morro e do sertão aos espetáculos teatrais, o cinema social e político de hoje têm uma de suas fontes nos movimentos de cultura popular, não apenas pelo efeito das obras, como também pela agitação das idéias que formaram cultural e politicamente os autores novos.
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Dos modos e temáticas a que nos referimos podemos levantar alguns que,
pela força e persistência com que aparecem nas letras6, configuram uma
determinação ideológica e especificamente podemos tratá-los como elementos
que apontarão o caminho discursivo da MPB. Entre esses elementos, estão
predominantemente a preocupação com questões políticas e sociais. O quadro
abaixo lista os temas que poderíamos destacar como mais comuns na produção
da música popular do período:
TEMÁTICAS DA MPB
Andar a pé como apelo à mudança e o protesto político
Trabalhador das camadas populares
Cotidiano do mundo industrializado
Quadro demonstrativo 2
3.1 ANDAR A PÉ COMO APELO À MUDANÇA E O PROTESTO POLÍTICO
Tomando o primeiro tema do quadro acima, se levarmos em conta as
condições de produção, a temática “andar a pé” nos conduz a dois efeitos de
sentido básicos. Os viezes explicativos para a presença constante do “andar à pé”
em muitas letras da MPB encontram na ideologia de esquerda suas razões. Não
fogem da ordem interdiscursiva. O interdiscurso, segundo Orlandi (1999, p. 34) “
é da ordem do saber discursivo, memória afetada pelo esquecimento”. Ainda
conforme essa autora “ao falarmos nos filiamos a redes de sentidos mas não
aprendemos como fazê-lo, ficando ao sabor da ideologia e do inconsciente”.
Já sabemos que no recorte temporal e histórico em que foram produzidas
as letras havia a orientação para a valorização da cultura popular e nordestina,
sobretudo a cultura do campo. O ideal da esquerda era unir as forças sociais do
campo às urbanas num só movimento de tomada do País. Inspirada em revoltas
populares, em revoluções como a cubana em que o deslocamento se concretizara
da maneira mais primária: andando a pé. Esse gesto foi-se incorporando ao
imaginário da esquerda como símbolo de liberdade e de libertação.
6As letras utilizadas neste capítulo foram colhidas em:<http://letras.terra.com.br>,
<http://cifrantiga.blogspot.com> e conferidas no livro A canção no tempo, de Jairo Severiano e Zuza
Homem de Mello, bem como nas letras reunidas em livros como Todas as letras, presentes nas referências
bibliográficas desta pesquisa.
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Assim, o “andar a pé”, da esquerda brasileira é também o do retirante
nordestino, do camponês, do excluído, do militante revolucionário. Mas o outro
lado do “andar a pé” refere-se a uma negação dos valores capitalistas presentes
no Brasil, na forma de certo culto ao automóvel e dirige-se principalmente às
passeatas operárias e estudantis que começavam a se tornar marca do cotidiano
naquele momento histórico. Enfim, o “andar a pé” reflete rejeição ao sistema
vigente e no final da década de 1960 esse gesto se consagraria no mundo inteiro
por meio da andarilha cultura hippie, aliás, movimento que num sentido mais
amplo ficou conhecido como contracultura.
Entre as muitas composições que fazem referência ao “andar a pé”,
gostariamos de destacar neste trabalho as letras de “Alegria, alegria” (1967), de
Caetano Veloso; “Pra não dizer que não falei das flores” (1968), de Geraldo
Vandré; Terra de ninguém (1965), de Marcos Vale e Paulo Sérgio Vale;
“Andança”(1968), de Danilo Caymi; “Travessia” (1967), de Milton Nascimento e
Fernando Brant e “Vou caminhando(1965), de Geraldo Vandré”.
Pelos traços discursivos que destacamos, o “andar a pé” entrelaça-se na
maioria das vezes a elementos de protesto e denúncia social, ora explicitamente
declarados como nas letras “Pra não dizer que não falei das flores”, ou “Terra de
ninguém”, ora de modo mais sutil como em “Andança” e “Travessia”. O que
podemos destacar é que “caminhar” na maioria dessas canções é um gesto de
busca de mudanças, é uma ruptura com insatisfações do presente. E essas
mudanças só chegarão com a ação. Não adiantando apenas esperar ou reclamar.
A espera tem sentido negativo.
Em “Pra não dizer que não falei das flores”, talvez a mais clássica dessas
letras, podemos destacar algumas marcas que nos encaminham tanto para a
confirmação desses argumentos quanto para certificar a filiação às ideias de
esquerda já apontadas acima. Nessa letra, de entrada, temos um título irônico.
Quem falava de flores? A quem se refere falar de flores? Ora, se entendemos
que a MPB é resultado de uma linha evolutiva da música brasileira que começou
com a bossa nova e sendo Geraldo Vandré integrante da linha mais radical da
MPB, a linha doutrinadora da esquerda, orientada pelos preceitos do CPC e que
se desenvolveu renegando o passado burguês da bossa nova, fica fácil entender
a ironia.
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Na verdade, o título traz como interdiscurso o primeiro racha que houve na
bossa nova (CASTRO,1990, p.263-264), entre Carlos Lira, ligado aos comunistas,
e Ronaldo Boscoli, mais alinhado com a origem da bossa. Esse racha, ocorrido
em 1960, ficou explícito na ocasião em que Boscoli organizara um show de bossa
nova na Faculdade Nacional de Arquitetura e Lira rivalizou com outro na PUC. O
evento de Boscoli, que contou com artistas não engajados politicamente como
João Gilberto e outros tradicionais da bossa, chamou-se: “A noite do amor, do
sorriso e a flor”. Dessa forma o título da canção de Vandré traz a memória dessa
ruptura. Algo como se ele, na posição de sujeito, estivesse querendo dizer muitos
anos depois que fala de flores, mas de forma não burguesa. Para não perdermos
de vista essa relação com a esquerda temos as seguintes marcas discursivas:
“Somos todos iguais”, “nas escolas, nas ruas, campos, construções”, “quem sabe
faz a hora, não espera acontecer”, “pelos campos há fome em grandes
plantações”.
Como dissemos, “caminhar” se configura como um ato de não
acomodação com a vida. Os chamados da música evocam o estudante, o
camponês e o operário. São esses os segmentos sociais que interessam para a
revolução. Os estudantes como força nova, como depositários da esperança
fazem emergir o velho bordão de esquerda: “O futuro do socialismo repousa nos
ombros da jovem guarda, porque a velha está ultrapassada". Frase de um
discurso de Lênin, atribuída a Engels, conforme Araújo (2006, p. 163) a qual
alguns autores atribuem ironicamente a origem do nome do programa Jovem
Guarda.
O operário (na referência “construções”) e o camponês (na referência
“pelos campos”) dão o sentido clássico de classes oprimidas e exploradas
constantes nas liturgias de esquerda. Esses segmentos é que devem se
movimentar para alcançar a “igualdade” que, sob a orientação da ideologia de
esquerda, significa socialismo e comunismo. Nesses regimes, conforme a
esquerda “somos todos iguais, braços dados ou não”, portanto, “Quem sabe faz a
hora, não espera acontecer”. Esperar passa a ser um gesto de inconsciência. O
sentido do verbo “saber” desliza, pela interferência do sujeito enunciador, para o
sentido de consciência de classe. Quem tem consciência não aceita a imobilidade
diante da realidade social. Imobilidade, acomodação seriam sinais de alienação. E
a realidade seria o que apontam outros versos da letra: “pelos campos há fome
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em grandes plantações”. A realidade é de injustiças. O efeito de sentido desse
verso vai além do paradoxo entre “fome” e “grandes plantações”. Outro efeito com
força ideológica mais bem definida é o de denúncia à propriedade privada. Só
pode haver fome em grandes plantações se as plantações forem privadas, se a
terra não for acessível a todos os camponeses. Eis que um efeito traz outro e
chegamos ao sentido de reforma agrária, bandeira clássica da esquerda.
Além de injustiça, percebemos que há o sentido de repressão presente nos
versos “Há soldados armados”, “quase todos perdidos de armas na mão”. O
estado de injustiças contra o qual o “andar a pé” vai simbolizar ruptura é protegido
por um aparelho de repressão. E a repressão é equivocada e seus agentes
alienados, “perdidos”.
Os versos de “Terra de ninguém” também falam de um caminhar, mas,
nesse caso, de uma “marcha triste” de um “caminho aflito”. É a MPB tornando
político o tema do retirante nordestino. Nessa letra, o retirante é escorraçado da
terra não pela seca, mas pela pobreza e pelas injustiças. As marcas discursivas
não deixam dúvidas: “E a injustiça que só lhe foi feita/ desde que nasceu”, “Tudo
é só pobreza”, “Onde a terra é boa / O senhor é dono/ Não deixa passar”, “Pra
voltar um dia/ E criar coragem/ Pra poder lutar/ Pelo que é seu”. A estrofe final se
inicia com um “Mas ...”, continua com “O dia vai chegar” e arremata com “Quem
trabalha é que tem/ Direito de viver/ Pois a terra é de ninguém”.
Mais uma vez o problema da propriedade privada da terra vem à tona
como elemento desencadeador da pobreza, da exclusão, restando ao camponês
“Lutar pelo que é seu”. No caso, a terra é de ninguém porque é de todos. Na
verdade, os problemas do latifúndio vinham sendo discutidos desde 1961 e a
reforma agrária já era uma das bandeiras da esquerda. Segundo Pugialli (1999, p.
82), no final de 1961, “foi realizado o Primeiro Congresso Nacional de Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte. Os 1600 congressistas lançaram
uma declaração onde firmaram as bases para a reforma agrária no país”.
Na letra de “Travessia”, temos os significantes versos “Solto a voz nas
estradas, já não quero parar/Meu caminho é de pedras, como posso sonhar” e “Já
não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver”. Nesse caso o caminho de
pedras, no sentido de realidade cheia de dificuldades que impedem os sonhos é
afrontado pela ação que transforma o sonho em realidade “já não sonho, hoje
faço”, enfatizando a ideia de luta contra a situação.
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Principalmente em letras de 1967 e 1968, momento em que o regime
militar e a esquerda engrossam a violência mútua, quando aparecem os focos de
guerrilha urbana e a repressão se torna mais intensa, vão aparecer
constantemente expressões como guerra, morte, sangue, bomba, luta, arma,
nessas canções que falam de andar, caminhar etc. Em “Andanças”, por
exemplo, podemos destacar: “já me fiz na guerra”, “não faço tréguas”. Assim,
vamos vendo os elementos constitutivos da mentalidade de esquerda se
transformando em expressão na MPB.
Por último, gostaríamos de nos reportar à letra da música “Alegria, alegria”
para refletir, sobretudo, a respeito do que gostaríamos de chamar de
descontinuidade. Entendemos por descontinuidade a interrupção de um ciclo
contínuo por elementos internos a ele, afetados por elementos de outra ordem
ideológica. Como se a ordem do discurso da esquerda materializado nessas
letras sofresse um desvio provocado por alguma mudança de compreensão.
O trabalho dos tropicalistas, até então, mantinha a linearidade
comportamental e expressiva naturalizada dentro da formação ideológica da
esquerda. Ainda em 1967, Gilberto Gil, que fez parte de uma frente da música
popular contra o iê-iê-iê, junto com outros cantores de MPB, participou de uma
passeata contra as guitarras elétricas. Era uma espécie de frente única pela
música brasileira que parecia estar em sintonia com a frente ampla contra a
ditadura, criada por políticos contrários ao regime no mesmo ano. Nesse
ambiente hostil aparece “Alegria, alegria” que trata do andar a pé, mas que,
exercitando um olhar influenciado pela música de Roberto Carlos, já não aponta
diretamente o andar como uma ruptura com o sistema, com a situação. Embora
as referências à esquerda persistam, o enunciador da letra parece perdido, sem
rumo e em crise com respeitos às utopias pregadas por essa ideologia. Algumas
marcas apontam essa possibilidade de sentido: “caminhando contra o vento, sem
lenço e sem documento”, “O sol se reparte em crimes/Espaçonaves,
guerrilhas/Em cardinales bonitas”. “Em dentes, pernas, bandeiras/ Bombas,
Brigitte Bardot”, “O sol nas bancas de revista/ me enche de alegria e preguiça”
“Sem livros e sem fuzil” “O sol é tão bonito”, “Eu quero seguir vivendo”.
Em vez de um militante, vê-se um expectador do mundo na sua
pluralidade. O mundo tomado pela informação, pela multiplicidade de fatos e
eventos: guerrilhas, atrizes de cinema, bombas, eleições. Esse é o expectador
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que aturdido segue “sem livro e sem fuzil”, como que tomado por certo cansaço
da cultura letrada e das opções da esquerda, mas apegado à ideia de liberdade
como algo fundamental. Alguém que, em meio às mortes provocadas pelo embate
entre esquerda e ditadura, escolhe apenas viver.
As referências a esse ambiente não faltam. Os versos “O sol nas bancas
de revista/ Me enche de alegria e preguiça” explicam bem a descontinuidade a
que nos referimos. O Sol foi um jornal de esquerda que circulou de 1967 a 1968,
dos poucos que nesse período ainda se podia encontrar nas bancas. Segundo
Kucinski (1991, p. 34) “O Sol alcançou grande impacto no meio jornalístico,
especialmente pela audácia de sua diagramação, ora concretista, ora psicodélica,
ora pela sua linha editorial”. O que muitos não sabiam, ainda com Kucinski, é que
O Sol fazia parte de um programa da corrente comunista chamada Movimento
Nacionalista Revolucionário (MNR), e constituía um projeto político para atrair
jovens e organizar uma nova guerrilha. Diante desses dados interdiscursivos
podemos extrair um efeito de sentido que indica a descontinuidade. O termo
“alegria” poderia ganhar o significado de satisfação por ainda haver um pouco de
liberdade, representada na presença do jornal comunista nas bancas, em meio à
censura excessiva daqueles anos. Isso justifica de certo modo a expressão “o sol
é tão bonito”. E o termo “preguiça” poderia indicar certa indisposição para tolerar o
radicalismo das linhas mais conservadoras do comunismo. O próprio Caetano,
fazendo uma reflexão crítica sobre esse período, aponta os traços de caráter
pessoal que nos servem como sinal dessa ruptura:
Claro que as idéias gerais a respeito da necessidade de justiça social me interessavam e eu sentia o entusiasmo de pertencer a uma geração que parecia ter diante de si a oportunidade de mudar profundamente a ordem das coisas. Mas a expressão "ditadura do proletariado" soava mal aos meus ouvidos. Quando descreviam minha reação como um "desvio pequeno burguês", creio que eles estavam, em certa medida, com razão. Não era apenas a palavra ditadura que eu rejeitava; proletariado não me parecia propriamente estimulante: eu via a pobreza miseravelmente desorganizada à minha volta, e o "proletariado" dos artigos e dos discursos parecia formado por operários de capacete. (VELOSO, 1997, p. 115)
Os olhos de Veloso alcançaram algo além do fechamento imaginário que a
esquerda nacionalista havia imposto à atividade artística. Naquele momento
nenhum sentido poderia resvalar para fora do campo de determinações
ideológicas demarcado pela esquerda para a música brasileira. O papel de
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aparelho de propaganda das causas comunistas era o ideal. Assim, “Alegria,
alegria” (esse título, na verdade, era um bordão usado pelo Chacrinha7 na época)
materializou uma interrupção no eixo ideológico da MPB. Primeiro, o personagem
da letra da canção não tem nenhum objetivo a mais do que “seguir vivendo”,
mesmo que perdido entre as cenas do cotidiano do mundo urbano. Além da
descontinuidade do viés político da ordem temática, Veloso cometeu a maior das
heresias que foi preparar o arranjo da canção com as guitarras elétricas do grupo
de iê-iê-iê Beat Boys e que, como se não bastasse, eram estrangeiros. De um
golpe só feriu a xenofobia da esquerda e seu horror purista às guitarras.
Em nosso entender, essa descontinuidade operada por Caetano Veloso no
discurso da esquerda representou a síntese entre o nacional e o mundial, que de
certo modo principiou a demolição da cisão artificial entre a hegemonia cultural da
esquerda e a hegemonia social e econômica do capitalismo. O gesto de Caetano
Veloso, reforçado em seguida por Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé e Gal
Costa, entre outros, redundou no surgimento do movimento chamado “Tropicália”.
Daí a frente, a Jovem Guarda ganhou aliados e os tropicalistas, em
consequência, passaram a ser alvo dos insultos da esquerda, até porque não é
impossível ver o personagem de “Alegria, alegria” na letra de estrondoso sucesso
de Roberto Carlos “Quero que vá tudo pro inferno”: “onde quer que eu ande/ tudo
é tão triste/ não me interessa/ o que de mais existe”. Segundo Augusto de
Campos (1996), essa música de Roberto “deu voz a um estado de espírito geral
na atualidade brasileira”.
O “protesto político” materializa sentidos em circulação no contexto social
que dizem respeito principalmente ao acirramento entre as ações do Estado
militar e dos movimentos de resistência ao regime instaurado. Selecionamos a
título de exemplo as letras: “Soy loco por ti América”(1967), de Carlos Capinam;
“Viola enluarada” (1968), de Marcos Vale e Paulo Sérgio Vale; “Enquanto seu
lobo não vem”(1968), de Caetano Veloso; “Roda viva” (1967), de Chico Buarque;
“Divino maravilhoso”(1968), de Caetano Veloso; “Opinião” (1964), de Zé Kéti, e
“Carcará” (1965), de João do Vale.
Algumas das ações dos movimentos de esquerda em resistência ao regime
autoritário foram inspiradas na revolução cubana ocorrida em 1959 e nos recentes
7 Abelardo Barbosa, radialista e comunicador pernambucano que apresentou vários programas de televisão nos
anos de 1960, entre eles, o programa Discoteca do Chacrinha, na TV Globo, em 1967.
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focos guerrilheiros promovidos na Bolívia por Che Guevara. Muitas dessas letras
então fazem referência à luta armada como forma de enfrentamento, como é o
caso de “Soy loco por ti América”, que evoca Cuba e a revolução cubana.
Primeiro, repetindo o nome “Marti“ duas vezes, que no do conjunto de traços
discursivos podemos entender como uma possível alusão a José Marti,
revolucionário inspirador dos líderes da revolta cubana que terminou com a
chegada do grupo de guerrilheiros ao poder.
Em seguida, podemos destacar uma poética referência à bandeira cubana,
cujas cores dominantes são o branco e o azul: “tenga como colores la espuma
blanca de Latinoamérica y el cielo como bandeira”. Quem seria essa “mujer
playera” com nome de Marti e que ostenta a bandeira azul e branca de Cuba se
não a própria revolução que chegou em Cuba pela praia, a bordo do Granma8 ?
Vale apontar o interdiscurso com outra revolução, a revolução francesa,
muitas vezes ilustrada com o quadro de E. Delacroix, “A liberdade guia o povo”,
pintado em 1830, onde aparece à frente da batalha uma mulher com os seios a
mostra enpunnhando a bandeira da França em uma mão e um fuzil com baioneta
na outra, como que disposta para a luta corporal, na verdade, simbolizando um
levante popular contra a suspensão de direitos democráticos em 1830 na França
e que culminou na deposição do rei Carlos X.
A letra ainda faz referência a Chê Guevara, líder guerrilheiro que queria
espalhar a revolução cubana pela América Latina, capturado e morto na Bolívia
numa operação patrocinada pelos EUA, poucos dias antes da produção da
referida letra, em 1967: “El nombre del hombre muerto/ ya no se puede decirlo,
quien sabe”. No Brasil, a censura imposta pelo regime militar é criticada. O nome
de Chê não poderia ser citado (nem o de Cuba, no “desse país sem nome” da
letra), mas a expressão ambígua “quien sabe” soa mesmo como uma pergunta
retórica, cuja resposta todos que viviam no ambiente inquieto daqueles anos já
sabiam.
A letra segue com uma incitação à luta revolucionária com “Espero a
manhã que cante, el nome del hombre muerto” e isso antes que a violência
8 Embarcação utilizada por Fidel Castro e seus guerrilheiros para chegar a Cuba e iniciar a luta
revolucionária.
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estabelecida com o Ato Institucional número cinco, conhecido por AI-59, em 1968,
tornasse tudo impossível. Os versos são antecipatórios e um alerta contra as
ditaduras (no caso a “definitiva noite”) que estavam se espalhando pela
américa: “El nombre del hombre muerto antes que a definitiva noite se espalhe
em Latinamérica/ El nombre del hombre es pueblo”.
Em “Viola enluarada”, a revolta contra a supressão das liberdades
democráticas também se materializa como incitação à luta armada: “a mão que
toca o violão se for preciso faz a guerra”. Assim, tanto o artista quanto o povo
podem se levantar contra o regime, mesmo que esse levante exija o uso de
armas: “O mesmo pé que dança um samba se preciso vai à luta”. Essa luta, ao
que tudo indica, é pela liberdade, que se repete como um refrão no final da
música.
Naquele momento, a paz oferecida pelo regime era paz passageira
(como denuncia a letra), porquanto sem liberdade, de modo que o certo seria
defendê-la em sua plenitude. Quem sabe disso “se levanta e grita: eu vou”!
Segundo Severiano e Mello (1999, p.134), “Ao contrário de outras músicas de
protesto, em que o êxito se baseia tão somente na força da letra, ‘Viola enluarada’
possui, além dos belos versos libertários, uma rica melodia, que a classifica entre
as grandes canções brasileiras do século”. No caso, do século vinte.
Sabemos que a esquerda buscou no campo, nas favelas e na juventude
seus referentes para a revolução. Em 1964 (Veloso, 1997) estreou em São Paulo
o espetáculo teatral “Opinião”. O espetáculo que mesclava música, leitura de
estatísticas sobre as desigualdades sociais brasileiras e textos políticos tinha
como protagonistas justamente os três referentes da esquerda. Atuavam no palco
Zé Kéti, compositor urbano, negro morador da favela, Nara Leão, jovem da alta
classe média, e João do Vale, camponês pobre e retirante nordestino.
As músicas “Opinião”, de temática urbana e “Carcará”, de temática
nordestina compunham os pontos altos do espetáculo. A música “Opinião” traz
para o debate o pobre favelado, que em vez de assistido pelo Estado, deste sofre
opressão. A letra realista é uma espécie de estética da miséria urbana e da
rebelião do pobre sem lugar na sociedade, contra os poderes vigentes. Na
verdade, a letra foi produzida, como crítica à situação de abandono nos morros
9 Ato institucional que deu plenos poderes aos militares, fechou o Congresso e estabeleceu a
censura definitiva no país.
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cariocas, num momento em que o Governador da Guanabara vinha efetuando a
retirada dos moraderes dos morros por meio de ações violentas da polícia. Prega
uma espécie de insubordinação às determinações do Estado.
As marcas discursivas a seguir, certamente ganham outro sentido em
1965, quando a esquerda passa a reagir de modo mais consistente contra o
regime militar: “Podem me prender, podem me bater”,“Que eu não mudo de
opinião”. “Daqui do morro eu não saio não”, “Se não tem àgua, eu furo um poço”,
“Se não tem carne, eu compro um osso e ponho na sopa”, “E deixo andar, deixo
andar”.
Os verbos “prender” e “bater”, com destaques nossos, seguidos do verso
“que eu não mudo de opinião” sofrem uma ação interdiscursiva quando
enunciados dentro de um espetáculo organizado pela esquerda em um momento
de plena tensão das forças do regime. O simples deslocamento dessa música
para dentro do espetáculo “Opinião” transforma, pela ação da memória, pela ação
dos sujeitos ali presentes, “prender” e “bater” em ações exclusivas do regime
militar e a expressão “que eu não mudo de opinião”, manifestação de resistência
ao regime. Algo como: independente da violência do regime militar,
continuaremos na esquerda, continuaremos contra, não aceitaremos a
perseguição e a censura.
Da mesma forma, a violência de “Carcará”, retratando um bicho frio e
agressivo vai produzir efeitos de sentido parecidos: “carcará, pega, mata e come”.
Nesse caso, “Carcará” parece provocar um duplo efeito, já que a violência e
agressividade do animal, na letra, é motivada pela necessidade de sobrevivência.
Tanto possivel é para o regime pegar e matar quanto será para a esquerda, como
uma necessidade de sobrevivência, agir de forma semelhante. Mais uma vez
temos como efeito o chamado à guerrilha urbana ao estilo de Carlos Mariguela.
O outro viés de protesto um pouco mais rico em sutilezas, porque fruto da
síntese tropicalista, podemos encontrar na letra da canção “Enquanto seu lobo
não vem”. Tal letra, ao contrário das anteriores, traz como base para seu enredo a
simbologia do lobo. Busca na simbologia negativa do lobo e na memória do conto
“Chapeuzinho Vermelho” elementos para dar sentido a uma interpretação do real,
metaforizando-o. De início, podemos constatar o convite do locutor para um
passeio na floresta. Ora, sabemos pela versão dos Irmãos Grimm do conto
“Chapeuzinho Vermelho” que a menina ao se desviar do caminho da ordem e da
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obediência, mergulha na floresta e lá realiza sua vontade pessoal, sua apreciação
livre, fora do caminho estabelecido. Vejamos com os Irmãos Grimm (2007, on-
line): “Chapeuzinho então olhou a sua volta, e viu a luz do sol brilhando entre as
árvores, e viu como o chão estava coberto com lindas e coloridas flores”.
O que podemos perceber é que o efeito que o dizer do locutor da letra de
Caetano Veloso instaura, naquele momento do ano de 1968, afeta a posição de
prestígio dos personagens da história que se oferece como matriz para a letra.
Em “Enquanto seu lobo não vem” podemos concluir que a posição da menina
Chapeuzinho, quando viola a ordem e se desvia do caminho estabelecido, é a
que deve ser seguida. Em outras palavras, a letra de Caetano Veloso conclama o
povo à desobediência. Podemos destacar ainda como marcas que concorrem
para a construção dessa posição de rebeldia, preocupada com o coletivo, a
comum referência ao andar a pé, já discutida aqui, signo ideológico das grandes
passeatas e manifestações, bem como da cultura hippie, esta com tendência de
rejeição ao mundo capitalista e suas leis de consumo.
A presença da primeira pessoa do plural ao longo da letra aponta para o
privilégio do coletivo, mais condizente com o pensamento de esquerda, em
detrimento do individual. Aqui, o lobo aparece como o opositor que devora,
persegue e que limita a liberdade, de maneira que o enunciador convida um outro
a exercitar escondido o que desejam: “Vamos passear escondidos”. Muitas
marcas podem ser destacadas de modo a reforçar a ideia de que o lobo é o
regime militar que, em 1968, tornou-se mais agressivo, estabelecendo prisões,
tortura e censura.
As letras de Caetano Veloso, a partir do Tropicalismo, são antropofágicas.
Assim, convém evocar a influência de Oswald de Andrade com seu “Manifesto
Pau-Brasil” e com sua antropofagia. O projeto tropicalista de Caetano Veloso
transita, sem receio, do universal para o local num processo de deglutição
oswaldiano (NAVES, 2001, p.9). Ele se apropria de recortes e referências e os
monta dando-lhes parte das vezes um tom irônico. Muitas dessas letras, como a
que estamos analisando, comportam uma colagem de fatos e referências só
percebida por intermédio de denso conhecimento a respeito das relações políticas
e culturais estabelecidas na sociedade da época. Caetano Veloso dirige-se ao
público tocado pelas ideias de esquerda, ou pelo menos a um público refratário ao
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individualismo e à situação política em que se encontra o País no momento em
que enuncia. Na medida em que assim o faz, reforça um lugar ideológico.
Prestemos atenção, no final da primeira estrofe do texto: “Há uma
cordilheira sob o asfalto”, evocando a Sierra Maestra, de onde partiram os
guerrilheiros cubanos para fazer a revolução em Cuba. Essa revolução foi
celebrada pela esquerda como a prova de que era possível a revolução em toda a
América Latina.
Há também a referência recorrente à Avenida Presidente Vargas, no Rio de
Janeiro, avenida onde à época (e ainda hoje) se localizava o quartel militar,
símbolo do regime autoritário, para onde foram levados muitos presos políticos,
com o endurecimento da repressão: “Passa por debaixo da Avenida Presidente
Vargas”. Podemos perceber ainda o uso irônico da expressão “Estados Unidos
do Brasil”, crítica à subserviência do governo brasileiro aos planos dos Estados
Unidos para a América do Sul, sobretudo sua submissão à cultura americana,
viés constante na polarização que a esquerda sustentava entre a União Soviética
e os EUA. No Brasil dos militares que, sob o olhar da esquerda, era um país
americanizado, quem quisesse ter liberdade teria que praticá-la escondido.
A referência a bombas, bandeiras e botas, nos leva a pensar nas
passeatas, na mobilização social sendo reprimida pelas bombas de gás e pelo
pisoteio dos militares. Esses elementos trazem ainda como interdiscurso um
poema, da época, de Eduardo Alves da Costa, “No caminho com Maiakóvski”
(FEITOSA, 2007, on-line), que fala de repressores arrancando rosas, pisando
jardins e, por fim, agredindo as pessoas em suas casas, do qual reproduzimos um
fragmento significativo:
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
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Dando seguimento aos sentidos de protesto, a expressão “debaixo da
lama” remete ao congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 1968,
realizado no interior de São Paulo em um sítio, em Ibiúna, que foi cercado pelos
militares numa manhã chuvosa. Os estudantes, todos presos, foram conduzidos
em fila pela estrada lamacenta. Essa cena foi estampada em alguns jornais, como
a Folha de São Paulo da época. Zuenir Ventura (1988, p.252), assim se refere a
esse acontecimento:
A retirada dessa coluna de derrotados foi uma marcha em que se procurava espantar o desânimo assoviando o Hino Nacional. Eles formaram uma imensa fila que se arrastava na lama, vigiada a cada cinco metros por um soldado de revolver ou metralhadora em posição de tiro, como se o lamaçal não fosse por si só suficiente para impedir qualquer fuga. A custosa travessia daqueles oito quilômetros numa manhã chuvosa foi assim descrita.
Por fim, a letra de Caetano Veloso faz referência ao modo como muitos
esquerdistas foram capturados pelo regime militar, escondidos debaixo da cama.
Na letra, o autor recorre à repetição da expressão “Debaixo da cama” como
recurso estilístico que enfatiza a constância do ato. Numa operação
interdiscursiva, a insistência no uso de termos como “escondido”, “debaixo”, “sob”,
ressaltam o sentido de repressão, de proibição e a persistência na luta pela
liberdade. Vale acrescentar que na execução dessa música, entre um verso e
outro soam clarins da banda militar. Essa música, a propósito já de lavra
tropicalista, presente no disco manifesto “Tropicália ou panis et circences”,
demonstra que a Tropicália, mesmo ao provocar um movimento de
descontinuidade dentro da estética da esquerda não deixou, em sentido lato, de
compartilhar desse ideário.
3. 1.1 Trabalhador das camadas populares
Impregnadas de sociologia de esquerda, as letras de música passaram a
tratar do cotidiano do trabalhador dos extratos sociais mais populares. As letras
selecionadas, quando não trazem para a música o dia a dia do operário ou
componês, contam sobre trabalhadores populares, como pescadores, vendedores
ambulantes, feirantes ou pedreiros, muitas vezes assumindo um tom crítico de
denúncia, como se quisessem falar àqueles segmentos sociais sobre as
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possibilidades de mudança ou simplesmente alertá-los para sua condição social.
Entre muitos, esse é o caso das letras “Pedro pedreiro” (1965), de Chico Buarque;
“Arrastão” (1965), de Edu Lobo e Vinícius; “Barca grande” (1967), de Gilberto Gil;
“Menino das laranjas” (1964), de Téo de Barros; “Domingo no parque” (1967), de
Gilberto Gil.
Em “Pedro pedreiro”, Chico Buarque de Hollanda retrata a acomodação do
trabalhador que nunca se cansa de esperar, como se fosse alguém desprovido de
iniciativa própria e de ímpetos para realizar os desejos. Nessa luta, o trabalhador
parece apenas uma peça imutável da engrenagem social capitalista, que vai se
repetir ao longo das gerações, como atesta o verso: “Esperando um filho pra
esperar também”, e essa espera nunca se acaba. Como nos lembram Severiano
e Mello (1998, p.89), “a palavra ‘esperando’ é repetida 36 vezes” ao longo do
poema, reforçando uma espera por algo que nunca acontece.
Se já constatamos que o esperar tem caráter negativo, reflete alienação
nessas músicas, os versos seguintes confirmam: “Pedro pedreiro tá esperando a
morte/ Ou esperando o dia de voltar pro Norte”. Se Pedro pedreiro, como vemos,
um retirante, está esperando a morte, decerto nada vai mudar. Pedro remete a
pedra, matéria que, vulgarmente falando, resiste à alteração, não muda. Pedreiro
deriva de pedra. Pedro é apenas mais um dos milhares de brasileiros do povo
sujeito à ordem do capitalismo, sujeito à exploração, que, passivo, acomodado,
apenas espera o “aumento desde o ano passado para o mês que vem”, ou seja,
espera o que não pode ser mudado sem que ele mude. “Pedro pedreiro”
representa bem o tipo de letra de MPB voltada para a denúncia da situação do
homem alienado e explorado pelo sistema capitalista.
“Arrastão”, como já dissemos, retoma a temática do mar presente na bossa
nova para imprimir nesse ambiente o dia a dia do trabalhador, do pescador que,
sem patrão, vive do que busca no mar, de onde também tira as suas crenças e
sua religiosidade. A referência a Iemanjá reflete não apenas a valorização de uma
crença religiosa historicamente discriminada pelas elites como uma maneira de se
relacionar com o mundo, plasmada pelo povo. A tematização da cultura popular e
do modo de ser do povo simples faz parte de uma tentativa de imprimir na música
certa brasilidade em sintonia com o viés nacionalista da esquerda. Além disso,
“Arrastão” simboliza a grande virada que a MPB vai dar no conteúdo das letras da
bossa nova.
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Também se referindo ao universo marítimo, “Barca Grande” mostra o
esforço do barqueiro do Beberibe cuja namorada nasceu no mangue com o pai
pescador de caranguejo, para ocupar parte do tempo de lazer com a namorada,
que o trabalho lhe toma: “Minha flor nasceu no mangue/ Nunca pode passear”.
Como em “Domingo no parque”, o enfoque é no cotidiano do trabalhador de
camadas populares, que, em meio ao dia a dia de esforço para sobreviver,
encontra um tempo para amar.
No caso de “Domingo no parque” temos o feirante e o trabalhador de
construção que tiram o domingo para diversão e o transformam em tragédia. Além
da letra que é uma narrativa com traços e cortes de cinema, montada com
quadros visuais, Gilberto Gil acrescentou à harmonia instrumentos como o
berimbau e a guitarra elétrica numa síntese entre o regional, o estrangeiro e o
popular; algo considerado fora de cogitação pela purista linha dominante da MPB
do momento. O interessante nessas letras de MPB é notar o quanto da realidade
de classe média a classe alta da maioria dos seus compositores fica silenciada
em função do que eles determinam como realidade.
A letra “Menino das laranjas”, por fim, também discute o trabalho de
camadas populares. Nesse caso, entra o cotidiano do morro, a lavadeira, a
pobreza e o menino que, pelas circunstâncias sociais, se vê obrigado a trabalhar
vendendo laranjas na feira para ajudar a mãe: “Menino que vai pra feira/ Vender
laranja até se acabar/ Filho de mãe solteira/ Cuja ignorância tem que sustentar”, É
madrugada, vai sentindo frio”, “Lá no morro a gente acorda cedo/ E é só trabalhar/
Comida é pouca e muita roupa/ Que a cidade manda pra lavar”.
Os poucos versos acima destacados são suficientes para marcar a
situação de classe alijada dos benefícios básicos da sociedade: alimentação,
trabalho digno, educação etc. Nessa letra, uma das poucas do período que faz
menção a uma criança, o menino aparece exclusivamente como trabalhador. A
causa é a do trabalhador pobre, excluído. Nesse caso, o morro, a favela aparece
exclusivamente sob o enfoque preferencial da esquerda que é a exploração do
povo por meio das péssimas condições do trabalho.
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3.1.1.1 Cotidiano do mundo industrializado
Sentido constante nas letras da MPB, o cotidiano do mundo industrializado
se reflete na ocorrência, às vezes de forma irônica e de modo negativo, de
elementos só vulgarizados depois do aquecimento da economia industrializada e
das tecnologias de comunicação nos grandes centros urbanos, como a televisão,
as propagandas e os produtos industrializados.
As letras de Tom Zé, especialmente as presentes no LP “Tom Zé”, de
1968, remetem para esse universo industrializado em que as pessoas, por
estarem submetidas, seguem em um rítmo mecanizado, obedecendo às ordens
do sistema.
As letras retratam em tom crítico e muitas vezes irônico o cotidiano desse
mundo moderno. Mostram os contrastes entre o desenvolvimento capitalista e a
exclusão social. Podemos destacar elementos que caracterizam essa temática
em praticamente todas as letras das doze canções que compõem o LP.
Em “Parque industrial”, canção também presente no disco “Tropicália ou
panes et circences”, ironicamente Tom Zé se refere aos benefícios da evolução
capitalista, no caso importada dos Estados Unidos da América, e desfia as
novidades do dia a dia: “garota propaganda, aeromoça”, sugerindo que tudo vem
de fora, que há uma cultura de consumo imposta e que é “made, made, made in
Brazil”, remetendo-nos a uma situação de subserviência não só à cultura
estrangeira, mas sobretudo ao refugo cultural, ultrapassado, bastando para isso
“requentar e usar”. Essa letra realça o discurso de entreguismo ao poderio
imperialista norte americano e reforça a posição de simpatia ao nacionalismo de
esquerda em voga nos segmentos da MPB.
Em “São, São Paulo”, música também presente no referido LP de Tom Zé,
a solidão humana é a dos operários e dos consumidores perdidos na multidão
desumanizada e na sedução da publicidade, com seus carros a prestações:
“Aglomerada solidão/ Por mil chaminés e carros/ Caseados à prestação”.
Como o clima corrente em 1968 era o de guerrilha urbana contra o regime
militar, vemos ainda na letra de “São São Paulo” alguns elementos textuais que
refletem essa conjuntura. Nessa letra, as prostitutas, à margem da sociedade,
estão “armadas”, embora “de rouge e batom”. Há referência à repressão, a
explosão de bombas e mais uma vez alguém está “armado”: “armados da
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eletrônica”. Juntando-se os termos “repressão”, “armadas” e “bomba” temos
significativos efeitos de sentido que sugerem a interferência da temática “protesto
político” na temática “cotidiano do mundo capitalista industrializado”. Esses
elementos trazem para a letra sentidos que circulam no dia a dia dos militantes de
esquerda e que confirmam a intensa interferência da televisão, da publicidade e
da propaganda de produtos no meio social, cada vez mais dominante nos centros
urbanos.
As letras de Tom Zé seguem, a exemplo das duas escolhidas para compor
o corpus dessa temática, espalhando ironia e crítica ao cotidiano urbano, com
referências ao “sal de frutas”, “creme dental”, “novela”, “Chacrinha”, “televisão”,
“crediário”, “garota propaganda”, “aeromoça” e, já naquela época, ao “camelô”.
Todos esses elementos, de certo modo, trazidos pela adequação do país ao
capitalismo moderno.
Além das letras de Tom Zé, marcadas pela atmosfera urbana de São
Paulo, poderíamos destacar ainda a música “A televisão” (1967), de Chico
Buarque, que retrata a solidão do homem que, ainda não domado pelo feitiço da
televisão, se vê sozinho na rua, sem mesmo a companhia dos namorados e dos
companheiros de samba, devido ao domínio que a televisão passou a exercer
sobre todos. Nesse caso, devemos lembrar que em 1967 a televisão ainda não
era um veículo de comunicação massificado. Seu acesso estava mais ao alcance
de uma minoria, das classes médias às abastadas do País.
Por esse raciocínio, o lamento de Chico Buarque, embora refira-se à
televisão como um meio que aliena e isola o homem de sua cultura local, da sua
realidade, esquece-se de que o alcance de tal meio é limitado. Além do mais, a
imagem que o locutor constrói de quem assiste TV imprime características
visivelmente imaginárias aos espectadores:“A roda é triste/ A roda é muda/ Em
volta lá da televisão”. Os termos “triste” e “muda” são questionáveis quanto à
transparência. Triste por quê? Por que alegre é quem não está alienado? Mudo
por quê? Por que quem fala, quem opina é a TV?
O dêitico “lá”, dos versos acima, informa que o locutor não pactua da roda
que assiste a televisão. Esse locutor seria então o porta-voz ideal da premissa de
esquerda de que a televisão está a serviço do capital, da burguesia e que,
portanto, deve ser combatida.
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Dessa lavra podemos contar ainda com “Baby” (1968), de Caetano Veloso;
“Superbacana” (1968), de Caetano Veloso, que ironizam o entorpecimento que o
mundo moderno, tomado pela propaganda e pela comunicação de massa provoca
nas pessoas, dando-lhes, ao consumir, a sensação super de que podem tudo e
“Ele falava nisso todo dia” (1968), de Gilberto Gil, que fala da neurose que as
necessidades do mundo capitalista moderno provocam no homem comum.
“Baby” e “Superbacana” imprimem o modo tropicalista de fazer letras na
MPB. Ambas as canções trazem já a apropriação feita pela Tropicália dos
elementos presentes no mundo da Jovem Guarda, melhor, no mundo capitalista
em que todos estão inseridos e do qual, por uma ordem imaginária motivada pela
formação ideológica, a MPB se afasta em termos de discurso. O efeito que essas
duas canções provocam é o de fazer aparecer o homem inserido nesse mundo,
dominado pela ansiedade e por uma inquietação provocadas pelo excesso de
informação produzido pela indústria de bens de consumo.
Na letra de “Superbacana”, o prefixo “super” se repete vinte vezes,
causando o efeito de intensidade em que tudo acontece no mundo
agressivamente industrializado. Qualquer coisa, inclusive o próprio homem, e
qualquer produto recebe uma forte potencialização por meio da propaganda. A
letra faz uma série de referências a empresas e produtos tecnológicos muitos
potencializados pelo prefixo “super”: “superflic”, “supervinc”, “superist”,
“supershell”. A profusão de cores e imagens produz um clima onírico, um torpor
constante.
Ao que parece, o homem “supebacana” da canção de Veloso corresponde
ao jovem em geral representado pela Jovem Guarda, dominado pelas teias do
sistema e que, bombardeado pelos meios de consumo, explode em gostos,
gestos e ações incostantes.: “Eu nasci pra ser o superbacana”, “vou sonhando
até explodir/ no sol dos cinco sentidos/ nada no bolso ou nas mãos”, “O sol
responde”. Explodir diz mais a respeito de perder o senso, o domínio sobre a
própria iniciativa, sobre a própria capacidade de escolha. O “superbacana” é
escravo dos cinco sentidos, isso quer dizer que há mais sensação do que razão
em seus ímpetos.
Na sequência de versos de “Superbacana” acima há ainda a interferência
de outra letra de Veloso “Alegria, alegria”. A dupla referência ao sol, pode, como
em “Alegria, alegria”, evocar o jornal comunista O Sol, como discutimos em 3.1
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deste capítulo, aliás, o verso “nada no bolso e nas mãos” aparece em
“Superbacana” tal como em “Alegria, alegria”. Mais uma vez também podemos
destacar expressões referentes a ao clima bélico estabelecido nos anos de 1960,
recorrentes nessas letras: “Estilhaços”, “Explode”, “Explodir”, “Batalhão”
“comando” e “poder atômico”.
“Baby” dá sequência a essa ideia do homem perdido no mundo intenso da
indústria cultural de consumo, mas, sobretudo, alerta para a necessidade de se
absorver esse mundo, para a necessidade de participar dele. “você precisa saber
da piscina/ da margarina/ da gasolina”. Precisa tomar “sovete na lanchonete”,
“aprender inglês”, ouvir Roberto Carlos. Se em “Superbacana” podemos perceber
certa ironia com respeito ao homem que simplesmente vai sonhando até explodir
colorido, dominado pela realidade, em “Baby”, Caetano Veloso opera uma total
deglutição (no sentido antropofágico) da realidade em que transita. Como se
dissesse que não há só guerrilhas, repressão e luta de classes no dia a dia, há
coisas boas as quais precisamos prestar atenção, tomar conhecimento,
experimentar: ouvir Roberto Carlos, a Carolina de Chico Buarque, aprender
inglês. Há um lado do cotidiano que pode ser visto sem rancor: “comigo vai tudo
azul”, “vivemos na melhor cidade da América do Sul”.
Segundo Veloso (2003, p. 26) “Baby” “foi a primeira música a usar a
expressão baby. Além disso, trazia uma frase em inglês, um tipo de coisa que
começou a ser feito mais adiante”. Realmente, no território da MPB não apenas o
uso de expressões e frases em inglês configuravam alienação e sujeição à cultura
norte americana, mas também a alusão positiva à Jovem Guarda, via referência a
canção de Roberto Carlos e questões cotidianas banais como tomar banho de
piscina, ir à lanchonete etc.
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CONCLUSÃO
Segundo Brandão (1991, p. 90), uma formação social “caracteriza-se por
um estado determinado de relações entre classes que compõem uma
comunidade em um determinado momento de sua história”. Partindo desse
raciocínio, procuramos manter nossa reflexão dentro de um momento histórico.
Nossos dados foram localizados historicamente entre o golpe militar e o AI-5,
entre 1964 e 1968. Dentro da formação social sobre a qual nos debruçamos, nos
foi possível situar duas formações ideológicas, na zona de tensão que
caracterizou o segmento da juventude ligada à produção musical. Essas duas
formações naturalmente vão materializar discursos divergentes.
Todo discurso tem seu avesso. Uma formação ideológica se constitui numa
zona de conflito. Isso indica que a ideologia de determinado segmento social se
delineia a partir da convivência com outras forças ideológicas. Diante disso, o
discurso da Jovem Guarda (JG) vai aparecer como o outro lado do discurso da
MPB e vice-versa. Portanto, o que aparecerá afirmativamente no discurso da
Jovem Guarda, certamente não estará no discurso da MPB.
O que fica mais ou menos evidente é que o movimento dos sentidos não
pode ser apreendido de forma tão mecânica. Assim , o quadro abaixo representa,
num sentido geral, algumas diferenças produzidas pelas formações ideológicas,
materializadas em escolhas temáticas, dentro da dinâmica de produção dos dois
movimentos:
TEMÁTICAS DA J. GUARDA X TEMÁTICAS DA MPB
Carros e velocidade x Andar a pé como apelo à mudança
e o protesto político
Festas e bailes x Cotidiano do trabalhador
Praia como diversão x Cotidiano do mundo industrial
Histórias infantis e amores infan-
Tilizados
x Silêncio
Quadro demonstrativo 3
Quando levamos em conta que as músicas discutidas neste trabalho, tanto
da MPB quanto da JG foram produzidas dentro do mesmo recorte temporal,
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percebemos a indisfarçável diferença de interpretação da realidade que as
separa. Falamos em interpretação, porque a realidade é basicamente a mesma
para ambos os movimentos, um tecido complexo de valores e materialidades que
só vão ganhar forma transparente para os indivíduos a partir do momento em que,
tocados pela ideologia, se tornam sujeitos que medeiam a relação com a
realidade através do imaginário.
Se a realidade é essa trama complexa, cheia de mobilidades, só a
apreendemos, só a fechamos com sentidos determinados, por meio do
imaginário. Esse fechamento que faz a realidade ficar transparente, à medida que
impossibilita o nosso acesso ao real também abre os caminhos que nos levam a
nos situar em certas posições.
Dessa forma, a JG elege o carro e a velocidade como referentes da sua
produção musical, porque está tomada, sem perceber, pelas ideias do mercado
de que ser é ter, de que o carro torna quem o possui em objeto de desejo, de que
ele iguala quem o possui aos mocinhos do cinema, obtendo com isso liberdade
para se comportar como tal, tanto no que se refere a transgredir negativamente
como positivamente; o carro atrai o objeto amoroso e, além disso, garante ao seu
dono a superioridade sobre os demais.
Percebemos assim que junto com a temática do carro e da velocidade vem
a cultura da primazia do indivíduo sobre o meio. Esse individualismo, sabemos,
constitui o alicerce da sociedade norte americana, capitalista e fundada no
consumo intenso.
O contraponto ideológico dessa temática da JG, o outro lado do discurso
movido por ela é a temática “andar a pé e protesto político” da MPB. Ao contrário
de andar de carro, que caracterizaria na época uma adesão ao capitalismo, uma
inclusão e, portanto, aceitação do sistema vigente, a MPB se posiciona com o
andar a pé como forma de protesto político. Mesmo porque, o andar a pé
encontra na simbologia social, ressignificada pela esquerda, como principais
representantes as classes oprimidas e excluídas pelo sistema capitalista,
representa também a revolta das classes despossuídas. Incluem-se no andar a
pé da MPB o retirante, a passeata, a revolução.
O andar a pé é o avesso do andar de carro e seus desdobramentos na
medida em que os sujeitos que materializam essa temática têm, entre, outros
efeitos, como transparência a convicção de que valorizar esse gesto
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humano consiste em negar o capitalismo simbolizado pelo carro naquele
contexto. Consiste em afirmar o coletivo, o popular e tudo que de uma forma ou
de outra aparece fora do campo de interesse do capitalismo. Temos então que o
andar a pé afirma a ideologia de esquerda, o coletivo, a revolta contra o sistema,
confirmando-se como o avesso do individualismo capitalista da JG, da aceitação
do sistema, do andar de carro.
O jovem individualista, consumista e descompromissado da Jovem Guarda
comporta-se como tal por estar preso a uma formação imaginária que alimenta a
transparência de que a vida é para ser vivida do jeito que está posta. Assujeitado
pela ideologia que lhe inculca o individualismo tal como o entrega ao consumo
como modo de vida, vai sempre parecer-lhe evidente que os questionamentos
não precisam ir além de problemas relacionadas a desejos bem particulares.
Dessa maneira, as festas e bailes e também a praia apareceram como as
temáticas que envolvem o cotidiano. O cotidiano, por essa ótica um tanto
adolescente, seguirá o ritual das festas e bailes e das permissividades individuais
que esses ambientes propiciam, como fumar, beber, namorar, brigar, disputar
espaço etc
As letras da MPB, imbuídas de gravidade, entregues à responsabilidade de
incitar mudanças sociais e de por fim ao capitalismo vão expressar (assim
pensavam seus autores e apoiadores), em lugar do cotidiano pequeno-burguês
das festas e bailes, incluindo os caprichos individuais que os rondam, o cotidiano
do trabalhador, a dureza do dia a dia das camadas populares em suas profissões
discriminadas. Essas canções vão servir como canal de denúncia da alienação e
acomodação do trabalhador, como “Pedro pedreiro”, de Chico Buarque, ou
mesmo para denunciar a exploração ou a condição injusta e deplorável da vida do
trabalhador, como em “Menino das laranjas”, de Téo de Barros. Mas há o
cotidiano romantizado do pescador em “Arrastão, como trabalhador ou as
dificuldades para amar do trabalhador em “Barca Grande”.
A insistência no coletivo, no trabalhador do povo, corresponde à presença
de uma sociologia de esquerda que volta os olhos para a pobreza como forma de
denunciar as desigualdades produzidas pelo capitalismo. Eis, dessa forma, o
discurso do cotidiano individualista pequeno-burguês virado ao avesso. Para o
mundo individualista, integrado ao mercado e ao capital, há o mundo coletivo,
submetido à miséria e à exclusão.
TM
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Ainda com relação ao cotidiano, a Jovem Guarda faz apologia a um
universo praieiro adolescente, permeado pela diversão e pelo compromisso com o
aqui agora da vida. Esse hic et nunc se caracteriza pela cumplicidade com valores
individuais que, no jogo ideológico, apagam do discurso os aspectos nefastos do
meio social dominado pelas regras do mundo capitalista industrializado. De
maneira diferente, a MPB fará aparecer o cotidiano do mundo industrializado
abordando seus dilemas.
A ideologia que atravessa o discurso da JG, em linhas gerais, fará silêncio
sobre os aspectos negativos, realçando sob o ângulo individual os elementos que
julga positivos nesse mundo. Por outro lado, a MPB fará silêncio sob os aspectos
realçados pela JG, apontando em suas letras (da MPB) o lado nefasto da
realidade. Como aspectos positivos, aparecerão no discurso da MPB os
elementos ideológicos que caracterizam historicamente o discurso da esquerda: a
revolução, a crítica a injustiça etc. Fora isso, o olhar da MPB capta no dia a dia do
mundo industrializado a prostituta na esquina, a poluição das chaminés, o camelô
na rua, as pessoas solitárias aglomeradas em torno da TV, a invasão negativa
(para a MPB) dos produtos estrangeiros e o homem perturbado com o excesso de
informação produzido pela indústria cultural de consumo.
Há uma lacuna de silêncio na MPB do período estudado com respeito ao
universo infantil. A sociologia de esquerda da época, muito sisuda, não valoriza o
assunto. Quando aparece uma criança nas letras, como em “Menino das
laranjas”, ela entra em cena na condição de trabalhador ou de explorado, jamais
de criança. Crianças não servem à revolução.
Por outro lado, onde a MPB silencia, a JG enuncia. Como vimos, a JG nos
remete ao universo infantil sob um duplo aspecto. Primeiro, pelo uso dos
diminutivos em letras românticas dirigidas às mulheres, realçando o romantismo,
mas fazendo interferir nesse sentido o lado conservador da sociedade da época
que, por um viés moralista, infantilizava suas garotas, fazendo-as parecerem
ingênuas, bobas e desajuizadas. De outra forma, o universo infantil é evocado
mediante a profusão de letras inspiradas em personagens de revistas em
quadrinhos, em contos de fadas e demais histórias infantis. A inclinação por esse
tipo de história, como vimos se deve à popularizão da imprensa e dos demais
meios de comunicação, como a televisão e o cinema. A valorização do universo
infantil como temática tem como avesso, desse modo, o silêncio.
TM
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Procuramos explorar a contradição entre a plena modernização capitalista
do Brasil, nos anos de 1960, e a hegemonia da mentalidade de esquerda no
mesmo espaço de tempo, partindo da compreensão de que a incompatibilidade
entre as ideias de esquerda e a realidade capitalista propiciou a geração de um
campo de tensão ideológica que acabou refletindo no meio social sob a forma de
duas ordens ideológicas: uma ligada ao sistema e outra a ele contrária.
Num recorte mais específico, referente à música produzida e apreciada
pela juventude naquele período, vimos que o contraste entre a força da realidade
material e econômica e a força da ideologia de esquerda gerou uma zona de
conflito que levou a juventude a se organizar em formações ideológicas distintas.
A filiação a essas formações se refletiu nas letras de músicas produzidas por essa
juventude e nos seus gostos musicais.
Tomado então por referências e imaginários distintos, o ambiente musical
brasileiro se viu dividido entre o rock da Jovem Guarda e a MPB. A Jovem
Guarda, aberta ao mundo em termos de reproduzir atitudes e experiências
comportamentais e musicais e a MPB, até então, fechada em experiências de
ordem política e nacionalista.
Ambos os segmentos dirigiram suas atitudes movidos por formações
imaginárias constituidas a partir das determinações ideológicas a que pertenciam.
A Jovem Guarda, como percebemos, aceitou (ou melhor, se constituiu disso) e
absorveu as novidades comportentais e materiais que a industrialização moderna
e internacionalizada produziu. Como a modernização industrial implicou
necessariamente a abertura para as tecnologias e os produtos estrangeiros, esse
movimento musical ai constituído facilmente recebeu o rótulo de estrangeiro.
Mas nos mantivemos atentos à perspectiva de quem imprimiu o rótulo de
estrangeiro à JG como movimento musical. Essa perspectiva era a da MPB e
fundava-se no referido nacionalismo da esquerda que dominou esse período. Por
ser de esquerda, o nacionalismo de que falamos remeteu-nos para uma situação
interdiscursiva na qual pudemos vislumbrar a luta histórica da esquerda contra o
imperialismo. Uma das formas de combater o imperialismo seria fortalecer a
identidade nacional, criando mecanismos de identificação, sobretudo culturais que
se tornariam motivos a serem evocados em dado momento para deter a invasão
imperialista.
TM
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Assim, foi-nos possível enxergar nas temáticas escolhidas pela MPB esse
viés ideológico produzindo efeitos de sentido. O discurso da Música Popular
Brasileira foi um discurso predominantemente de esquerda. Mesmo a
descontinuidade provocada pelo Tropicalismo não deixou de reproduzir elementos
fundamentais do programa da esquerda para o Brasil. Na verdade, o grupo de
Caetano Veloso iniciou um trabalho que faria a MPB superar as limitações que o
nacionalismo de esquerda representou na sua capacidade de enxergar o país.
Reunimos algumas temáticas da Jovem Guarda e da MPB para verificar o
efeito dos dois campos ideológicos, um atuando mais ou menos como avesso do
outro. Diante do resultado, consideramos que alcançamos no que foi possível os
objetivos que nos propusemos. Mesmo o tema tendo crescido em
complexidade, uma vez que o assunto é amplo e dá margem para debates
apaixonantes.
Devido a essa amplitude complexa, deixamos de refletir sobre muitos
pontos e contrapontos como a religiosidade carola da JG e o Questionamento
religioso da MPB, a mulher da JG e a mulher da MPB, bem como deixamos de
aprofundar a discussão a respeito do caráter revolucionário da intervenção
tropicalista no que se refere ao tratamento estético das letras de música, à
partitura, entre outros pontos.
Pretendemos, portanto, em um segundo momento ampliar a nossa
reflexão, superar as fragilidades que a nossa relação incipiente com o tema e com
a aplicação teórica produziram e aprofundar a pesquisa com o intuito de garantir-
lhe mais abrangência e consistência.
TM
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ANEXOS
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TEMA DA JOVEM GUARDA CARROS E VELOCIDADE O CALHAMBEQUE (ROAD HOG) Roberto Carlos, 1964 Composição: (John D. Loudermilk / Gwen Loudermilk) Versão: Erasmo Carlos -"Essa é umas das muitas histórias Que acontecem comigo Primeiro foi Suzy Quando eu tinha lambreta Depois comprei um carro Parei na contra-mão Tudo isso sem contar O tremendo tapa que eu levei Com a história Do Splish Splash Mas essa história Também é interessante" Mandei meu Cadillac Pr'o mecânico outro dia Pois há muito tempo Um conserto ele pedia E como vou viver Sem um carango prá correr Meu Cadillac, bi-bi Quero consertar meu Cadillac Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... Com muita paciência O rapaz me ofereceu Um carro todo velho Que por lá apareceu Enquanto o Cadillac Consertava eu usava O Calhambeque, bi-bi Quero buzinar o Calhambeque Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... Saí da oficina Um pouquinho desolado Confesso que estava Até um pouco envergonhado Olhando para o lado Com a cara de malvado O Calhambeque, bi-bi Buzinei assim o Calhambeque Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... E logo uma garota Fez sinal para eu parar E no meu Calhambeque Fez questão de passear Não sei o que pensei
Mas eu não acreditei Que o Calhambeque, bi-bi O broto quis andar No Calhambeque Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... E muitos outros brotos Que encontrei pelo caminho Falavam: "Que estouro Que beleza de carrinho" E fui me acostumando E do carango fui gostando E o Calhambeque, bi-bi Quero conservar o Calhambeque Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... Mas o Cadillac Finalmente ficou pronto Lavado, consertado Bem pintado, um encanto Mas o meu coração Na hora exata de trocar Aha! Aha! Aha! Aha! Aha! O Calhambeque, bi-bi Meu coração ficou com O Calhambeque Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!... -"Bem! Vocês me desculpem Mas agora eu vou-me embora Existem mil garotas Querendo passear comigo Mas é por causa Desse Calhambeque Sabe! Bye! Eh! Bye! Bye!" Arrãããããããããmmmm! RUA AUGUSTA Ronie Cord, 1964 Entrei na rua Augusta a 120 por hora Botei a turma toda do passeio pra fora Com 3 pneus carecas sem usar a buzina Parei a 4 dedos da esquenaBye,Bye Jonny Bye,Bye, Alfredo Quem é da nossa gangue não tem medo Bye,Bye Jonny Bye,Bye, Alfredo Quem é da nossa gangue não tem medo. Meu carro não tem breque, não tem luz, não tem buzina Tem 3 carburadores todos os 3 envenenados Só para na subida quando acaba a gasolina Só passa se tiver sinal fechado (No tremendão)Bye,Bye Jonny Bye,Bye, Alfredo
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Quem é da nossa gangue não tem medo Bye,Bye Jonny Bye,Bye, Alfredo Quem é da nossa gangue não tem medo. O CARANGO Erasmo Carlos 1966 Copacabana carro vai zarpar Todo lubrificado Prá não enguiçar Roda tala larga genial Botando minha banca Muito natural ...1 2 3 Camisa verde clara, calça Santropê Combinando com o carango Todo mundo vê Ninguém sabe o duro que dei Prá ter fon-fon Trabalhei, trabalhei Depois das seis Tem que acender farol Garota de menor não pode ser sem sol Barra da Tijuca já michou A onda boa agora É ir pro Le Bartô ...1 2 3 Garota saia curta essa moda é bem E todo mundo no carango Não sobrou ninguém Ninguém sabe o duro que dei Prá ter fon-fon Trabalhei, trabalhei Mas em São Paulo o frio é de lascar Eu pego uma boneca E vou pro Guarujá Paro o carro frente pro mar Barra limpa bonequinha Chega mais prá cá ...1 2 3 Capota levantada prá ninguém nos ver Um abraço e um beijinho Isso é que é viver Ninguém sabe o duro que dei Prá ter fon-fon Trabalhei, trabalhei O BOM Eduardo Araujo, 1966 Meu carro é vermelho, não uso espelho pra me pentear Botinha sem meia ,e só na areia
eu sei trabalhar Cabelo na testa ,sou o dono da festa, pertenço aos dez mais Se você quiser experimentar sei que vai gostar! Meu carro é vermelho, não uso espelho pra me pentear Botinha sem meia ,e só na areia eu sei trabalhar Cabelo na testa ,sou o dono da festa, pertenço aos dez mais. E quando eu apareço o comentário é geral, ele é o bom , é o bom demais! Ter muitas mulheres para mim é normal , eu sou o bom entre os dez mais Ele é o bom,ele é o bom, ele é o bom, Meu carro é vermelho....
POR ISSO CORRO DEMAIS
Roberto Carlos, 1967
Meu bem qualquer instante Que eu fico sem te ver Aumenta a saudade Que eu sinto de você Então eu corro demais Sofro demais, corro demais Só prá te ver Meu bem!... E você ainda me pede Para não correr assim Meu bem eu não suporto mais Você longe de mim Por isso eu corro demais Sofro demais, corro demais Só prá te ver Meu bem!... Se você está ao meu lado Eu só ando devagar Esqueço até de tudo Não vejo o tempo passar Mas se chega a hora De ir prá casa te levar Corro prá depressa Outro dia ver chegar Então eu corro demais Sofro demais, corro demais Só prá te ver Meu bem!.. Se você vivesse sempre Ao meu lado eu não teria Motivo prá correr E devagar eu andaria Eu não corria demais Agora, corro demais Corro demais Só prá te ver
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Meu bem!...(2x) Só prá te ver Meu bem! Só prá te ver Meu bem! Só prá te ver Meu bem!... EU SOU TERRÍVEL Roberto Carlos, 1967 Eu sou terrível E é bom parar De desse jeito me provocar Você não sabe De onde venho O que eu sou Nem o que tenho Minha caranga é máquina Máquina quente Eu sou terrível Vou lhe dizer Que ponho mesmo Pra derreter Estou com a razão no que digo Não tenho medo nem do perigo Minha caranga é máquina quente Eu sou terrível E é bom parar Porque agora vou decolar Não é preciso nem avião Eu vôo mesmo aqui no chão Eu sou terrível Vou lhe contar Não vai ser mole me acompanhar Garota que andar do meu lado Vai ver que eu ando mesmo apressado Minha caranga é máquina quente Quente Uau... Minha caranga é máquina Máquina quente... Eu sou terrível... TEMA: FESTAS A Garota do Baile Roberto Carlos/Erasmo Carlos Quem não acreditar Venha ver a multidão Que com ela quer dançar Ela adivinha que eu Estou sofrendo Também querendo Com ela dançar
Fico em pé olhando E esperando Que ela se afaste da multidão Para eu me aproximar Com ela dançar Do meu carinho Do meu amor, do meu amor Poder falar (Intr.) E assim a noite vai passando Mas sempre encontro a multidão Que com ela quer dançar Ela adivinha que Eu estou sofrendo Também querendo com ela dançar. O baile vai terminar E a última dança A última dança Já vai começar Ela entende o meu olhar Dispensou a multidão E eu pude então E eu pude então E eu pude então Com ela dançar. FESTA DE ARROMBA Erasmo Carlos Vejam só que festa De arromba (Bapára!) No outro dia Eu fui parar (Bapára!) Presentes no local O rádio e a televisão (Bapára!) Cinema, mil jornais Muita gente, confusão... Quase não consigo Na entrada chegar Pois a multidão Estava de amargar Hey! Hey! (Hey! Hey!) Que onda! Que festa de arromba!... Logo que eu cheguei notei (Bapára!) Ronnie Cord Com um copo na mão (Bapára!) Enquanto Prini Lorez Bancava o anfitrião (Bapára!) Apresentando a todo mundo Meire Pavão...
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Wanderléa ria E Cleide desistia De agarrar um doce Que do prato não saia Hey! Hey! (Hey! Hey!) Que onda! Que festa de arromba!... Renato e seus Blue Caps Tocavam na piscina The Clevers no terraço Jet Black's no salão Os Bells de cabeleira Não podiam tocar Enquanto a Rosemary Não parasse de dançar... Mas! Vejam quem Chegou de repente (Bapára!) Roberto Carlos Em seu novo carrão (Bapára!) Enquanto Tony E Demétrius Fumavam no jardim (Bapára!) Sérgio e Zé Ricardo Esbarravam em mim... Lá fora um corre corre Dos brotos do lugar Era o Ed Wilson Que acabava de chegar Hey! Hey! (Hey! Hey!) Que onda! Que festa de arromba!... (Bapára!) (Bapára!) (Bapára!) Hey! Hey! (Hey! Hey!) Renato e seus Blus Caps Tocavam na piscina The Clevers no terraço Jet Black's no salão Os Bells de cabeleira Não podiam tocar Enquanto a Rosemary Não parasse de dançar... Mas! Vejam quem Chegou de repente (Bapára!) Roberto Carlos Em seu novo carrão (Bapára!) Enquanto Tony E Demétrius Fumavam no jardim
(Bapára!) Sérgio e Zé Ricardo Esbarravam em mim... Lá fora um corre corre Dos brotos do lugar Era o Ed Wilson Que acabava de chegar Hey! Hey! (Hey! Hey!) Que onda! Que festa de arromba!...(7x) FESTA DO BOLINHA Composição: Erasmo Carlos/Roberto Carlos Eu ontem fui a uma festa na casa do Bolinha Confesso não gostei dos modos da Glorinha Toda assanhada, nunca ví igual Trocava mil beijocas com o Raposo no quintal Porém pouco durou, aquela paixão Pois Bolinha com ciúmes, formou a confusão Aninha tropeçou e os copos derrubou E a casa do Bolinha num inferno se tornou Bolinha provou, que é ciumento prá chuchu E... Que não gosta da Lulu Bobinha, que por ele ainda chora Com tanto pão, dando bola no salão Luluzinha foi gostar, logo de um bolão. TEMA: INFANTILIZAÇÃO O CADERNINHO Erasmo Carlos Eu queria ser o seu caderninho Pra poder ficar juntinho de você Inclusive na escola eu iria com você entrar E na volta juntinho ao seu corpo eu iria ficar Em casa entrar, você me abriria Para me estudar, e se assustaria Ao ver revelado em seu caderninho o meu rosto Me olhando dizendo baixinho Benzinho eu não posso viver longe você Eu queria ser o seu caderninho Pra poder ficar juntinho de você Inclusive na escola eu iria com você entrar E na volta juntinho ao seu corpo eu iria ficar Em casa entrar, você me abriria Para me estudar, e se assustaria Ao ver revelado em seu caderninho o meu rosto Te olhando dizendo baixinho Benzinho eu não posso viver longe você
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O BILHETINHO Erasmo Carlos Revendo os meus guardados encontrei Um bilhetinho dela que eu guardei Dizia mesmo assim: Te contarei depois Mamãe sabe de tudo entre nós dois Lembrei-me com saudade da escolinha Que viu um dia o nosso amor nascer E foi como se visse a menininha De olhos verdes lindos de morrer Aquele bilhetinho hoje me faz Lembrar um tempo que não volta mais Dizia mesmo assim: Te contarei depois Mamãe sabe de tudo entre nós dois Quem sabe até que a professorinha Um desses bilhetinhos encontrou E pra mamãe daquela menininha Do nosso amor a história revelou Agora que a tristeza é só minha Eu conto tudo que me aconteceu Não sei aonde é que anda a menininha Que se afastou de mim quando cresceu Aquele bilhetinho hoje me faz Lembrar um tempo que não volta mais Dizia mesmo assim: Te contarei depois Mamãe sabe de tudo entre nós dois Mamãe sabe de tudo entre nós dois Mamãe sabe de tudo entre nós dois, viu Mamãe sabe de tudo entre nós dois. BRUCUTU Roberto Carlos Composição: Dallas Franzier Versão de Rossini Pinto - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Nas histórias em quadrinhos, Das revistas, dos jornais... - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Há um tipo curioso e divertido até demais! - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! O lugar onde ele vive todos sabem que é MU... - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Quem ainda não ouviu falar de Brucutu? - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Mora só numa caverna, dorme mesmo
é no chão. - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! O seu carro é um dinossauro e veste pele de leão - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Anda muito bem armado, briga sempre com prazer - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Traz consigo um machado e gosta mesmo é de bater. - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Mas no fundo Brucutu é bom - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Seu amigo Fuzi é quem diz - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Deixa Hula até usar batom Olha o jeito dele andar. Brucutu um certo dia foi com Hula passear - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Foi ao baile que o rei Guz Todo mês costuma dar - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Só porque outro rapaz Pra sua noiva olhou Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Brucutu ficou zangado E seu nariz ele amassou. - Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! Vai Brucutu, vai! Olha o jeito dele andar... Que foi que você disse Eu...eu... nada, Brucutu! Como é que você dá uma dessa, tchau! O PICA-PAU Erasmo Carlos He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! Com meu bem fui ao cinema Assistir a um festival Onde apareceu o Pica-Pau He He! He He! Na hora de beijar meu bem Na tela apareceu alguém Ou! Ou! Ou! Ou! Ou! O Pica-Pau... He He! He He! Hehehehehehehehehe! Depois disso meu amor Não me deu mais atenção Só dizia que bichinho legal
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He He! He He! Bem zangado então fiquei Por causa deste meu rival Ou! Ou! Ou! Ou! Ou! O Pica-Pau... He He! He He! Hehehehehehehehehe! He He! Hehehehehehehehehe! Com meu bem fui ao cinema Assistir ao festival Onde apareceu o Pica-Pau He He! He He! Na hora de beijar meu bem Na tela apareceu alguém Ou! Ou! Ou! Ou! Ou! O Pica-Pau... He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! Depois disso meu amor Não me deu mais atenção Só dizia que bichinho legal He He! He He! Bem zangado então fiquei Por causa deste meu rival Ou! Ou! Ou! Ou! Ou! O Pica-Pau He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! Ou! Ou! Ou! Ou! Ou! O Pica-Pau... He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! O Pica-Pau... Hehehehehehehehehe! He He! He He! He He! Hehehehehehehehehe! CHAPEUZINHO VERMELHO (1967) The Jet Black's Ei menina do chapeuzinho vermelho, não ligue pra nenhum conselho, dizem por aí que sou o lobo mau Meus olhos são pra olhar, meus ouvidos são pra te escutar, Mas meu coração é só pra te amar. A vovó pode esperar, haverá também de concordar, Pois a minha intenção é só te dar meu coração. Fique aqui, pertinho de mim, o Lobo Mau só é bom assim. Quando eu ganhar o teu carinho, vou virar um carneirinho..
Menina do chapéu vermelho, Não ligue pra nenhum conselho A TARTARUGA (La Tartaruga) Trio Esperança Composição: Indisponível Venha ver Tartaruga vem andando Venha ver Bem baixinho resmungando No seu passo jururu Que parece um jaburu Nunca eu queria ser Uma tartaruga Pois eu gosto é de correr Não sou tartaruga. Quem é mole Jacaré engole todo. Venha ver Tartaruga vai passando Venha ver Vai alegre rebolando Onde ela quer chegar Quase um ano vai levar Nunca eu queria ser Uma tartaruga Pois eu gosto é de correr Não sou tartaruga Se eu bobeio Nessa vida feio Vou perder. Uma tartaruga Não sou tartaruga. * Refrão... Venha ver Tartaruga vem andando Venha ver Vem alegre rebolando Venha ver Tartaruga vem andando. TEMA: PRAIA GENTE DEMAIS (TICKET TO RIDE) Bitkids Composição: Anthony Middleton Levei meu broto à praia P'rá passear Mas admirem vocês Não tinha lugar Havia gente demais Havia gente demais Havia gente demais P'rá namorar Mudei de idéia e rumei
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P'ro Corcovado Mas mesmo àquela altura Estava lotado Havia gente demais Havia gente demais Havia gente demais P'rá namorar Tentei por fim um cinema Esperando com o broto ficar E vejam só, surgiu um dilema Só havia um lugar pra sentar Levei meu broto à praia P'rá passear Mas admirem vocês Não tinha lugar Havia gente demais Havia gente demais Havia gente demais Pra namorar Tentei por fim um cinema Esperando com o broto ficar E vejam só, surgiu um dilema Só havia um lugar pra sentar Mudei de idéia e rumei Pro Corcovado Mas mesmo àquela altura Estava lotado Havia gente demais Havia gente demais Havia gente demais Pra namorar Não tinha lugar Não tinha lugar... EU SOU FÃ DO MONOQUINI Roberto Carlos Que bárbaro La la ra la la ra la la la ra la la ra la Vinha caminhando na praia Quando escutei Grande gritaria parei Nem sei o que pensei Como todo bom brasileiro Fui também bancar o olheiro E o que vi não esqueci E nem quero recordar Um brotinho de monoquini Que antes só usava biquini Vinha caminhando assanhada Pra lá e pra cá Me aproximei de mansinho Pra melhor olhar Quando de repente o brotinho Resolveu nadar
Grande confusão outra vez Se não sou forte não tinha vez Nadou, nadou, até que cansou E foi pro sol secar Não posso nem contar o que vi Mas sei que nunca mais esqueci Broto tem que usar monoquini |Não suporto mais o biquini BROTO DO JACARÉ Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos Vinha deslizando em minha prancha sozinho E falei ao ver passar por mim um brotinho Que bonitinha que ela é Deslizando num jacaré Ela me sorriu e uma coisa então Eu tinha que fazer para chamar atenção Abri os braços, gritei bem alto Deslizando num jacaré Mas uma onda mais forte chegou E fora da aprancha me atirou Quase que morro, quase me afoguei E quando voltei o broto não encontrei A minha prancha o vento para longe levou Bebi água salgada porque não dava pé Peguei a prancha mas não encontrei A PESCARIA Composição: Erasmo Carlos / Roberto Carlos Domingo lindo, Tarde de sol, pego o anzol, Ligo a lancha, vou navegando, Para o farol, Mal eu chego, Vejo e sossego, o mar nem pisca, Estufo o peito, Faço pose, jogo a isca. Mas os peixes não querem cooperar, Se eu não pescar nenhum, Com que cara vou ficar, Vou depressa, E compro peixe no mercado, E enquanto o sol no céu, vai sumindo, Eu volto sorrindo, E mal um broto me vê passar,
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Ouço sempre ela falar, Se ele é bom pescador, Serve pra ser meu amor. (falado) Enganei todo mundo, Comprei o peixe, Enganei até o broto EXÉRCITO DO SURF Wanderléia, 1964 Composição: Pataccini/Mogol versão: versão Neusa de Souza Nós somos jovens Jovens, jovens Somos o exército do surf Sempre a cantar (sempre a cantar) Vamos deslizar (vamos deslizar) E quem não souber (e quem não souber) Eu vou ensinar Vou dizer porque (vou dizer porque) Amo tanto o mar (amo tanto o mar) Balançando assim Você junto a mim Vivo a cantar JACARÉ Erasmo Carlos/ Roberto Carlos Um dia de sol , contente fui à praia Assim que cheguei um broto reparei Sentada na areia , beijando o sol quente O broto era bonito de olhar diferente Eu logo pensei , mal cheguei , já me apaixonei... Então eu resolvi , o broto conquistar Pedi no futebol uma vaga pra jogar Dei chute na bola , dei salto mortal Mas o broto não ligava , não saia do normal E então sorri , e cansado, do broto desisti. Mas de repente uma idéia , surgiu em minha mente Peguei a minha prancha e fui correndo para o mar A onda era boa , sorrindo vim em pé Deslizando... num jacaré... Foi quando eu notei que o broto já me olhava Enfim de alguma coisa minha
o broto gostava Bateu mais forte o meu coração Quando o broto tão bonito me estendeu a mão.
TEMAS DA MPB ANDAR A PÉ ALEGRIA, ALEGRIA Caetano Veloso Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento No sol de quase dezembro Eu vou... O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em cardinales bonitas Eu vou... Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot... O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanta notícia Eu vou... Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos Eu vou Por que não, por que não... Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço e sem documento, Eu vou... Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou... Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil... Ela nem sabe até pensei Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou... Sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo, amor Eu vou... Por que não, por que não... Por que não, por que não...
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Por que não, por que não... Por que não, por que não... PRÁ NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES Geraldo Vandré Caminhando e cantando E seguindo a canção Somos todos iguais Braços dados ou não Nas escolas, nas ruas Campos, construções Caminhando e cantando E seguindo a canção... Vem, vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora Não espera acontecer...(2x) Pelos campos há fome Em grandes plantações Pelas ruas marchando Indecisos cordões Ainda fazem da flor Seu mais forte refrão E acreditam nas flores Vencendo o canhão... Vem, vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora Não espera acontecer...(2x) Há soldados armados Amados ou não Quase todos perdidos De armas na mão Nos quartéis lhes ensinam Uma antiga lição: De morrer pela pátria E viver sem razão... Vem, vamos embora Que esperar não é saber VOU CAMINHANDO Geraldo Vandré Vou caminhando Sorrindo, cantando Meu canto e meu riso Não são pra enganar Quem vem comigo Bem sabe o que digo Que há muito motivo Pra gente chorar Mas se lastimar De nada vai valer Já vi mãe chorar Criança não crescer
Um menino que morreu Um pai que em vão padeceu Pela vida vou lembrando Que lembrando espero eu E vou caminhando Sorrindo, cantando Até que um dia. TRAVESSIA (1967) Fernando Brant e Milton Nascimento Quando você foi embora fez-se noite em meu viver Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar Estou só e não resisto, muito tenho prá falar Solto a voz nas estradas, já não quero parar Meu caminho é de pedras, como posso sonhar Sonho feito de brisa, vento vem terminar Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver Solto a voz nas estradas... ANDANÇA Composição: Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajos
Vi, tanta areia andei Da lua cheia eu sei Uma saudade imensa... Vagando em verso eu vim Vestido de cetim Na mão direita, rosas Vou levar... Olha a lua mansa...(me leva amor) Se derramar Ao luar descansa Meu caminhar..(amor) Meu olhar em festa...(me leva amor) Se fez feliz
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Lembrando a seresta Que um dia eu fiz (por onde for quero ser seu par) Já me fiz a guerra...(me leva amor) Por não saber Que esta terra encerra Meu bem-querer...(amor) E jamais termina Meu caminhar ...(me leva amor) Só o amor me ensina Onde vou chegar (por onde for quero ser seu par) Rodei de roda, andei Dança da moda, eu sei Cansei de ser sozinho... Verso encantado, usei Meu namorado é rei Nas lendas do caminho Onde andei.. No passo da estrada...(me leva amor) Só faço andar Tenho a minha amada A me acompanhar..(amor) Vim de longe léguas Cantando eu vim...(me leva amor) Vou não faço tréguas Sou mesmo assim (por onde for quero ser seu par) Já me fiz a guerra...(me leva amor) Por não saber Que esta terra encerra...(amor) Meu bem-querer E jamais termina Meu caminhar...(me leva amor) Só o amor me ensina Onde vou chegar (por onde for quero ser par) Lá lá lá lá lá lá Lá la lá lá lá lá....
PROTESTO POLÍTICO OPINIÃO Nara Leão 1965 Podem me prender, podem me bater Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não,
daqui do morro eu não saio não. Se não tem àgua, eu furo um poço Se não tem carne, eu compro um osso e ponho na sopa E deixo andar, deixo andar Fale de mim quem quiser falar Aqui eu não pago aluguel Se eu morrer amanhã, seu doutor Estou pertinho do céu Podem me prender, podem me bater Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro eu não saio não, daqui do morro eu não saio não... Podem me prender , podem me bater, que eu não mudo de opinião, que eu não mudo de opinião... RODA VIVA Chico Buarque 1967 Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo então que cresceu... A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda viva E carrega o destino prá lá ... Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração... A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda viva E carrega a roseira prá lá... Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração... A roda da saia mulata Não quer mais rodar não senhor Não posso fazer serenata A roda de samba acabou... A gente toma a iniciativa Viola na rua a cantar Mas eis que chega a roda viva E carrega a viola prá lá... Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num instante
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Nas voltas do meu coração... O samba, a viola, a roseira Que um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levou... No peito a saudade cativa Faz força pro tempo parar Mas eis que chega a roda viva E carrega a saudade prá lá ... Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração...(4x) CARCARÁ 1965 Nara Leão Composição: João do Valle e José Cândido Carcará, pega mata e come Carcará não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme Carcará, pega mata e come Carcará, lá no sertão É um bicho que avôa que nem avião É um pássaro malvado Tem o bico volteado que nem gavião Carcará, quando vê roça queimada Sai voando e cantando, Carcará Vai fazer sua caçada Carcará come inté cobra queimada Mas quando chega o tempo da invernada No sertão não tem mais roça queimada Carcará mesmo assim não passa fome Os burrêgo que nascem na baixada Carcará, pega mata e come Carcará não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme Carcará, pega mata e come Carcará, é malvado é valentão É a águia lá do meu sertão Os burrêgo novinho não podem andar Êle pega no umbigo inté matar Carcará... ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM
Caetano Veloso
Vamos passear na floresta escondida, meu amor Vamos passear na avenida Vamos passear nas veredas, no alto meu amor Há uma cordilheira sob o asfalto (Os clarins da banda militar…) A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…) Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil Vamos passear escondidos Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou Vamos por debaixo das ruas (Os clarins da banda militar…) Debaixo das bombas, das bandeiras (Os clarins da banda militar…) Debaixo das botas (Os clarins da banda militar…) Debaixo das rosas, dos jardins (Os clarins da banda militar…) Debaixo da lama (Os clarins da banda militar…) Debaixo da cama ...
QUESTÃO DE ORDEM Gilberto Gil Você vai, eu fico Você fica, eu vou Daqui por diante Fica decidido Quem ficar, vigia Quem sair, demora Quem sair, demora Quanto for preciso Em nome do amor Você vai, eu fico Você fica, eu vou Se eu ficar em casa Fico preparando Palavras de ordem Para os companheiros Que esperam nas ruas Pelo mundo inteiro Em nome do amor Você vai, eu fico Você fica, eu vou Por uma questão de ordem Por uma questão de desordem Se eu sair, demoro Não mais que o bastante Pra falar com todos
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Pra deixar as ordens Pra deixar as ordens Que eu sou comandante Em nome do amor Você vai, eu fico Você fica, eu vou Os que estão comigo Muitos são distantes Se eu sair agora Pode haver demora Demora tão grande Que eu nunca mais volte Em nome do amor TERRA DE NINGUÉM Elis Regina Composição: Marcos e Paulo Sérgio Valle Segue nessa marcha triste Seu caminho aflito Leva só saudade E a injustiça que só lhe foi feita Desde que nasceu Pelo mundo inteiro Que nada lhe deu Anda, teu caminho é longo Cheio de incerteza Tudo é só pobreza Tudo é só tristeza Tudo é terra morta Onde a terra é boa O senhor é dono Não deixa passar. Para no final da tarde Tomba já cansado Cai um nordestino Reza uma oração Prá voltar um dia E criar coragem Prá poder lutar Pelo que é seu. Mas... O dia vai chegar Que o mundo vai saber Não se vive sem se dar Quem trabalha é que tem Direito de viver Pois a terra é de ninguém DIVINO MARAVILHOSO Caetano Veloso Atenção ao dobrar uma esquina Uma alegria, atenção menina Você vem, quantos anos você tem? Atenção, precisa ter olhos firmes Pra este sol, para esta escuridão
Atenção Tudo é perigoso Tudo é divino maravilhoso Atenção para o refrão É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte (2x) Atenção para a estrofe e pro refrão Pro palavrão, para a palavra de ordem Atenção para o samba exaltação Atenção Tudo é perigoso Tudo é divino maravilhoso Atenção para o refrão É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte (2x) Atenção para as janelas no alto Atenção ao pisar o asfalto, o mangue Atenção para o sangue sobre o chão Atenção Tudo é perigoso Tudo é divino maravilhoso Atenção para o refrão É preciso estar atento e forte VIOLA ENLUARADA Composição: Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle A mão que toca um violão Se for preciso faz a guerra, Mata o mundo, fere a terra. A voz que canta uma canção Se for preciso canta um hino, Louva à morte. Viola em noite enluarada No sertão é como espada, Esperança de vingança. O mesmo pé que dança um samba Se preciso vai à luta, Capoeira. Quem tem de noite a companheira Sabe que a paz é passageira, Prá defendê-la se levanta E grita: Eu vou! Mão, violão, canção e espada E viola enluarada Pelo campo e cidade, Porta bandeira, capoeira, Desfilando vão cantando Liberdade. Quem tem de noite a companheira Sabe que a paz é passageira, Prá defendê-la se levanta E grita: Eu vou! Porta bandeira, capoeira, Desfilando vão cantando
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Liberdade. Liberdade, liberdade, liberdade... HORA DE LUTAR Composição: Geraldo Vandré 1965 Capoeira vai lutar já cantou e já dançou não pode mais esperar... Não há mais o que falar cada um dá o que tem capoeira vai lutar... Vem de longe, não tem pressa mas tem hora p'ra chegar já deixou de lado sonhos dança, canto e berimbau abram alas, batam palmas poeira vai levantar quem sabe da vida espera dia certo p'ra chegar capoeira não tem pressa mas na hora vai lutar por você... Por você... SOY LOCO POR TI, AMERICA
Gilberto Gil/ Capinam1966 Soy loco por ti, América, yo voy traer una mujer playera Que su nombre sea Marti, que su nombre sea Marti Soy loco por ti de amores tenga como colores la espuma blanca de Latinoamérica Y el cielo como bandera, y el cielo como bandera Soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores Sorriso de quase nuvem, os rios, canções, o medo O corpo cheio de estrelas, o corpo cheio de estrelas Como se chama a amante desse país sem nome, esse tango, esse rancho, Esse povo, dizei-me, arde o fogo de conhecê-la, o fogo de conhecê-la Soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores El nombre del hombre muerto ya no se puede decirlo, quién sabe? Antes que o dia arrebente, antes que o dia arrebente
El nombre del hombre muerto antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica El nombre del hombre es pueblo, el nombre del hombre es pueblo Soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores Espero a manhã que cante, el nombre del hombre muerto Não sejam palavras tristes, soy loco por ti de amores Um poema ainda existe com palmeiras, com trincheiras, canções de guerra Quem sabe canções do mar, ai, hasta te comover, ai, hasta te comover Soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores Estou aqui de passagem, sei que adiante um dia vou morrer De susto, de bala ou vício, de susto, de bala ou vício Num precipício de luzes entre saudades, soluços, eu vou morrer de bruços Nos braços, nos olhos, nos braços de uma mulher, nos braços de uma mulher Mais apaixonado ainda dentro dos braços da camponesa, guerrilheira Manequim, ai de mim, nos braços de quem me queira, nos braços de quem me queira Soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores
COTIDIANO DO TRABALHADOR BARCA GRANDE
Gilberto Gil Eu vim aqui pra te ver Como te vi, vou-me embora Eu vim aqui pra te ver Como te vi, vou-me embora Trabalho na barca grande Só chego fora de hora Trabalho na barca grande Só chego fora de hora Hoje eu cheguei atrasado Na barca pra trabalhar Essa noite eu fui com Rosa No Recife passear Rosa nunca tinha ido No Recife passear
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Aproveitei que era noite Pra Rosa poder gostar Rosa é minha namorada Mora com o pai pescador Pescador de caranguejo Pai de Rosa, minha flor Minha flor nasceu no mangue Nunca pode passear Nunca pode ver Recife A cidade, seu sonhar Eu que já saí do mangue Já consegui trabalhar Na barca do Beberibe Quero Rosa pra casar Já posso ter um dinheiro Pra Rosa se divertir Essa noite eu levei Rosa Pra Rosa poder sorrir Hoje à noite eu vou ver Rosa Ela vai sorrir contente Recife, seu sonho morto Ficou vivo de repente Eu que sou louco por ela Vou fazer Rosa cantar Vou também cantar pra ela Essa ciranda, essa ciranda Eu vim aqui pra te ver Como te vi, vou-me embora Eu vim aqui pra te ver Como te vi, vou-me embora Trabalho na barca grande Só chego fora de hora Trabalho na barca grande Só chego fora de hora MENINO DAS LARANJAS Elis Regina Composição: Théo de Barros Menino que vai pra feira Vender sua laranja até se acabar Filho de mãe solteira Cuja ignorância tem que sustentar É madrugada, vai sentindo frio Porque se o cesto não voltar vazio A mãe já arranja um outro pra laranja Esse filho vai ter que apanhar Compra laranja menino e vai pra feira... É madrugada, vai sentindo frio Porque se o cesto não voltar vazio A mãe já arranja um outro pra laranja Esse filho vai ter que apanhar Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor!
Lá, no morro, a gente acorda cedo E é só trabalhar E comida é pouca e muita roupa Que a cidade manda pra lavar De madrugada, ele, menino, acorda cedo Tentando encontrar Um pouco pra poder viver até crescer E a vida melhorar Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor! Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor! Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor! Lá, no morro, a gente acorda cedo E é só trabalhar Comida é pouca e muita roupa Que a cidade manda pra lavar De madrugada, ele, menino, acorda cedo Tentando encontrar Um pouco pra poder viver até crescer E a vida melhorar Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor! Compra laranja, laranja, laranja, doutor Ainda dou uma de quebra pro senhor! Ainda doooou... uma de quebra pro senhor! Compra laranja doutor, que eu dou uma de quebra pro senhor, seu doutor! Compra laranja doutor, seu doutor! SINA DO CABOCLO Composição: Zélia Barbosa/ João do Vale/J.B. de Aquino Mas plantar prá dividir Não faço mais isso, não. Eu sou um pobre caboclo, Ganho a vida na enxada. O que eu colho é dividido Com quem não planta nada. Se assim continuar vou deixar o meu sertão, mesmos os olhos cheios d'água e com dor no coração. Vou pró Rio carregar massas prós pedreiros em construção. Deus até está ajudando : está chovendo no sertão ! Mas plantar ... Quer ver eu bater enxada no chão, com força, coragem , com satisfação ? e só me dar terra prá ver como é : eu planto feijão, arroz e café ;
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vai ser bom prá mim e bom pró doutor. eu mando feijão, ele manda tractor . vocês vai ver o que é produção ! modéstia á parte, eu bato no peito : eu sou bom lavrador ! Mas plantar ... DOMINGO NO PARQUE Composição: Gilberto Gil O rei da brincadeira Êh José! O rei da confusão Êh João! Um trabalhava na feira Êh José! Outro na construção Êh João!... A semana passada No fim da semana João resolveu não brigar No domingo de tarde Saiu apressado E não foi prá Ribeira jogar Capoeira! Não foi prá lá Prá Ribeira foi namorar... O José como sempre No fim da semana Guardou a barraca e sumiu Foi fazer no domingo Um passeio no parque Lá perto da boca do Rio... Foi no parque Que ele avistou Juliana! Foi que ele viu Foi que ele viu! Juliana na roda com João Uma rosa e um sorvete na mão Juliana seu sonho, uma ilusão Juliana e o amigo João... O espinho da rosa feriu Zé (Feriu Zé!) (Feriu Zé!) E o sorvete gelou seu coração O sorvete e a rosa Oh José! A rosa e o sorvete Oh José! Foi dançando no peito Oh José! Do José brincalhão Oh José!... O sorvete e a rosa Oh José!
A rosa e o sorvete Oh José! Oi girando na mente Oh José! Do José brincalhão Oh José!... Juliana girando Oi girando! Oi na roda gigante Oi girando! Oi na roda gigante Oi girando! O amigo João (João)... O sorvete é morango É vermelho! Oi girando e a rosa É vermelha! Oi girando, girando É vermelha! Oi girando, girando... Olha a faca! (Olha a faca!) Olha o sangue na mão Êh José! Juliana no chão Êh José! Outro corpo caído Êh José! Seu amigo João Êh José!... Amanhã não tem feira Êh José! Não tem mais construção Êh João! Não tem mais brincadeira Êh José! Não tem mais confusão Êh João!... Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh! ARRASTÃO Composição: Edu Lobo e Vinicius Eh! tem jangada no mar Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão Eh! Todo mundo pescar Chega de sombra e João Jô viu Olha o arrastão entrando no mar sem fim É meu irmão me traz Iemanjá prá mim Olha o arrastão entrando no mar sem fim É meu irmão me traz Iemanjá prá mim Minha Santa Bárbara me abençoai Quero me casar com Janaína Eh! Puxa bem devagar Eh! eh! eh! Já vem vindo o arrastão Eh! É a rainha do mar
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Vem, vem na rede João prá mim Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se viu tanto peixe assim Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se viu tanto peixe assim PEDRO PEDREIRO Composição: Chico Buarque Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém Pedro pedreiro fica assim pensando Assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando prá trás Esperando, esperando, esperando, esperando o sol esperando o trem, esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém Pedro pedreiro espera o carnaval E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês Esperando, esperando, esperando, esperando o sol Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem Esperando a festa, esperando a sorte E a mulher de Pedro, esperando um filho prá esperar também Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém Pedro pedreiro tá esperando a morte Ou esperando o dia de voltar pro Norte Pedro não sabe mas talvez no fundo espera alguma coisa mais linda que o mundo Maior do que o mar, mas prá que sonhar se dá o desespero de esperar demais Pedro pedreiro quer voltar atrás, quer ser pedreiro pobre e nada mais, sem ficar Esperando, esperando, esperando, esperando o sol Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem Esperando um filho prá esperar também Esperando a festa, esperando a sorte,
esperando a morte, esperando o Norte Esperando o dia de esperar ninguém, esperando enfim, nada mais além Da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem Pedro pedreiro pedreiro esperando Pedro pedreiro pedreiro esperando Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem Que já vem... Que já vem Que já vem Que já vem Que já vem Que já vem COTIDIANO DO MUNDO INDUSTRIALIZADO A TELEVISÃO Composição: Chico Buarque
O homem da rua Fica só por teimosia Não encontra companhia Mas prá casa não vai não Em casa a roda já mudou Que a moda muda A roda é triste A roda é muda Em volta lá da televisão... No céu a lua Surge grande e muito prosa Dá uma volta graciosa Pra chamar as atenções O homem da rua Que da lua está distante Por ser nego bem falante Fala só com seus botões... O homem da rua Com seu tamborim calado Já pode esperar sentado Sua escola não vem não A sua gente Está aprendendo humildemente Um batuque diferente Que vem lá da televisão... No céu a lua Que não estava no programa Cheia e nua, chega e chama
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Prá mostrar evoluções O homem da rua Não percebe o seu chamego E por falta doutro nego Samba só com seus botões... Os namorados Já dispensam seu namoro Quem quer riso Quem quer choro Não faz mais esforço não E a própria vida Ainda vai sentar sentida Vendo a vida mais vivida Que vem lá da televisão... O homem da rua Por ser nego conformado Deixa a lua ali de lado E vai ligar os seus botões No céu a lua Encabulada e já minguando Numa nuvem se ocultando Vai de volta pros sertões SUPERBACANA Composição: Caetano Veloso Toda essa gente se engana Ou então finge que não vê que eu nasci Pra ser o superbacana Eu nasci pra ser o superbacana Superbacana Superbacana Superbacana Super-homem Superflit, Supervinc Superist, Superbacana Estilhaços sobre Copacabana O mundo em Copacabana Tudo em Copacabana Copacabana O mundo explode longe, muito longe O sol responde O tempo esconde O vento espalha E as migalhas caem todas sobre Copacabana me engana Esconde o superamendoim O espinafre, o biotônico O comando do avião supersônico Do parque eletrônico Do poder atômico Do avanço econômico A moeda número um do Tio Patinhas não é minha Um batalhão de cowboys Barra a entrada da legião
dos super-heróis E eu superbacana Vou sonhando até explodir colorido No sol, nos cinco sentidos Nada no bolso ou nas mãos Um instante, maestro Super-homem Superflit Supervinc, Superist Superviva, Supershell Superquentão ELE FALAVA NISSO TODO DIA Composição: Gilbeto Gil Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Ele falava nisso todo dia Ele falava nisso todo dia A herança, a segurança, a garantia Pra mulher, para a filhinha, pra família Falava nisso todo dia Ele falava nisso todo dia Ele falava nisso todo dia O seguro da família, o futuro da família O seguro, o futuro Falava nisso todo dia Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Ele falava nisso todo dia A incerteza, a pobreza, a má sorte Quem sabe lá o que aconteceria? A mulher, a filhinha, a família desamparada Retrata a carreira frustrada de um homem de bem Ele falava nisso todo dia O seguro de vida, o pecúlio Era preciso toda a garantia Se a mulher chora o corpo do marido O seguro de vida, o pecúlio Darão a certeza do dever cumprido Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Ele falava nisso todo dia Ele falava nisso todo dia Se morresse ainda forte, um bom seguro era uma sorte pra família A loteria Falava nisso todo dia Era um rapaz de vinte e cinco anos Era um rapaz de vinte e cinco anos Hoje ele morreu atropelado em frente à companhia de seguro Oh! que futuro! Oh! Rapaz de vinte e cinco anos
TM
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Alaiá, alaiá, alaiaialeluia Alaiá, alaiá, alaiaialeluia SÃO, SÃO PAULO Tom Zé Composição: Indisponível São, São Paulo meu amor São, São Paulo quanta dor São oito milhões de habitantes De todo canto em ação Que se agridem cortesmente Morrendo a todo vapor E amando com todo ódio Se odeiam com todo amor São oito milhões de habitantes Aglomerada solidão Por mil chaminés e carros Caseados à prestação Porém com todo defeito Te carrego no meu peito São, São Paulo Meu amor São, São Paulo Quanta dor Salvai-nos por caridade Pecadoras invadiram Todo centro da cidade Armadas de rouge e batom Dando vivas ao bom humor Num atentado contra o pudor A família protegida Um palavrão reprimido Um pregador que condena Uma bomba por quinzena Porém com todo defeito Te carrego no meu peito São, São Paulo Meu amor São, São Paulo Quanta dor Santo Antonio foi demitido Dos Ministros de cupido Armados da eletrônica Casam pela TV Crescem flores de concreto Céu aberto ninguém vê Em Brasília é veraneio No Rio é banho de mar O país todo de férias E aqui é só trabalhar Porém com todo defeito Te carrego no meu peito São, São Paulo Meu amor São, São Paulo
BABY Composição: Caetano Veloso Você precisa saber da piscina, da Margarina, da Carolina, da gasolina Você precisa saber de mim Baby, baby, eu sei que é assim Baby, baby, eu sei que é assim Você precisa tomar um sorvete Na lanchonete, andar com gente Me ver de perto. Ouvir aquela canção do Roberto Baby, baby, há quanto tempo Baby, baby, há quanto tempo Você precisa aprender inglês Precisa aprender o que eu sei E o que eu não sei mais E o que eu não sei mais Não sei, comigo vai tudo azul Contigo vai tudo em paz Vivemos na melhor cidade Da América do Sul Da América do Sul Você precisa, você precisa Não sei, leia na minha camisa Baby, baby, I love you Baby, baby, I love you PARQUE INDUSTRIAL Composição: Tom Zé É somente requentar E usar, É somente requentar E usar, Porque é made, made, made, made in Brazil. Porque é made, made, made, made in Brazil. Retocai o céu de anil Bandeirolas no cordão Grande festa em toda a nação. Despertai com orações O avanço industrial Vem trazer nossa redenção. Tem garota-propaganda Aeromoça e ternura no cartaz, Basta olhar na parede, Minha alegria Num instante se refaz Pois temos o sorriso engarrafadão Já vem pronto e tabelado É somente requentar E usar,
TM
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É somente requentar E usar, Porque é made, made, made, made in Brazil. Porque é made, made, made, made in Brazil. Retocai o céu de anil, ... ... ... etc. A revista moralista Traz uma lista dos pecados da vedete E tem jornal popular que Nunca se espreme Porque pode derramar. É um banco de sangue encadernado Já vem pronto e tabelado, É somente folhear e usar, É somente folhear e usar.
TM
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