Que economista quero ser?
O segundo ano está a terminar e o terceiro aproxima-se. Começa a
ser tempo de pensar no futuro e naquilo que queremos ser. No meu caso,
faça o que fizer, serei sempre economista. Até posso acabar por trabalhar
noutra área qualquer, numa profissão nada relacionada, mas economista
serei sempre. Pois para mim não é uma profissão, é um estado. Um estado
que se adquire e mantém, desde que a chamita ainda queime, nem que seja
um pouco.
Nesta linha de ideias, fui dando por mim a pensar na seguinte
questão:
“Afinal que economista quero ser?”
Das notícias que vejo, poucos são os economistas que realmente vejo
como um modelo. O que mais vejo são comentadores políticos a fazer o
trabalho que deveria ser nosso. Porque afinal os melhores não é na televisão
que aparecem, é atrás da secretária, onde ninguém os vê, a tomar decisões
brilhantes e a fazer sucesso, quando quase toda a gente pensa que ser
economista é ser alguém especializado em não perceber nada de um
assunto, Economia. Sim, digo não perceber porque é a imagem que está
assente na generalidade das pessoas.
Tudo isto contribuiu para que realmente pensasse no tipo de
economista que eu quero ser, independentemente do que faça. E após ir
pensando cheguei a algumas conclusões em relação às capacidades e aos
atributos que são mais importantes para este fim.
Imparcialidade. O primeiro ponto a ser referido. Uma qualidade às
vezes tão ignorada mas que, no entanto, constitui uma das maiores armas de
qualquer economista que se preze. Sem imparcialidade, nada se constrói,
tudo é deturpado. A nossa visão torna-se uma pala e, a determinada altura,
fica-se tão fechado que só se vêem pessoas connosco ou contra nós. Não há
meio-termo. Não é isto que eu quero ser. Não é esta a postura que eu quero
tomar.
Se virmos que num determinado ano, um país tem uma taxa de
inflação de 20%, sem qualquer conhecimento adicional, não podemos
tomar aquele dado como “Naquele ano, a taxa de inflação foi alta”. Eu
quero ser capaz de ver as coisas tal como elas são. A taxa de inflação foi de
20%, é este o facto. É isto, desde logo que tenho que saber. Se foi alta, se foi
baixa, ou se foi outra coisa qualquer são conclusões lógicas que podemos e
devemos fazer. Mas o facto não pode ser substituído por essas mesmas
conclusões. A taxa de inflação foi de 20% no ano tal, ponto. Mais se seguirá.
Argumentar. Um das capacidades que mais valorizo. Um dos maiores
exemplos para mim nesta área foi Milton Friedemann. Para mim, destacou-
se não só pelas suas ideias mas pela sua forma de falar. Ao dirigir-se a uma
plateia, conseguia explicar a ideia que queria transmitir de uma forma que
combinava, no meu entender, dois aspetos de uma maneira extraordinária:
simplicidade e rigor. Simplicidade, porque conseguia falar de forma
acessível para as pessoas. Rigor, porque raramente utilizava conceitos sem
os explicar. Ia ao pormenor mas sem nunca tornar o discurso pesado ou
menos cativante. E quando era confrontado com opiniões contrárias
adoptava sempre a mesma postura. Lembrava o grande autor da afirmação
“Só sei que nada sei”, Sócrates. Desconstruía os argumentos dos adversários,
fazendo-lhes perguntas concretas e objetivas, sem nunca perder o
horizonte. Mostrava claramente a falsidade dos seus argumentos,
mostrando as falácias, os dogmas, ideias feitas em que essas pessoas se
baseavam para o contestar. E tudo sem perder a calma, ser mostrar raiva,
com um nível absolutamente extraordinário, mesmo quando se via em
situações mais tensas. É assim que eu quero ser.
Abertura. Uma das lições que também, implicitamente, aprendi com
Friedman foi esta: Não devemos rejeitar qualquer ideia que nos seja
apresentada. Se ela for falsa, ela cairá nos seus próprios argumentos. Por
isso, apesar de simpatizar com as ideias monetaristas por causa deste grande
vulto da Economia, não digo de forma absolutamente nenhuma que sou da
escola de Chicago. Isso seria um erro. Primeiro quero conhecer todas as
escolas de pensamento económico. E conhecer a fundo. Afinal, se elas
surgiram é porque houve motivos para isso. Quem sabe se acabarei por
considerar que a mais correta é o Keynesianismo. Não é impossível. Nada é
impossível. Desde que argumente com metade da classe deste senhor.
Explicar. Por muito conhecimento que até possa vir a ter, por muito
bem-intencionado que seja, se não souber transformar as ideias mais
complexas em palavras inteligíveis de pouco adianta saber muito. Nada.
Zero. Serve para mim e pouco mais. Quem me irá ouvir? Quem me irá
contratar? Simples, ninguém, pelo menos no seu perfeito juízo.
Matemática. Para muitos um dado adquirido mas calma, que pode
não ser assim tão simples. Um bom matemático sabe as fórmulas, mas um
excelente matemático entende-as. Vê mais do que integrais, derivadas,
potências, lagrangeanos, maximizações. Vê mais do que isso. Vê ideias. Vê
conceitos. E um excelente economista é um excelente matemático. Senão
fica-se pelos números. “Mas as pessoas não são números!”. Esta é uma
afirmação que estarei sujeito a ouvir sempre mas que será menos
fundamentada se agir e pensar desta forma.
“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Um provérbio
tão simples e conhecido, do qual se podem tirar várias lições de valor. Para
agora, só preciso de uma. A água que se consegue dissipar pelas mãos, que
pode tomar todas as formas e feitios, é capaz de ser mais forte que uma
pedra. Imagine-se um copo com água. Se se atirar água com toda a força
para o chão, ela continua lá presente. Pode-se espalhar, mas de lá não saiu.
Se se quisesse, poder-se-ia voltar a encher o copo com a mesma água que
foi atirada, com mais ou menos trabalho, a água lá estaria outra vez na sua
forma inicial. Com mais ou menos sujidade, lá estaria. Já uma pedra, com
isto poderia muito bem ser reduzida a pedaços. Não voltaria a ser inteira
nem com supercola. Como?
Flexibilidade. Não estar agarrado a dogmas nem a convicções só
porque sim, mesmo que já se tenha mostrado que são falsos. “Realmente, à
luz dos factos, admito que estou errado.” Esta é uma das melhores
afirmações para mostrar esta qualidade. Aprendê-la, uma necessidade
fundamental. Não se trata de estar sempre a pôr em causa o que afirmamos,
o que fazemos, nada disso. Trata-se de construir credibilidade. De ganhar
força. “Com todo o respeito, à luz do que sei, penso que tenho razão”. Só
assim, esta afirmação pode ser dita, não doutra forma. Eu quero, portanto,
ser capaz de reconhecer quando errei. Se eu não desenvolver esta
capacidade, passo a ser visto como um teimoso que acha que tem razão
mesmo que tenha feito ou dito uma grande calamidade. Ninguém me vai
levar a sério. É só este o resultado possível. Fico eu a perder e toda a gente
porque, afinal, em nada contribuí para a sociedade. Só fui teimoso e
arrogante. Não, não é isto que quero ser.
Conhecimento. A palavra que faltava, essencial para qualquer
profissional, mal interpretada por muitos. Nas áreas que estudam
especificamente fenómenos e aspetos da Natureza, um facto é ou não
irremediavelmente verdadeiro. No entanto, na nossa não é bem assim. Na
nossa, o objecto de estudo é o ser humano e o seu comportamento. E a
dificuldade instala-se quando é ele próprio a analisar-se. Imaginemos que
os animais eram racionais. Para nós seria muito estranho ver uma barata a
analisar outra e conferir os seus hábitos, não seria? Então quanto mais um
ser um ser humano a analisar outro, a verificar o seu comportamento
quando, de repente, o nível geral de preços aumentar! E no entanto, é a isso
que estamos sujeitos, é apenas isso que podemos fazer. Por isso, não é
qualquer coisa que constitui conhecimento. Verdadeiro Conhecimento. E
afinal o que é este conhecimento de que falo?
Factos. Dados, estatísticas, eventos, enfim, factos. E neste campo
importa salientar alguns aspetos. Em primeiro lugar, é tão importante
conhecer os acontecimentos que acabaram de ocorrer como os mais
remotos. A História é uma das melhores amigas de qualquer economista.
Para muitos esta afirmação pode constituir um verdadeiro aborrecimento e
até disparate mas é a mais pura das verdades. Saber os fatores económicos
que levaram à queda do império romano pode ser tão importante como
analisar uma crise inflacionista dos Estados Unidos. Pode-se constatar que
em ambos os casos a entidade responsável pela emissão de moeda emitiu
uma quantidade maior que o que costumava fazer. E assim, de um momento
para o outro, de forma simples, começam a surgir padrões. Padrões e mais
padrões. A consequência: o presente começa a ter mais sentido e o futuro
deixa de ser um mistério tão grande.
Em segundo lugar, não basta conhecer um facto para partir
imediatamente para conclusões. Os padrões que podemos encontrar
tomando a postura acabada de enunciar são úteis mas isso não chega. Tem
que ir mais além. Um facto tem que ser esmiuçado até onde o bom senso o
permitir. Uma subida da dívida pública em pontos percentuais pode não
significar um maior endividamento. Até pode ser causado por uma simples
alteração de critérios contabilísticos que passaram a considerar mais
elementos para o seu cálculo. E isto é um exemplo simples. Portanto, só
depois de esmiuçar é que se pode raciocinar e encontrar explicações,
procurar relações de causa-efeito, tirar conclusões, no fundo, o que se bem
entender. Mas só depois. Um segundo, um minuto, uma hora, não importa.
Desde que seja depois.
Em terceiro e último lugar, sem fontes credíveis, nada feito. Isto pode
ser intuitivo para uns mas para outros nem tanto. O conhecimento de factos
só faz sentido se estes forem verdadeiros. Portanto antes de querer
conhecer factos, quero conhecer fontes credíveis às quais possa aceder para
atingir o meu objetivo. E não quero conhecer uma, quero conhecer muitas!
Porque uma não basta. Não bastam as notícias, não bastam os jornais,
porque mesmo esses meios de comunicação social pecam neste campo.
Quanto mais fontes melhor. E para quê tantas fontes? Não bastaria uma?
Sim, à partida. Mas se um facto for verdadeiro, quase irremediavelmente
aparece em mais do que uma fonte. Se só aparecer numa, pode-se dar o
caso de ser muito específico, mas é de levantar o sobreolho.
Estas são algumas das capacidades que eu quero desenvolver. Não me
alongo não por não haver mais, porque as há, mas porque estas são as que
considero a base da pirâmide. Afinal, à conta de desenvolver estas
capacidades, outras, também essenciais, terão um empurrãozinho.
Raciocinar rápido, ter confiança mas decisões tomadas, ser sensato, entre
muitas outras. Tenho um longo caminho para trilhar, que não se adivinha
fácil, mas pelo menos tenho alguma certeza de que este é o caminho certo.
É este o economista que quero ser.
E tu? Que economista queres ser?
Pedro Gil Gonçalves Lima, aluno de 2º ano da Licenciatura em
Economia
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