PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
Nanci de Souza Vallezi
Metáfora e ideologia em O Ateneu, de Raul Pompeia: um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional
Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem
São Paulo
2018
Nanci de Souza Vallezi
Metáfora e ideologia em O Ateneu, de Raul Pompeia: um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional
Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
São Paulo
2018
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, em cumprimento à
exigência parcial para obtenção do título de Doutora em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem sob a
orientação da Professora Doutora Sumiko Nishitani
Ikeda.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda (orientadora)
__________________________________________
Professora Doutora Flamínia Manzano Moreira Lodovici
__________________________________________
Professora Doutora Maria Aparecida Caltabiano M. B. da Silva
__________________________________________
Professor Doutor Marcelo Saparas
__________________________________________
Professor Doutor Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira
São Paulo, 06 de dezembro de 2018.
Dedico esta tese à minha família, como um legado de meus estudos, hoje, palpável; para, no futuro, servir como uma lembrança de mim.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 no primeiro ano do doutorado. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance code 001 in the first year of the doctoral.
Nos três últimos anos do doutorado, o apoio financeiro foi do Centro Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento de São Paulo – CNPq, número de processo 163742/2015-4.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelos momentos de inspiração durante a escrita, ativando em minha mente
tudo que estudei.
À Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, pela orientação precisa, pela extrema paciência e, acima de tudo, por acreditar em um sonho. À Doutora Maria Cecília Pérez de Souza e Silva, ao Doutor Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira e ao Doutor Marcelo Saparas pela orientação no exame de qualificação. Aos Doutores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, da PUC–SP, que contribuíram valiosamente para a construção e ressignificação do meu conhecimento em linguística. Aos meus filhos, por compreenderem a minha ausência em muitos momentos. Ao meu esposo, por sempre ter me apoiado nos estudos. Aos meus colegas de sala, mestrandos e doutorandos, pelo conhecimento partilhado.
RESUMO
Embora se afirme que a linguística crítica deve examinar a língua como discurso,
como texto dentro de condições sociais de produção e interpretação, para ser
independentemente identificado e examinado já que o texto está subordinado a elas,
pode-se também revelar essas condições por meio de uma análise linguística,
empregando todos os métodos e instrumentos que a disciplina oferece. Para tanto, ao
mesmo tempo em que se presta atenção às estruturas lexicais e gramaticais do texto,
a análise deve considerar essas estruturas dentro de um enquadre de uma metáfora
construída que não só permeia e domina todo o artigo (texto), mas também forma a
espinha dorsal da sua estrutura argumentativa. Os aspectos estruturais são vistos
aqui como um transformador discreto de um estilo em outro ao alimentar a construção
de uma metáfora global, dominante. Essa metáfora penetrante e difusa, originada por
“minimetáforas”, assegura a compreensão do texto dentro de uma certa perspectiva
ideológica. Um aspecto importante da ideologia pode ser descrito linguisticamente em
termos da avaliação presente nos textos, que tem sido estudada sob a denominação
de avaliatividade, um sistema que trata do posicionamento do escritor em relação à
mensagem e ao interlocutor, em termos de atitude. O objetivo da presente tese de
doutorado é o exame de cunho pragmático-cognitivo crítico da construção da ideologia
no discurso de O Ateneu, de Raul Pompeia, com base nas noções de metáfora e da
avaliatividade. Para tanto, conta com o apoio da proposta teórico-metodológico da
Linguística Sistêmico-Funcional. A pesquisa visa a responder às seguintes perguntas:
(a) Qual é o papel da metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b)
Que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas
nesse processo? (c) Como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da
microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do
discurso? Os resultados mostram que há maior incidência de metáforas que
representam o poder de Aristarco, diretor do Ateneu, criando uma imagem negativa
do diretor na mente do leitor de forma muito sutil; as expressões metafóricas são, em
geral, avaliadas como negativas em forma de tokens de atitude e, em muitos casos,
irônicas. A análise das escolhas lexicogramaticais na microestrutura superficializa a
ideologia do autor de que o poder absoluto não prevalece, em dado momento, acaba
por ser vencido, isso se aplica ao microcosmo Ateneu e ao macrocosmo social.
Palavras-Chave: O Ateneu. Metáfora. Linguística Sistêmico-Funcional.
Avaliatividade. Raul Pompeia.
ABSTRACT
Although it is argued that critical linguistics should examine language as discourse, as
text within social conditions of production and interpretation, to be independently
identified and examined inasmuch as the text is subordinate to them, it is also possible
to reveal these conditions by a linguistic analysis, employing all the methods and
instruments that the discipline offers. For this purpose, while paying attention to the
lexical and grammatical structures of the text, the analysis must consider these
structures within a framework of a constructed metaphor that not only permeates and
dominates the whole article (text), but also forms the backbone of its argumentative
structure. Structural aspects are seen here as a discrete transformer of one style in
another while feeding the construction of a global, dominant metaphor. This
penetrating and diffuse metaphor, originated by "minimetaphores", ensures the
understanding of the text within a certain ideological perspective. An important aspect
of ideology can be linguistically described in terms of the evaluation present in texts,
which has been studied under the name of appraisal system, a system that focuses on
the writer's positioning in relation to the message and the interlocutor in terms of
attitude. The objective of this doctoral thesis is the pragmatic-cognitive critical exam of
the construction of ideology in Raul Pompeia's O Ateneu discourse, based on the
notions of metaphor and of appraisal. The research aims to answer the following
questions: (a) What is the role of the metaphor in the construction of the ideology
present in O Ateneu? (b) What lexical grammatical choices regarding appraisal make
up the metaphors in this process? (c) How is it made the relation between the lexical
grammatical choices of the microstructure of the text and the macrostructure of the
ideology and force relations of the discourse made? The results show that there is a
greater incidence of metaphors that represent the power of Aristarco, director of
Ateneu, creating a negative image of the principal in the reader's mind very subtly; the
metaphorical expressions are, in general, evaluated as negative in the form of attitude
tokens and, in many cases, ironic. The analysis of the lexical grammatical choices in
the microstructure superficializes the author's ideology that the absolute power does
not prevail, at a specific time, it is overcome, this can be applied to the microcosm of
the Ateneu and the social macrocosm.
Key-words: O Ateneu. Metaphor. Systemic-Functional Linguistics. Evaluative
language. Raul Pompeia.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Tipos de processos na LSF ......................................................
46
QUADRO 2 - Modalidade................................................................................
46
QUADRO 3 - Metafunção interpessoal: exemplo de análise ......................... 47
QUADRO 4 - As metafunções .......................................................................
47
QUADRO 5 - Os subsistemas da avaliatividade ..........................................
49
QUADRO 6 - Tipos de avaliatividade ............................................................
50
QUADRO 7 - Avaliatividade interna e externa .............................................. 52
QUADRO 8 -
QUADRO 9 -
Da fundamentação teórica ......................................................
Os processos da transitividade ..............................................
69
151
QUADRO 10 - Os subsistemas da avaliatividade (completo) ........................ 152
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADC - Análise do Discurso Crítica
G-O - Gramática-da-oração
LC - Linguística Cognitiva
LSF - Linguística Sistêmico-Funcional
CD – China Daily
TNYT – The New York Times
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. ...... 27
1 PANORAMA HISTÓRICO E LITERÁRIO ....................................................... 32 1.1 Raul Pompeia ........................................................................................... 32 1.2 A obra O Ateneu ......................................................................................... 33 1.3 Resumo dos 12 capítulos de O Ateneu .................................................... 36 1.4 Contexto sócio-histórico de O Ateneu ..................................................... 39 1.5 Ateneu como microcosmo social ............................................................. 40 1.6 O diretor Aristarco ..................................................................................... 41
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 43 2.1 Linguística Sistêmico-Funcional .............................................................. 43
2.1.1 A Coesão Lexical.................................................................................. 53 2.2 A LSF e o Cognitivismo ............................................................................. 57 2.2.1 A Metáfora........................................................................................... 59 2.2.2 A Ironia ............................................................................................... 62 2.3 Discurso como prática social: ideologia ................................................ 65 2.3.1 Hegemonia ......................................................................................... 67
3 METODOLOGIA .............................................................................................. 68 3.1 Dados ......................................................................................................... 69
3.2 Procedimentos de análise ........................................................................ 70
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO I ............................................................ 72 4.1 Contexto situacional - análise do registro .............................................. 72
4.1.1 Campo ................................................................................................ 72 4.1.2 Relações ............................................................................................ 72 4.1.3 Modo .................................................................................................. 73 4.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 73 4.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ...................................................................... 77 4.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso .............................. 84
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV .......................................................... 88 5.1 Contexto situacional - análise do registro ............................................... 88
5.1.1 Campo ................................................................................................. 88 5.1.2 Relações .............................................................................................. 89 5.1.3 Modo .................................................................................................... 89 5.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco... 89 5.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 91 5.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro-
estrutura da ideologia e relações de força do discurso .......................... 95
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO VIII .................................................... 98 6.1 Contexto situacional - análise do registro ........................................... 98
6.1.1 Campo ............................................................................................. 98 6.1.2 Relações .......................................................................................... 99 6.1.3 Modo ................................................................................................ 99 6.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco 99 6.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ................................................................... 102 6.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ........................... 105
7 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XI ........................................................ 108 7.1 Contexto situacional - análise do registro ............................................. 108
7.1.1 Campo ................................................................................................. 108 7.1.2 Relações ............................................................................................. 109 7.1.3 Modo ................................................................................................... 109 7.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 109 7.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 113 7.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ............................ 119
8 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XII ........................................................ 122 8.1 Contexto situacional - análise do registro .............................................. 122
8.1.1 Campo ................................................................................................ 122 8.1.2 Relações ............................................................................................ 122 8.1.3 Modo ................................................................................................... 123 8.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 123 8.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 125 8.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ............................ 127 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 130 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 133 APÊNDICE ........................................................................................................... 139 ANEXO ................................................................................................................. 151
27
INTRODUÇÃO
Em minha dissertação de mestrado, examinei a linguagem da ameaça na obra
O Ateneu, de Raul Pompeia, que trata da relação de poder de Aristarco, diretor do
Ateneu, em relação ao aluno novato Sérgio. Durante a leitura do romance, intrigou-
me o fato de que, embora eu sentisse a esfera ameaçadora na narrativa, notava que
o autor nem sempre lançava mão de epítetos desqualificadores ou ofensas explícitas
no processo de persuadir o leitor sobre esse comportamento de Aristarco.
Assim sendo, tornava-se essencial esclarecer os meios pelos quais era feita
essa ameaça que impregnava a relação Aristarco-Sérgio, e, inicialmente, apoiei-me
na noção de avaliatividade (tradução de appraisal) – denominação do sistema de
avaliação na Linguística Sistêmico-Funcional. Ao mesmo tempo, já nos momentos
finais do mestrado, entrei em contato com noções de cognitivismo linguístico com
enfoque na teoria da metáfora conceptual (LAKOFF, 1987, 1993; LAKOFF;
JOHNSON, 1980, 1999).
Ao empregar uma metáfora, explica Charteris-Black (2004), o falante convida o
ouvinte a participar de um ato interpretativo, que terá sucesso se o ouvinte for capaz
de superar a tensão entre o que é dito e o que significa; e este é um aspecto definidor
da metáfora. Se pudermos tornar algo congruente (enquanto aparentemente
incongruente) isto significa, continua o autor, que participamos de uma atividade
conjunta de criação de significado que vai além do que é normalmente codificado no
sistema semântico. O autor sugere que o engajamento em um ato de ampliar os
recursos linguísticos envolvidos na metáfora é um modo de forjar uma ligação
interpessoal mais forte entre falante e ouvinte que se estende além do texto.
Esse fato pode explicar a razão do uso da metáfora para fins persuasivos: ela
tem apoio não só em bases conceptuais, universais, na medida em que depende de
processos cognitivos comuns a todo ser humano, mas também depende do
conhecimento compartilhado na cultura de uma comunidade, presente no enquadre
(frame1) de cada falante. Nesse contexto, adoto a posição de Quinn (1991), que
propõe que se dê um papel mais fundamental à cultura, porque “as metáforas, longe
1A noção de frame foi proposta por Minsky (1975) em sua teoria-do-frame, e na semântica-do-frame, por Fillmore (1975), e refere-se ao conjunto estruturado de conhecimento apoiado em vários domínios conceptuais, consistindo de conhecimento enciclopédico associado à determinada forma linguística (DIRVEN; ILIE, 2001, p. I). Traduzido por enquadre.
28
de constituir o entendimento, são geralmente selecionadas para ajustar-se a um
modelo preexistente e culturalmente compartilhado” (QUINN, 1991, p. 59).
A propósito, Luchjenbroers e Aldridge (2007) tratam da função persuasiva da
metáfora, aliando-a à noção de enquadre. A metáfora capta os estereótipos culturais,
codificados nas escolhas de descritores por parte do escritor, e é um poderoso
instrumento na investigação das atitudes do produtor do texto. Assim, continuam
Luchjenbroers e Aldridge, componentes adicionais de significado são derivados dos
enquadres de referência associados a cada escolha lexical: cada escolha
desencadeia uma rede mais ampla de associações prototipicamente presentes no uso
desse termo. O acesso do interlocutor a essas associações depende de sua
experiência e de sua compreensão das normas sociais, das quais as escolhas lexicais
são derivadas. O enquadre envolve vários fatores psicológicos que explicam os
aspectos pragmáticos do que não é dito ou escrito, mas comunicado no discurso, tais
como o conhecimento prévio, as crenças e as expectativas. Tais noções funcionam
como padrões familiares da experiência prévia que o destinatário emprega para
interpretar novas experiências (YULE, 1996, p. 84-85).
A interação, segundo Fowler et al (1979, p. 195-196), incorpora ideologias ou
teorias particulares e, assim, a interpretação crítica de textos, ou seja, a recuperação
dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas linguísticas
deve ser entendida à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos.
Um aspecto importante da ideologia – o sistema de valores – pode ser descrito
linguisticamente, em termos da avaliação presente nos textos. A avaliação pode ser
definida como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em relação ao valor de
uma entidade no texto. Em muitos gêneros, essa avaliação é articulada em termos
de julgamento pessoal, mas pode também ser social ou institucional; além disso, a
avaliação dos itens em relação ao sistema de valores pode ser expressa em termos
metafóricos (HALLIDAY, 1985, p. 332) e não-pessoais. O exame da avaliação contida
no texto pode conscientizar o leitor de que textos tratados como monológicos, são, na
verdade, profundamente “endereçadores” (BAKHTIN, 1986 [1935]), e portam
conteúdo de certos valores éticos, para engajar os leitores no processo da leitura.
Na Linguística Sistêmico-Funcional, segundo Halliday (1994, 2004), um foco
adicional recai sobre aspectos da gramática-da-oração que dizem respeito a seus
significados interpessoais, isto é, um foco sobre o modo como as relações sociais e
as identidades sociais são marcadas na oração.
29
A metafunção interpessoal tem sido complementada pela proposta
denominada de avaliatividade, por Martin (2000, 2003). Para Halliday, uma interação
envolveria atos de dar e receber informação ou bens e serviços. Para Martin, a
interação deve envolver, também, afeto, julgamento ético e apreciação estética, isto
é, como as pessoas estão se sentindo, como elas julgam o semelhante ou como elas
apreciam um objeto.
O autor e seus colaboradores estavam interessados na função social desses
recursos, não simplesmente para expressar sentimentos, mas, em termos de sua
habilidade em construir compromissos, para alinhar pessoas na negociação em curso
na vida em comunidade. Martin adverte ainda para o fato de significados ideacionais,
que não usam léxico avaliativo, poderem também ser usados para evocar avaliação,
caso dos tokens de atitude, a avaliatividade implícita.
Considerando, então, a possibilidade de relacionar a avaliatividade com a
noção de metáfora a fim de esclarecer os procedimentos de persuasão utilizados na
obra O Ateneu, o objetivo da presente tese de doutorado é o exame de cunho
pragmático-cognitivo crítico na construção da ideologia no discurso de O Ateneu, de
Raul Pompeia. Para tanto, conto com o apoio da proposta teórico-metodológico da
Linguística Sistêmico-Funcional. Tendo em vista a importância dessa obra e o fato de
que os estudos feitos, até então, contemplaram o emprego da metáfora como recurso
estilístico, e não, linguístico e ideológico, com este estudo pretendo levantar as
metáforas que envolvem a personagem Aristarco e ressaltar a ideologia, que permeia
toda a obra, mascarada pelas metáforas.
A análise tem o apoio da proposta teórico-metodológica da Linguística
Sistêmico-Funcional (LSF), que permite relacionar as escolhas feitas na
microestrutura lexicogramatical do texto com a macroestrutura nas relações de força
e de ideologia no discurso. A LSF une-se à teoria do cognitivismo no que tange à
contribuição da metáfora na análise da ideologia em O Ateneu.
A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (a) Qual é o papel da
metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b) Que escolhas
lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?
(c) Como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do
texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso?
Para responder a essas perguntas, foram selecionados cinco capítulos da obra
O Ateneu, com base no número de ocorrências de expressões metafóricas
30
envolvendo o diretor Aristarco. A análise abrange somente o diretor por se tratar da
personagem de maior autoridade dentro da obra, aquela que exerce maior influência
e poder sobre as outras e sobre quem o autor se debruça em muitos capítulos.
Esta tese está inserida no projeto de pesquisa “Recursos para a realização da
persuasão através da avaliação implícita”, do grupo de pesquisa ACLISF (Análise
Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional), coordenados pela professora Doutora
Ikeda. O grupo tem trabalhado com a noção de metáfora e avaliatividade em prol da
persuasão em editoriais ou romances, como nos seguintes trabalhos: SAPARAS, M.
Representações metafóricas em títulos de filmes americanos e suas traduções para o
português: um enfoque Sistêmico-Funcional; PASTORE, F. A discriminação em Clara
dos Anjos, de Lima Barreto, à luz da avaliatividade: uma perspectiva Sistêmico-
Funcional; VENÂNCIO, L.A.L. A ironia a serviço da crítica social em O Alienista, de
Machado de Assis: um enfoque da LSF; MONTINEGRO, M..S.S. A Missa de Galo, de
Machado de Assis, e a avaliatividade implícita sob o enfoque da LSF; SANTOS, A.A.
A avaliatividade e o Pós-Guerra em Home, de Toni Morrison - uma abordagem
Sistêmico-Funcional; BOLZ, L.D.S. A metáfora ideológica e a persuasão – um enfoque
crítico da Gramática Sistêmico-Funcional; SANTOS, V.A.M. Diálogos entre D. Quixote
e Sancho Pança: uma abordagem Sistêmico-Funcional; MONTEFUSCO, R. M., A
Crítica Social em Capitães da Areia: um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional.
Estrutura da tese
Esta tese de doutorado está assim estruturada: primeiramente um panorama
histórico e literário, apresentando autor, obra e contexto sócio-histórico. Após isso, as
teorias fundamentais à analise proposta: linguística sistêmico-funcional, Halliday
(1994) com os subitens: avaliatividade, Martin (2000) e coesão lexical, Li (2010);
linguística sistêmico-funcional e cognitivismo, aliadas à teoria da metáfora, Goatly
(1997) e Charteris-Black (2004) e da ironia, El Refaie (2005) e Burgers et al. (2012); e
a ideologia, Fairclough (1992), associada à teoria da hegemonia, Gramsci (1999).
Feito isso, alguns capítulos da obra O Ateneu serão analisados em sua microestrutura
com enfoque nas expressões metafóricas, bem como na avaliatividade nelas contida,
com o objetivo de revelar as metáforas e a ideologia presentes na macroestrutura do
discurso. Em seguida, as considerações finais apresentando as respostas às
31
perguntas de pesquisa.
32
1 PANORAMA HISTÓRICO E LITERÁRIO
Neste capítulo, apresento a biografia sintetizada do escritor Raul Pompeia, bem
como informações sobre O Ateneu, tais como: estudos sobre a obra, seus estilos
literários, resumo do enredo, contexto sócio-histórico, apresentação do Ateneu como
microcosmo social e do diretor Aristarco. As informações apresentadas são de
extrema relevância para este trabalho, pois contextualizam e apoiam a análise.
1.1 Raul Pompeia
Raul D’ Ávila Pompeia nasceu em Jacuecanga, município de Angra dos Reis,
no Rio de Janeiro, em 12 de abril de 1863, filho de Antônio D’Ávila Pompeia e Rosa
Teixeira Pompeia, ricos proprietários de uma fazenda de cana-de-açúcar. Era um
menino rico e fechado. Aos dez anos de idade, Raul foi matriculado no Colégio Abílio,
cujo diretor, segundo Torres (1972), era o respeitado pedagogo Dr. Abílio César
Borges, que permaneceu até 1878. Seu pai, ao chegar às portas do internato, disse-
lhe a famosa e profética frase que inicia o livro: “Vais encontrar o mundo; coragem
para a luta!” (POMPEIA, 1999, p.11).
Aos dezessete anos, Pompeia publicou seu primeiro romance, Uma tragédia
no Amazonas. Matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em
São Paulo, no ano de 1881. Participou ativamente do movimento abolicionista e
marcou sua postura política no livro As joias da coroa, de 1882, no qual demonstrou
sua adesão ao pensamento republicano. Em 1888, publicou em folhetim na Gazeta
de Notícias, do Rio de Janeiro, o romance O Ateneu, uma “Crônica de saudades”,
segundo o próprio autor.
Alguns fatos específicos de sua biografia ajudam a esclarecer as situações que
povoam o romance em questão. Segundo Curvello (1981), o pai de Raul Pompeia, o
senhor Antônio, era autoritário e austero, tal qual Aristarco, o diretor do colégio Ateneu.
Aristarco, figura temida por Sérgio, vai, ao longo da narrativa, perdendo sua força
diante do menino, uma vez que este, ao identificar o comportamento nem sempre
louvável do diretor, em especial no tocante ao seu interesse referente ao pagamento
da mensalidade dos alunos, ganha poder sobre Aristarco. O fim trágico do romance,
33
com a destruição do Ateneu em um incêndio e com o abandono por parte da esposa
Ema, é colocado como sendo uma representação do sentimento de revolta e de
vingança de Pompeia, aquilo que, não tendo podido realizar em vida, tomou forma na
ficção (SOUZA, 2011, p. 18).
Além disso, com os paralelos entre o colégio e a sociedade, Raul Pompeia
mostra em O Ateneu sua explícita adesão aos ideais republicanos, colocando-se
contra a estrutura monárquica da época que, na obra, é representada pela figura de
Aristarco. Esse engajamento político do escritor levou-o a colecionar inimigos.
Raul Pompeia envolveu-se em muitos confrontos e polêmicas. Segundo Torres
(1972), houve até mesmo boatos de que o escritor fosse misógino. Nesse contexto,
ao ver fracassarem suas tentativas de publicar um artigo para limpar sua honra e
esclarecer esses boatos, teve agravado ainda mais seu estado psicológico. A
hipersensibilidade do escritor, professor, jornalista e polemista, levou-o ao suicídio na
noite de Natal de 1895, deixando apenas o seguinte bilhete para que a posteridade o
julgasse com justiça: “À Notícia e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra”.
(CURVELLO, 1981, p.7).
1.2 A obra O Ateneu
Em apenas três meses de trabalho intenso, Raul Pompeia escreveu O Ateneu
para o jornal Gazeta de Notícias, no qual o romance apareceu em forma de folhetim.
Foi anunciado por um artigo como “obra vasada em moldes inteiramente modernos;
sem intriga, de pura observação e fina crítica, passando pelas escabrosidades com a
delicadeza e o fino tato de um artista”. (PONTES, 1935, p. 190)
Num momento em que a literatura procurava romper as barreiras dos conceitos
formais, não causa estranhamento que O Ateneu tenha seguido essa tendência. De
qualquer forma, os leitores da época não estavam ainda acostumados com essa
literatura vanguardista, portanto, receberam-na como um romance, em certos
aspectos, moderno, segundo Perrone-Moisés (1988, p. 208).
A obra é uma fusão de dois gêneros, romance e memórias, segundo Pereira
(1950). O jornal Gazeta de Notícias confirmou: “Não há no livro propriamente
personagens reais, copiados in totum de um modelo único; mas não há fatos nem
34
cenários de fantasia”. (CURVELLO, 1981, p. 6)
Tem-se extraído do caderno de notas íntimas do autor Raul Pompeia as
seguintes palavras: “Toda a composição artística é baseada numa recordação
sentimental [...] O artista poderoso é o que melhor evoca a recordação [...]” (PONTES,
1935, p. 218). Sérgio representa, portanto, Raul Pompeia menino, pessoa real, mas
analisado por Pompeia adulto, com uma visão mais ampla e crítica dos fatos passados
no internato, como afirma Perrone-Moisés (1988, p. 95).
O subtítulo “Crônica de saudades”, o qual reforça a ideia de memórias, vai-se
apresentando irônico, pois ao escrever suas lembranças, Sérgio busca na maturidade
uma autocompreensão da infância, e as amargas experiências vividas no Ateneu lhe
deixam marcas profundas que não podem ser consideradas “boas lembranças”, como
o subtítulo a princípio sugere. Ainda no início do romance, o narrador escreve:
“Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a
mesma incerteza hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora [...]”
(POMPEIA, 1999, p. 11).
Obra de extrema importância na literatura brasileira, O Ateneu, de Raul
Pompeia, foi esmiuçada por inúmeros literatos. Podemos citar a questão de a obra ser
uma autobiografia de Pompeia, tema discutido por Eugênio Gomes, em Visões e
revisões (GOMES, 1958); por Mário de Andrade, em Aspectos da literatura brasileira
(ANDRADE, 1972; por Mário Curvello, em Raul Pompeia (CURVELLO, 1981); por
Artur Torres, em Raul Pompeia – Estudo Psicoestilístico (TORRES, 1972); dentre
outros. Quanto à obra O Ateneu tratar-se de um microcosmo social, os autores Flávio
L. Chaves, em O brinquedo absurdo (CHAVES, 1978); Ricardo L. Souza, em
Pensamento social brasileiro (SOUZA, 2011); Alfredo Bosi, em Céu, inferno (BOSI,
2003), e outros, defenderam essa afirmação. Há teses e artigos também importantes
sobre a obra, como: Exercício do poder: conflitos, discursos e representações culturais
em O Ateneu, de Vilma Marques da Silva, 2007; Os muitos mundos de O Ateneu, de
Júlio Vale, 2010; dentre outros. Em relação à complexidade e à estilística de Pompeia,
muitos se debruçaram sobre O Ateneu e produziram estudos belíssimos: O universo
poético de Raul Pompeia, de Lêdo Ivo (IVO, 1963); A sereia e o desconfiado, de
Roberto Schwarz (SCHWARZ, 1981); O Ateneu retórica e paixão, de Leyla Perrone-
Moisés (PERRONE-MOISÉS, 1988). Sendo que, desses autores, Lêdo Ivo e, de forma
mais abrangente, Leyla Perrone-Moisés desenvolveram estudos sobre o uso da
35
metáfora em O Ateneu como forma e estilo. Daí a relevância de um estudo que
superficialize a ideologia da obra por meio de análise linguística das metáforas.
Notemos, na esteira de Oliveira (1978, p. 116), que, para escrever sua “Crônica
de saudades”, Pompeia utilizou-se do naturalismo; do impressionismo; do realismo, e
do expressionismo, privilegiando o caricatural. Andrade (1972, p. 173) confirmou: “O
Ateneu é uma caricatura sarcástica”; chegaram até a classificá-lo como simbolista,
devido aos decassílabos captados em certos trechos do romance.
O próprio Raul Pompeia afirmou:
Para que a obra de arte seja completa, é preciso que, na enumeração literária das notas de análise, existam os parênteses da personalidade do escritor, manifestados pelo modo especial de sentir e pelo processo original de dizer – a eloquência própria. São os parênteses de personalidade, nos momentos dramáticos da narração, ou nos trechos do pitoresco descritivo, que constituem a vida das páginas de estilo. (BOSI, 2003, p. 82)
Diante dessa miscelânea de estilos, entende-se que a obra possibilita muitos
meios de abordagem. Pretende-se, então, de forma breve, evidenciar, por meio de
estudos realizados por outros autores, os estilos literários mais aparentes na obra.
Para Mário de Andrade (1972, p. 184) O Ateneu representa “um dos aspectos
mais altos do naturalismo brasileiro”, mostrando-se superior a outras obras
naturalistas da época, já que representa exatamente a estética da sociedade, com
seus vícios e instintos, com exageros e comparações zoomórficas, como o
naturalismo propõe. O trecho do livro selecionado para ilustrar o naturalismo na obra
é uma reflexão de Sérgio durante a festa literária realizada no pátio do colégio: “[...]
Quem nos dera a tonicidade letal de uma vasca. Trituramos a vida por igual como um
osso; roemos o dia, pacientes, de rojo, sobre o ventre, como cães no pasto [...]”.
(POMPEIA, 1999, p. 76).
Concomitante ao naturalismo, percebe-se o realismo permeando a obra com o
seu exagero analítico; o pessimismo fundado na própria natureza do homem e não só
pela convivência social; a primazia pela linguagem, que na obra, ganha um valor muito
maior que o de simples instrumento para narração, como menciona Ivo (1963, p.3). E,
ainda, a subversão da ótica romântica, segundo a qual a infância é sinônimo de
felicidade inocente, tema este tratado no seguinte trecho: “[...] Cada rosto amável
daquela infância era a máscara de uma falsidade, o prospecto de uma traição. Vestia-
se ali de pureza a malícia corruptora, a ambição grosseira [...]”. (POMPEIA, 1999, p.
36
98).
O impressionismo apresenta-se em O Ateneu nas fabulosas descrições visuais
que prevalecem durante toda a narrativa. Conforme Gomes (1958, p. 257), a vocação
de Raul Pompeia para as artes plásticas exerce influência marcante no texto,
pincelando descrições de cenário, alunos, situações e paisagens. Como na passagem
em que Sérgio recorda Ema: “[...] Mostrava-me a mão, recortada em puro jaspe, unhas
de rosa, como pétalas incrustadas [...]”. (POMPEIA, 1999, p. 123)
Ao descrever as personagens, Pompeia utiliza-se, principalmente, do estilo
caricatural, segundo Perrone-Moisés (1988, p. 204), o autor “usa mais o lápis do
caricaturista do que a pena do naturalista”. É curioso notar que, com exceção de D.
Ema, Egbert e, em parte, Bento Alves e o professor Cláudio, as demais personagens
possuem traços de extrema deformação, são descritas como criaturas grotescas.
Apesar de bela, Ângela é corresponsável por um crime; Ribas é dotado de uma voz
divina, mas sua aparência é horrível; Aristarco mostra, em princípio, nobres
preocupações pedagógicas, porém é, antes de tudo, um empresário frio.
Como o próprio Pompeia salientou:
O romance é um arcabouço dramático, em que o autor ao mesmo tempo que tem de animar as personagens, deve ser o cenógrafo, o marcador, o ensaiador, o contra-regras e o anotador das atitudes dos figurantes... Para cada um desses deveres do romancista, há um gênero especial de estilo. O romance não pode ser uniforme em estilo. (PONTES, 1935, p.327)
Escritor, jornalista, “misógino”, suicida..., é o que diz a biografia de Raul
Pompeia, mas acima de tudo, artista. Talvez se possa atribuir a essa complexa
personalidade que transpassa O Ateneu, o fato de a obra não se encaixar em uma
única classificação literária.
1.3 Resumo dos 12 capítulos de O Ateneu
A obra O Ateneu é dividida em doze capítulos independentes, os quais são
apresentados como uma exposição de quadros, um não interfere no outro. O narrador
é personagem, Sérgio adulto narra suas memórias em uma mescla de lembranças do
37
internato somadas a comentários de um homem maduro que busca a
autocompreensão de sua infância.
1º. capítulo: Apresentação do colégio interno Ateneu ao futuro aluno Sérgio e seu pai,
o qual já havia estudado ali e, por isso, escolhera-o para seu filho. Sérgio tem o
primeiro contato com Aristarco Argolo de Ramos, o diretor do internato, que lhe
apresentará um mundo novo, cheio de moralidades e regras. O menino, de onze anos,
sente-se empolgado com a oportunidade de sair do seio da família. É dia de festa no
Ateneu, e Sérgio fica deslumbrado com o desfile dos alunos, a organização, os
discursos dos professores e do diretor, a estrutura do colégio “com suas quarenta
janelas”.
2º. capítulo: Começam as aulas. Aristarco mostra as dependências do colégio e deixa
bem claro para Sérgio que, se ele seguir o código, tudo ficará bem, ele o terá como
um pai. Sérgio conhece Rebelo, que o aconselha a não admitir protetores, meninos
maiores que protegem os menores em troca de favores sexuais; Franco, o bode
expiatório do colégio; Barbalho, “o endemoninhado caolho”, que o oprime, desde o
primeiro contato, com palavras e esbarrões.
3º. capítulo: Trata do episódio da “natação”, como é chamado no Ateneu o momento
do banho dos internos. Sérgio é puxado para o fundo das águas escuras. Quem o
salva é Sanches, um menino mais velho, que provavelmente foi quem o puxou.
Sanches torna-se uma espécie de tutor do menino: protege-o e ensina-lhe as
matérias. Com a aproximação física dele, Sérgio decide estudar sozinho.
4º. capítulo: Sérgio não é mais um aluno aplicado e até consegue mentir para
Aristarco. Preocupado com sua religiosidade, torna-se devoto de Santa Rosália. Alia-
se a Franco e juntos aplicam um castigo aos alunos do Ateneu. Ambos são castigados.
5º. capítulo: Sérgio alinha-se com Barreto, que lhe mostra o lado obscuro da
religiosidade. Diz-lhe também que a mulher é o próprio demônio. Eis que acontece um
assassinato dentro do colégio, provocado por Ângela, uma funcionária que se
relacionava com dois homens, e um deles mata o rival.
38
6º. capítulo: Sérgio, interessado em literatura, frequenta a biblioteca do internato, e
aproxima-se de Bento Alves, que lhe faz indicações de leitura. Malheiro, um rapaz
mais velho, insinua um caso entre Sérgio e Bento, e esse fato resulta, para desespero
de Sérgio, em briga entre Malheiro e Bento.
7º. capítulo: Descrição dos bastidores do colégio, envolvendo fatos não previstos no
código: violência, apostas, pornografia. Sem a boa influência de Bento, Sérgio
envolve-se em uma briga com Rômulo, perde os sentidos e acorda mais tarde, ferido,
sob uma escada.
8º. capítulo: Sérgio passa para o segundo ano no Ateneu. Um fato importante, mas
não explicado no livro, é o motivo da briga entre Sérgio e Bento Alves. Bento foge e
Sérgio precisa explicar-se a Aristarco, porém, em vez de fazê-lo, exalta-se e grita com
o diretor, puxando-lhe o bigode. Sérgio não é expulso, já que ninguém presenciou a
briga, e seu pai paga pontualmente as mensalidades.
9º. capítulo: Sérgio aproxima-se de Egbert, tornam-se amigos, um relacionamento
equilibrado, em que um não devia favores ao outro. Sérgio reencontra dona Ema,
esposa de Aristarco, e a compara à sua mãe.
10º. capítulo: Sérgio passa para a terceira classe e muda-se de quarto. Para aqueles
rapazes da terceira classe tudo o que estava previsto no código era facilmente
driblado. Sérgio aproveita-se de uma oportunidade e vinga-se de Rômulo.
11º. capítulo: Franco morre, devido a castigos excessivos. Somente Sérgio sente sua
morte. O Ateneu está em festa, laureada pela classe alta do Rio de Janeiro, pelos pais
e até pela princesa. Aristarco recebe um busto seu como homenagem dos alunos.
12º. capítulo: Sérgio adoece e recebe cuidados maternais de dona Ema. Durante o
período de férias, seus pais vão para a Europa e deixam-no aos cuidados de Aristarco
e Ema. Há um incêndio no internato, o diretor perde tudo, inclusive a esposa, que vai
embora. O incêndio foi proposital, provocado por Américo, um aluno recém-chegado,
que não queria permanecer no Ateneu.
39
1.4 Contexto sócio-histórico de O Ateneu
O Regime Imperialista imposto por Portugal a sua colônia, o Brasil, regia o país
com seus ideais: o etnocentrismo, a crença de que determinados povos são
superiores a outros; o racismo; e o darwinismo social, a afirmação da hegemonia de
um país sobre o outro justificada pela seleção natural. O Brasil crescia já marcado
pela desigualdade entre portugueses e brasileiros, brancos e negros, os mais fortes e
os mais fracos.
O ano que antecede a publicação de O Ateneu no Rio de Janeiro não foi muito
promissor, segundo registros dos jornais da época. Foi um ano de crise no Império,
em especial, pela safra reduzida de café que resultou em abalo financeiro para o
Estado. Desde 1855, clamava-se por uma reforma política e administrativa.
A dívida interna e externa do país, em 1886, podia ser avaliada em mais de um
milhão de contos de réis, conforme o jornal L’Etoile Du Sud citado por Renault (1982,
p. 205). A explicação dada para essa pobreza nacional é, entre outras, a falta de
indústrias e o trabalho sem remuneração. Acreditava-se que a emancipação gradual
dos escravos prolongava a crise. Sendo assim, começaram as discussões sobre o fim
do trabalho escravo. João Alfredo Correia de Oliveira e Antônio Prado apresentaram
o projeto de lei da abolição da escravatura e, em 13 de maio de 1888, a Princesa
Imperial assinou a lei da extinção da escravidão (RENAULT, 1982).
Com relação à educação, conforme dados extraídos do The Rio News, a
situação do ensino no Império não era lisonjeira. As reformas propostas para o ensino
morreram com os atos que as criaram. O custo dos colégios particulares era muito
alto e a qualidade questionável; o grande colégio interno da época, o Colégio Abílio,
em que o próprio Raul Pompeia estudou e, segundo dados biográficos, baseou-se
para escrever O Ateneu, foi fechado por impor penas corporais a um aluno
(RENAULT, 1982, p. 217).
Falando da sociedade do Rio de Janeiro do século XIX, a partir da chegada da
Família Imperial, a sociedade transformou-se. Imperavam costumes rígidos e
patriarcais. Os homens cuidavam dos negócios, enquanto que as mulheres tratavam
dos assuntos domésticos e saíam apenas com o marido; o casamento dos filhos era
decidido pelos pais e a família frequentava a igreja (CUNHA, 1970).
40
1.5 Ateneu como microcosmo social
Ao ler O Ateneu, tem-se a impressão, a princípio, de que se trata de um texto
memorial, afinal é escrito em primeira pessoa e intitulado, pelo próprio Raul Pompeia,
como “Crônica de saudades”; entretanto, essa não é a única vertente do livro.
Segundo Chaves (1978, p. 98), sob o ponto de vista da narrativa psicológica, nessa
retomada do passado com o intuito de criar um elo com o presente, também há um
discurso social.
Desde o início da narrativa, o espaço do internato é comparado ao lar dos
internos, como afirma Aristarco ao receber Sérgio pela primeira vez no colégio: “[...]
Demais, o meu colégio é apenas maior que o lar doméstico”. Sendo assim, Aristarco
assume o papel de pai e sua esposa, Dona Ema, o de mãe: “[...] Se adoecem... trato-
os aqui, em minha casa.” (POMPEIA, 1999, p. 21). Reconstrói-se, dessa forma, no
Ateneu, uma unidade familiar. Sabe-se que a família é a base da sociedade, logo, se
o Ateneu é um microcosmo da sociedade, é possível compreender porque é
apresentado como uma grande família. (CHAVES, 1978, p. 99)
Diante de tal situação, afirma o narrador Sérgio: “Ensaiados no microcosmo do
internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora, onde se vão sofrer todas
as convivências [...]”. (POMPEIA, 1999, p.130). Ao sair de férias, Sérgio percebe que
a paisagem lá fora é a mesma, portanto o internato é um ensaio preparatório para a
vida adulta que terá quando deixar o colégio:
No internato, o aparato festivo e cívico da festa de encerramento dos trabalhos encerra a maior das inverdades. É um biombo reluzente a ocultar um mundo de desorganização, de corrupção, de perversão e de injustiça. A máquina instalada para preparar jovens seres no caminho da existência [...]. (IVO, 1963, p. 15)
Se o Ateneu é um microcosmo, Aristarco é a autoridade máxima desse mundo
(CHAVES, 1978). Se o Ateneu representa a luta do mais forte contra o mais fraco,
Aristarco representa o mais forte (SOUZA, 2011). Se o tema principal da obra são as
relações de poder, Aristarco, como diretor do internato, é a maior representação de
poder:
[...] tanto pelo Poder que encarna, no nível da ação, quanto pela força qualitativa que a escritura de Raul Pompeia lhe confere. Aristarco é o Deus do Ateneu, seu criador, seu diretor onisciente e onipresente; o Todo-
41
Poderoso que mantém presas, sob seu olhar vigilante e seu arbítrio irrecorrível, todas as criaturas desse pequeno universo. (PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 87)
O medo e a insegurança são os sentimentos que regem os menores que se
iniciam na escola; tudo é novo, grande e ameaçador: “[...] eu estava perfeitamente
virgem para as sensações da nova fase. O internato!” (POMPEIA, 1999, p. 12). Mais
tarde, Sérgio menciona que os maiores causavam-lhe pavor, pois tinha apenas onze
anos quando ingressou no colégio e longe da mãe sentia-se desprotegido:
Tudo ameaça os indefesos. O desembaraço tumultuoso dos companheiros à recreação, a maneira fácil de conduzir o trabalho, pareciam-me traços de esmagadora superioridade [...] o braço do Sanches vinha salvar-me, segunda vez, de submersão [...]. (POMPEIA, 1999, p. 35)
Segundo Bosi (2003, p. 73), a situação descrita em O Ateneu baseia-se, em
partes, na teoria da Origem das espécies, de Darwin, em que é previsto, pela seleção
natural, o esmagamento dos fracos e dos inaptos pelos mais fortes. Haja vista que os
menores apanhavam dos veteranos, por isso tinham medo de passar por eles: “Num
ponto e noutro formavam-se pequenos sarilhos [...]. Eram os pobres novatos que os
veteranos sovavam à cacholeta, fraternalmente.” (POMPEIA, 1999, p. 29).
Nessa relação de poder, sempre existem dois lados, há os que humilham e os
humilhados. No Ateneu, durante a maior parte da narrativa, Aristarco é aquele que
humilha, entretanto, em alguns episódios e, no final, ele será o humilhado.
1.6 O diretor Aristarco
“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos [...] enchia o Império com o seu renome de
pedagogo”, (POMPEIA, 1999, p.12). Se D. Pedro II era imperador do Brasil, Aristarco
era o imperador do Ateneu (BOSI, 2003). Basta pensar no nome Aristarco,
etimologicamente seu nome significa "governante dos melhores", o radical “aristo”
(ótimo, melhor) ajuda a compor o seu nome; além disso, o radical “arc” forma também
a palavra arcaico, marcando mais uma característica da personagem, que preza
valores e métodos antigos. (SAVIOLI, 1998, p. 218).
Ambição e hipocrisia constituem o arco que sustenta o Ateneu, tendo Aristarco
42
como pedra de esquina2: “Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma
perfeição rigorosa de acordo”. (POMPEIA, 1999, p. 22). Dessa maneira, o internato
não é conduzido primordialmente como escola, mas sim como um negócio que precisa
dar lucro: “[...] havia no semblante de Aristarco uma pontinha de aborrecimento.
Decepção talvez de estatística; o número de estudantes novos não compensando o
número dos perdidos [...]” (POMPEIA, 1999, p. 22). O crítico Pontes (1935, p. 197)
refere-se a Aristarco como “educador charlatão”, pois a última preocupação deste é
com a educação. Segundo Bosi (2003, p. 56), Raul Pompeia levanta em O Ateneu o
questionamento sobre a educação como negócio.
“Já frouxa a fibra dos rigores [...] desprestigiava-se a lei, salvavam-se, porém
[...] o crédito do estabelecimento, que nada tinha a lucrar com o escândalo de um
grande número de expulsões [...]” (POMPEIA, 1999, p. 113). Aristarco divide-se,
então, em duas distintas personalidades, uma que age de maneira rigorosa com os
alunos gratuitos3 e os inadimplentes, e a outra, liberal com os filhos de pagantes
assíduos. Em meio a tanta hipocrisia não há boas ações, logo, dar bolsa de estudo a
alguns alunos pobres atende exclusivamente ao interesse de Aristarco de sobressair-
se e não de ajudar o próximo: “Havia no Ateneu [...] alunos gratuitos, dóceis criaturas
escolhidas a dedo para o papel de complemento objetivo de caridade [...] com todos
os deveres, nenhum direito [...]”. (POMPEIA, 1999, p. 97).
O conflito de classes sociais transfere-se do mundo externo para dentro da
escola e, conforme Ivo (1963, p. 16-17), dos escritores do Segundo Império, Pompeia
é um dos que mais bem documentam a estrutura econômico-social da época,
refletindo uma sociedade fundada sobre a injustiça e o privilégio, a qual é simbolizada
por Aristarco: “Punha ciência em distribuir sorrisos, de acordo com a ordem social das
pessoas e dos pagamentos das contas do colégio [...]“. (POMPEIA, 1999, p. 19)
Para tão nobre e complexa personagem, linguagem à altura. O uso recorrente
de expressões metafóricas envolvendo Aristarco é explicado por Schwarz, em nível
literário “[...] esse mesmo tom reaparece no próprio estilo do livro, hiperbólico e
metafórico [...]. A linguagem perde, parcialmente sua função de indicar os processos
do real; é dramatizada a ponto de ser pura expressão [...].” (1981, p. 28).
2 Pedra de esquina é a pedra central de um arco, sem ela, o arco não tem sustentação. 3 Alunos pobres que ganhavam bolsa de estudo. Tinham por obrigação brilhar “pois caridade que não brilha é caridade em pura perda.” (POMPEIA, 1999, p. 97)
43
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A proposta desta pesquisa é de, na esteira da proposta teórico-metodológico
da LSF, relacionar as escolhas lexicogramaticais feitas na microestrutura do texto,
com a ideologia e as relações de força presentes na macroestrutura do discurso. Tais
escolhas constituem expressões metafóricas (ou minimetáforas) que concorrem para
a formação de uma metáfora conceptual que engloba a obra, evidenciando
persuasivamente a ideologia que cerca o diretor Aristarco.
Para tanto, recorro às seguintes teorias: linguística sistêmico-funcional
(Halliday, 1994, 2004), que permite relacionar a microestrutura do texto à
macroestrutura do discurso e que inclui a noção de avaliatividade (Martin, 2005) e de
coesão lexical (Li, 2010). Em seguida, a linguística sistêmico-funcional alia-se ao
cognitivismo, uma vez que tanto a metáfora (Goatly,1997 e Charteris-Black, 2004),
quanto a ironia (El Refaie, 2005 e Burgers et al.,2012), teorias aqui aplicadas, são
fenômenos que ocorrem na mente do leitor. E, por fim, a ideologia, Fairclough (1992),
associada à teoria da hegemonia, Gramsci (1999) para relacionar o discurso ao
processo persuasivo.
2.1 Linguística Sistêmico-Funcional
A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta teórico-metodológica
de Halliday (1994, 2004) e de seus colaboradores. Subjacente à LSF, existem quatro
premissas maiores. O modelo estabelece: (i) que o uso da língua é funcional; (ii) que
sua função é construir significados; (iii) que os significados são influenciados pelo
contexto social e cultural em que são intercambiados; e (iv) que o processo de uso da
língua é um processo semiótico, um processo de construir significado por meio de
escolhas (EGGINS, 2004, p. 3).
É por essas razões que a LSF é descrita como "uma abordagem semântico-
funcional da língua" (EGGINS, 2004, p. 20), uma teoria que procura entender como
as pessoas usam a língua em diferentes contextos sociais para fazer sentido. Para
classificar os tipos e significados que os atores sociais geram, a LSF concebe a língua
44
como a expressão de três metafunções concorrentes: ideacional (informação),
interpessoal (interação) e textual (construção do texto) (HALLIDAY, 2004; MARTIN,
2000). Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a LSF é um modelo
multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a
interpretação da língua em uso".
Importante para a LSF é a noção de escolhas: quando se faz uma escolha no
sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um
fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o
foram, fato importante na análise do discurso. Em resumo, a LSF procura desenvolver
uma teoria sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita
uma descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos.
A língua é considerada um recurso para fazer significado: o código, como um
recurso sistêmico, um potencial de significado; o comportamento, como a realização
desse potencial de significado em situações da vida real (HALLIDAY, 1994). Nesse
processo de realização, a língua funciona para preencher uma série de necessidades
humanas, e a riqueza e a variedade de suas funções estão refletidas na natureza da
própria língua, em sua organização como um sistema, segundo Halliday (1994).
Conforme foi dito, as funções da língua, que preenchem uma série de
necessidades humanas, estão categorizadas sob um guarda-chuva de três
metafunções, a saber, a ideacional, a interpessoal e a textual, que são realizadas
simultaneamente, segundo Halliday (1994). A metafunção ideacional refere-se à
habilidade para construir experiências humanas, nomeando entidades e construindo
categorias e taxonomias; a metafunção interpessoal permite que as pessoas interajam
em relações pessoais e sociais; a metafunção textual refere-se à possibilidade da
construção do texto para facilitar as outras duas, dando textura ao texto para fazê-lo
operacionalmente relevante (HALLIDAY, 1973; 2004). A língua possui um nível
intermediário de codificação: a lexicogramática. É este nível que possibilita à língua
construir concomitantemente os três significados, que entram no texto por meio das
orações.
Neste trabalho, proponho-me a fazer a análise da metafunção ideacional,
considerando o sistema da transitividade (processo e participantes) e também da
metafunção interpessoal, por meio da análise do sistema da avaliatividade (atitude e
graduação), a fim de responder à pergunta: (b) Que escolhas lexicogramaticais
referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?
45
A metafunção ideacional, diz Halliday, tem a função de representar padrões de
experiência. As línguas capacitam o ser humano a construir um quadro mental da
realidade, para que ele entenda o que acontece ao seu redor e no seu interior (1994,
p. 106). Aqui, novamente, a oração tem um papel central, porque ela incorpora um
princípio geral de modelagem da experiência – ou seja, o princípio de que a realidade
é feita de processos.
Nossa impressão mais poderosa da experiência é de que ela consiste de
'eventos' – acontecer, fazer, sentir, significar, ser e tornar-se. Todos esses eventos
estão distinguidos na gramática-da-oração, continua o autor. A oração é também um
modo de reflexão, de ordenação da variação infinita do fluxo de eventos. O sistema
gramatical pelo qual isso é alcançado é o da transitividade. O sistema de transitividade
constrói o mundo da experiência em um conjunto manipulável de tipos de processo.
A análise da transitividade pode, examinando as escolhas feitas no texto referentes a
estados de ser, ações, eventos e situações referentes a dada sociedade, mostrar o
viés e a manipulação envolvidos nessas representações. Aplicando essa teoria na
análise de O Ateneu, poderei responder à pergunta: (c) como é feita a relação entre
as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da
ideologia e relações de força do discurso?
Halliday (1994) sugere que os processos semânticos representados na oração
têm potencialmente três componentes: o próprio processo, que é expresso pelo grupo
verbal da oração; os participantes envolvidos no processo, realizados pelos grupos
nominais da oração; e as circunstâncias associadas com o processo, expressas por
grupos adverbiais ou preposicionais.
O autor ainda sugere a classificação dos processos, conforme representem
ações, eventos, estados da mente ou estados de ser. Material, mental e relacional são
os três tipos principais no sistema da transitividade do inglês, referindo-se
respectivamente a ações ou eventos do mundo externo, a experiência interna da
consciência e os processos que classificam e identificam. Nos limites entre esses,
estão os processos: comportamental (que representam manifestações de atividades
internas), verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana e em
estados fisiológicos) e existencial (processos relacionados à existência, resumidos no
Quadro 1 e explicados mais detalhadamente a seguir.
46
Quadro 1 - Tipos de processos na LSF
Tipos de Processo
Exemplos
Material
Comportamental
Mental
Verbal
Relacional
Existencial
João [ator] DEU um livro [meta] a Pedro [beneficiário].
João [comportante] GEMEU de aflição.
João [experienciador] GOSTOU do presente [fenômeno].
João [dizente] lhe [receptor] DISSE que viajará [verbiagem].
João [portador] É inteligente [atributo].
HÁ alunos [existente] na classe [circunstância].
Fonte: Halliday (1994)
Em termos da metafunção interpessoal, a oração está organizada como um
evento interativo, envolvendo produtor e receptor da mensagem, e focaliza a interação
como uma troca de bens e serviços (proposta) ou de informação (proposição)
(HALLIDAY, 1994), dividindo-se em mood4 e resíduo. Como demonstra o Quadro 2:
Quadro 2 - Modalidade
DAR PEDIR Produto MODALIDADE
Informação
Proposição →
(Informação)
Modalização
probabilidade:
talvez
e.g. São duas horas. e.g. Quem você
viu lá?
frequência:
geralmente,
sempre
Bens e Serviços
Proposta →
(Bens &
Serviços)
Modulação
obrigação: deve,
precisa
e.g. Deu-lhe flores. e.g. Me empresta
isso?
desejabilidade:
quero
Fonte: Halliday (1994)
O mood estabelece relações entre papéis de falante e de ouvinte, por meio de:
(i) orações declarativas (afirmativas ou negativas), interrogativas, imperativas e, no
caso do português, as subjuntivas; (ii) modalidade, que inclui verbos modais (ex.,
4Mood tem sido traduzido por Modo (com inicial maiúscula). Decidi manter o termo do original inglês, para evitar confusão com Modo, variável de Registro (contexto situacional).
47
precisar, poder, querer), adjuntos modais (ex. talvez, certamente) e o tempo primário
(tempo verbal). O mood envolve: sujeito + finito (e modalidade) e o resíduo envolve:
predicador, complemento e adjunto modal.
O resíduo consiste de elementos funcionais de três tipos: predicador,
complemento e adjunto. Há apenas um predicador, um ou dois complementos e um
número indefinido de adjuntos até, em princípio, cerca de sete, segundo Halliday. O
Quadro 3 mostra as estruturas de mood e de resíduo.
Quadro 3 - Metafunção interpessoal: exemplo de análise
Contudo, em minha opinião, o duque deve dar o bilhete na festa, sem dúvida.
(a) Oração como permuta [Mood e Resíduo]
Contudo em minha
opinião
o duque deve dar o bilhete na festa sem dúvida
Adj. Conjunt.
Adj. Modal
Sujeito
Finito5
Predicador6
Complemento
Adj.
Circunst.
Adj. Modal
Ø7 MOOD RESÍDUO MOOD
Fonte: Adaptado de Halliday (1994)
Apresento no Quadro 4, a análise de: Certamente, ele estudou inglês no
passado, pelas duas metafunções apresentadas.
Quadro 4: As metafunções
METAFUNÇÕES Certamente ele estudou inglês no passado.
Ideacional ------ ator processo material meta circunstância
Interpessoal
Certamente ele estud- -ou inglês no passado.
mood resíduo mood resíduo
finito:
modalidade
sujeito predicador finito:
tempo
complemento adj. adverbial
Fonte: Halliday (1994)
5 Finito indica tempo primário e modalidade 6 O Predicador tem 4 funções: tempo secundário (passado, presente, futuro relativos ao tempo da fala) – aspecto
(parecer, tentar, esperar) – voz – processo (material, mental...) 7“Contudo” não faz parte da metafunção interpessoal, mas da metafunção textual. Daí, não ter sido analisado nesse
exemplo.
48
● Em relação à metafunção ideacional, o verbo "estudar" expressa um
processo material, "ele" um participante - ator, "inglês" um participante -
meta; e "no passado" uma circunstância de tempo. Esses elementos
representam a transitividade da oração.
● Em relação à metafunção interpessoal, é uma sentença declarativa, na qual
o mood é realizado pelo sujeito "ele", e pelo finito: (i) pela terminação (flexão do
pretérito perfeito); (ii) pela modalização "certamente". O restante da frase forma
o resíduo.
A metafunção interpessoal da linguagem é hoje a mais relevante para as
pesquisas recentes, já que as escolhas lexicogramaticais que se fazem tanto na
metafunção ideacional, quanto na textual, são feitas tendo sempre em vista a
interlocução, ou seja, a metafunção interpessoal. Talvez por esse motivo, essa
metafunção tem recebido contribuições que fortaleceram seu poder analítico. Assim é
a noção de avaliatividade, que apresento a seguir.
Na LSF, a avaliação é estudada sob a denominação de avaliatividade, Martin
(2000), um sistema que trata do posicionamento do escritor em relação à mensagem
e ao interlocutor, em termos de sentimento, julgamento ético de pessoas e apreciação
estética de objetos. Na essência, a avaliatividade é um enquadre que mapeia os
recursos que usamos para avaliar a experiência social (MARTIN, 2000; MARTIN e
WHITE 2005). Esses recursos podem se realizar por meio de várias estruturas
gramaticais e lexicais. Inclui recursos graduáveis para a avaliação de pessoas, lugar
e coisas de nossa experiência (atitude), para ajustar nosso compromisso com o que
avaliamos (engajamento) e para aumentar ou abaixar a avaliação (graduação).
O subsistema da atitude envolve:
• afeto: um conjunto de recursos linguísticos para avaliar a experiência em
termos afetivos, para indicar efeito emocional positivo ou negativo de um
evento.
• julgamento (ético): significados que servem para avaliar o comportamento
humano com referência a normas que regem como as pessoas devem ou não
agir.
• apreciação (estética): constrói a qualidade ‘estética’ dos processos semióticos
do texto, e fenômenos naturais (‘notável, desejável, harmonioso, elegante,
49
inovador’).
• avaliação social - uma subcategoria de apreciação, refere-se à avaliação
positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.
O subsistema da graduação envolve um conjunto de recursos para aumentar
ou diminuir a intensidade da avaliação. E o subsistema de engajamento é um conjunto
de recursos que capacita o escritor (ou o falante) a tomar uma posição pela qual sua
audiência é construída como partilhando a mesma e única visão de mundo ou, por
outro lado, a adotar uma posição que explicitamente reconhece a diversidade entre
várias vozes. O Quadro 5 apresenta os subsistemas da avaliatividade:
Quadro 5 - Os subsistemas da avaliatividade
APPRAISAL (Avaliatividade)
ATITUDE
Afeto
Julgamento
Apreciação
COMPROMISSO
Monoglóssico
Heteroglóssico
GRADUAÇÃO
Força aumenta
diminui
Foco aguça
suaviza
Fonte: Adaptado de Martin (2003)
Há dois modos básicos de avaliatividade que são importantes para a narrativa:
inscrita e evocada, conforme mostra o Quadro 6.
Quadro 6 – Tipos de avaliatividade
Fonte: Adaptado de Martin (2003)
Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.
Evocada (implícito) (tokens ‘fatuais’)
As crianças conversavam enquanto ele dava aula.
Implícita provocada (alguma linguagem avaliativa)
A professora já estava na sala, mas as crianças continuavam falando.
50
Elas podem ocorrer separadamente ou combinadas de diferentes modos dentro
de uma fase do texto. A avaliatividade inscrita torna a atitude explícita por meio de
léxico avaliativo ou de sintaxe. Ela se introduz diretamente no texto por meio de
epítetos atitudinais ou relacionais ou adjuntos de comentário. Mais recentemente foi
incluída a avaliatividade provocada.
A avaliatividade evocada é alcançada pelo enriquecimento do léxico em um ou
mais trechos do texto e pode envolver uma infusão sutil de sentimento na sequência
do evento. É o que Martin (2000) chama de tokens de atitude e são mais difíceis de
perceber do que a avaliatividade inscrita, porque seu significado é mais de
transferência do que literal. Contudo a avaliatividade evocada é importante porque é
o mecanismo primário pelo qual o texto se insinua nas atitudes do leitor.
Naturalmente a avaliatividade evocada torna toda a tarefa da análise linguística
mais difícil. Mas mesmo as expressões abertamente atitudinais são vozeadas por
personagens e daí relativizadas pelo texto.
Este trabalho apresentará a análise das expressões metafóricas a luz dos
seguintes subsistemas de avaliatividade: atitude e graduação, tendo em vista a
pergunta de pesquisa: (b) que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade
compõem as metáforas nesse processo? Faço o recorte atitude e graduação, visto
que a teoria é muito ampla para ser utilizada integralmente na análise.
A avaliatividade não somente permite analisar expressões de significado
avaliativo direto ou indireto, mas também explica os modos pelos quais padrões de
significado avaliativo se acumulam dinamicamente através do texto. Os valores
atitudinais acumulam significados com base na companhia que mantêm e as relações
que contraem com outras palavras no texto. Dado que o ambiente da axiologia do
texto é o texto, uma fase pode carregar atitude de algum lugar do texto. Trechos do
texto não marcados explicitamente para atitude podem carregar significados
avaliativos em virtude de seus elos coesivos para outras partes mais atitudinais do
texto.
Os leitores são sensíveis a síndromes ou complexos de significado atitudinal e
aos modos como confirmam, opõem-se ou transformam escolhas de palavras em
outros locais do texto. Essas configurações de escolhas avaliativas relevantes criam
o que Thompson (1998) denomina “ressonância” – uma harmonia de significados que
é um produto de uma combinação de escolhas não identificáveis com qualquer outra
escolha, consideradas isoladamente. Como veremos na análise do modo de
51
avaliatividade, as expressões de atitude evocadas (implícitas) e inscritas (explícitas)
entram numa espécie de dança através do texto criando um espaço semântico mais
amplo que, por si, se torna avaliativo. Outros perceberam esse fenômeno em estudos
de avaliação. Hunston e Thompson (2000), por exemplo, falam sobre a complexidade
de sua realização em diferentes discursos, e Lemke (1998) sobre a qualidade
propagativa da avaliação. A esse respeito – embora algumas partes do texto possam
ser mais ou menos interpessoalmente salientes do que outras - precisamos ver todo
o texto como aberto para e criativo de avaliação, seja ela implícita ou explícita.
Macken-Horarik (2003) modela esse processo em termos de uma relação
semântica entre fases que ela chama de metarrelações, com o prefixo “meta”-
indexando o significado de ordem superior dessas relações. A criação de empatia
depende da combinação de fases em que uma confirma a outra e que filtra a
experiência por meio da consciência da personagem. Podemos construir essa relação
como uma configuração de metarrelações. Há uma harmonia de escolhas de
avaliatividade nesses domínios experienciais que confirmam nossa impressão de
seus valores (confirmação).
A percepção ética é o resultado de um conjunto de relações semânticas (ou
metarrelações) com as que cocriam empatia. No caso de julgamento do correto ou do
errado de um comportamento, vemos que as avaliações externas são cruciais.
Avaliações externas estabelecem um centro alternativo de avaliação.
A categoria como a metarrelação é importante porque possibilita interpretar a
copadronização de escolhas de avaliatividade em certas fases e construir as relações
semânticas entre uma fase e outra. Assim, podemos tratar não somente de formas
explícitas de avaliação como a avaliatividade inscrita, mas também de escolhas de
avaliatividade implícita através de longos trechos do texto. Podemos ver os modos
pelos quais as combinações de escolhas conspiram para criar atitudes específicas no
leitor ideal conforme ele processa o texto. E podemos ver como certas configurações
de metarrelações coocorrem em diferentes aspectos no posicionamento do leitor.
Enquanto a empatia favorece a seleção de confirmações, a percepção ética favorece
a seleção de avaliações externas e internas, transformações e oposições.
O Quadro 7 apresenta um resumo das metarrelações que são importantes para
a criação de empatia e percepção nos leitores ideais.
52
Quadro 7 - Avaliatividade interna e externa
Metarrelação Significado semântico
Confirmação Fase que cria equivalência com fase (s) anterior (es) por meio de escolhas
de avaliatividade semelhantes.
Oposição Fase que cria contraste com fase (s) anterior (es) por meio de escolhas de
avaliatividade opostas.
Transformação Fase que cria mudança de significado em relação a fase (s) anterior (es) por
meio de mudança nas escolhas de avaliatividade.
Avaliação interna Fase que projeta a visão interior e os sentimentos do personagem.
Avaliação externa Fase que verbaliza a visão interna e os sentimentos do personagem.
Fonte: Macken-Horarik (2003)
Há duas noções importantes para a LSF: (a) a relação entre língua e contexto
social, envolvendo o contexto cultural (gênero) e o contexto situacional (registro, com
suas variáveis de campo, relações e modo, referindo-se ao assunto, aos interactantes
e à construção do texto, respectivamente); e há também um terceiro contexto o
ideológico, que ocupa um nível superior de contexto, referindo-se a posições de poder,
a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e perspectivas que os
interlocutores trazem para seus textos; a análise dos aspectos ideológicos tem sido
feita, dentre outros, pela Linguística Crítica (FOWLER, 1991); (b) a noção de escolhas:
quando se faz uma escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz
adquire significado contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam
ter sido feitas, mas que não o foram, fato importante na análise do discurso.
Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a LSF é um modelo
multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a
interpretação da língua em uso". Além disso, a língua é vista como uma prática social,
o resultado da relação entre dois aspectos fundamentais - sua sistematicidade e sua
funcionalidade (MARTIN, 1997). A funcionalidade - o que mais me interessa - está
refletida no discurso através da estrutura gramatical interna da língua, isto é, as
funções da língua fornecem as motivações para a sua forma e a sua estrutura
(HALLIDAY, 1978). Em resumo, a LSF procura desenvolver uma teoria sobre a língua
como um processo social e uma metodologia que permita uma descrição detalhada e
sistemática dos padrões linguísticos.
A pesquisa aqui proposta levantará as expressões metafóricas usadas em O
Ateneu, referentes ao diretor Aristarco, e analisará essas expressões com base nas
53
metafunções ideacional e interpessoal e, a partir desse levantamento, será possível
traçar a coesão lexical.
2.1.1 A Coesão Lexical
A escolha lexical e a coesão constroem significados no discurso que
transcendem os significados referenciais de cada palavra por meio da interação de
itens lexicais que se relacionam semântica e pragmaticamente, explica Li (2010). Para
Van Dijk (1988, p. 177), a escolha lexical é "um eminente aspecto do texto em que
opiniões e ideologias escondidas podem se superficializar”.
Li (2010) investiga as relações entre escolhas de certas formas linguísticas e
as ideologias e relações de poder que subjazem a essas formas. Sua abordagem
apoia-se em Van Dijk (1997) e tenta relacionar a noção macro da ideologia do discurso
às noções micro das escolhas lexicogramaticais do texto. A abordagem de Van Dijk
recorre a uma metodologia que se apoia na gramática-da-oração para explicar o modo
como os traços da estrutura superficial do texto comunicam ideologias específicas e
identidades de grupo no nível profundo.
Com enfoque na gramáica-da-oração dos textos, Li (2010) analisa a
transitividade e a coesão lexical no enquadre da Linguística Sistêmico-Funcional
(LSF), conforme Halliday. Assim, a língua é entendida pela LSF como uma "rede de
opções entrelaçadas" (HALLIDAY, 1994, p. xiv), que é uma gramática do significado,
ou seja, ela vê a língua como um sistema de significados realizados por meio de
funções do rico recurso de opções gramaticais selecionadas pelo usuário da língua.
O significado envolvido na língua emerge em relação a escolhas específicas feitas
pelos seus usuários. Essas escolhas gramaticais são descritas em termos funcionais
para que sejam significativas semântica e pragmaticamente.
A visão funcional da LSF das escolhas linguísticas como índices de
significados, segundo Li, cruza com a Análise do Discurso Crítica: ambas são guiadas
pela suposição subjacente de que as formas linguísticas e as escolhas expressam
significados ideológicos. A LSF oferece um instrumento analítico específico para o
exame sistemático das relações de poder no texto bem como as motivações,
propósitos, suposições e interesse dos produtores do texto. Com seu foco na seleção,
54
categorização e ordenação do significado nas microestruturas no nível da oração mais
do que no macronível do discurso, a LSF é especialmente útil para uma análise
sistemática por meio do enfoque nos traços linguísticos no micronível dos textos, que
fornecem intravisões críticas na organização dos significados.
A coesão lexical não é um recurso estável que liga informações no texto; é um
processo dinâmico que formata o significado no texto e contribui para a informação
geral. Assim, a coesão lexical pode fornecer intravisões importantes no processo da
construção da ideologia do texto. Essa visão condiz com a teoria conceptual da
metáfora, de Lakoff e Johnson (1980). Como um mapeamento ontológico e epistêmico
por meio de domínios conceituais (da fonte para a meta), a metáfora não é apenas
uma questão de língua, mas também um conceito intimamente ligado ao pensamento
e ao raciocínio, que tem consequências sociopolíticas. As metáforas conceptuais e a
coesão lexical influem em nossas experiências cognitivas e nos predispõem a ver
aspectos da realidade de um certo modo. Na análise da coesão lexical, Li (2010)
enfoca a construção de metáforas conceptuais dominantes por meio de repetições de
itens lexicais relacionadas colocacionalmente – as expressões metafóricas. Essas
metáforas funcionam como temas organizacionais criando um determinado
entendimento do evento, no caso, o bombardeio da embaixada chinesa pela OTAN.
Li (2010) examina a ideologia presente nos relatos sobre o ocorrido no jornal The New
York Times e no China Daily.
Assim, as expressões metafóricas do texto do TNYT (a seguir, de 1 a 6)
constroem a - metáfora da enchente - protestos são enchentes:
1 Protestos irados irromperam na cercania de escritórios do governo
Americano em diversas cidades.
2 Os protestos marcaram um extraordinário momento em uma cidade
controlada em que explosões são normalmente proibidas.
3 Um grupo de 50 participantes invadiu as linhas da polícia.
4 Eles por certo não estavam preparados para essa onda de ódio.
5 A atual explosão de emoção nacionalista.
6 Um poderoso fluxo de sentimento antiamericano despertou após o
bombardeio.
Li cita também outras metáforas assim construídas, como as de “fogo”, do
55
“animal feroz” e outras, que conjuntamente contribuem para a persuasão do leitor.
A análise dos padrões lexicais na representação do TNYT revela um uso
abundante de léxico que gradual, mas consistentemente, constrói diversos temas
metafóricos que permeiam o texto do jornal. Para construir a natureza perigosa e
destrutiva dos protestos chineses, o jornal usa uma série de metáforas conceptuais
relacionadas em que os protestos chineses são descritos em termos de inundação
perigosa, fogo violento, animais selvagens que a polícia luta para controlar.
Construindo os protestos chineses e as emoções em termos dessas metáforas
de enchente, fogo e animais selvagens, o TNYT cria uma "realidade" das
demonstrações que, em vez de serem ordenadas e pacíficas, são selvagens, violentas
e destrutivas, indo além do controle da polícia e ameaçadoras da segurança das
vítimas atacadas por enchentes, fogo e animais.
O sistema da construção metafórica da imagem da China no bombardeio é
ampliada por meio de metáforas teatrais consistentemente usadas nos artigos do
TNYT. Nessa metáfora, os protestos chineses são retratados como um show
desenhado cuidadosamente, e o governo chinês e o Partido Comunista como os
diretores do show.
Além das metáforas dominantes acima discutidas, a construção ideológica da
reportagem dos protestos chineses pelo TNYT é também ampliada por meio do uso
estendido das metáforas-laterais, side-metaphors. Os protestos e os protestadores
chineses, por exemplo, são descritos como "ilegais", "estridentes" e "furiosos". Essas
descrições criam uma imagem de caos associada a protestos e apresentam os
protestadores como uma multidão odiosa que cria conflitos. Relacionada a essa
representação dos protestos há a caracterização repetida do nacionalismo chinês
como "enfurecida", sugerindo um estado doentio de emoções nacionalísticas
expressas nos protestos que são irracionais, extremos e frenéticos em sua natureza.
Assim, as escolhas do TNYT que estão semanticamente ligadas a conotações
pragmáticas específicas constroem específicas imagens da China e dos protestos
chineses. Essas construções metafóricas não apenas criam uma versão da
"realidade" que reprova suas atividades, mas também apela para as emoções do
leitor, formatando sua compreensão e interpretação do evento. Essa construção
metafórica ideologicamente motivada realiza um papel igualmente saliente na
representação do China Daily (CD), do bombardeio como um crime contra a China.
O léxico que retrata a OTAN e suas atividades de modo polemicamente
56
negativo é abundante no CD. Esses itens lexicais invocam a imagem central de um
assassino e agressor implacável. O uso repetido de palavras como "crime bárbaro",
"criminoso" e "culpado", por exemplo, introduz o leitor no tema metafórico do
perpetrador cruel, servindo para ativar o conhecimento do leitor da situação da
matança e criar certas expectativas com relação ao léxico dos textos sobre o evento.
A situação de matança, de um modo geral, envolve tipicamente duas partes: o
assassino e a vítima. Com o estabelecimento da situação de assassinato, os textos
do CD condenam a OTAN, criando simpatia no leitor pelas vítimas e ressentimento
contra o matador. É esse tema de assassinato que sublinha a reportagem do CD sobre
o bombardeio da OTAN, que constrói a imagem dos EUA e da OTAN como violadores
de valores humanísticos.
A caracterização negativa dos EUA e da OTAN é evidenciada por múltiplas
categorias lexicais no artigo. A OTAN é descrita como "transgredindo" e "infringindo"
a soberania chinesa e "pisoteando" os direitos humanos. Eles também "intimidam"
outros países, "causam" calamidades, e "confrontam" a dignidade chinesa. Essas
representações constroem para o leitor a imagem de um invasor e agressor que traz
desastres a outras pessoas e países. Até mais eficazmente, a palavra "açougueiro"
associa as ações da OTAN com a de assassino. Além disso, a OTAN é identificada
como "fomentadora de guerras" e “trigger-it-pullers", e as ações da OTAN são
intituladas como "reino do terror". O uso de termos militares, combinado com o uso de
palavras como "derramamento de sangue" e "fato sanguinário", estabelece um
enquadre adicional de guerra no qual o comportamento da OTAN é caracterizado
como "hegemonia" e "poder despótico", reforçando ainda mais o tema do agressor e
hipócrita fora da lei. Todas essas estruturas metafóricas retratam a OTAN como um
assassino inexorável e odioso cujos crimes levam ao sofrimento humano e à
"destruição" da humanidade.
Partindo desse modelo de Li (2010), esta tese de doutorado fará o
levantamento das expressões metafóricas referentes ao diretor Aristarco e, por meio
da análise da transitividade e da avaliatividade, traçará a coesão lexical. O
mapeamento da coesão lexical evidenciará elementos que ajudarão a responder às
três perguntas de pesquisa.
Para finalizar essa primeira parte da fundamentação teórica, alguns linguistas
observaram que a crítica social é em geral articulada por meios muito semelhantes à
linguagem dominante. Daí a dificuldade fundamental de achar uma nova linguagem
57
para a sua expressão. É aqui que a metáfora e a ironia se fazem presentes, e, por
isso, serão o assunto da próxima seção.
2.2 A LSF e o Cognitivismo
Muitos de nós que trabalhamos com a linguística operamos dentro de um
modelo único, semeando nosso próprio caminho teórico a fim de buscar uma visão
particular e, às vezes, restrita da linguagem, diz Butler (2013), o que é compreensível,
já que um entendimento profundo de um único modelo já é suficientemente difícil de
alcançar. Porém, se não houver a tentativa de familiarizar-se com outras áreas do
conhecimento que exercem influências poderosas sobre a linguagem, torna-se
igualmente difícil esse processo.
Assim, a fim de compreender o fenômeno altamente complexo e multifacetado
a que chamamos linguagem, devemos ir além de modelos individuais, engajando-nos
em diálogos, o que nos ajudará a melhorar a compreensão e integração das muitas
facetas da habilidade linguística humana. Para explicar essa integração, Butler (2013)
julga que praticantes da LSF e da Linguística Cognitiva (doravante LC) poderiam
beneficiar-se com um diálogo construtivo com psicolinguistas, bem como entre ambos.
A abordagem cognitiva surgiu, nos anos 1970, como uma reação à abordagem
predominantemente formalista, essencialmente chomskyana. Na visão geral do
empreendimento da LC, Evans, Bergen e Zinken (2007, p. 2), enfatizam que a relação
próxima entre o desenvolvimento dela e o trabalho em outras ciências cognitivas,
particularmente a psicologia cognitiva, está sendo especialmente evidente no
trabalho de categorização humana. Particularmente influente, quando o movimento
ganhou chão dos anos 1980 em diante, foram a Gramática Cognitiva de Langacker
(1987, 1991) e o trabalho de Lakoff e seus colegas sobre a difusão da metáfora na
nossa linguagem do dia a dia (i. e. LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2003]); e, sobre
categorização e modelos cognitivos idealizados (LAKOFF, 1987).
Crucialmente, essas abordagens orientadas cognitivamente são baseadas no
uso, na medida em que enfatizam a importância do uso no tratamento das
propriedades do sistema linguístico e como ele é adquirido. Elas sugerem que a
gramática do falante é destilada de um grande número de eventos de uso aos quais
58
o falante é exposto e dos quais participa.
A posição tomada por Halliday e Mathiessen (1999) contrasta fortemente com
a representada na caracterização da ciência cognitiva tradicional. Sua abordagem,
tanto na teoria quanto no método, está em contraposição à abordagem da ciência
cognitiva: nós tratamos a “informação” como significado em vez de como
conhecimento, e interpretamos a linguagem como um sistema semiótico, e mais
especificamente com a semiótica social, e não como um sistema da mente humana.
Essa perspectiva nos leva a colocar menos ênfase no indivíduo do que seria típico de
uma abordagem cognitiva típica; ao contrário de pensar e conhecer, pelo menos como
são tradicionalmente concebidos, o significado é um processo social, intersubjetivo.
Se a experiência for interpretada como significado, sua interpretação se torna um ato
de colaboração, às vezes, de conflito e sempre de negociação. (HALLIDAY e
MATHIESSEN, 1999, p. 2).
A despeito das diferenças na abordagem, a LSF e o cognitivismo cruzam-se,
no sentido de que um instrumentaliza o outro. E, nesse ponto, a teoria da metáfora e
da ironia encaixam-se sob esse guarda-chuva teórico.
2.2.1 A metáfora
Aristóteles em Poética definiu a metáfora como “dando à coisa o nome que
pertence à outra coisa”. Contudo, a crítica principal a essa definição é de que ela se
baseia em característica linguística e não em característica cognitiva, pragmática ou
retórica da metáfora.
Acreditava-se, segundo Charteris-Black (2004), que a metáfora consistia em
comparações implícitas baseadas em princípios de analogia; essa teoria tradicional
de metáfora ficou conhecida como visão comparativa da metáfora. Nessa visão, o
papel dela no discurso era superficial, intensificando a elegância estilística por meio
de ornamentação linguística. Contudo, se examinarmos criticamente a metáfora no
contexto, veremos que ela é mais que isso, pois influi no tipo de julgamento de valor
que fazemos.
A visão interativa da metáfora rejeitou a visão de que as metáforas fossem
meros ornamentos linguísticos, chamando atenção para o fato de que elas são
59
instrumentos cognitivos, pois a interação entre pensamentos de dois domínios da
metáfora (fonte e alvo) – leva a um novo entendimento.
Segundo Goatly (1997), os tipos mais ativos de metáforas exigem trabalho
considerável de interpretação, além da decodificação de sua semântica. Ele restringe
a metáfora a casos em que
um ato não convencional de referência ou coligação é entendido com base em alguma similaridade, associando ou envolvendo analogia no referente convencional ou em coligações da unidade e no referente real não convencional ou em coligações. (GOATLY, 1997, p. 16)
A literatura sobre a metáfora mostra uma terminologia que abrange: tenor/topic
e vehicle (GOATLY, 1997); source e target (CHARTERIS-BLACK, 2004; KÖVECSES,
2005; VELASCO-SACRISTÁN, 2010), mas Shie (2011) faz a distinção entre
source/target (para metáfora) e vehicle/target (para metonímia). Goatly (1997) fala
também em base para especificar as similaridades e/ou analogias envolvidas na
metáfora.
(a) Fonte (source) é o referente convencional da unidade;
(b) Alvo (target) é o referente não-convencional;
(c) Base similaridades.
Vejamos como a terminologia é aplicada no seguinte exemplo:
O passado é um país estrangeiro; eles fazem as coisas de modo diferente lá.
Alvo Fonte Base (similaridade)
A presente pesquisa adota os termos fonte e alvo, já que se trata da
nomenclatura adotada por Charteris-Black (2004) e toda a análise das expressões
metafóricas nesta pesquisa se baseia nesse teórico.
Para Charteris-Black (2004), a metáfora é um conceito relativo que não pode
ser definido por um único critério aplicável a todas as circunstâncias e que é
necessário incluir critérios linguísticos, pragmáticos e cognitivos. Isso porque não se
pode assegurar uma correspondência entre as intenções dos codificadores da
metáfora e as interpretações dos decodificadores; elas variam entre indivíduos, de
acordo com o contexto em que a metáfora ocorre.
A metáfora é um recurso usado na persuasão; isso porque ela representa um
modo novo de ver o mundo, que oferece alguma intravisão nova. Devido ao fato de
60
ser persuasiva, a metáfora é muito usada discursivamente na linguagem retórica e
argumentativa. A metáfora é importante, então, tanto pela construção de
representações através, por exemplo, da personificação, quanto pela linguagem que
emerge de conceituações subjacentes ligando diferentes domínios da atividade
humana. A metáfora é efetiva na realização das metas subjacentes dos falantes de
persuadir o ouvinte, devido ao seu potencial em emocioná-los.
Nos últimos trinta anos, filósofos, psicólogos e linguistas têm aceitado o fato de
que a metáfora é indispensável para a língua e para o pensamento. Conscientemente
ou não, empregamos metáfora o tempo todo. Mas, mais importante que sua
ubiquidade (PAPROTTE; DIRVEN, 1985 apud GOATLY, 1997), as metáforas que
usamos estruturam nosso pensamento, escondendo alguns traços do fenômeno, ao
qual as aplicamos, e salientando outros.
Segundo Lakoff e Johnson (1980), as pessoas entendem a metáfora como um
assunto sobre palavras e não sobre pensamento, e que a metáfora serve como um
instrumento retórico e poético e, portanto, não usual no cotidiano. Os autores
mostram, entretanto, que a metáfora está presente não somente nas conversas
cotidianas, mas no pensamento e na ação das pessoas. Afirmam ainda que “nosso
sistema conceptual comum, em termos do qual pensamos e agimos, é
fundamentalmente metafórico por natureza”.
Sendo assim, os autores propõem tipos de metáfora conceptual, que cito aqui,
entretanto, eles não serão detalhados, uma vez que não usarei neste trabalho. Os
tipos de metáfora conceptual são: estrutural, de orientação, ontológica (envolvendo:
entidade e substância; de recipiente; campo visual; eventos, ações, atividades e
estado; personificação; metonímia).
Os linguistas cognitivistas, dentre eles, Kövecses, afirmam em geral a
existência de metáforas conceptuais com base em certas expressões linguísticas. É
importante esclarecer as noções de metáfora e de expressões metafóricas que serão
usadas na análise de O Ateneu. Charteris-Black (2004), mencionando o estudo
Metaphors We Live By, de Lakoff e Johnson (1980) fala da proposta principal dessa
abordagem de que “as expressões metafóricas são sistematicamente motivadas por
metáforas subjacentes (ou conceptuais)”, ou seja, de que uma ideia seria traduzida
em várias expressões metafóricas. Uma metáfora conceptual tem a forma A é B (e.g.
A vida é uma viagem), podendo vir na forma de expressões como (e.g. estar numa
encruzilhada, extraviar-se do caminho).
61
Charteris-Black (2004) afirma que a abordagem semântico-cognitiva da
metáfora precisa ser complementada com uma análise de fatores pragmáticos, já que
as metáforas são sempre usadas num contexto específico de comunicação que
governa seu papel. Assim, suas características cognitivas não podem ser tratadas
isoladamente da sua função persuasiva no discurso.
A análise da metáfora deveria ser um componente central da análise do
discurso crítica (ADC). Isso porque as metáforas são usadas persuasivamente para
expressar avaliação, e por isso constituem parte da ideologia dos textos. Além disso,
como afirmam Lakoff e Johnson (1980, p. 55)
[...] as metáforas podem ter o poder de definir a realidade. Elas assim o fazem por meio de uma rede coerente de vínculos que realçam algumas características da realidade e ocultam outras.
Também, Charteris-Black afirma que a metáfora é vital na criação dessa
apresentação da realidade; é o que Fairclough (1995, p. 71) descreve como “a
configuração total das práticas discursivas de uma sociedade ou uma de suas
instituições”.
O autor afirma que o potencial pragmático da metáfora em evocar respostas
emotivas mostra que é exatamente essa a forma de ação verbal. A metáfora é, por
isso, central para a ADC uma vez que se relaciona com a formação de uma visão
coerente da realidade. A análise crítica de contextos de metáforas em corpora grande
pode revelar intenções subjacentes do produtor do texto e assim serve para identificar
a natureza de certas ideologias.
Voltando agora para os aspectos pragmáticos do que não é dito ou escrito, mas
comunicado no discurso, devemos nos deter nas noções psicológicas como
conhecimento prévio, crenças e expectativas. A noção de frame, traduzido por
enquadre, foi proposta por Minsky (1975, apud MUJIC, 2009) em sua teoria-do-
enquadre, e na semântica-do-enquadre, de Fillmore (1975, apud MUJIC, 2009).
Minsky explica que o conhecimento é estocado na memória em forma de estruturas
de dados, que representam eventos estereotipados. Fillmore (1975, p. 124) percebeu
inicialmente os enquadres como uma coleção de alternativas linguísticas, porém, mais
tarde, mudou sua concepção de enquadre atribuindo a ele a interpretação cognitiva
(FILLMORE; ATKINS, 1992, p. 75, apud MUJIC, 2009). Da mesma forma, Yule (1996,
p. 86) sugere que o enquadre é compartilhado por todos aqueles que pertencem a um
62
grupo social, como algo semelhante a uma versão prototípica. E, somando a noção
de enquadre à teoria da metáfora, fica evidente que a percepção semântica da
metáfora pelo leitor/ ouvinte dependerá do seu enquadre.
2.2.2 A ironia
O que dá à ironia seu potencial subversivo é o fato de que, enquanto um
comentário irônico pode também estar intimamente relacionado a formas dominantes
de falar sobre algum evento, ele simultaneamente vai além e subverte as próprias
atitudes e opiniões que cita. A ironia pode, assim, encorajar os leitores a se
conscientizarem e avaliarem o que seria, de outro modo, aceito sem questionamento:
assim, essa consciência não precisa inventar uma linguagem de dissensão
completamente nova.
A maior parte da linguística corrente e das teorias pragmáticas sobre ironia, diz
El Refaie (2005), situa-se em dois grupos principais: as teorias neogriceanas, que
veem a ironia como uma linguagem não-literal, que viola uma (ou mais) máximas da
Cooperação Conversacional e que, em geral, expressa o oposto da forma literal. O
significado de um enunciado irônico é assim atingido via processamento e
subsequente rejeição de um significado literal. Dews e Winner (1999, p. 1580), por
exemplo, acreditam que o significado literal continue a afetar – ou ‘tingir’ – o significado
não-literal de um enunciado irônico, assim abafando o significado avaliativo expresso
pelo não-literal.
A segunda abordagem da análise da ironia enfatiza “a natureza ‘ecoica’ da
ironia” (KREUZ; GLUCKSBERG, 1989; WILSON; SPERBER, 1981). De acordo com
essa visão, um enunciado irônico cita sempre um enunciado de alguém – ou, às vezes,
uma norma implícita – enquanto expressa simultaneamente uma atitude de
desaprovação em relação ao enunciado ecoado.
A dificuldade principal com essas duas abordagens é que elas enfocam a ironia
verbal e, assim, são geralmente inadequadas para capturar a ampla gama de usos
possíveis de ironia. De fato, a ironia pode ocorrer de formas muito diferentes, como
ironias verbais ou situacionais; como intencionais ou não-intencionais; explícitas ou
implícitas (MUECKE, 1982).
63
Clift (1999, p. 523) afirma que o escopo restrito da maioria das abordagens
correntes tem produzido teorias que são “ao mesmo tempo estreitas demais para
revelar o que seja a ironia, e amplas demais para iluminar o que a ironia faz”. De
acordo com Clift, a compreensão da ironia envolve a percepção de dois aspectos do
significado ao mesmo tempo. Ela adota a distinção de Goffman (1974) entre
"animador", a pessoa que articula um enunciado, seu "autor", a pessoa que o compõe,
e seu "principal", aquele que está comprometido com a proposição expressa no
enunciado. A ironia, ela diz, emerge da manipulação deliberada dessas distinções –
uma ‘mudança de footing’ – pelo ironizador.
A principal vantagem da abordagem de Clift é que ela é capaz de tratar de
várias formas de ironia verbal e situacional, tanto para a expressão de ironia verbal
quanto para a visual, diz El Refaie.
A meta do enquadre irônico de um significado é, geralmente, a entrega de uma
avaliação implícita, é um convite ao leitor/audiência para compartilhar da perspectiva
do ironizador. Isso torna a ironia especialmente adequada para a tarefa de expressar
a crítica, embora a avaliação implícita possa ser mais complicada e multinivelada do
que uma pura desaprovação. Contudo, se não for identificada pelo receptor, a ironia
simplesmente não é irônica. Como Booth (1974, p. 13) mostra, o que é surpreendente
na ironia “não é que ela deveria ser malsucedida como frequentemente acontece, mas
que ela deveria ser sempre bem-sucedida”.
Segundo Burgers et al. (2012), a ironia pode ser usada de vários modos. Alguns
pesquisadores sugerem que a ironia envolva vários subtipos (GIBBS; COLSTON,
2007). Contudo, poucos estudos têm focalizado a ironia em uso, e os estudos que
assim o fazem discordam sobre as distinções que podem ser feitas nos enunciados
irônicos. Assim, Gibbs (2000) analisa a hipérbole, a jocosidade e os enunciados
implícitos como subtipos de ironia, enquanto que Whalen et al. (2009) afirmam que
nenhum desses tipos de fala seja necessariamente irônico. Dado o fato de que a ironia
é de uso relativamente frequente - cerca de 8% dos turnos em conversa entre amigos
(GIBBS, 2000); 7.4% de e-mails enviados para amigos (WHALEN et al., 2009); 72.8%
de blogs (WHALEN; PEXMAN; GILL; NOWSON, no prelo, apud BURGERS et al.
(2012) - descobrir os modos pelos quais a ironia é usada em situações comunicativas
é um dos maiores desafios da pesquisa nos estudos da ironia (GIBBS; COLSTON,
2007).
Burgers et al. (2012) investigam o modo como a ironia é usada em diferentes
64
situações comunicativas na modalidade escrita, já que a maioria dos estudos sobre
ironia em uso focaliza a comunicação falada (BRYANT et al., 2002; GIBBS, 2000).
Essa distinção é importante porque a ironia pode diferir de modo sutil e importante
entre a comunicação falada e a escrita. Por exemplo, em contraste com a ironia em
conversas (GIBBS, 2000), os escritores não podem "reparar" seus textos para melhor
compreensão do leitor, se este não entender a ironia.
A definição de ironia está longe de ser estabelecida, dizem Burgers et al., e tem
sido um tópico de muito debate entre os estudiosos. Em um estudo prévio, Burgers et
al. compararam as diferentes definições de ironia e descobriram que essas definições
concordavam em cinco pontos, que, assim, podem diferenciar a ironia da não-ironia.
Ela deve:
(a) ser avaliativa;
(b) ser baseada em incongruência entre o enunciado irônico e o cotexto ou
contexto;
(c) ser baseada em inversão da valência entre o literal e o significado pretendido;
(d) visar algum alvo;
(e) ser relevante para a situação comunicativa de algum modo (BURGERS et al.,
2011).
Os fatores irônicos apresentam níveis que diferem de um enunciado irônico a
outro. Assim, a ironia deve incluir a valência invertida, que pode ser alcançada de dois
modos. É possível que o significado literal da ironia seja positivo (elogio: "Essa é uma
boa ideia" se a ideia é pobre) ou negativo (depreciação: "Essa é uma má ideia" se a
ideia é muito boa). Isso significa que o fator da inversão da valência inclui subníveis
de elogio ou de depreciação. Em outras palavras, embora qualquer enunciado irônico
deva conter o inverso da valência avaliativa, a exata natureza dessa inversão pode
variar de um enunciado irônico a outro.
A ironia, portanto, é um recurso linguístico usado para fazer avaliação implícita
e, dessa forma, muito eficaz para promover ideologias na subjacência do texto. Visto
que em O Ateneu, o uso desse recurso atrelado ao diretor Aristarco é constante,
apoio-me na teoria de El Refaie (2005) e Burgers et al. (2012).
65
2.3 Discurso como prática social: ideologia
Pode-se considerar que Althusser (1971) tenha fornecido as bases teóricas
para o debate sobre a ideologia, embora Voloshinov (1973) tenha sido uma importante
contribuição bem anterior, afirma Fairclough (1992). A seguir, apresento o conceito de
ideologia sob a perspectiva de alguns autores.
Fairclough (1992) tem em mente uma base teórica constituída por três
importantes asserções sobre ideologia. Primeiro, a asserção de que ela tem existência
material nas práticas das instituições, que abre o caminho para investigar as práticas
discursivas como formas materiais de ideologia. Segundo, a asserção de que a
ideologia “interpela os sujeitos”, que conduz à concepção de que um dos mais
significativos “efeitos ideológicos” que os linguistas ignoram no discurso, é a
constituição dos sujeitos. Terceiro, a asserção de que os “aparelhos ideológicos de
estado” (instituições tais como a educação ou a mídia) são locais e marcos
delimitadores na luta de classe que apontam para a luta no discurso.
As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se
tornam naturalizadas e atingem o status de “senso comum”; mas essa propriedade
estável e estabelecida das ideologias não deve ser muito enfatizada, porque a
“transformação” aponta a luta ideológica como dimensão da prática discursiva, uma
luta para remoldar as práticas discursivas e as ideologias nelas construídas.
Há também uma concepção textual da localização da ideologia, que se
encontra na Linguística Crítica: de que as ideologias estejam nos textos. Alegações
de descoberta dos processos ideológicos unicamente mediante a análise textual têm
o problema, agora familiar na sociologia da mídia, de que os “consumidores” de textos
(leitores e telespectadores) parecem às vezes bastante imunes aos efeitos das
ideologias que estão supostamente nos textos.
Fairclough (1992) prefere a concepção que localiza a ideologia tanto nas
estruturas, isto é, ordens de discurso, que constituem o resultado de eventos
passados, quanto nas condições para os eventos atuais e nos próprios eventos,
quando reproduzem e transformam as estruturas condicionadoras.
Outra questão importante sobre a ideologia, explica o autor, diz respeito aos
aspectos ou níveis do texto e do discurso que podem ser investidos ideologicamente.
Os sentidos das palavras são importantes, naturalmente, mas também o são outros
aspectos semânticos, tais como as pressuposições, as metáforas e a coerência (a
66
importância da coerência na constituição ideológica dos sujeitos). Uma oposição
rígida entre “conteúdo” (ou “sentido”) e “forma” é equivocada porque os sentidos dos
textos são estreitamente interligados com as formas dos textos, e os aspectos formais
dos textos em vários níveis podem ser investidos ideologicamente.
Todo discurso é ideológico? As ideologias surgem nas sociedades
caracterizadas por relações de dominação com base na classe, no gênero social, no
grupo cultural, e assim por diante, e, à medida que os seres humanos são capazes de
transcender tais sociedades, são capazes de transcender a ideologia (FAIRCLOUGH,
1992). Nesse sentido, aplico a teoria de Fairclough em minha análise para responder
às duas perguntas de pesquisa: (a) qual é o papel da metáfora na construção da
ideologia presente em O Ateneu? e (c) como é feita a relação entre as escolhas
lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e
relações de força do discurso? Somando à noção de metáfora a de ideologia a fim de
superficializar a ideologia subjacente na obra O Ateneu.
2.3.1 Hegemonia
A hegemonia é a liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico,
político, cultural e ideológico de uma sociedade, ensina Fairclough (1992).
Enquanto a interpelação dos sujeitos é uma elaboração althusseriana, há em
Gramsci (1999) uma concepção de sujeitos estruturados por diversas ideologias
implícitas em sua prática, que lhes atribui um caráter “estranhamente composto” e
uma visão de “senso comum”, tanto como repositório dos diversos efeitos de lutas
ideológicas passadas quanto como alvo constante para a reestruturação nas lutas
atuais. Além disso, Gramsci (1999) concebia “o campo das ideologias em termos de
correntes ou formações conflitantes: sobrepostas ou cruzadas”, a que se referiu como
“um complexo ideológico”. Isso sugere um foco sobre os processos por meio dos quais
os complexos ideológicos são estruturados e reestruturados, articulados e
rearticulados.
Entretanto, a maior parte do discurso se sustenta na luta hegemônica em
instituições particulares (família, escolas, tribunais de justiça etc.) e não em nível da
política nacional: os protagonistas não são classes ou forças políticas ligadas de forma
relativamente direta a classes ou a blocos, mas professores e alunos, a polícia e o
67
público ou mulheres e homens.
Gramsci (1999) afirma que embora a hegemonia pareça ser a forma
organizacional de poder predominante na sociedade contemporânea, não é a única.
Há também os resíduos de uma forma anteriormente mais evidente em que se atinge
a dominação pela imposição inflexível de regras, normas e convenções. Isso parece
corresponder a um modelo, “código” de discurso, que considera o discurso em termos
da concretização de códigos com molduras e classificações fortes, e a uma prática
normativa altamente arregimentada. Tal modelo contrasta com o que poderíamos
chamar o modelo de “articulação” de discurso descrito anteriormente, que
corresponde à forma organizacional hegemônica. Os modelos “código” são altamente
orientados para a instituição, enquanto os modelos “articulação” são mais orientados
para o cliente/público; comparem-se formas tradicionais e formas mais recentes do
discurso de sala de aula ou do discurso médico-paciente.
68
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa é o exame de cunho pragmático-cognitivo crítico das
metáforas que envolvem o diretor Aristarco, como processo persuasivo na construção
do texto O Ateneu, de Raul Pompeia. A análise tem o apoio teórico-metodológico da
Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY e MATHIESSEN,
1999), uma metodologia que se apoia na gramática-da-oração para explicar o modo
como os traços da estrutura superficial do texto comunicam relações de poder no nível
profundo. Portanto a LSF permite relacionar as escolhas feitas na microestrutura
lexicogramatical do texto com a macroestrutura nas relações de força e de ideologia
no discurso e, nesse sentido, une-se à teoria do cognitivismo no que tange à
contribuição da metáfora e da ironia na análise da ideologia em O Ateneu.
Retomando as perguntas de pesquisa: (a) Qual é o papel da metáfora na
construção da ideologia presente em O Ateneu? Para responder a essa pergunta,
primeiramente, serão levantadas as expressões metafóricas e identificadas as
metáforas envolvendo o diretor Aristarco ao longo dos capítulos selecionados, para
uma análise posterior da ideologia que há nessas metáforas. A segunda pergunta: (b)
Que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas
nesse processo? Será respondida por meio de análise dos processos - transitividade
- e da atitude - avaliatividade -, já que ambas teorias dão suporte à análise da
microestrutura. A última pergunta: (c) Como é feita a relação entre as escolhas
lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e
relações de força do discurso? Para tal questão, ao final de cada capítulo selecionado,
será feita uma análise que unirá as expressões metafóricas e as escolhas
lexicogramaticais e, à luz das teorias da metáfora, ironia, ideologia e hegemonia,
demonstrará o processo persuasivo de O Ateneu .
O Quadro 8 a seguir resume as teorias das quais resultam as categorias de
análise.
69
Quadro 8: Da fundamentação teórica - As teorias que embasam a análise de O Ateneu
Análise com o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional, que verifica a relação entre a
macroestrutura da ideologia com a microestrutura das escolhas lexicogramaticais.
A macroestrutura: ideologia/ hegemonia
Que conta com o enquadre mental do leitor para efetivação de:
Metáfora – Ironia - Metarrelação da avaliatividade
A microestrutura
Transitividade
Avaliatividade
Fonte: Vallezi (2018)
3.1 Dados
A análise contempla os capítulos I, IV ,VIII, XI e XII do romance O Ateneu, de
Raul Pompeia, na versão publicada em 1999, pela Editora Klick, Coleção Vestibular
Estadão. Os capítulos foram selecionados devido ao número elevado de expressões
metafóricas envolvendo o diretor Aristarco. Em uma leitura minuciosa de cada
capítulo, considerando as descrições de ação e estado que o narrador faz sobre
Aristarco, foram encontrados os seguintes números de ocorrências de expressões
metafóricas relacionadas ao diretor: capítulo I (27); capítulo II (9); capítulo III (9);
capítulo IV (19); capítulo V (2); capítulo VI (3); capítulo VII (5); capítulo VIII (21);
capítulo IX (3); capítulo X (0); capítulo XI (22); capítulo XII (11).
Serão analisadas apenas as expressões que se referem a essa personagem
porque Aristarco é a autoridade do Ateneu, ele está no topo da pirâmide hierárquica
do internato. Segundo Schwarz, Aristarco exerce papel central na obra “O romance
cresce quando evoca Aristarco, pois esse é a sua criação mais pura...” (SCHWARZ,
1981, p. 29). O autor ainda afirma que Aristarco e o livro são um “O estilo pessoal de
Aristarco e o estilo do livro, que dá conta de sua pessoa, são uma e a mesma coisa.”
Portanto, embora pareça que o narrador Sérgio, supostamente, alterego de Pompeia
(PONTES, 1935), seja a personagem central, na verdade, é o diretor quem melhor
simboliza as relações de poder dentro daquele microcosmo que Raul Pompeia
propõe-se a descrever.
70
3.2 Procedimentos de análise
A análise de O Ateneu seguirá os seguintes passos:
(a) Inicialmente, por se tratar de uma investigação focada principalmente em
avaliações implícitas sobre metáfora e ideologia, segue-se a orientação dos
sistemicistas (GOATLY, 1997), com o fim de diminuir a subjetividade da
análise, caracterizando o contexto em que ocorrem os capítulos analisados, o
que será feito com o exame do registro, envolvendo suas variáveis: campo (o
assunto tratado no trecho), relações (os interactantes envolvidos no assunto)
e modo (características da linguagem que relata o assunto).
(b) Feito isso, em cada um dos capítulos selecionados serão analisadas todas as
palavras ou frases que remetam a expressões metafóricas, segundo a
definição de Lakoff e Johnson (1980), relacionadas ao diretor Aristarco. Estas
serão analisadas pela perspectiva da análise crítica da metáfora.
(c) A seguir, as mesmas expressões metafóricas de cada capítulo serão
examinadas com o apoio do sistema da transitividade (HALLIDAY, 1994) e da
avaliatividade (MARTIN, 2000). Neste ponto, todos os processos que envolvem
o diretor dentro das expressões metafóricas serão analisados pela
transitividade e, com base nos dados obtidos, será possível verificar quais os
processos mais frequentes em relação ao comportamento do diretor e atribuir
sentido, do ponto de vista do padrão de ocorrências, conforme a teoria proposta
por Halliday (1994). Quanto à análise da avaliatividade, serão levantadas
palavras e frases que resultam em expressões metafóricas, analisadas quanto
à atitude (afeto, julgamento e apreciação) e à graduação, se aparecem em
forma de avaliatividade explícita (inscrita) ou implícita (token) e, também, se
elas acontecem de forma positiva ou negativa. Concomitante à teoria da
avaliatividade, será aplicada a teoria da ironia para análise dos tokens, uma vez
que muitos dos tokens de julgamento negativo são evidentemente irônicos.
(d) Por fim, a partir dos dados obtidos na análise da transitividade e da
avaliatividade das expressões metafóricas, será possível examinar a relação
71
entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do texto com a
macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso no processo
persuasivo do texto. As relações hegemônicas no Ateneu serão
superficializadas por meio da análise da microestrutura.
72
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO I
4.1 Contexto situacional - análise do registro
Estabeleço, a seguir, conforme mencionado no capítulo anterior, a análise do
contexto situacional - ou registro - do capítulo I, a ser analisado, especificando campo,
relações e modo.
Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas
quanto à avaliatividade e à transitividade.
4.1.1 Campo
O capítulo I de O Ateneu inicia-se com a primeira visitação do menino Sérgio,
ao colégio, acompanhado por seu pai. O protagonista adentra nas dependências do
internato em um dia de festa de encerramento das atividades escolares, encanta-se
com os discursos dos professores e com a figura soberana do diretor “O espetáculo
comunicava-me certo prazer respeitoso.” (POMPEIA, 1999, p. 14), assiste aos desfiles
e aos exercícios com profunda admiração, após o quê, é apresentado ao diretor.
4.1.2 Relações
Sérgio interage com o pai, que usa poucas palavras para apresentar o internato
ao filho. De acordo com sua fala, fica claro para o leitor que o pai já conhece o colégio,
já vivenciou a luta de que fala no início da narrativa “Vais encontrar o mundo, disse-
me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” (POMPEIA, 1999, p. 11). O
menino conhece o diretor do internato, Aristarco, que se mostra, ao mesmo tempo,
um diretor severo quanto às normas e um pai para os alunos obedientes e assíduos
à mensalidade. De acordo com as reflexões de Sérgio adulto, a dualidade do diretor
evidencia-se logo nos primeiros contatos com o menino: deus e homem, educador e
73
empresário, diretor e pai “Dava-me gosto então a peleja renhida das duas imagens
[...] fazendo aliança com Aristarco II contra Aristarco I, no reino da fantasia.”
(POMPEIA, 1999, p. 20).
4.1.3 Modo
Sérgio/Pompeia usa o pretérito imperfeito para as descrições do colégio, do
diretor e dos seus sentimentos. Recorre ao pretérito perfeito para narrar as situações
passadas e ao mais-que-perfeito para narrativas de fatos anteriores ao seu ingresso
no Ateneu.
Os hipérbatos e as alegorias são recorrentes no texto, o que atribui sofisticação
à escrita.
4.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo
foram analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de
análise concentre as principais ocorrências.
Aristarco rei/governador
Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso
Aristarco é rei/governador
Alvo Fonte
“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do
Norte, enchia o Império com o seu renome de pedagogo.”
“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei [...]”
74
“[...] o autocrata excelso dos silabários [...]”
“Lá estava o diretor, o Ministro do Império, a comissão dos prêmios.”
“Em grande tenue dos dias graves, sentava-se elevado no seu orgulho como em um
trono.”
“Pusera de parte o comedimento soberano que eu lhe admirara na primeira festa.”
“Aristarco, sentado, de pé, cruzando terríveis passadas, imobilizando-se a repentes
inesperados, gesticulando como um tribuno de meetings, clamando como para um
auditório de dez mil pessoas, majestoso sempre, alçando os padrões admiráveis
[...].”
Aristarco gigante
Aristarco é gigante → metáfora = grande/temido
Aristarco é gigante
Alvo Fonte
“A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura
dizia dele: aqui está um grande homem... não veem os côvados de Golias?!”
“O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico, fazia-o incivilmente desaparecer
na brutalidade de um contraste escandaloso.”
“Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, arrematou o rapto de
eloquência.”
Aristarco deus
Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso
75
Aristarco é deus
Alvo Fonte
“Acima de Aristarco - Deus! Deus tão-somente; abaixo de Deus - Aristarco.”
“Gozava a sensação prévia, no banho luminoso, da imortalidade a que se julgava
consagrado.”
“As letras, de ouro, ele, imortal: única diferença.”
“Consumira-se naturalmente o infeliz, cremado ao fogo daquele olhar!”
“[...] nem um segundo o destituí da altitude de divinização em que o meu critério
embasbacado o aceitara.”
Aristarco animal
Aristarco é animal → metáfora = temido/ forte
Aristarco é animal
Alvo Fonte
“[...] sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz
as almas circunstantes [...]”
“[...] viam-no formidável, com o perfil leonino rugir sobre um discípulo que fugira aos
trabalhos [...]”
“[...] adoção de normas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia, perspicaz como
as águias.”
Aristarco anúncio
Aristarco é anúncio → metáfora = enganador
76
Aristarco é anúncio
Alvo Fonte
“Não só as condecorações gritavam-lhe o peito como uma couraça de grilos: Ateneu!
Ateneu! Aristarco todo era um anúncio.”
“O anúncio confundia-se com ele, suprimia-o, substituía-o, e ele gozava como um
cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.”
“Uma hora trovejou-lhe à boca, em sanguínea eloquência, o gênio do anúncio.”
Aristarco empresário/interesseiro
Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante
Aristarco é empresário/interesseiro
Alvo Fonte
“[...] a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia
para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público [...]”
“[...] evidenciou as faturas do seu coração.”
“[...] como um leiloeiro, e as opulentas faturas, desenrolou, com a memória de uma
última conferência, a narrativa dos seus serviços à causa santa da instrução.”
“Contemplávamos (eu com aterrado espanto) distendido em grandeza épica – o
homem sanduíche da educação nacional.”
77
4.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas
envolvendo o diretor Aristarco
Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.
Metáfora: Aristarco é rei/governador
“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos,
Ator
enchia o Império com seu renome de pedagogo.” JULGAMENTO (-) token Material Meta
Discussão: considerando-se a análise da avaliatividade em nível do discurso, “encher o Império com o seu renome de pedagogo” é julgamento (-) token porque, embora pareça um elogio, implicitamente é uma crítica ao modo como o diretor dirigia seu internato, como um soberano com poder absoluto.
“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei [...]”
JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
Discussão: as palavras “soberano” e “rei” estão aqui empregadas de forma negativa para enfatizar o poder de Aristarco.
“[...] o autocrata excelso dos silabários [...]” JULGAMENTO (-)
Discussão: a análise da avaliatividade do termo “autocrata” foi julgamento (-) sem token porque o léxico escolhido já tem sua carga negativa “quem tem poder ilimitado e absoluto.”
“Lá estava o diretor, o Ministro do Império, a comissão dos prêmios.”
JULGAMENTO (-) token
Relacional Identificador
78
“Em grande tenue dos dias graves, sentava-se
Comportamental
elevado no seu orgulho como em um trono.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: a palavra “orgulho” aqui tem um sentido negativo, por isso julgamento (-) token, o leitor atento percebe que se está construindo uma imagem negativa de Aristarco.
“Pusera de parte o comedimento soberano
JULGAMENTO (-) token
Material que eu lhe admirara na primeira festa.”
“Aristarco, sentado, de pé, cruzando terríveis passadas, imobilizando-se
Comportante Comportamental Comportamental Comportamental
a repentes inesperados, gesticulando como um tribuno de meetings,
JULGAMENTO (-) token
Comportamental
clamando como para um auditório
JULGAMENTO (-) token
Verbal
Discussão: tribuno de meetings = expressão do inglês que significa alguém que faz um comício. Aristarco aparece como um líder político, não como um diretor, com gestos calculados “cruzando, gesticulando, imobilizando-se, clamando” de quem quer representar um papel.
de dez mil pessoas, majestoso sempre,
↑ JULGAMENTO (-) token
alçando os padrões admiráveis [...]”
Material
Discussão: o adjetivo “majestoso” foi empregado de forma irônica, daí ser julgamento (-) token.
79
Metáfora: Aristarco é gigante
“A própria estatura , na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele:
Dizente Verbal
aqui está um grande homem... não veem os côvados de Golias?!” JULGAMENTO (-) token
Relacional Portador
Discussão: o adjetivo “grande” anteposto ao substantivo se refere a caráter, no entanto, neste caso, adota o sentido de tamanho, significando que Aristarco só poderia ser grande em estatura, jamais em caráter. Devido à sutileza na escolha do escritor, podemos afirmar que se trata de um julgamento (-) token.
“O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico,fazia- o incivilmente desaparecer
JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FOCO ↑
Ator Material Alcance Material
na brutalidade de um contraste escandaloso.”
GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token
Discussão: embora o diretor esteja sendo elogiado pela sua estatura, muito superior a do ministro, as escolhas lexicais “incivilmente, brutalidade e escandaloso” remetem a um posicionamento negativo.
“Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, JULGAMENTO (-) token
Ator
arrematou o rapto de eloquência.”
Material Meta
Metáfora: Aristarco é deus
“Acima de Aristarco - (está) Deus! Deus tão-somente ; JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FOCO ↑
abaixo de Deus - (está) Aristarco.”
JULGAMENTO (-) token
Relacional Portador
Discussão: o quiasmo Aristarco – Deus, Deus – Aristarco coloca o diretor em posição equivalente a de Deus, pois não importa a ordem dos substantivos.
80
“Gozava a sensação prévia, no banho luminoso,
Mental Fenômeno
da imortalidade a que se julgava consagrado.” JULGAMENTO (-) token
Fenômeno Mental
Discussão: a escolha “a que se julgava” deixa claro que Aristarco se colocava na posição de deus no colégio. Nesse sentido, o narrador começa a construir uma imagem de empoderamento do diretor, uma imagem construída pelo próprio Aristarco.
“As letras , de ouro, ele, (era) imortal: única diferença.”
JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
“Consumira-se naturalmente o infeliz, foi cremado ao fogo daquele olhar!” JULGAMENTO (-) token
Material Ator
Discussão: bastava um olhar de Aristarco para os alunos mudarem de atitude, não por respeito, mas por medo daquele deus implacável, que consome com o olhar, usando a metáfora do autor. Aristarco defendia a monarquia, enquanto, sabe-se pelas biografias, que Raul Pompeia era republicano. Vê-se o posicionamento político do autor defendido de forma velada na figura do aluno, a que ele chama de “republicano”, “rebelde”. Mesmo o aluno resistente ao sistema, é facilmente desencorajado pelo rei-diretor.
“[...] nem um segundo ) o destituí da altitude de divinização GRADUAÇÃO FOCO ↑ JULGAMENTO (-) token
em que o meu critério embasbacado o aceitara.”
Discussão: Sérgio endeusa Aristarco no sentido de ser intocável, poderoso. Essa visão do menino vai-se modificando ao longo dos capítulos, quando ele percebe que o diretor não é movido por uma força transcendental, mas sim por dinheiro.
81
Metáfora: Aristarco é animal
“[...] sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, JULGAMENTO (-) token
penetrando de luz as almas circunstantes.”
Material Meta
Discussão: “monstro japonês” na cultura japonesa significa sabedoria, força, poder e riqueza; aqui, assume uma conotação negativa, por isso julgamento (-) token, já que Aristarco usa esse poder para intimidar, inibir os alunos, apenas com o olhar “sob a crispação áspera dos supercílios”.
“[...] viam-no formidável, com o perfil leonino rugir sobre um discípulo JULGAMENTO (-) token
Comportamental Alcance
que fugira aos trabalhos [...]”
Discussão: o leão é conhecido em diversas culturas como um animal forte, temido por outros animais menores da floresta. Medo, temor são os sentimentos dos alunos com relação a Aristarco.
“[...] adoção de normas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia,
Experienciador Mental
perspicaz como as águias.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: embora “perspicaz” seja um epíteto positivo, quando associado à águia, pássaro que usa a perspicácia no momento da caça e para autodefesa, assume, então, um sentido implicitamente negativo.
82
Metáfora: Aristarco é anúncio
“Não só as condecorações gritavam-lhe o peito como uma couraça de
JULGAMENTO (-) token
grilos: Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anúncio.”
GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
“O anúncio confundia-se com ele, suprimia-o, substituía-o, e ele gozava
JULGAMENTO (-) token
Comportante Comportamental
como um cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: aqui a metáfora se deu em sua forma mais rudimentar, como comparação explícita. Comparar de maneira direta Aristarco a um cartaz-propaganda, além de qualificá-lo como objeto, coloca-o na posição de comerciante e não de diretor de uma instituição de ensino. Embora a crítica esteja explícita, a classificação da avaliatividade está como token de atitude, pois a atmosfera construída por Pompeia é positiva, como se fosse algo natural.
“Uma hora trovejou- lhe à boca, em sanguínea eloquência,
Comportamental Comportante
o gênio do anúncio.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: em “gênio do anúncio”, “gênio” é epíteto positivo, mas, no contexto, é irônico, devendo ser entendido como negativo.
83
Metáfora: Aristarco é empresário/interesseiro “[...] a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, (a cada passo),
que ele fazia para levar adiante, de empurrão, JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA ↑
Ator Material Material
o progresso do ensino público [...]”
Alcance
Discussão: o que torna o julgamento (-) token é a graduação de força “de empurrão”, que dá a impressão de que a ação do diretor, com relação ao ensino, é grosseira, malfeita.
“[...] evidenciou as faturas do seu coração.” JULGAMENTO (-) token
Material Alcance
Discussão: a palavra “fatura”, ligada a coração, evidencia o Aristarco empresário em sua essência.
“[...] como um leiloeiro, e as opulentas faturas, desenrolou, JULGAMENTO (-) token
Verbal com a memória de uma última conferência,
a narrativa dos seus serviços à causa santa da instrução.” JULGAMENTO (-) token
Alvo
Discussão: novamente Pompeia recorre à comparação explícita e à associação diretor de escola e leiloeiro; como se a educação fosse negócio, de maneira tão explícita, que choca o leitor. Esta comparação se torna mais acentuada com a ironia do termo “santa” para “causa da instrução”.
84
“Contemplávamos (eu com aterrado espanto) distendido em grandeza épica
- o homem sanduíche da educação nacional.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: “homem sanduíche” se refere implicitamente ao educador e empresário Aristarco. A avaliatividade é negativa em forma de token porque a preocupação do diretor, como se pode notar, ao longo da narrativa, é unicamente com o valor arrecadado, e não com a educação dos internos.
4.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso
A obra O Ateneu não se trata apenas de mais uma autobiografia; como afirma
Oliveira (1978), trata-se de “uma experiência nacional: a do colégio como microcosmo
social”; e como tal, fundamentada em uma hierarquia que se baseia no poder
econômico e na posição social. Nesse sentido, posso dizer que o Ateneu representa
a sociedade imperialista do século XIX, tendo como imperador o diretor Aristarco. A
biografia de Raul Pompeia aponta um escritor engajado na política, que produzia
artigos, ensaios, participava de comícios a favor da República e da abolição
(CURVELLO, 1981).
Partindo do pressuposto de que Aristarco representa um imperador, considero
as seguintes escolhas lexicais como expressões metafóricas: “império”, “soberano”,
“rei”, “autocrata”, “trono”, “majestoso” que formam a metáfora - Aristarco é rei,
conforme a teoria de Li (2010). Essa metáfora revela o posicionamento de Raul
Pompeia contra o imperialismo daquela época no Brasil e do menino Sérgio contra o
imperialismo do diretor Aristarco. Sendo assim, fica evidente o viés político-ideológico
da obra.
Como se trata do capítulo I, os primeiros momentos de Sérgio no internato, ele
tem ainda uma visão muito turva e hiperbólica acerca do diretor, portanto, as
metáforas: Aristarco é rei, Aristarco é gigante, Aristarco é deus, Aristarco é animal são
recorrentes no capítulo e constroem uma grande metáfora - Aristarco é poder. Essa
construção cria uma imagem do diretor, a qual, aos poucos, vai-se consolidando na
85
mente do leitor, sem que ele perceba (LI, 2010).
Essa metáfora maior - Aristarco é poder – consolidada ao longo do capítulo, é
construída a partir de uma série de escolhas lexicais que estabelecem o que Li (2010)
chama de coesão lexical. Embora a coesão seja necessária para manutenção da
coerência textual, segundo Van Dijk (1988, p. 177), trata-se de mais, é "um eminente
aspecto do texto em que opiniões e ideologias escondidas podem se superficializar”.
Já que as escolhas lexicais servem de recurso para superficializar ideologias e,
portanto, não podem ser vistas como escolhas gratuitas, torna-se necessário, para
análise mais profunda, mapeá-las. Assim, há, como expressões metafóricas
representando o diretor - Aristarco é deus: “abaixo de Deus - Aristarco”, “imortal”, “fogo
do olhar”, “altitude de divinização”; expressões representando Aristarco é animal:
“monstro japonês”, “perfil leonino”, “perspicaz como a águia”; expressões
representando Aristarco é empresário/ interesseiro: “faturas do coração”, “leiloeiro” e
“homem sanduíche da educação”; dentre outras expressões. Em todo o capítulo I, é
possível encontrar essas expressões substituindo os nomes Aristarco e diretor para
manter a coesão textual. A teoria da coesão lexical une-se à da metáfora conceptual
de Lakoff e Johnson (1980), pois ambas defendem o pressuposto de que essas
escolhas não se tratam somente de recursos estilísticos e estruturais, carregam um
viés ideológico e levam o leitor a ter determinadas experiências com a leitura;
conforme cita Fairclough (1995, p. 71), a metáfora cria uma realidade na mente do
leitor, persuadindo-o.
Além da coesão lexical e da metáfora, um outro meio de validar a
ideologia pretendida com a obra em questão é o uso da ironia. A teoria da ironia de
Burgers et al. (2012) também se alinha à outra teoria, a da avaliatividade, de Martin
(2000), por isso são aplicadas nesta análise. Segundo Burgers et al. (2012), a ironia
deve incluir a valência invertida, que pode ser alcançada de dois modos: positivo (por
elogio) ou negativo (por depreciação); conforme Martin (2000), a avaliatividade
positiva ou negativa dá-se de forma explícita ou implícita, em forma de token.
Tomando por base as duas teorias, no capítulo citado, praticamente todas as
expressões metafóricas foram analisadas, na teoria da avaliatividade, como
julgamento (-) token, apesar de, em muitos trechos, a avaliatividade parecer positiva,
pois não se usou nenhum epíteto desqualificador, na verdade, tratava-se de ironia,
valência invertida positiva, que para a avaliatividade torna-se negativa em forma de
token, por não ter sido explícita. É possível fazer essa leitura oposta considerando-se
86
a noção de enquadre do leitor, a representação mental de seu conhecimento de
mundo; nesse sentido, cada escolha feita pelo escritor pode desencadear no leitor
uma rede de associações presentes no termo escolhido (DIRVEN; ILIE, 2001, p. I).
Seguem alguns exemplos de avaliatividade que aparentam ser positivas, mas foram
avaliadas como irônicas e como julgamento (-) token: “O Dr. Aristarco Argolo de
Ramos [...] enchia o Império com o seu renome de pedagogo”, “ator profundo”, “o
gênio do anúncio”, “o homem sanduíche da educação”. Considerando-se que a teoria
da metarrelação (relações semânticas), de Macken-Horarik (2003), possibilita
interpretar as escolhas de avaliatividade de um texto, é possível decodificar da análise
feita até aqui que a categoria de metarrelação foi de confirmação, visto que, ao longo
de todo o capítulo, a avaliatividade de atitude foi predominantemente de julgamento (-
) token.
A grande questão é: por que o autor não é direto em suas críticas ao diretor?
Por que ao descrevê-lo se vale da ironia e do julgamento (-) token? Para esses
questionamentos El Refaie (2005) diz que a ironia geralmente é a entrega de uma
avaliação implícita, é um convite ao leitor para compartilhar da perspectiva do
ironizador. O mesmo teórico afirma que a ironia encoraja o leitor a ter mais atenção a
uma passagem que, talvez, passasse despercebida, se não fosse irônica. Portanto a
crítica e a imagem negativa que se quer construir acerca do diretor torna-se muito
mais sólida feita por meio de tokens e ironicamente. Em um artigo sobre a obra O
Ateneu, Valle (2010) comenta a respeito do uso da figura de linguagem - ironia - por
Pompeia “Dispensando à entrelinha o conteúdo verdadeiro do discurso, Sérgio acaba
por reproduzir [...] o “princípio construtivo” deste universo – como se, para acessar o
sentido real das coisas, fosse necessário violentar as aparências da expressão.”
Tendo em vista os resultados da análise da avaliatividade, ligada à metafunção
interpessoal, agora, a análise partirá do ponto de vista da metafunção ideacional,
relacionada aos processos que envolvem o diretor Aristarco. Considerando esse
recorte, os processos mais frequentes foram: o material (13), o comportamental (8) e
o relacional (6), os demais processos não apareceram em quantidade relevante. Com
base na teoria de Halliday (2004), o que se pode afirmar com esses dados é que a
personagem Aristarco sempre aparece como ator, aquele que realiza. O segundo
processo mais frequente, envolvendo o diretor, é o comportamental, que, conforme
declara Halliday (2004), trata-se de um processo muito próximo ao material, com o
acréscimo sutil da fisiologia humana; de qualquer forma, o diretor realiza, enquanto
87
que os alunos sempre aparecem como meta nessa relação. Quanto à incidência de
processo relacional no mesmo capítulo, ocorre com frequência por se tratar de um
processo utilizado para descrever a personagem, caracterizá-la; visto que se trata do
primeiro capítulo, é natural que esse processo seja frequente.
Com a análise da avaliatividade, da transitividade e das expressões metafóricas
no capítulo I, coloca-se uma lupa na microestrutura, tornando visível a ideologia, até
então, imersa no texto. As ideologias embutidas nas práticas discursivas, quando se
tornam naturais, são muito eficazes segundo Fairclough (1992). O discurso, conforme
a definição para discurso de Lakoff e Johnson (1980), que emana do texto, nesse
capítulo inicial é de um diretor grandioso à vista dos alunos, um deus, um rei que
possui onipotência e poder absolutos. Então, a luta hegemônica no Ateneu, entre
diretor e alunos, na verdade, representa a hegemonia no macrocosmo social, em que
o domínio do mais forte prevalece sobre o mais fraco. Esse é o discurso construído
ao longo do capítulo, que fideliza a crítica de Pompeia e persuade o leitor de forma
sutil.
88
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV
5.1 Contexto situacional - análise do registro
Segue a análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo IV, a ser
analisado, especificando campo, relações e modo.
Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas
quanto à avaliatividade e à transitividade.
5.1.1 Campo
No capítulo IV, o narrador Sérgio apresenta o livro de notas do Ateneu ao leitor.
Um livro em que os professores registravam suas avaliações sobre cada aluno. O
diretor lia-o periodicamente no pátio, de maneira que os alunos eram expostos de
forma vexatória perante todo o colégio. Nesse ponto da narrativa, começava a tornar-
se habitual para o menino Sérgio ser citado no livro de notas, por isso recebia olhares
fulminantes do professor Mânlio e do diretor, entretanto, nenhuma penalidade lhe era
imputada, pois seu pai era assíduo no pagamento da mensalidade.
5.1.2 Relações
Sérgio apresenta-se nesse capítulo como um aluno que conhece o
funcionamento do Ateneu e já não sonha mais com um internato que substitua o lar.
O medo que, até então, o menino tinha de Aristarco, nesse ponto da narrativa,
dissipou-se. Ele até consegue mentir quando indagado sobre o episódio com o aluno
Franco, em que este joga cacos de vidro no local do banho, e Sérgio age como seu
cúmplice, não fazendo nada para impedi-lo.
89
5.1.3 Modo
Raul Pompeia usa nesse capítulo parágrafos curtos, em alguns momentos,
para descrever Aristarco. Em muitos deles a descrição é feita por meio de comparação
a rei e deus, como no trecho que em que ele diz que ninguém conseguiria tocar sua
“túnica púrpura”, fazendo alusão à história bíblica da mulher que sofria com fluxo de
sangue há doze anos e tocou na túnica de Jesus para ser curada.
5.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram
analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise
concentre as principais ocorrências.
Aristarco rei/governador
Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso
Aristarco é rei/governador
Alvo Fonte
“[...] o diretor aparecia a uma porta, com a solenidade tarda das aparições, e abria o
memorial das partes.”
“[...] manto sobrenatural que Aristarco passava aos ombros, revelando do estofo
nada mais que o predicado de majestade [...]”
“Sentia-se, porém, o influxo da realeza impalpável.”
“[...] um simples olhar do diretor imobilizava o colégio fulminantemente, como se
levasse no brilho ameaças de todo um despotismo cruento.”
“O diretor manobrava este talento de império com a perícia do corredor sobre o pur
90
sang sensível.”
“Sorria então no íntimo, do efeito pavoroso das armadilhas, e cofiava os majestosos
bigodes brancos de marechal, pausadamente, como lambe o jaguar ao focinho a
pregustação de um repasto de sangue.”
Aristarco juiz
Aristarco é juiz → metáfora = autoridade
Aristarco é juiz
Alvo Fonte
“[...] descarregava com o livro às costas do condenado, agravante de injúria e
escárnio à pena de difamação.”
“[...] Aristarco limitava-se a sublinhar com uma ponderação qualquer a sentença
catedrática [...]”
“Às vezes enlaçava com dois dedos o menino pela nuca e o voltava, fremente e
submisso, para o colégio atento, oferecendo-o às bofetadas da opinião: “Vejam
esta cara!...”
“Em presença do diretor, no escritório inquisitorial improvisei uma mentira.”
Aristarco deus
Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso
Aristarco é deus
Alvo Fonte
“Aristarco foi clemente. Era a primeira vez, perdoou.” “Aludi várias vezes ao revestimento exterior de divindade com que se apresentava
habitualmente Aristarco.”
91
“Aristarco fazia aparições, de súbito, a qualquer das portas [...]”
“Nos momentos de ira e de exaltações eloquentes é que sabia fazer-se em verdade
divino.”
“[...] tomou a palavra num tom solene de revelação e referiu, com toda a grandeza
de que era suscetível [...]”
“O porco!” bramia Aristarco. “O grandíssimo porco!” repetia como um deus fora de
si.”
5.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas
envolvendo o diretor Aristarco
Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.
Aristarco é rei/governador
“[...] o diretor aparecia a uma porta, com a solenidade tarda das aparições
JULGAMENTO (-) token
Existente Existencial
, e abria o memorial das partes.”
Material Meta
92
“[...] manto sobrenatural que Aristarco passava aos ombros,
APRECIAÇÃO (-) token
Ator/ Comportante Material
revelando do estofo nada mais que o predicado de majestade [...]”
AFETO (-) token
Comportamental Alcance
Discussão: o manto de majestade já atribui a Aristarco a condição de rei, porém o manto é acrescido de qualidade “sobrenatural”, então além dos poderes de um soberano, o diretor possui poder sobrenatural, como um deus.
“Sentia-se, porém, o influxo da realeza impalpável.” AFETO (-) token
Discussão: esse trecho faz referência à história bíblica da mulher que sofria há doze anos de um fluxo de sangue e, ao tocar no manto de Jesus, ela foi curada. Em O Ateneu, Aristarco é o deus “impalpável”. Enquanto as pessoas conseguiam tocar nas vestes de Cristo; no manto de Aristarco os alunos não tocavam. A ideologia que emerge dessa passagem é a de que o diretor é um deus inacessível.
“[...] um simples olhar do diretor imobilizava o colégio fulminantemente,
GRADUAÇÃO FORÇA (↑)
Ator Material Meta
como se levasse no brilho ameaças de todo um despotismo cruento.”
JULGAMENTO (-) token
Material Meta
“O diretor manobrava este talento de império
JULGAMENTO (-) token
Ator Material Meta
com a perícia do corredor sobre o pur sang sensível.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: nesse momento da narrativa, Sérgio está descrevendo como Aristarco apresentava-se para os alunos. O leitor atento pode perceber a ironia no uso do verbo “manobrar” e do substantivo “talento”; significando a manipulação precisa de Aristarco em relação aos alunos. A comparação da atitude dele com a de um corredor sobre um cavalo, reforça a ironia.
93
“Sorria então no íntimo, do efeito pavoroso das armadilhas, e cofiava
JULGAMENTO (-) token
Comportamental Material
os majestosos bigodes brancos de marechal, pausadamente,
APRECIAÇÃO (-) token
como lambe o jaguar ao focinho a pregustação de um repasto de sangue.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: na visão de Sérgio, Aristarco tem bigode de rei e comportamento de jaguar, ambos são fortes e poderosos, entretanto a comparação com o jaguar revela um diretor com poder de ameaça ainda maior, de acordo com o conhecimento do leitor sobre esse felino, por isso julgamento (-) em forma de token.
Aristarco é juiz
“[...] descarregava com o livro às costas do condenado,
JULGAMENTO (-) token
Material
agravante de injúria e escárnio à pena de difamação.”
Meta
Discussão: se Aristarco é o juiz, os alunos que cometem algum delito são os condenados. O diretor costumava expor os internos a situações vexatórias. Agia como um juiz, julgando os alunos e aplicando penas severas, porém não se comportava como em uma corte, pois os internos não tinham chance de defesa.
“[...] Aristarco limitava-se a sublinhar com uma ponderação qualquer
GRADUAÇÃO FORÇA ↑
Experienciador/Dizente Mental Verbal
a sentença catedrática [...]”
JULGAMENTO (-) token
Verbiagem
Discussão: a expressão “sentença catedrática” é bastante irônica, considerando-se o contexto, pois “sentença” é um termo usado em jurisdição por uma autoridade, e, neste caso, uma autoridade “catedrática”, que tem pleno conhecimento sobre o assunto, mas Aristarco é um diretor e está em uma escola. Além disso, a graduação “com uma ponderação qualquer” aparece para reforçar a ideia de que ele não ponderava sobre suas sentenças, portanto estava distante de ser catedrático.
94
“Às vezes enlaçava com dois dedos o menino pela nuca e o voltava,
JULGAMENTO (-) token
Material Alcance Alcance Material
fremente e submisso, para o colégio atento,
JULGAMENTO (-)
Beneficiário
oferecendo-o às bofetadas da opinião: “Vejam esta cara!...” JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-)
Material Alcance Beneficiário
Discussão: nos momentos de raiva, Aristarco não disfarçava as atitudes, mas, ainda assim, o narrador é bastante sutil na descrição, por isso a análise em forma de token no trecho “oferecendo-os às bofetadas da opinião”. O verbo “enlaçar” também deixa implícito o sentido de que os alunos são tratados como animais.
“Em presença do diretor, no escritório inquisitorial improvisei uma mentira.” APRECIAÇÃO (-) token
Discussão: a sala do diretor, que se dizia pai dos alunos, era vista por Sérgio como um “escritório inquisitorial”, o que revela implicitamente a ameaça a que os alunos eram submetidos.
Aristarco é deus
“ Aristarco foi clemente. Era a primeira vez, perdoou.” AFETO (-) token JULGAMENTO (-) token
Portador/ Experienciador Relacional Atributo Mental
Discussão: as escolhas lexicais “clemente” e “perdoou”, de acordo com o frame do leitor, remetem a Deus. Portanto Aristarco não era um diretor, era um deus clemente que perdoava a quem desejava.
“Aludi várias vezes ao revestimento exterior de divindade com que
AFETO (-) token
se apresentava habitualmente Aristarco.”
Existencial Existente
95
“Aristarco fazia aparições, de súbito, a qualquer das portas [...]”
JULGAMENTO (-) token
Existente Existencial
Discussão: a opção pela palavra “aparição” revela o significado implícito de que Aristarco é como uma entidade divina, que surge repentinamente, como se tivesse poderes sobrenaturais.
“Nos momentos de ira e de exaltações eloquentes é que sabia fazer-se em verdade divino.”
AFETO (-) token
Relacional Portador Atributo
“[...] tomou a palavra num tom solene de revelação e referiu,
JULGAMENTO (-) token
Verbal Verbal
com toda a grandeza de que era suscetível [...]”
AFETO (-) token
Relacional Atributo
Discussão: mais uma vez, fica implícito que Aristarco é um deus, nas palavras “revelação” e “grandeza”.
“O porco!” bramia Aristarco. “O grandíssimo porco!” repetia como um deus fora de si.”
JULGAMENTO (-)
Comportamental Comportante/Dizente Verbal
Discussão: a metáfora - Aristarco é deus – aparece aqui em sua forma mais explícita, como comparação, por isso não há token.
5.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso
A metáfora maior, Aristarco é poder, evidenciada na análise das expressões
metafóricas do capítulo um, mantém-se no capítulo quatro. Foram constatadas 19
expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco, das quais 6 referem-se à
96
metáfora Aristarco é deus (poderoso); 4 referem-se à metáfora Aristarco é juiz
(autoridade); 6 referem-se à metáfora Aristarco é deus (todo-poderoso); das 3
restantes, 2 contam como a metáfora Aristarco é ator (fingidor) e 1 como a metáfora
Aristarco é pai (cuidador). O número de ocorrências comprova que no capítulo quatro
a hegemonia de Aristarco prevalece sobre os alunos; ele é o rei, o juiz, o deus do
Ateneu. Segundo Gramsci (1999), é muito comum que a luta hegemônica aconteça
em instituições particulares, como a escola, e não em grandes instituições. No caso,
a obra O Ateneu, com a figura de Aristarco, evidencia isso.
O mapeamento dessas expressões metafóricas por meio de levantamento do
léxico, também é um norteador na análise, de acordo com a teoria conceptual da
metáfora (LAKOFF e JOHNSON, 1980). Para referir-se a Aristarco como rei, o autor
usa palavras como: “solenidade”, “manto”, “majestade”, “realeza”, “despotismo”,
“talento de império”, “majestosos bigodes”. Já para construir a ideia de Aristarco é
deus, o léxico: “clemente”, “divindade”, “”divino”, “revelação”, “deus” é usado como
sinônimo ou qualificador para Aristarco. Conforme Van Dijk (1988), a coesão lexical
não se trata somente de um recurso no texto para garantir a manutenção da coesão
e fazer referências, mas, principalmente, serve na construção da ideologia do texto.
Daí a importância de se fazer uma análise minuciosa da microestrutura com base nas
teorias citadas, a fim de superficializar a ideologia latente.
Ratificando o que as teorias da coesão lexical, da ideologia e da metáfora já
ratificaram, uso a teoria da LSF, Halliday (2004), para a análise da transitividade dos
processos que envolvem o diretor do Ateneu. Enquanto o processo material tem 11
ocorrências e o comportamental 5, os demais processos têm números bem inferiores.
Esse resultado confirma a imagem de Aristarco que detém o poder, pois, tanto o
processo material quanto o comportamental indicam um personagem que age, que
domina as realizações na narrativa.
Com relação à avaliatividade, no capítulo quatro há 3 ocorrências de
apreciação, 7 ocorrências de afeto e 17 de julgamento, todas negativas em forma de
token; há somente 3 ocorrências de julgamento negativo de forma explícita. Segundo
Martin (2000), a avaliatividade afeto refere-se à qualificação de pessoa, a
avaliatividade julgamento refere-se à conduta de pessoa e a avaliatividade apreciação
à qualificação de objetos; como se pode notar, as ações de Aristarco são avaliadas
em muitos trechos da narrativa e sempre de forma negativa, porém, a avaliação
aparece implicitamente, o autor não usa epítetos negativos para falar do diretor, logo,
97
a crítica é feita na subjacência. A autora Macken-Horarik (2003) em seu estudo fala
sobre a criação de empatia por um personagem de acordo com a avaliatividade usada
pelo autor. Partindo desse pressuposto, vai-se construindo na mente do leitor uma
antipatia por Aristarco, entretanto, isso se dá de forma progressiva e implícita por meio
de avaliatividade negativa em forma de token. De acordo com a mesma autora, é
possível afirmar que ocorre a metarrelação por confirmação no capítulo quatro em
relação ao capítulo um, já que ambos apresentam equivalência nas escolhas de
avaliatividade.
Para finalizar, a avaliatividade negativa em forma de token torna-se possível
também por meio de ironia, isso se dá “devido à natureza ecoica da ironia”, segundo
KREUZ; GLUCKSBERG, 1989; WILSON; SPERBER, 1981. Sendo assim, embora
Raul Pompeia não use léxico ofensivo para referir-se a Aristarco, consegue criar a
atmosfera de poder por parte do diretor, usando a ironia; como no trecho “O diretor
manobrava este talento de império com a perícia do corredor sobre o pur sang
sensível” (POMPEIA, 1999, p. 49), ao comparar Aristarco liderando o Ateneu a um
corredor de cavalos domando o cavalo; ou como nesta descrição “Aquela alma dúctil
de artista”, para dizer que Aristarco é um fingidor, sempre calculando as atitudes com
relação aos alunos e aos pais. El Refaie (2005) afirma que a ironia pode encorajar os
leitores a se conscientizarem e avaliarem algo que seria, de outro modo, aceito sem
questionamento, pois há um esforço maior por parte do leitor para compreender a
ironia; o autor de O Ateneu recorre insistentemente à ironia para falar de Aristarco, o
que gera no leitor esse movimento do qual falou El Refaie, além disso, esse recurso
permite-lhe defender suas ideologias na subjacência.
98
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO VIII
6.1 Contexto situacional - análise do registro
Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo VIII, a ser analisado,
especificando campo, relações e modo.
Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas
quanto à avaliatividade e à transitividade.
6.1.1 Campo
Grande parte do capítulo é dedicada ao relato dos passeios promovidos pelo
internato nos espaços fora dele, no Rio de Janeiro, e atividades de descontração que
aconteciam dentro do internato. O restante do capítulo trata de uma carta de amor que
foi escrita por um interno para outro, adotando um nome de mulher. Aristarco
desmascara o menino diante de todo o colégio.
É também neste momento da narrativa que Sérgio se envolve em uma briga
com Bento Alves e, no momento em que Aristarco chega e inquire sobre a briga,
Sérgio responde-lhe mal e puxa-lhe o bigode. O diretor ameaça-o, porém não lhe
aplica castigo ou expulsão devido à condição social de Sérgio.
6.1.2 Relações
O mais interessante desse capítulo é perceber o quanto o menino Sérgio se
engrandece e o diretor Aristarco se acovarda; a esta altura, Sérgio já não temia
expulsão ou castigos.
O menino descobre que seu parceiro de briga, Bento Alves, havia saído do
colégio, entretanto, Aristarco nada fez contra Sérgio. Diante das circunstâncias,
embora para Sérgio adulto pareça óbvia a decisão do diretor, sua visão de criança
não lhe permitiu, na época, fazer relações “hoje penso diversamente: não valia a pena
99
perder de uma vez dois pagadores prontos, só pela futilidade de uma ocorrência,
desagradável [...] mas sem testemunhas.” (POMPEIA, 1999, p. 109)
6.1.3 Modo
Nos trechos descritivos, percebemos claramente a influência do
expressionismo e do naturalismo, em especial, nas descrições dos colegas de classe
e dos funcionários à mesa em dia de atividade, com amplo uso de hipérboles e
caricaturas grotescas “aves inteiras saltavam das travessas; os leitões, à unha,
hesitavam entre dois reclamos igualmente enérgicos, dos dois lados da mesa. Os
criados fugiram.” (POMPEIA, 1999, p. 104)
6.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram
analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise
concentre as principais ocorrências.
Aristarco rei/governador
Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso
Aristarco é rei/governador
Alvo Fonte
“Marcado com um número, escravo dos limites da casa e do despotismo da
administração.”
“Aristarco rompia a marcha, valente como um mancebo, animando a desfilada como
Napoleão nos Alpes.”
“Desgraçado! desgraçado, torço-te o pescoço! Bandalhozinho impudente! Confessa-
100
me tudo ou mato-te.”
“Na qualidade de presos políticos, vítimas de generosa sedição, não nos vexava a
penitência.”
Aristarco deus
Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso
Aristarco é deus
Alvo Fonte
“[...] tétrico como o Juízo Final, entrou o diretor.”
“Ah! mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes, iludam-me!”
“O diretor arremessou-me ao chão. E, modificando o tom, falou: “Sérgio! ousaste
tocar-me!”
“Prostrados os doze rapazes perante Aristarco [...]”
“Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com um bafejo
de todo-poderoso.”
Aristarco ator
Aristarco é ator → metáfora = fingidor
Aristarco é ator
Alvo Fonte
“A saída dramática do diretor aumentou-me ainda remorsos.”
“Têm todos razão... Perdoo a todos... Mas eu sou tão enganado como os
101
senhores...”
“Mais algumas palavras azeitadas de ternura, e todo ressentimento cedia, e nós
saudávamos o diretor, grande ali, como sempre [...]”
Aristarco juiz
Aristarco é juiz → metáfora = autoridade
Aristarco é juiz
Alvo Fonte
“Aristarco ufanava-se de perspicácia de inquisitor.”
“Amanhã é o dia da justiça! Apresento-me agora para dizer somente: serei
inexorável, formidando!”
“À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda a
grandeza fúnebre dos justiçadores.”
“Entrava-lhe a justiça pelos bolsos como um desastre.”
6.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.
Aristarco é rei/governador
“Marcado com um número, escravo dos limites da casa e
102
do despotismo da administração.”
JULGAMENTO (-)
Discussão: a expressão metafórica “despotismo da administração” está servindo como uma expansão lexical para referir-se a Aristarco e seu poder absoluto. A palavra “despotismo” tem uma carga semântica negativa, uma vez que o déspota subjuga os liderados. É um termo negativo, principalmente em se tratando da relação diretor – alunos.
“Aristarco rompia a marcha, valente como um mancebo,
Ator Material Meta
animando a desfilada como Napoleão nos Alpes.” JULGAMENTO (-) token
Material
Discussão: a comparação de Aristarco com Napoleão foi considerada negativa em forma de token porque fica por conta do leitor fazer a associação Napoleão – déspota.
“Desgraçado! desgraçado, torço- te o pescoço! JULGAMENTO (-)
Material Meta
Bandalhozinho impudente! Confessa-me tudo ou mato- te.” JULGAMENTO (-)
Material Meta
Discussão: a ameaça de Aristarco nesta passagem foi explícita, por isso julgamento (-).
“Na qualidade de presos políticos, vítimas de generosa sedição, não nos vexava a penitência.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: a avaliatividade, aqui, está em forma de token porque o leitor precisa associar alunos a presos políticos e Aristarco a chefe de Estado.
103
Aristarco é deus
“[...] tétrico como o Juízo Final, entrou o diretor.”
JULGAMENTO (-) token
Comportamental Comportante
Discussão: o narrador poderia ter usado apenas o epíteto subjetivo “tétrico” para mostrar o quanto o diretor era temido pelos alunos, mas escolheu acrescentar a metáfora do “Juízo Final”, a fim de reforçar a ideia do temor e também equiparar Aristarco a um deus.
“Ah! mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes, iludam-me!
JULGAMENTO (-) token
Relacional Atributo
Discussão: “ter cem olhos” trata-se de uma expressão metafórica para afirmar que Aristarco, tal como um deus, é onisciente, onipresente.
“O diretor arremessou- me ao chão. E, modificando o tom,
Ator Material Meta Material
falou: “Sérgio! ousaste tocar-me!” JULGAMENTO (-) token
Verbal
Discussão: Aristarco coloca-se como um deus e, na qualidade de tal, não pode ser tocado, profanado. O escritor poderia ter usado o verbo “agredir”, a escolha verbal “tocar” remete a uma entidade, que não pode ser tocada.
“Prostrados os doze rapazes perante Aristarco [...]” JULGAMENTO (-) token
Discussão: a palavra “prostrados” significa ato de adoração ou súplica. No contexto, a escolha indica os dois significados, os internos suplicam pela misericórdia do diretor-deus.
104
“Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço
Comportante/ Ator Comportamental Material
com um bafejo de todo-poderoso.” JULGAMENTO (-) token
Aristarco é ator
“A saída (=sair) dramática do diretor aumentou- me ainda remorsos.”
JULGAMENTO (-) token
Comportamental Comportante/ Ator Material Meta
“Têm todos razão... Perdoo a todos... Mas eu sou tão enganado como os senhores...”
GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
Discussão: Aristarco sabia da situação, mas fingiu não saber, por isso julgamento (-) token.
“Mais algumas palavras azeitadas de ternura, e todo ressentimento cedia,
JULGAMENTO (-) token
e nós saudávamos o diretor, (é) grande ali, como sempre [...]”
JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
Aristarco é juiz
“Aristarco ufanava-se da perspicácia de inquisitor.” JULGAMENTO (-) token
Experienciador Mental
Discussão: assim como um inquisitor, Aristarco usava de todas as artimanhas para arrancar informações dos internos; o narrador Sérgio chegou a afirmar que os alunos acabavam por assumir a culpa que não tinham, por medo de Aristarco.
105
“Amanhã é o dia da justiça! Apresento-me agora para dizer somente:
JULGAMENTO (-) token
Material Verbal
serei inexorável, formidando!”
AFETO (-) token
Relacional Atributo Atributo
Discussão: o que Aristarco chamava de “dia da justiça”, na verdade, era justo apenas para quem era autoridade; os alunos envolvidos no episódio da carta de amor foram humilhados e ofendidos perante todo o colégio.
“À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda
Comportante Comportamental
a grandeza fúnebre dos justiçadores.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: a justiça de Aristarco sempre está atrelada a algo negativo, aqui representado pelas palavras “fúnebre” e “justiçador”. O termo “justiçador” deriva de justiçar que significa: aplicar castigo severo.
“Entrava-lhe a justiça pelos bolsos como um desastre.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: o narrador recorre a uma metáfora de processo com o verbo “entrar” na frase “entrava-lhe a justiça pelos bolsos”, assumindo o sentido de que Aristarco recebia assiduamente o pagamento da mensalidade de Sérgio, sendo assim, decide não aplicar ao menino a devida justiça pela infração cometida, uma vez que não seria interessante para o diretor correr o risco de perder um aluno pagante.
6.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso
O capítulo VIII é marcado pela ambivalência de Aristarco, se por um lado o
diretor demonstra toda a sua autoridade e seu despotismo ao fazer a intervenção no
caso de Cândido, menino que escreveu uma carta de amor a outro interno e foi
106
flagrado e humilhado diante de todos por Aristarco; por outro, há um diretor submisso,
que, embora tenha tido seu bigode puxado por um aluno, decide não lhe infligir
nenhuma punição para não perder a mensalidade. Conforme Ivo (1963), Aristarco vai-
se “metamorfoseando” ao longo da narrativa e é neste ponto que ele principia a perder
o seu poder, a sua divindade; quando o menino perde o medo e agride o deus do
colégio “Sérgio! Ousaste tocar-me!” (POMPEIA, 1999, p. 109). Há uma subversão da
hegemonia no Ateneu, agora é o aluno que humilha e agride o diretor. É o que será
provado por meio da análise.
Com o apoio da teoria de Charteris-Black (2004), pode-se afirmar que por meio
das metáforas mais usuais desse capítulo: Aristarco é deus e Aristarco é rei, o
narrador constrói na mente do leitor a representação de um Aristarco dominante, para,
em seguida, desconstruí-la.
As outras metáforas que compõem o capítulo: Aristarco é juiz, Aristarco é ator,
Aristarco é empresário corroboram com a construção de uma personagem forte, criam
uma realidade na mente do leitor, conforme afirma Fairclough (1995), que não se
sustentará até o final. Como se Raul Pompeia primeiro exaltasse a condição de
autoridade suprema do diretor, para depois evidenciar a profundidade de sua queda.
Em se tratando da avaliatividade, há muitas ocorrências de julgamento (-)
token, assim como nos capítulos anteriores, o que, segundo a teoria da metarrelação
de Macken-Horarik (2003) seria metarrelação por confirmação, por ter avaliação
equivalente à fase anterior. Os tokens são percebidos, aqui, considerando o enquadre
do leitor atento à obra, como nos exemplos “Ah! meu filho, ferir a um mestre é como
ferir ao próprio pai [...]” (POMPEIA, 1999, p. 109) ou “mas eu sou tão enganado quanto
os senhores [...]”(POMPEIA, 1999, p. 112), o narrador não faz crítica explícita, por
isso, esses e outros trechos foram analisados como token, o leitor usa seu
conhecimento prévio sobre Aristarco para concluir que ele não se sente como pai dos
internos, no caso do primeiro exemplo, e perceber que ele não estava sendo
enganado, no segundo exemplo. Há também 3 ocorrências de julgamento (-) sem
token, que são analisadas como metarrelação por oposição, pois são críticas
explícitas sobre o comportamento de Aristarco, o que não é comum acontecer na
narrativa.
O uso dos tokens vem aliado à ironia. Em muitas expressões metafóricas, a
ironia está presente, como nos exemplos a seguir: “Algumas palavras azeitadas de
ternura [...]”, para falar do fingimento de Aristarco para convencer os alunos; “[...]
107
altivo, contudo, quanto comportava a submissão.” (POMEIA, 1999, p. 112), para
mostrar que a autoridade de Aristarco limitava-se quando o aluno era assíduo no
pagamento da mensalidade. Tanto a ironia, quanto os tokens em relação à atitude do
diretor dependem do enquadre do leitor para realizar a inversão de valência entre o
significado literal e o pretendido (BURGERS et al., 2012).
Com relação à análise da transitividade, os processos material (10) e
comportamental (7) tiveram o maior número de ocorrências e, em seguida, o relacional
(5). Percebe-se um padrão no uso de processos que indica um Aristarco agente na
narrativa, de acordo com os processos material e comportamental. E uma
preocupação com a descrição dessa personagem, devido ao número de ocorrências
de processo relacional.
Para finalizar, tomando por base a teoria da coesão lexical, proposta por Van
Dijk (1988), faço um apanhado de algumas escolhas lexicais presentes no capítulo
VIII, as quais podem passar despercebidas quando vistas isoladamente, mas juntas
tecem um significado: “despotismo da administração”, “como Napoleão”, “como um
domador”, “tétrico como o Juízo Final”, “bafejo de todo-poderoso”, “vosso Mestre”.
Todas essas expressões foram usadas como expansão lexical para referir-se a
Aristarco e, é claro, não serviram apenas de elementos coesivos para manter a
coerência no texto, fazem emergir a metáfora maior - Aristarco é poder - e, sobretudo,
a ideologia de que esse poder não é bom.
108
7. ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XI
7.1 Contexto situacional - análise do registro
Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo XI, a ser analisado,
especificando campo, relações e modo.
Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas
quanto à avaliatividade e à transitividade.
7.1.1 Campo
O capítulo XI pode ser dividido em três partes, inicia-se com o professor Dr.
Cláudio discursando sobre temas diversos, de astronomia à saúde, e fechando o
discurso com uma das passagens mais belas e conhecidas da obra O Ateneu
“Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá
fora, onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes [...]”
(POMPEIA, 1999, p. 130). E o professor conclui sua fala com a seguinte constatação
“E não se diga que é um viveiro de maus germes, seminário nefasto de maus
princípios, que hão de arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o
internato a reflete.” (POMPEIA, 1999, p. 131)
O segundo momento do capítulo destina-se ao aluno Franco, que durante toda
a narrativa sofre maus-tratos tanto dos colegas de internato quanto dos funcionários
e do diretor. Franco adoece e morre no Ateneu, porém Aristarco e os internos parecem
não se importar com a tragédia, apenas Sérgio visita-o e se importa com sua saúde.
O diretor prefere não alardear o incidente, a fim de manter a imagem do internato
imaculada.
O capítulo termina com a homenagem dos alunos a Aristarco, um busto do
diretor para ser colocado no centro do pátio. O ponto máximo desse capítulo é a
reação de Aristarco, que, em vez de se sentir lisonjeado, sente ciúme dos aplausos
que a peça de bronze recebe em seu lugar.
109
7.1.2 Relações
Esse capítulo é essencial à construção da personagem Aristarco, já que seu
caráter e sua intimidade são expostos de forma muito clara ao leitor. Quando da morte
do menino Franco “Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao
colégio o aparato de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade” (POMPEIA,
1999, p. 133). E, com relação à homenagem, o narrador enfatiza em muitos momentos
o orgulho de Aristarco e, posteriormente, a revolta contra a estátua de si mesmo por
receber a coroa de louros em seu lugar.
7.1.3 Modo
As descrições são belíssimas e levam o leitor a construir mentalmente o busto
de Aristarco. É possível também ter uma experiência sensorial com o passo a passo
da transformação do diretor em bronze. A imagem construída evidencia a loucura de
Aristarco em se fundir e se confundir com a estátua “Compreendia inversamente o
prazer de transmutação da matéria bruta que a alma artística penetra e anima:
congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro [...] (POMPEIA, 1999, p. 141).
7.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram
analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise
concentre as principais ocorrências.
Aristarco empresário/interesseiro
Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante
Aristarco é empresário/interesseiro
Alvo Fonte
“Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao colégio o aparato
110
de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade.”
“[...] como a erupção de uma cratera, saltasse a surpresa, galardão das altas
qualidades e pirraça suprema à concorrência dos rivais.”
“Aristarco e os ajudantes espiavam, farejavam, descobriam os pais, as famílias dos
de mais elevada posição social, que pescavam para o ingresso preterindo os mais
próximos.”
“Aristarco aproveitava também para desforrar-se dos pagadores morosos da
escrituração. Afinal deu na vista a pescaria dos seletos.”
Aristarco ídolo
Aristarco é ídolo → metáfora = entidade
Aristarco é ídolo
Alvo Fonte
“Um busto! era a remuneração que chegava dos impagáveis esforços, a sonhada
estátua [...]”
“Devia ser uma solenidade sem memória nos fastos da pedagogia triunfante, um
obelisco de despesas, de luxo, de esplendor [...]”
“Era ele, que ali estava encapado na expectativa da oportunidade; ele bronze
impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até do que ele próprio,
a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que um momento absurdo
de fraqueza desfigurava e subtraía.”
“Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera bebido gesso.”
“Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco metálico,
escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem
111
consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! mas feito
estátua.”
Aristarco orgulho
Aristarco é orgulho → metáfora = soberba
Aristarco é orgulho
Alvo Fonte
“E parafusaria, acumuladas, as peças do seu orgulho, a pilha dos seus anelos, a
estátua!”
“Havia um prazer especial naquilo; crescer do chão em três dias por honra sua a
floresta das vigas e barrotes [...]”
“Certo não foi tão nobre o orgulho daqueles monarcas das pirâmides, idiotas
macabros e colossais, arquitetos inúteis de sepulcros.”
“[...] o busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo, e o embaraço
desvaneceu-se.”
“Com o Ateneu estava satisfeito: uma sementeira razoável; não se fazia rogar para
florescer.”
“É preciso às vezes tanta bravura para arrostar o encômio face a face, como as
agressões. A própria vaidade acovarda-se.”
“Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio.
Nada para ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma
alucinação. O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser o pobre
Aristarco, mortal, de carne e osso.”
112
“Mal acabou de falar o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar
freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.”
Aristarco rei/governador
Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso
Aristarco é rei/governador
Alvo Fonte
“De vez em quando, Aristarco, cansado de tanto mover-se, subia ao trono, sentava-
se. Fazia-lhe bem o dossel por cima. E dava regras aos armadores, de li, como um
soberano precavido ditando o esplendor da coroação.”
“Calças pretas, casaca, peito blindado de condecorações, uma fita de dignitário ao
pescoço, que o enforcava de nobreza. Mirando! A suprema correção, a
envergadura imponente do talhe, a majestade dominadora da presença, fundia-se
tudo numa mesma umbigada de empáfia.”
“À esquerda do trono estava uma longa mesa, a que sentavam-se o Exmo. ministro
do império e vários figurões da Instrução Pública.”
“— Coroemo-lo! repetia Venâncio num vendaval de aclamações. E sacando da tribuna
esplêndida coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.”
7.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.
113
Aristarco é empresário/interesseiro
“Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao colégio o
JULGAMENTO (-) token
Comportante Comportamental
aparato de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade.”
Discussão: o diretor Aristarco é, antes de tudo, empresário, por isso não comenta muito a respeito da morte de Franco, contém suas emoções.
“[...] como a erupção de uma cratera, saltasse a surpresa, galardão das altas qualidades e
pirraça suprema à concorrência dos rivais.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: outros internatos particulares eram vistos como concorrentes na visão do empresário Aristarco. Todavia, trata-se de “pirraça suprema”, a ironia do adjetivo amenizando o substantivo “pirraça”, é fantástica; ao mesmo tempo que o diretor tem uma atitude mesquinha e infantil, não deixa de ser superior.
“Aristarco e os ajudantes espiavam, farejavam, descobriam os pais, as famílias
JULGAMENTO (-) token
Comportante/ Ator Comportamental Comportamental Material Alcance/ Meta
dos de mais elevada posição social, que pescavam para o ingresso” preterindo os mais próximos.” JULGAMENTO (-) token
Material
Discussão: o narrador optou por usar metáforas de processo para narrar como Aristarco e outros funcionários do Ateneu abordavam os pais para angariar alunos. Essas metáforas criam o universo da caça, ir à caça de pais e, consequentemente, de alunos; o que não é visto positivamente na sociedade.
114
“Aristarco aproveitava também para desforrar-se dos pagadores morosos JULGAMENTO (-) token
Experienciador/ Ator Mental Mental Fenômeno
da escrituração. Afinal deu na vista a pescaria dos seletos.” JULGAMENTO (-) token
Material Alcance
Aristarco é estátua
“Um busto! era a remuneração que chegava dos impagáveis esforços, a sonhada estátua [...]”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: essa passagem evidencia o orgulho que Aristarco tinha de si mesmo, ele acreditava merecer uma estátua em homenagem aos seus grandes feitos como diretor.
“Devia ser uma solenidade sem memória nos fastos da pedagogia triunfante,
um obelisco de despesas, de luxo, de esplendor [...]” APRECIAÇÃO (-) token
“Era ele, que ali estava encapado na expectativa da oportunidade; ele AFETO (-) token
Relacional Portador Relacional Portador
bronze impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até do que ele AFETO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA (↑) AFETO (-) token
Atributo
próprio, a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que
JULGAMENTO (-) token
um momento absurdo de fraqueza desfigurava e subtraía.”
Discussão: o narrador Sérgio por meio dessa descrição quer criar a imagem de unificação de Aristarco com o busto para esclarecer ao leitor a intensidade com que Aristarco recebeu essa homenagem e os efeitos dela para ele. Já não se sabe mais quem é a pessoa quem é a estátua.
115
“Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera bebido gesso.”
AFETO (-) token
Mental Experienciador
“Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco AFETO (-) token
Relacional Atributo
metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das AFETO (-) token
Atributo Existencial
esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh,
AFETO (-) token
glória! mas feito estátua.”
Relacional Atributo
Discussão: nessa fundição Aristarco – estátua, o diretor não se importa em se tornar objeto inanimado, uma vez que atingiu seu objetivo, ter um monumento erguido em sua homenagem.
Aristarco é orgulho
“E parafusaria, acumuladas, as peças do seu orgulho, JULGAMENTO (-) token
Material Meta
a pilha dos seus anelos, a estátua!”
JULGAMENTO (-) token
Meta
“Havia um prazer especial naquilo; crescer (=surgir) do chão em três dias JULGAMENTO (-) token
Existencial
por honra sua a floresta das vigas e barrotes [...]”
Discussão: a expressão “por honra sua” é desmentida em outro momento da narrativa quando Sérgio afirma que os alunos se sentiam obrigados a fazer a homenagem.
116
“Certo não foi tão nobre o orgulho daqueles monarcas das pirâmides, GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token
idiotas macabros e colossais, arquitetos inúteis de sepulcros.”
Discussão: a ironia do narrador reforça a imagem que ele quer construir de Aristarco. Um homem orgulhoso e egocêntrico.
“[...]o busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo [...]” GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
“Com o Ateneu estava satisfeito: uma sementeira razoável; não se fazia rogar para florescer.”
AFETO (-) token
Relacional Atributo
“É preciso às vezes tanta bravura para arrostar o encômio face a face, GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token
como as agressões. A própria vaidade acovarda-se.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: ao afirmar que é preciso ter coragem para encarar um elogio, que a vaidade encolhe-se diante deles, o narrador é irônico em todo o trecho, portanto avaliatividade em forma de token.
117
“Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio. Nada para
Experienciador Mental Alcance
ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma alucinação. JULGAMENTO (-) token
Relacional Identificador
O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional
o pobre Aristarco, mortal, de carne e osso.”
AFETO (-) token
Atributo
Discussão: esse trecho aponta o ápice do orgulho de Aristarco, quando o narrador descreve o ciúme que o diretor sentiu das homenagens prestadas, que pareciam ser para o busto e não para ele.
“Mal acabou de falar o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar
Comportante Comportamental Comportamental
freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.” JULGAMENTO (-)
Material
Discussão: Aristarco não disfarça seu egocentrismo nesse capítulo, em especial, nessa passagem, daí ser avaliatividade negativa sem token.
118
Aristarco é rei/ governador
“De vez em quando, Aristarco, cansado de tanto mover-se, subia ao trono, JULGAMENTO (-) token
Comportante/Dizente Comportamental Comportamental
sentava-se. Fazia-lhe bem o dossel por cima. E dava regras aos armadores, JULGAMENTO (-) token
Comportamental Verbal
de li, como um soberano precavido ditando o esplendor da coroação.” JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-) token
Verbal
Discussão: a escolha do conjunto lexical “trono, dossel, soberano e coroação”, que remete a rei/reinado, reforça a ideia do poder absoluto de Aristarco dentro do internato. “Calças pretas, casaca, peito blindado de condecorações, uma fita de dignitário ao pescoço, que
o enforcava de nobreza. Mirando! A suprema correção, a envergadura imponente do talhe, APRECIAÇÃO (-) token
a majestade dominadora da presença, fundia-se tudo numa mesma umbigada de empáfia.”
JULGAMENTO (-) token
“À esquerda do trono estava uma longa mesa, a que sentavam-se o Exmo. ministro do império e vários figurões
APRECIAÇÃO (-) token
da Instrução Pública.”
“E sacando da tribuna esplêndida coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.”
APRECIAÇÃO (-) token
119
7.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso
O capítulo XI acrescenta dados muito importantes à análise. Por se tratar de
um capítulo que descreve uma homenagem dos alunos a Aristarco, algumas
características do diretor ficam em evidência e aparecem ocorrências na análise que,
até então, não apareciam.
As metáforas exploradas nesse capítulo são: Aristarco é empresário (4),
Aristarco é ídolo (5), Aristarco é orgulho (8), Aristarco é rei (4) e Aristarco é militar (1).
Vale ressaltar que, embora a metáfora Aristarco é deus, presente em todos os
capítulos analisados, não tenha ocorrido de forma explícita aqui, a metáfora Aristarco
é ídolo a substitui, já que ídolo é a imagem de uma divindade. Este é o ponto
culminante da narrativa, a estátua do diretor, se ele é um deus, deve ser adorado. A
descrição da construção da estátua e, consequentemente, da transformação de
Aristarco em pedra é feita por meio de metáfora e ironia. Considerando a teoria de
Clift (1999), de que a ironia permite uma avaliação implícita e de que faz um convite
ao leitor para compartilhar da perspectiva do ironizador, quando o narrador diz “sentia-
se estranhamente maciço por dentro” ou “morto sobre a cadeira, oh, glória! Mas feito
em estátua”, convida o leitor de O Ateneu a avaliar Aristarco como um alienado, que
chega a desejar ser a estátua, para ser adorado.
Do levantamento das expressões metafóricas mais recorrentes, emerge uma
metáfora maior: Aristarco é poder e, conforme Charteris-Black (2004), uma análise
crítica da metáfora revela um conteúdo implícito, que, neste caso, é a imagem de um
Aristarco que detém todo o poder no Ateneu.
Aliando a análise das metáforas sobre Aristarco à teoria da hegemonia, fica
evidente que o diretor é o líder soberano no internato e que, como afirma Bosi “Pedro
II está para a nação como Aristarco para o colégio” (BOSI, 2003, p. 70). Para
Fairclough (1992), a escola trata-se de um local em que a luta de classes torna-se
evidente. As metáforas, então, servem em O Ateneu, sobretudo, como veículos
ideológicos.
No que se refere à avaliatividade, além do julgamento (-) em forma token,
presente nos outros capítulos, há número considerável de ocorrências de afeto (-)
token e apreciação (-) token. A avaliatividade de atitude afeto dá-se nesse episódio
porque o narrador coloca as emoções de Aristarco, como ele se sente em relação à
120
estátua; a avaliatividade de atitude apreciação ocorre para construir a avaliação do
objeto, a estátua. A avaliatividade de atitude julgamento (-) token continua tendo o
maior número de ocorrências, pois avalia moralmente o comportamento de Aristarco.
Todas as avaliatividades são negativas em forma de token, o que significa que tanto
o comportamento, quanto a pessoa, quanto o objeto que a representa são avaliados
negativamente recorrendo à implicitude e à ironia. Segundo Kreuz; Glucksberg (1989)
e Wilson; Sperber (1981), a ironia tem natureza ecoica, pois cita um enunciado de
alguém e simultaneamente desaprova o que foi enunciado; sendo assim, todos os
elogios referentes a Aristarco são entendidos como negativos.
Os levantamentos sobre a avaliatividade criam uma relação semântica à que a
autora Macken-Horarik (2003) chama de metarrelação. É possível apontar a
metarrelação por confirmação, no que se refere ao julgamento (-) token, pois há
equivalência de avaliatividade com a fase anterior, considerando os outros capítulos
analisados. Os fatores novos: afeto e apreciação são avaliados como metarrelação
por avaliação externa, pois mostram os sentimentos de Aristarco.
Quanto à transivitidade, os processos: comportamental (8), material (7) e
relacional (8) são os mais usados pelo autor. O processo relacional é bastante
explorado no capítulo por causa da estátua em homenagem a Aristarco, é um
processo utilizado para descrição e, para evidenciar o orgulho e a loucura de Aristarco,
o autor descreve a transformação dele em estátua, como se ambos se fundissem. Os
processos comportamental e material são recorrentes, pois Aristarco continua sendo
agente nas ações da narrativa.
Concluindo a análise do capítulo XI, faço um mapeamento das escolhas lexicais
a fim de evidenciar opiniões e ideologias subjacentes no texto. No que tange às
metáforas: Aristarco é ídolo e Aristarco é orgulho, pois são as metáforas mais
recorrentes do capítulo, é possível levantar as expressões: “sonhada estátua”,
“obelisco de esplendor”, “ele bronze impertérrito”, “maciço por dentro”, “rochedo
inerte”, “peças do seu orgulho”, “tudo era seu triunfo”. Em comum, as palavras:
estátua, obelisco, bronze, maciço, rochedo e peças representam Aristarco firme,
inflexível, forte; segundo Li (2010), com a repetição de itens lexicais, são criadas
metáforas conceptuais dominantes, como, no caso, Aristarco forte, e, dessa forma,
criar um entendimento do fato por meio dessas metáforas. Tudo isso é construído na
mente do leitor ao longo da leitura e, não por acaso, Raul Pompeia recorre às
metáforas, pois elas têm o poder de impactar emocionalmente o leitor. (GOATLY,
121
1997)
122
8 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XII
8.1 Contexto situacional - análise do registro
Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo XI, a ser analisado,
especificando campo, relações e modo.
Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas
quanto à avaliatividade e à transitividade.
8.1.1 Campo
No capítulo XII, começam as férias no Ateneu, somente alguns rapazes
permanecem no internato, enquanto a maioria goza férias com a família. Sérgio
contrai sarampo e permanece no colégio aos cuidados de Aristarco e sua esposa
Ema, pois seus pais decidem fazer uma viagem à Europa. Ema torna-se a enfermeira
de Sérgio, dando-lhe carinho e cuidados de mãe; já Aristarco visita-o raramente. O
menino já não sente mais falta de sua família e deseja prolongar a doença a fim de
receber total atenção de Ema. Em meio a isso, Américo, um interno matriculado
recentemente no colégio, revoltado por estar ali, incendeia o Ateneu e foge. Sérgio
assiste ao incêndio sem poder ajudar. Ema aproveita o desastre e desaparece.
Aristarco desespera-se em um primeiro momento e, depois, deixa-se vencer pelos
acontecimentos, sozinho.
8.1.2 Relações
Neste capítulo, evidencia-se a aproximação de Sérgio e Ema devido ao estado
de saúde do interno. Aristarco poderia aproximar-se do menino e cuidar dele como
um pai, já que prometera isso a sua família, no entanto, incumbe sua esposa de fazê-
lo. Ema dedica-se inteiramente a Sérgio, porém não demonstra a mesma
preocupação por Aristarco. Ela encontra no episódio do incêndio a oportunidade para
123
livrar-se do marido. Durante o incêndio, alguns discípulos ficam ao lado de Aristarco
acompanhando a tragédia “Em redor do diretor muitos discípulos tinham ficado desde
a véspera, inabaláveis e compadecidos.” (POMPEIA, 1999, p. 154) Enquanto Sérgio
apenas analisa a postura do diretor, sem expressar inquietação.
8.1.3 Modo
O capítulo XII encerra a narrativa de O Ateneu, nele encontramos os devaneios
de um menino recluso, doente, que aproveita o tempo para reflexões. O autor utiliza
personificações e metáforas belíssimas como em “No pátio, o silêncio dormia ao sol,
como um lagarto.” (POMPEIA, 1999, p. 146), para explicar o silêncio do internato
durante as férias. Cria imagens inusitadas para descrever o incêndio “Esquecia-me a
ver os dragões dourados revoando sobre o Ateneu ...” (POMPEIA, 1999, p. 151).
8.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram
analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise
concentre as principais ocorrências.
Aristarco rei/governador
Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso
Aristarco é rei/governador
Alvo Fonte
“Aristarco surgia às vezes solenemente, sem demorar.”
“Afrontava a desgraça soberanamente [...]”
124
“Indiferença suprema dos sofrimentos excepcionais! Majestade inerte do cedro
fulminado! Ele pertencia ao monopólio da mágoa. O Ateneu devastado!”
Aristarco derrota
Aristarco é derrota → metáfora = fracasso
Aristarco é derrota
Alvo Fonte
“Fui achar Aristarco no terraço lateral, agitado, bradando pelas bombas, que estava
perdido [...]”
“Aristarco, que se desesperava a princípio, refletiu que o desespero não convinha
à dignidade.”
“[...] contemplando o aniquilamento de sua fortuna com a tranquilidade das grandes
vítimas.”
“Lá estava Aristarco, tresnoitado, o infeliz.”
“Não era um homem aquilo; era um de profundis.”
“Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”
Aristarco deus
Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso
Aristarco é deus
Alvo Fonte
“Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”
125
8.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco
Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.
Aristarco é rei/governador
“Aristarco surgia às vezes solenemente, sem demorar.”
JULGAMENTO (-) token
Existente Existencial
Discussão: Aristarco assumiu perante os pais a responsabilidade de cuidar do menino, mas quem cuidou dele foi Ema. Nesse comentário, Sérgio explicita a superioridade de Aristarco de forma irônica com o advérbio “solenemente”.
“(ele) Afrontava a desgraça soberanamente [...]”
JULGAMENTO (-) token
Comportante Comportamental Alcance
“Indiferença suprema dos sofrimentos excepcionais! Majestade inerte do cedro fulminado!
JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-) token
Ele pertencia ao monopólio da mágoa. O Ateneu devastado!”
Identificado Relacional
Discussão: se no início da narrativa Sérgio usava léxico que remetia a rei para exaltar o diretor, agora, ele usa “majestade”, “suprema” para evidenciar a queda de Aristarco, por isso token.
Aristarco é derrota
“Fui achar Aristarco no terraço lateral, agitado, bradando pelas bombas, que estava perdido [...]”
AFETO (-)
Relacional Atributo
“Aristarco, que se desesperava a princípio,
JULGAMENTO (-)
Comportante Comportamental
126
refletiu que o desespero não convinha à dignidade.”
JULGAMENTO (-) token
Mental
Discussão: Aristarco é uma personagem que calcula todas as ações ao longo da obra, mas no momento do incêndio, ele age com naturalidade por alguns instantes; logo depois, recobra a astúcia e adota uma atitude mais comedida, afinal, não seria de bom tom para um “soberano” demonstrar desespero diante de alunos e vizinhança. Para o narrador, convém observar Aristarco e não o incêndio.
““[...] (Aristarco) contemplando o aniquilamento de sua fortuna
Comportante Comportamental Alcance
com a tranquilidade das grandes vítimas.”
JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA (↑)
Discussão: Aristarco primeiro se desesperou, depois entendeu que tal atitude não faria bem a sua imagem, então, a partir desse momento na narrativa ele será a vítima de uma tragédia. O narrador usa a expressão “grandes vítimas”, mas o leitor atento, por causa do frame, entende que Aristarco não é a vítima.
“Lá estava Aristarco, tresnoitado, o infeliz.”
AFETO (-)
Relacional Portador Atributo
“Não era um homem aquilo (Aristarco); era um de profundis.” AFETO (-)
Relacional Atributo Portador Relacional Atributo
Discussão: O narrador neste ponto descreve um Aristarco oposto ao que ele foi durante toda a narrativa. O Aristarco austero, soberano, poderoso se resume agora a “aquilo”, em lugar de um homem, um “de profundis”, um defunto. Aristarco deixa de ser Aristarco no fim da obra.
“Ele, (estava) como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”
AFETO (-)
Portador Relacional Atributo
127
Aristarco é deus
“Ele, (estava) como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”
JULGAMENTO (-) token
Portador Relacional Atributo
Discussão: Essas são as últimas palavras do narrador sobre o diretor, e o autor recorre a uma comparação entre Aristarco e um deus caipora; não o Deus cristão, a que ele sempre faz referência. Esse deus caipora não conseguiu proteger seu internato.
8.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso
O último capítulo de O Ateneu, se comparado aos demais capítulos submetidos
à análise nesta pesquisa, não apresenta o mesmo padrão. No que se refere à
avaliatividade, há afeto (-) e julgamento (-) sem token, o que não ocorre com
frequência nos outros capítulos. A ausência de token significa que o autor optou por
ser mais explícito ao falar de Aristarco, apenas nesse ponto da narrativa, pois ao longo
dela as ocorrências de avaliatividade foram negativas em forma de token. Ao que
parece, uma cortina vai-se abrindo e descobrindo um Aristarco, até então, disfarçado
pelas metáforas e tokens. A partir disso, tomando por base a teoria da metarrelação
de Macken-Horarik (2003), nota-se a metarrelação por confirmação, já que há muitas
ocorrências de julgamento (-) token e metarrelação por oposição, pois a avaliatividade
de afeto e de julgamento, diferente das outras fases, foram negativas sem token.
Já no que se refere à transitividade, o processo mais usado foi o relacional (6),
utilizado para descrições. Por se tratar do último capítulo, o autor quer mostrar um
novo Aristarco, o Aristarco “perdido”, “vítima”, “infeliz”, “triste”, um homem decadente,
que já não possui mais todo aquele poder mencionado nos outros capítulos. Agora o
diretor do Ateneu já não aparece relacionado aos processos comportamental e
material, que indicam uma personagem ativa, dominante na obra; Aristarco observa
seu internato sendo destruído e nada pode fazer. A narrativa termina com um Aristarco
passivo.
Substanciando a ideia de passividade e impotência, foram encontradas seis
ocorrências de expressões metafóricas que se remetem ao fracasso de Aristarco.
128
Portanto, se ao longo da obra, a metáfora Aristarco é poder é enfatizada inúmeras
vezes por meio de expressões metafóricas relacionadas a rei, deus, empresário, juiz,
gigante etc., que de alguma forma representam um poder; no momento final da
narrativa, a metáfora mais utilizada é a da derrota, o que evidencia uma reviravolta na
trama. Considerando a teoria de Charteris-Black (2004), que afirma que ao empregar
a metáfora o falante convida o ouvinte a participar de um “ato interpretativo”, ao que
parece, o leitor de O Ateneu é convidado a criar um significado para Aristarco junto ao
seu criador Raul Pompeia, a ideia de que o poder absoluto não prevaleceu, Aristarco
foi derrotado. De acordo com Souza, Aristarco é apresentado como um tirano na obra
e a destruição do Ateneu representa sua queda e a libertação dos alunos “É preciso
destruir os deuses tiranos que Aristarco representa para que a civilização triunfe [...]”.
(SOUZA, 2011, p. 17)
Somando à metáfora a noção de ideologia, o papel das expressões metafóricas
foi de exercer uma função persuasiva para construir na cabeça do leitor uma imagem
negativa de Aristarco e do poder absoluto de um rei, sem precisar recorrer à
explicitude. (CHARTERIS-BLACK, 2004) Ao fazer um levantamento das escolhas
lexicais desse capítulo, encontram-se “inerte”, ”perdido”, “vítima”, “infeliz”, palavras
que remetem a um Aristarco fraco, sem poder; a análise da coesão lexical do capítulo
mostra, portanto, que o significado de Aristarco na obra muda e encerra-se com uma
visão oposta.
Também se faz necessário analisar uma das metáforas mais usadas por
Pompeia e que é escolhida para o desfecho da obra, trata-se da comparação de
Aristarco com um “deus caipora”. A metáfora Aristarco é deus é explorada em todos
os capítulos analisados; todos os atributos de um deus: “imortal”, “divino”, “todo-
poderoso” são utilizados para criar a imagem de um diretor invencível; entretanto, no
último capítulo, há somente uma menção a Aristarco deus, um deus caipora. Segundo
a lenda indígena, o deus caipora é o protetor da floresta, o qual pune todos aqueles
que agridem a fauna e a flora na floresta; já para os jesuítas, o deus caipora é
considerado um demônio. Do ponto de vista cristão, o deus caipora não tem poder
algum e, em O Ateneu, também não: “Ele, como um deus caipora, triste, sobre o
desastre universal de sua obra.” (POMPEIA, 1999, p. 155) Segundo Burgers et al.
(2012), a ironia inverte o significado literal, sendo assim, a metáfora - Aristarco é deus
caipora - é irônica, pois inverte e subverte a noção de Aristarco deus todo-poderoso
difundida ao longo do romance para Aristarco sem poder algum diante de sua
129
desgraça, tendo de aceitar passivamente as circunstâncias.
Conforme Perrone-Moisés (1988), Aristarco passa por um processo de
“divinização”, esse processo confirma-se por meio do levantamento de expressões
metafóricas que se referem a Aristarco é deus aqui neste estudo. Nos capítulos
analisados, o diretor constantemente está atrelado a léxico que remete a deus, mas,
no final, embora ainda seja deus, torna-se um “deus caipora”, perdendo seu status
divino e, portanto, seu poder. A hegemonia de Aristarco cai por terra no final da obra,
ressaltando o papel do discurso da obra literária como prática social. Segundo
Gramsci (1999), o discurso se sustenta na luta hegemônica entre pessoas comuns na
sociedade, como professor e aluno, homem e mulher. Nesse sentido, considerando
alunos e diretor, Aristarco deteve o poder por muito tempo, porém não prevaleceu.
130
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para terminar este estudo, retomo o objetivo apresentado inicialmente de fazer
um exame de cunho pragmático-cognitivo crítico das metáforas aliado à noção de
avaliatividade no processo persuasivo do discurso em O Ateneu, de Raul Pompeia.
Para tanto, pautei-me nas seguintes perguntas de pesquisa: (a) qual é o papel da
metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b) que escolhas
lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?
(c) como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do
texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso?
Com relação à primeira pergunta, foi feito o levantamento das expressões
metafóricas usadas nos cinco capítulos analisados e, as metáforas mais usuais foram:
Aristarco é rei (24 ocorrências) e Aristarco é deus (22 ocorrências); essas metáforas
fundem-se em uma metáfora maior – Aristarco é poder. O diretor detém o poder
absoluto no Ateneu, representando o imperador naquele regime imperialista do
internato; Sérgio e outros internos posicionam-se contra Aristarco e seu despotismo.
Considerando que o Ateneu é um microcosmo social (Oliveira, 1978), essa metáfora
revela, de forma implícita, o posicionamento de Raul Pompeia contra o imperialismo
do século XIX no Brasil e confirma a hipótese da tese sobre um viés político-ideológico
da obra.
Nos capítulos I, IV, VIII e XI a hegemonia de Aristarco prevalece, sendo
reforçada com expressões metafóricas que remetem a alguma forma de poder;
entretanto, no capítulo VIII, Sérgio agride Aristarco e, portanto, o deus/rei do Ateneu
é tocado, profanado. Esse acontecimento, já mais próximo ao desfecho, demonstra
que Aristarco vai perdendo o poder conforme a evolução da narrativa.
Ao longo da obra, Raul Pompeia constrói na mente do leitor, por meio das
expressões metafóricas, uma metáfora maior - Aristarco é poder - cria a imagem de
um homem invencível. No final, porém, o autor desconstrói essa imagem usando a
metáfora do “deus caipora” que nada pode fazer para salvar-se e para salvar seu
internato da ruína. Dessa forma, Pompeia mostra que o poder absoluto no Ateneu
não prevaleceu e que, segundo consta em suas biografias sobre seus ideais, o poder
absoluto no Brasil também não deveria prevalecer. Raul Pompeia lutava por isso.
Nesse sentido, a metáfora torna-se ferramenta no processo de persuasão do leitor
acerca das ideologias do autor. (Charteris-Black, 2004)
131
Respondendo à pergunta (b): que escolhas lexicogramaticais referentes à
avaliatividade compõem as metáforas nesse processo? As expressões metafóricas
de todos os capítulos contemplados neste estudo, quando analisadas por meio da
avaliatividade, mostraram que há julgamento (-) em forma de token com relação às
atitudes da personagem Aristarco. São em torno de 3 as ocorrências de afeto e
apreciação, e de julgamento (-) inscrito ou explícito em cada capítulo. Outro dado de
análise importante é o fato de, em algumas expressões metafóricas, o julgamento
parecer (+) em um primeiro momento, entretanto, considerando-se a noção de
enquadre do leitor, o julgamento é avaliado como (-) em forma de token, e, portanto,
irônico, uma vez que o julgamento tem o sentido oposto ao que é apresentado.
Ao analisar esses resultados, percebo que o autor não usa epítetos negativos
para descrever o diretor, tem preferência pelas críticas indiretas por meio de
julgamento (-) token, sendo assim, a imagem negativa de Aristarco é construída na
mente do leitor de forma gradual e sutil; paralelamente, a ironia colabora nessa
construção, uma vez que convida o leitor a compartilhar da perspectiva do autor de
forma implícita, segundo os estudos de El Refaie (2005) sobre esse recurso.
Por fim, considerando a evolução da narrativa no que tange à avaliatividade,
pude perceber que a personagem Aristarco é construída por meio de atitude (-) em
forma de token durante toda a obra e, somente no desfecho, as descrições e
julgamentos são feitos de forma direta com julgamento (-) inscrito. Logo, no último
capítulo, Aristarco é totalmente descoberto para o leitor, a leitura já não depende mais
do enquadre. O fato de a avaliatividade mudar de implícita para explícita, na teoria de
Macken-Horarik (2003), denomina-se metarrelação de oposição, pois há um contraste
com as fases anteriores da narrativa.
E quanto à pergunta (c): como é feita a relação entre as escolhas
lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e
relações de força do discurso? No que se refere à análise da microestrutura, com
relação à transitividade, o processo mais frequente envolvendo o diretor foi o material,
o que indica que Aristarco é o ator, o agente na narrativa. Ainda sobre as escolhas
lexicogramaticais que compõem a microestrutura, cito algumas das expressões
analisadas: “imortal”, “monstro japonês”, “domador”, “leiloeiro”, “homem sanduíche da
educação”, “soberano”, “autocrata”, “majestade”, “realeza”, “Napoleão”, “todo-
poderoso” etc., todas utilizadas pelo autor como elementos anafóricos ou como
qualificadores para Aristarco. Essas escolhas não só garantem a coesão textual, como
132
também, conforme afirma Van Dijk (1988), superficializam a ideologia embutida na
microestrutura do texto, no caso de O Ateneu, superficializa uma imagem negativa de
um diretor ditador que não tem êxito no final e, à luz de seu exemplo, no macrocosmo
social, outros que se igualarem a ele, também não o terão. Além disso, a repetição de
certos itens lexicais constrói metáforas dominantes que criam um entendimento para
o leitor acerca do discurso na obra. (LAKOFF e JOHNSON, 1980)
De acordo com as respostas, posso concluir que as metáforas são usadas
persuasivamente para construir ideologia e expressar avaliação. Elas criam uma
versão da realidade e apelam para a emoção do leitor, causando um impacto que não
seria alcançado caso o autor não usasse esse recurso.
Raul Pompeia constrói uma imagem de Aristarco poderoso ao longo de toda a
narrativa, essa construção dá-se por meio de expressões metafóricas que remetem a
rei, deus, animal, juiz, empresário, dentre outras, que evidenciam seu poder no
microcosmo Ateneu. Aristarco é a autoridade máxima desse mundo, está no topo da
pirâmide hierárquica do internato, entretanto toda essa construção desfaz-se no último
capítulo, quando não há mais como alterar os fatos. Usando uma metáfora, Aristarco
vira cinzas no incêndio junto com o Ateneu; o que leva o leitor a repensar a grande
metáfora - Aristarco é poder? No final, seu poder é subjugado pela fúria de um
menino, então, ao que parece, ele nunca teve esse poder.
As metáforas de O Ateneu, na verdade, compõem uma mensagem, que
decodificada nas análises da microestrutura, torna-se mais clara: o poder absoluto
não é positivo e não deve ser almejado, uma vez que há de ser vencido em algum
momento. Segundo a autora Perrone-Moisés (1988), renomada especialista em crítica
literária, o tema principal de O Ateneu é o poder, e esta tese dialoga com a afirmação
da crítica por meio de um estudo lexicogramatical minucioso com base em teorias
linguísticas.
Finalizando meu trabalho, espero ter respondido de forma satisfatória às
questões que apresentei na introdução. Além disso, anseio por ter contribuído com os
estudos da linguagem propondo uma análise de obra literária com base na Linguística
Aplicada. Esse tipo de análise fomenta em professores e alunos, leitores de obras
literárias, um olhar mais crítico sobre o conteúdo lido e atento às ideologias
subjacentes, bem como aos processos persuasivos em textos que aparentemente não
são argumentativos.
133
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Ideology and ideological state apparatuses. In: ALTHUSSER, L. Lenin and philosophy and other essays. Londres: New Left Books, 1971. ANDRADE, M. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1972. BAKHTIN, M. Speech genres and other late essays. EMERSON, C.; HOLQUIST, M. Austin: University of Texas Press, 1935 [1986]. (Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.Verificar referência BOOTH, W. The rhetoric of irony. Chicago: University of Chicago Press, 1974, p. 13. BOSI, A. Céu, Inferno – Ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Editora 34, 2003. BRYANT, G.A.; FOX TREE, J.E. Recognizing verbal irony in spontanous speech. Metaphor and Symbol, 17, 2002, p. 99-117. BURGERS, C. VAN MULKEN, M; SHCELLENS, P.J. Finding irony: An introduction of the Verbal Irony Procedure (VIP). Metaphor and Symbol, 26, 2011, p. 186-205. BURGERS, C.; VAN MULKEN, M.; SCHELLENS, P.J. Verbal Irony: Differences in Usage Across Written Genres. Journal of Language and Social Psychology 31(3), 2012, p. 290-310. BUTLER, C. S. Systemic Functional Linguistics, Cognitive Linguistics and Psycholinguistcs: opportunities for dialogue. Functions of Language, 20.2, 2013. CHARTERIS-BLACK, J. Corpus Approaches to Critical Metaphor Analysis. Nova Iorque: Palgrave MacMillan, 2004. CHAVES, F. L. O brinquedo absurdo. São Paulo: Polis, 1978. CLIFT, R. Irony in conversation. Language in Society, 28, 1999, p. 523. CUNHA, L. F. F. O Rio de Janeiro através das estampas antigas. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação, 1970. CURVELLO, M. Raul Pompeia. São Paulo: Abril Educação, 1981. DEWS, S.; WINNER, E. Obligatory processing of literal and nonliteral meanings in verbal irony. Journal of Pragmatics, v. 31, n12, 1999. Dicionário Ilustrado Tupi Guarani. Disponível em: <https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/caipora> Acesso em: 09 jul. 2018.
134
DIRVEN, R.; FRANK, R. M.; ILIE, C. Language and Ideology. Cognitive Descriptive Approaches. Amsterdã e Filadélfia: John Benjamins, 1, 2001. EGGINS, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Londres: Continuum International Publishing Group, 2004. EL REFAIE, Elizabeth. Our purebred ethnic compatriot’s irony in newspaper journalism. Journal of Pragmatics, 37.6, 2005, p. 781-797. EVANS, V.; BERGEN B. K.; ZINKEN J. The Cognitive Linguistics Reader: advances in Cognitive Linguistics. Londres: Equinox, 2007.
FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambridge: Polity Press, 1992. _____________. Media discourse. Londres: Edward Arnold, 1995. FILLMORE, C. J. An alternative to checklist theories of meaning: proceedings of the First Annual Meeting of the Berkeley Linguistics Society. By Cathy Cogen et al. Berkeley: Berkeley Linguistics Society, 1975. _____________; ATKINS, B. T. S. Towards a frame-based lexicon: these mantics of RISK and its neighbors. In: LEHRER, A.; KITTAY, A. Frames, Fields, and Contrast: new essays in semantics and lexical organization. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates, 1992. FOWLER, R. Language in the news. Londres: Routledge, 1991. FOWLER, R.; HODGE, R.; KRESS, G. e TREW, T. Language and Control. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1979, p. 195-196. GIBBS, R.W. Irony in talk among friends. Metaphor and Symbol, 15, 2000, p. 5-27. GIBBS, R.W.; COLSTON, H.L. The future of irony studies. In R.W.Gibbs Jr.; H.L.Colston (orgs.), Irony in language and thought: A cognitive science reader, Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2007, p. 581-595. GOATLY, A. The language of metaphors. Londres: Routledge,1997. GOFFMAN, I. Frame analysis – An Essay in the Organization of Experience. Boston: Northeastern Press, 1974. GOMES, E. Visões e revisões. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958. GRAMSCI A. Selections from the prison notebooks. Londres: Elecbook, 1999. HALLIDAY, M. A. K. Explorations in the Function of Language. Londres: Edward Arnold, 1973. ________________. Language as Social Semiotics: the social interpretation of langue and meaning. Baltimore: University Park Press, 1978. ________________. Spoken and written language. Oxford: Oxford University Press,
135
1985. ________________.Introduction to Functional Grammar. Londres: Edward Arnold, 1994, p.68. HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. Londres: Arnold, 2004. HALLIDAY, M. A. K. ; MATTHIESSEN C. M. I. M. Construing experience though meaning: a language approach to cognition. Londres: Continuum, 1999. _____.; MATHIESSEN, M. I. M. Construing experience through meaning: a language -based approach to cognition. Nova Iorque: Cassell Academic, 2004. IKEDA, S. N.; SAPARAS, M.; SILVA, L.B.G.C. As metáforas e a persuasão em editorial de jornal: um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional. Veredas (UFJF. Impresso), v. 19, p. 225-247, 2015.
IVO, L. O universo poético de Raul Pompeia. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963. KREUZ, R.J., & GLUCKSBERG, S. How to be sarcastic: The echoic reminder theory of verbal irony. Journal of Experimental Psychology: General, 118, 1989, p. 374-386. KÖVECSES, Z. Metaphor in culture: universality and variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: University of Chicago Press, 1987. LAKOFF, G. The contemporary theory of metaphor. In: ORTONY A. Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphor We Live By. Chigaco: Chicago University Press, 1980. LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to western thought. Nova Iorque: Basics Books, 1999. LANGACKER, R. W. Foundations of Cognitive Grammar: theoretical prerequisites. Stanford: Stanford University Press, 1987. __________________. Foundations of Cognitive Grammar: descriptive application. Stanford: Stanford University Press, 1991. LEMKE, J. L. Resources for attitudinal meaning – Evaluative orientations in text semantics. Functions of Language, 1998, p. 1-23. LI, J. Transitivity and lexical cohesion: press representations of a political disaster and its actors. Journal of Pragmatics, 42.12, 2010, p. 3444-3458.
136
LUCHJENBROERS, J.; ALDRIDGE, M. Conceptual manipulation by metaphors and frames: dealing with rape victims in legal discourse. Text & Talk, 27-3, 2007. MACKEN-HORARIK, M. Appraisal and the special instructiveness of narrative. Text 23.2, 2003, p. 285-312. MARTIN, J. R. Register and Genre: Modelling Social Context in Functional Linguistics – Narrative Genres. In: Pedro E. (ed.) Proceedings of the First Lisbon International Meeting on Discourse Ananlysis. Lisboa, 1997, p. 305-344. _________. Beyond Exchange: appraisal systems in English. In: HUNSTON S.; THOMPSON, G. Evaluation in Text – Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. MARTIN, J. R. ; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. Nova Iorque: Continuum, 2003. MARTIN, J. R. ; WHITE, P. R. R. The Language of Evaluation: appraisal in English. Londres: Palgrave. 2005. MINSKY, M. A Framework for Representing Knowledge: the psychology of computer vision. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1975.
MUECKE, D.C. Irony and the ironic. 2.ed. Londres: Methuen, 1982.
MUJIC, B. K. Linguistic and pictorial metonymy in advertising. Madri: Universidad Rey Juan Carlos, 2009. NORMAS para publicação da PUC MINAS. Minas Gerais: Editora da Pontifícia Universidade Católica, 2011. OLIVEIRA, F. Literatura e civilização. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
PAPROTTE W.; DIRVEN R. The Ubiquity of Metaphor. Amsterdã: John Benjamins, 1985.
PEREIRA, M. P. Prosa de ficção de 1870 a 1920. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950. PERRONE-MOISÉS, L. O Ateneu Retórica e Paixão. São Paulo: Brasiliense/EDUSP, 1988. POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Klick, 1999. PONTES, E. A vida inquieta de Raul Pompeia. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1935. QUINN, N. The cultural basis of metaphor. In: FERNANDEZ J.W., Beyond Metaphor: the Theory of Tropes in Anthropology. Stanford: Stanford University Press, 1991.
137
RENAULT, D. O dia a dia no Rio de Janeiro Segundo os jornais 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/ INL-MEC, 1982. SAVIOLI, F. P. Gramática em 44 lições. São Paulo: Ática, 1998. SCHWARZ. R. A sereia e o desconfiado – ensaios críticos. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1981. SHIE, J. Metaphors and metonymies in New York Times and Times Supplement news headlines. Journal of Pragmatics, 43, 2011, p. 1318-1334. SILVA. V. M. Exercício do poder: conflitos, discursos e representações culturais em O Ateneu. 2007. 60 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de Londrina, Paraná. SOUZA, R. S. Pensamento social brasileiro: de Raul Pompeia a Caio Prado Júnior. Minas Gerais: EDUFU, 2011. THOMPSON, G. Resonance in text. In SANCHEZ-MACARRO, A; CARTER, R. (org.) Linguistic choice across genres: Variation in spoken and written English. Amsterdã: John Benjamins, 1998 THOMPSON, G. ; ZHOU, J. Evaluation and organization in text: the structuring role of evaluative disjuncts. In: HUNSTON. S.; THOMPSON, G. (org.) Evaluation in text: Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. TORRES, A. A. Raul Pompeia (Estudo Psicoestilístico). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1972. VALLE. J. Os muitos mundos de O Ateneu. Revista Virtual de Letras, Campinas, Unicamp, v.2, 1, 2010, p. 95-110. VAN DIJK, T. A. News as discourse. L. Erlbaum Associates: Michigan University, 1988. ____________. Discourse as social interaction. Espanha: Pompeu Fabra University, 1997. VELASCO-SACRISTÁN, M. Metonymic grounding of ideological metaphors: evidence from advertising gender metaphors. Journal of Pragmatics, 42 (64-96), 2010. VOLOSINOV, V. I. Marxism and the Philosophy of language. Nova Iorque: Seminar Press, 1973. WHALEN, J.M.; PEXMAN, P.M.; GILL, A.J. "Should be fun-not"" Incidence and marking of nonliteral language in e-mail. Journal of Language and Social Psychology 28, 2009, p. 263-280.
138
WILSON, D.; SPERBER, D. On Grice’s theory of conversation. In: Conversation and Discourse. Ed. P. Werth. Londres: Croom Helm, 1981, p. 155-178. YULE, G. The study of language. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
139
APÊNDICE A – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO I
Aristarco militar
Aristarco é militar → metáfora = tirano
Aristarco é militar
Alvo Fonte
“Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si, sobre os alunos, sobre os
espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de batalha.”
“Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si, sobre os alunos, sobre os
Ator Material Meta
espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de batalha”. JULGAMENTO (-) token
Discussão: a palavra “dominador” torna “os estandartes de batalha” algo negativo, bem como a associação diretor e militar.
Aristarco ator
Aristarco é ator → metáfora = fingidor
Aristarco é ator
Alvo Fonte
“Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer, o papel diáfano, sutil, metafísico,
de alma da festa e alma do seu instituto.”
140
“Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer , o papel diáfano, GRADUAÇÃO FOCO ↑ GRADUAÇÃO FOCO ↑
Ator Material Alcance
sutil, metafísico, de alma da festa e alma do seu instituto.” JULGAMENTO (-) token
Discussão: entende-se “ator”, neste contexto, como fingidor, como alguém que segue um script calculado “ao pé da letra”, não age naturalmente com alunos e pais porque não pode perder a clientela.
141
APÊNDICE B – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO IV
Aristarco ator
Aristarco é ator → metáfora = fingidor
Aristarco é ator
Alvo Fonte
“O diretor, arrepiando uma das cóleras olímpicas que de um momento para outro
sabia fabricar [...]”
“Aquela alma dúctil de artista sabia decair até à blandícia, até à lágrima a propósito.”
“O diretor, arrepiando uma das cóleras olímpicas
Comportante Comportamental
que de um momento para outro sabia fabricar, [...]”
GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token
Material
Discussão: “saber fabricar” uma cólera é um atributo de ator, mas esse é um conteúdo que está implícito, por isso analisado em forma de token.
“Aquela alma dúctil de artista sabia decair até à blandícia,
AFETO (-) token
Experienciador Mental
até à lágrima a propósito.”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: a expansão lexical “Aquela alma dúctil de artista” como termo anafórico para Aristarco é bastante irônica e enfatiza o caráter falso de Aristarco no trato com os alunos.
142
Aristarco pai
Aristarco é pai → metáfora = cuidador
Aristarco é pai
Alvo Fonte
“Expandia-se às vezes sobre o Ateneu em rompimento de amor paterno, tão
derramado, tão jeitosamente sincero [...]”
“Expandia- se às vezes sobre o Ateneu em rompimento de amor paterno,
JULGAMENTO (-) token
Comportamental Comportante
tão derramado, tão jeitosamente sincero [...]”
GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token
Discussão: “amor paterno” e “sincero” são analisados como julgamento (-) em forma de token, porque Sérgio está sendo irônico, o contexto mostra que Aristarco não se sentia como pai dos internos, logo, não era uma atitude sincera. O narrador reforça a ironia com a graduação.
143
APÊNDICE C – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO VIII
Aristarco domador
Aristarco é domador → metáfora = comandante
Aristarco é domador
Alvo Fonte
“Aristarco, passando, sorria do espetáculo como um domador poderoso que relaxa.”
“Aristarco, passando, sorria do espetáculo
Ator/ Comportante Material Comportamental Alcance
como um domador poderoso que relaxa.” JULGAMENTO (-) token
Comportamental
Discussão: se Aristarco é o domador, logo os alunos são animais treinados, como em um circo. A escolha da metáfora “domador” mostra, na subjacência, como token, a crítica do narrador ao diretor acerca do seu modo de tratar os alunos no internato.
Aristarco velho
Aristarco é velho → metáfora = frágil
Aristarco é velho
Alvo Fonte
144
“Criança! feriste um velho!”
“Criança! feriste um velho!”
JULGAMENTO (-) token
Discussão: no momento em que Sérgio puxa o bigode de Aristarco, primeiro o diretor é mais enfático, chamando o menino pelo nome e utilizando o verbo “tocar”, depois de alguns minutos de conversa, o diretor usa um tom apelativo chamando-o de “criança” e trocando o verbo para “ferir”. Se em um primeiro momento o narrador coloca o diretor na posição de deus, que não pode ser tocado; em um segundo momento, ele se torna um homem frágil, um velho desrespeitado por uma criança.
Aristarco pai
Aristarco é pai → metáfora = cuidador
Aristarco é pai
Alvo Fonte
“Ah! meu filho, ferir a um mestre é como ferir ao próprio pai, e os parricidas serão
malditos.”
“Quando alguma coisa faltar, reclamem que aqui estou eu para as providências,
vosso Mestre, vosso pai!”
Aristarco é pai
“Ah! meu filho, ferir a um mestre é como ferir ao próprio pai, JULGAMENTO (-) token
e os parricidas serão malditos.”
Discussão: Aristarco assume um tom patriarcal tão somente na tentativa de comover Sérgio e fazê-lo arrepender-se, ele não se sentia como pai dos internos, por isso julgamento (-) token.
145
“Quando alguma coisa faltar, reclamem que aqui estou eu para as providências,
Relacional Portador
vosso Mestre, vosso pai!”
AFETO (-) token
Aristarco empresário/interesseiro
Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante
Aristarco é empresário/interesseiro
Alvo Fonte
“[...] surgiu-nos transformado, manso, liso como a própria cordura e a lealdade;
altivo, contudo, quanto comportava a submissão.”
“[...] surgiu-nos transformado, manso, liso como a própria cordura e a
JULGAMENTO (-) token
Comportamental
lealdade; (é) altivo, contudo, quanto comportava a submissão.” AFETO (-) token JULGAMENTO (-) token
Relacional
Discussão: “cordura” e “lealdade” estão classificados como julgamento (-) token porque foram aplicados de forma irônica. Assim como, “altivo, quanto comportava a submissão”, pois Aristarco fazia valer sua autoridade até o ponto de não perder aluno.
146
APÊNDICE D – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO XI
Aristarco militar
Aristarco é militar → metáfora = tirano
Aristarco é militar
Alvo Fonte
“Os rapazes olhavam com o prazer do soldado que se orgulha do comandante.”
“Os rapazes olhavam com o prazer do soldado que se orgulha do comandante.”
JULGAMENTO (-) token
147
APÊNDICE E – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO XII
Aristarco pai
Aristarco é pai → metáfora = cuidador
Aristarco é pai
Alvo Fonte
“Carregando a vista com toda a intensidade da força moral, segurou o discípulo
rijamente pelo braço e fê-lo sentar-se. “Tu ficarás, meu filho!”
“(Aristarco) Carregando a vista com toda a intensidade da força moral, segurou o discípulo
Ator Material Meta Material Meta
rijamente pelo braço e fê- lo sentar-se. “Tu ficarás, meu filho!” JULGAMENTO (-) token
Material Meta
Discussão: Aristarco toma os alunos para si como filhos somente diante dos pais, na situação acima, o pai de Américo estava presente, por isso o diretor assume um tom patriarcal.
148
APÊNDICE F - TABELAS COM OCORRÊNCIAS DE METÁFORAS POR CAPÍTULO ANALISADO
Capítulo I
Rei 7
Gigante 3
Deus 5
Animal 3
Militar 1
Ator 1
Anúncio 3
Empresário 4
Total 27
Capítulo IV
Rei 6
Juiz 4
Deus 6
Ator 2
Pai 1
Total 19
Capítulo VIII
Rei 4
Domador 1
Deus 5
Velho 1
Pai 2
Ator 3
Juiz 4
Empresário 1
Total 21
Capítulo XI
Empresário 4
Ídolo 5
Orgulho 8
Rei 4
Militar 1
Total 22
149
Capítulo XII
Rei 3
Pai 1
Derrota 6
Deus 1
Total 11
150
APÊNDICE G – TABELA COM METÁFORAS MAIS FREQUENTES DE ACORDO COM AS ANÁLISES
1º Rei 24
2º Deus / ídolo 22
3º Empresário 9
4º Juiz 8
4º Orgulho 8
5º Ator 6
5º Derrota 6
6º Pai 4
7º Animal 3
7º Anúncio 3
7º Gigante 3
8º Militar 2
9º Domador 1
9º Velho 1
151
ANEXO A – QUADRO DA METAFUNÇÃO IDEACIONAL
Quadro 9: Os processos da transitividade, seus participantes e circunstâncias
PROCESSO Características/Exemplos PARTICIPANTES C I R C U N S T Â N C I A S T O K E N V A L U E
1. MATERIAL (fazer) Teste: O que x fez?
criativo (escrever livro) dispositivo(matar rato) causativo(fez carregar) .
Ator Meta (Compro livros) Alcance (Fiz compras)8 Beneficiário (Compro livro para ele)
2. COMPORTAMENTAL [entre material e mental] (comportamento fisiológico e psicológico)
perto do mental: olhar, escutar, encarar, pensar, preocupar-se. perto do verbal: murmurar, tagarelar. fisiológicos: (manifest. estado consciência): gritar, rir, suspirar, amarrar a cara, grunhir. (outros fisio): respirar, tossir. perto do material: cantar, dançar.
Comportante (em geral ser consciente e 1 só)
(Alcance). [Veja abaixo]
3. MENTAL (sentir-gostar-pensar)
like-type (gostar de algo)9 (reversível) please-type (algo agrada) (reversível) Percepção (ver, ouvir) Afeto (gostar, temer) Cognição (pensar, saber entender)
Experienciador (humano)
Fenômeno (Alcance)
Pode projetar (ao contrário do material) Eu achei que ele iria.. Lula disse que faria...)
4.EXISTENCIAL (existir-acontecer)
haver, existir, permanecer, surgir etc. Existente
5. RELACIONAL (ser) [também: ter - estar] Tenho livros. Estou na PUC.
INTENSIVO (x é a) atributivo (ela é bonita) identificador (aquele é você) CIRCUNSTANCIAL (x está em a) atributivo como atributo (A piada é s/o papagaio) como processo (O peixe pesa 1kg) identificador como participante (Hoje é dia 10) como processo (A ponte cruza o rio) POSSESSIVO (x em a) atributivo como atributo (O piano é de Pedro) como processo (Pedro tem um piano) identificador como participante (O piano é de Pedro) como processo (Edu possui carro)
Portador Identificado
Atributo Identificador
6. VERBAL (dizer)
Participantes Eu (disse) uma coisa para ele
dizer, contar, perguntar, prometer, descrever, dar10 ordem, fazer afirmação, elogiar, insultar, amaldiçoar, criticar
Dizente Eu disse que ...
Verbiagem (o que é dito): a) conteúdo Descreva o apto. b) nome do dito Fazer perguntas.
Receptor Diga-me tudo.
Alvo Ela elogia o filho para seus amigos. (insultar, caluniar, lisonjear, criticar
Outros participantes
Beneficiário (Recipiente ou Cliente)
Comprar anel p/esposa Pintar quadro p/você11 Beneficiário Cliente
Alcance (Escopo do processo)
(i) expressa domínio12: Ela subiu a montanha (ii) expressa o próprio processo13 : Maria sonha sonhos/joga tênis14
com processo material: assinar nome, montar o cavalo, com processo comportamental: chorar lágrimas com processo mental: preferir café, reconhecer rosto com processo verbal: fez discurso, que pergunta quer fazer?
Fonte: HALIIDAY (1994) Resumido por Ikeda
8 Não posso perguntar: O que eu fiz para as compras? 9 gosto-agrada-me; temo/ amendronta-me; esqueço/escapa-me; acredito/convence-me; admiro/impressiona-me 10 verbo 'vazio' (agora não diga mais nada, dar uma ordem, fazer uma afirmação; falar árabe) 11 Meta criada (não do tipo dispositivo) 12 Complemento circunstancial (antigo)? 13 Objeto direito interno da gramática tradicional? 14 Tênis não é uma entidade, mas o ato de jogar tênis.
152
ANEXO B – QUADRO DOS SUBSISTEMAS DA AVALIATIVIDADE
Quadro 10: Os subsistemas da avaliatividade (completo)
COMPROMISSO
(a) monoglóssico (sem negociação) [O livro é maravilhoso.] (b) heteroglóssico (com negociação) [Acho que o livro é maravilhoso.]
ATITUDE
(a) Afeto
(in)Felicidade [Foi uma festa adorável.]
(in)Segurança [Está confortável aqui.]
(in)Satisfação [Não gostei da atitude dele.]
(b) Julgamento
Estima Social
Normalidade (é óbvio? é insólito?)
Capacidade (não/consegue superar?)
Tenacidade (não/desiste?)
Sanção Social
Veracidade (é falso? é crível?)
Propriedade (moralmente in/aceitável?)
(c) Apreciação
Reação (impacto): (Isso me cativa?) Reação (qualidade): (Eu gosto disso?)
Composição (equilíbrio): (Eles não/combinam?) Composição (complexidade): (fácil/difícil de compreender?)
Valoração [não/vale a pena?]
(c') Avaliação Social (uma subcategoria de apreciação, refere-se à avaliação positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.)
GRADUAÇÃO
(a) Força Aumenta [completamente devastado] Diminui [um pouco chateado]
(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]
Top Related