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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) Nanci de Souza Vallezi Metáfora e ideologia em O Ateneu, de Raul Pompeia: um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)

Nanci de Souza Vallezi

Metáfora e ideologia em O Ateneu, de Raul Pompeia: um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional

Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem

São Paulo

2018

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Nanci de Souza Vallezi

Metáfora e ideologia em O Ateneu, de Raul Pompeia: um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional

Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)

São Paulo

2018

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, em cumprimento à

exigência parcial para obtenção do título de Doutora em

Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem sob a

orientação da Professora Doutora Sumiko Nishitani

Ikeda.

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda (orientadora)

__________________________________________

Professora Doutora Flamínia Manzano Moreira Lodovici

__________________________________________

Professora Doutora Maria Aparecida Caltabiano M. B. da Silva

__________________________________________

Professor Doutor Marcelo Saparas

__________________________________________

Professor Doutor Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira

São Paulo, 06 de dezembro de 2018.

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Dedico esta tese à minha família, como um legado de meus estudos, hoje, palpável; para, no futuro, servir como uma lembrança de mim.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 no primeiro ano do doutorado. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance code 001 in the first year of the doctoral.

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Nos três últimos anos do doutorado, o apoio financeiro foi do Centro Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento de São Paulo – CNPq, número de processo 163742/2015-4.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelos momentos de inspiração durante a escrita, ativando em minha mente

tudo que estudei.

À Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, pela orientação precisa, pela extrema paciência e, acima de tudo, por acreditar em um sonho. À Doutora Maria Cecília Pérez de Souza e Silva, ao Doutor Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira e ao Doutor Marcelo Saparas pela orientação no exame de qualificação. Aos Doutores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, da PUC–SP, que contribuíram valiosamente para a construção e ressignificação do meu conhecimento em linguística. Aos meus filhos, por compreenderem a minha ausência em muitos momentos. Ao meu esposo, por sempre ter me apoiado nos estudos. Aos meus colegas de sala, mestrandos e doutorandos, pelo conhecimento partilhado.

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RESUMO

Embora se afirme que a linguística crítica deve examinar a língua como discurso,

como texto dentro de condições sociais de produção e interpretação, para ser

independentemente identificado e examinado já que o texto está subordinado a elas,

pode-se também revelar essas condições por meio de uma análise linguística,

empregando todos os métodos e instrumentos que a disciplina oferece. Para tanto, ao

mesmo tempo em que se presta atenção às estruturas lexicais e gramaticais do texto,

a análise deve considerar essas estruturas dentro de um enquadre de uma metáfora

construída que não só permeia e domina todo o artigo (texto), mas também forma a

espinha dorsal da sua estrutura argumentativa. Os aspectos estruturais são vistos

aqui como um transformador discreto de um estilo em outro ao alimentar a construção

de uma metáfora global, dominante. Essa metáfora penetrante e difusa, originada por

“minimetáforas”, assegura a compreensão do texto dentro de uma certa perspectiva

ideológica. Um aspecto importante da ideologia pode ser descrito linguisticamente em

termos da avaliação presente nos textos, que tem sido estudada sob a denominação

de avaliatividade, um sistema que trata do posicionamento do escritor em relação à

mensagem e ao interlocutor, em termos de atitude. O objetivo da presente tese de

doutorado é o exame de cunho pragmático-cognitivo crítico da construção da ideologia

no discurso de O Ateneu, de Raul Pompeia, com base nas noções de metáfora e da

avaliatividade. Para tanto, conta com o apoio da proposta teórico-metodológico da

Linguística Sistêmico-Funcional. A pesquisa visa a responder às seguintes perguntas:

(a) Qual é o papel da metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b)

Que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas

nesse processo? (c) Como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da

microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do

discurso? Os resultados mostram que há maior incidência de metáforas que

representam o poder de Aristarco, diretor do Ateneu, criando uma imagem negativa

do diretor na mente do leitor de forma muito sutil; as expressões metafóricas são, em

geral, avaliadas como negativas em forma de tokens de atitude e, em muitos casos,

irônicas. A análise das escolhas lexicogramaticais na microestrutura superficializa a

ideologia do autor de que o poder absoluto não prevalece, em dado momento, acaba

por ser vencido, isso se aplica ao microcosmo Ateneu e ao macrocosmo social.

Palavras-Chave: O Ateneu. Metáfora. Linguística Sistêmico-Funcional.

Avaliatividade. Raul Pompeia.

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ABSTRACT

Although it is argued that critical linguistics should examine language as discourse, as

text within social conditions of production and interpretation, to be independently

identified and examined inasmuch as the text is subordinate to them, it is also possible

to reveal these conditions by a linguistic analysis, employing all the methods and

instruments that the discipline offers. For this purpose, while paying attention to the

lexical and grammatical structures of the text, the analysis must consider these

structures within a framework of a constructed metaphor that not only permeates and

dominates the whole article (text), but also forms the backbone of its argumentative

structure. Structural aspects are seen here as a discrete transformer of one style in

another while feeding the construction of a global, dominant metaphor. This

penetrating and diffuse metaphor, originated by "minimetaphores", ensures the

understanding of the text within a certain ideological perspective. An important aspect

of ideology can be linguistically described in terms of the evaluation present in texts,

which has been studied under the name of appraisal system, a system that focuses on

the writer's positioning in relation to the message and the interlocutor in terms of

attitude. The objective of this doctoral thesis is the pragmatic-cognitive critical exam of

the construction of ideology in Raul Pompeia's O Ateneu discourse, based on the

notions of metaphor and of appraisal. The research aims to answer the following

questions: (a) What is the role of the metaphor in the construction of the ideology

present in O Ateneu? (b) What lexical grammatical choices regarding appraisal make

up the metaphors in this process? (c) How is it made the relation between the lexical

grammatical choices of the microstructure of the text and the macrostructure of the

ideology and force relations of the discourse made? The results show that there is a

greater incidence of metaphors that represent the power of Aristarco, director of

Ateneu, creating a negative image of the principal in the reader's mind very subtly; the

metaphorical expressions are, in general, evaluated as negative in the form of attitude

tokens and, in many cases, ironic. The analysis of the lexical grammatical choices in

the microstructure superficializes the author's ideology that the absolute power does

not prevail, at a specific time, it is overcome, this can be applied to the microcosm of

the Ateneu and the social macrocosm.

Key-words: O Ateneu. Metaphor. Systemic-Functional Linguistics. Evaluative

language. Raul Pompeia.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Tipos de processos na LSF ......................................................

46

QUADRO 2 - Modalidade................................................................................

46

QUADRO 3 - Metafunção interpessoal: exemplo de análise ......................... 47

QUADRO 4 - As metafunções .......................................................................

47

QUADRO 5 - Os subsistemas da avaliatividade ..........................................

49

QUADRO 6 - Tipos de avaliatividade ............................................................

50

QUADRO 7 - Avaliatividade interna e externa .............................................. 52

QUADRO 8 -

QUADRO 9 -

Da fundamentação teórica ......................................................

Os processos da transitividade ..............................................

69

151

QUADRO 10 - Os subsistemas da avaliatividade (completo) ........................ 152

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC - Análise do Discurso Crítica

G-O - Gramática-da-oração

LC - Linguística Cognitiva

LSF - Linguística Sistêmico-Funcional

CD – China Daily

TNYT – The New York Times

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. ...... 27

1 PANORAMA HISTÓRICO E LITERÁRIO ....................................................... 32 1.1 Raul Pompeia ........................................................................................... 32 1.2 A obra O Ateneu ......................................................................................... 33 1.3 Resumo dos 12 capítulos de O Ateneu .................................................... 36 1.4 Contexto sócio-histórico de O Ateneu ..................................................... 39 1.5 Ateneu como microcosmo social ............................................................. 40 1.6 O diretor Aristarco ..................................................................................... 41

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 43 2.1 Linguística Sistêmico-Funcional .............................................................. 43

2.1.1 A Coesão Lexical.................................................................................. 53 2.2 A LSF e o Cognitivismo ............................................................................. 57 2.2.1 A Metáfora........................................................................................... 59 2.2.2 A Ironia ............................................................................................... 62 2.3 Discurso como prática social: ideologia ................................................ 65 2.3.1 Hegemonia ......................................................................................... 67

3 METODOLOGIA .............................................................................................. 68 3.1 Dados ......................................................................................................... 69

3.2 Procedimentos de análise ........................................................................ 70

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO I ............................................................ 72 4.1 Contexto situacional - análise do registro .............................................. 72

4.1.1 Campo ................................................................................................ 72 4.1.2 Relações ............................................................................................ 72 4.1.3 Modo .................................................................................................. 73 4.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 73 4.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ...................................................................... 77 4.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso .............................. 84

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV .......................................................... 88 5.1 Contexto situacional - análise do registro ............................................... 88

5.1.1 Campo ................................................................................................. 88 5.1.2 Relações .............................................................................................. 89 5.1.3 Modo .................................................................................................... 89 5.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco... 89 5.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 91 5.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro-

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estrutura da ideologia e relações de força do discurso .......................... 95

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO VIII .................................................... 98 6.1 Contexto situacional - análise do registro ........................................... 98

6.1.1 Campo ............................................................................................. 98 6.1.2 Relações .......................................................................................... 99 6.1.3 Modo ................................................................................................ 99 6.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco 99 6.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ................................................................... 102 6.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ........................... 105

7 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XI ........................................................ 108 7.1 Contexto situacional - análise do registro ............................................. 108

7.1.1 Campo ................................................................................................. 108 7.1.2 Relações ............................................................................................. 109 7.1.3 Modo ................................................................................................... 109 7.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 109 7.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 113 7.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ............................ 119

8 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XII ........................................................ 122 8.1 Contexto situacional - análise do registro .............................................. 122

8.1.1 Campo ................................................................................................ 122 8.1.2 Relações ............................................................................................ 122 8.1.3 Modo ................................................................................................... 123 8.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco.. 123 8.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco ..................................................................... 125 8.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macro- estrutura da ideologia e relações de força do discurso ............................ 127 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 130 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 133 APÊNDICE ........................................................................................................... 139 ANEXO ................................................................................................................. 151

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INTRODUÇÃO

Em minha dissertação de mestrado, examinei a linguagem da ameaça na obra

O Ateneu, de Raul Pompeia, que trata da relação de poder de Aristarco, diretor do

Ateneu, em relação ao aluno novato Sérgio. Durante a leitura do romance, intrigou-

me o fato de que, embora eu sentisse a esfera ameaçadora na narrativa, notava que

o autor nem sempre lançava mão de epítetos desqualificadores ou ofensas explícitas

no processo de persuadir o leitor sobre esse comportamento de Aristarco.

Assim sendo, tornava-se essencial esclarecer os meios pelos quais era feita

essa ameaça que impregnava a relação Aristarco-Sérgio, e, inicialmente, apoiei-me

na noção de avaliatividade (tradução de appraisal) – denominação do sistema de

avaliação na Linguística Sistêmico-Funcional. Ao mesmo tempo, já nos momentos

finais do mestrado, entrei em contato com noções de cognitivismo linguístico com

enfoque na teoria da metáfora conceptual (LAKOFF, 1987, 1993; LAKOFF;

JOHNSON, 1980, 1999).

Ao empregar uma metáfora, explica Charteris-Black (2004), o falante convida o

ouvinte a participar de um ato interpretativo, que terá sucesso se o ouvinte for capaz

de superar a tensão entre o que é dito e o que significa; e este é um aspecto definidor

da metáfora. Se pudermos tornar algo congruente (enquanto aparentemente

incongruente) isto significa, continua o autor, que participamos de uma atividade

conjunta de criação de significado que vai além do que é normalmente codificado no

sistema semântico. O autor sugere que o engajamento em um ato de ampliar os

recursos linguísticos envolvidos na metáfora é um modo de forjar uma ligação

interpessoal mais forte entre falante e ouvinte que se estende além do texto.

Esse fato pode explicar a razão do uso da metáfora para fins persuasivos: ela

tem apoio não só em bases conceptuais, universais, na medida em que depende de

processos cognitivos comuns a todo ser humano, mas também depende do

conhecimento compartilhado na cultura de uma comunidade, presente no enquadre

(frame1) de cada falante. Nesse contexto, adoto a posição de Quinn (1991), que

propõe que se dê um papel mais fundamental à cultura, porque “as metáforas, longe

1A noção de frame foi proposta por Minsky (1975) em sua teoria-do-frame, e na semântica-do-frame, por Fillmore (1975), e refere-se ao conjunto estruturado de conhecimento apoiado em vários domínios conceptuais, consistindo de conhecimento enciclopédico associado à determinada forma linguística (DIRVEN; ILIE, 2001, p. I). Traduzido por enquadre.

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de constituir o entendimento, são geralmente selecionadas para ajustar-se a um

modelo preexistente e culturalmente compartilhado” (QUINN, 1991, p. 59).

A propósito, Luchjenbroers e Aldridge (2007) tratam da função persuasiva da

metáfora, aliando-a à noção de enquadre. A metáfora capta os estereótipos culturais,

codificados nas escolhas de descritores por parte do escritor, e é um poderoso

instrumento na investigação das atitudes do produtor do texto. Assim, continuam

Luchjenbroers e Aldridge, componentes adicionais de significado são derivados dos

enquadres de referência associados a cada escolha lexical: cada escolha

desencadeia uma rede mais ampla de associações prototipicamente presentes no uso

desse termo. O acesso do interlocutor a essas associações depende de sua

experiência e de sua compreensão das normas sociais, das quais as escolhas lexicais

são derivadas. O enquadre envolve vários fatores psicológicos que explicam os

aspectos pragmáticos do que não é dito ou escrito, mas comunicado no discurso, tais

como o conhecimento prévio, as crenças e as expectativas. Tais noções funcionam

como padrões familiares da experiência prévia que o destinatário emprega para

interpretar novas experiências (YULE, 1996, p. 84-85).

A interação, segundo Fowler et al (1979, p. 195-196), incorpora ideologias ou

teorias particulares e, assim, a interpretação crítica de textos, ou seja, a recuperação

dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas linguísticas

deve ser entendida à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos.

Um aspecto importante da ideologia – o sistema de valores – pode ser descrito

linguisticamente, em termos da avaliação presente nos textos. A avaliação pode ser

definida como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em relação ao valor de

uma entidade no texto. Em muitos gêneros, essa avaliação é articulada em termos

de julgamento pessoal, mas pode também ser social ou institucional; além disso, a

avaliação dos itens em relação ao sistema de valores pode ser expressa em termos

metafóricos (HALLIDAY, 1985, p. 332) e não-pessoais. O exame da avaliação contida

no texto pode conscientizar o leitor de que textos tratados como monológicos, são, na

verdade, profundamente “endereçadores” (BAKHTIN, 1986 [1935]), e portam

conteúdo de certos valores éticos, para engajar os leitores no processo da leitura.

Na Linguística Sistêmico-Funcional, segundo Halliday (1994, 2004), um foco

adicional recai sobre aspectos da gramática-da-oração que dizem respeito a seus

significados interpessoais, isto é, um foco sobre o modo como as relações sociais e

as identidades sociais são marcadas na oração.

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A metafunção interpessoal tem sido complementada pela proposta

denominada de avaliatividade, por Martin (2000, 2003). Para Halliday, uma interação

envolveria atos de dar e receber informação ou bens e serviços. Para Martin, a

interação deve envolver, também, afeto, julgamento ético e apreciação estética, isto

é, como as pessoas estão se sentindo, como elas julgam o semelhante ou como elas

apreciam um objeto.

O autor e seus colaboradores estavam interessados na função social desses

recursos, não simplesmente para expressar sentimentos, mas, em termos de sua

habilidade em construir compromissos, para alinhar pessoas na negociação em curso

na vida em comunidade. Martin adverte ainda para o fato de significados ideacionais,

que não usam léxico avaliativo, poderem também ser usados para evocar avaliação,

caso dos tokens de atitude, a avaliatividade implícita.

Considerando, então, a possibilidade de relacionar a avaliatividade com a

noção de metáfora a fim de esclarecer os procedimentos de persuasão utilizados na

obra O Ateneu, o objetivo da presente tese de doutorado é o exame de cunho

pragmático-cognitivo crítico na construção da ideologia no discurso de O Ateneu, de

Raul Pompeia. Para tanto, conto com o apoio da proposta teórico-metodológico da

Linguística Sistêmico-Funcional. Tendo em vista a importância dessa obra e o fato de

que os estudos feitos, até então, contemplaram o emprego da metáfora como recurso

estilístico, e não, linguístico e ideológico, com este estudo pretendo levantar as

metáforas que envolvem a personagem Aristarco e ressaltar a ideologia, que permeia

toda a obra, mascarada pelas metáforas.

A análise tem o apoio da proposta teórico-metodológica da Linguística

Sistêmico-Funcional (LSF), que permite relacionar as escolhas feitas na

microestrutura lexicogramatical do texto com a macroestrutura nas relações de força

e de ideologia no discurso. A LSF une-se à teoria do cognitivismo no que tange à

contribuição da metáfora na análise da ideologia em O Ateneu.

A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (a) Qual é o papel da

metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b) Que escolhas

lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?

(c) Como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do

texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso?

Para responder a essas perguntas, foram selecionados cinco capítulos da obra

O Ateneu, com base no número de ocorrências de expressões metafóricas

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envolvendo o diretor Aristarco. A análise abrange somente o diretor por se tratar da

personagem de maior autoridade dentro da obra, aquela que exerce maior influência

e poder sobre as outras e sobre quem o autor se debruça em muitos capítulos.

Esta tese está inserida no projeto de pesquisa “Recursos para a realização da

persuasão através da avaliação implícita”, do grupo de pesquisa ACLISF (Análise

Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional), coordenados pela professora Doutora

Ikeda. O grupo tem trabalhado com a noção de metáfora e avaliatividade em prol da

persuasão em editoriais ou romances, como nos seguintes trabalhos: SAPARAS, M.

Representações metafóricas em títulos de filmes americanos e suas traduções para o

português: um enfoque Sistêmico-Funcional; PASTORE, F. A discriminação em Clara

dos Anjos, de Lima Barreto, à luz da avaliatividade: uma perspectiva Sistêmico-

Funcional; VENÂNCIO, L.A.L. A ironia a serviço da crítica social em O Alienista, de

Machado de Assis: um enfoque da LSF; MONTINEGRO, M..S.S. A Missa de Galo, de

Machado de Assis, e a avaliatividade implícita sob o enfoque da LSF; SANTOS, A.A.

A avaliatividade e o Pós-Guerra em Home, de Toni Morrison - uma abordagem

Sistêmico-Funcional; BOLZ, L.D.S. A metáfora ideológica e a persuasão – um enfoque

crítico da Gramática Sistêmico-Funcional; SANTOS, V.A.M. Diálogos entre D. Quixote

e Sancho Pança: uma abordagem Sistêmico-Funcional; MONTEFUSCO, R. M., A

Crítica Social em Capitães da Areia: um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional.

Estrutura da tese

Esta tese de doutorado está assim estruturada: primeiramente um panorama

histórico e literário, apresentando autor, obra e contexto sócio-histórico. Após isso, as

teorias fundamentais à analise proposta: linguística sistêmico-funcional, Halliday

(1994) com os subitens: avaliatividade, Martin (2000) e coesão lexical, Li (2010);

linguística sistêmico-funcional e cognitivismo, aliadas à teoria da metáfora, Goatly

(1997) e Charteris-Black (2004) e da ironia, El Refaie (2005) e Burgers et al. (2012); e

a ideologia, Fairclough (1992), associada à teoria da hegemonia, Gramsci (1999).

Feito isso, alguns capítulos da obra O Ateneu serão analisados em sua microestrutura

com enfoque nas expressões metafóricas, bem como na avaliatividade nelas contida,

com o objetivo de revelar as metáforas e a ideologia presentes na macroestrutura do

discurso. Em seguida, as considerações finais apresentando as respostas às

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perguntas de pesquisa.

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1 PANORAMA HISTÓRICO E LITERÁRIO

Neste capítulo, apresento a biografia sintetizada do escritor Raul Pompeia, bem

como informações sobre O Ateneu, tais como: estudos sobre a obra, seus estilos

literários, resumo do enredo, contexto sócio-histórico, apresentação do Ateneu como

microcosmo social e do diretor Aristarco. As informações apresentadas são de

extrema relevância para este trabalho, pois contextualizam e apoiam a análise.

1.1 Raul Pompeia

Raul D’ Ávila Pompeia nasceu em Jacuecanga, município de Angra dos Reis,

no Rio de Janeiro, em 12 de abril de 1863, filho de Antônio D’Ávila Pompeia e Rosa

Teixeira Pompeia, ricos proprietários de uma fazenda de cana-de-açúcar. Era um

menino rico e fechado. Aos dez anos de idade, Raul foi matriculado no Colégio Abílio,

cujo diretor, segundo Torres (1972), era o respeitado pedagogo Dr. Abílio César

Borges, que permaneceu até 1878. Seu pai, ao chegar às portas do internato, disse-

lhe a famosa e profética frase que inicia o livro: “Vais encontrar o mundo; coragem

para a luta!” (POMPEIA, 1999, p.11).

Aos dezessete anos, Pompeia publicou seu primeiro romance, Uma tragédia

no Amazonas. Matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em

São Paulo, no ano de 1881. Participou ativamente do movimento abolicionista e

marcou sua postura política no livro As joias da coroa, de 1882, no qual demonstrou

sua adesão ao pensamento republicano. Em 1888, publicou em folhetim na Gazeta

de Notícias, do Rio de Janeiro, o romance O Ateneu, uma “Crônica de saudades”,

segundo o próprio autor.

Alguns fatos específicos de sua biografia ajudam a esclarecer as situações que

povoam o romance em questão. Segundo Curvello (1981), o pai de Raul Pompeia, o

senhor Antônio, era autoritário e austero, tal qual Aristarco, o diretor do colégio Ateneu.

Aristarco, figura temida por Sérgio, vai, ao longo da narrativa, perdendo sua força

diante do menino, uma vez que este, ao identificar o comportamento nem sempre

louvável do diretor, em especial no tocante ao seu interesse referente ao pagamento

da mensalidade dos alunos, ganha poder sobre Aristarco. O fim trágico do romance,

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com a destruição do Ateneu em um incêndio e com o abandono por parte da esposa

Ema, é colocado como sendo uma representação do sentimento de revolta e de

vingança de Pompeia, aquilo que, não tendo podido realizar em vida, tomou forma na

ficção (SOUZA, 2011, p. 18).

Além disso, com os paralelos entre o colégio e a sociedade, Raul Pompeia

mostra em O Ateneu sua explícita adesão aos ideais republicanos, colocando-se

contra a estrutura monárquica da época que, na obra, é representada pela figura de

Aristarco. Esse engajamento político do escritor levou-o a colecionar inimigos.

Raul Pompeia envolveu-se em muitos confrontos e polêmicas. Segundo Torres

(1972), houve até mesmo boatos de que o escritor fosse misógino. Nesse contexto,

ao ver fracassarem suas tentativas de publicar um artigo para limpar sua honra e

esclarecer esses boatos, teve agravado ainda mais seu estado psicológico. A

hipersensibilidade do escritor, professor, jornalista e polemista, levou-o ao suicídio na

noite de Natal de 1895, deixando apenas o seguinte bilhete para que a posteridade o

julgasse com justiça: “À Notícia e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra”.

(CURVELLO, 1981, p.7).

1.2 A obra O Ateneu

Em apenas três meses de trabalho intenso, Raul Pompeia escreveu O Ateneu

para o jornal Gazeta de Notícias, no qual o romance apareceu em forma de folhetim.

Foi anunciado por um artigo como “obra vasada em moldes inteiramente modernos;

sem intriga, de pura observação e fina crítica, passando pelas escabrosidades com a

delicadeza e o fino tato de um artista”. (PONTES, 1935, p. 190)

Num momento em que a literatura procurava romper as barreiras dos conceitos

formais, não causa estranhamento que O Ateneu tenha seguido essa tendência. De

qualquer forma, os leitores da época não estavam ainda acostumados com essa

literatura vanguardista, portanto, receberam-na como um romance, em certos

aspectos, moderno, segundo Perrone-Moisés (1988, p. 208).

A obra é uma fusão de dois gêneros, romance e memórias, segundo Pereira

(1950). O jornal Gazeta de Notícias confirmou: “Não há no livro propriamente

personagens reais, copiados in totum de um modelo único; mas não há fatos nem

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cenários de fantasia”. (CURVELLO, 1981, p. 6)

Tem-se extraído do caderno de notas íntimas do autor Raul Pompeia as

seguintes palavras: “Toda a composição artística é baseada numa recordação

sentimental [...] O artista poderoso é o que melhor evoca a recordação [...]” (PONTES,

1935, p. 218). Sérgio representa, portanto, Raul Pompeia menino, pessoa real, mas

analisado por Pompeia adulto, com uma visão mais ampla e crítica dos fatos passados

no internato, como afirma Perrone-Moisés (1988, p. 95).

O subtítulo “Crônica de saudades”, o qual reforça a ideia de memórias, vai-se

apresentando irônico, pois ao escrever suas lembranças, Sérgio busca na maturidade

uma autocompreensão da infância, e as amargas experiências vividas no Ateneu lhe

deixam marcas profundas que não podem ser consideradas “boas lembranças”, como

o subtítulo a princípio sugere. Ainda no início do romance, o narrador escreve:

“Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a

mesma incerteza hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora [...]”

(POMPEIA, 1999, p. 11).

Obra de extrema importância na literatura brasileira, O Ateneu, de Raul

Pompeia, foi esmiuçada por inúmeros literatos. Podemos citar a questão de a obra ser

uma autobiografia de Pompeia, tema discutido por Eugênio Gomes, em Visões e

revisões (GOMES, 1958); por Mário de Andrade, em Aspectos da literatura brasileira

(ANDRADE, 1972; por Mário Curvello, em Raul Pompeia (CURVELLO, 1981); por

Artur Torres, em Raul Pompeia – Estudo Psicoestilístico (TORRES, 1972); dentre

outros. Quanto à obra O Ateneu tratar-se de um microcosmo social, os autores Flávio

L. Chaves, em O brinquedo absurdo (CHAVES, 1978); Ricardo L. Souza, em

Pensamento social brasileiro (SOUZA, 2011); Alfredo Bosi, em Céu, inferno (BOSI,

2003), e outros, defenderam essa afirmação. Há teses e artigos também importantes

sobre a obra, como: Exercício do poder: conflitos, discursos e representações culturais

em O Ateneu, de Vilma Marques da Silva, 2007; Os muitos mundos de O Ateneu, de

Júlio Vale, 2010; dentre outros. Em relação à complexidade e à estilística de Pompeia,

muitos se debruçaram sobre O Ateneu e produziram estudos belíssimos: O universo

poético de Raul Pompeia, de Lêdo Ivo (IVO, 1963); A sereia e o desconfiado, de

Roberto Schwarz (SCHWARZ, 1981); O Ateneu retórica e paixão, de Leyla Perrone-

Moisés (PERRONE-MOISÉS, 1988). Sendo que, desses autores, Lêdo Ivo e, de forma

mais abrangente, Leyla Perrone-Moisés desenvolveram estudos sobre o uso da

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metáfora em O Ateneu como forma e estilo. Daí a relevância de um estudo que

superficialize a ideologia da obra por meio de análise linguística das metáforas.

Notemos, na esteira de Oliveira (1978, p. 116), que, para escrever sua “Crônica

de saudades”, Pompeia utilizou-se do naturalismo; do impressionismo; do realismo, e

do expressionismo, privilegiando o caricatural. Andrade (1972, p. 173) confirmou: “O

Ateneu é uma caricatura sarcástica”; chegaram até a classificá-lo como simbolista,

devido aos decassílabos captados em certos trechos do romance.

O próprio Raul Pompeia afirmou:

Para que a obra de arte seja completa, é preciso que, na enumeração literária das notas de análise, existam os parênteses da personalidade do escritor, manifestados pelo modo especial de sentir e pelo processo original de dizer – a eloquência própria. São os parênteses de personalidade, nos momentos dramáticos da narração, ou nos trechos do pitoresco descritivo, que constituem a vida das páginas de estilo. (BOSI, 2003, p. 82)

Diante dessa miscelânea de estilos, entende-se que a obra possibilita muitos

meios de abordagem. Pretende-se, então, de forma breve, evidenciar, por meio de

estudos realizados por outros autores, os estilos literários mais aparentes na obra.

Para Mário de Andrade (1972, p. 184) O Ateneu representa “um dos aspectos

mais altos do naturalismo brasileiro”, mostrando-se superior a outras obras

naturalistas da época, já que representa exatamente a estética da sociedade, com

seus vícios e instintos, com exageros e comparações zoomórficas, como o

naturalismo propõe. O trecho do livro selecionado para ilustrar o naturalismo na obra

é uma reflexão de Sérgio durante a festa literária realizada no pátio do colégio: “[...]

Quem nos dera a tonicidade letal de uma vasca. Trituramos a vida por igual como um

osso; roemos o dia, pacientes, de rojo, sobre o ventre, como cães no pasto [...]”.

(POMPEIA, 1999, p. 76).

Concomitante ao naturalismo, percebe-se o realismo permeando a obra com o

seu exagero analítico; o pessimismo fundado na própria natureza do homem e não só

pela convivência social; a primazia pela linguagem, que na obra, ganha um valor muito

maior que o de simples instrumento para narração, como menciona Ivo (1963, p.3). E,

ainda, a subversão da ótica romântica, segundo a qual a infância é sinônimo de

felicidade inocente, tema este tratado no seguinte trecho: “[...] Cada rosto amável

daquela infância era a máscara de uma falsidade, o prospecto de uma traição. Vestia-

se ali de pureza a malícia corruptora, a ambição grosseira [...]”. (POMPEIA, 1999, p.

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98).

O impressionismo apresenta-se em O Ateneu nas fabulosas descrições visuais

que prevalecem durante toda a narrativa. Conforme Gomes (1958, p. 257), a vocação

de Raul Pompeia para as artes plásticas exerce influência marcante no texto,

pincelando descrições de cenário, alunos, situações e paisagens. Como na passagem

em que Sérgio recorda Ema: “[...] Mostrava-me a mão, recortada em puro jaspe, unhas

de rosa, como pétalas incrustadas [...]”. (POMPEIA, 1999, p. 123)

Ao descrever as personagens, Pompeia utiliza-se, principalmente, do estilo

caricatural, segundo Perrone-Moisés (1988, p. 204), o autor “usa mais o lápis do

caricaturista do que a pena do naturalista”. É curioso notar que, com exceção de D.

Ema, Egbert e, em parte, Bento Alves e o professor Cláudio, as demais personagens

possuem traços de extrema deformação, são descritas como criaturas grotescas.

Apesar de bela, Ângela é corresponsável por um crime; Ribas é dotado de uma voz

divina, mas sua aparência é horrível; Aristarco mostra, em princípio, nobres

preocupações pedagógicas, porém é, antes de tudo, um empresário frio.

Como o próprio Pompeia salientou:

O romance é um arcabouço dramático, em que o autor ao mesmo tempo que tem de animar as personagens, deve ser o cenógrafo, o marcador, o ensaiador, o contra-regras e o anotador das atitudes dos figurantes... Para cada um desses deveres do romancista, há um gênero especial de estilo. O romance não pode ser uniforme em estilo. (PONTES, 1935, p.327)

Escritor, jornalista, “misógino”, suicida..., é o que diz a biografia de Raul

Pompeia, mas acima de tudo, artista. Talvez se possa atribuir a essa complexa

personalidade que transpassa O Ateneu, o fato de a obra não se encaixar em uma

única classificação literária.

1.3 Resumo dos 12 capítulos de O Ateneu

A obra O Ateneu é dividida em doze capítulos independentes, os quais são

apresentados como uma exposição de quadros, um não interfere no outro. O narrador

é personagem, Sérgio adulto narra suas memórias em uma mescla de lembranças do

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internato somadas a comentários de um homem maduro que busca a

autocompreensão de sua infância.

1º. capítulo: Apresentação do colégio interno Ateneu ao futuro aluno Sérgio e seu pai,

o qual já havia estudado ali e, por isso, escolhera-o para seu filho. Sérgio tem o

primeiro contato com Aristarco Argolo de Ramos, o diretor do internato, que lhe

apresentará um mundo novo, cheio de moralidades e regras. O menino, de onze anos,

sente-se empolgado com a oportunidade de sair do seio da família. É dia de festa no

Ateneu, e Sérgio fica deslumbrado com o desfile dos alunos, a organização, os

discursos dos professores e do diretor, a estrutura do colégio “com suas quarenta

janelas”.

2º. capítulo: Começam as aulas. Aristarco mostra as dependências do colégio e deixa

bem claro para Sérgio que, se ele seguir o código, tudo ficará bem, ele o terá como

um pai. Sérgio conhece Rebelo, que o aconselha a não admitir protetores, meninos

maiores que protegem os menores em troca de favores sexuais; Franco, o bode

expiatório do colégio; Barbalho, “o endemoninhado caolho”, que o oprime, desde o

primeiro contato, com palavras e esbarrões.

3º. capítulo: Trata do episódio da “natação”, como é chamado no Ateneu o momento

do banho dos internos. Sérgio é puxado para o fundo das águas escuras. Quem o

salva é Sanches, um menino mais velho, que provavelmente foi quem o puxou.

Sanches torna-se uma espécie de tutor do menino: protege-o e ensina-lhe as

matérias. Com a aproximação física dele, Sérgio decide estudar sozinho.

4º. capítulo: Sérgio não é mais um aluno aplicado e até consegue mentir para

Aristarco. Preocupado com sua religiosidade, torna-se devoto de Santa Rosália. Alia-

se a Franco e juntos aplicam um castigo aos alunos do Ateneu. Ambos são castigados.

5º. capítulo: Sérgio alinha-se com Barreto, que lhe mostra o lado obscuro da

religiosidade. Diz-lhe também que a mulher é o próprio demônio. Eis que acontece um

assassinato dentro do colégio, provocado por Ângela, uma funcionária que se

relacionava com dois homens, e um deles mata o rival.

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6º. capítulo: Sérgio, interessado em literatura, frequenta a biblioteca do internato, e

aproxima-se de Bento Alves, que lhe faz indicações de leitura. Malheiro, um rapaz

mais velho, insinua um caso entre Sérgio e Bento, e esse fato resulta, para desespero

de Sérgio, em briga entre Malheiro e Bento.

7º. capítulo: Descrição dos bastidores do colégio, envolvendo fatos não previstos no

código: violência, apostas, pornografia. Sem a boa influência de Bento, Sérgio

envolve-se em uma briga com Rômulo, perde os sentidos e acorda mais tarde, ferido,

sob uma escada.

8º. capítulo: Sérgio passa para o segundo ano no Ateneu. Um fato importante, mas

não explicado no livro, é o motivo da briga entre Sérgio e Bento Alves. Bento foge e

Sérgio precisa explicar-se a Aristarco, porém, em vez de fazê-lo, exalta-se e grita com

o diretor, puxando-lhe o bigode. Sérgio não é expulso, já que ninguém presenciou a

briga, e seu pai paga pontualmente as mensalidades.

9º. capítulo: Sérgio aproxima-se de Egbert, tornam-se amigos, um relacionamento

equilibrado, em que um não devia favores ao outro. Sérgio reencontra dona Ema,

esposa de Aristarco, e a compara à sua mãe.

10º. capítulo: Sérgio passa para a terceira classe e muda-se de quarto. Para aqueles

rapazes da terceira classe tudo o que estava previsto no código era facilmente

driblado. Sérgio aproveita-se de uma oportunidade e vinga-se de Rômulo.

11º. capítulo: Franco morre, devido a castigos excessivos. Somente Sérgio sente sua

morte. O Ateneu está em festa, laureada pela classe alta do Rio de Janeiro, pelos pais

e até pela princesa. Aristarco recebe um busto seu como homenagem dos alunos.

12º. capítulo: Sérgio adoece e recebe cuidados maternais de dona Ema. Durante o

período de férias, seus pais vão para a Europa e deixam-no aos cuidados de Aristarco

e Ema. Há um incêndio no internato, o diretor perde tudo, inclusive a esposa, que vai

embora. O incêndio foi proposital, provocado por Américo, um aluno recém-chegado,

que não queria permanecer no Ateneu.

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1.4 Contexto sócio-histórico de O Ateneu

O Regime Imperialista imposto por Portugal a sua colônia, o Brasil, regia o país

com seus ideais: o etnocentrismo, a crença de que determinados povos são

superiores a outros; o racismo; e o darwinismo social, a afirmação da hegemonia de

um país sobre o outro justificada pela seleção natural. O Brasil crescia já marcado

pela desigualdade entre portugueses e brasileiros, brancos e negros, os mais fortes e

os mais fracos.

O ano que antecede a publicação de O Ateneu no Rio de Janeiro não foi muito

promissor, segundo registros dos jornais da época. Foi um ano de crise no Império,

em especial, pela safra reduzida de café que resultou em abalo financeiro para o

Estado. Desde 1855, clamava-se por uma reforma política e administrativa.

A dívida interna e externa do país, em 1886, podia ser avaliada em mais de um

milhão de contos de réis, conforme o jornal L’Etoile Du Sud citado por Renault (1982,

p. 205). A explicação dada para essa pobreza nacional é, entre outras, a falta de

indústrias e o trabalho sem remuneração. Acreditava-se que a emancipação gradual

dos escravos prolongava a crise. Sendo assim, começaram as discussões sobre o fim

do trabalho escravo. João Alfredo Correia de Oliveira e Antônio Prado apresentaram

o projeto de lei da abolição da escravatura e, em 13 de maio de 1888, a Princesa

Imperial assinou a lei da extinção da escravidão (RENAULT, 1982).

Com relação à educação, conforme dados extraídos do The Rio News, a

situação do ensino no Império não era lisonjeira. As reformas propostas para o ensino

morreram com os atos que as criaram. O custo dos colégios particulares era muito

alto e a qualidade questionável; o grande colégio interno da época, o Colégio Abílio,

em que o próprio Raul Pompeia estudou e, segundo dados biográficos, baseou-se

para escrever O Ateneu, foi fechado por impor penas corporais a um aluno

(RENAULT, 1982, p. 217).

Falando da sociedade do Rio de Janeiro do século XIX, a partir da chegada da

Família Imperial, a sociedade transformou-se. Imperavam costumes rígidos e

patriarcais. Os homens cuidavam dos negócios, enquanto que as mulheres tratavam

dos assuntos domésticos e saíam apenas com o marido; o casamento dos filhos era

decidido pelos pais e a família frequentava a igreja (CUNHA, 1970).

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1.5 Ateneu como microcosmo social

Ao ler O Ateneu, tem-se a impressão, a princípio, de que se trata de um texto

memorial, afinal é escrito em primeira pessoa e intitulado, pelo próprio Raul Pompeia,

como “Crônica de saudades”; entretanto, essa não é a única vertente do livro.

Segundo Chaves (1978, p. 98), sob o ponto de vista da narrativa psicológica, nessa

retomada do passado com o intuito de criar um elo com o presente, também há um

discurso social.

Desde o início da narrativa, o espaço do internato é comparado ao lar dos

internos, como afirma Aristarco ao receber Sérgio pela primeira vez no colégio: “[...]

Demais, o meu colégio é apenas maior que o lar doméstico”. Sendo assim, Aristarco

assume o papel de pai e sua esposa, Dona Ema, o de mãe: “[...] Se adoecem... trato-

os aqui, em minha casa.” (POMPEIA, 1999, p. 21). Reconstrói-se, dessa forma, no

Ateneu, uma unidade familiar. Sabe-se que a família é a base da sociedade, logo, se

o Ateneu é um microcosmo da sociedade, é possível compreender porque é

apresentado como uma grande família. (CHAVES, 1978, p. 99)

Diante de tal situação, afirma o narrador Sérgio: “Ensaiados no microcosmo do

internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora, onde se vão sofrer todas

as convivências [...]”. (POMPEIA, 1999, p.130). Ao sair de férias, Sérgio percebe que

a paisagem lá fora é a mesma, portanto o internato é um ensaio preparatório para a

vida adulta que terá quando deixar o colégio:

No internato, o aparato festivo e cívico da festa de encerramento dos trabalhos encerra a maior das inverdades. É um biombo reluzente a ocultar um mundo de desorganização, de corrupção, de perversão e de injustiça. A máquina instalada para preparar jovens seres no caminho da existência [...]. (IVO, 1963, p. 15)

Se o Ateneu é um microcosmo, Aristarco é a autoridade máxima desse mundo

(CHAVES, 1978). Se o Ateneu representa a luta do mais forte contra o mais fraco,

Aristarco representa o mais forte (SOUZA, 2011). Se o tema principal da obra são as

relações de poder, Aristarco, como diretor do internato, é a maior representação de

poder:

[...] tanto pelo Poder que encarna, no nível da ação, quanto pela força qualitativa que a escritura de Raul Pompeia lhe confere. Aristarco é o Deus do Ateneu, seu criador, seu diretor onisciente e onipresente; o Todo-

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Poderoso que mantém presas, sob seu olhar vigilante e seu arbítrio irrecorrível, todas as criaturas desse pequeno universo. (PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 87)

O medo e a insegurança são os sentimentos que regem os menores que se

iniciam na escola; tudo é novo, grande e ameaçador: “[...] eu estava perfeitamente

virgem para as sensações da nova fase. O internato!” (POMPEIA, 1999, p. 12). Mais

tarde, Sérgio menciona que os maiores causavam-lhe pavor, pois tinha apenas onze

anos quando ingressou no colégio e longe da mãe sentia-se desprotegido:

Tudo ameaça os indefesos. O desembaraço tumultuoso dos companheiros à recreação, a maneira fácil de conduzir o trabalho, pareciam-me traços de esmagadora superioridade [...] o braço do Sanches vinha salvar-me, segunda vez, de submersão [...]. (POMPEIA, 1999, p. 35)

Segundo Bosi (2003, p. 73), a situação descrita em O Ateneu baseia-se, em

partes, na teoria da Origem das espécies, de Darwin, em que é previsto, pela seleção

natural, o esmagamento dos fracos e dos inaptos pelos mais fortes. Haja vista que os

menores apanhavam dos veteranos, por isso tinham medo de passar por eles: “Num

ponto e noutro formavam-se pequenos sarilhos [...]. Eram os pobres novatos que os

veteranos sovavam à cacholeta, fraternalmente.” (POMPEIA, 1999, p. 29).

Nessa relação de poder, sempre existem dois lados, há os que humilham e os

humilhados. No Ateneu, durante a maior parte da narrativa, Aristarco é aquele que

humilha, entretanto, em alguns episódios e, no final, ele será o humilhado.

1.6 O diretor Aristarco

“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos [...] enchia o Império com o seu renome de

pedagogo”, (POMPEIA, 1999, p.12). Se D. Pedro II era imperador do Brasil, Aristarco

era o imperador do Ateneu (BOSI, 2003). Basta pensar no nome Aristarco,

etimologicamente seu nome significa "governante dos melhores", o radical “aristo”

(ótimo, melhor) ajuda a compor o seu nome; além disso, o radical “arc” forma também

a palavra arcaico, marcando mais uma característica da personagem, que preza

valores e métodos antigos. (SAVIOLI, 1998, p. 218).

Ambição e hipocrisia constituem o arco que sustenta o Ateneu, tendo Aristarco

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como pedra de esquina2: “Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma

perfeição rigorosa de acordo”. (POMPEIA, 1999, p. 22). Dessa maneira, o internato

não é conduzido primordialmente como escola, mas sim como um negócio que precisa

dar lucro: “[...] havia no semblante de Aristarco uma pontinha de aborrecimento.

Decepção talvez de estatística; o número de estudantes novos não compensando o

número dos perdidos [...]” (POMPEIA, 1999, p. 22). O crítico Pontes (1935, p. 197)

refere-se a Aristarco como “educador charlatão”, pois a última preocupação deste é

com a educação. Segundo Bosi (2003, p. 56), Raul Pompeia levanta em O Ateneu o

questionamento sobre a educação como negócio.

“Já frouxa a fibra dos rigores [...] desprestigiava-se a lei, salvavam-se, porém

[...] o crédito do estabelecimento, que nada tinha a lucrar com o escândalo de um

grande número de expulsões [...]” (POMPEIA, 1999, p. 113). Aristarco divide-se,

então, em duas distintas personalidades, uma que age de maneira rigorosa com os

alunos gratuitos3 e os inadimplentes, e a outra, liberal com os filhos de pagantes

assíduos. Em meio a tanta hipocrisia não há boas ações, logo, dar bolsa de estudo a

alguns alunos pobres atende exclusivamente ao interesse de Aristarco de sobressair-

se e não de ajudar o próximo: “Havia no Ateneu [...] alunos gratuitos, dóceis criaturas

escolhidas a dedo para o papel de complemento objetivo de caridade [...] com todos

os deveres, nenhum direito [...]”. (POMPEIA, 1999, p. 97).

O conflito de classes sociais transfere-se do mundo externo para dentro da

escola e, conforme Ivo (1963, p. 16-17), dos escritores do Segundo Império, Pompeia

é um dos que mais bem documentam a estrutura econômico-social da época,

refletindo uma sociedade fundada sobre a injustiça e o privilégio, a qual é simbolizada

por Aristarco: “Punha ciência em distribuir sorrisos, de acordo com a ordem social das

pessoas e dos pagamentos das contas do colégio [...]“. (POMPEIA, 1999, p. 19)

Para tão nobre e complexa personagem, linguagem à altura. O uso recorrente

de expressões metafóricas envolvendo Aristarco é explicado por Schwarz, em nível

literário “[...] esse mesmo tom reaparece no próprio estilo do livro, hiperbólico e

metafórico [...]. A linguagem perde, parcialmente sua função de indicar os processos

do real; é dramatizada a ponto de ser pura expressão [...].” (1981, p. 28).

2 Pedra de esquina é a pedra central de um arco, sem ela, o arco não tem sustentação. 3 Alunos pobres que ganhavam bolsa de estudo. Tinham por obrigação brilhar “pois caridade que não brilha é caridade em pura perda.” (POMPEIA, 1999, p. 97)

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A proposta desta pesquisa é de, na esteira da proposta teórico-metodológico

da LSF, relacionar as escolhas lexicogramaticais feitas na microestrutura do texto,

com a ideologia e as relações de força presentes na macroestrutura do discurso. Tais

escolhas constituem expressões metafóricas (ou minimetáforas) que concorrem para

a formação de uma metáfora conceptual que engloba a obra, evidenciando

persuasivamente a ideologia que cerca o diretor Aristarco.

Para tanto, recorro às seguintes teorias: linguística sistêmico-funcional

(Halliday, 1994, 2004), que permite relacionar a microestrutura do texto à

macroestrutura do discurso e que inclui a noção de avaliatividade (Martin, 2005) e de

coesão lexical (Li, 2010). Em seguida, a linguística sistêmico-funcional alia-se ao

cognitivismo, uma vez que tanto a metáfora (Goatly,1997 e Charteris-Black, 2004),

quanto a ironia (El Refaie, 2005 e Burgers et al.,2012), teorias aqui aplicadas, são

fenômenos que ocorrem na mente do leitor. E, por fim, a ideologia, Fairclough (1992),

associada à teoria da hegemonia, Gramsci (1999) para relacionar o discurso ao

processo persuasivo.

2.1 Linguística Sistêmico-Funcional

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta teórico-metodológica

de Halliday (1994, 2004) e de seus colaboradores. Subjacente à LSF, existem quatro

premissas maiores. O modelo estabelece: (i) que o uso da língua é funcional; (ii) que

sua função é construir significados; (iii) que os significados são influenciados pelo

contexto social e cultural em que são intercambiados; e (iv) que o processo de uso da

língua é um processo semiótico, um processo de construir significado por meio de

escolhas (EGGINS, 2004, p. 3).

É por essas razões que a LSF é descrita como "uma abordagem semântico-

funcional da língua" (EGGINS, 2004, p. 20), uma teoria que procura entender como

as pessoas usam a língua em diferentes contextos sociais para fazer sentido. Para

classificar os tipos e significados que os atores sociais geram, a LSF concebe a língua

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como a expressão de três metafunções concorrentes: ideacional (informação),

interpessoal (interação) e textual (construção do texto) (HALLIDAY, 2004; MARTIN,

2000). Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a LSF é um modelo

multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a

interpretação da língua em uso".

Importante para a LSF é a noção de escolhas: quando se faz uma escolha no

sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um

fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o

foram, fato importante na análise do discurso. Em resumo, a LSF procura desenvolver

uma teoria sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita

uma descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos.

A língua é considerada um recurso para fazer significado: o código, como um

recurso sistêmico, um potencial de significado; o comportamento, como a realização

desse potencial de significado em situações da vida real (HALLIDAY, 1994). Nesse

processo de realização, a língua funciona para preencher uma série de necessidades

humanas, e a riqueza e a variedade de suas funções estão refletidas na natureza da

própria língua, em sua organização como um sistema, segundo Halliday (1994).

Conforme foi dito, as funções da língua, que preenchem uma série de

necessidades humanas, estão categorizadas sob um guarda-chuva de três

metafunções, a saber, a ideacional, a interpessoal e a textual, que são realizadas

simultaneamente, segundo Halliday (1994). A metafunção ideacional refere-se à

habilidade para construir experiências humanas, nomeando entidades e construindo

categorias e taxonomias; a metafunção interpessoal permite que as pessoas interajam

em relações pessoais e sociais; a metafunção textual refere-se à possibilidade da

construção do texto para facilitar as outras duas, dando textura ao texto para fazê-lo

operacionalmente relevante (HALLIDAY, 1973; 2004). A língua possui um nível

intermediário de codificação: a lexicogramática. É este nível que possibilita à língua

construir concomitantemente os três significados, que entram no texto por meio das

orações.

Neste trabalho, proponho-me a fazer a análise da metafunção ideacional,

considerando o sistema da transitividade (processo e participantes) e também da

metafunção interpessoal, por meio da análise do sistema da avaliatividade (atitude e

graduação), a fim de responder à pergunta: (b) Que escolhas lexicogramaticais

referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?

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A metafunção ideacional, diz Halliday, tem a função de representar padrões de

experiência. As línguas capacitam o ser humano a construir um quadro mental da

realidade, para que ele entenda o que acontece ao seu redor e no seu interior (1994,

p. 106). Aqui, novamente, a oração tem um papel central, porque ela incorpora um

princípio geral de modelagem da experiência – ou seja, o princípio de que a realidade

é feita de processos.

Nossa impressão mais poderosa da experiência é de que ela consiste de

'eventos' – acontecer, fazer, sentir, significar, ser e tornar-se. Todos esses eventos

estão distinguidos na gramática-da-oração, continua o autor. A oração é também um

modo de reflexão, de ordenação da variação infinita do fluxo de eventos. O sistema

gramatical pelo qual isso é alcançado é o da transitividade. O sistema de transitividade

constrói o mundo da experiência em um conjunto manipulável de tipos de processo.

A análise da transitividade pode, examinando as escolhas feitas no texto referentes a

estados de ser, ações, eventos e situações referentes a dada sociedade, mostrar o

viés e a manipulação envolvidos nessas representações. Aplicando essa teoria na

análise de O Ateneu, poderei responder à pergunta: (c) como é feita a relação entre

as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da

ideologia e relações de força do discurso?

Halliday (1994) sugere que os processos semânticos representados na oração

têm potencialmente três componentes: o próprio processo, que é expresso pelo grupo

verbal da oração; os participantes envolvidos no processo, realizados pelos grupos

nominais da oração; e as circunstâncias associadas com o processo, expressas por

grupos adverbiais ou preposicionais.

O autor ainda sugere a classificação dos processos, conforme representem

ações, eventos, estados da mente ou estados de ser. Material, mental e relacional são

os três tipos principais no sistema da transitividade do inglês, referindo-se

respectivamente a ações ou eventos do mundo externo, a experiência interna da

consciência e os processos que classificam e identificam. Nos limites entre esses,

estão os processos: comportamental (que representam manifestações de atividades

internas), verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana e em

estados fisiológicos) e existencial (processos relacionados à existência, resumidos no

Quadro 1 e explicados mais detalhadamente a seguir.

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Quadro 1 - Tipos de processos na LSF

Tipos de Processo

Exemplos

Material

Comportamental

Mental

Verbal

Relacional

Existencial

João [ator] DEU um livro [meta] a Pedro [beneficiário].

João [comportante] GEMEU de aflição.

João [experienciador] GOSTOU do presente [fenômeno].

João [dizente] lhe [receptor] DISSE que viajará [verbiagem].

João [portador] É inteligente [atributo].

HÁ alunos [existente] na classe [circunstância].

Fonte: Halliday (1994)

Em termos da metafunção interpessoal, a oração está organizada como um

evento interativo, envolvendo produtor e receptor da mensagem, e focaliza a interação

como uma troca de bens e serviços (proposta) ou de informação (proposição)

(HALLIDAY, 1994), dividindo-se em mood4 e resíduo. Como demonstra o Quadro 2:

Quadro 2 - Modalidade

DAR PEDIR Produto MODALIDADE

Informação

Proposição →

(Informação)

Modalização

probabilidade:

talvez

e.g. São duas horas. e.g. Quem você

viu lá?

frequência:

geralmente,

sempre

Bens e Serviços

Proposta →

(Bens &

Serviços)

Modulação

obrigação: deve,

precisa

e.g. Deu-lhe flores. e.g. Me empresta

isso?

desejabilidade:

quero

Fonte: Halliday (1994)

O mood estabelece relações entre papéis de falante e de ouvinte, por meio de:

(i) orações declarativas (afirmativas ou negativas), interrogativas, imperativas e, no

caso do português, as subjuntivas; (ii) modalidade, que inclui verbos modais (ex.,

4Mood tem sido traduzido por Modo (com inicial maiúscula). Decidi manter o termo do original inglês, para evitar confusão com Modo, variável de Registro (contexto situacional).

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precisar, poder, querer), adjuntos modais (ex. talvez, certamente) e o tempo primário

(tempo verbal). O mood envolve: sujeito + finito (e modalidade) e o resíduo envolve:

predicador, complemento e adjunto modal.

O resíduo consiste de elementos funcionais de três tipos: predicador,

complemento e adjunto. Há apenas um predicador, um ou dois complementos e um

número indefinido de adjuntos até, em princípio, cerca de sete, segundo Halliday. O

Quadro 3 mostra as estruturas de mood e de resíduo.

Quadro 3 - Metafunção interpessoal: exemplo de análise

Contudo, em minha opinião, o duque deve dar o bilhete na festa, sem dúvida.

(a) Oração como permuta [Mood e Resíduo]

Contudo em minha

opinião

o duque deve dar o bilhete na festa sem dúvida

Adj. Conjunt.

Adj. Modal

Sujeito

Finito5

Predicador6

Complemento

Adj.

Circunst.

Adj. Modal

Ø7 MOOD RESÍDUO MOOD

Fonte: Adaptado de Halliday (1994)

Apresento no Quadro 4, a análise de: Certamente, ele estudou inglês no

passado, pelas duas metafunções apresentadas.

Quadro 4: As metafunções

METAFUNÇÕES Certamente ele estudou inglês no passado.

Ideacional ------ ator processo material meta circunstância

Interpessoal

Certamente ele estud- -ou inglês no passado.

mood resíduo mood resíduo

finito:

modalidade

sujeito predicador finito:

tempo

complemento adj. adverbial

Fonte: Halliday (1994)

5 Finito indica tempo primário e modalidade 6 O Predicador tem 4 funções: tempo secundário (passado, presente, futuro relativos ao tempo da fala) – aspecto

(parecer, tentar, esperar) – voz – processo (material, mental...) 7“Contudo” não faz parte da metafunção interpessoal, mas da metafunção textual. Daí, não ter sido analisado nesse

exemplo.

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● Em relação à metafunção ideacional, o verbo "estudar" expressa um

processo material, "ele" um participante - ator, "inglês" um participante -

meta; e "no passado" uma circunstância de tempo. Esses elementos

representam a transitividade da oração.

● Em relação à metafunção interpessoal, é uma sentença declarativa, na qual

o mood é realizado pelo sujeito "ele", e pelo finito: (i) pela terminação (flexão do

pretérito perfeito); (ii) pela modalização "certamente". O restante da frase forma

o resíduo.

A metafunção interpessoal da linguagem é hoje a mais relevante para as

pesquisas recentes, já que as escolhas lexicogramaticais que se fazem tanto na

metafunção ideacional, quanto na textual, são feitas tendo sempre em vista a

interlocução, ou seja, a metafunção interpessoal. Talvez por esse motivo, essa

metafunção tem recebido contribuições que fortaleceram seu poder analítico. Assim é

a noção de avaliatividade, que apresento a seguir.

Na LSF, a avaliação é estudada sob a denominação de avaliatividade, Martin

(2000), um sistema que trata do posicionamento do escritor em relação à mensagem

e ao interlocutor, em termos de sentimento, julgamento ético de pessoas e apreciação

estética de objetos. Na essência, a avaliatividade é um enquadre que mapeia os

recursos que usamos para avaliar a experiência social (MARTIN, 2000; MARTIN e

WHITE 2005). Esses recursos podem se realizar por meio de várias estruturas

gramaticais e lexicais. Inclui recursos graduáveis para a avaliação de pessoas, lugar

e coisas de nossa experiência (atitude), para ajustar nosso compromisso com o que

avaliamos (engajamento) e para aumentar ou abaixar a avaliação (graduação).

O subsistema da atitude envolve:

• afeto: um conjunto de recursos linguísticos para avaliar a experiência em

termos afetivos, para indicar efeito emocional positivo ou negativo de um

evento.

• julgamento (ético): significados que servem para avaliar o comportamento

humano com referência a normas que regem como as pessoas devem ou não

agir.

• apreciação (estética): constrói a qualidade ‘estética’ dos processos semióticos

do texto, e fenômenos naturais (‘notável, desejável, harmonioso, elegante,

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inovador’).

• avaliação social - uma subcategoria de apreciação, refere-se à avaliação

positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.

O subsistema da graduação envolve um conjunto de recursos para aumentar

ou diminuir a intensidade da avaliação. E o subsistema de engajamento é um conjunto

de recursos que capacita o escritor (ou o falante) a tomar uma posição pela qual sua

audiência é construída como partilhando a mesma e única visão de mundo ou, por

outro lado, a adotar uma posição que explicitamente reconhece a diversidade entre

várias vozes. O Quadro 5 apresenta os subsistemas da avaliatividade:

Quadro 5 - Os subsistemas da avaliatividade

APPRAISAL (Avaliatividade)

ATITUDE

Afeto

Julgamento

Apreciação

COMPROMISSO

Monoglóssico

Heteroglóssico

GRADUAÇÃO

Força aumenta

diminui

Foco aguça

suaviza

Fonte: Adaptado de Martin (2003)

Há dois modos básicos de avaliatividade que são importantes para a narrativa:

inscrita e evocada, conforme mostra o Quadro 6.

Quadro 6 – Tipos de avaliatividade

Fonte: Adaptado de Martin (2003)

Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.

Evocada (implícito) (tokens ‘fatuais’)

As crianças conversavam enquanto ele dava aula.

Implícita provocada (alguma linguagem avaliativa)

A professora já estava na sala, mas as crianças continuavam falando.

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Elas podem ocorrer separadamente ou combinadas de diferentes modos dentro

de uma fase do texto. A avaliatividade inscrita torna a atitude explícita por meio de

léxico avaliativo ou de sintaxe. Ela se introduz diretamente no texto por meio de

epítetos atitudinais ou relacionais ou adjuntos de comentário. Mais recentemente foi

incluída a avaliatividade provocada.

A avaliatividade evocada é alcançada pelo enriquecimento do léxico em um ou

mais trechos do texto e pode envolver uma infusão sutil de sentimento na sequência

do evento. É o que Martin (2000) chama de tokens de atitude e são mais difíceis de

perceber do que a avaliatividade inscrita, porque seu significado é mais de

transferência do que literal. Contudo a avaliatividade evocada é importante porque é

o mecanismo primário pelo qual o texto se insinua nas atitudes do leitor.

Naturalmente a avaliatividade evocada torna toda a tarefa da análise linguística

mais difícil. Mas mesmo as expressões abertamente atitudinais são vozeadas por

personagens e daí relativizadas pelo texto.

Este trabalho apresentará a análise das expressões metafóricas a luz dos

seguintes subsistemas de avaliatividade: atitude e graduação, tendo em vista a

pergunta de pesquisa: (b) que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade

compõem as metáforas nesse processo? Faço o recorte atitude e graduação, visto

que a teoria é muito ampla para ser utilizada integralmente na análise.

A avaliatividade não somente permite analisar expressões de significado

avaliativo direto ou indireto, mas também explica os modos pelos quais padrões de

significado avaliativo se acumulam dinamicamente através do texto. Os valores

atitudinais acumulam significados com base na companhia que mantêm e as relações

que contraem com outras palavras no texto. Dado que o ambiente da axiologia do

texto é o texto, uma fase pode carregar atitude de algum lugar do texto. Trechos do

texto não marcados explicitamente para atitude podem carregar significados

avaliativos em virtude de seus elos coesivos para outras partes mais atitudinais do

texto.

Os leitores são sensíveis a síndromes ou complexos de significado atitudinal e

aos modos como confirmam, opõem-se ou transformam escolhas de palavras em

outros locais do texto. Essas configurações de escolhas avaliativas relevantes criam

o que Thompson (1998) denomina “ressonância” – uma harmonia de significados que

é um produto de uma combinação de escolhas não identificáveis com qualquer outra

escolha, consideradas isoladamente. Como veremos na análise do modo de

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avaliatividade, as expressões de atitude evocadas (implícitas) e inscritas (explícitas)

entram numa espécie de dança através do texto criando um espaço semântico mais

amplo que, por si, se torna avaliativo. Outros perceberam esse fenômeno em estudos

de avaliação. Hunston e Thompson (2000), por exemplo, falam sobre a complexidade

de sua realização em diferentes discursos, e Lemke (1998) sobre a qualidade

propagativa da avaliação. A esse respeito – embora algumas partes do texto possam

ser mais ou menos interpessoalmente salientes do que outras - precisamos ver todo

o texto como aberto para e criativo de avaliação, seja ela implícita ou explícita.

Macken-Horarik (2003) modela esse processo em termos de uma relação

semântica entre fases que ela chama de metarrelações, com o prefixo “meta”-

indexando o significado de ordem superior dessas relações. A criação de empatia

depende da combinação de fases em que uma confirma a outra e que filtra a

experiência por meio da consciência da personagem. Podemos construir essa relação

como uma configuração de metarrelações. Há uma harmonia de escolhas de

avaliatividade nesses domínios experienciais que confirmam nossa impressão de

seus valores (confirmação).

A percepção ética é o resultado de um conjunto de relações semânticas (ou

metarrelações) com as que cocriam empatia. No caso de julgamento do correto ou do

errado de um comportamento, vemos que as avaliações externas são cruciais.

Avaliações externas estabelecem um centro alternativo de avaliação.

A categoria como a metarrelação é importante porque possibilita interpretar a

copadronização de escolhas de avaliatividade em certas fases e construir as relações

semânticas entre uma fase e outra. Assim, podemos tratar não somente de formas

explícitas de avaliação como a avaliatividade inscrita, mas também de escolhas de

avaliatividade implícita através de longos trechos do texto. Podemos ver os modos

pelos quais as combinações de escolhas conspiram para criar atitudes específicas no

leitor ideal conforme ele processa o texto. E podemos ver como certas configurações

de metarrelações coocorrem em diferentes aspectos no posicionamento do leitor.

Enquanto a empatia favorece a seleção de confirmações, a percepção ética favorece

a seleção de avaliações externas e internas, transformações e oposições.

O Quadro 7 apresenta um resumo das metarrelações que são importantes para

a criação de empatia e percepção nos leitores ideais.

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Quadro 7 - Avaliatividade interna e externa

Metarrelação Significado semântico

Confirmação Fase que cria equivalência com fase (s) anterior (es) por meio de escolhas

de avaliatividade semelhantes.

Oposição Fase que cria contraste com fase (s) anterior (es) por meio de escolhas de

avaliatividade opostas.

Transformação Fase que cria mudança de significado em relação a fase (s) anterior (es) por

meio de mudança nas escolhas de avaliatividade.

Avaliação interna Fase que projeta a visão interior e os sentimentos do personagem.

Avaliação externa Fase que verbaliza a visão interna e os sentimentos do personagem.

Fonte: Macken-Horarik (2003)

Há duas noções importantes para a LSF: (a) a relação entre língua e contexto

social, envolvendo o contexto cultural (gênero) e o contexto situacional (registro, com

suas variáveis de campo, relações e modo, referindo-se ao assunto, aos interactantes

e à construção do texto, respectivamente); e há também um terceiro contexto o

ideológico, que ocupa um nível superior de contexto, referindo-se a posições de poder,

a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e perspectivas que os

interlocutores trazem para seus textos; a análise dos aspectos ideológicos tem sido

feita, dentre outros, pela Linguística Crítica (FOWLER, 1991); (b) a noção de escolhas:

quando se faz uma escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz

adquire significado contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam

ter sido feitas, mas que não o foram, fato importante na análise do discurso.

Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a LSF é um modelo

multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a

interpretação da língua em uso". Além disso, a língua é vista como uma prática social,

o resultado da relação entre dois aspectos fundamentais - sua sistematicidade e sua

funcionalidade (MARTIN, 1997). A funcionalidade - o que mais me interessa - está

refletida no discurso através da estrutura gramatical interna da língua, isto é, as

funções da língua fornecem as motivações para a sua forma e a sua estrutura

(HALLIDAY, 1978). Em resumo, a LSF procura desenvolver uma teoria sobre a língua

como um processo social e uma metodologia que permita uma descrição detalhada e

sistemática dos padrões linguísticos.

A pesquisa aqui proposta levantará as expressões metafóricas usadas em O

Ateneu, referentes ao diretor Aristarco, e analisará essas expressões com base nas

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metafunções ideacional e interpessoal e, a partir desse levantamento, será possível

traçar a coesão lexical.

2.1.1 A Coesão Lexical

A escolha lexical e a coesão constroem significados no discurso que

transcendem os significados referenciais de cada palavra por meio da interação de

itens lexicais que se relacionam semântica e pragmaticamente, explica Li (2010). Para

Van Dijk (1988, p. 177), a escolha lexical é "um eminente aspecto do texto em que

opiniões e ideologias escondidas podem se superficializar”.

Li (2010) investiga as relações entre escolhas de certas formas linguísticas e

as ideologias e relações de poder que subjazem a essas formas. Sua abordagem

apoia-se em Van Dijk (1997) e tenta relacionar a noção macro da ideologia do discurso

às noções micro das escolhas lexicogramaticais do texto. A abordagem de Van Dijk

recorre a uma metodologia que se apoia na gramática-da-oração para explicar o modo

como os traços da estrutura superficial do texto comunicam ideologias específicas e

identidades de grupo no nível profundo.

Com enfoque na gramáica-da-oração dos textos, Li (2010) analisa a

transitividade e a coesão lexical no enquadre da Linguística Sistêmico-Funcional

(LSF), conforme Halliday. Assim, a língua é entendida pela LSF como uma "rede de

opções entrelaçadas" (HALLIDAY, 1994, p. xiv), que é uma gramática do significado,

ou seja, ela vê a língua como um sistema de significados realizados por meio de

funções do rico recurso de opções gramaticais selecionadas pelo usuário da língua.

O significado envolvido na língua emerge em relação a escolhas específicas feitas

pelos seus usuários. Essas escolhas gramaticais são descritas em termos funcionais

para que sejam significativas semântica e pragmaticamente.

A visão funcional da LSF das escolhas linguísticas como índices de

significados, segundo Li, cruza com a Análise do Discurso Crítica: ambas são guiadas

pela suposição subjacente de que as formas linguísticas e as escolhas expressam

significados ideológicos. A LSF oferece um instrumento analítico específico para o

exame sistemático das relações de poder no texto bem como as motivações,

propósitos, suposições e interesse dos produtores do texto. Com seu foco na seleção,

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categorização e ordenação do significado nas microestruturas no nível da oração mais

do que no macronível do discurso, a LSF é especialmente útil para uma análise

sistemática por meio do enfoque nos traços linguísticos no micronível dos textos, que

fornecem intravisões críticas na organização dos significados.

A coesão lexical não é um recurso estável que liga informações no texto; é um

processo dinâmico que formata o significado no texto e contribui para a informação

geral. Assim, a coesão lexical pode fornecer intravisões importantes no processo da

construção da ideologia do texto. Essa visão condiz com a teoria conceptual da

metáfora, de Lakoff e Johnson (1980). Como um mapeamento ontológico e epistêmico

por meio de domínios conceituais (da fonte para a meta), a metáfora não é apenas

uma questão de língua, mas também um conceito intimamente ligado ao pensamento

e ao raciocínio, que tem consequências sociopolíticas. As metáforas conceptuais e a

coesão lexical influem em nossas experiências cognitivas e nos predispõem a ver

aspectos da realidade de um certo modo. Na análise da coesão lexical, Li (2010)

enfoca a construção de metáforas conceptuais dominantes por meio de repetições de

itens lexicais relacionadas colocacionalmente – as expressões metafóricas. Essas

metáforas funcionam como temas organizacionais criando um determinado

entendimento do evento, no caso, o bombardeio da embaixada chinesa pela OTAN.

Li (2010) examina a ideologia presente nos relatos sobre o ocorrido no jornal The New

York Times e no China Daily.

Assim, as expressões metafóricas do texto do TNYT (a seguir, de 1 a 6)

constroem a - metáfora da enchente - protestos são enchentes:

1 Protestos irados irromperam na cercania de escritórios do governo

Americano em diversas cidades.

2 Os protestos marcaram um extraordinário momento em uma cidade

controlada em que explosões são normalmente proibidas.

3 Um grupo de 50 participantes invadiu as linhas da polícia.

4 Eles por certo não estavam preparados para essa onda de ódio.

5 A atual explosão de emoção nacionalista.

6 Um poderoso fluxo de sentimento antiamericano despertou após o

bombardeio.

Li cita também outras metáforas assim construídas, como as de “fogo”, do

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“animal feroz” e outras, que conjuntamente contribuem para a persuasão do leitor.

A análise dos padrões lexicais na representação do TNYT revela um uso

abundante de léxico que gradual, mas consistentemente, constrói diversos temas

metafóricos que permeiam o texto do jornal. Para construir a natureza perigosa e

destrutiva dos protestos chineses, o jornal usa uma série de metáforas conceptuais

relacionadas em que os protestos chineses são descritos em termos de inundação

perigosa, fogo violento, animais selvagens que a polícia luta para controlar.

Construindo os protestos chineses e as emoções em termos dessas metáforas

de enchente, fogo e animais selvagens, o TNYT cria uma "realidade" das

demonstrações que, em vez de serem ordenadas e pacíficas, são selvagens, violentas

e destrutivas, indo além do controle da polícia e ameaçadoras da segurança das

vítimas atacadas por enchentes, fogo e animais.

O sistema da construção metafórica da imagem da China no bombardeio é

ampliada por meio de metáforas teatrais consistentemente usadas nos artigos do

TNYT. Nessa metáfora, os protestos chineses são retratados como um show

desenhado cuidadosamente, e o governo chinês e o Partido Comunista como os

diretores do show.

Além das metáforas dominantes acima discutidas, a construção ideológica da

reportagem dos protestos chineses pelo TNYT é também ampliada por meio do uso

estendido das metáforas-laterais, side-metaphors. Os protestos e os protestadores

chineses, por exemplo, são descritos como "ilegais", "estridentes" e "furiosos". Essas

descrições criam uma imagem de caos associada a protestos e apresentam os

protestadores como uma multidão odiosa que cria conflitos. Relacionada a essa

representação dos protestos há a caracterização repetida do nacionalismo chinês

como "enfurecida", sugerindo um estado doentio de emoções nacionalísticas

expressas nos protestos que são irracionais, extremos e frenéticos em sua natureza.

Assim, as escolhas do TNYT que estão semanticamente ligadas a conotações

pragmáticas específicas constroem específicas imagens da China e dos protestos

chineses. Essas construções metafóricas não apenas criam uma versão da

"realidade" que reprova suas atividades, mas também apela para as emoções do

leitor, formatando sua compreensão e interpretação do evento. Essa construção

metafórica ideologicamente motivada realiza um papel igualmente saliente na

representação do China Daily (CD), do bombardeio como um crime contra a China.

O léxico que retrata a OTAN e suas atividades de modo polemicamente

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negativo é abundante no CD. Esses itens lexicais invocam a imagem central de um

assassino e agressor implacável. O uso repetido de palavras como "crime bárbaro",

"criminoso" e "culpado", por exemplo, introduz o leitor no tema metafórico do

perpetrador cruel, servindo para ativar o conhecimento do leitor da situação da

matança e criar certas expectativas com relação ao léxico dos textos sobre o evento.

A situação de matança, de um modo geral, envolve tipicamente duas partes: o

assassino e a vítima. Com o estabelecimento da situação de assassinato, os textos

do CD condenam a OTAN, criando simpatia no leitor pelas vítimas e ressentimento

contra o matador. É esse tema de assassinato que sublinha a reportagem do CD sobre

o bombardeio da OTAN, que constrói a imagem dos EUA e da OTAN como violadores

de valores humanísticos.

A caracterização negativa dos EUA e da OTAN é evidenciada por múltiplas

categorias lexicais no artigo. A OTAN é descrita como "transgredindo" e "infringindo"

a soberania chinesa e "pisoteando" os direitos humanos. Eles também "intimidam"

outros países, "causam" calamidades, e "confrontam" a dignidade chinesa. Essas

representações constroem para o leitor a imagem de um invasor e agressor que traz

desastres a outras pessoas e países. Até mais eficazmente, a palavra "açougueiro"

associa as ações da OTAN com a de assassino. Além disso, a OTAN é identificada

como "fomentadora de guerras" e “trigger-it-pullers", e as ações da OTAN são

intituladas como "reino do terror". O uso de termos militares, combinado com o uso de

palavras como "derramamento de sangue" e "fato sanguinário", estabelece um

enquadre adicional de guerra no qual o comportamento da OTAN é caracterizado

como "hegemonia" e "poder despótico", reforçando ainda mais o tema do agressor e

hipócrita fora da lei. Todas essas estruturas metafóricas retratam a OTAN como um

assassino inexorável e odioso cujos crimes levam ao sofrimento humano e à

"destruição" da humanidade.

Partindo desse modelo de Li (2010), esta tese de doutorado fará o

levantamento das expressões metafóricas referentes ao diretor Aristarco e, por meio

da análise da transitividade e da avaliatividade, traçará a coesão lexical. O

mapeamento da coesão lexical evidenciará elementos que ajudarão a responder às

três perguntas de pesquisa.

Para finalizar essa primeira parte da fundamentação teórica, alguns linguistas

observaram que a crítica social é em geral articulada por meios muito semelhantes à

linguagem dominante. Daí a dificuldade fundamental de achar uma nova linguagem

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para a sua expressão. É aqui que a metáfora e a ironia se fazem presentes, e, por

isso, serão o assunto da próxima seção.

2.2 A LSF e o Cognitivismo

Muitos de nós que trabalhamos com a linguística operamos dentro de um

modelo único, semeando nosso próprio caminho teórico a fim de buscar uma visão

particular e, às vezes, restrita da linguagem, diz Butler (2013), o que é compreensível,

já que um entendimento profundo de um único modelo já é suficientemente difícil de

alcançar. Porém, se não houver a tentativa de familiarizar-se com outras áreas do

conhecimento que exercem influências poderosas sobre a linguagem, torna-se

igualmente difícil esse processo.

Assim, a fim de compreender o fenômeno altamente complexo e multifacetado

a que chamamos linguagem, devemos ir além de modelos individuais, engajando-nos

em diálogos, o que nos ajudará a melhorar a compreensão e integração das muitas

facetas da habilidade linguística humana. Para explicar essa integração, Butler (2013)

julga que praticantes da LSF e da Linguística Cognitiva (doravante LC) poderiam

beneficiar-se com um diálogo construtivo com psicolinguistas, bem como entre ambos.

A abordagem cognitiva surgiu, nos anos 1970, como uma reação à abordagem

predominantemente formalista, essencialmente chomskyana. Na visão geral do

empreendimento da LC, Evans, Bergen e Zinken (2007, p. 2), enfatizam que a relação

próxima entre o desenvolvimento dela e o trabalho em outras ciências cognitivas,

particularmente a psicologia cognitiva, está sendo especialmente evidente no

trabalho de categorização humana. Particularmente influente, quando o movimento

ganhou chão dos anos 1980 em diante, foram a Gramática Cognitiva de Langacker

(1987, 1991) e o trabalho de Lakoff e seus colegas sobre a difusão da metáfora na

nossa linguagem do dia a dia (i. e. LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2003]); e, sobre

categorização e modelos cognitivos idealizados (LAKOFF, 1987).

Crucialmente, essas abordagens orientadas cognitivamente são baseadas no

uso, na medida em que enfatizam a importância do uso no tratamento das

propriedades do sistema linguístico e como ele é adquirido. Elas sugerem que a

gramática do falante é destilada de um grande número de eventos de uso aos quais

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o falante é exposto e dos quais participa.

A posição tomada por Halliday e Mathiessen (1999) contrasta fortemente com

a representada na caracterização da ciência cognitiva tradicional. Sua abordagem,

tanto na teoria quanto no método, está em contraposição à abordagem da ciência

cognitiva: nós tratamos a “informação” como significado em vez de como

conhecimento, e interpretamos a linguagem como um sistema semiótico, e mais

especificamente com a semiótica social, e não como um sistema da mente humana.

Essa perspectiva nos leva a colocar menos ênfase no indivíduo do que seria típico de

uma abordagem cognitiva típica; ao contrário de pensar e conhecer, pelo menos como

são tradicionalmente concebidos, o significado é um processo social, intersubjetivo.

Se a experiência for interpretada como significado, sua interpretação se torna um ato

de colaboração, às vezes, de conflito e sempre de negociação. (HALLIDAY e

MATHIESSEN, 1999, p. 2).

A despeito das diferenças na abordagem, a LSF e o cognitivismo cruzam-se,

no sentido de que um instrumentaliza o outro. E, nesse ponto, a teoria da metáfora e

da ironia encaixam-se sob esse guarda-chuva teórico.

2.2.1 A metáfora

Aristóteles em Poética definiu a metáfora como “dando à coisa o nome que

pertence à outra coisa”. Contudo, a crítica principal a essa definição é de que ela se

baseia em característica linguística e não em característica cognitiva, pragmática ou

retórica da metáfora.

Acreditava-se, segundo Charteris-Black (2004), que a metáfora consistia em

comparações implícitas baseadas em princípios de analogia; essa teoria tradicional

de metáfora ficou conhecida como visão comparativa da metáfora. Nessa visão, o

papel dela no discurso era superficial, intensificando a elegância estilística por meio

de ornamentação linguística. Contudo, se examinarmos criticamente a metáfora no

contexto, veremos que ela é mais que isso, pois influi no tipo de julgamento de valor

que fazemos.

A visão interativa da metáfora rejeitou a visão de que as metáforas fossem

meros ornamentos linguísticos, chamando atenção para o fato de que elas são

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instrumentos cognitivos, pois a interação entre pensamentos de dois domínios da

metáfora (fonte e alvo) – leva a um novo entendimento.

Segundo Goatly (1997), os tipos mais ativos de metáforas exigem trabalho

considerável de interpretação, além da decodificação de sua semântica. Ele restringe

a metáfora a casos em que

um ato não convencional de referência ou coligação é entendido com base em alguma similaridade, associando ou envolvendo analogia no referente convencional ou em coligações da unidade e no referente real não convencional ou em coligações. (GOATLY, 1997, p. 16)

A literatura sobre a metáfora mostra uma terminologia que abrange: tenor/topic

e vehicle (GOATLY, 1997); source e target (CHARTERIS-BLACK, 2004; KÖVECSES,

2005; VELASCO-SACRISTÁN, 2010), mas Shie (2011) faz a distinção entre

source/target (para metáfora) e vehicle/target (para metonímia). Goatly (1997) fala

também em base para especificar as similaridades e/ou analogias envolvidas na

metáfora.

(a) Fonte (source) é o referente convencional da unidade;

(b) Alvo (target) é o referente não-convencional;

(c) Base similaridades.

Vejamos como a terminologia é aplicada no seguinte exemplo:

O passado é um país estrangeiro; eles fazem as coisas de modo diferente lá.

Alvo Fonte Base (similaridade)

A presente pesquisa adota os termos fonte e alvo, já que se trata da

nomenclatura adotada por Charteris-Black (2004) e toda a análise das expressões

metafóricas nesta pesquisa se baseia nesse teórico.

Para Charteris-Black (2004), a metáfora é um conceito relativo que não pode

ser definido por um único critério aplicável a todas as circunstâncias e que é

necessário incluir critérios linguísticos, pragmáticos e cognitivos. Isso porque não se

pode assegurar uma correspondência entre as intenções dos codificadores da

metáfora e as interpretações dos decodificadores; elas variam entre indivíduos, de

acordo com o contexto em que a metáfora ocorre.

A metáfora é um recurso usado na persuasão; isso porque ela representa um

modo novo de ver o mundo, que oferece alguma intravisão nova. Devido ao fato de

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ser persuasiva, a metáfora é muito usada discursivamente na linguagem retórica e

argumentativa. A metáfora é importante, então, tanto pela construção de

representações através, por exemplo, da personificação, quanto pela linguagem que

emerge de conceituações subjacentes ligando diferentes domínios da atividade

humana. A metáfora é efetiva na realização das metas subjacentes dos falantes de

persuadir o ouvinte, devido ao seu potencial em emocioná-los.

Nos últimos trinta anos, filósofos, psicólogos e linguistas têm aceitado o fato de

que a metáfora é indispensável para a língua e para o pensamento. Conscientemente

ou não, empregamos metáfora o tempo todo. Mas, mais importante que sua

ubiquidade (PAPROTTE; DIRVEN, 1985 apud GOATLY, 1997), as metáforas que

usamos estruturam nosso pensamento, escondendo alguns traços do fenômeno, ao

qual as aplicamos, e salientando outros.

Segundo Lakoff e Johnson (1980), as pessoas entendem a metáfora como um

assunto sobre palavras e não sobre pensamento, e que a metáfora serve como um

instrumento retórico e poético e, portanto, não usual no cotidiano. Os autores

mostram, entretanto, que a metáfora está presente não somente nas conversas

cotidianas, mas no pensamento e na ação das pessoas. Afirmam ainda que “nosso

sistema conceptual comum, em termos do qual pensamos e agimos, é

fundamentalmente metafórico por natureza”.

Sendo assim, os autores propõem tipos de metáfora conceptual, que cito aqui,

entretanto, eles não serão detalhados, uma vez que não usarei neste trabalho. Os

tipos de metáfora conceptual são: estrutural, de orientação, ontológica (envolvendo:

entidade e substância; de recipiente; campo visual; eventos, ações, atividades e

estado; personificação; metonímia).

Os linguistas cognitivistas, dentre eles, Kövecses, afirmam em geral a

existência de metáforas conceptuais com base em certas expressões linguísticas. É

importante esclarecer as noções de metáfora e de expressões metafóricas que serão

usadas na análise de O Ateneu. Charteris-Black (2004), mencionando o estudo

Metaphors We Live By, de Lakoff e Johnson (1980) fala da proposta principal dessa

abordagem de que “as expressões metafóricas são sistematicamente motivadas por

metáforas subjacentes (ou conceptuais)”, ou seja, de que uma ideia seria traduzida

em várias expressões metafóricas. Uma metáfora conceptual tem a forma A é B (e.g.

A vida é uma viagem), podendo vir na forma de expressões como (e.g. estar numa

encruzilhada, extraviar-se do caminho).

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Charteris-Black (2004) afirma que a abordagem semântico-cognitiva da

metáfora precisa ser complementada com uma análise de fatores pragmáticos, já que

as metáforas são sempre usadas num contexto específico de comunicação que

governa seu papel. Assim, suas características cognitivas não podem ser tratadas

isoladamente da sua função persuasiva no discurso.

A análise da metáfora deveria ser um componente central da análise do

discurso crítica (ADC). Isso porque as metáforas são usadas persuasivamente para

expressar avaliação, e por isso constituem parte da ideologia dos textos. Além disso,

como afirmam Lakoff e Johnson (1980, p. 55)

[...] as metáforas podem ter o poder de definir a realidade. Elas assim o fazem por meio de uma rede coerente de vínculos que realçam algumas características da realidade e ocultam outras.

Também, Charteris-Black afirma que a metáfora é vital na criação dessa

apresentação da realidade; é o que Fairclough (1995, p. 71) descreve como “a

configuração total das práticas discursivas de uma sociedade ou uma de suas

instituições”.

O autor afirma que o potencial pragmático da metáfora em evocar respostas

emotivas mostra que é exatamente essa a forma de ação verbal. A metáfora é, por

isso, central para a ADC uma vez que se relaciona com a formação de uma visão

coerente da realidade. A análise crítica de contextos de metáforas em corpora grande

pode revelar intenções subjacentes do produtor do texto e assim serve para identificar

a natureza de certas ideologias.

Voltando agora para os aspectos pragmáticos do que não é dito ou escrito, mas

comunicado no discurso, devemos nos deter nas noções psicológicas como

conhecimento prévio, crenças e expectativas. A noção de frame, traduzido por

enquadre, foi proposta por Minsky (1975, apud MUJIC, 2009) em sua teoria-do-

enquadre, e na semântica-do-enquadre, de Fillmore (1975, apud MUJIC, 2009).

Minsky explica que o conhecimento é estocado na memória em forma de estruturas

de dados, que representam eventos estereotipados. Fillmore (1975, p. 124) percebeu

inicialmente os enquadres como uma coleção de alternativas linguísticas, porém, mais

tarde, mudou sua concepção de enquadre atribuindo a ele a interpretação cognitiva

(FILLMORE; ATKINS, 1992, p. 75, apud MUJIC, 2009). Da mesma forma, Yule (1996,

p. 86) sugere que o enquadre é compartilhado por todos aqueles que pertencem a um

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grupo social, como algo semelhante a uma versão prototípica. E, somando a noção

de enquadre à teoria da metáfora, fica evidente que a percepção semântica da

metáfora pelo leitor/ ouvinte dependerá do seu enquadre.

2.2.2 A ironia

O que dá à ironia seu potencial subversivo é o fato de que, enquanto um

comentário irônico pode também estar intimamente relacionado a formas dominantes

de falar sobre algum evento, ele simultaneamente vai além e subverte as próprias

atitudes e opiniões que cita. A ironia pode, assim, encorajar os leitores a se

conscientizarem e avaliarem o que seria, de outro modo, aceito sem questionamento:

assim, essa consciência não precisa inventar uma linguagem de dissensão

completamente nova.

A maior parte da linguística corrente e das teorias pragmáticas sobre ironia, diz

El Refaie (2005), situa-se em dois grupos principais: as teorias neogriceanas, que

veem a ironia como uma linguagem não-literal, que viola uma (ou mais) máximas da

Cooperação Conversacional e que, em geral, expressa o oposto da forma literal. O

significado de um enunciado irônico é assim atingido via processamento e

subsequente rejeição de um significado literal. Dews e Winner (1999, p. 1580), por

exemplo, acreditam que o significado literal continue a afetar – ou ‘tingir’ – o significado

não-literal de um enunciado irônico, assim abafando o significado avaliativo expresso

pelo não-literal.

A segunda abordagem da análise da ironia enfatiza “a natureza ‘ecoica’ da

ironia” (KREUZ; GLUCKSBERG, 1989; WILSON; SPERBER, 1981). De acordo com

essa visão, um enunciado irônico cita sempre um enunciado de alguém – ou, às vezes,

uma norma implícita – enquanto expressa simultaneamente uma atitude de

desaprovação em relação ao enunciado ecoado.

A dificuldade principal com essas duas abordagens é que elas enfocam a ironia

verbal e, assim, são geralmente inadequadas para capturar a ampla gama de usos

possíveis de ironia. De fato, a ironia pode ocorrer de formas muito diferentes, como

ironias verbais ou situacionais; como intencionais ou não-intencionais; explícitas ou

implícitas (MUECKE, 1982).

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Clift (1999, p. 523) afirma que o escopo restrito da maioria das abordagens

correntes tem produzido teorias que são “ao mesmo tempo estreitas demais para

revelar o que seja a ironia, e amplas demais para iluminar o que a ironia faz”. De

acordo com Clift, a compreensão da ironia envolve a percepção de dois aspectos do

significado ao mesmo tempo. Ela adota a distinção de Goffman (1974) entre

"animador", a pessoa que articula um enunciado, seu "autor", a pessoa que o compõe,

e seu "principal", aquele que está comprometido com a proposição expressa no

enunciado. A ironia, ela diz, emerge da manipulação deliberada dessas distinções –

uma ‘mudança de footing’ – pelo ironizador.

A principal vantagem da abordagem de Clift é que ela é capaz de tratar de

várias formas de ironia verbal e situacional, tanto para a expressão de ironia verbal

quanto para a visual, diz El Refaie.

A meta do enquadre irônico de um significado é, geralmente, a entrega de uma

avaliação implícita, é um convite ao leitor/audiência para compartilhar da perspectiva

do ironizador. Isso torna a ironia especialmente adequada para a tarefa de expressar

a crítica, embora a avaliação implícita possa ser mais complicada e multinivelada do

que uma pura desaprovação. Contudo, se não for identificada pelo receptor, a ironia

simplesmente não é irônica. Como Booth (1974, p. 13) mostra, o que é surpreendente

na ironia “não é que ela deveria ser malsucedida como frequentemente acontece, mas

que ela deveria ser sempre bem-sucedida”.

Segundo Burgers et al. (2012), a ironia pode ser usada de vários modos. Alguns

pesquisadores sugerem que a ironia envolva vários subtipos (GIBBS; COLSTON,

2007). Contudo, poucos estudos têm focalizado a ironia em uso, e os estudos que

assim o fazem discordam sobre as distinções que podem ser feitas nos enunciados

irônicos. Assim, Gibbs (2000) analisa a hipérbole, a jocosidade e os enunciados

implícitos como subtipos de ironia, enquanto que Whalen et al. (2009) afirmam que

nenhum desses tipos de fala seja necessariamente irônico. Dado o fato de que a ironia

é de uso relativamente frequente - cerca de 8% dos turnos em conversa entre amigos

(GIBBS, 2000); 7.4% de e-mails enviados para amigos (WHALEN et al., 2009); 72.8%

de blogs (WHALEN; PEXMAN; GILL; NOWSON, no prelo, apud BURGERS et al.

(2012) - descobrir os modos pelos quais a ironia é usada em situações comunicativas

é um dos maiores desafios da pesquisa nos estudos da ironia (GIBBS; COLSTON,

2007).

Burgers et al. (2012) investigam o modo como a ironia é usada em diferentes

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situações comunicativas na modalidade escrita, já que a maioria dos estudos sobre

ironia em uso focaliza a comunicação falada (BRYANT et al., 2002; GIBBS, 2000).

Essa distinção é importante porque a ironia pode diferir de modo sutil e importante

entre a comunicação falada e a escrita. Por exemplo, em contraste com a ironia em

conversas (GIBBS, 2000), os escritores não podem "reparar" seus textos para melhor

compreensão do leitor, se este não entender a ironia.

A definição de ironia está longe de ser estabelecida, dizem Burgers et al., e tem

sido um tópico de muito debate entre os estudiosos. Em um estudo prévio, Burgers et

al. compararam as diferentes definições de ironia e descobriram que essas definições

concordavam em cinco pontos, que, assim, podem diferenciar a ironia da não-ironia.

Ela deve:

(a) ser avaliativa;

(b) ser baseada em incongruência entre o enunciado irônico e o cotexto ou

contexto;

(c) ser baseada em inversão da valência entre o literal e o significado pretendido;

(d) visar algum alvo;

(e) ser relevante para a situação comunicativa de algum modo (BURGERS et al.,

2011).

Os fatores irônicos apresentam níveis que diferem de um enunciado irônico a

outro. Assim, a ironia deve incluir a valência invertida, que pode ser alcançada de dois

modos. É possível que o significado literal da ironia seja positivo (elogio: "Essa é uma

boa ideia" se a ideia é pobre) ou negativo (depreciação: "Essa é uma má ideia" se a

ideia é muito boa). Isso significa que o fator da inversão da valência inclui subníveis

de elogio ou de depreciação. Em outras palavras, embora qualquer enunciado irônico

deva conter o inverso da valência avaliativa, a exata natureza dessa inversão pode

variar de um enunciado irônico a outro.

A ironia, portanto, é um recurso linguístico usado para fazer avaliação implícita

e, dessa forma, muito eficaz para promover ideologias na subjacência do texto. Visto

que em O Ateneu, o uso desse recurso atrelado ao diretor Aristarco é constante,

apoio-me na teoria de El Refaie (2005) e Burgers et al. (2012).

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2.3 Discurso como prática social: ideologia

Pode-se considerar que Althusser (1971) tenha fornecido as bases teóricas

para o debate sobre a ideologia, embora Voloshinov (1973) tenha sido uma importante

contribuição bem anterior, afirma Fairclough (1992). A seguir, apresento o conceito de

ideologia sob a perspectiva de alguns autores.

Fairclough (1992) tem em mente uma base teórica constituída por três

importantes asserções sobre ideologia. Primeiro, a asserção de que ela tem existência

material nas práticas das instituições, que abre o caminho para investigar as práticas

discursivas como formas materiais de ideologia. Segundo, a asserção de que a

ideologia “interpela os sujeitos”, que conduz à concepção de que um dos mais

significativos “efeitos ideológicos” que os linguistas ignoram no discurso, é a

constituição dos sujeitos. Terceiro, a asserção de que os “aparelhos ideológicos de

estado” (instituições tais como a educação ou a mídia) são locais e marcos

delimitadores na luta de classe que apontam para a luta no discurso.

As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se

tornam naturalizadas e atingem o status de “senso comum”; mas essa propriedade

estável e estabelecida das ideologias não deve ser muito enfatizada, porque a

“transformação” aponta a luta ideológica como dimensão da prática discursiva, uma

luta para remoldar as práticas discursivas e as ideologias nelas construídas.

Há também uma concepção textual da localização da ideologia, que se

encontra na Linguística Crítica: de que as ideologias estejam nos textos. Alegações

de descoberta dos processos ideológicos unicamente mediante a análise textual têm

o problema, agora familiar na sociologia da mídia, de que os “consumidores” de textos

(leitores e telespectadores) parecem às vezes bastante imunes aos efeitos das

ideologias que estão supostamente nos textos.

Fairclough (1992) prefere a concepção que localiza a ideologia tanto nas

estruturas, isto é, ordens de discurso, que constituem o resultado de eventos

passados, quanto nas condições para os eventos atuais e nos próprios eventos,

quando reproduzem e transformam as estruturas condicionadoras.

Outra questão importante sobre a ideologia, explica o autor, diz respeito aos

aspectos ou níveis do texto e do discurso que podem ser investidos ideologicamente.

Os sentidos das palavras são importantes, naturalmente, mas também o são outros

aspectos semânticos, tais como as pressuposições, as metáforas e a coerência (a

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importância da coerência na constituição ideológica dos sujeitos). Uma oposição

rígida entre “conteúdo” (ou “sentido”) e “forma” é equivocada porque os sentidos dos

textos são estreitamente interligados com as formas dos textos, e os aspectos formais

dos textos em vários níveis podem ser investidos ideologicamente.

Todo discurso é ideológico? As ideologias surgem nas sociedades

caracterizadas por relações de dominação com base na classe, no gênero social, no

grupo cultural, e assim por diante, e, à medida que os seres humanos são capazes de

transcender tais sociedades, são capazes de transcender a ideologia (FAIRCLOUGH,

1992). Nesse sentido, aplico a teoria de Fairclough em minha análise para responder

às duas perguntas de pesquisa: (a) qual é o papel da metáfora na construção da

ideologia presente em O Ateneu? e (c) como é feita a relação entre as escolhas

lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e

relações de força do discurso? Somando à noção de metáfora a de ideologia a fim de

superficializar a ideologia subjacente na obra O Ateneu.

2.3.1 Hegemonia

A hegemonia é a liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico,

político, cultural e ideológico de uma sociedade, ensina Fairclough (1992).

Enquanto a interpelação dos sujeitos é uma elaboração althusseriana, há em

Gramsci (1999) uma concepção de sujeitos estruturados por diversas ideologias

implícitas em sua prática, que lhes atribui um caráter “estranhamente composto” e

uma visão de “senso comum”, tanto como repositório dos diversos efeitos de lutas

ideológicas passadas quanto como alvo constante para a reestruturação nas lutas

atuais. Além disso, Gramsci (1999) concebia “o campo das ideologias em termos de

correntes ou formações conflitantes: sobrepostas ou cruzadas”, a que se referiu como

“um complexo ideológico”. Isso sugere um foco sobre os processos por meio dos quais

os complexos ideológicos são estruturados e reestruturados, articulados e

rearticulados.

Entretanto, a maior parte do discurso se sustenta na luta hegemônica em

instituições particulares (família, escolas, tribunais de justiça etc.) e não em nível da

política nacional: os protagonistas não são classes ou forças políticas ligadas de forma

relativamente direta a classes ou a blocos, mas professores e alunos, a polícia e o

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público ou mulheres e homens.

Gramsci (1999) afirma que embora a hegemonia pareça ser a forma

organizacional de poder predominante na sociedade contemporânea, não é a única.

Há também os resíduos de uma forma anteriormente mais evidente em que se atinge

a dominação pela imposição inflexível de regras, normas e convenções. Isso parece

corresponder a um modelo, “código” de discurso, que considera o discurso em termos

da concretização de códigos com molduras e classificações fortes, e a uma prática

normativa altamente arregimentada. Tal modelo contrasta com o que poderíamos

chamar o modelo de “articulação” de discurso descrito anteriormente, que

corresponde à forma organizacional hegemônica. Os modelos “código” são altamente

orientados para a instituição, enquanto os modelos “articulação” são mais orientados

para o cliente/público; comparem-se formas tradicionais e formas mais recentes do

discurso de sala de aula ou do discurso médico-paciente.

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3 METODOLOGIA

A presente pesquisa é o exame de cunho pragmático-cognitivo crítico das

metáforas que envolvem o diretor Aristarco, como processo persuasivo na construção

do texto O Ateneu, de Raul Pompeia. A análise tem o apoio teórico-metodológico da

Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY e MATHIESSEN,

1999), uma metodologia que se apoia na gramática-da-oração para explicar o modo

como os traços da estrutura superficial do texto comunicam relações de poder no nível

profundo. Portanto a LSF permite relacionar as escolhas feitas na microestrutura

lexicogramatical do texto com a macroestrutura nas relações de força e de ideologia

no discurso e, nesse sentido, une-se à teoria do cognitivismo no que tange à

contribuição da metáfora e da ironia na análise da ideologia em O Ateneu.

Retomando as perguntas de pesquisa: (a) Qual é o papel da metáfora na

construção da ideologia presente em O Ateneu? Para responder a essa pergunta,

primeiramente, serão levantadas as expressões metafóricas e identificadas as

metáforas envolvendo o diretor Aristarco ao longo dos capítulos selecionados, para

uma análise posterior da ideologia que há nessas metáforas. A segunda pergunta: (b)

Que escolhas lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas

nesse processo? Será respondida por meio de análise dos processos - transitividade

- e da atitude - avaliatividade -, já que ambas teorias dão suporte à análise da

microestrutura. A última pergunta: (c) Como é feita a relação entre as escolhas

lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e

relações de força do discurso? Para tal questão, ao final de cada capítulo selecionado,

será feita uma análise que unirá as expressões metafóricas e as escolhas

lexicogramaticais e, à luz das teorias da metáfora, ironia, ideologia e hegemonia,

demonstrará o processo persuasivo de O Ateneu .

O Quadro 8 a seguir resume as teorias das quais resultam as categorias de

análise.

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Quadro 8: Da fundamentação teórica - As teorias que embasam a análise de O Ateneu

Análise com o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional, que verifica a relação entre a

macroestrutura da ideologia com a microestrutura das escolhas lexicogramaticais.

A macroestrutura: ideologia/ hegemonia

Que conta com o enquadre mental do leitor para efetivação de:

Metáfora – Ironia - Metarrelação da avaliatividade

A microestrutura

Transitividade

Avaliatividade

Fonte: Vallezi (2018)

3.1 Dados

A análise contempla os capítulos I, IV ,VIII, XI e XII do romance O Ateneu, de

Raul Pompeia, na versão publicada em 1999, pela Editora Klick, Coleção Vestibular

Estadão. Os capítulos foram selecionados devido ao número elevado de expressões

metafóricas envolvendo o diretor Aristarco. Em uma leitura minuciosa de cada

capítulo, considerando as descrições de ação e estado que o narrador faz sobre

Aristarco, foram encontrados os seguintes números de ocorrências de expressões

metafóricas relacionadas ao diretor: capítulo I (27); capítulo II (9); capítulo III (9);

capítulo IV (19); capítulo V (2); capítulo VI (3); capítulo VII (5); capítulo VIII (21);

capítulo IX (3); capítulo X (0); capítulo XI (22); capítulo XII (11).

Serão analisadas apenas as expressões que se referem a essa personagem

porque Aristarco é a autoridade do Ateneu, ele está no topo da pirâmide hierárquica

do internato. Segundo Schwarz, Aristarco exerce papel central na obra “O romance

cresce quando evoca Aristarco, pois esse é a sua criação mais pura...” (SCHWARZ,

1981, p. 29). O autor ainda afirma que Aristarco e o livro são um “O estilo pessoal de

Aristarco e o estilo do livro, que dá conta de sua pessoa, são uma e a mesma coisa.”

Portanto, embora pareça que o narrador Sérgio, supostamente, alterego de Pompeia

(PONTES, 1935), seja a personagem central, na verdade, é o diretor quem melhor

simboliza as relações de poder dentro daquele microcosmo que Raul Pompeia

propõe-se a descrever.

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70

3.2 Procedimentos de análise

A análise de O Ateneu seguirá os seguintes passos:

(a) Inicialmente, por se tratar de uma investigação focada principalmente em

avaliações implícitas sobre metáfora e ideologia, segue-se a orientação dos

sistemicistas (GOATLY, 1997), com o fim de diminuir a subjetividade da

análise, caracterizando o contexto em que ocorrem os capítulos analisados, o

que será feito com o exame do registro, envolvendo suas variáveis: campo (o

assunto tratado no trecho), relações (os interactantes envolvidos no assunto)

e modo (características da linguagem que relata o assunto).

(b) Feito isso, em cada um dos capítulos selecionados serão analisadas todas as

palavras ou frases que remetam a expressões metafóricas, segundo a

definição de Lakoff e Johnson (1980), relacionadas ao diretor Aristarco. Estas

serão analisadas pela perspectiva da análise crítica da metáfora.

(c) A seguir, as mesmas expressões metafóricas de cada capítulo serão

examinadas com o apoio do sistema da transitividade (HALLIDAY, 1994) e da

avaliatividade (MARTIN, 2000). Neste ponto, todos os processos que envolvem

o diretor dentro das expressões metafóricas serão analisados pela

transitividade e, com base nos dados obtidos, será possível verificar quais os

processos mais frequentes em relação ao comportamento do diretor e atribuir

sentido, do ponto de vista do padrão de ocorrências, conforme a teoria proposta

por Halliday (1994). Quanto à análise da avaliatividade, serão levantadas

palavras e frases que resultam em expressões metafóricas, analisadas quanto

à atitude (afeto, julgamento e apreciação) e à graduação, se aparecem em

forma de avaliatividade explícita (inscrita) ou implícita (token) e, também, se

elas acontecem de forma positiva ou negativa. Concomitante à teoria da

avaliatividade, será aplicada a teoria da ironia para análise dos tokens, uma vez

que muitos dos tokens de julgamento negativo são evidentemente irônicos.

(d) Por fim, a partir dos dados obtidos na análise da transitividade e da

avaliatividade das expressões metafóricas, será possível examinar a relação

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71

entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do texto com a

macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso no processo

persuasivo do texto. As relações hegemônicas no Ateneu serão

superficializadas por meio da análise da microestrutura.

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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO I

4.1 Contexto situacional - análise do registro

Estabeleço, a seguir, conforme mencionado no capítulo anterior, a análise do

contexto situacional - ou registro - do capítulo I, a ser analisado, especificando campo,

relações e modo.

Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas

quanto à avaliatividade e à transitividade.

4.1.1 Campo

O capítulo I de O Ateneu inicia-se com a primeira visitação do menino Sérgio,

ao colégio, acompanhado por seu pai. O protagonista adentra nas dependências do

internato em um dia de festa de encerramento das atividades escolares, encanta-se

com os discursos dos professores e com a figura soberana do diretor “O espetáculo

comunicava-me certo prazer respeitoso.” (POMPEIA, 1999, p. 14), assiste aos desfiles

e aos exercícios com profunda admiração, após o quê, é apresentado ao diretor.

4.1.2 Relações

Sérgio interage com o pai, que usa poucas palavras para apresentar o internato

ao filho. De acordo com sua fala, fica claro para o leitor que o pai já conhece o colégio,

já vivenciou a luta de que fala no início da narrativa “Vais encontrar o mundo, disse-

me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” (POMPEIA, 1999, p. 11). O

menino conhece o diretor do internato, Aristarco, que se mostra, ao mesmo tempo,

um diretor severo quanto às normas e um pai para os alunos obedientes e assíduos

à mensalidade. De acordo com as reflexões de Sérgio adulto, a dualidade do diretor

evidencia-se logo nos primeiros contatos com o menino: deus e homem, educador e

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empresário, diretor e pai “Dava-me gosto então a peleja renhida das duas imagens

[...] fazendo aliança com Aristarco II contra Aristarco I, no reino da fantasia.”

(POMPEIA, 1999, p. 20).

4.1.3 Modo

Sérgio/Pompeia usa o pretérito imperfeito para as descrições do colégio, do

diretor e dos seus sentimentos. Recorre ao pretérito perfeito para narrar as situações

passadas e ao mais-que-perfeito para narrativas de fatos anteriores ao seu ingresso

no Ateneu.

Os hipérbatos e as alegorias são recorrentes no texto, o que atribui sofisticação

à escrita.

4.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo

foram analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de

análise concentre as principais ocorrências.

Aristarco rei/governador

Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso

Aristarco é rei/governador

Alvo Fonte

“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do

Norte, enchia o Império com o seu renome de pedagogo.”

“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei [...]”

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“[...] o autocrata excelso dos silabários [...]”

“Lá estava o diretor, o Ministro do Império, a comissão dos prêmios.”

“Em grande tenue dos dias graves, sentava-se elevado no seu orgulho como em um

trono.”

“Pusera de parte o comedimento soberano que eu lhe admirara na primeira festa.”

“Aristarco, sentado, de pé, cruzando terríveis passadas, imobilizando-se a repentes

inesperados, gesticulando como um tribuno de meetings, clamando como para um

auditório de dez mil pessoas, majestoso sempre, alçando os padrões admiráveis

[...].”

Aristarco gigante

Aristarco é gigante → metáfora = grande/temido

Aristarco é gigante

Alvo Fonte

“A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura

dizia dele: aqui está um grande homem... não veem os côvados de Golias?!”

“O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico, fazia-o incivilmente desaparecer

na brutalidade de um contraste escandaloso.”

“Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, arrematou o rapto de

eloquência.”

Aristarco deus

Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso

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Aristarco é deus

Alvo Fonte

“Acima de Aristarco - Deus! Deus tão-somente; abaixo de Deus - Aristarco.”

“Gozava a sensação prévia, no banho luminoso, da imortalidade a que se julgava

consagrado.”

“As letras, de ouro, ele, imortal: única diferença.”

“Consumira-se naturalmente o infeliz, cremado ao fogo daquele olhar!”

“[...] nem um segundo o destituí da altitude de divinização em que o meu critério

embasbacado o aceitara.”

Aristarco animal

Aristarco é animal → metáfora = temido/ forte

Aristarco é animal

Alvo Fonte

“[...] sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz

as almas circunstantes [...]”

“[...] viam-no formidável, com o perfil leonino rugir sobre um discípulo que fugira aos

trabalhos [...]”

“[...] adoção de normas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia, perspicaz como

as águias.”

Aristarco anúncio

Aristarco é anúncio → metáfora = enganador

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Aristarco é anúncio

Alvo Fonte

“Não só as condecorações gritavam-lhe o peito como uma couraça de grilos: Ateneu!

Ateneu! Aristarco todo era um anúncio.”

“O anúncio confundia-se com ele, suprimia-o, substituía-o, e ele gozava como um

cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.”

“Uma hora trovejou-lhe à boca, em sanguínea eloquência, o gênio do anúncio.”

Aristarco empresário/interesseiro

Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante

Aristarco é empresário/interesseiro

Alvo Fonte

“[...] a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia

para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público [...]”

“[...] evidenciou as faturas do seu coração.”

“[...] como um leiloeiro, e as opulentas faturas, desenrolou, com a memória de uma

última conferência, a narrativa dos seus serviços à causa santa da instrução.”

“Contemplávamos (eu com aterrado espanto) distendido em grandeza épica – o

homem sanduíche da educação nacional.”

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4.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas

envolvendo o diretor Aristarco

Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.

Metáfora: Aristarco é rei/governador

“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos,

Ator

enchia o Império com seu renome de pedagogo.” JULGAMENTO (-) token Material Meta

Discussão: considerando-se a análise da avaliatividade em nível do discurso, “encher o Império com o seu renome de pedagogo” é julgamento (-) token porque, embora pareça um elogio, implicitamente é uma crítica ao modo como o diretor dirigia seu internato, como um soberano com poder absoluto.

“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei [...]”

JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

Discussão: as palavras “soberano” e “rei” estão aqui empregadas de forma negativa para enfatizar o poder de Aristarco.

“[...] o autocrata excelso dos silabários [...]” JULGAMENTO (-)

Discussão: a análise da avaliatividade do termo “autocrata” foi julgamento (-) sem token porque o léxico escolhido já tem sua carga negativa “quem tem poder ilimitado e absoluto.”

“Lá estava o diretor, o Ministro do Império, a comissão dos prêmios.”

JULGAMENTO (-) token

Relacional Identificador

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“Em grande tenue dos dias graves, sentava-se

Comportamental

elevado no seu orgulho como em um trono.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: a palavra “orgulho” aqui tem um sentido negativo, por isso julgamento (-) token, o leitor atento percebe que se está construindo uma imagem negativa de Aristarco.

“Pusera de parte o comedimento soberano

JULGAMENTO (-) token

Material que eu lhe admirara na primeira festa.”

“Aristarco, sentado, de pé, cruzando terríveis passadas, imobilizando-se

Comportante Comportamental Comportamental Comportamental

a repentes inesperados, gesticulando como um tribuno de meetings,

JULGAMENTO (-) token

Comportamental

clamando como para um auditório

JULGAMENTO (-) token

Verbal

Discussão: tribuno de meetings = expressão do inglês que significa alguém que faz um comício. Aristarco aparece como um líder político, não como um diretor, com gestos calculados “cruzando, gesticulando, imobilizando-se, clamando” de quem quer representar um papel.

de dez mil pessoas, majestoso sempre,

↑ JULGAMENTO (-) token

alçando os padrões admiráveis [...]”

Material

Discussão: o adjetivo “majestoso” foi empregado de forma irônica, daí ser julgamento (-) token.

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Metáfora: Aristarco é gigante

“A própria estatura , na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele:

Dizente Verbal

aqui está um grande homem... não veem os côvados de Golias?!” JULGAMENTO (-) token

Relacional Portador

Discussão: o adjetivo “grande” anteposto ao substantivo se refere a caráter, no entanto, neste caso, adota o sentido de tamanho, significando que Aristarco só poderia ser grande em estatura, jamais em caráter. Devido à sutileza na escolha do escritor, podemos afirmar que se trata de um julgamento (-) token.

“O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico,fazia- o incivilmente desaparecer

JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FOCO ↑

Ator Material Alcance Material

na brutalidade de um contraste escandaloso.”

GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token

Discussão: embora o diretor esteja sendo elogiado pela sua estatura, muito superior a do ministro, as escolhas lexicais “incivilmente, brutalidade e escandaloso” remetem a um posicionamento negativo.

“Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, JULGAMENTO (-) token

Ator

arrematou o rapto de eloquência.”

Material Meta

Metáfora: Aristarco é deus

“Acima de Aristarco - (está) Deus! Deus tão-somente ; JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FOCO ↑

abaixo de Deus - (está) Aristarco.”

JULGAMENTO (-) token

Relacional Portador

Discussão: o quiasmo Aristarco – Deus, Deus – Aristarco coloca o diretor em posição equivalente a de Deus, pois não importa a ordem dos substantivos.

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“Gozava a sensação prévia, no banho luminoso,

Mental Fenômeno

da imortalidade a que se julgava consagrado.” JULGAMENTO (-) token

Fenômeno Mental

Discussão: a escolha “a que se julgava” deixa claro que Aristarco se colocava na posição de deus no colégio. Nesse sentido, o narrador começa a construir uma imagem de empoderamento do diretor, uma imagem construída pelo próprio Aristarco.

“As letras , de ouro, ele, (era) imortal: única diferença.”

JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

“Consumira-se naturalmente o infeliz, foi cremado ao fogo daquele olhar!” JULGAMENTO (-) token

Material Ator

Discussão: bastava um olhar de Aristarco para os alunos mudarem de atitude, não por respeito, mas por medo daquele deus implacável, que consome com o olhar, usando a metáfora do autor. Aristarco defendia a monarquia, enquanto, sabe-se pelas biografias, que Raul Pompeia era republicano. Vê-se o posicionamento político do autor defendido de forma velada na figura do aluno, a que ele chama de “republicano”, “rebelde”. Mesmo o aluno resistente ao sistema, é facilmente desencorajado pelo rei-diretor.

“[...] nem um segundo ) o destituí da altitude de divinização GRADUAÇÃO FOCO ↑ JULGAMENTO (-) token

em que o meu critério embasbacado o aceitara.”

Discussão: Sérgio endeusa Aristarco no sentido de ser intocável, poderoso. Essa visão do menino vai-se modificando ao longo dos capítulos, quando ele percebe que o diretor não é movido por uma força transcendental, mas sim por dinheiro.

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Metáfora: Aristarco é animal

“[...] sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, JULGAMENTO (-) token

penetrando de luz as almas circunstantes.”

Material Meta

Discussão: “monstro japonês” na cultura japonesa significa sabedoria, força, poder e riqueza; aqui, assume uma conotação negativa, por isso julgamento (-) token, já que Aristarco usa esse poder para intimidar, inibir os alunos, apenas com o olhar “sob a crispação áspera dos supercílios”.

“[...] viam-no formidável, com o perfil leonino rugir sobre um discípulo JULGAMENTO (-) token

Comportamental Alcance

que fugira aos trabalhos [...]”

Discussão: o leão é conhecido em diversas culturas como um animal forte, temido por outros animais menores da floresta. Medo, temor são os sentimentos dos alunos com relação a Aristarco.

“[...] adoção de normas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia,

Experienciador Mental

perspicaz como as águias.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: embora “perspicaz” seja um epíteto positivo, quando associado à águia, pássaro que usa a perspicácia no momento da caça e para autodefesa, assume, então, um sentido implicitamente negativo.

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Metáfora: Aristarco é anúncio

“Não só as condecorações gritavam-lhe o peito como uma couraça de

JULGAMENTO (-) token

grilos: Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anúncio.”

GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

“O anúncio confundia-se com ele, suprimia-o, substituía-o, e ele gozava

JULGAMENTO (-) token

Comportante Comportamental

como um cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: aqui a metáfora se deu em sua forma mais rudimentar, como comparação explícita. Comparar de maneira direta Aristarco a um cartaz-propaganda, além de qualificá-lo como objeto, coloca-o na posição de comerciante e não de diretor de uma instituição de ensino. Embora a crítica esteja explícita, a classificação da avaliatividade está como token de atitude, pois a atmosfera construída por Pompeia é positiva, como se fosse algo natural.

“Uma hora trovejou- lhe à boca, em sanguínea eloquência,

Comportamental Comportante

o gênio do anúncio.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: em “gênio do anúncio”, “gênio” é epíteto positivo, mas, no contexto, é irônico, devendo ser entendido como negativo.

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Metáfora: Aristarco é empresário/interesseiro “[...] a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, (a cada passo),

que ele fazia para levar adiante, de empurrão, JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA ↑

Ator Material Material

o progresso do ensino público [...]”

Alcance

Discussão: o que torna o julgamento (-) token é a graduação de força “de empurrão”, que dá a impressão de que a ação do diretor, com relação ao ensino, é grosseira, malfeita.

“[...] evidenciou as faturas do seu coração.” JULGAMENTO (-) token

Material Alcance

Discussão: a palavra “fatura”, ligada a coração, evidencia o Aristarco empresário em sua essência.

“[...] como um leiloeiro, e as opulentas faturas, desenrolou, JULGAMENTO (-) token

Verbal com a memória de uma última conferência,

a narrativa dos seus serviços à causa santa da instrução.” JULGAMENTO (-) token

Alvo

Discussão: novamente Pompeia recorre à comparação explícita e à associação diretor de escola e leiloeiro; como se a educação fosse negócio, de maneira tão explícita, que choca o leitor. Esta comparação se torna mais acentuada com a ironia do termo “santa” para “causa da instrução”.

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“Contemplávamos (eu com aterrado espanto) distendido em grandeza épica

- o homem sanduíche da educação nacional.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: “homem sanduíche” se refere implicitamente ao educador e empresário Aristarco. A avaliatividade é negativa em forma de token porque a preocupação do diretor, como se pode notar, ao longo da narrativa, é unicamente com o valor arrecadado, e não com a educação dos internos.

4.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso

A obra O Ateneu não se trata apenas de mais uma autobiografia; como afirma

Oliveira (1978), trata-se de “uma experiência nacional: a do colégio como microcosmo

social”; e como tal, fundamentada em uma hierarquia que se baseia no poder

econômico e na posição social. Nesse sentido, posso dizer que o Ateneu representa

a sociedade imperialista do século XIX, tendo como imperador o diretor Aristarco. A

biografia de Raul Pompeia aponta um escritor engajado na política, que produzia

artigos, ensaios, participava de comícios a favor da República e da abolição

(CURVELLO, 1981).

Partindo do pressuposto de que Aristarco representa um imperador, considero

as seguintes escolhas lexicais como expressões metafóricas: “império”, “soberano”,

“rei”, “autocrata”, “trono”, “majestoso” que formam a metáfora - Aristarco é rei,

conforme a teoria de Li (2010). Essa metáfora revela o posicionamento de Raul

Pompeia contra o imperialismo daquela época no Brasil e do menino Sérgio contra o

imperialismo do diretor Aristarco. Sendo assim, fica evidente o viés político-ideológico

da obra.

Como se trata do capítulo I, os primeiros momentos de Sérgio no internato, ele

tem ainda uma visão muito turva e hiperbólica acerca do diretor, portanto, as

metáforas: Aristarco é rei, Aristarco é gigante, Aristarco é deus, Aristarco é animal são

recorrentes no capítulo e constroem uma grande metáfora - Aristarco é poder. Essa

construção cria uma imagem do diretor, a qual, aos poucos, vai-se consolidando na

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mente do leitor, sem que ele perceba (LI, 2010).

Essa metáfora maior - Aristarco é poder – consolidada ao longo do capítulo, é

construída a partir de uma série de escolhas lexicais que estabelecem o que Li (2010)

chama de coesão lexical. Embora a coesão seja necessária para manutenção da

coerência textual, segundo Van Dijk (1988, p. 177), trata-se de mais, é "um eminente

aspecto do texto em que opiniões e ideologias escondidas podem se superficializar”.

Já que as escolhas lexicais servem de recurso para superficializar ideologias e,

portanto, não podem ser vistas como escolhas gratuitas, torna-se necessário, para

análise mais profunda, mapeá-las. Assim, há, como expressões metafóricas

representando o diretor - Aristarco é deus: “abaixo de Deus - Aristarco”, “imortal”, “fogo

do olhar”, “altitude de divinização”; expressões representando Aristarco é animal:

“monstro japonês”, “perfil leonino”, “perspicaz como a águia”; expressões

representando Aristarco é empresário/ interesseiro: “faturas do coração”, “leiloeiro” e

“homem sanduíche da educação”; dentre outras expressões. Em todo o capítulo I, é

possível encontrar essas expressões substituindo os nomes Aristarco e diretor para

manter a coesão textual. A teoria da coesão lexical une-se à da metáfora conceptual

de Lakoff e Johnson (1980), pois ambas defendem o pressuposto de que essas

escolhas não se tratam somente de recursos estilísticos e estruturais, carregam um

viés ideológico e levam o leitor a ter determinadas experiências com a leitura;

conforme cita Fairclough (1995, p. 71), a metáfora cria uma realidade na mente do

leitor, persuadindo-o.

Além da coesão lexical e da metáfora, um outro meio de validar a

ideologia pretendida com a obra em questão é o uso da ironia. A teoria da ironia de

Burgers et al. (2012) também se alinha à outra teoria, a da avaliatividade, de Martin

(2000), por isso são aplicadas nesta análise. Segundo Burgers et al. (2012), a ironia

deve incluir a valência invertida, que pode ser alcançada de dois modos: positivo (por

elogio) ou negativo (por depreciação); conforme Martin (2000), a avaliatividade

positiva ou negativa dá-se de forma explícita ou implícita, em forma de token.

Tomando por base as duas teorias, no capítulo citado, praticamente todas as

expressões metafóricas foram analisadas, na teoria da avaliatividade, como

julgamento (-) token, apesar de, em muitos trechos, a avaliatividade parecer positiva,

pois não se usou nenhum epíteto desqualificador, na verdade, tratava-se de ironia,

valência invertida positiva, que para a avaliatividade torna-se negativa em forma de

token, por não ter sido explícita. É possível fazer essa leitura oposta considerando-se

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a noção de enquadre do leitor, a representação mental de seu conhecimento de

mundo; nesse sentido, cada escolha feita pelo escritor pode desencadear no leitor

uma rede de associações presentes no termo escolhido (DIRVEN; ILIE, 2001, p. I).

Seguem alguns exemplos de avaliatividade que aparentam ser positivas, mas foram

avaliadas como irônicas e como julgamento (-) token: “O Dr. Aristarco Argolo de

Ramos [...] enchia o Império com o seu renome de pedagogo”, “ator profundo”, “o

gênio do anúncio”, “o homem sanduíche da educação”. Considerando-se que a teoria

da metarrelação (relações semânticas), de Macken-Horarik (2003), possibilita

interpretar as escolhas de avaliatividade de um texto, é possível decodificar da análise

feita até aqui que a categoria de metarrelação foi de confirmação, visto que, ao longo

de todo o capítulo, a avaliatividade de atitude foi predominantemente de julgamento (-

) token.

A grande questão é: por que o autor não é direto em suas críticas ao diretor?

Por que ao descrevê-lo se vale da ironia e do julgamento (-) token? Para esses

questionamentos El Refaie (2005) diz que a ironia geralmente é a entrega de uma

avaliação implícita, é um convite ao leitor para compartilhar da perspectiva do

ironizador. O mesmo teórico afirma que a ironia encoraja o leitor a ter mais atenção a

uma passagem que, talvez, passasse despercebida, se não fosse irônica. Portanto a

crítica e a imagem negativa que se quer construir acerca do diretor torna-se muito

mais sólida feita por meio de tokens e ironicamente. Em um artigo sobre a obra O

Ateneu, Valle (2010) comenta a respeito do uso da figura de linguagem - ironia - por

Pompeia “Dispensando à entrelinha o conteúdo verdadeiro do discurso, Sérgio acaba

por reproduzir [...] o “princípio construtivo” deste universo – como se, para acessar o

sentido real das coisas, fosse necessário violentar as aparências da expressão.”

Tendo em vista os resultados da análise da avaliatividade, ligada à metafunção

interpessoal, agora, a análise partirá do ponto de vista da metafunção ideacional,

relacionada aos processos que envolvem o diretor Aristarco. Considerando esse

recorte, os processos mais frequentes foram: o material (13), o comportamental (8) e

o relacional (6), os demais processos não apareceram em quantidade relevante. Com

base na teoria de Halliday (2004), o que se pode afirmar com esses dados é que a

personagem Aristarco sempre aparece como ator, aquele que realiza. O segundo

processo mais frequente, envolvendo o diretor, é o comportamental, que, conforme

declara Halliday (2004), trata-se de um processo muito próximo ao material, com o

acréscimo sutil da fisiologia humana; de qualquer forma, o diretor realiza, enquanto

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que os alunos sempre aparecem como meta nessa relação. Quanto à incidência de

processo relacional no mesmo capítulo, ocorre com frequência por se tratar de um

processo utilizado para descrever a personagem, caracterizá-la; visto que se trata do

primeiro capítulo, é natural que esse processo seja frequente.

Com a análise da avaliatividade, da transitividade e das expressões metafóricas

no capítulo I, coloca-se uma lupa na microestrutura, tornando visível a ideologia, até

então, imersa no texto. As ideologias embutidas nas práticas discursivas, quando se

tornam naturais, são muito eficazes segundo Fairclough (1992). O discurso, conforme

a definição para discurso de Lakoff e Johnson (1980), que emana do texto, nesse

capítulo inicial é de um diretor grandioso à vista dos alunos, um deus, um rei que

possui onipotência e poder absolutos. Então, a luta hegemônica no Ateneu, entre

diretor e alunos, na verdade, representa a hegemonia no macrocosmo social, em que

o domínio do mais forte prevalece sobre o mais fraco. Esse é o discurso construído

ao longo do capítulo, que fideliza a crítica de Pompeia e persuade o leitor de forma

sutil.

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5. ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV

5.1 Contexto situacional - análise do registro

Segue a análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo IV, a ser

analisado, especificando campo, relações e modo.

Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas

quanto à avaliatividade e à transitividade.

5.1.1 Campo

No capítulo IV, o narrador Sérgio apresenta o livro de notas do Ateneu ao leitor.

Um livro em que os professores registravam suas avaliações sobre cada aluno. O

diretor lia-o periodicamente no pátio, de maneira que os alunos eram expostos de

forma vexatória perante todo o colégio. Nesse ponto da narrativa, começava a tornar-

se habitual para o menino Sérgio ser citado no livro de notas, por isso recebia olhares

fulminantes do professor Mânlio e do diretor, entretanto, nenhuma penalidade lhe era

imputada, pois seu pai era assíduo no pagamento da mensalidade.

5.1.2 Relações

Sérgio apresenta-se nesse capítulo como um aluno que conhece o

funcionamento do Ateneu e já não sonha mais com um internato que substitua o lar.

O medo que, até então, o menino tinha de Aristarco, nesse ponto da narrativa,

dissipou-se. Ele até consegue mentir quando indagado sobre o episódio com o aluno

Franco, em que este joga cacos de vidro no local do banho, e Sérgio age como seu

cúmplice, não fazendo nada para impedi-lo.

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5.1.3 Modo

Raul Pompeia usa nesse capítulo parágrafos curtos, em alguns momentos,

para descrever Aristarco. Em muitos deles a descrição é feita por meio de comparação

a rei e deus, como no trecho que em que ele diz que ninguém conseguiria tocar sua

“túnica púrpura”, fazendo alusão à história bíblica da mulher que sofria com fluxo de

sangue há doze anos e tocou na túnica de Jesus para ser curada.

5.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram

analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise

concentre as principais ocorrências.

Aristarco rei/governador

Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso

Aristarco é rei/governador

Alvo Fonte

“[...] o diretor aparecia a uma porta, com a solenidade tarda das aparições, e abria o

memorial das partes.”

“[...] manto sobrenatural que Aristarco passava aos ombros, revelando do estofo

nada mais que o predicado de majestade [...]”

“Sentia-se, porém, o influxo da realeza impalpável.”

“[...] um simples olhar do diretor imobilizava o colégio fulminantemente, como se

levasse no brilho ameaças de todo um despotismo cruento.”

“O diretor manobrava este talento de império com a perícia do corredor sobre o pur

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sang sensível.”

“Sorria então no íntimo, do efeito pavoroso das armadilhas, e cofiava os majestosos

bigodes brancos de marechal, pausadamente, como lambe o jaguar ao focinho a

pregustação de um repasto de sangue.”

Aristarco juiz

Aristarco é juiz → metáfora = autoridade

Aristarco é juiz

Alvo Fonte

“[...] descarregava com o livro às costas do condenado, agravante de injúria e

escárnio à pena de difamação.”

“[...] Aristarco limitava-se a sublinhar com uma ponderação qualquer a sentença

catedrática [...]”

“Às vezes enlaçava com dois dedos o menino pela nuca e o voltava, fremente e

submisso, para o colégio atento, oferecendo-o às bofetadas da opinião: “Vejam

esta cara!...”

“Em presença do diretor, no escritório inquisitorial improvisei uma mentira.”

Aristarco deus

Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso

Aristarco é deus

Alvo Fonte

“Aristarco foi clemente. Era a primeira vez, perdoou.” “Aludi várias vezes ao revestimento exterior de divindade com que se apresentava

habitualmente Aristarco.”

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“Aristarco fazia aparições, de súbito, a qualquer das portas [...]”

“Nos momentos de ira e de exaltações eloquentes é que sabia fazer-se em verdade

divino.”

“[...] tomou a palavra num tom solene de revelação e referiu, com toda a grandeza

de que era suscetível [...]”

“O porco!” bramia Aristarco. “O grandíssimo porco!” repetia como um deus fora de

si.”

5.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas

envolvendo o diretor Aristarco

Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.

Aristarco é rei/governador

“[...] o diretor aparecia a uma porta, com a solenidade tarda das aparições

JULGAMENTO (-) token

Existente Existencial

, e abria o memorial das partes.”

Material Meta

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“[...] manto sobrenatural que Aristarco passava aos ombros,

APRECIAÇÃO (-) token

Ator/ Comportante Material

revelando do estofo nada mais que o predicado de majestade [...]”

AFETO (-) token

Comportamental Alcance

Discussão: o manto de majestade já atribui a Aristarco a condição de rei, porém o manto é acrescido de qualidade “sobrenatural”, então além dos poderes de um soberano, o diretor possui poder sobrenatural, como um deus.

“Sentia-se, porém, o influxo da realeza impalpável.” AFETO (-) token

Discussão: esse trecho faz referência à história bíblica da mulher que sofria há doze anos de um fluxo de sangue e, ao tocar no manto de Jesus, ela foi curada. Em O Ateneu, Aristarco é o deus “impalpável”. Enquanto as pessoas conseguiam tocar nas vestes de Cristo; no manto de Aristarco os alunos não tocavam. A ideologia que emerge dessa passagem é a de que o diretor é um deus inacessível.

“[...] um simples olhar do diretor imobilizava o colégio fulminantemente,

GRADUAÇÃO FORÇA (↑)

Ator Material Meta

como se levasse no brilho ameaças de todo um despotismo cruento.”

JULGAMENTO (-) token

Material Meta

“O diretor manobrava este talento de império

JULGAMENTO (-) token

Ator Material Meta

com a perícia do corredor sobre o pur sang sensível.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: nesse momento da narrativa, Sérgio está descrevendo como Aristarco apresentava-se para os alunos. O leitor atento pode perceber a ironia no uso do verbo “manobrar” e do substantivo “talento”; significando a manipulação precisa de Aristarco em relação aos alunos. A comparação da atitude dele com a de um corredor sobre um cavalo, reforça a ironia.

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“Sorria então no íntimo, do efeito pavoroso das armadilhas, e cofiava

JULGAMENTO (-) token

Comportamental Material

os majestosos bigodes brancos de marechal, pausadamente,

APRECIAÇÃO (-) token

como lambe o jaguar ao focinho a pregustação de um repasto de sangue.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: na visão de Sérgio, Aristarco tem bigode de rei e comportamento de jaguar, ambos são fortes e poderosos, entretanto a comparação com o jaguar revela um diretor com poder de ameaça ainda maior, de acordo com o conhecimento do leitor sobre esse felino, por isso julgamento (-) em forma de token.

Aristarco é juiz

“[...] descarregava com o livro às costas do condenado,

JULGAMENTO (-) token

Material

agravante de injúria e escárnio à pena de difamação.”

Meta

Discussão: se Aristarco é o juiz, os alunos que cometem algum delito são os condenados. O diretor costumava expor os internos a situações vexatórias. Agia como um juiz, julgando os alunos e aplicando penas severas, porém não se comportava como em uma corte, pois os internos não tinham chance de defesa.

“[...] Aristarco limitava-se a sublinhar com uma ponderação qualquer

GRADUAÇÃO FORÇA ↑

Experienciador/Dizente Mental Verbal

a sentença catedrática [...]”

JULGAMENTO (-) token

Verbiagem

Discussão: a expressão “sentença catedrática” é bastante irônica, considerando-se o contexto, pois “sentença” é um termo usado em jurisdição por uma autoridade, e, neste caso, uma autoridade “catedrática”, que tem pleno conhecimento sobre o assunto, mas Aristarco é um diretor e está em uma escola. Além disso, a graduação “com uma ponderação qualquer” aparece para reforçar a ideia de que ele não ponderava sobre suas sentenças, portanto estava distante de ser catedrático.

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“Às vezes enlaçava com dois dedos o menino pela nuca e o voltava,

JULGAMENTO (-) token

Material Alcance Alcance Material

fremente e submisso, para o colégio atento,

JULGAMENTO (-)

Beneficiário

oferecendo-o às bofetadas da opinião: “Vejam esta cara!...” JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-)

Material Alcance Beneficiário

Discussão: nos momentos de raiva, Aristarco não disfarçava as atitudes, mas, ainda assim, o narrador é bastante sutil na descrição, por isso a análise em forma de token no trecho “oferecendo-os às bofetadas da opinião”. O verbo “enlaçar” também deixa implícito o sentido de que os alunos são tratados como animais.

“Em presença do diretor, no escritório inquisitorial improvisei uma mentira.” APRECIAÇÃO (-) token

Discussão: a sala do diretor, que se dizia pai dos alunos, era vista por Sérgio como um “escritório inquisitorial”, o que revela implicitamente a ameaça a que os alunos eram submetidos.

Aristarco é deus

“ Aristarco foi clemente. Era a primeira vez, perdoou.” AFETO (-) token JULGAMENTO (-) token

Portador/ Experienciador Relacional Atributo Mental

Discussão: as escolhas lexicais “clemente” e “perdoou”, de acordo com o frame do leitor, remetem a Deus. Portanto Aristarco não era um diretor, era um deus clemente que perdoava a quem desejava.

“Aludi várias vezes ao revestimento exterior de divindade com que

AFETO (-) token

se apresentava habitualmente Aristarco.”

Existencial Existente

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“Aristarco fazia aparições, de súbito, a qualquer das portas [...]”

JULGAMENTO (-) token

Existente Existencial

Discussão: a opção pela palavra “aparição” revela o significado implícito de que Aristarco é como uma entidade divina, que surge repentinamente, como se tivesse poderes sobrenaturais.

“Nos momentos de ira e de exaltações eloquentes é que sabia fazer-se em verdade divino.”

AFETO (-) token

Relacional Portador Atributo

“[...] tomou a palavra num tom solene de revelação e referiu,

JULGAMENTO (-) token

Verbal Verbal

com toda a grandeza de que era suscetível [...]”

AFETO (-) token

Relacional Atributo

Discussão: mais uma vez, fica implícito que Aristarco é um deus, nas palavras “revelação” e “grandeza”.

“O porco!” bramia Aristarco. “O grandíssimo porco!” repetia como um deus fora de si.”

JULGAMENTO (-)

Comportamental Comportante/Dizente Verbal

Discussão: a metáfora - Aristarco é deus – aparece aqui em sua forma mais explícita, como comparação, por isso não há token.

5.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso

A metáfora maior, Aristarco é poder, evidenciada na análise das expressões

metafóricas do capítulo um, mantém-se no capítulo quatro. Foram constatadas 19

expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco, das quais 6 referem-se à

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metáfora Aristarco é deus (poderoso); 4 referem-se à metáfora Aristarco é juiz

(autoridade); 6 referem-se à metáfora Aristarco é deus (todo-poderoso); das 3

restantes, 2 contam como a metáfora Aristarco é ator (fingidor) e 1 como a metáfora

Aristarco é pai (cuidador). O número de ocorrências comprova que no capítulo quatro

a hegemonia de Aristarco prevalece sobre os alunos; ele é o rei, o juiz, o deus do

Ateneu. Segundo Gramsci (1999), é muito comum que a luta hegemônica aconteça

em instituições particulares, como a escola, e não em grandes instituições. No caso,

a obra O Ateneu, com a figura de Aristarco, evidencia isso.

O mapeamento dessas expressões metafóricas por meio de levantamento do

léxico, também é um norteador na análise, de acordo com a teoria conceptual da

metáfora (LAKOFF e JOHNSON, 1980). Para referir-se a Aristarco como rei, o autor

usa palavras como: “solenidade”, “manto”, “majestade”, “realeza”, “despotismo”,

“talento de império”, “majestosos bigodes”. Já para construir a ideia de Aristarco é

deus, o léxico: “clemente”, “divindade”, “”divino”, “revelação”, “deus” é usado como

sinônimo ou qualificador para Aristarco. Conforme Van Dijk (1988), a coesão lexical

não se trata somente de um recurso no texto para garantir a manutenção da coesão

e fazer referências, mas, principalmente, serve na construção da ideologia do texto.

Daí a importância de se fazer uma análise minuciosa da microestrutura com base nas

teorias citadas, a fim de superficializar a ideologia latente.

Ratificando o que as teorias da coesão lexical, da ideologia e da metáfora já

ratificaram, uso a teoria da LSF, Halliday (2004), para a análise da transitividade dos

processos que envolvem o diretor do Ateneu. Enquanto o processo material tem 11

ocorrências e o comportamental 5, os demais processos têm números bem inferiores.

Esse resultado confirma a imagem de Aristarco que detém o poder, pois, tanto o

processo material quanto o comportamental indicam um personagem que age, que

domina as realizações na narrativa.

Com relação à avaliatividade, no capítulo quatro há 3 ocorrências de

apreciação, 7 ocorrências de afeto e 17 de julgamento, todas negativas em forma de

token; há somente 3 ocorrências de julgamento negativo de forma explícita. Segundo

Martin (2000), a avaliatividade afeto refere-se à qualificação de pessoa, a

avaliatividade julgamento refere-se à conduta de pessoa e a avaliatividade apreciação

à qualificação de objetos; como se pode notar, as ações de Aristarco são avaliadas

em muitos trechos da narrativa e sempre de forma negativa, porém, a avaliação

aparece implicitamente, o autor não usa epítetos negativos para falar do diretor, logo,

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a crítica é feita na subjacência. A autora Macken-Horarik (2003) em seu estudo fala

sobre a criação de empatia por um personagem de acordo com a avaliatividade usada

pelo autor. Partindo desse pressuposto, vai-se construindo na mente do leitor uma

antipatia por Aristarco, entretanto, isso se dá de forma progressiva e implícita por meio

de avaliatividade negativa em forma de token. De acordo com a mesma autora, é

possível afirmar que ocorre a metarrelação por confirmação no capítulo quatro em

relação ao capítulo um, já que ambos apresentam equivalência nas escolhas de

avaliatividade.

Para finalizar, a avaliatividade negativa em forma de token torna-se possível

também por meio de ironia, isso se dá “devido à natureza ecoica da ironia”, segundo

KREUZ; GLUCKSBERG, 1989; WILSON; SPERBER, 1981. Sendo assim, embora

Raul Pompeia não use léxico ofensivo para referir-se a Aristarco, consegue criar a

atmosfera de poder por parte do diretor, usando a ironia; como no trecho “O diretor

manobrava este talento de império com a perícia do corredor sobre o pur sang

sensível” (POMPEIA, 1999, p. 49), ao comparar Aristarco liderando o Ateneu a um

corredor de cavalos domando o cavalo; ou como nesta descrição “Aquela alma dúctil

de artista”, para dizer que Aristarco é um fingidor, sempre calculando as atitudes com

relação aos alunos e aos pais. El Refaie (2005) afirma que a ironia pode encorajar os

leitores a se conscientizarem e avaliarem algo que seria, de outro modo, aceito sem

questionamento, pois há um esforço maior por parte do leitor para compreender a

ironia; o autor de O Ateneu recorre insistentemente à ironia para falar de Aristarco, o

que gera no leitor esse movimento do qual falou El Refaie, além disso, esse recurso

permite-lhe defender suas ideologias na subjacência.

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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO VIII

6.1 Contexto situacional - análise do registro

Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo VIII, a ser analisado,

especificando campo, relações e modo.

Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas

quanto à avaliatividade e à transitividade.

6.1.1 Campo

Grande parte do capítulo é dedicada ao relato dos passeios promovidos pelo

internato nos espaços fora dele, no Rio de Janeiro, e atividades de descontração que

aconteciam dentro do internato. O restante do capítulo trata de uma carta de amor que

foi escrita por um interno para outro, adotando um nome de mulher. Aristarco

desmascara o menino diante de todo o colégio.

É também neste momento da narrativa que Sérgio se envolve em uma briga

com Bento Alves e, no momento em que Aristarco chega e inquire sobre a briga,

Sérgio responde-lhe mal e puxa-lhe o bigode. O diretor ameaça-o, porém não lhe

aplica castigo ou expulsão devido à condição social de Sérgio.

6.1.2 Relações

O mais interessante desse capítulo é perceber o quanto o menino Sérgio se

engrandece e o diretor Aristarco se acovarda; a esta altura, Sérgio já não temia

expulsão ou castigos.

O menino descobre que seu parceiro de briga, Bento Alves, havia saído do

colégio, entretanto, Aristarco nada fez contra Sérgio. Diante das circunstâncias,

embora para Sérgio adulto pareça óbvia a decisão do diretor, sua visão de criança

não lhe permitiu, na época, fazer relações “hoje penso diversamente: não valia a pena

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99

perder de uma vez dois pagadores prontos, só pela futilidade de uma ocorrência,

desagradável [...] mas sem testemunhas.” (POMPEIA, 1999, p. 109)

6.1.3 Modo

Nos trechos descritivos, percebemos claramente a influência do

expressionismo e do naturalismo, em especial, nas descrições dos colegas de classe

e dos funcionários à mesa em dia de atividade, com amplo uso de hipérboles e

caricaturas grotescas “aves inteiras saltavam das travessas; os leitões, à unha,

hesitavam entre dois reclamos igualmente enérgicos, dos dois lados da mesa. Os

criados fugiram.” (POMPEIA, 1999, p. 104)

6.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram

analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise

concentre as principais ocorrências.

Aristarco rei/governador

Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso

Aristarco é rei/governador

Alvo Fonte

“Marcado com um número, escravo dos limites da casa e do despotismo da

administração.”

“Aristarco rompia a marcha, valente como um mancebo, animando a desfilada como

Napoleão nos Alpes.”

“Desgraçado! desgraçado, torço-te o pescoço! Bandalhozinho impudente! Confessa-

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100

me tudo ou mato-te.”

“Na qualidade de presos políticos, vítimas de generosa sedição, não nos vexava a

penitência.”

Aristarco deus

Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso

Aristarco é deus

Alvo Fonte

“[...] tétrico como o Juízo Final, entrou o diretor.”

“Ah! mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes, iludam-me!”

“O diretor arremessou-me ao chão. E, modificando o tom, falou: “Sérgio! ousaste

tocar-me!”

“Prostrados os doze rapazes perante Aristarco [...]”

“Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com um bafejo

de todo-poderoso.”

Aristarco ator

Aristarco é ator → metáfora = fingidor

Aristarco é ator

Alvo Fonte

“A saída dramática do diretor aumentou-me ainda remorsos.”

“Têm todos razão... Perdoo a todos... Mas eu sou tão enganado como os

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101

senhores...”

“Mais algumas palavras azeitadas de ternura, e todo ressentimento cedia, e nós

saudávamos o diretor, grande ali, como sempre [...]”

Aristarco juiz

Aristarco é juiz → metáfora = autoridade

Aristarco é juiz

Alvo Fonte

“Aristarco ufanava-se de perspicácia de inquisitor.”

“Amanhã é o dia da justiça! Apresento-me agora para dizer somente: serei

inexorável, formidando!”

“À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda a

grandeza fúnebre dos justiçadores.”

“Entrava-lhe a justiça pelos bolsos como um desastre.”

6.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.

Aristarco é rei/governador

“Marcado com um número, escravo dos limites da casa e

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102

do despotismo da administração.”

JULGAMENTO (-)

Discussão: a expressão metafórica “despotismo da administração” está servindo como uma expansão lexical para referir-se a Aristarco e seu poder absoluto. A palavra “despotismo” tem uma carga semântica negativa, uma vez que o déspota subjuga os liderados. É um termo negativo, principalmente em se tratando da relação diretor – alunos.

“Aristarco rompia a marcha, valente como um mancebo,

Ator Material Meta

animando a desfilada como Napoleão nos Alpes.” JULGAMENTO (-) token

Material

Discussão: a comparação de Aristarco com Napoleão foi considerada negativa em forma de token porque fica por conta do leitor fazer a associação Napoleão – déspota.

“Desgraçado! desgraçado, torço- te o pescoço! JULGAMENTO (-)

Material Meta

Bandalhozinho impudente! Confessa-me tudo ou mato- te.” JULGAMENTO (-)

Material Meta

Discussão: a ameaça de Aristarco nesta passagem foi explícita, por isso julgamento (-).

“Na qualidade de presos políticos, vítimas de generosa sedição, não nos vexava a penitência.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: a avaliatividade, aqui, está em forma de token porque o leitor precisa associar alunos a presos políticos e Aristarco a chefe de Estado.

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Aristarco é deus

“[...] tétrico como o Juízo Final, entrou o diretor.”

JULGAMENTO (-) token

Comportamental Comportante

Discussão: o narrador poderia ter usado apenas o epíteto subjetivo “tétrico” para mostrar o quanto o diretor era temido pelos alunos, mas escolheu acrescentar a metáfora do “Juízo Final”, a fim de reforçar a ideia do temor e também equiparar Aristarco a um deus.

“Ah! mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes, iludam-me!

JULGAMENTO (-) token

Relacional Atributo

Discussão: “ter cem olhos” trata-se de uma expressão metafórica para afirmar que Aristarco, tal como um deus, é onisciente, onipresente.

“O diretor arremessou- me ao chão. E, modificando o tom,

Ator Material Meta Material

falou: “Sérgio! ousaste tocar-me!” JULGAMENTO (-) token

Verbal

Discussão: Aristarco coloca-se como um deus e, na qualidade de tal, não pode ser tocado, profanado. O escritor poderia ter usado o verbo “agredir”, a escolha verbal “tocar” remete a uma entidade, que não pode ser tocada.

“Prostrados os doze rapazes perante Aristarco [...]” JULGAMENTO (-) token

Discussão: a palavra “prostrados” significa ato de adoração ou súplica. No contexto, a escolha indica os dois significados, os internos suplicam pela misericórdia do diretor-deus.

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“Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço

Comportante/ Ator Comportamental Material

com um bafejo de todo-poderoso.” JULGAMENTO (-) token

Aristarco é ator

“A saída (=sair) dramática do diretor aumentou- me ainda remorsos.”

JULGAMENTO (-) token

Comportamental Comportante/ Ator Material Meta

“Têm todos razão... Perdoo a todos... Mas eu sou tão enganado como os senhores...”

GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

Discussão: Aristarco sabia da situação, mas fingiu não saber, por isso julgamento (-) token.

“Mais algumas palavras azeitadas de ternura, e todo ressentimento cedia,

JULGAMENTO (-) token

e nós saudávamos o diretor, (é) grande ali, como sempre [...]”

JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

Aristarco é juiz

“Aristarco ufanava-se da perspicácia de inquisitor.” JULGAMENTO (-) token

Experienciador Mental

Discussão: assim como um inquisitor, Aristarco usava de todas as artimanhas para arrancar informações dos internos; o narrador Sérgio chegou a afirmar que os alunos acabavam por assumir a culpa que não tinham, por medo de Aristarco.

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“Amanhã é o dia da justiça! Apresento-me agora para dizer somente:

JULGAMENTO (-) token

Material Verbal

serei inexorável, formidando!”

AFETO (-) token

Relacional Atributo Atributo

Discussão: o que Aristarco chamava de “dia da justiça”, na verdade, era justo apenas para quem era autoridade; os alunos envolvidos no episódio da carta de amor foram humilhados e ofendidos perante todo o colégio.

“À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda

Comportante Comportamental

a grandeza fúnebre dos justiçadores.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: a justiça de Aristarco sempre está atrelada a algo negativo, aqui representado pelas palavras “fúnebre” e “justiçador”. O termo “justiçador” deriva de justiçar que significa: aplicar castigo severo.

“Entrava-lhe a justiça pelos bolsos como um desastre.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: o narrador recorre a uma metáfora de processo com o verbo “entrar” na frase “entrava-lhe a justiça pelos bolsos”, assumindo o sentido de que Aristarco recebia assiduamente o pagamento da mensalidade de Sérgio, sendo assim, decide não aplicar ao menino a devida justiça pela infração cometida, uma vez que não seria interessante para o diretor correr o risco de perder um aluno pagante.

6.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso

O capítulo VIII é marcado pela ambivalência de Aristarco, se por um lado o

diretor demonstra toda a sua autoridade e seu despotismo ao fazer a intervenção no

caso de Cândido, menino que escreveu uma carta de amor a outro interno e foi

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106

flagrado e humilhado diante de todos por Aristarco; por outro, há um diretor submisso,

que, embora tenha tido seu bigode puxado por um aluno, decide não lhe infligir

nenhuma punição para não perder a mensalidade. Conforme Ivo (1963), Aristarco vai-

se “metamorfoseando” ao longo da narrativa e é neste ponto que ele principia a perder

o seu poder, a sua divindade; quando o menino perde o medo e agride o deus do

colégio “Sérgio! Ousaste tocar-me!” (POMPEIA, 1999, p. 109). Há uma subversão da

hegemonia no Ateneu, agora é o aluno que humilha e agride o diretor. É o que será

provado por meio da análise.

Com o apoio da teoria de Charteris-Black (2004), pode-se afirmar que por meio

das metáforas mais usuais desse capítulo: Aristarco é deus e Aristarco é rei, o

narrador constrói na mente do leitor a representação de um Aristarco dominante, para,

em seguida, desconstruí-la.

As outras metáforas que compõem o capítulo: Aristarco é juiz, Aristarco é ator,

Aristarco é empresário corroboram com a construção de uma personagem forte, criam

uma realidade na mente do leitor, conforme afirma Fairclough (1995), que não se

sustentará até o final. Como se Raul Pompeia primeiro exaltasse a condição de

autoridade suprema do diretor, para depois evidenciar a profundidade de sua queda.

Em se tratando da avaliatividade, há muitas ocorrências de julgamento (-)

token, assim como nos capítulos anteriores, o que, segundo a teoria da metarrelação

de Macken-Horarik (2003) seria metarrelação por confirmação, por ter avaliação

equivalente à fase anterior. Os tokens são percebidos, aqui, considerando o enquadre

do leitor atento à obra, como nos exemplos “Ah! meu filho, ferir a um mestre é como

ferir ao próprio pai [...]” (POMPEIA, 1999, p. 109) ou “mas eu sou tão enganado quanto

os senhores [...]”(POMPEIA, 1999, p. 112), o narrador não faz crítica explícita, por

isso, esses e outros trechos foram analisados como token, o leitor usa seu

conhecimento prévio sobre Aristarco para concluir que ele não se sente como pai dos

internos, no caso do primeiro exemplo, e perceber que ele não estava sendo

enganado, no segundo exemplo. Há também 3 ocorrências de julgamento (-) sem

token, que são analisadas como metarrelação por oposição, pois são críticas

explícitas sobre o comportamento de Aristarco, o que não é comum acontecer na

narrativa.

O uso dos tokens vem aliado à ironia. Em muitas expressões metafóricas, a

ironia está presente, como nos exemplos a seguir: “Algumas palavras azeitadas de

ternura [...]”, para falar do fingimento de Aristarco para convencer os alunos; “[...]

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107

altivo, contudo, quanto comportava a submissão.” (POMEIA, 1999, p. 112), para

mostrar que a autoridade de Aristarco limitava-se quando o aluno era assíduo no

pagamento da mensalidade. Tanto a ironia, quanto os tokens em relação à atitude do

diretor dependem do enquadre do leitor para realizar a inversão de valência entre o

significado literal e o pretendido (BURGERS et al., 2012).

Com relação à análise da transitividade, os processos material (10) e

comportamental (7) tiveram o maior número de ocorrências e, em seguida, o relacional

(5). Percebe-se um padrão no uso de processos que indica um Aristarco agente na

narrativa, de acordo com os processos material e comportamental. E uma

preocupação com a descrição dessa personagem, devido ao número de ocorrências

de processo relacional.

Para finalizar, tomando por base a teoria da coesão lexical, proposta por Van

Dijk (1988), faço um apanhado de algumas escolhas lexicais presentes no capítulo

VIII, as quais podem passar despercebidas quando vistas isoladamente, mas juntas

tecem um significado: “despotismo da administração”, “como Napoleão”, “como um

domador”, “tétrico como o Juízo Final”, “bafejo de todo-poderoso”, “vosso Mestre”.

Todas essas expressões foram usadas como expansão lexical para referir-se a

Aristarco e, é claro, não serviram apenas de elementos coesivos para manter a

coerência no texto, fazem emergir a metáfora maior - Aristarco é poder - e, sobretudo,

a ideologia de que esse poder não é bom.

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108

7. ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XI

7.1 Contexto situacional - análise do registro

Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo XI, a ser analisado,

especificando campo, relações e modo.

Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas

quanto à avaliatividade e à transitividade.

7.1.1 Campo

O capítulo XI pode ser dividido em três partes, inicia-se com o professor Dr.

Cláudio discursando sobre temas diversos, de astronomia à saúde, e fechando o

discurso com uma das passagens mais belas e conhecidas da obra O Ateneu

“Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá

fora, onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes [...]”

(POMPEIA, 1999, p. 130). E o professor conclui sua fala com a seguinte constatação

“E não se diga que é um viveiro de maus germes, seminário nefasto de maus

princípios, que hão de arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o

internato a reflete.” (POMPEIA, 1999, p. 131)

O segundo momento do capítulo destina-se ao aluno Franco, que durante toda

a narrativa sofre maus-tratos tanto dos colegas de internato quanto dos funcionários

e do diretor. Franco adoece e morre no Ateneu, porém Aristarco e os internos parecem

não se importar com a tragédia, apenas Sérgio visita-o e se importa com sua saúde.

O diretor prefere não alardear o incidente, a fim de manter a imagem do internato

imaculada.

O capítulo termina com a homenagem dos alunos a Aristarco, um busto do

diretor para ser colocado no centro do pátio. O ponto máximo desse capítulo é a

reação de Aristarco, que, em vez de se sentir lisonjeado, sente ciúme dos aplausos

que a peça de bronze recebe em seu lugar.

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109

7.1.2 Relações

Esse capítulo é essencial à construção da personagem Aristarco, já que seu

caráter e sua intimidade são expostos de forma muito clara ao leitor. Quando da morte

do menino Franco “Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao

colégio o aparato de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade” (POMPEIA,

1999, p. 133). E, com relação à homenagem, o narrador enfatiza em muitos momentos

o orgulho de Aristarco e, posteriormente, a revolta contra a estátua de si mesmo por

receber a coroa de louros em seu lugar.

7.1.3 Modo

As descrições são belíssimas e levam o leitor a construir mentalmente o busto

de Aristarco. É possível também ter uma experiência sensorial com o passo a passo

da transformação do diretor em bronze. A imagem construída evidencia a loucura de

Aristarco em se fundir e se confundir com a estátua “Compreendia inversamente o

prazer de transmutação da matéria bruta que a alma artística penetra e anima:

congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro [...] (POMPEIA, 1999, p. 141).

7.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram

analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise

concentre as principais ocorrências.

Aristarco empresário/interesseiro

Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante

Aristarco é empresário/interesseiro

Alvo Fonte

“Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao colégio o aparato

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110

de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade.”

“[...] como a erupção de uma cratera, saltasse a surpresa, galardão das altas

qualidades e pirraça suprema à concorrência dos rivais.”

“Aristarco e os ajudantes espiavam, farejavam, descobriam os pais, as famílias dos

de mais elevada posição social, que pescavam para o ingresso preterindo os mais

próximos.”

“Aristarco aproveitava também para desforrar-se dos pagadores morosos da

escrituração. Afinal deu na vista a pescaria dos seletos.”

Aristarco ídolo

Aristarco é ídolo → metáfora = entidade

Aristarco é ídolo

Alvo Fonte

“Um busto! era a remuneração que chegava dos impagáveis esforços, a sonhada

estátua [...]”

“Devia ser uma solenidade sem memória nos fastos da pedagogia triunfante, um

obelisco de despesas, de luxo, de esplendor [...]”

“Era ele, que ali estava encapado na expectativa da oportunidade; ele bronze

impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até do que ele próprio,

a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que um momento absurdo

de fraqueza desfigurava e subtraía.”

“Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera bebido gesso.”

“Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco metálico,

escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem

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111

consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! mas feito

estátua.”

Aristarco orgulho

Aristarco é orgulho → metáfora = soberba

Aristarco é orgulho

Alvo Fonte

“E parafusaria, acumuladas, as peças do seu orgulho, a pilha dos seus anelos, a

estátua!”

“Havia um prazer especial naquilo; crescer do chão em três dias por honra sua a

floresta das vigas e barrotes [...]”

“Certo não foi tão nobre o orgulho daqueles monarcas das pirâmides, idiotas

macabros e colossais, arquitetos inúteis de sepulcros.”

“[...] o busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo, e o embaraço

desvaneceu-se.”

“Com o Ateneu estava satisfeito: uma sementeira razoável; não se fazia rogar para

florescer.”

“É preciso às vezes tanta bravura para arrostar o encômio face a face, como as

agressões. A própria vaidade acovarda-se.”

“Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio.

Nada para ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma

alucinação. O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser o pobre

Aristarco, mortal, de carne e osso.”

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112

“Mal acabou de falar o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar

freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.”

Aristarco rei/governador

Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso

Aristarco é rei/governador

Alvo Fonte

“De vez em quando, Aristarco, cansado de tanto mover-se, subia ao trono, sentava-

se. Fazia-lhe bem o dossel por cima. E dava regras aos armadores, de li, como um

soberano precavido ditando o esplendor da coroação.”

“Calças pretas, casaca, peito blindado de condecorações, uma fita de dignitário ao

pescoço, que o enforcava de nobreza. Mirando! A suprema correção, a

envergadura imponente do talhe, a majestade dominadora da presença, fundia-se

tudo numa mesma umbigada de empáfia.”

“À esquerda do trono estava uma longa mesa, a que sentavam-se o Exmo. ministro

do império e vários figurões da Instrução Pública.”

“— Coroemo-lo! repetia Venâncio num vendaval de aclamações. E sacando da tribuna

esplêndida coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.”

7.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.

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113

Aristarco é empresário/interesseiro

“Aristarco chorou; mas o saimento foi modesto; não convinha ao colégio o

JULGAMENTO (-) token

Comportante Comportamental

aparato de um grande enterro, pregão talvez de insalubridade.”

Discussão: o diretor Aristarco é, antes de tudo, empresário, por isso não comenta muito a respeito da morte de Franco, contém suas emoções.

“[...] como a erupção de uma cratera, saltasse a surpresa, galardão das altas qualidades e

pirraça suprema à concorrência dos rivais.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: outros internatos particulares eram vistos como concorrentes na visão do empresário Aristarco. Todavia, trata-se de “pirraça suprema”, a ironia do adjetivo amenizando o substantivo “pirraça”, é fantástica; ao mesmo tempo que o diretor tem uma atitude mesquinha e infantil, não deixa de ser superior.

“Aristarco e os ajudantes espiavam, farejavam, descobriam os pais, as famílias

JULGAMENTO (-) token

Comportante/ Ator Comportamental Comportamental Material Alcance/ Meta

dos de mais elevada posição social, que pescavam para o ingresso” preterindo os mais próximos.” JULGAMENTO (-) token

Material

Discussão: o narrador optou por usar metáforas de processo para narrar como Aristarco e outros funcionários do Ateneu abordavam os pais para angariar alunos. Essas metáforas criam o universo da caça, ir à caça de pais e, consequentemente, de alunos; o que não é visto positivamente na sociedade.

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114

“Aristarco aproveitava também para desforrar-se dos pagadores morosos JULGAMENTO (-) token

Experienciador/ Ator Mental Mental Fenômeno

da escrituração. Afinal deu na vista a pescaria dos seletos.” JULGAMENTO (-) token

Material Alcance

Aristarco é estátua

“Um busto! era a remuneração que chegava dos impagáveis esforços, a sonhada estátua [...]”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: essa passagem evidencia o orgulho que Aristarco tinha de si mesmo, ele acreditava merecer uma estátua em homenagem aos seus grandes feitos como diretor.

“Devia ser uma solenidade sem memória nos fastos da pedagogia triunfante,

um obelisco de despesas, de luxo, de esplendor [...]” APRECIAÇÃO (-) token

“Era ele, que ali estava encapado na expectativa da oportunidade; ele AFETO (-) token

Relacional Portador Relacional Portador

bronze impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até do que ele AFETO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA (↑) AFETO (-) token

Atributo

próprio, a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que

JULGAMENTO (-) token

um momento absurdo de fraqueza desfigurava e subtraía.”

Discussão: o narrador Sérgio por meio dessa descrição quer criar a imagem de unificação de Aristarco com o busto para esclarecer ao leitor a intensidade com que Aristarco recebeu essa homenagem e os efeitos dela para ele. Já não se sabe mais quem é a pessoa quem é a estátua.

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“Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera bebido gesso.”

AFETO (-) token

Mental Experienciador

“Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco AFETO (-) token

Relacional Atributo

metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das AFETO (-) token

Atributo Existencial

esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh,

AFETO (-) token

glória! mas feito estátua.”

Relacional Atributo

Discussão: nessa fundição Aristarco – estátua, o diretor não se importa em se tornar objeto inanimado, uma vez que atingiu seu objetivo, ter um monumento erguido em sua homenagem.

Aristarco é orgulho

“E parafusaria, acumuladas, as peças do seu orgulho, JULGAMENTO (-) token

Material Meta

a pilha dos seus anelos, a estátua!”

JULGAMENTO (-) token

Meta

“Havia um prazer especial naquilo; crescer (=surgir) do chão em três dias JULGAMENTO (-) token

Existencial

por honra sua a floresta das vigas e barrotes [...]”

Discussão: a expressão “por honra sua” é desmentida em outro momento da narrativa quando Sérgio afirma que os alunos se sentiam obrigados a fazer a homenagem.

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116

“Certo não foi tão nobre o orgulho daqueles monarcas das pirâmides, GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token

idiotas macabros e colossais, arquitetos inúteis de sepulcros.”

Discussão: a ironia do narrador reforça a imagem que ele quer construir de Aristarco. Um homem orgulhoso e egocêntrico.

“[...]o busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo [...]” GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

“Com o Ateneu estava satisfeito: uma sementeira razoável; não se fazia rogar para florescer.”

AFETO (-) token

Relacional Atributo

“É preciso às vezes tanta bravura para arrostar o encômio face a face, GRADUAÇÃO FORÇA (↑) JULGAMENTO (-) token

como as agressões. A própria vaidade acovarda-se.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: ao afirmar que é preciso ter coragem para encarar um elogio, que a vaidade encolhe-se diante deles, o narrador é irônico em todo o trecho, portanto avaliatividade em forma de token.

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“Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio. Nada para

Experienciador Mental Alcance

ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma alucinação. JULGAMENTO (-) token

Relacional Identificador

O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional

o pobre Aristarco, mortal, de carne e osso.”

AFETO (-) token

Atributo

Discussão: esse trecho aponta o ápice do orgulho de Aristarco, quando o narrador descreve o ciúme que o diretor sentiu das homenagens prestadas, que pareciam ser para o busto e não para ele.

“Mal acabou de falar o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar

Comportante Comportamental Comportamental

freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.” JULGAMENTO (-)

Material

Discussão: Aristarco não disfarça seu egocentrismo nesse capítulo, em especial, nessa passagem, daí ser avaliatividade negativa sem token.

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Aristarco é rei/ governador

“De vez em quando, Aristarco, cansado de tanto mover-se, subia ao trono, JULGAMENTO (-) token

Comportante/Dizente Comportamental Comportamental

sentava-se. Fazia-lhe bem o dossel por cima. E dava regras aos armadores, JULGAMENTO (-) token

Comportamental Verbal

de li, como um soberano precavido ditando o esplendor da coroação.” JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-) token

Verbal

Discussão: a escolha do conjunto lexical “trono, dossel, soberano e coroação”, que remete a rei/reinado, reforça a ideia do poder absoluto de Aristarco dentro do internato. “Calças pretas, casaca, peito blindado de condecorações, uma fita de dignitário ao pescoço, que

o enforcava de nobreza. Mirando! A suprema correção, a envergadura imponente do talhe, APRECIAÇÃO (-) token

a majestade dominadora da presença, fundia-se tudo numa mesma umbigada de empáfia.”

JULGAMENTO (-) token

“À esquerda do trono estava uma longa mesa, a que sentavam-se o Exmo. ministro do império e vários figurões

APRECIAÇÃO (-) token

da Instrução Pública.”

“E sacando da tribuna esplêndida coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.”

APRECIAÇÃO (-) token

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7.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso

O capítulo XI acrescenta dados muito importantes à análise. Por se tratar de

um capítulo que descreve uma homenagem dos alunos a Aristarco, algumas

características do diretor ficam em evidência e aparecem ocorrências na análise que,

até então, não apareciam.

As metáforas exploradas nesse capítulo são: Aristarco é empresário (4),

Aristarco é ídolo (5), Aristarco é orgulho (8), Aristarco é rei (4) e Aristarco é militar (1).

Vale ressaltar que, embora a metáfora Aristarco é deus, presente em todos os

capítulos analisados, não tenha ocorrido de forma explícita aqui, a metáfora Aristarco

é ídolo a substitui, já que ídolo é a imagem de uma divindade. Este é o ponto

culminante da narrativa, a estátua do diretor, se ele é um deus, deve ser adorado. A

descrição da construção da estátua e, consequentemente, da transformação de

Aristarco em pedra é feita por meio de metáfora e ironia. Considerando a teoria de

Clift (1999), de que a ironia permite uma avaliação implícita e de que faz um convite

ao leitor para compartilhar da perspectiva do ironizador, quando o narrador diz “sentia-

se estranhamente maciço por dentro” ou “morto sobre a cadeira, oh, glória! Mas feito

em estátua”, convida o leitor de O Ateneu a avaliar Aristarco como um alienado, que

chega a desejar ser a estátua, para ser adorado.

Do levantamento das expressões metafóricas mais recorrentes, emerge uma

metáfora maior: Aristarco é poder e, conforme Charteris-Black (2004), uma análise

crítica da metáfora revela um conteúdo implícito, que, neste caso, é a imagem de um

Aristarco que detém todo o poder no Ateneu.

Aliando a análise das metáforas sobre Aristarco à teoria da hegemonia, fica

evidente que o diretor é o líder soberano no internato e que, como afirma Bosi “Pedro

II está para a nação como Aristarco para o colégio” (BOSI, 2003, p. 70). Para

Fairclough (1992), a escola trata-se de um local em que a luta de classes torna-se

evidente. As metáforas, então, servem em O Ateneu, sobretudo, como veículos

ideológicos.

No que se refere à avaliatividade, além do julgamento (-) em forma token,

presente nos outros capítulos, há número considerável de ocorrências de afeto (-)

token e apreciação (-) token. A avaliatividade de atitude afeto dá-se nesse episódio

porque o narrador coloca as emoções de Aristarco, como ele se sente em relação à

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estátua; a avaliatividade de atitude apreciação ocorre para construir a avaliação do

objeto, a estátua. A avaliatividade de atitude julgamento (-) token continua tendo o

maior número de ocorrências, pois avalia moralmente o comportamento de Aristarco.

Todas as avaliatividades são negativas em forma de token, o que significa que tanto

o comportamento, quanto a pessoa, quanto o objeto que a representa são avaliados

negativamente recorrendo à implicitude e à ironia. Segundo Kreuz; Glucksberg (1989)

e Wilson; Sperber (1981), a ironia tem natureza ecoica, pois cita um enunciado de

alguém e simultaneamente desaprova o que foi enunciado; sendo assim, todos os

elogios referentes a Aristarco são entendidos como negativos.

Os levantamentos sobre a avaliatividade criam uma relação semântica à que a

autora Macken-Horarik (2003) chama de metarrelação. É possível apontar a

metarrelação por confirmação, no que se refere ao julgamento (-) token, pois há

equivalência de avaliatividade com a fase anterior, considerando os outros capítulos

analisados. Os fatores novos: afeto e apreciação são avaliados como metarrelação

por avaliação externa, pois mostram os sentimentos de Aristarco.

Quanto à transivitidade, os processos: comportamental (8), material (7) e

relacional (8) são os mais usados pelo autor. O processo relacional é bastante

explorado no capítulo por causa da estátua em homenagem a Aristarco, é um

processo utilizado para descrição e, para evidenciar o orgulho e a loucura de Aristarco,

o autor descreve a transformação dele em estátua, como se ambos se fundissem. Os

processos comportamental e material são recorrentes, pois Aristarco continua sendo

agente nas ações da narrativa.

Concluindo a análise do capítulo XI, faço um mapeamento das escolhas lexicais

a fim de evidenciar opiniões e ideologias subjacentes no texto. No que tange às

metáforas: Aristarco é ídolo e Aristarco é orgulho, pois são as metáforas mais

recorrentes do capítulo, é possível levantar as expressões: “sonhada estátua”,

“obelisco de esplendor”, “ele bronze impertérrito”, “maciço por dentro”, “rochedo

inerte”, “peças do seu orgulho”, “tudo era seu triunfo”. Em comum, as palavras:

estátua, obelisco, bronze, maciço, rochedo e peças representam Aristarco firme,

inflexível, forte; segundo Li (2010), com a repetição de itens lexicais, são criadas

metáforas conceptuais dominantes, como, no caso, Aristarco forte, e, dessa forma,

criar um entendimento do fato por meio dessas metáforas. Tudo isso é construído na

mente do leitor ao longo da leitura e, não por acaso, Raul Pompeia recorre às

metáforas, pois elas têm o poder de impactar emocionalmente o leitor. (GOATLY,

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121

1997)

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122

8 ANÁLISE E DISCUSSÃO CAPÍTULO XII

8.1 Contexto situacional - análise do registro

Análise do contexto situacional - ou registro - do capítulo XI, a ser analisado,

especificando campo, relações e modo.

Em seguida, serão categorizadas as expressões metafóricas e analisadas

quanto à avaliatividade e à transitividade.

8.1.1 Campo

No capítulo XII, começam as férias no Ateneu, somente alguns rapazes

permanecem no internato, enquanto a maioria goza férias com a família. Sérgio

contrai sarampo e permanece no colégio aos cuidados de Aristarco e sua esposa

Ema, pois seus pais decidem fazer uma viagem à Europa. Ema torna-se a enfermeira

de Sérgio, dando-lhe carinho e cuidados de mãe; já Aristarco visita-o raramente. O

menino já não sente mais falta de sua família e deseja prolongar a doença a fim de

receber total atenção de Ema. Em meio a isso, Américo, um interno matriculado

recentemente no colégio, revoltado por estar ali, incendeia o Ateneu e foge. Sérgio

assiste ao incêndio sem poder ajudar. Ema aproveita o desastre e desaparece.

Aristarco desespera-se em um primeiro momento e, depois, deixa-se vencer pelos

acontecimentos, sozinho.

8.1.2 Relações

Neste capítulo, evidencia-se a aproximação de Sérgio e Ema devido ao estado

de saúde do interno. Aristarco poderia aproximar-se do menino e cuidar dele como

um pai, já que prometera isso a sua família, no entanto, incumbe sua esposa de fazê-

lo. Ema dedica-se inteiramente a Sérgio, porém não demonstra a mesma

preocupação por Aristarco. Ela encontra no episódio do incêndio a oportunidade para

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livrar-se do marido. Durante o incêndio, alguns discípulos ficam ao lado de Aristarco

acompanhando a tragédia “Em redor do diretor muitos discípulos tinham ficado desde

a véspera, inabaláveis e compadecidos.” (POMPEIA, 1999, p. 154) Enquanto Sérgio

apenas analisa a postura do diretor, sem expressar inquietação.

8.1.3 Modo

O capítulo XII encerra a narrativa de O Ateneu, nele encontramos os devaneios

de um menino recluso, doente, que aproveita o tempo para reflexões. O autor utiliza

personificações e metáforas belíssimas como em “No pátio, o silêncio dormia ao sol,

como um lagarto.” (POMPEIA, 1999, p. 146), para explicar o silêncio do internato

durante as férias. Cria imagens inusitadas para descrever o incêndio “Esquecia-me a

ver os dragões dourados revoando sobre o Ateneu ...” (POMPEIA, 1999, p. 151).

8.2 Análise das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

As expressões metafóricas que tiveram duas ou uma ocorrência no capítulo foram

analisadas, entretanto, encontram-se no Anexo C, para que este capítulo de análise

concentre as principais ocorrências.

Aristarco rei/governador

Aristarco é rei/governador → metáfora = poderoso

Aristarco é rei/governador

Alvo Fonte

“Aristarco surgia às vezes solenemente, sem demorar.”

“Afrontava a desgraça soberanamente [...]”

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“Indiferença suprema dos sofrimentos excepcionais! Majestade inerte do cedro

fulminado! Ele pertencia ao monopólio da mágoa. O Ateneu devastado!”

Aristarco derrota

Aristarco é derrota → metáfora = fracasso

Aristarco é derrota

Alvo Fonte

“Fui achar Aristarco no terraço lateral, agitado, bradando pelas bombas, que estava

perdido [...]”

“Aristarco, que se desesperava a princípio, refletiu que o desespero não convinha

à dignidade.”

“[...] contemplando o aniquilamento de sua fortuna com a tranquilidade das grandes

vítimas.”

“Lá estava Aristarco, tresnoitado, o infeliz.”

“Não era um homem aquilo; era um de profundis.”

“Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”

Aristarco deus

Aristarco é deus → metáfora = todo-poderoso

Aristarco é deus

Alvo Fonte

“Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”

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8.3 Análise da avaliatividade e da transitividade das expressões metafóricas envolvendo o diretor Aristarco

Códigos de indicação: sublinhado indica análise da transitividade. negrito indica análise da avaliatividade. (+) ou (-) se a avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. (↑) ou (↓) se a graduação for para mais ou para menos, respectivamente.

Aristarco é rei/governador

“Aristarco surgia às vezes solenemente, sem demorar.”

JULGAMENTO (-) token

Existente Existencial

Discussão: Aristarco assumiu perante os pais a responsabilidade de cuidar do menino, mas quem cuidou dele foi Ema. Nesse comentário, Sérgio explicita a superioridade de Aristarco de forma irônica com o advérbio “solenemente”.

“(ele) Afrontava a desgraça soberanamente [...]”

JULGAMENTO (-) token

Comportante Comportamental Alcance

“Indiferença suprema dos sofrimentos excepcionais! Majestade inerte do cedro fulminado!

JULGAMENTO (-) token JULGAMENTO (-) token

Ele pertencia ao monopólio da mágoa. O Ateneu devastado!”

Identificado Relacional

Discussão: se no início da narrativa Sérgio usava léxico que remetia a rei para exaltar o diretor, agora, ele usa “majestade”, “suprema” para evidenciar a queda de Aristarco, por isso token.

Aristarco é derrota

“Fui achar Aristarco no terraço lateral, agitado, bradando pelas bombas, que estava perdido [...]”

AFETO (-)

Relacional Atributo

“Aristarco, que se desesperava a princípio,

JULGAMENTO (-)

Comportante Comportamental

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refletiu que o desespero não convinha à dignidade.”

JULGAMENTO (-) token

Mental

Discussão: Aristarco é uma personagem que calcula todas as ações ao longo da obra, mas no momento do incêndio, ele age com naturalidade por alguns instantes; logo depois, recobra a astúcia e adota uma atitude mais comedida, afinal, não seria de bom tom para um “soberano” demonstrar desespero diante de alunos e vizinhança. Para o narrador, convém observar Aristarco e não o incêndio.

““[...] (Aristarco) contemplando o aniquilamento de sua fortuna

Comportante Comportamental Alcance

com a tranquilidade das grandes vítimas.”

JULGAMENTO (-) token GRADUAÇÃO FORÇA (↑)

Discussão: Aristarco primeiro se desesperou, depois entendeu que tal atitude não faria bem a sua imagem, então, a partir desse momento na narrativa ele será a vítima de uma tragédia. O narrador usa a expressão “grandes vítimas”, mas o leitor atento, por causa do frame, entende que Aristarco não é a vítima.

“Lá estava Aristarco, tresnoitado, o infeliz.”

AFETO (-)

Relacional Portador Atributo

“Não era um homem aquilo (Aristarco); era um de profundis.” AFETO (-)

Relacional Atributo Portador Relacional Atributo

Discussão: O narrador neste ponto descreve um Aristarco oposto ao que ele foi durante toda a narrativa. O Aristarco austero, soberano, poderoso se resume agora a “aquilo”, em lugar de um homem, um “de profundis”, um defunto. Aristarco deixa de ser Aristarco no fim da obra.

“Ele, (estava) como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”

AFETO (-)

Portador Relacional Atributo

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Aristarco é deus

“Ele, (estava) como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.”

JULGAMENTO (-) token

Portador Relacional Atributo

Discussão: Essas são as últimas palavras do narrador sobre o diretor, e o autor recorre a uma comparação entre Aristarco e um deus caipora; não o Deus cristão, a que ele sempre faz referência. Esse deus caipora não conseguiu proteger seu internato.

8.4 Discussão geral relacionando a análise da microestrutura com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso

O último capítulo de O Ateneu, se comparado aos demais capítulos submetidos

à análise nesta pesquisa, não apresenta o mesmo padrão. No que se refere à

avaliatividade, há afeto (-) e julgamento (-) sem token, o que não ocorre com

frequência nos outros capítulos. A ausência de token significa que o autor optou por

ser mais explícito ao falar de Aristarco, apenas nesse ponto da narrativa, pois ao longo

dela as ocorrências de avaliatividade foram negativas em forma de token. Ao que

parece, uma cortina vai-se abrindo e descobrindo um Aristarco, até então, disfarçado

pelas metáforas e tokens. A partir disso, tomando por base a teoria da metarrelação

de Macken-Horarik (2003), nota-se a metarrelação por confirmação, já que há muitas

ocorrências de julgamento (-) token e metarrelação por oposição, pois a avaliatividade

de afeto e de julgamento, diferente das outras fases, foram negativas sem token.

Já no que se refere à transitividade, o processo mais usado foi o relacional (6),

utilizado para descrições. Por se tratar do último capítulo, o autor quer mostrar um

novo Aristarco, o Aristarco “perdido”, “vítima”, “infeliz”, “triste”, um homem decadente,

que já não possui mais todo aquele poder mencionado nos outros capítulos. Agora o

diretor do Ateneu já não aparece relacionado aos processos comportamental e

material, que indicam uma personagem ativa, dominante na obra; Aristarco observa

seu internato sendo destruído e nada pode fazer. A narrativa termina com um Aristarco

passivo.

Substanciando a ideia de passividade e impotência, foram encontradas seis

ocorrências de expressões metafóricas que se remetem ao fracasso de Aristarco.

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Portanto, se ao longo da obra, a metáfora Aristarco é poder é enfatizada inúmeras

vezes por meio de expressões metafóricas relacionadas a rei, deus, empresário, juiz,

gigante etc., que de alguma forma representam um poder; no momento final da

narrativa, a metáfora mais utilizada é a da derrota, o que evidencia uma reviravolta na

trama. Considerando a teoria de Charteris-Black (2004), que afirma que ao empregar

a metáfora o falante convida o ouvinte a participar de um “ato interpretativo”, ao que

parece, o leitor de O Ateneu é convidado a criar um significado para Aristarco junto ao

seu criador Raul Pompeia, a ideia de que o poder absoluto não prevaleceu, Aristarco

foi derrotado. De acordo com Souza, Aristarco é apresentado como um tirano na obra

e a destruição do Ateneu representa sua queda e a libertação dos alunos “É preciso

destruir os deuses tiranos que Aristarco representa para que a civilização triunfe [...]”.

(SOUZA, 2011, p. 17)

Somando à metáfora a noção de ideologia, o papel das expressões metafóricas

foi de exercer uma função persuasiva para construir na cabeça do leitor uma imagem

negativa de Aristarco e do poder absoluto de um rei, sem precisar recorrer à

explicitude. (CHARTERIS-BLACK, 2004) Ao fazer um levantamento das escolhas

lexicais desse capítulo, encontram-se “inerte”, ”perdido”, “vítima”, “infeliz”, palavras

que remetem a um Aristarco fraco, sem poder; a análise da coesão lexical do capítulo

mostra, portanto, que o significado de Aristarco na obra muda e encerra-se com uma

visão oposta.

Também se faz necessário analisar uma das metáforas mais usadas por

Pompeia e que é escolhida para o desfecho da obra, trata-se da comparação de

Aristarco com um “deus caipora”. A metáfora Aristarco é deus é explorada em todos

os capítulos analisados; todos os atributos de um deus: “imortal”, “divino”, “todo-

poderoso” são utilizados para criar a imagem de um diretor invencível; entretanto, no

último capítulo, há somente uma menção a Aristarco deus, um deus caipora. Segundo

a lenda indígena, o deus caipora é o protetor da floresta, o qual pune todos aqueles

que agridem a fauna e a flora na floresta; já para os jesuítas, o deus caipora é

considerado um demônio. Do ponto de vista cristão, o deus caipora não tem poder

algum e, em O Ateneu, também não: “Ele, como um deus caipora, triste, sobre o

desastre universal de sua obra.” (POMPEIA, 1999, p. 155) Segundo Burgers et al.

(2012), a ironia inverte o significado literal, sendo assim, a metáfora - Aristarco é deus

caipora - é irônica, pois inverte e subverte a noção de Aristarco deus todo-poderoso

difundida ao longo do romance para Aristarco sem poder algum diante de sua

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desgraça, tendo de aceitar passivamente as circunstâncias.

Conforme Perrone-Moisés (1988), Aristarco passa por um processo de

“divinização”, esse processo confirma-se por meio do levantamento de expressões

metafóricas que se referem a Aristarco é deus aqui neste estudo. Nos capítulos

analisados, o diretor constantemente está atrelado a léxico que remete a deus, mas,

no final, embora ainda seja deus, torna-se um “deus caipora”, perdendo seu status

divino e, portanto, seu poder. A hegemonia de Aristarco cai por terra no final da obra,

ressaltando o papel do discurso da obra literária como prática social. Segundo

Gramsci (1999), o discurso se sustenta na luta hegemônica entre pessoas comuns na

sociedade, como professor e aluno, homem e mulher. Nesse sentido, considerando

alunos e diretor, Aristarco deteve o poder por muito tempo, porém não prevaleceu.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para terminar este estudo, retomo o objetivo apresentado inicialmente de fazer

um exame de cunho pragmático-cognitivo crítico das metáforas aliado à noção de

avaliatividade no processo persuasivo do discurso em O Ateneu, de Raul Pompeia.

Para tanto, pautei-me nas seguintes perguntas de pesquisa: (a) qual é o papel da

metáfora na construção da ideologia presente em O Ateneu? (b) que escolhas

lexicogramaticais referentes à avaliatividade compõem as metáforas nesse processo?

(c) como é feita a relação entre as escolhas lexicogramaticais da microestrutura do

texto com a macroestrutura da ideologia e relações de força do discurso?

Com relação à primeira pergunta, foi feito o levantamento das expressões

metafóricas usadas nos cinco capítulos analisados e, as metáforas mais usuais foram:

Aristarco é rei (24 ocorrências) e Aristarco é deus (22 ocorrências); essas metáforas

fundem-se em uma metáfora maior – Aristarco é poder. O diretor detém o poder

absoluto no Ateneu, representando o imperador naquele regime imperialista do

internato; Sérgio e outros internos posicionam-se contra Aristarco e seu despotismo.

Considerando que o Ateneu é um microcosmo social (Oliveira, 1978), essa metáfora

revela, de forma implícita, o posicionamento de Raul Pompeia contra o imperialismo

do século XIX no Brasil e confirma a hipótese da tese sobre um viés político-ideológico

da obra.

Nos capítulos I, IV, VIII e XI a hegemonia de Aristarco prevalece, sendo

reforçada com expressões metafóricas que remetem a alguma forma de poder;

entretanto, no capítulo VIII, Sérgio agride Aristarco e, portanto, o deus/rei do Ateneu

é tocado, profanado. Esse acontecimento, já mais próximo ao desfecho, demonstra

que Aristarco vai perdendo o poder conforme a evolução da narrativa.

Ao longo da obra, Raul Pompeia constrói na mente do leitor, por meio das

expressões metafóricas, uma metáfora maior - Aristarco é poder - cria a imagem de

um homem invencível. No final, porém, o autor desconstrói essa imagem usando a

metáfora do “deus caipora” que nada pode fazer para salvar-se e para salvar seu

internato da ruína. Dessa forma, Pompeia mostra que o poder absoluto no Ateneu

não prevaleceu e que, segundo consta em suas biografias sobre seus ideais, o poder

absoluto no Brasil também não deveria prevalecer. Raul Pompeia lutava por isso.

Nesse sentido, a metáfora torna-se ferramenta no processo de persuasão do leitor

acerca das ideologias do autor. (Charteris-Black, 2004)

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Respondendo à pergunta (b): que escolhas lexicogramaticais referentes à

avaliatividade compõem as metáforas nesse processo? As expressões metafóricas

de todos os capítulos contemplados neste estudo, quando analisadas por meio da

avaliatividade, mostraram que há julgamento (-) em forma de token com relação às

atitudes da personagem Aristarco. São em torno de 3 as ocorrências de afeto e

apreciação, e de julgamento (-) inscrito ou explícito em cada capítulo. Outro dado de

análise importante é o fato de, em algumas expressões metafóricas, o julgamento

parecer (+) em um primeiro momento, entretanto, considerando-se a noção de

enquadre do leitor, o julgamento é avaliado como (-) em forma de token, e, portanto,

irônico, uma vez que o julgamento tem o sentido oposto ao que é apresentado.

Ao analisar esses resultados, percebo que o autor não usa epítetos negativos

para descrever o diretor, tem preferência pelas críticas indiretas por meio de

julgamento (-) token, sendo assim, a imagem negativa de Aristarco é construída na

mente do leitor de forma gradual e sutil; paralelamente, a ironia colabora nessa

construção, uma vez que convida o leitor a compartilhar da perspectiva do autor de

forma implícita, segundo os estudos de El Refaie (2005) sobre esse recurso.

Por fim, considerando a evolução da narrativa no que tange à avaliatividade,

pude perceber que a personagem Aristarco é construída por meio de atitude (-) em

forma de token durante toda a obra e, somente no desfecho, as descrições e

julgamentos são feitos de forma direta com julgamento (-) inscrito. Logo, no último

capítulo, Aristarco é totalmente descoberto para o leitor, a leitura já não depende mais

do enquadre. O fato de a avaliatividade mudar de implícita para explícita, na teoria de

Macken-Horarik (2003), denomina-se metarrelação de oposição, pois há um contraste

com as fases anteriores da narrativa.

E quanto à pergunta (c): como é feita a relação entre as escolhas

lexicogramaticais da microestrutura do texto com a macroestrutura da ideologia e

relações de força do discurso? No que se refere à análise da microestrutura, com

relação à transitividade, o processo mais frequente envolvendo o diretor foi o material,

o que indica que Aristarco é o ator, o agente na narrativa. Ainda sobre as escolhas

lexicogramaticais que compõem a microestrutura, cito algumas das expressões

analisadas: “imortal”, “monstro japonês”, “domador”, “leiloeiro”, “homem sanduíche da

educação”, “soberano”, “autocrata”, “majestade”, “realeza”, “Napoleão”, “todo-

poderoso” etc., todas utilizadas pelo autor como elementos anafóricos ou como

qualificadores para Aristarco. Essas escolhas não só garantem a coesão textual, como

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também, conforme afirma Van Dijk (1988), superficializam a ideologia embutida na

microestrutura do texto, no caso de O Ateneu, superficializa uma imagem negativa de

um diretor ditador que não tem êxito no final e, à luz de seu exemplo, no macrocosmo

social, outros que se igualarem a ele, também não o terão. Além disso, a repetição de

certos itens lexicais constrói metáforas dominantes que criam um entendimento para

o leitor acerca do discurso na obra. (LAKOFF e JOHNSON, 1980)

De acordo com as respostas, posso concluir que as metáforas são usadas

persuasivamente para construir ideologia e expressar avaliação. Elas criam uma

versão da realidade e apelam para a emoção do leitor, causando um impacto que não

seria alcançado caso o autor não usasse esse recurso.

Raul Pompeia constrói uma imagem de Aristarco poderoso ao longo de toda a

narrativa, essa construção dá-se por meio de expressões metafóricas que remetem a

rei, deus, animal, juiz, empresário, dentre outras, que evidenciam seu poder no

microcosmo Ateneu. Aristarco é a autoridade máxima desse mundo, está no topo da

pirâmide hierárquica do internato, entretanto toda essa construção desfaz-se no último

capítulo, quando não há mais como alterar os fatos. Usando uma metáfora, Aristarco

vira cinzas no incêndio junto com o Ateneu; o que leva o leitor a repensar a grande

metáfora - Aristarco é poder? No final, seu poder é subjugado pela fúria de um

menino, então, ao que parece, ele nunca teve esse poder.

As metáforas de O Ateneu, na verdade, compõem uma mensagem, que

decodificada nas análises da microestrutura, torna-se mais clara: o poder absoluto

não é positivo e não deve ser almejado, uma vez que há de ser vencido em algum

momento. Segundo a autora Perrone-Moisés (1988), renomada especialista em crítica

literária, o tema principal de O Ateneu é o poder, e esta tese dialoga com a afirmação

da crítica por meio de um estudo lexicogramatical minucioso com base em teorias

linguísticas.

Finalizando meu trabalho, espero ter respondido de forma satisfatória às

questões que apresentei na introdução. Além disso, anseio por ter contribuído com os

estudos da linguagem propondo uma análise de obra literária com base na Linguística

Aplicada. Esse tipo de análise fomenta em professores e alunos, leitores de obras

literárias, um olhar mais crítico sobre o conteúdo lido e atento às ideologias

subjacentes, bem como aos processos persuasivos em textos que aparentemente não

são argumentativos.

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APÊNDICE A – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO I

Aristarco militar

Aristarco é militar → metáfora = tirano

Aristarco é militar

Alvo Fonte

“Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si, sobre os alunos, sobre os

espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de batalha.”

“Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si, sobre os alunos, sobre os

Ator Material Meta

espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de batalha”. JULGAMENTO (-) token

Discussão: a palavra “dominador” torna “os estandartes de batalha” algo negativo, bem como a associação diretor e militar.

Aristarco ator

Aristarco é ator → metáfora = fingidor

Aristarco é ator

Alvo Fonte

“Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer, o papel diáfano, sutil, metafísico,

de alma da festa e alma do seu instituto.”

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“Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer , o papel diáfano, GRADUAÇÃO FOCO ↑ GRADUAÇÃO FOCO ↑

Ator Material Alcance

sutil, metafísico, de alma da festa e alma do seu instituto.” JULGAMENTO (-) token

Discussão: entende-se “ator”, neste contexto, como fingidor, como alguém que segue um script calculado “ao pé da letra”, não age naturalmente com alunos e pais porque não pode perder a clientela.

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APÊNDICE B – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO IV

Aristarco ator

Aristarco é ator → metáfora = fingidor

Aristarco é ator

Alvo Fonte

“O diretor, arrepiando uma das cóleras olímpicas que de um momento para outro

sabia fabricar [...]”

“Aquela alma dúctil de artista sabia decair até à blandícia, até à lágrima a propósito.”

“O diretor, arrepiando uma das cóleras olímpicas

Comportante Comportamental

que de um momento para outro sabia fabricar, [...]”

GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token

Material

Discussão: “saber fabricar” uma cólera é um atributo de ator, mas esse é um conteúdo que está implícito, por isso analisado em forma de token.

“Aquela alma dúctil de artista sabia decair até à blandícia,

AFETO (-) token

Experienciador Mental

até à lágrima a propósito.”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: a expansão lexical “Aquela alma dúctil de artista” como termo anafórico para Aristarco é bastante irônica e enfatiza o caráter falso de Aristarco no trato com os alunos.

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Aristarco pai

Aristarco é pai → metáfora = cuidador

Aristarco é pai

Alvo Fonte

“Expandia-se às vezes sobre o Ateneu em rompimento de amor paterno, tão

derramado, tão jeitosamente sincero [...]”

“Expandia- se às vezes sobre o Ateneu em rompimento de amor paterno,

JULGAMENTO (-) token

Comportamental Comportante

tão derramado, tão jeitosamente sincero [...]”

GRADUAÇÃO FORÇA ↑ JULGAMENTO (-) token

Discussão: “amor paterno” e “sincero” são analisados como julgamento (-) em forma de token, porque Sérgio está sendo irônico, o contexto mostra que Aristarco não se sentia como pai dos internos, logo, não era uma atitude sincera. O narrador reforça a ironia com a graduação.

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APÊNDICE C – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO VIII

Aristarco domador

Aristarco é domador → metáfora = comandante

Aristarco é domador

Alvo Fonte

“Aristarco, passando, sorria do espetáculo como um domador poderoso que relaxa.”

“Aristarco, passando, sorria do espetáculo

Ator/ Comportante Material Comportamental Alcance

como um domador poderoso que relaxa.” JULGAMENTO (-) token

Comportamental

Discussão: se Aristarco é o domador, logo os alunos são animais treinados, como em um circo. A escolha da metáfora “domador” mostra, na subjacência, como token, a crítica do narrador ao diretor acerca do seu modo de tratar os alunos no internato.

Aristarco velho

Aristarco é velho → metáfora = frágil

Aristarco é velho

Alvo Fonte

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“Criança! feriste um velho!”

“Criança! feriste um velho!”

JULGAMENTO (-) token

Discussão: no momento em que Sérgio puxa o bigode de Aristarco, primeiro o diretor é mais enfático, chamando o menino pelo nome e utilizando o verbo “tocar”, depois de alguns minutos de conversa, o diretor usa um tom apelativo chamando-o de “criança” e trocando o verbo para “ferir”. Se em um primeiro momento o narrador coloca o diretor na posição de deus, que não pode ser tocado; em um segundo momento, ele se torna um homem frágil, um velho desrespeitado por uma criança.

Aristarco pai

Aristarco é pai → metáfora = cuidador

Aristarco é pai

Alvo Fonte

“Ah! meu filho, ferir a um mestre é como ferir ao próprio pai, e os parricidas serão

malditos.”

“Quando alguma coisa faltar, reclamem que aqui estou eu para as providências,

vosso Mestre, vosso pai!”

Aristarco é pai

“Ah! meu filho, ferir a um mestre é como ferir ao próprio pai, JULGAMENTO (-) token

e os parricidas serão malditos.”

Discussão: Aristarco assume um tom patriarcal tão somente na tentativa de comover Sérgio e fazê-lo arrepender-se, ele não se sentia como pai dos internos, por isso julgamento (-) token.

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“Quando alguma coisa faltar, reclamem que aqui estou eu para as providências,

Relacional Portador

vosso Mestre, vosso pai!”

AFETO (-) token

Aristarco empresário/interesseiro

Aristarco é empresário/interesseiro → metáfora = negociante

Aristarco é empresário/interesseiro

Alvo Fonte

“[...] surgiu-nos transformado, manso, liso como a própria cordura e a lealdade;

altivo, contudo, quanto comportava a submissão.”

“[...] surgiu-nos transformado, manso, liso como a própria cordura e a

JULGAMENTO (-) token

Comportamental

lealdade; (é) altivo, contudo, quanto comportava a submissão.” AFETO (-) token JULGAMENTO (-) token

Relacional

Discussão: “cordura” e “lealdade” estão classificados como julgamento (-) token porque foram aplicados de forma irônica. Assim como, “altivo, quanto comportava a submissão”, pois Aristarco fazia valer sua autoridade até o ponto de não perder aluno.

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APÊNDICE D – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO XI

Aristarco militar

Aristarco é militar → metáfora = tirano

Aristarco é militar

Alvo Fonte

“Os rapazes olhavam com o prazer do soldado que se orgulha do comandante.”

“Os rapazes olhavam com o prazer do soldado que se orgulha do comandante.”

JULGAMENTO (-) token

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APÊNDICE E – ANÁLISE DAS EXPRESSÕES METAFÓRICAS COM MENOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CAPÍTULO XII

Aristarco pai

Aristarco é pai → metáfora = cuidador

Aristarco é pai

Alvo Fonte

“Carregando a vista com toda a intensidade da força moral, segurou o discípulo

rijamente pelo braço e fê-lo sentar-se. “Tu ficarás, meu filho!”

“(Aristarco) Carregando a vista com toda a intensidade da força moral, segurou o discípulo

Ator Material Meta Material Meta

rijamente pelo braço e fê- lo sentar-se. “Tu ficarás, meu filho!” JULGAMENTO (-) token

Material Meta

Discussão: Aristarco toma os alunos para si como filhos somente diante dos pais, na situação acima, o pai de Américo estava presente, por isso o diretor assume um tom patriarcal.

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APÊNDICE F - TABELAS COM OCORRÊNCIAS DE METÁFORAS POR CAPÍTULO ANALISADO

Capítulo I

Rei 7

Gigante 3

Deus 5

Animal 3

Militar 1

Ator 1

Anúncio 3

Empresário 4

Total 27

Capítulo IV

Rei 6

Juiz 4

Deus 6

Ator 2

Pai 1

Total 19

Capítulo VIII

Rei 4

Domador 1

Deus 5

Velho 1

Pai 2

Ator 3

Juiz 4

Empresário 1

Total 21

Capítulo XI

Empresário 4

Ídolo 5

Orgulho 8

Rei 4

Militar 1

Total 22

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149

Capítulo XII

Rei 3

Pai 1

Derrota 6

Deus 1

Total 11

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APÊNDICE G – TABELA COM METÁFORAS MAIS FREQUENTES DE ACORDO COM AS ANÁLISES

1º Rei 24

2º Deus / ídolo 22

3º Empresário 9

4º Juiz 8

4º Orgulho 8

5º Ator 6

5º Derrota 6

6º Pai 4

7º Animal 3

7º Anúncio 3

7º Gigante 3

8º Militar 2

9º Domador 1

9º Velho 1

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ANEXO A – QUADRO DA METAFUNÇÃO IDEACIONAL

Quadro 9: Os processos da transitividade, seus participantes e circunstâncias

PROCESSO Características/Exemplos PARTICIPANTES C I R C U N S T Â N C I A S T O K E N V A L U E

1. MATERIAL (fazer) Teste: O que x fez?

criativo (escrever livro) dispositivo(matar rato) causativo(fez carregar) .

Ator Meta (Compro livros) Alcance (Fiz compras)8 Beneficiário (Compro livro para ele)

2. COMPORTAMENTAL [entre material e mental] (comportamento fisiológico e psicológico)

perto do mental: olhar, escutar, encarar, pensar, preocupar-se. perto do verbal: murmurar, tagarelar. fisiológicos: (manifest. estado consciência): gritar, rir, suspirar, amarrar a cara, grunhir. (outros fisio): respirar, tossir. perto do material: cantar, dançar.

Comportante (em geral ser consciente e 1 só)

(Alcance). [Veja abaixo]

3. MENTAL (sentir-gostar-pensar)

like-type (gostar de algo)9 (reversível) please-type (algo agrada) (reversível) Percepção (ver, ouvir) Afeto (gostar, temer) Cognição (pensar, saber entender)

Experienciador (humano)

Fenômeno (Alcance)

Pode projetar (ao contrário do material) Eu achei que ele iria.. Lula disse que faria...)

4.EXISTENCIAL (existir-acontecer)

haver, existir, permanecer, surgir etc. Existente

5. RELACIONAL (ser) [também: ter - estar] Tenho livros. Estou na PUC.

INTENSIVO (x é a) atributivo (ela é bonita) identificador (aquele é você) CIRCUNSTANCIAL (x está em a) atributivo como atributo (A piada é s/o papagaio) como processo (O peixe pesa 1kg) identificador como participante (Hoje é dia 10) como processo (A ponte cruza o rio) POSSESSIVO (x em a) atributivo como atributo (O piano é de Pedro) como processo (Pedro tem um piano) identificador como participante (O piano é de Pedro) como processo (Edu possui carro)

Portador Identificado

Atributo Identificador

6. VERBAL (dizer)

Participantes Eu (disse) uma coisa para ele

dizer, contar, perguntar, prometer, descrever, dar10 ordem, fazer afirmação, elogiar, insultar, amaldiçoar, criticar

Dizente Eu disse que ...

Verbiagem (o que é dito): a) conteúdo Descreva o apto. b) nome do dito Fazer perguntas.

Receptor Diga-me tudo.

Alvo Ela elogia o filho para seus amigos. (insultar, caluniar, lisonjear, criticar

Outros participantes

Beneficiário (Recipiente ou Cliente)

Comprar anel p/esposa Pintar quadro p/você11 Beneficiário Cliente

Alcance (Escopo do processo)

(i) expressa domínio12: Ela subiu a montanha (ii) expressa o próprio processo13 : Maria sonha sonhos/joga tênis14

com processo material: assinar nome, montar o cavalo, com processo comportamental: chorar lágrimas com processo mental: preferir café, reconhecer rosto com processo verbal: fez discurso, que pergunta quer fazer?

Fonte: HALIIDAY (1994) Resumido por Ikeda

8 Não posso perguntar: O que eu fiz para as compras? 9 gosto-agrada-me; temo/ amendronta-me; esqueço/escapa-me; acredito/convence-me; admiro/impressiona-me 10 verbo 'vazio' (agora não diga mais nada, dar uma ordem, fazer uma afirmação; falar árabe) 11 Meta criada (não do tipo dispositivo) 12 Complemento circunstancial (antigo)? 13 Objeto direito interno da gramática tradicional? 14 Tênis não é uma entidade, mas o ato de jogar tênis.

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ANEXO B – QUADRO DOS SUBSISTEMAS DA AVALIATIVIDADE

Quadro 10: Os subsistemas da avaliatividade (completo)

COMPROMISSO

(a) monoglóssico (sem negociação) [O livro é maravilhoso.] (b) heteroglóssico (com negociação) [Acho que o livro é maravilhoso.]

ATITUDE

(a) Afeto

(in)Felicidade [Foi uma festa adorável.]

(in)Segurança [Está confortável aqui.]

(in)Satisfação [Não gostei da atitude dele.]

(b) Julgamento

Estima Social

Normalidade (é óbvio? é insólito?)

Capacidade (não/consegue superar?)

Tenacidade (não/desiste?)

Sanção Social

Veracidade (é falso? é crível?)

Propriedade (moralmente in/aceitável?)

(c) Apreciação

Reação (impacto): (Isso me cativa?) Reação (qualidade): (Eu gosto disso?)

Composição (equilíbrio): (Eles não/combinam?) Composição (complexidade): (fácil/difícil de compreender?)

Valoração [não/vale a pena?]

(c') Avaliação Social (uma subcategoria de apreciação, refere-se à avaliação positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.)

GRADUAÇÃO

(a) Força Aumenta [completamente devastado] Diminui [um pouco chateado]

(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]